escola anna nery revista de enfermagem · dr . maria da luz barbosa gomes / eean - ufrj prof.ª...

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ESCOLA ANNA NERY REVISTA DE ENFERMAGEM volume 10 . número 4 . dezembro 2006 Como órgão oficial de difusão científica da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Escola Anna Nery Revista de Enfermagem tem por finalidade a publicação de trabalhos originais de autores brasileiros e de outros países, relativos à Enfermagem, Saúde e outras áreas afins. Assim, o processo editorial da Revista procura apresentar à comunidade científica, textos que apresentem uma contribuição significativa para a área. Com periodicidade trimestral, a Revista publica resultados de investigações, estudos teóricos, revisões críticas da literatura e atualidades relevantes para a profissão, em consonância com as tendências contemporâneas de interdisciplinaridade entre áreas de conhecimento. Os requisitos necessários ao encaminhamento de manuscritos para publicação neste periódico estão fundamentados nos “Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos”, denominado estilo “Vancouver”, do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas e em outros documentos normalizadores de publicações. Anna Nery School Journal of Nursing Escuela Anna Nery Revista de Enfermería POLÍTICA EDITORIAL As the official institution of scientific diffusion of the Anna Nery School of Nursing of the Federal University of Rio de Janeiro, the Anna Nery School Journal of Nursing has the purpose of publishing original works from Brazilian authors and from other countries related to Nursing, health, and related areas. Thus, the publishing process of the Journal looks forward to presenting to the scientific community texts that show a significant contribution to the area. Every quarter the Journal publishes investigation results, theoretical studies, critical literature reviews and relevant updated information for the profession. The necessary requirements for submitting manuscripts for publication in this periodical are based on the “Uniform requirements for manuscripts presented to biomedical periodicals”, named “Vancouver” style, described by the International Committee of Publishers of Medical Magazines and other documents that normalize publications. Como órgano oficial de difusión científica de la Escuela de Enfermería Anna Nery, de la Universidad Federal de Rio de Janeiro, la Escuela Anna Nery Revista de Enfermería tiene por finalidad la publicación de trabajos originales de autores brasileños y de otros países referentes a la Enfermería, a la Salud y a otras áreas afines. Así, el proceso editorial de Revista procura presentar a la comunidad científica textos que tengan una contribuición significativa para el área. Con periodicidad trimestral, la revista publica resultados de investigaciones, estudios teóricos, revisiones críticas de la literatura y actualidades relevantes para la profesión. Los requisitos necesarios para el envío de manuscritos para publicación en este periódico están basados en los “Requisitos Uniformes para Manuscritos presentados a periódicos biomedicos”, denominado de estilo “Vancouver”, del Comité Internacional de Revistas Médicas, y en otros documentos normalizadores de publicaciones. EDITORIAL POLICY POLITICA EDITORIAL ISSN: 1414-8145 ISSN: 1414-8145 ISSN: 1414-8145 ISSN: 1414-8145 ISSN: 1414-8145

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Page 1: ESCOLA ANNA NERY REVISTA DE ENFERMAGEM · Dr . Maria da Luz Barbosa Gomes / EEAN - UFRJ Prof.ª Dr.ª Maria da Soledade Simeão dos Santos / EEAN - UFRJ Prof.ª Dr.ª Maria do Livramento

ESCOLA ANNA NERYREVISTA DE ENFERMAGEM

volume 10 ..... número 4 ..... dezembro 2006

Como órgão oficial de difusão científica da Escola de Enfermagem Anna Nery da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, a Escola Anna Nery Revista de Enfermagem tem por finalidade apublicação de trabalhos originais de autores brasileiros e de outros países, relativos àEnfermagem, Saúde e outras áreas afins. Assim, o processo editorial da Revista procuraapresentar à comunidade científica, textos que apresentem uma contribuição significativa paraa área. Com periodicidade trimestral, a Revista publica resultados de investigações, estudosteóricos, revisões críticas da literatura e atualidades relevantes para a profissão, em consonânciacom as tendências contemporâneas de interdisciplinaridade entre áreas de conhecimento. Osrequisitos necessários ao encaminhamento de manuscritos para publicação neste periódicoestão fundamentados nos “Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicosbiomédicos”, denominado estilo “Vancouver”, do Comitê Internacional de Editores de RevistasMédicas e em outros documentos normalizadores de publicações.

Anna Nery SchoolJournal of Nursing

Escuela Anna NeryRevista de Enfermería

POLÍTICA EDITORIAL

As the official institution of scientific diffusionof the Anna Nery School of Nursing of theFederal University of Rio de Janeiro, the AnnaNery School Journal of Nursing has thepurpose of publishing original works fromBrazilian authors and from other countriesrelated to Nursing, health, and related areas.Thus, the publishing process of the Journallooks forward to presenting to the scientificcommunity texts that show a significantcontribution to the area. Every quar ter theJournal publishes investigation results,theoretical studies, critical literature reviewsand relevant updated information for theprofession. The necessary requirements forsubmitting manuscripts for publication in thisperiodical are based on the “Uniformrequirements for manuscripts presented tobiomedical periodicals”, named “Vancouver”style, described by the International Committeeof Publishers of Medical Magazines and otherdocuments that normalize publications.

Como órgano oficial de difusión científica dela Escuela de Enfermería Anna Nery, de laUniversidad Federal de Rio de Janeiro, laEscuela Anna Nery Revista de Enfermeríatiene por finalidad la publicación de trabajosoriginales de autores brasileños y de otrospaíses referentes a la Enfermería, a la Salud ya otras áreas afines. Así, el proceso editorialde Revista procura presentar a la comunidadcientífica textos que tengan una contribuiciónsignificativa para el área. Con periodicidadtrimestral, la revista publica resultados deinvestigaciones, estudios teóricos, revisionescrít icas de la l iteratura y actualidadesrelevantes para la profesión. Los requisitosnecesarios para el envío de manuscritos parapublicación en este periódico están basadosen los “Requisitos Uniformes para Manuscritospresentados a periódicos biomedicos”,denominado de estilo “Vancouver”, del ComitéInternacional de Revistas Médicas, y en otrosdocumentos normalizadores de publicaciones.

EDITORIAL POLICY POLITICA EDITORIAL

ISSN: 1414-8145ISSN: 1414-8145ISSN: 1414-8145ISSN: 1414-8145ISSN: 1414-8145

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CONSELHO DELIBERACONSELHO DELIBERACONSELHO DELIBERACONSELHO DELIBERACONSELHO DELIBERATIVTIVTIVTIVTIVOOOOODELIBERATIVE BODY / CONSEJO DELIBERATIVOProfa. Dra. Maria Antonieta Rubio Tyrrell / EEAN - UFRJProf.a Dr.a Neide Aparecida Titonelli Alvim / EEAN - UFRJProf. Dr. Paulo Vaccari Caccavo / EEAN - UFRJProf.a Dr.a Maria Catarina Salvador da Motta / EEAN - UFRJProf.a Dr.a Isaura Setenta Porto / EEAN - UFRJ

CONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALEDITORIAL BODY / CONSEJO EDITORIALNNNNNAAAAACIONCIONCIONCIONCIONAL AL AL AL AL ///// N N N N NAAAAATIONTIONTIONTIONTIONALALALALALProf.ª Dr.ª Ana Fátima Carvalho Fernandes / DE - UFCProf. Dr. André de Faria Pereira Neto / FIOCRUZ - Ministério da SaúdeProf.ª Dr.ª Antônia Regina Ferreira Furegato / EERP - USPProfª. Drª. Cristina Douat Loyola / EEAN - UFRJProf.ª Dr.ª Conceição Vieira da Silva /DE - UNIFESPProf.ª Emérita Dr.ª Elvira de Felice Souza / EEAN -UFRJProfª. Drª. Ieda de Alencar Barreira / EEAN - UFRJProfª. Drª. Isabel Amélia Costa Mendes / EERP - USPProf.ª Dr.ª Isabel Cristina dos Santos Oliveira / EEAN - UFRJProfa. Dra. Ivone Evangelista Cabral / EEAN - UFRJProf.ª Emérita Dr.ª Josete Luzia Leite / EEAP - UNIRIOProf.ª Dr.ª Ligia Paim / Curso de Enfermagem -Universidade do Vale do ItajaíProf.ª Dr.ª Lorita Marlena Freitag Pagliuca / DE - UFCProfª. Drª. Maria Antonieta Rubio Tyrrell / EEAN - UFRJProfª. Drª. Maria Itayra Coelho de Souza Padilha / DE - UFSCProfª. Drª. Maria Cecília Puntel de Almeida / EERP - USPProfa. Dra. Namie Okino Sawada / EERP - USPProfª. Drª. Nébia Maria Almeida de Figueiredo / EEAP - UNIRIOProfª. Drª. Nilce Piva Adami / DE - UNIFESPProfa. Dra. Raimunda Magalhães da Silva / UNIFORProfa. Dra. Regina Célia Gollner Zeitoune / EEAN - UFRJProfa. Dra. Rosângela da Silva Santos / EEAN - UFRJProfa. Dra. Semiramis Melani Melo Rocha / EERP - USPProfª. Drª. Suely de Souza Baptista / EEAN - UFRJProfª. Emérita Drª. Vilma de Carvalho / EEAN - UFRJ

IIIIINTERNNTERNNTERNNTERNNTERNAAAAACIONCIONCIONCIONCIONAL AL AL AL AL ///// INTERNINTERNINTERNINTERNINTERNAAAAATTTTTIONIONIONIONIONALALALALALBeatriz Arana Gómez /Universidad Autónoma del Estado de MéxicoCarolyn Waltz Ph.D / University of Maryland (USA)Elvira Rodriguez Antinori Ph.D / Universidad Nacional de Trujillo (Peru)Jacques Henri Maurice Gauthier Ph.D / Université de Paris VIIIKelly Myrian Jimenez de Aliaga Ph.D /Universidad Autónoma de Tamaulipas (México)Luz Angélica Muñoz Gonzalez Ph.D /Universidad Andrés Bello (Chile)Manuel Lillo Crespo Ph. D / Universidad de Alicante (ES)Maria da Glória Miotto Wright Ph.D /Organization of the American StatesMarta Hetsell / University of New YorK (USA)Michel Perreault Ph.D / Université du Montreal (Canadá)Robbie Davis Floyd Ph.D / University of Texas (USA)Rosa Maria Nájera Ph.D /Universidad Autonoma Metropolitana - XochimilcoSara Torres RN Ph.D /University of Medicine and Dentristy of New Jersey (USA)Sebastián Bustamante Edquén Ph.D /Universidad Nacional de Trujillo (Peru)Violeta Ribeiro Ph.D / University of New Foundland (USA)

COMISSÃO EDITORIALCOMISSÃO EDITORIALCOMISSÃO EDITORIALCOMISSÃO EDITORIALCOMISSÃO EDITORIALEDITORIAL COMMITTEE / COMISIÓN EDITORIALEditor Chefe / Chief Editor / Editor JefeProfa. Dra. Isaura Setenta Porto / EEAN - UFRJEditor Assistente / Assistent Editor / Editor AsistenteProfª Drª Maria Helena do Nascimento Souza / EEAN - UFRJEditores Associados / Associated Editors / Editores AsociadosProfª. Drª. Ana Beatriz Queiroz / EEAN - UFRJProfª. Drª. Marluci Conceição Stipp / EEAN - UFRJProf. Dr. Antonio José de Almeida Filho / EEAN - UFRJ

CONSELHO DE CONSELHO DE CONSELHO DE CONSELHO DE CONSELHO DE CCCCCONSULONSULONSULONSULONSULTTTTTORES ORES ORES ORES ORES AD HOCAD HOCAD HOCAD HOCAD HOCAD HOC ADVISERS BODY / CONSEJEROS AD HOCProfª. Drª. Aidê Ferreira Ferraz / UFMGProfª. Drª. Ana Inês Sousa / EEAN - UFRJProfª. Drª. Ana Maria Domingos / EEAN - UFRJProf.ª Dr.ª Angela Maria Mendes Abreu / EEAN - UFRJProfa. Dra. Beatriz Guitton Renaud Baptista de Oliveira / EEAAC - UFFProfa. Dra. Benedita Maria Rêgo Deusdará Rodrigues /FE - UERJProfª. Drª. Carla Luzia França Araújo / EEAN - UFRJProf.ª Dr.ª Claudete Ferreira de Souza Monteiro / DE - UFPIProfa. Dra. Claudia Mara de Mello Tavares / EEAAC - UFFProfa. Dra. Claudia Santos/ EEAN - UFRJProfa. Dra. Deyse Conceição Santoro Batista / EEAN - UFRJProfa. Dra. Elisabete Pimenta Araújo Paz / EEAN - UFRJProfa. Dra. Enedina Soares/ EEAP - UNIRIOProfª. Drª. Elizabeth Teixeira / DE - UEPAProfa. Dra. Enirtes Caeteno Prates Melo / EEAP - UNIRIOProfa. Dra. Fátima Helena do Espírito Santo / EEAAC - UFFProf. Dr. Francisco Carlos Félix Lana / EE - UFMGProfa. Dra. Florence Romijn Tocantins / EEAP - UNIRIOProfa. Dra. Gertrudes Teixeira Lopes / FE - UERJProfa. Dra. Glória da Conceição Mesquita Leitão / DE - UFCProfa. Dra. Ida Hauns de Freitas Xavier / EE - UFFGSProfa. Dra. Iraci dos Santos / FE - UERJProf.ª Dr.ª Inez Sampaio Nery / DE - UFPIDra. Jaqueline da Silva / EEAN - UFRJProfa. Dra. Jane Márcia Progianti / FE - UERJProf. Dr. João Ferrreira da Silva Filho / IPUB - UFRJProfa. Dra. Kaneji Shiratori / EEAP - UNIRIOProfa. Dra. Lolita Dopico / FE - UERJProfa. Dra. Lúcia Helena Silva Corrêia Lourenço / EEAN - UFRJProfa. Dra. Márcia de Assunção Ferreira / EEAN - UFRJProfa. Dra. Márcia Teresa Luz Lisboa / EEAN - UFRJProf. Dr. Marcos Antonio Gomes Brandão / EEAN - UFRJProfª. Drª. Margarethe Maria Santiago Rêgo / EEAN - UFRJProfa. Dra. Maria Aparecida de Luca Nascimento / EEAP - UNIRIOProfa. Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura / EEAN - UFRJProfª. Drª. Maria Catarina Salvador da Motta / EEAN - UFRJProfa. Dra. Maria da Luz Barbosa Gomes / EEAN - UFRJProf.ª Dr.ª Maria da Soledade Simeão dos Santos / EEAN - UFRJProf.ª Dr.ª Maria do Livramento Fortes Figueiredo / DE - UFPIProfa. Dra. Maria Grasiela Teixeira Barroso / DE - UFCProfa. Dra. Maria Henriqueta Luce Kruce / EE - UFRGSProfa. Dra. Maria José Coelho / EEAN - UFRJProfa. Dra. Maria Luiza Gonzales Riesgo / EE - USPProf.ª Dr.ª Maria Magda Ferreira Gomes Balieiro / EE - USP

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PRODUÇÃOPRODUÇÃOPRODUÇÃOPRODUÇÃOPRODUÇÃOCentral de Eventos Científicos e Culturais EEAN//UFRJCoordenação AcadêmicaProfª Drª Maria Helena do Nascimento Souza

Jornalista ResponsávelRaphaela Ximenes Machado(Registro MT: JP23872 RJ)

BibliotecáriasLúcia Marina Boiteux de F. RodriguesLúcia Maria Pinho

Apoio AdministrativoFabiana dos Santos RamadaGina Caruso Mac Donald Brouck

Projeto Gráfico /Capa/Editoração EletrônicaRaphaela Ximenes Machado

Revisão de Português, Inglês e EspanholProf. Vanderley Jarbas S. ClosRaphaela Ximenes Machado

Profa. Dra. Maria Tereza Coimbra de Carvalho /Centro Universitário Vila Velha (ES)Profa. Dra. Maria Therezinha Nóbrega da Silva / FE - UERJProfª. Drª. Marilurde Donato / EEAN - UFRJProfª. Drª. Marlea Chagas Moreira / EEAN - UFRJProfa. Dra. Marlene Alves de Oliveira Carvalho /Faculdade de Educação - UFRJProfª. Drª. Marli Villela Mamede / EERP - USPProf.ª Dr.ª Mirian Paiva / EE - UFBAProfa. Dra. Neide Aparecida Titonelli Alvim / EEAN - UFRJProf. Dr. Osnir Claudiano da Silva Junior / EEAP - UNIRIOProf. Dr. Paulo Vaccari Caccavo / EEAN - UFRJProfa. Dra. Rita Batista Santos / EEAN - UFRJProfa. Dra. Rosane Harter Griep / FIOCRUZ - Ministério da SaúdeProfa. Dra. Rosane Mara Pontes de Oliveira / EEAN - UFRJProfa. Dra. Ruth Mylius Rocha / FE - UERJProfa. Dra. Sheila Nascimento Pereira Farias / EEAN - UFRJProfa. Dra. Sílvia Teresa Carvalho de Araújo / EEAN - UFRJProfa. Dra. Sonia Mara Farias Simões/ EEAAC - UFFProf.ª Dr.ª Stela Maris de Mello Padoin / DE - UFSMProfa. Dra. Sueli Rezende Cunha / FIOCRUZ - Ministério da SaúdeProfa. Dra. Tânia Cristina Franco Santos / EEAN - UFRJEnf.ª Drª. Teresa Caldas Camargo /Instituto Nacional do Câncer - Ministério de Ciência e TecnologiaProf.ª Dr.ª Telma Maria Evangelista Araújo / DE - UFPIProfa. Dra. Thelma Leite de Araújo / DE - UFCProf.ª Dr.ª Violante Augusta Batista Braga / DE - UFCProf. Dr. Wellington Mendonça de Amorim / EEAP - UNIRIOProf. Dr. William César Alves Machado / Faculdade de EnfermagemJuiz de Fora - Universidade Presidente Antonio CarlosProfa. Dra. Zenith Rosa Silvino / EEAAC - UFFProfa. Dra. Zuila Maria de Figueiredo Carvalho / DE - UFC

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613613613613613SUMÁRIO

ANNA NERY SCHOOLJOURNAL OF NURSINGESCUELA ANNA NERYREVISTA DE ENFERMERÍAvolume 10 . número 4 . dezembro 2006

PESQUISARESEARCH/INVESTIGACIÓN

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EDITORIAL

Um Espaço parUm Espaço parUm Espaço parUm Espaço parUm Espaço para a Enfa a Enfa a Enfa a Enfa a Enfererererermamamamamagggggem Psiquiátricaem Psiquiátricaem Psiquiátricaem Psiquiátricaem Psiquiátricae de Saúde Mentale de Saúde Mentale de Saúde Mentale de Saúde Mentale de Saúde MentalA Space for the Psychiatric and Mental Health NursingUn Espacio para la Enfermería Psiquiátrica y de Salud MentalRosane Mara Pontes de Oliveira

FAC-SÍMILEFACSIMILE/FACSÍMILE

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação/////Presentation/PresentaciónAntonio José Almeida FilhoFernando Rocha PortoLúcia Helena Silva Corrêa LourençoDocumento originalDocumento originalDocumento originalDocumento originalDocumento original/////Original document/Documento originalAAAAApt idões e dept idões e dept idões e dept idões e dept idões e devvvvverererereres da Enfes da Enfes da Enfes da Enfes da Enfererererer meirmeirmeirmeirmeir a de Hya de Hya de Hya de Hya de Hygiene Mentalgiene Mentalgiene Mentalgiene Mentalgiene MentalAptitudes and Duties of the Nurse of Mental HygieneAptitudes y Deberes de la Enfermera de Higiene Mental

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ESCOLA ANNA NERYREVISTA DE ENFERMAGEM

SUMMARYSUMARIO

Loucura e Complexidade na Clínica do CotidianoLoucura e Complexidade na Clínica do CotidianoLoucura e Complexidade na Clínica do CotidianoLoucura e Complexidade na Clínica do CotidianoLoucura e Complexidade na Clínica do CotidianoMadness and Complexity in the Daily Life ClinicLocura y Complejidad en la Clínica del CotidianoRaul Fernando Sotelo Prandoni Maria Itayra C. de Souza Padilha

O Cuidado de EnfO Cuidado de EnfO Cuidado de EnfO Cuidado de EnfO Cuidado de Enfererererermamamamamagggggem Fem Fem Fem Fem Famil iar / Exótico naamil iar / Exótico naamil iar / Exótico naamil iar / Exótico naamil iar / Exótico naUnidade de InterUnidade de InterUnidade de InterUnidade de InterUnidade de Internação Psiquiátrica:nação Psiquiátrica:nação Psiquiátrica:nação Psiquiátrica:nação Psiquiátrica: Do Do Do Do Do Asilar parAsilar parAsilar parAsilar parAsilar paraaaaaa Reabil itação Psicossociala Reabil itação Psicossociala Reabil itação Psicossociala Reabil itação Psicossociala Reabil itação PsicossocialThe Family / Exotic Nursing Care in the Psychiatric Internment Unit:From the Sheltering to the Psychosocial RehabilitationEl Cuidado de Enfermería Familiar / Exótico en la Unidad de InternaciónPsiquiátrica: Del Asilar para la Rehabilitación PsicosocialEdna Gurgel Casanova Isaura Setenta PortoNébia Maria Almeida de Figueiredo

Pintando Novos Caminhos: A Visita Domiciliar em SaúdePintando Novos Caminhos: A Visita Domiciliar em SaúdePintando Novos Caminhos: A Visita Domiciliar em SaúdePintando Novos Caminhos: A Visita Domiciliar em SaúdePintando Novos Caminhos: A Visita Domiciliar em SaúdeMental como DispositiMental como DispositiMental como DispositiMental como DispositiMental como Dispositivvvvvo de Cuidado de Enfo de Cuidado de Enfo de Cuidado de Enfo de Cuidado de Enfo de Cuidado de EnfererererermamamamamagggggemememememPainting New Paths: The Home Visit in Mental Healthas a Device of Nursing CarePintando Nuevos Caminos: La Visita Domiciliaria en Salud Mental comoDispositivo de Intervención de EnfermeríaRosane Mara Pontes de Oliveira Cristina Maria Douat Loyola

A Doença Mental Vivida por um Paciente Psiquiátrico:A Doença Mental Vivida por um Paciente Psiquiátrico:A Doença Mental Vivida por um Paciente Psiquiátrico:A Doença Mental Vivida por um Paciente Psiquiátrico:A Doença Mental Vivida por um Paciente Psiquiátrico:Suas PercepçõesSuas PercepçõesSuas PercepçõesSuas PercepçõesSuas PercepçõesThe Mental Illness Experienced by Psichiatric Patient:Their PerceptionsLa Enfermedad Mental Vivida por Paciente Psiquiatrico:Sus PercepcionesAntonia Regina Ferreira Furegato Edilaine Cristina da Silva

Compreendendo o Alcoolismo na FamíliaCompreendendo o Alcoolismo na FamíliaCompreendendo o Alcoolismo na FamíliaCompreendendo o Alcoolismo na FamíliaCompreendendo o Alcoolismo na FamíliaUnderstanding Alcoholism in the Family ContextComprendiendo el Alcoholismo en la FamíliaCarmen Lúcia Alves Filizola Camila de Jesus PerónMariana Montagner Augusto do NascimentoSofia Cristina Iost Pavarini José Fernando Petrilli Filho

Hospital de Custódia: Os Direitos Preconizados pelaHospital de Custódia: Os Direitos Preconizados pelaHospital de Custódia: Os Direitos Preconizados pelaHospital de Custódia: Os Direitos Preconizados pelaHospital de Custódia: Os Direitos Preconizados pelaRRRRRefefefefeforororororma Psiquiátrica e a Rma Psiquiátrica e a Rma Psiquiátrica e a Rma Psiquiátrica e a Rma Psiquiátrica e a Realidade dos Interealidade dos Interealidade dos Interealidade dos Interealidade dos InternosnosnosnosnosHospital of Custody: The Rights Recommended by the PsychiatricReform and the Patients’ RealityHospital de Custodia: Los Derechos Preconizados por la ReformaPsiquiátrica y la Realidad de los InternosMaria Sirene Cordioli Miriam Süsskind BorensteinAnesilda Alves de Almeida Ribeiro

O Processo de Institucionalização de Detentos:O Processo de Institucionalização de Detentos:O Processo de Institucionalização de Detentos:O Processo de Institucionalização de Detentos:O Processo de Institucionalização de Detentos:PPPPPererererer spectispectispectispectispectivvvvvas de Ras de Ras de Ras de Ras de Reaeaeaeaeabil itação e Rbil itação e Rbil itação e Rbil itação e Rbil itação e Reinserção Socialeinserção Socialeinserção Socialeinserção Socialeinserção SocialThe Institutionalization Process of Detainees:Perspectives in Social Rehabilitation and ReintegrationEl Proceso de Institucionalización de Detenidos:Perspectivas de Rehabilitación y Reinserción SocialGuaraci Pinto Alice Hirdes

Ensino de EnfEnsino de EnfEnsino de EnfEnsino de EnfEnsino de Enfererererermamamamamagggggem Psiquiátrica/Saúde Mentalem Psiquiátrica/Saúde Mentalem Psiquiátrica/Saúde Mentalem Psiquiátrica/Saúde Mentalem Psiquiátrica/Saúde Mentalna Fna Fna Fna Fna Faculdade de Enfaculdade de Enfaculdade de Enfaculdade de Enfaculdade de Enfererererer mamamamamagggggem da Uniem da Uniem da Uniem da Uniem da Univvvvvererererer sidadesidadesidadesidadesidadeFederal de GoiásFederal de GoiásFederal de GoiásFederal de GoiásFederal de GoiásPsychiatric Nursing and Mental Health Education in Nursing Collegeof the Federal University of Goiás - BrazilEnseñanza de Enfermería Psiquiátrica Y Salud Mental en la Facultad deEnfermería de la Universidad Federal de Goiás - BrasilDenize Bouttelet Munari Maria Tereza Hagen GodoyElizabeth Esperidião

REFLEXÃOREFLECTION/REFLEXIÓN

TTTTTrrrrr aaaaabalho e Cuidado no Contebalho e Cuidado no Contebalho e Cuidado no Contebalho e Cuidado no Contebalho e Cuidado no Contexto da xto da xto da xto da xto da AtençãoAtençãoAtençãoAtençãoAtençãoPsicossocial: Algumas ReflexõesPsicossocial: Algumas ReflexõesPsicossocial: Algumas ReflexõesPsicossocial: Algumas ReflexõesPsicossocial: Algumas ReflexõesWork and Care in the Psychosocial Attention Context: Some ReflectionsTrabajo y Cuidado en el Contexto de la Atención Psicosocial:Algunas ReflexionesAlice Guimarães Bottaro de Oliveira

Ampliando o Campo da Atenção Psicossocial:Ampliando o Campo da Atenção Psicossocial:Ampliando o Campo da Atenção Psicossocial:Ampliando o Campo da Atenção Psicossocial:Ampliando o Campo da Atenção Psicossocial:A A A A A ArArArArAr ticulação dos Centrticulação dos Centrticulação dos Centrticulação dos Centrticulação dos Centros de os de os de os de os de AtençãoAtençãoAtençãoAtençãoAtençãoPsicossocial com a Saúde da FamíliaPsicossocial com a Saúde da FamíliaPsicossocial com a Saúde da FamíliaPsicossocial com a Saúde da FamíliaPsicossocial com a Saúde da FamíliaExtending the Field of the Psychosocial Attention: The Joint of theCenters of Psychosocial Attention with the Health of the FamilyAmpliando el Campo de la Atención Psicosocial: La Articulación de losCentros de Atención Psicosocial con la Salud de la FamiliaÂndréa Cardoso de Souza

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ERRATAMISPRINTERRATA

INSTRUÇÕES PARAPUBLICAÇÃO DE MANUSCRITOSPUBLISHING INSTRUCTIONS FOR MANUSCRIPTPUBLICATIONINTRUCCIONES PARA LAPUBLICACIÓN DE MANUSCRITOS

FICHA DE ASSINATURASUBSCRIPTION FORMFICHA DE SUSCRIPCIÓN

RELATO DE EXPERIÊNCIAEXPERIENCE REPORT/RELATO DE EXPERIENCIA

ENSAIOESSAY/ENSAYO

Uma Uma Uma Uma Uma VVVVViaiaiaiaiagggggem na História da Enfem na História da Enfem na História da Enfem na História da Enfem na História da EnfererererermamamamamagggggemememememPsiquiátrica no Início do Século XXPsiquiátrica no Início do Século XXPsiquiátrica no Início do Século XXPsiquiátrica no Início do Século XXPsiquiátrica no Início do Século XXA Travel in the Psychiatric Nursing History in the Beginningof the 20th CenturyUno Viaje en la Historia de la Enfermería Psiquiátricaen el Principio del Siglo XXNadja Cristiane Lappann Botti

LiderLiderLiderLiderLiderança em Enfança em Enfança em Enfança em Enfança em Enfererererermamamamamagggggem Psiquiátricaem Psiquiátricaem Psiquiátricaem Psiquiátricaem PsiquiátricaLeadership in Psychiatric NursingLiderazgo en Enfermería PsiquiátricaSabrina da Costa Machado Marluci Andrade Conceição StippRosane Mara Pontes de Oliveira Marléa Chagas MoreiraLília Marques Simões Josete Luzia Leite

O EnfO EnfO EnfO EnfO Enfererererermeirmeirmeirmeirmeiro Nos Noo Nos Noo Nos Noo Nos Noo Nos Novvvvvos Dispositios Dispositios Dispositios Dispositios DispositivvvvvosososososAssistenciais em Saúde MentalAssistenciais em Saúde MentalAssistenciais em Saúde MentalAssistenciais em Saúde MentalAssistenciais em Saúde MentalThe Nurse in the New Assistance Device in Mental HealthEl Enfermero en los Nuevos Dispositivos Asistenciales en Salud MentalClaudia Barbastefano Monteiro

Análise Crít ica de uma Experiência de IntegraçãoAnálise Crít ica de uma Experiência de IntegraçãoAnálise Crít ica de uma Experiência de IntegraçãoAnálise Crít ica de uma Experiência de IntegraçãoAnálise Crít ica de uma Experiência de Integraçãodo Estágio de Enfdo Estágio de Enfdo Estágio de Enfdo Estágio de Enfdo Estágio de Enfererererermamamamamagggggem em Saúde Mental aoem em Saúde Mental aoem em Saúde Mental aoem em Saúde Mental aoem em Saúde Mental aoSistema Único de SaúdeSistema Único de SaúdeSistema Único de SaúdeSistema Único de SaúdeSistema Único de SaúdeCritical Analysis of an Integration Experience of Mental Health NursingTraining Period in the Brazilian Unified Health SystemAnálisis Crítico de una Experiencia de la Integración del Período deEntrenamiento de Enfermería en Salud Mental alSistema Unificado de Salud en BrasilCláudia Mara de Melo Tavares

Saúde Mental:Saúde Mental:Saúde Mental:Saúde Mental:Saúde Mental: Do Do Do Do Do VVVVVelho ao Noelho ao Noelho ao Noelho ao Noelho ao Novvvvvo Po Po Po Po Parararararadigma -adigma -adigma -adigma -adigma -Uma ReflexãoUma ReflexãoUma ReflexãoUma ReflexãoUma ReflexãoMental Health: From the Old to the New Paradigm - A ReflectionSalud Mental: Del Viejo al Nuevo Paradigma - Una ReflexiónMarlene Gomes Terra Dorotéa Loes RibasFernanda Sarturi Alacoque Lorenzini Erdmann

Um Entendimento Linear SobrUm Entendimento Linear SobrUm Entendimento Linear SobrUm Entendimento Linear SobrUm Entendimento Linear Sobre a e a e a e a e a TTTTTeoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peeeeeplauplauplauplauplaue os Princípios da Re os Princípios da Re os Princípios da Re os Princípios da Re os Princípios da Refefefefeforororororma Psiquiátrica Brma Psiquiátrica Brma Psiquiátrica Brma Psiquiátrica Brma Psiquiátrica Brasileirasileirasileirasileirasileir aaaaaAn Agreement About the Peplau’s Theory and the Principles of theBrazilian Psychiatric ReformationUn Entendimiento Sobre la Teoría de Peplau y los Principios de laReforma Psiquiátrica BrasileñaTaís Veronica Macedo Cardoso Rosane Mara Pontes de OliveiraCristina Maria Douat Loyola

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Esc Anna Nery R Enferm 2006 dez; 10 (4): 615 - 7.

Um Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalOliveira RMP

Rosane Mara Pontes de Oliveira*

UM ESPAÇO PARA A ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA E DE SAÚDE MENTAL

Esc Anna Nery R Enferm 2006 dez; 10 (4): 615 - 7.

Concebida no final do século XIX, a Enfermagem Psiquiátrica caracteriza-se no Brasil como um modeloassistencial hospitalar disciplinar de cuidado aos doentes mentais, até hoje existente no país como modelopsiquiátrico clássico, apesar do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira que demarca um novo tempo.Ao mesmo tempo, a Enfermagem em Saúde Mental caminha no sentido de superar esse paradigma, ao“inventar” novas possibilidades de cuidado ao dar voz ao sujeito, ao se voltar para ele, sua história esubjetividade, e não mais e apenas para os sintomas.

Essa ruptura epistemológica proposta para todas as áreas “psi” configura-se na Enfermagem pelaprópria transformação do objeto da Enfermagem Psiquiátrica, que deixa de ser a doença e se volta parao sujeito inserido no contexto social. Assim, a Enfermagem em Saúde Mental caracteriza-se pela transiçãode uma prática hospitalar disciplinar sobre o comportamento dos “doentes mentais”, para uma práticabaseada em novos princípios.

Na prática da Enfermagem Psiquiátrica, muitas intervenções têm no modelo biomédico um norteador orientadopelos avanços na Neurociência e nos psicofármacos. Concomitantemente, observa-se uma crescente preocupaçãocom os valores socioculturais, família, lazer, trabalho e moradia dos “doentes mentais”. Consideramos queviabilizar esta perspectiva, ainda representa um imenso desafio no cotidiano das práticas institucionais e dasociedade em geral, uma vez que processos contraditórios são simultaneamente postos em movimento. Portanto,esse é um período crítico para a profissão, mas também é um período extremamente favorável para a construçãode conhecimento e análises sobre os processos de cuidar, ensinar e pesquisar nessa área.

Compartilhar reflexões sobre essas questões é a proposta desse número temático. Os objetivos estabelecidospara a organização deste número foram os de: (a) ampliar a literatura no âmbito da Enfermagem Psiquiátricae de Saúde Mental; e (b) oferecer um espaço para divulgação dos trabalhos que vem sendo desenvolvidos naEnfermagem Psiquiátrica e de Saúde Mental, no contexto brasileiro. A idéia desse número foi imediatamenteaceita pelo Conselho Deliberativo da Revista, tendo em vista a necessidade de aumentar sua periodicidade emfunção da crescente demanda de manuscritos e do reconhecimento da propriedade e pertinência da iniciativade um número que abrangesse esta temática. E a iniciativa foi apoiada finaceiramente pela Fundação CarlosChagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Neste número da Revista evidencia-se uma diversidade de pensamentos e ações em torno de interessesespecíficos da Enfermagem Psiquiátrica e de Saúde Mental. No primeiro bloco, os artigos analisam a históriada Psiquiatria e sua influência nos modelos de cuidar da Enfermagem Psiquiátrica; as instituições totais e oprocesso de formação em políticas de saúde; e a contribuição do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileirae da Reabilitação Psicossocial para a Enfermagem.

Um segundo grupo de artigos aborda o desafio de trabalhar com os novos dispositivos de cuidado,especificamente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e a contribuição da visita domiciliar e do Programade Saúde da Família, como tecnologias de cuidado e espaços de troca entre profissional, família e usuário. Umterceiro conjunto de artigos analisa o ensino e o processo de formação de enfermeiros; e o desafio de ensinar apartir de experiências práticas articuladas com a rede municipal e estadual de saúde. Ainda é debatida em umoutro artigo, a liderança em enfermagem psiquiátrica para o gerenciamento ético e de qualidade do cuidado.

Em síntese, neste número os autores tratam de questões relativas ao ensino, à pesquisa e ao cuidado.Portanto, a Escola Anna Nery Revista de Enfermagem traz contribuições inestimáveis para o saber daEnfermagem Psiquiátrica e de Saúde Mental e porque não dizer, para a sociedade. O que desejamos com essenúmero temático é suscitar reflexões sobre esta área, e essa é uma tarefa coletiva, como fica evidenciado pelarepresentatividade das instituições e regiões do país envolvidas nos artigos que o compõe.

*Doutora do Núcleo de Pesquisa em Enfermagem Hospitalar e Professora Adjunta do Departamento de EnfermagemMédico-Cirúrgica, da Escola de Enfermagem Anna Nery; e Diretora Adjunta da Divisão de Desenvolvimento Acadêmico -

Científico do Hospital Escola São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

EDITORIAL

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616616616616616Um Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde Mental

Oliveira RMP

Esc Anna Nery R Enferm 2006 dez; 10 (4): 615 - 7.

Rosane Mara Pontes de Oliveira*

A SPACE FOR THE PSYCHIATRIC AND MENTAL HEALTH NURSING

Conceived in the end of 19TH Century, the Psychiatric Nursing is characterized in Brazil as an assistancehospital model that disciplines the care to the mental patient, until today existing in the country as classicpsychiatric model, despite the movement of the Brazilian Psychiatric Reformation that demarcates a newtime. At the same time, the Nursing in Mental Health walks in a direction to overcome this paradigm, to“invent” new possibilities of care when giving voice to the citizen, coming back toward to this citizen, theirhistory and subjectivity, and no more and only for the symptoms.

This epistemological rupture proposed for all the “psy” areas is configured in the Nursing by the transformationitself of the object of the Psychiatric Nursing, that leaves of being the illness and return itself for the insertedcitizen in the social context. Thus, the Mental Health Nursing is characterized by the transition of a hospitalpractice to discipline the behavior of the “mental patient”, for a practice based in new principles.

In the practice of the Psychiatric Nursing, many interventions have in the biomedical model a guide for theadvances in the Neuroscience and the psychopharmacs. Concomitantly, it is observed an increasing worry withthe social and cultural values, family, leisure, work and house of the “mental patient”. We consider that tomake possible this perspective still represents a huge challenge in the daily of the institutional practice andof the society in general, once that contradictory processes are simultaneously started. Therefore, this is acritical period for the profession, but also it is an extremely favorable period for the knowledge constructionand analyses on the processes of take care of, teach and research in this area.

To share reflections about these questions is the proposal of this thematic number. The objectivesestablished for the organization of this number had been: (a) to extend the literature in the scope of thePsychiatric Nursing and Mental Health; and (b) to offer a space for spreading of the works that has beingdeveloped in the Psychiatric Nursing and in Mental Health, in the Brazilian context. The idea of this numberwas immediately accepted for the Deliberative Board of the Journal, aiming the necessity of to increase itsregularity in function of the increasing demand of manuscripts and the recognition of the property andrelevancy of the initiative of a number that enclosed this subject. And the initiative was supported finacing bythe Carlos Chagas Filho Foundation of Support to the Research of the State of Rio de Janeiro (FAPERJ).

In this number of the Journal it is evident the diversity of thoughts and actions around specific interestsof the Psychiatric Nursing and of Mental Health. In the first block, the ar ticles analyze the history ofPsychiatry and its influence in the models of to take care of the Psychiatric Nursing; the total institutions andthe formation process in health politics; and the contribution of the movement of the Brazilian PsychiatricReformation and the Psychosocial Rehabilitation for the Nursing.

A second group of articles approaches the challenge of to work with the new devices of care, specifically in theCenters of Psychosocial Attention (CAPS), and the contribution of the domiciliary visit and the Program of Healthof the Family, as technologies of care and spaces of exchange among professional, family and user. One third setof articles analyzes the education and the process of formation of the nurses; and the challenge of to teach fromarticulated practice experiences with the municipal and state net of health. Still it is debated one another article,the leadership in Psychiatric Nursing for the ethical management and of quality of the care.

In synthesis, in this number the authors deal with questions related to the education, to the research andto the care. Therefore, the Anna Nery School Journal of Nursing brings inestimable contributions to the knownof the Psychiatric Nursing and Mental Health and why not to say, for the society. What we desire with thisthematic number is to excite reflections about this area, and this is a collective task, as is evidenced for therepresentation of the institutions and regions of the country involved in the articles that compose it.

*PhD of the Research Nucleus in Hospital Nursing and Associate Teacher of the Medical-Surgical Nursing Department,of the Anna Nery School of Nursing; and Associate Director of the Academic-Scientific Development Division of the

Hospital School São Francisco de Assis, of the Federal University of Rio de Janeiro.

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Um Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalUm Espaço para a Enfermagem Psiquiátr ica e de Saúde MentalOliveira RMP

UN ESPACIO PARA LA ENFERMERÍA PSIQUIÁTRICA Y DE SALUD MENTAL

Rosane Mara Pontes de Oliveira*

Concebida en el final del siglo XIX, la Enfermería Psiquiátrica se caracteriza en el Brasil como un modelohospitalario disciplinario de cuidado a los pacientes mentales, hasta hoy existente en el país como modelopsiquiátrico clásico, a pesar del movimiento de la Reforma Psiquiátrica Brasileña que demarca una nuevaépoca. Al mismo tiempo, la Enfermería en Salud Mental camina en la dirección de superar este paradigma, al“inventar” nuevas posibilidades de cuidado al dar voz al ciudadano, volviéndose hacia él, su historia ysubjetividad, y no más y solamente para los síntomas.

Esta ruptura epistemológica propuesta para todas las áreas “psi” configurase en la Enfermería por la propiatransformación del objeto de la Enfermería Psiquiátrica, que deja de ser la enfermedad y vuélvese para el sujetoinsertado en el contexto social. Así, la Enfermería en Salud Mental caracterizase por la transición de una prácticahospitalaria disciplinar sobre el comportamiento del “enfermo mental”, para una práctica basada en nuevos principios.

En la práctica de la Enfermera Psiquiátrico, muchas intervenciones tienen en el modelo biomédico un guíaorientado por los avances en la Neurociencia y en los psicofármacos. Concomitantemiente, observase unacreciente preocupación con los valores socioculturales, familia, ocio, trabajo y habitación de los “enfermosmentales”. Consideramos que hacer viable esta perspectiva todavía representa un enorme desafío en elcotidiano de las prácticas institucionales y de la sociedad en general, una vez que los procesos contradictoriosson simultáneamente puestos en movimiento. Por lo tanto, este es un período crítico para la profesión, perotambién es un período extremadamente favorable para la construcción del conocimiento y análisis sobre losprocesos de cuidar, enseñar e investigar en esta área.

Compartir reflexiones sobre estas cuestiones es la propuesta de este número temático. Los objetivosestablecidos para la organización de este número son: (a) extender la literatura en el alcance de la EnfermeríaPsiquiátrica y de Salud Mental; y (b) ofrecer un espacio para divulgación de los trabajos que vienen sendodesarrollados en la Enfermería Psiquiátrica y en Salud Mental, en el contexto brasileño. La idea de este númerofue inmediatamente acepta por el Consejo Deliberativo de la Revista, contemplando la necesidad de aumentar superiodicidad en función de la creciente demanda de manuscritos y del reconocimiento de la propiedad e importanciade la iniciativa de un número que abarcaba este tema. Y la iniciativa fue apoyada finaceiramiente por la FundaciónCarlos Chagas Filho de Amparo a la Investigación del Estado del Rio de Janeiro (FAPERJ).

En este número de la Revista es evidente la diversidad de pensamientos y de acciones alrededor deintereses específicos de la Enfermería Psiquiátrica y de Salud Mental. En el primer bloque, los artículosanalizan la historia de la Psiquiatría y su influencia en los modelos de cuidar de la Enfermería Psiquiátrica; lasinstituciones totales y el proceso de la formación en política de salud; y la contribución del movimiento de laReforma Psiquiátrica Brasileña y de la Rehabilitación Psicosocial para la Enfermería.

Un segundo grupo de artículos aborda el desafío de trabajar con los nuevos dispositivos de cuidado,específicamente en los Centros de Atención Psicosocial (CAPS), y la contribución de la visita domiciliaria y delPrograma de Salud de la Familia, como tecnologías del cuidado y espacios de cambio entre profesional, familia yusuario. Un tercero conjunto de artículos analiza la enseñanza y el proceso de formación de los enfermeros; y eldesafío de enseñar desde experiencias prácticas articuladas con la red municipal y estadual de salud. Todavía sediscute en un otro artículo, el liderazgo en enfermería psiquiátrica para la gerencia ética y calidad del cuidado.

En síntesis, en este número los autores se ocupan de las cuestiones relacionadas con la educación, conla investigación y con el cuidado. Por lo tanto, la Escuela Anna Nery Revista de Enfermería trae contribucionesinestimables a la producción del conocimiento de la Enfermería Psiquiátrica y de la Salud Mental y porquéno decir, para la sociedad. Lo que deseamos con este número temático es suscitar reflexiones sobre estaárea, y esto es una tarea colectiva, como se evidencia por la representación de las instituciones y regionesdel país que par ticipan en los ar tículos.

*Doctora del Núcleo de Investigación en Enfermería Hospitalaria y Profesora Adjunta del Departamento de EnfermeríaMédico-Quirúrgica, de la Escuela Anna Nery de Enfermería; y Directora Adjunta de la División de Desarrollo

Académico-Científico del Hospital Escuela São Francisco de Assis de la Universidad Federal del Rio de Janeiro.

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Fac-símile - Documento original

FACSIMILE

FACSÍMILE

APRESENTAÇÃO

Este fac símile trata do ar tigo intitulado “Aptidões e deveres da Enfermeira de Hygiene Mental”,de autoria do Dr. Plínio Olinto, publicado na Revista Annaes de Enfermagem em dezembro de1933. A obra atribui grande ênfase aos atributos fundamentais da enfermeira que atua naárea de Higiene Mental, classificando-os em físicos, morais e intelectuais. Dentre as qualidadesque essa enfermeira deveria ter estão: boa compleição, fisionomia agradável, gestos e maneirasdelicadas, percepção clara, capacidade de atenção e fixação nítida, associação de idéias fácil,juízos e raciocínios prontos, coragem, piedade e paciência. Para o autor também seriafundamental que essa profissional fosse dotada de “muita afetividade bem regulada e semexageros”, o que significava dizer que deveria demonstrar sentimentos ponderados, emoçõescontroladas e nada que se confundisse com paixão. A enfermeira deveria ter domínio da normaculta da língua pátria, noções de aritimética e de desenho linear, geografia, física, química,história natural e psicologia. A atuação da enfermeira se dava em três âmbitos, quais sejam,nos consultórios – onde a enfermeira deveria revelar capacidade para ouvi-lo, pois essa erauma necessidade visível do “psicopata”; no domicílio – cabendo a enfermeira as atividadeseducativas, fazendo anotações precisas acerca do meio em que vive o doente e analisar se aconvivência deste é favorável ou prejudicial, cabendo-lhe também a administração demedicamentos prescritos pelo médico; e por último, no ambiente hospitalar no qual a enfermeirapoderia ser “companheira de todos os momentos”, administrando-lhe os medicamentos,alimentando-o, dando-lhe banho, fazendo-lhe dormir e “sofrendo com ele se preciso for”.Neste ar tigo observamos que a enfermeira era uma profissional impor tante para cuidar dodoente psiquiátrico, porém tal competência, incluía for temente os aspectos morais e de controledos sentimentos, o que era igualmente esperado da mulher naquele período.

Antonio José Almeida Filho

Fernando Rocha Porto

Lúcia Helena Silva Corrêa Lourenço

MembrMembrMembrMembrMembros da Diros da Diros da Diros da Diros da Diretoria Coleetoria Coleetoria Coleetoria Coleetoria Colegiada do Nuphegiada do Nuphegiada do Nuphegiada do Nuphegiada do Nuphebrbrbrbrbrasasasasas

FAC-SÍMILE

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Fac-símile - Documento original

PRESENTATION

This facsimile talks about the article titled “Aptidões e deveres da Enfermeira de Hygiene Mental” (Aptitudes and Duties of theNurse of Mental Hygiene), from Doctor Plínio Olinto, published in the Magazine Annaes de Enfermagem in december of 1933.The paper gives great emphasis to the basic attributes of the nurse who acts in the area of Mental Hygiene, classifying them inphysicists, moral and intellectuals. Amongst the qualities that this nurse must have are: good character, pleasant physiognomy,gestures and delicate manners, clear perception, capacity of attention and clear setting, easy association of ideas, readyjudgments and reasoning, courage, mercy and patience. For the author also it would be important that this professional had “anaffectivity well regulated without exaggerate”, what meant to say that she would demonstrate weighed feelings, controlledemotions and nothing that could be confused with passion. The nurse must domain the cultured norm of the native language,slight knowledge of arithmetic and of linear drawing, geography, physics, chemistry, natural history and psychology. Theperformance of the nurse happened in three scopes, which is, in the doctor’s office - where the nurse would have to disclosecapacity to listen to, therefore this was a visible necessity of the “psychopath”; in the domicile - where the nurse must do theeducative activities, making necessary notes about the way the patient lives and to analyze if the coexistence of them arefavorable or harmful, the nurse also must administrated the medicine prescribed by the doctor; and finally, in the hospitalenvironment in which the nurse could be the “accompanying of all the moments”, managing medicines to the patient, feedingthem, giving bath, put them to sleep and “suffering with them if it will be necessary”. In this article we can observe that the nursewas an important professional to take care of the psychiatric patient, however for this happen, moral aspects must be stronglyincluded besides the control of the feelings, which was equally expected by the woman in that period of time.

PRESENTACIÓN

Este facsímile trata del ar tículo titulado “Aptidões e deveres da Enfermeira de Hygiene Mental” (Aptitudes y Deberes de laEnfermera de la Higiene Mental), de autoria del doctor Plínio Olinto, publicado en la Revista Annaes de Enfermagem endiciembre de 1933. La obra atribuye gran énfasis a las cualidades básicas de la enfermera que actúa en el área de la HigieneMental, clasificándolos en físicos, morales e intelectuales. Entre las cualidades que esa enfermera debe tener están: buencarácter, agradable fisonomía, gestos y maneras delicadas, opinión clara, capacidad de atención y fijación nítida, fácil asociaciónde ideas, juicios y razonamiento rápido, coraje, piedad y paciencia. Para el autor también sería fundamental que esa profesionalfuese dotada de “grand afectividad bien regulada y sin exageración”, qué significaba decir que debería demostrar sentimientosponderados, emociones controladas y nada que se podría confundir con pasión. La enfermera debe dominar la norma culta dela lengua patria, conocimiento leve de aritmética y del dibujo linear, geografía, física, química, historia natural y psicología. Laactuación de la enfermera ocurría en tres ámbitos, que son, en la oficina del doctor - a donde la enfermera debería revelarcapacidad de escuchar, por lo tanto ésta era una necesidad visible del “psicópata”; en el domicilio – cabiendo a la enfermera lasactividades educativas, haciendo anotaciones necesarias sobre el medio en que vive el paciente y analizar si la convivencia esfavorable o dañosa, la enfermera también debe administrar medicamentos prescritos por el doctor; y finalmente, en el ambientedel hospital en el cual la enfermera podría ser la “compañera de todos los momentos”, manejando medicamentos al paciente,alimentándolo, dando el baño, haciéndole dormir y “sufriendo con él si es necesario”. En este artículo observamos que laenfermera era una profesional importante para cuidar del paciente psiquiátrico, pero tal competencia, incluye fuertemente losaspectos morales y de control de los sentimientos, qué era igualmente esperado del papel social de la mujer en aquel período.

Antonio José Almeida Filho

Fernando Rocha Porto

Lúcia Helena Silva Corrêa Lourenço

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Antonio José Almeida Filho

Fernando Rocha Porto

Lúcia Helena Silva Corrêa Lourenço

MiembrMiembrMiembrMiembrMiembros de la Diros de la Diros de la Diros de la Diros de la Directoria Coleectoria Coleectoria Coleectoria Coleectoria Colegiada del Nuphegiada del Nuphegiada del Nuphegiada del Nuphegiada del Nuphebrbrbrbrbrasasasasas

Fac-símile - Apresentação

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Loucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoPrandoni RFS et al

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Saúde Mental. Psiquiatria. Enfermagem. Autonomia Pessoal. Direitos Humanos.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Mental Health. Psychiatry. Nursing. PersonalAutonomy. Human Rights.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Salud Mental. Psiquiatria. Enfermería.Autonomía Personal. Derechos Humanos.

LOUCURA E COMPLEXIDADENA CLÍNICA DO COTIDIANOa

Madness and Complexityin the Daily Life Clinic

Locura y Complejidaden la Clínica del Cotidiano

Este estudo tem por objetivo investigar a influência da reforma psiquiátrica possibilitando uma nova abordagem antimanicomialaderente à compreensão do sofredor psíquico como sujeito complexo e subjetivo, em si próprio. O referencial teórico éMichel Foucault. É uma pesquisa qualitativa que usa entrevista. A análise dos dados está centrada na analítica interpretativa.Surgiram dois enunciados de análise: a) Autonomia: um operador terapêutico; b) Direitos humanos como possibilidade derelação com as diferenças. Observa-se que mudanças de concepções são gradativas, e o ponto de partida somos todosnós, trabalhadores, usuários e familiares. Esta lógica proposta pela Política de Saúde Mental implica: integração de algunsprojetos unindo as ações de saúde e saúde mental; criação de espaços férteis na conquista da reabilitação em saúde mental;e qualidade na troca de informações entre os trabalhadores de saúde mental, que são pontos-chave para o avanço econsolidação desse novo modelo.

This paper has the objective to reflect about the Psychiatristreform for the conduction to the humanization of the madnessand the reflection of an anti-mental hospital approach whichadheres to a new understanding of the psychic sufferer as acomplex subject and self-subjective. This work is supported inthe work of Michel Foucault. We make a qualitative research,being the method of production of datum the interview. Theanalysis of the datum obtained in the interviews is centered inthe Interpretative Analytic Method. We have two statements ofthe analysis. 1) Autonomy: a therapeutic operating 2) Humanrights how possibility of relationship of differences. In this waywe can see which changes in the conceptions are gradual andthe starting point, are all of us, workers, users and relatives.The logic proposed by the Politic of Mental health, theintegration of some projects uniting the actions of health andmental health and the creation of fertile fields in the conquestof the recovery in mental health and the quality in the exchangeof information among the workers of mental health are keypoints in the advance and consolidation of this new model.

Este estudio tiene como objetivo investigar la influencia de lareforma psiquiátrica haciendo posible un nuevo abordajeantimanicomial adherente a la comprensión del sufridor psíquicocomo sujeto complejo y subjetivo en sí mismo. El referencialteórico es Michel Foucault. Es una investigación cualitativa,siendo el método de producción de datos la entrevista. Elanálisis de los datos obtenidos en las entrevistas está centradoen el método Analítico Interpretativo. Surgieron a partir de lasregularidades enunciativas dos enunciados de análisis. 1)autonomía: uno operador terapéutico; 2) derechos humanoscomo una posibilidad de relación con las diferencias. En estesentido, observase que cambios de concepciones songraduales y el punto de partida, somos todos nosotros,trabajadores, usuarios y familiares. Esta lógica propuesta porla Política de Salud Mental; implica en la integración de algunosproyectos uniendo las acciones de salud y salud mental; lacreación de espacios fértiles en la conquista de la rehabilitaciónen salud mental y la calidad en el intercambio de informacionesentre los trabajadores de salud mental que son puntos clavespara el avance y consolidación de ese nuevo modelo.

Raul Fernando Sotelo Prandoni Maria Itayra Coelho de Souza Padilha

PESQUISARESEARCH - INVESTIGACIÓN

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Loucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoLoucura e Complexidadena Clínica do CotidianoPrandoni RFS et al

A HISTÓRIA QUE PERMITIU AESCOLHA DA TEMÁTICA

A presente investigação está centrada na reflexãode uma abordagem antimanicomial aderente à novacompreensão do sofredor psíquico, como sujeitocomplexo e subjetivo em si próprio. Consideramos,também, que esta proposta está em consonância comas exigências deste novo tempo e em sinergia comnosso compromisso ético, dentro da utopia e da lutasistemática por “uma sociedade sem exclusão”. Noentanto, baseados em nossas experiências de trabalhoe pesquisa nos serviços de saúde mental, observamosque, apesar das transformações teórico-jurídico-políticas,o fazer do profissional da Saúde Mental adquire umaforma, na qual ainda predominam as relações de poderdisciplinar utilizando, assim, seus dispositivos, entre eles:a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e oexame1. Estes dispositivos empregados no cuidado aosofredor psíquico,cerceiam sua liberdade e, objetivando-o, inviabilizam sua emancipação, o que pode ser maisum obstáculo na sua ressocialização.

Nosso trabalho para uma adequação do indivíduosofredor a um convívio social “normal” foi, e ainda é,uma meta no cuidado ao sofredor psíquico. Ainda existesocialmente o mito sobre o significado da expressão“normal”, mito que também é incorporado peloprofissional da ciência “psi” fazendo com que existauma “obsessão” nessa busca de “adequação” dosofredor ao social. Também, neste mesmo sentido, éutilizada, para benefício do social, uma escolarizaçãoimposta ao sofredor que indica como, quando e o quese deve fazer. Em contrapartida, em caso de infraçãoa esse “dever ser” acontece o ato punitivo. Nãopodemos esquecer que sempre por trás de umadisciplina funciona um pequeno mecanismo penal, istoé, a sanção normalizadora aparece com freqüência nocuidado manifesto ao sofredor psíquico. Este dispositivoda disciplina estabelece, segundo Foucault1:159, (...)infrapenalidades; quadricula um espaço deixado vaziopelas leis; qualifica e reprime um conjunto decomportamentos que escapava aos grandes sistemasde castigo por sua relativa indiferença.

A compreensão da loucura como entidadenosológica, síndrome ou sintomas isolados do sujeito,como tradicionalmente é descrita, ou seja, a alteração,com evolução contínua e progressiva, que altera demaneira persistente a atividade psíquica (Ey2:200),inaugura um novo espaço para a loucura e limita odeslocamento do sujeito no eixo saúde-doença. Morin3:51

apresenta uma outra compreensão da loucura, não maiscomo exterior ao sujeito, mas como uma condiçãohumana: (...) a compreensão humana nos chega quando

sentimos e concebemos os humanos como sujeitos; elanos torna abertos aos seus sofrimentos e alegrias.

Neste estudo, a utilização do termo loucura centra-se no entendimento de primeiramente mostrá-la comoum outro discurso de verdade, de difícil compreensãopela sua linguagem mascarada (de ordenação evertigem) e que utiliza a desrazão para se mostrar aooutro da relação. Simboliza, ainda, em nossoentendimento, uma verdade única para seu emissor eum significado oculto para o receptor. As palavras(linguagem mascarada) vêm, por tanto, dar umaopacidade à transparência da vida. Uma outrapossibilidade de olhar essa mesma loucura é tambémcompreendê-la como a vida sendo tomada poracontecimentos que extrapolam as palavras e os códigosdisponíveis, ou, mesmo, o repertório textual comum.

Portanto, o louco, ao lançar-se na vida localiza-seestruturalmente em um lugar de fragilidade frente aomundo. E qual pode ser o sentimento do sofredorpsíquico, nesse momento, em que a sua vida seencontra, ao mesmo tempo, entremeada porsentimentos contraditórios entre a grandeza e amiséria? A resposta a esta pergunta é o quecotidianamente vemos no cuidado, um desamparo, umaausência de abraços para esses sentimentos que“pulam” entre o poético e o prosaico e uma ausênciade compreensão, quando o sofredor está à mercê doirrepresentável, do inominável, do invisível e do inaudível.

A par tir destas constatações e na tentativa decompreender o sentido e o significado da “loucura” edo “louco”, propomos a reflexão sobre umaabordagem antimanicomial de cuidado em saúdemental que visa, tão somente, à concretização de umarelação de cuidado ético-solidária e produtora deautonomia. Nesta busca, pesquisando a literatura quepermita uma maior compreensão desta realidade,propomos a adoção daquelas teorias que possam darsuporte teórico ao universo da investigação proposta.Assim, como teórico central deste estudo escolhemosMichel Foucault, por encontrarmos em sua leitura acomplexidade sobre a microfísica do poder necessáriaà análise dos jogos de verdade e os dispositivosdisciplinares de poder, ou seja: e se, de uma maneiraformal, o regime representativo permite que, direta ouindiretamente, com ou sem revezamento, a vontade detodos forme a instância fundamental da soberania, asdisciplinas dão, na base, garantia da submissão dasforças e dos corpos (Foucault1:195). Este estudo tem porobjetivo, investigar a influência da Reforma Psiquiátrica,que possibilita uma nova abordagem antimanicomialaderente à compreensão do sofredor psíquico, comosujeito complexo e subjetivo em si próprio.

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CAMINHOS E TRILHAS: ODIMENSIONAMENTO METODOLÓGICO

Este estudo consistiu na busca da compreensão dosignificado dos discursos das pessoas envolvidas nocuidado em saúde mental. Portanto, fez-se necessárioanalisar o que elas dizem, fazem e pensam a respeitoda vivência (sofrimento) e do cuidado, procurando, então,extrair o significado desta experiência. É um estudoqualitativo cujo campo é o recor te espacial quecorresponde à abrangência, em termos empíricos, dorecor te teórico correspondente ao objeto dainvestigação (Minayo4:101). Concordando com esta idéia,Trentini e Paim5:80 dizem que, a escolha do espaço físicoda pesquisa depende do enfoque da pesquisa e podeconsistir em mais de uma área geográfica.

O total de sujeitos envolvidos na pesquisa foi de 13pessoas divididas em dois grupos. Um grupo foidenominado grupo dos sofredores psíquicos efamiliares (três pessoas), e o outro grupo foidenominado trabalhadores de saúde mental (dezpessoas). Todos os sofredores psíquicos e familiarespar ticipam do Movimento Nacional da LutaAntimanicomial e/ou dos serviços de atenção à SaúdeMental. Os profissionais da Saúde Mental participamdo Movimento Nacional da Luta Antimanicomial e/oudo cuidado nos serviços alternativos de atenção àSaúde Mental, e/ou da formulação de diretrizes naspolíticas de saúde mental.

Na produção de dados, util izamos comoinstrumento a entrevista semi-estruturada ou guiada,uma expressão utilizada por Richardson6:212. Ele dizque: (...) O pesquisador conhece previamente osaspectos que deseja pesquisar e, com base neles,formula alguns pontos a tratar na entrevista. A opçãopela entrevista como instrumento de pesquisa visouobter aqueles aspectos considerados mais relevantespara o estudo. Por meio da entrevista almejamos obterinformações detalhadas que pudessem ser utilizadasem uma análise qualitativa. Os aspectos éticos foramsalvaguardados por meio do Termo de ConsentimentoLivre e Esclarecido elaborado de acordo com a ResoluçãoCNS nº. 196/96, que trata de pesquisa que envolve sereshumanos (Lisboa7). Da mesma forma, foram garantidoso anonimato dos entrevistados e o sigilo das respostasb.Além disso, o estudo foi aprovado no Comitê de Éticaem Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina,antes de seu início. As entrevistas ocorreram no períodode fevereiro a outubro de 2003.

A análise dos dados obtidos nas entrevistas estácentrada na Arqueologia do Saber ou AnalíticaInterpretativa, como é, também, definida comoinicialmente um diagnóstico do que consideramos

nossa insatisfação comum (Rosário8:59). A noçãoapresentada ressalta que Foucault procede a um atointerpretativo que enfoca e articula, dentre todos osperigos e insatisfações que encontramos em nossasociedade, aqueles que podem ser compreendidoscomo paradigmáticos (Rabinow et al.9:279).

Ao término das entrevistas, fizemos uma leituraexaustiva de seus conteúdos, destacando asregularidades próprias dos discursos. Posteriormente,foi realizada uma apresentação específica dosenunciados por temáticas semelhantes, demonstrandoque, no interior de uma mesma prática discursiva,existem diferenciações, contradições, opiniões opostase conexões em seqüências diversas. A par tir dasregularidades enunciativas, realizamos a derivação dedois enunciados de análise: a) Autonomia: um operadorterapêutico; b) Direitos humanos como possibilidadede relação com as diferenças.

AUTONOMIA:UM OPERADOR TERAPÊUTICO

A pós-modernidade ou contemporaneidade tem nosreservado uma série de mudanças e transformaçõescomportamentais. Fica evidente, em todas as áreas doconhecimento, a falência de um modelo e aconseqüente necessidade de se estabelecer novosmodelos ou paradigmas. Não cabe, no momento,estabelecer uma análise pormenorizada de taismudanças. No entanto, procuramos nos ater à reflexãoem torno das transformações que se opera em duasimpor tantes dimensões: o entendimento dostrabalhadores de Saúde Mental sobre os modos deatenção e a percepção do sofredor psíquico e seusfamiliares sobre esses mesmos modelos.

A noção da loucura não é natural, masprofundamente histórica e cultural. Portanto, cada épocairá proferir o discurso que revela seus ideais eexpectativas em relação a ela, tendo estes discursosconseqüências constitutivas sobre o sofredor psíquico.Mas que discursos são estes? Que práticas taisdiscursos engendram? Como definir ou especificar aexperiência de ser sofredor psíquico e as vicissitudesdeste acontecimento na atualidade? Que sentimento osofredor psíquico desperta nos trabalhadores de SaúdeMental? Como falar de encontros e desencontros entretrabalhadores de Saúde Mental e sofredor psíquico?Responder a estas e outras questões não é tarefa fácil,pois implica uma reflexão profunda de nossos atos,gestos e palavras, como apontam os discursos abaixo:

(...) Nós profissionais de saúde mentalprecisamos olhar a história e nos perguntarmos:

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O que falta e o que sobra na atenção ao sofredorpsíquico? Creio que esta oportunidade que estoutendo de ser entrevistada é muito importante paranós trabalhadores de saúde mental, porque nosfaz pensar e repensar a nossa prática, porquenos coloca novamente nas mãos a possibilidadede reescrever a história e marcar os rumos dasaúde mental no presente (Sobrancelhas).

(...) Eu não consigo pensar a loucura separadada minha vida, do dia-a-dia. E acho que nãoconsigo mais pensar uma outra forma deatendimento que não seja aquela que a genteestá tentando construir. Porque eu sinto queeste é um processo de transição, que nós nãoestamos com nada pronto ainda. É preciso quese reflita e se discuta muito ainda [...] O que euvejo hoje é que nós estamos vivendo todo esseprocesso de mudança, propondo essa mudançapara esse novo olhar, esse novo cuidado para aloucura (Corpo / Alma).

O grande número de encaminhamentos para apsiquiatria é o reflexo da impossibilidade de umareflexão, de uma escuta mais refinada e dapossibilidade de se pensar outras formas de apreensãoe relação com o sofrimento psíquico, ultrapassando aforma vinculada apenas ao isolamento ou mesmo, aotratamento medicamentoso. Trabalhar a subjetividadedo sofredor inclui a possibilidade de se operaremtransformações significativas na realidadeconsiderando-se, assim, a história, as singularidades,as identidades do sofredor. Ampliam-se, então, seushorizontes, novas possibil idades de vida sãoconstruídas e se caminham para o desper tar efor talecimento da autonomia desse sofredor. Nodiscurso a seguir observa-se que a orientação para otrabalho oferecida pelo serviço de saúde mentalconstitui-se, ainda, em mais uma estratégia de cuidado.

(...) Então, nós tínhamos oficinas de culinária,tínhamos o pessoal que fazia reciclagem depapel. Então, os pacientes começam a ter umaocupação, a se relacionarem, começam a dispordo tempo e a se sentirem úteis. Porque, nareciclagem de papel, eles fazem todo o processo:juntam o papel, batem, preparam até fazer asplacas de papel. A partir daí, eles aprendem apintar, desenhar, fazer cartões, fazer envelopese, no final, eles vêm o trabalho pronto, acabadoe eles se sentem úteis (Hematomas).

A esse respeito, cabe destacar que Or tega10:153,referindo-se ao cuidado de si foucaultiano, diz que:

O cuidado de si é concebido como o ponto deresistência preferencial e útil contra o poderpolítico, e localiza o objetivo político no fenômenode novas formas de subjetividade. O indivíduoalcança autonomia mediante as práticas de sie mediante a união da própria transformaçãocom as mudanças sociais e políticas.

Afinal, se a cidadania está ligada à produção eao trabalho, o sofredor psíquico, muitas vezesimpossibilitado de exercer um trabalho, não éreconhecido como um cidadão, ou seja, aqueleque possui direitos e deveres na sociedade. Asoficinas protegidas e serviços de atenção à saúdemental devem estimular a formação decooperativas de trabalho, nas quais o sofredorpossa exercer seu direito ao trabalho. Aautonomia está intrinsecamente relacionadacom o exercício da cidadania11. Embora, naatualidade, o não-trabalho já não correspondamais ao conceito de perda de cidadania, tendoem vista o grande número de pessoas nacategoria de desempregados, não se podenegar a impor tância das várias dimensões queo trabalho ocupa nas nossas vidas. Ele é umacontribuição fundamental na manutenção ou noresgate da saúde mental de cada indivíduo. Ocuidado como promotor de autonomia é umcuidado permeado por um olhar que considerao sujeito sofredor como cidadão, com umaperspectiva de reinserção psicossocial. Assim:

(...) Eu acho que o princípio fundamental é poderouvir, poder respeitar e entrar nessa lógica.Porque, [é] o que acontece em respeitar o planoterapêutico. O que é o Plano Terapêutico? O queeu quero para mim, o que eu quero para a minhavida. Bom eu quero uma casinha, eu queromorar sozinho, eu quero voltar para a minhafamília. [...] Porque, [é] assim o que a gentetem entranhado em nós? Nossos valores, osnossos conceitos, e, com isso, muitas vezes, agente quer colocar neles. (Expira a Respiração).

Uma das alternativas para a reinserção psicossocialdo sofredor é a vivência do trabalho. Na ReformaPsiquiátrica Italiana, o sofredor psíquico através daexperiência em cooperativas de trabalho protegidas entraem contato com situações de inclusão social e cidadania(Rotelli12:157). Essa experiência na Itália contou com ostrabalhadores de saúde mental pagos pela administraçãopública e utilizou todo e qualquer espaço físico e outrascontribuições do poder público para fomentar o que noBrasil denominamos cooperativas de trabalho.

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A rede de saúde vem investindo em novasmodalidades, e, em cada uma delas, devem serdefinidas as diretrizes que apontem para a autonomiado sofredor, como parâmetro para sua recuperação.É impor tante destacar que, ao longo desses anos,alguns serviços se consolidaram como referência paraas ações de saúde mental. Estes serviços estabelecemestratégias que possibilitam ao trabalhador de saúdemental uma mudança de postura diante do sofredor.Os trabalhadores tornam-se mais f lexíveis narealização de ações terapêuticas, e o próprio trabalhovai tecendo-se à medida que ele acontece:

(...) O serviço de saúde mental foi se constituindoe construindo os momentos dentro dacomunidade. Foi através de uma fala naassociação de moradores do bairro que nasceua equipe de saúde mental e o trabalho nacomunidade (Expira a Respiração).

O ponto de par tida para as mudanças deconcepções, que não acontecem do dia para noite,são todos: os trabalhadores, usuários e familiares. Épreciso uma compreensão diferenciada sobre as novasações em saúde mental. A nova lógica proposta pelaPolítica de Saúde Mental configura-se a par tir de:integração de alguns projetos unindo as ações desaúde e saúde mental; a criação de espaços férteisna conquista da reabilitação em saúde mental; e aqualidade na troca de informações entre ostrabalhadores de saúde mental. Estes são pontos-chave para o avanço e consolidação desse novomodelo. Uma das formas de produção da autonomiaacontece através do reconhecimento dos direitoshumanos, por par te da sociedade. Entre eles sedestacam: o direito ao trabalho e o direito a receberum pagamento justo, por exemplo.

A (re)inserção social do sofredor psíquico, que seproduz através de qualquer atividade laboral, implica nodesenvolvimento de algumas dimensões, tais como: física,psicológica, social e econômica, fazendo com que essesofredor se sinta partícipe da comunidade, o que contribuipara a melhoria de sua capacidade de responsabilidade,suas relações sociais e compromisso com os outros quedesenvolvem uma mesma atividade. A construção dacidadania plena, ponto fundamental da reabilitaçãopsicossocial, depende de variáveis que operam contraou a favor da contratualidade em casa, no trabalho e narede social. Tudo o que se posiciona contra essacontratualidade está contra a reabilitação (Saraceno13:17).

O fato de o sofredor tornar-se responsável por seusatos faz par te do processo de reabilitação, o queimplicaria numa maior capacidade de discriminar as

condições prescritas pela sociedade e assumir ocompromisso de intervir como ator e autor do processodo trabalho. O sofredor, ao se sentir participante deum processo de trabalho, tende a se responsabilizarpelo mesmo. Essa par ticipação proporciona-lhe umaconsciência mais ampla de si mesmo e dos meios deprodução, o que possibilitará o desenvolvimento da sualiberdade de opção diante não apenas do contexto dotrabalho, mas da própria vida. Aliado ao conceito dereconstrução de cidadania aparece o conceito deautonomia, como um operador terapêutico. ParaKinoshita14:57, a autonomia significa a capacidade de umindivíduo gerar normas, ordens para sua vida, conformeas diversas situações que enfrenta. A imagem dedependência e heteronímia adjudicada ao sofredorpsíquico pelo imaginário social ocasiona, nesse mesmosujeito, um estado de exaustão que inviabiliza a prioriqualquer possibilidade de alcançar um estado deautonomia. Por outro lado, uma estratégia parapromover a mudança desta visão no imaginário social, sem dúvida, seria a ampliação de fatores de não-dependência, para se reconhecer no sofredor um sujeitocom direitos expressados, por exemplo na suapar ticipação efetiva na própria elaboração do planoterapêutico, para o qual propõe, concorda e negociaos passos a serem seguidos no tratamento:

(...) A paciente queria manter a medicação delaamamentando, e ele dizia que não, que ela nãopoderia manter a medicação, que ele era omédico, que sabia o que era melhor para ela. Eela dizia: Mas eu sei o que é melhor para mim. E,aí, o que nós dizíamos para ela [era]: “Tu sabes oque é melhor para ti, realmente. Então, a gentevai te ajudar nisso. Assim, tu sabes o que é melhorpara ti e tu vais te sentir segura”. Aí, fizemos todoum outro viés, um outro caminho, medindo custo-benefício para ela e para o bebê para que elaficasse bem, e hoje ela está bem. [...]. Então, euacho que no cuidar, tratar, fazer planosterapêuticos, o usuário tem que estar envolvidodiretamente, ele é a figura central. (Corpo / Alma).

Respeitar o sofredor, o direito dele de decidir sobreo que é melhor para sua vida, deve ser um dos cuidadosao se formular plano terapêutico. Este plano não podese transformar numa ação hegemônica. Ao contrário,ele é uma construção entre os dois autores desseprocesso. Claro que sempre cabe ao trabalhador desaúde mental orientar sobre qual a melhor conduta e/ou sobre quais serão os riscos inerentes a cada umadas opções apresentadas. Mas, a palavra final deve serdo sofredor, ou, como refere Mariotti15: (...) se a vida é

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um processo de conhecimento, os seres vivosconstroem esse conhecimento não a par tir de umaatitude passiva, e sim pela interação. Aprendem vivendoe vivem aprendendo (Maturana et al. 16:12). Assim:

(...) Eu trabalhava numa multinacional, era umexecutivo que pensava só em ganhar dinheiro echeguei até a ganhar. Mas, depois que meu filhoadoeceu, eu abandonei tudo. Fiz uma piscinano quintal de uma casa que eu morava e fiqueilá muito anos. Vivendo daquilo que eu fazia edando atenção para o meu filho. Depois, ele foise tratar no serviço aber to. Ele ainda estavainternado, saiu para o serviço aberto. Hoje elenem freqüenta mais o CAPS, (...) tem uma vidarelativamente autônoma. E enfim, nós vivemosjuntos (No peito traz).

No trabalho de saúde mental, o sofredor psíquiconecessita de uma abordagem que seja atentiva àsvárias dimensões da vida humana. O cotidiano da vidapassa a fazer parte do trabalho terapêutico. A atençãoem saúde mental é mais que medicar ou fazerpsicoterapia. É participar, junto com o outro (sofredor)da relação, na construção de uma vida com inserçãosocial. Concordamos com Maturana et al.16:14, quandoreferem que os seres vivos são autônomos, isto é,autoprodutores - capazes de produzir seus próprioscomponentes ao interagir com o meio: vivem noconhecimento e conhecem no viver. Neste sentido:

(...) Eu acho que o conhecimento é muitoimpor tante! Não só das tuas leituras, mastambém de tua prática, de tua experiência. Umacoisa que é importante é estabelecer com essapessoa o contrato: o que é que ela deseja, querumos ela quer tomar, se ela quer se cuidar. Euacho isso fundamental, o contrato. O importanteé construir o plano terapêutico junto com ela(Expira a Respiração).

Neste discurso-objeto obser va-se que naautonomia existe certo grau de heteronomia. Somenteao considerarmos os seres humanos isoladamentepodemos imaginá-los como seres autônomos. É narelação estabelecida entre o sofredor e o trabalhadorde saúde mental que se pode observar, utilizando ametáfora “uma via de mão dupla”, que autonomia eheteronomia se alternam no encontro terapêutico.Assim, novamente Maturana et al.16:14 diz que, (...)autonomia e dependência deixam de ser opostosinconciliáveis: uma complementa a outra.

Nessa relação de autonomia versus heteronomia,o contrato de cuidado, ao ser estabelecido com o sujeitosofredor, deve priorizar sua história de vida, a cultura

em que está imerso e suas particularidades, bem comosuas inter-relações na sociedade. Deve haver oreconhecimento de que cada sujeito tem umconhecimento pessoal sobre seus limites e potencialidades,o que permite construir um plano terapêutico compartilhado,a partir de uma ética humanista. O depoimento a seguirexemplifica esta posição:

(...) Eu acho que a formação é prioritária, eladá a base, (...) mostra o caminho. Mas, se apessoa não tiver essa sensibilidade, essa coisahumanística, essa relação apaixonada decompaixão é difícil, porque, se não, ele vai baterna barreira das várias linhas terapêuticas, e aíme parece que fica uma coisa pobre (...). Euacho que quando se cuida, você tem que pensarno sujeito como ser humano. E não como umprontuário, como uma ficha (...) arquivada, umdiagnóstico (No Peito Traz).

As diferentes falas apresentadas apontam para umamesma questão prioritária, ou seja, o vínculoterapêutico, entendido como a humanização darelação entre o trabalhador de saúde mental e o sujeitosofredor. É nessa relação humanizada, dialógica, quese estabelece a possibilidade de reconhecimento dooutro (sofredor) como ser autônomo, o que possibilitauma abordagem do indivíduo como um todo, vendo seusaspectos sócio-econômico-culturais, no contexto em queele está inserido. A humanização na relação terapêutica,assim como é assinalada nos diferentes discursos,origina-se na sensibilidade do cuidador. Esta sensibilidadevem permitir um fluxo de paixão e compaixão pelo sujeitosofredor e reconhece que a loucura é acompanhadapor um grau de sofrimento mental.

O horizonte dessas transformações passa pelocumprimento da Lei 10.21617, mas, também, pelaconscientização de que todas as pessoas são cidadãs,têm direito à saúde, morar e trabalhar, não podendoser excluídas do social e estigmatizadas pelo fato deserem portadoras de sofrimento psíquico. Sobre estaquestão, Lancetti18:140 questiona: tratar-se-ia desubstituir a utopia despótica, que consiste emtransformar a loucura em doença mental, numa docecaptura do diferente, com o argumento democráticode que todos somos cidadãos?

Nessa mesma direção encontra-se oposicionamento teórico de Pelbart19:136: Trata-se enfim,de um pensamento que não transforma a Força emacúmulo, mas em Diferença e Intensidade. Isso tudoimplica naturalmente, em inventar uma nova relaçãoentre corpo e linguagem, entre subjetividade e aexterioridade, entre os devires e o social, entre o

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humano e o inumano, entre a percepção e o invisível,entre o desejo e o pensar. Corroborando esta idéia,Kinoshita20 aponta para a necessidade de transformaros modos de “tratar” o sujeito sofredor empossibilidade de transformação do sofrimento.

Neste sentido, o discurso a seguir ilustra apossibilidade de substituir uma postura derivada do modelotradicional de assistência pela Diferença e Intensidade,através da busca de crítica sobre a ação terapêutica:

... Por um tempo, eu tive a psicóloga, como umtrabalho individual. Depois eu passei para otrabalho de grupo, que era onde o pessoalacabava falando mais, conversando, e depois apessoa estava bem. Mesmo assim, acabavapermanecendo no grupo para incentivar opessoal que estava entrando no grupo. Só o fatode tu estares ali do lado [no grupo] e ele estarvendo que tu estas ali e que tu estás solidáriocom ele, eu acho que já ajuda, e muito, paraque essa pessoa saia desse momento de criseque ela está vivendo (Garganta Grita).

A estratégia apontada neste discurso-objeto traduzo sentimento de solidariedade entre as pessoas. Ogrupo terapêutico ou de trabalho, como é referido nafala, traz uma outra forma de organização. Mesmoaquele sujeito sofredor que já está “apto” a deixar ogrupo, permanece solidário com aquele que ingressa,por mais algum tempo. Portanto, ele apresenta maiordificuldade para visualizar a possibil idade derecuperação e inserção social:

... Você tem que abrir espaço numa sociedadeexcludente, para que aquelas pessoas que sãomais frágeis encontrem um lugar para e comoviver. Então, na verdade, a própria organizaçãode associações de pacientes e associações defamiliares são investimentos no campo deprodução de autonomia e da cidadania possível.Essas expressões (...), o campo da saúde mentalutiliza muito. A cidadania construída no dia-a-dia é a autonomia possível de todos essespacientes. Essa é a idéia que eu tenho dessaclínica antimanicomial (Espinha Dorsal).

A experiência histórica relatada neste discurso-objeto sugere que a igualdade perante a lei foi umaconquista essencial do grupo de sujeitos sofredorespara a consolidação do serviço alternativo de saúdemental. A garantia de um serviço de saúde mental sófoi conquistada pela par ticipação ativa de usuários,familiares e trabalhadores de saúde mental perante opoder público municipal. O princípio da igualdadeperante a lei inaugura e define um novo ciclo histórico.

Este aspecto tem reflexos ainda na própria visão eanálise do processo saúde/doença mental do sofredorpsíquico: A situação psicoterápica transcende adicotomia normal/patológico sendo construída paripassu na relação. Será neste “encontro” com o sujeitosofredor como um “ser”, e não como um “corpodoente”, que teremos o esboço do diagnóstico,precário por natureza, mas evidenciando o que é maisrefinado em seu psiquismo.

Estes pontos são lembrados por Castel21:295, em suareferência ao personagem do “alienista”, como umespecialista do perigo. Historicamente como umencarregado de um perigo para o corpo social: (...)ele se postou como o sentinela de uma ordem que é ada sociedade em seu conjunto. Assim, os discursos-objeto apresentados a seguir exemplificam como vemmudando o “sentinela” da ordem social:

... O diferencial do cuidado, para não sersimplesmente um cuidado assistencial ou umcuidado geral, é que [ele] deve permitir ao outrose cuidar e fazer par te de uma cidadania. Ainclusão do sofredor, para isso, é cada vez maisimpor tante (...). Então, essa nova forma decuidar que nos foi proposta e que a gente lutapor mantê-la é a de colocar a disposição detodos os usuários o direito às políticas sociais,de conscientizá-los para o direito à moradia,direito ao trabalho, direito ao benefício daprevidência, de resgate de cidadania dessaspessoas, que possam ser tiradas da pobreza quelhe é imposta, pelo menos para a grande maioriados doentes mentais, no Brasil (Potência).

... Eu sou profissional e tu és só um paciente oualguém que está precisando dos meus cuidados.Não, eu sou alguém como tu, que neste momentoestou em melhores condições psicológicas e porisso (...) posso te ajudar agora. Mas daqui a algumtempo, quem garante que tu não estarás emmelhores condições e eu vou precisar do teusorriso, da tua mão? (Estatura Mediana).

A função do trabalhador de saúde mental nessaoutra abordagem de cuidado implica, sim, naconscientização do sujeito sofredor para a participaçãoe o conhecimento dos seus direitos relativos às políticassociais, como uma forma de emancipá-lo. Tais idéiasforam debatidas no Fórum Nacional22 realizado emBrasília, em 2000, e promovido pelo Conselho Federalde Psicologia. Seu tema foi “Como anda a ReformaPsiquiátrica Brasileira? Avaliação, Perspectivas eRealidades”. Entre as várias recomendações do Fórum,duas delas diziam respeito ao controle social. A

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multiplicidade de trocas afetivas/sociais, ao seremfavorecidas nos serviços alternativos, permite oreconhecimento pessoal dos limites e potencialidadesde cada sujeito sofredor e atua diretamente napromoção de sua auto-estima; estimula suasensibilidade para com a natureza e promove asolidariedade nas relações sociais. Então,exemplificando essa multiplicidade e possibilidades deresgate pelo sujeito sofredor, o discurso-objetoapresentado a seguir destaca que:

... Os ser viços de atenção à saúde mentalconstituem uma expressão do movimento socialque recusa toda e qualquer forma de violênciae exclusão para com o sofredor psíquico. Apesardisso, já foi possível obser var, nos novosserviços, que o diagnóstico pode ser médico,mas o tratamento não o é (Sobrancelhas).

Os aspectos apresentados neste discurso-objeto levama considerar a fala de Bertolote23:156 sobre sua práticaatual à frente do trabalho de Reabilitação Psicossocial:

Nós entendemos que Reabilitação Psicossocialé fundamentalmente um processo de remoçãode bar reiras (...), que impedem a plenaintegração de um indivíduo na sua comunidadee de barreiras que impedem o pleno exercíciode seus direitos, da sua cidadania.

A rede social proposta nos discursos sobre omodelo de tratamento passa pela eliminação debarreiras; pelo favorecimento à manutenção dosvínculos do sujeito sofredor com a família, o trabalho ea própria sociedade; e pelo fortalecimento de laços desolidariedade. Por tanto, os serviços de atenção àsaúde mental devem estar atentos às condições defavorecimento dos vínculos familiares, como umprincípio da qualidade da atenção prestada.

DIREITOS HUMANOS COMO POSSIBILIDADEDE RELAÇÕES COM AS DIFERENÇAS

O desenvolvimento de uma cultura de promoçãodos direitos humanos nos serviços de atenção à saúdemental inclui um patamar ético, que deve mediar todasas relações que se estabelecem no interior do mesmo.É preciso que o trabalhador de saúde mental fomente,permanentemente, cidadanias ativas e processuaisar ticuladas à luta pelos direitos humanos, em todasas instâncias institucionais reguladoras da atenção emsaúde mental, como forma de reduzir as desigualdades,a opressão e o assistencialismo e garantir os direitossociais do sujeito sofredor. O direito à educação, àsaúde, ao trabalho e ao lazer é o requisito essencial

ao pleno exercício dos direitos civis e políticos docidadão. Neste sentido, Foucault 24:297 posiciona-se paranão se deixar cair nas armadilhas do próprio Estado,no que diz respeito ao poder como inibidor de plenosdireitos civis e políticos do cidadão:

Se é verdade que a lei universal é igualitáriacom que se sonhava no século XVIII serviu deinstrumento a uma sociedade de desigualdadee exploração, nós caminhamos, com largaspassadas, para uma sociedade extrajurídica naqual a lei terá por papel autorizar intervençõescoercitivas e reguladoras sobre os indivíduos.

O Movimento da Reforma Psiquiátrica e o MovimentoNacional da Luta Antimanicomial produziram importantesavanços ao denunciarem as práticas desumanas e afalta de terapêutica dos hospitais psiquiátricos. Essesdois movimentos mobilizam-se na denúncia permanenteà limitação dos direitos de cidadania do sofredorpsíquico, bem como pelo respeito à sua autonomia. Assim,o reflexo desses movimentos pode ser exemplificado aseguir, no discurso-objeto sobre o envolvimento depessoas que estão no entorno do sofredor psíquico:

... Até porque alguns profissionais entendem queo seu jeito de viver a vida deve ser o melhorpara a outra pessoa. Acredito que o sofredorpossa, sim, se expressar da forma que entendeque deva se expressar e ajudar as outras pessoastambém de seu entorno. Entendo que não sóse deve cuidar de quem está em sofrimento,mas também temos que cuidar daquele queestá no entorno do sofredor (Espinha Dorsal).

A abordagem de cuidado proposta no discurso-objeto constitui-se hoje num modelo de atenção quecontempla a família. O modelo que contemplar a saúdeem suas múltiplas dimensões é o modelo adotado noPrograma de Saúde da Família (PSF). A ampliação doobjeto de atenção, do individual para o coletivo, retratauma das características que a Política Nacional deSaúde Mental busca consolidar. Este estilo deabordagem em saúde mental combina diversidade,ousadia, velocidade na ação, criatividade e eficácia, namedida em que presta atenção ao grupo familiarampliando o foco para além do indivíduo que apresentasofrimento. Em outras palavras, essa idéia éapresentada por Lancetti 18:23, quando diz que quandohá um louco, um drogado ou um violento numa famíliatende-se a observar somente esse membro do grupo.Nosso paciente é a família toda. É fundamental olharpara todos e para a maneira como se tratam entre si.

A idéia da invenção de outros modos de tratar aloucura deve fazer par te da abordagem de cuidado.

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Buscar novas formas de atenção que minimizem opreconceito, a exclusão do sujeito sofredor do seu meiosocial. Essa nova abordagem deve observá-lo primeirocomo um cidadão e, depois, como alguém que sofre eque necessita do apoio psicossocial. A realidade nosposiciona diante de novos desafios. É preciso criar oupromover a ampliação de espaços férteis de cidadaniana atenção em reabilitação. Essa proposta une-se aoutra que está alicerçada no conceito de saúde mental,que congrega as noções de condição desejada de bem-estar dos indivíduos e das ações necessárias quepossam determinar essa condição (Saraceno13:152).

Assim, a saúde mental é, antes de tudo, um conceitocomplexo, pois é substancialmente construtor de dimensõespsicológicas e sociais da saúde que determinam o processosaúde/doença. Tendo em vista esses dois aspectos, valedestacar o discurso-objeto a seguir:

... Porque a questão da convivência nos aproximamuito, nos mostra muito da pessoa. E a outracoisa é o olhar, porque que tu podes conviver odia inteiro, olhar a pessoa e não olhar para ela.As duas coisas com certeza. Porque assim é oque acontece. Eles geralmente quando não estãobem já nos mostram, eles começam a nos dizer.E mesmo antes de nos dizer, alguém já disseassim: Fulano, hoje, não está bem, tem algumacoisa incomodando ele. E, aí tu vais lá, dá umaboa tarde, e de fato tem alguma coisa que estáincomodando e ele não está bem. Então, éproduto da convivência, mas também é produtodesse olhar. Tu estás olhando para o outro. Esseé o nosso trabalho (Corpo/Alma).

Neste discurso-objeto existe uma preocupação como “estar atento”, para observar, compreender econhecer as necessidades do sujeito sofredor, nomomento em que elas surgem, bem como valorizaras suas realizações e saberes, aceitando-o comorealmente é e como se apresenta no mundo. Não sedeve esquecer, também, que muitas dessas pessoas quesão atendidas estiveram internadas, em algum períodode suas vidas, em hospitais psiquiátricos. Portanto, esseestigma faz com que exista um certo grau de desconfiançapor parte do sujeito sofredor, a respeito do trabalhadorde saúde mental. Para que os efeitos dessa desconfiançapossam ser minimizados, precisamos ser cuidadosos nocumprimento do contrato terapêutico, o que irá favorecera continuidade do atendimento.

Os discursos apontam para um modelo de atençãocoletiva em saúde mental que favorece oreconhecimento do sofredor psíquico como sujeito dedireitos e deveres. A contextualização desse sofredor,

como alguém que per tence a um espaço/tempodeterminado de um grupo social favorece uma maiorcompreensão do seu sofrimento e permite uma açãoterapêutica mais condizente com a realidade vivida:

... Se eu tiver um CAPS e (...) não tiver o controlesocial junto vai acontecer aquilo que eu digo:que manicômio não é uma estrutura daengenharia como construir um prédio, que nãoé um substantivo, mas é um verbo conjugadono presente do indicativo. O cara conjuga assim:eu “manicomeio”, tu “manicomeia”, ele“manicomeia” (...). Só existe manicômio,quando existe um verbo, quando existe ação. Ea ação é feita por gente que transforma qualquerlugar em manicômio (Potência).

O controle social como estratégia de garantia dosdireitos do sofredor psíquico apontado nesse discurso-objeto é, não somente, uma intervenção necessáriapara garantir o cumprimento da legislação em saúdemental, mas também uma forma de assegurar o ideárioético-político que norteia a abordagem antimanicomial.Existe a necessidade de se estabelecerem vínculos,laços de compromisso e de co-responsabilidade entreos trabalhadores de saúde mental, sofredorespsíquicos, seus familiares e a população em geral:

Aos desiguais devemos tratá-los de formadesigual. Igualdade é para quem é igual. Kantdisse isso na sua concepção de Estado. É paraquem é igual. Saiu uma matéria de um cientistaanalisando a obra de Kant e ele trouxe umametáfora: Para Kant, o Estado é como se fosseum guarda de trânsito, o papel do Estado seriacuidar para que os carros não se “pechassem”,que não avançassem o sinal. A questão que secoloca é: todos têm carro? (risos). Então, euacho que essa visão conservadora, elitista, liberal,para mim, é que está no cerne do problemaque vai atingir o cuidado. Porque, se não, tucontinuas reproduzindo a lógica liberal: “- essecara não é igual a mim; o que ele tem a vercomigo? (Almas da Mãe).

Uma abordagem antimanicomial não pode par tirda premissa da igualdade entre as pessoas, dahomogeneidade entre os seres humanos, bem comoda visão de que cada sujeito sofredor é equivalente aooutro e sem diferenciação entre si. Essa outraconcepção de cuidado em saúde mental considera asdesigualdades entre os seres humanos; asmultiplicidades culturais; as heterogeneidades e assingularidades pessoais.

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Para tanto, é preciso construir um novo pensar/fazernessa prática, que requer o desenvolvimento de habilidadese mudanças nas atitudes dos trabalhadores de saúdemental. A interação do trabalhador de saúde mental sejacom o sofredor, seja com os familiares, seja com apopulação em geral deve pautar-se pelo respeito àsdiferenças e à diversidade dos sofredores, caracterizandoo que podemos chamar de sensibilidade terapêutica. Nestesentido, o sucesso pode ser alcançado:

... Quando tu vês que, nas novas experiênciasem saúde mental, as pessoas conseguem serelacionar, a partir de uma outra proposta, deum outro jeito de tratar (Angina do Peito).

Cabe destacar a ênfase que é dada noreconhecimento das diferenças entre as pessoas. Adiversidade, quando reconhecida, faz com que ostrabalhadores de saúde mental transformem a filosofiade “tratar” a todos da mesma maneira. Reconheceras diferenças entre os sujeitos sofredores e respondera elas com o objetivo de dar suporte e agregar novasperspectivas de resolução dos conflitos é o desafio quese estabelece na saúde mental nesse milênio que seinicia para trabalhadores de saúde mental. Assim:

... A gente tem que assumir vários papéis, nãoser só um técnico. E hoje, depois de váriasandanças, eu já vi as conseqüências, porexemplo, de alguém que coordena a saúdemental somente de forma técnica ou somentede forma política. Eu acho que se deve ter váriasvisões desse trabalho, para poder realmentefazer com que ele ande e fazer com que elepossa se integrar e estar dentro do todo queenvolve tanto o poder público quanto ascomunidades. Se inserir realmente nas vidas daspessoas (Expira a Respiração).

Na verdade, os trabalhadores de saúde mental estãofortalecendo os usuários dos serviços, ao posicioná-losno comando de certas atividades grupais desenvolvidaspara a reabilitação psicossocial. Para isso, estãoaprendendo a delegar o controle e os sujeitos sofredores,a ter a oportunidade de demonstrar responsabilidadesobre um trabalho e tomar decisões mais apropriadas:

... Então, naquele momento em que ele estánecessitando da tua presença, da tua palavra, tutens que tratar ele conforme tu gostaria de sertratado. Então, com certeza, tu não irias quererser tratado de uma maneira ríspida. Então, euacho que a primeira coisa é isso, os cuidados,quer dizer, a pessoa ter todo um preparo para

lidar com determinadas situações porque nemtodo sofredor psíquico é tranqüilo, tem umpessoal que se agita demais, que fica agressiva... então, tu tens que ter um preparo de comolidar com esse tipo de pessoa (Garganta Grita).

Os sofredores psíquicos de determinado serviçopodem constituir-se em mola propulsora da inovaçãoe mudança na atenção em saúde mental, ou podemser uma barreira poderosa contra ela. O desafio é oestímulo para criatividade e tolerância à mudança. Ostrabalhadores de saúde mental precisam aprender alidar com a temporalidade, bem como a conviver coma flexibilidade, a espontaneidade e a imprevisibilidadepróprias do pensar/fazer em saúde mental. As açõesempreendidas pelos trabalhadores de saúde mentalilustram suas habilidades, sua filosofia de vida ou visãode mundo e suas vivências. Para atender a uma outracompreensão da loucura, responder às necessidadesdos sofredores e cumprir com a legislação em saúdemental é preciso reconhecer as conexões e interfacesexistentes no processo de cuidado destacando-se, entreelas, a preservação das diferenças técnicas entre osprofissionais e a flexibilização das fronteiras entre asdiversas áreas profissionais; a minimização dahierarquização das diferentes áreas de trabalho; e apromoção da interação como prática comunicativa, pormeio das quais todos participem do objetivo comum.

Nos discursos-objeto apresentados surge anecessidade dos sofredores e familiares em participardo cuidado, ou seja, a necessidade de inclusão dosofredor e da família nas discussões e formulações daassistência. Aliadas a esta idéia, as ações dostrabalhadores de saúde mental devem romper com alógica criada a par tir do estabelecimento da razãocomo princípio regulador entre o normal e o anormale gerar uma outra lógica mais solidária, tolerante epromotora do desenvolvimento pessoal e social daspessoas com sofrimento psíquico. Um ponto a serdestacado diz respeito ao fato de que o trabalhadorde saúde mental não tem uma fórmula pronta eacabada, uma “receita de bolo”, para dar respostasàs necessidades do sujeito sofredor. Essas respostasprecisam ser construídas no cotidiano do trabalho, nainteração entre os trabalhadores, usuários dos serviços,familiares e comunidade em geral. Arejano 25:218 refereque a atenção à saúde mental é uma construção diáriacomo o café, e é preciso que estejamos atentos aocontexto e ao complexo da situação. Assim, o trabalhoterapêutico é uma construção diária, mas também éuma construção compartilhada na qual contribuem ostrabalhadores e sofredores psíquicos e os familiares.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Referências

Ao encaminhar a finalização deste estudo centradona reflexão de uma abordagem antimanicomialaderente à nova compreensão do sofredor psíquico,como sujeito complexo e subjetivo em si próprio,pretendeu-se estar em consonância com as exigênciasdeste novo tempo e em sinergia com o compromissoético da equipe de saúde, dentro da utopia e da lutapor “uma sociedade sem exclusão”. A vinculação destetrabalho com a realidade é a estratégia necessáriapara a nova compreensão e reordenação do cuidadoem saúde mental, que se pretende.

Na discursiva sobre a verdade foucaultiana, Rabinowe Dreyfus9 salientam que o verdadeiro dito a tempo ea quem de direito por aquele que é o seu detentor,cura. O campo das políticas públicas em saúde tem sedestacado pela capacidade de propor mudanças. Nestesentido, ele pode ser considerado como o campo quemais avançou em termos de reformas administrativas,políticas e organizativas. Muitos são os fatores que têminfluenciado sobre as mudanças no setor saúde, deforma positiva ou negativa.

Em contrapartida, a Reforma Psiquiátrica demandatempos distintos, enquanto estratégia de reorientaçãoda atenção voltada para um paradigma sanitário deprodução social da saúde, uma vez que as mudançasdecorrentes são da ordem político-ideológica, e nãosomente da ordem técnico-científica. De outro lado,uma integração da teoria às práticas e umacompreensão do sentido profissional desses fazeresdiante das demandas tornam-se indispensáveis, poisa história da Reforma está sendo escrita.

Trabalhadores de saúde mental, usuários,familiares, homens e mulheres estão conscientementeem ação através da força de seu trabalho e do engenhode suas lutas, para fazer da utopia por uma sociedadesem exclusão uma realização no presente, e do lemapor uma sociedade sem manicômios um compromisso

com o futuro. Assim, é necessário procurar alternativaspara efetivar práticas que respondam à nova realidadee aos problemas de um modelo de atenção à saúdemental baseado na lógica da igualdade e dos direitoshumanos. Esta consciência já faz parte do pensar e dofazer em Saúde Mental, ou seja, ao se fazer a pergunta:de que modo uma abordagem antimanicomial podefavorecer a compreensão do sofredor psíquico, em seucontexto, como sujeito complexo e subjetivo? Introduzirformas de ações ‘diferentes’ no campo da Saúde Mentalnão significa, simplesmente, oficializar ‘normas de boasintenções’. Também, um marco norteador estabelecidode cima para baixo, e que será aceito ou deverá seraceito mais como “ato de fé” do que como verdadeiratransformação no interior das diferentes práticasprofissionais que compõem o cenário da Saúde Mental,não é por si só promotor de uma nova forma deencarar e compreender a loucura.

A atenção em Saúde Mental, herdeira das políticasdisciplinares do conhecimento “psi” deve manter umdiálogo permanente para resolver as contradiçõesinternas a esse respeito, tanto de seus atores quantoda ideologia que sustenta as suas práticas. Portanto,fazer uma história do presente sobre o cuidado emSaúde Mental significa reconhecer as continuidades erupturas no dispositivo “saúde mental”.

Mudanças de concepções não acontecem do dia paranoite e, o ponto de par tida somos todos nós -trabalhadores, usuários e familiares. É preciso umacompreensão diferenciada sobre as novas ações em saúdemental. A nova lógica proposta pela Política de SaúdeMental; a integração de alguns projetos unindo as açõesde saúde e saúde mental; a criação de espaços férteis naconquista da reabilitação em saúde mental e a qualidadena troca de informações entre os trabalhadores de saúdemental são pontos-chave para o avanço e consolidaçãodesse novo modelo. É preciso que se construam espaçospotenciais de intercâmbio e renovação no dia-a-dia dosserviços e nas instituições formadoras.

1 Foucault M. Vigiar e punir. 4ªed. Petrópolis(RJ): Vozes; 1986.

2 Ey H. Tratado de psiquiatria. 8ª ed. Barcelona(ES): Toray-Masson;1978. p. 2000.

3 Morin EA. Cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar opensamento, Rio de Janeiro(RJ): Bertrand Brasil; 2000. p. 51.

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6 Richardson RJ. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3ª ed. SãoPaulo (SP): Atlas; 1999.

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10 Ortega F. Amizade e estética da existência em Foucault. Rio deJaneiro(RJ): Graal; 1999.

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11 Lancetti A et al. Saúde e loucura, 2ª São Paulo(SP): Hucitec; 1990.

12 Rotelli F. Superando o manicômio: o circuito psiquiátrico de Trieste.In: Amarante P. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Rio deJaneiro(RJ): Ed da FIOCRUZ; 1994.

13 Saraceno B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para apassagem do milênio. In: Pitta A, organizador. Reabilitação psicossocialno Brasil. São Paulo(RJ): Hucitec; 1996.

14 Kinoshita RT. Contratualidade e reabilitação psicossocial. In: PittaA, organizador. Reabilitação psicossocial no Brasil. São Paulo(SP):Hucitec; 1996.

15 Mariotti H. Prefácio. In: Maturana HR,Varela FJ. A árvore doconhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 3ª ed.São Paulo(SP): Palas Athena; 2003.

16 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicasda compreensão humana. 3ªed. São Paulo(SP): Palas Athena; 2003.

17. Lei Nº 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteçãoe os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais eredireciona o modelo assistencial em saúde mental. [on-line] [acesso10 abr 2006]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/LEIS_2001/L10216.htm

18 Lancetti A. A modo de Posfácio. In: Marsiglia RDA; Dallari DA; CostaJF; Moura Neto FDN; Kinoshita RT; Lancetti A. Saúde mental e cidadania.2ª ed. São Paulo(SP): Mandacaru; 1990.

19 Pelbart PP. Manicômio mental: a outra face da clausura In: LancettiA, organizador. Saúde e loucura. 3ª ed. São Paulo(SP): Hucitec; 1992.

20 Kinoshita RT. Em busca da cidadania: desinstitucionalização de umhospital psiquiátrico. In: Campos BCF, Maierovitch C, organizadores.Contra a maré à Beira-Mar: a experiência do SUS em Santos. SãoPaulo(SP): Hucitec; 1996.

21 Castel R. La contradicción psiquiátrica. In: Basaglia F, organizador. Loscrimenes de La Paz: investigación sobre los intelectuales y los técnicoscomo servidores de la opresión. México: Siglo Vienteuno; 1977.

22 Rolim MI. 1ª Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma amostrada realidade manicomial brasileira. Brasília(DF): Câmara dosDeputados, Coordenação de Publicações; 2000 [on-line] [acesso 22set 2005]. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/comissoes/c d h m / r e l a t o r i o s / A p r e s e n t a . h t m l /?searchterm=I%20caravana%20nacional%20de%20direitos%20humanos.

23 Bertolote JM. Em busca de uma identidade para a reabilitaçãopsicossocial. In: Pitta A, organizador. Reabilitação psicossocial noBrasil. São Paulo(SP): Hucitec; 1996.

24 Foucault M. Ditos e escritos, problematização do sujeito: psicologia,psiquiatria e psicoanálise. Rio de Janeiro(RJ): Forense Universitária; 1999.

25 Arejano CB. Reforma psiquiátrica: uma analítica das relações depoder nos serviços de atenção à saúde mental [tese de doutorado].Florianópolis(SC): PEN/ UFSC; 2002.

Notas

Recebido em 27/03/2006Reapresentado em 03/08/2006

Aprovado em 10/09/2006

Sobre os Autores

a Este texto está baseado em Prandoni RFS. Loucura e complexidadena clínica do quotidiano [tese de doutorado]. Florianópolis:Departamento de Enfermagem - Programa de Pós-graduação emEnfermagem / UFSC; 2005, que infelizmente não pode estar entre nóspara par tilhar de sua luta por um cuidado psiquiátrico livre depreconceitos, de “exame”, com respeito à subjetividade dos sujeitos.Raul sempre acreditou na necessidade de repensar a prática e que osestudos teóricos pudessem reflitir sobre as relações entre sociedade esaúde mental. Este texto é um presente e uma homenagem póstuma paravocê Raul, que em algum lugar com certeza está olhando para nós.

b Adotamos nomes fictícios para os entrevistados oriundos da obrade Arthur Bispo do Rosário intitulada Bordados de uma Existência8.Os nomes fictícios foram: Almas da Mãe; Corpo/Alma; Garganta Grita;Sobrancelhas; A vista/os Olhos; Expira a Respiração; Hematomas;Espinha Dorsal; No Peito Traz; Potência; Estatura Mediana; Angina doPeito e Clavicular.

RRRRRaul Faul Faul Faul Faul Fererererernando Sotelo Prnando Sotelo Prnando Sotelo Prnando Sotelo Prnando Sotelo Prandoni andoni andoni andoni andoni (In Memoriam).

Psicólogo. Doutor em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduaçãoem Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Maria Itayra Coelho de Souza PadilhaMaria Itayra Coelho de Souza PadilhaMaria Itayra Coelho de Souza PadilhaMaria Itayra Coelho de Souza PadilhaMaria Itayra Coelho de Souza Padilha

Professora Associada e Vice-Líder do Grupo de Estudos de Históriado Conhecimento de Enfermagem (GEHCE), do Departamento deEnfermagem da UFSC. Doutora em Enfermagem pela Escola deEnfermagem Anna Nery / UFRJ. Pesquisadora do CNPq. E-mail:[email protected].

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Cuidado de Enfermagem. Enfermagem Psiquiátrica. Saúde Mental. Reabilitação.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Nursing care. Psychiatric Nursing. Mental Health.Rehabilitation.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas c lalalalalavvvvve:e:e:e:e: Atención de Enfermería. EnfermeríaPsiquiátrica. Salud Mental. Rehabilitación.

O CUIDADO DE ENFERMAGEM FAMILIAR / EXÓTICONA UNIDADE DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA:DO ASILAR PARA A REABILITAÇÃO PSICOSSOCIALa

The Family / Exotic Nursing Care in the Psychiatric Internment Unit:From the Sheltering to the Psychosocial Rehabilitation

El Cuidado de Enfermería Familiar / Exótico en la Unidad deInternación Psiquiátrica: Del Asilar para la Rehabilitación Psicosocial

Estudo sobre os cuidados de enfermagem psiquiátrica desenvolvidos numa unidade de internação de um hospital universitáriodo Rio de Janeiro. O objeto de estudo foi abordado com enfoque etnográfico, e os dados foram interpretados por suaaproximação ou distanciamento às bases conceituais do cuidado e aos princípios da Reforma Psiquiátrica. Neste período,algumas iniciativas desenvolvidas pela Direção do Serviço de Enfermagem contribuíram para redirecionar o olhar e agir da equipede enfermagem. Os resultados indicam a coexistência de duas dimensões do cuidado permeadas pelas influências ambientais.A dimensão instrumental mostrou uma proeminência do modelo assistencial asilar, que se sobrepõe às transformações propostas.A dimensão expressiva indicou a valorização das singularidades dos clientes e incorporou a diversidade e o acolhimento dosprofissionais mostrando a demanda mais freqüente da clientela como fundamental para a transição do modelo assistencial misto,asilar e de reabilitação, para um modelo fundamentado apenas na reabilitação psicossocial.

Study about the psychiatric cares of nursing developed in aninternment unit of a university hospital of Rio de Janeiro. Thestudy object was boarded with ethnographic approach, andthe data interpreted for its approximation or distancing tothe conceptual basis of the care and to the principles of thePsychiatric Reformation. In this period, some initiativesdeveloped by the Direction of the Service of Nursingcontributed to redirect the look and to act of the nursingteam. The results indicate the coexistence of two dimensionsof the care permeated by the ambient influences. Theinstrumental dimension showed a prominence of the shelteringassistant model, which overlaps itself of the transformationsproposed. The expressive dimension indicated the valuationof the singularities of the customers and incorporated thediversity and the shelter of the professionals showing thedemand most frequent of the clientele as basic for the transitionof the mixing assistant model, to shelter and of rehabilitation,for a model based only on the psychosocial rehabilitation.

Estudio sobre los cuidados de enfermería psiquiátricadesarrollados en una unidad de internación de un hospitaluniversitario del Rio de Janeiro. El objeto del estudio fuéabordado con enfoque etnográfico, y los datos interpretadospor su aproximación o distanciamiento a las basesconceptuales del cuidado y a los principios de la ReformaPsiquiátrica. En este período, algunas iniciativas desarrolladaspor la Dirección del Servicio de Enfermería contribuyeronpara mirar y el actuar del equipo de enfermería. Los resultadosindican la coexistencia de dos dimensiones del cuidadopermeadas por las influencias ambientales. La dimensióninstrumental demostró una prominencia del modelo asistencialasilar, que se ha superpuesto a las transformacionespropuestas. La dimensión expresiva indicó la valuación delas singularidades de los clientes e incorporó la diversidad yel abrigo de los profesionales que demostraban la demandamás frecuente de la clientela como fundamental para latransición del modelo asistencial mixto, asilar y derehabilitación, para un modelo fundamentado solamente enla rehabilitación psicosocial.

Edna Gurgel Casanova Isaura Setenta Porto Nébia Maria Almeida de Figueiredo

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

INTRODUÇÃO

Ao longo da nossa vida profissional temos verificadoque as intervenções psiquiátricas no contexto dainternação hospitalar apresentam lacunas nasatividades que buscam amenizar o sofrimento docliente. Essa constatação reapresenta diversas questõespolêmicas, dentre as quais destacamos a indicação dehospitalização integral e a função do hospital psiquiátrico.A frustração dos esforços de alguns profissionais desaúde e das expectativas dos clientes induz a refletirsobre as práticas desenvolvidas neste local.

Na verdade, as maneiras como a sociedade enfrentaa doença, a invalidez e o tratamento repercutem nomovimento da Reforma Psiquiátrica. Por outro lado, osucesso da iniciativa, além da consciência social e deconhecimento profissional, é também muitoinfluenciado pela política e pela escolha das prioridadesdos governos (Desviat1). Diante das idéiasapresentadas, a vida cotidiana do hospital é umainfluência decisiva no curso e prognóstico da doençamental. Assim, no contexto da internação psiquiátrica,temos questionado a compatibilidade entre o cuidadode enfermagem ofer tado aos clientes e os novosdispositivos preconizados pela Reforma Psiquiátrica.

Por outro lado, ainda existe uma demandaespecífica das pessoas portadoras de doença mentalpara a internação hospitalar em regime integral, quedevem receber cuidados afastados dos princípios epressupostos e das práticas derivadas do modeloassistencial asilar/manicomial. Independente dos locaisde assistência psiquiátrica, torna-se necessária umareflexão sobre a prática clínica, incluindo o cuidado deenfermagem, para a superação da fi losofia daassistência fundamentada neste modelo.

Considerando a problemática apresentada e como propósito de melhor orientar o estudo, as seguintesquestões norteadoras foram elaboradas: (a) Como oscuidados de enfermagem são realizados no cotidianode uma unidade de internação psiquiátrica, em facedas mudanças derivadas da reabilitação psicossocialoriunda da Reforma Psiquiátrica? (b) Como asmodificações introduzidas na dinâmica e no cotidianoda unidade de internação psiquiátrica influenciam narealização dos cuidados de enfermagem?

Na presente investigação, o objeto de estudoabarca os cuidados desenvolvidos pelos integrantesda equipe de enfermagem de uma unidade deinternação de hospital universitário psiquiátricopertencente à universidade pública sediada no Rio deJaneiro. Os inúmeros desafios dessa empreitada sãocomplexos e, apesar da existência de experiências

inovadoras em desenvolvimento em diferentesambientes, ainda são poucos os estudos sobre ocuidado de enfermagem psiquiátrica no contexto daReforma Psiquiátrica.

O momento atual é de redefinições no campo daassistência à clientela, na área da saúde mental. Nessesentido, a Enfermagem também vem desenvolvendoatividades e experiências. Mas, para subsidiar acontinuidade dessas iniciativas com maior visibilidade,torna-se necessária uma leitura crítica das atividades eaplicações do saber da Enfermagem na área da saúdemental, no cotidiano do hospital psiquiátrico. Uma dasmaneiras de ler criticamente a realidade assistencial éo desenvolvimento de investigações, como é o caso destetexto. Assim, considerando-se este contexto, foramelaborados os seguintes objetivos de pesquisa:

(a) Descrever os cuidados de enfermagemrealizados no cotidiano da prática da equipe deenfermagem de uma unidade de internaçãopsiquiátrica;(b) Analisar os cuidados de enfermagemdesenvolvidos na unidade de internaçãopsiquiátrica e suas implicações, à luz doprocesso de reabilitação psicossocial.

METODOLOGIA

A opção pela abordagem qualitativa nesta pesquisadecorreu da própria natureza do objeto da investigação,pois o cuidado em enfermagem psiquiátrica éimpregnado de diversas influências, quais sejam: (a)vínculos dialéticos, que incluem aspectos da ordemdos valores, da cultura e da ideologia de nossasociedade; (b) determinantes sócio-econômicos,culturais e políticos imbricados nas situações decuidado em enfermagem; e (c) subjetividade deprofissionais e clientes, que aparece de maneiraimplícita ou explícita, neste objeto de investigação.

Além disto, a natureza imprecisa do objeto daPsiquiatria configura-se como um grande desafio paraas pesquisas desenvolvidas nesta área, considerando-se que ele abrange o homem na sua experiência desofrimento mental aliado à necessidade de compreendervalores, crenças e motivações imersos no seu própriocontexto de significados. Confirmando a opção realizada,Najmanovich2, ao analisar a dominância do métodoquantitativo, em relação ao qualitativo, assinala que ficamfora dele a emoção e a beleza, a ética e a estética, a core a dor, o espírito e a fé, a arte e a filosofia, o corpoemocional e o mundo subjetivo.

Diante da necessidade de apreender as práticasde cuidados no cotidiano da Enfermagem junto a

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

clientes psiquiátricos internados, adotamos umaabordagem aproximada à etnografia. A etnografia éempregada para designar os resultados empíricos edescritivos da ciência do homem, visualizados nocontexto em que ele atua e vive (Malinowski3).

Neste sentido, o cotidiano da equipe deenfermagem em situações de cuidado foi observadopara desvelar suas rotinas e dinâmicas. Em geral, oelemento relacional implícito no cuidado deenfermagem abre possibilidades para se obter umavisão do conjunto sobre as práticas exercidas pelosintegrantes da equipe de enfermagem. É difícil separaro cuidado do processo de trabalho de enfermagem, ea neutralidade científica é uma condição dificilmentealcançável. Assim, procuramos manter umdistanciamento crítico e não ingênuo, para atingir origor científico esperado em qualquer pesquisa.

Esse foi um esforço imprescindível, pois o campoda pesquisa era próximo aos pesquisadores, umavantagem em termos de acesso às pessoas e aosdados e informações do cotidiano. Mas, por outro lado,exigia, em outros momentos, um grau dedistanciamento em relação às situações observadas.A proximidade e o distanciamento foram exercitadosno próprio trabalho de campo da pesquisa. Silva6

confirma nossa opção ao dizer que a familiaridaderepresenta algumas facilidades, como o conhecimentodos códigos de comportamentos do grupo. Por outrolado, é necessário redobrar atenção, para não limitara pesquisa aos aspectos e posições contingenciais.

As sugestões de Velho4 e Da Matta5 sobre atransformação do exótico em familiar e do familiarem exótico e o distanciamento social e psicológicoinfluenciaram também a orientação deste trabalho.Assim, num primeiro momento foi necessário queestranhássemos o que era supostamente conhecido(cuidado de enfermagem psiquiátrica). Para orientara observação deste cuidado (olhar, ouvir e escrever)elaboramos as seguintes perguntas: (a) Como ocuidado apresenta-se na unidade de internaçãopsiquiátrica? (b) Ele é conhecido?

Assim, o cuidado de enfermagem familiar é aqueleorientado pelo modelo normativo do sujeito, que temcomo horizonte a cura (normalidade). Ele é o ato decuidar orientado pelo paradigma biomédico, com afinalidade de devolver o cliente à normalidaderecorrendo-se preferencialmente ao diagnósticomédico, para seu planejamento e desenvolvimento.Esse cuidado é marcado pelo processo histórico,marcado pelas dimensões instrumental e técnico-administrativa. Suas características mostram-se pelapresença de cuidados rotineiros e “mecanicamente”

realizados, que apresentam o risco de incorporar o(pré)conceito e o (des)valor relativos ao cliente, emsua autonomia e singularidade.

Por outro lado, o cuidado exótico aponta para umaprática capaz de criar novos dispositivos que ajudem o sujeitoa ordenar suas dimensões psíquicas e suas práticas sociais,de maneira mais criativa. Ele consiste na ação terapêuticade cuidar, alicerçada em diversas áreas do conhecimento,com o objetivo de contribuir para a reabilitação psicossocial.Por conseqüência, ele opera considerando-se as multicausasdo adoecimento psíquico abandonando, assim, o sabercentrado no diagnóstico médico.

Então, multicuidados surgem como cuidadosexóticos, tais como baile e assembléia de clientes,residência terapêutica, salão de beleza, oficinaterapêutica “Saúde e Sexualidade” e visita domiciliar,pois esses são dispositivos terapêuticos quedesenvolvem o cuidado com orientação, objetivos eestruturas diferenciados daqueles cuidadosconsiderados como familiares.

Adotamos esta classificação de cuidado familiar oucuidado exótico de maneira flexível. Um tipo de cuidadoconsiderado como familiar (administração demedicamentos), pode ser transformado em cuidadoexótico, quando existe uma monitorização dos sintomasatravés da terapêutica medicamentosa vinculada aosaspectos da qualidade de vida dos clientes e ao resgatea sua capacidade para a vida social. Então, a ação deadministrar o medicamento adquire um novo sentidotransformando-se em cuidado exótico.

Procuramos observar e registrar também o “não-dito”, as peculiaridades sutis, muitas captadas nasentrelinhas dos discursos e em outras manifestaçõesnão-verbais. O acesso a esse tipo de dados éconsiderado acesso aos imponderáveis da vida real(Malinowski3). Entre eles destacam-se a maneira, ogesto, o tom da voz ao abordar o cliente, adisponibilidade interna dos integrantes da equipe deenfermagem e seu respeito ao realizar o cuidado como cliente. Esses imponderáveis são essenciais aotrabalho de campo, pois mostram “o não-dito”, aspequenas ações e intenções, as escolhas pelos tiposde cuidados e as prioridades estabelecidas no cotidianodo cuidado de enfermagem.

Escolhemos o estudo de caso para tipificar apesquisa, pois ele permite estudar o fenômeno em suasingularidade, com possibilidade de aprofundamento(Becker7). O cenário da pesquisa foi uma unidade deinternação em regime integral do Instituto dePsiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro(IPUB). Nesse hospital, reconhecido como referênciaem Saúde Mental pela Organização Mundial de Saúde,

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

desenvolvem-se atividades de ensino, pesquisa,extensão e assistência.

Par ticiparam do estudo sete enfermeiros edezessete profissionais de enfermagem de nível médio,que trabalhavam na unidade de internação denominadaEnfermaria 2b. Nela, os integrantes da equipe prestamcuidados junto a setenta e dois clientes distribuídos emquartos coletivos, acrescidos de quatro clientes tambémportadores de intercorrências clínicas, cujos leitos estãosituados em local contíguo ao posto de enfermagem.

Desde 1994, vem sendo realizadas mudanças ereformulações nos cuidados aos clientes psiquiátricos.Naquele período, a Professora Cristina Maria DouatLoyola assumiu a Diretoria de Enfermagemimplementando mudanças na filosofia do cuidado, paraadequá-lo à Reforma Psiquiátrica (Loyola Miranda11-19).Assim, a mudança iniciou-se de uma prática pautadano cuidado familiar, para uma revisão dessa práticaem direção do cuidado exótico.

Solicitamos autorização para realizar a pesquisacom instrumento padronizado encaminhado à Direçãodo IPUB. E foram encaminhados ao Comitê de Éticaem Pesquisa cópia do projeto de pesquisa, cópia docurriculum vitae da pesquisadora responsável pelacoleta de dados e termo de consentimento livre eesclarecido, em atendimento à Resolução nº196 / 96do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde(Brasil8). O Comitê aprovou a realização da investigaçãona Enfermaria 2 da Instituição.

O método principal para a coleta de coleta de dadosfoi a observação par ticipante associada às técnicasde entrevista livre e análise documental. A coletapropriamente dita foi realizada em 2001, com um totalde noventa horas de observação de campo e arealização de dez entrevistas vinculadas às situaçõesde cuidado observadas e significativas para a análisedo cuidado de enfermagem. As falas dos participantesforam gravadas após a exposição prévia da pesquisae a obtenção de suas assinaturas no termo deconsentimento livre e esclarecido.

O tratamento dos dados foi realizado a partir datécnica de análise de conteúdo (Bardin9). Para adefinição das categorias utilizamos o modelo aberto,no qual as categorias formam-se no curso da própriaanálise (Laville e Dionne10). Os temas encontradosapontaram para as seguintes categorias empíricas: (a)Ambiente do Cuidado de Enfermagem e o Cuidado como Ambiente e o Cliente: de uma Psiquiatria fechadapara uma aberta - descerrando as portas; (b) Cuidadoa par tir de avaliação prévia da Enfermagem: amanutenção de uma prática; e (c) Cuidado porsolicitação do cliente: a transição do cuidado de

enfermagem psiquiátrica. Na análise e interpretaçãodos resultados, as categorias empíricas construídasforam confrontadas com o conteúdo e princípios daReforma Psiquiátrica e da literatura da Enfermagemsobre o cuidado e de Enfermagem Psiquiátrica, quese apresentava em consonância com essa Reforma.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

A análise e interpretação dos resultados relativosa cada uma das categorias construídas estãoapresentadas a seguir.

Categoria 1Ambiente do cuidado de enfermageme o cuidado com o ambiente e cliente:De uma hospitalização fechada parauma aberta - descerrando as portas

Um serviço psiquiátrico de qualidade apresenta umcampo de possibil idades que se reorganizamcotidianamente, tendo em vista a garantia dareabil itação dos clientes, nos seus limites epotencialidades individuais. A presença do hospitalpsiquiátrico não implica a obrigatoriedade de modelomanicomial. Assim, conseqüentemente, a existência daunidade de internação hospitalar ; localizada nohospital, não implica sua filiação ao modelo manicomial.

A partir da Reforma Psiquiátrica, implementaram-se vários dispositivos de atenção e mudanças noprocesso de cuidados aos clientes. Em alguns casos,ainda mesmo com os novos espaços de atendimento,encontram-se práticas rotinizadas e estereotipadas,abandonos, maus-tratos e desesperança. Em geral,dentre outras justificativas, são feitas reformas nasinstalações hospitalares, para melhorar suaclassificação junto aos órgãos financiadores, com afinalidade de o hospital ser mais bem remunerado pelosserviços prestados. Essas reformas buscam caracterizá-lo como instituição inserida no movimento dereorganização da assistência psiquiátrica, cuja iniciativaé uma estratégia denominada como adesão cosmética(Bezerra12). Em contraposição, o processo dereabilitação pode operar em qualquer lugar, seja numaenfermaria, residência terapêutica ou residência comum.

Para isto, esses espaços devem ser transformadosem lugares, um movimento do estar para o habitar(Saraceno20). Neste sentido, o cuidado em enfermagempsiquiátrica, denominado exótico, por estar voltado paraa reabilitação, exige, além da utilização de váriossaberes, o reconhecimento fundamental acerca dosinvestimentos físico-estruturais. Então, a transformaçãode uma enfermaria num espaço terapêutico, do pontode vista físico e operativo, é função de todos os quecuidam e interagem com o cliente internado.

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

Em relação ao exposto, a descrição etnográficapoderia proporcionar uma idéia do ambiente espacialdo IPUB (racional), que une os corpos e mentes queali (con)vivem. Entre outros resultados, verificou-se nosespaços recentemente conquistados pela Enfermageme seus clientes um reflexo da transição da arte decuidar, ao mesmo tempo em que sua expansão foiampliada. Foi possível perceber, também, que nemtudo é harmônico e linear em termos de estruturafísica, pois o espaço foi organizado para acolher oscorpos em sofrimento mental. A cartografia do IPUBmantém a idéia original do tempo de sua construçãode que a loucura deveria ser guardada, umacompreensão atualmente marcada por rupturas.

Uma dessas rupturas é a abertura das portas, quelibertou os clientes através dos novos contratos sociais.Desta maneira, criou-se uma nova configuraçãoterritorial, em cima de um ambiente histórico, no qualse busca consonância com as diretrizes da ReformaPsiquiátrica e as necessidades e direitos dessesclientes. A enfermeira Silvia e a auxil iar deenfermagem Daisy ressaltaram as vantagens emrelação à reorganização das enfermarias e aberturadas portas, afirmando que:

Percebo que o doente da Enfermaria 2, porestar com a por ta aber ta, se compor ta demaneira diferente. Ele está menos ansioso parasair, porque ... sabe que amanhã vai sair àsnove horas. O doente da Enfermaria 2, conformedisse um cliente, lá ele se sente menosinternado. Ele acha que, com a porta aberta, ...não está tão doido assim (Enf.ª Silvia).

Durante o dia, com esse livre acesso ao pátioexterno, os clientes da Enfermaria 2 têm acessoàs diversas oficinas e contato com pessoasmenos adoecidas que vem visitar, representantede laboratórios, pessoal da enfermaria, é umponto positivo da enfermaria aber ta. Assim,diminuiu o número de ocorrências, não que elesfiquem mais dispersos, mas devido a outrosconvívios. Quando você abre a por ta, muitascoisas mudam (aux. de Enf.ª Daisy).

Para o bem-estar do cliente e tentando suprir asdeficiências institucionais, os integrantes da equipe deenfermagem hoje, como no passado, desdobram-separa preencher as lacunas. Por outro lado, também éplausível considerar esse comportamento como umrecurso para preencher o espaço vazio, decorrente daindefinição na prática da Enfermagem Psiquiátrica pelomomento de transição para um novo modelo de cuidadoorientado para reabilitação psicossocial dos clientes.

Esse posicionamento tornou-se par ticularmentecompreensível naquelas situações em que osintegrantes da equipe desenvolviam ações subsidiárias,historicamente determinadas e características domodelo asilar/manicomial, tais como a vigilância sobreo ir-e-vir dos clientes (porta da enfermaria - chaves) eo atendimento do telefone.

Ao refletir sobre o ambiente do cuidado destacam-se algumas tendências do ambiente que influenciam ocuidado entendido como familiar e exótico (Velho4 e DaMatta5). O ambiente observado, no qual acontece o cuidado,significa algo além de simples comodidade e estética, numainstituição considerada dispositivo social. A hospitalizaçãoprovoca um abandono do espaço do cliente em suaresidência, geralmente compulsório, e de seus rituais esimbolismos, para imergir muitas vezes, em outrosespaços desconhecidos, como afirma Collière21.

Assim, apesar das modificações ambientais, queatendem parcialmente aos princípios da ReformaPsiquiátrica, elas ainda são incapazes de influenciarsignificativamente no cotidiano do cuidado deenfermagem. A constatação desta afirmativa envolve otrabalho na dimensão expressiva, que é dependente dasingularidade de cada profissional. E assim, esse trabalhotem encontrado dificuldade para ser incorporado aocotidiano assistencial de enfermagem, pois depende deoutros aspectos vinculados a quem cuida.

Somente tornou-se possível aos integrantes daequipe de enfermagem exteriorizarem as dimensõesexpressivas do cuidado quando foi desenvolvido umprocesso de reflexão e amadurecimento profissionais,através da criação de espaços nos quais podiam debatere se preparar, como por exemplo, o grupo de supervisãode enfermagem, o grupo de reflexão com os auxiliaresde enfermagem e as sessões clínicas. Esses espaçostambém possibilitam a compreensão das influênciasambientais no cuidado de enfermagem psiquiátrica.

Categoria 2Cuidado a partir da avaliação prévia daEnfermagem: A manutenção de uma práticade cuidados de enfermagem psiquiátrica

Esta categoria foi construída a partir da identificaçãodas necessidades de cuidados e da par ticipação dosintegrantes da equipe de enfermagem em atividadesinovadoras e de interesse dos clientes, segundo aperspectiva da Reforma Psiquiátrica. A dimensãoinstrumental do cuidado esteve presente em todas assituações de cuidado, e sua prática esteve atreladapredominantemente ao modelo biomédico. Assimorganizada, a Enfermagem ainda aparece comocoadjuvante do tratamento médico. Conseqüentemente,

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

limita-se a possibilidade do cuidado de enfermagem,enquanto ato criador e original.

Neste sentido, a baixa participação dos integrantesda equipe de enfermagem nos recentes dispositivosterapêuticos desenvolvidos na Instituição, tais como obaile, o salão de beleza, a assembléia de pacientes eo acompanhamento ao pátio, reforçam o modeloassistencial que recorre à medicação como principaldispositivo terapêutico. A manifestação transcrita aseguir é elucidativa desta afirmação:

O salão não tinha sido planejado desta maneira.Isto é, todos deveriam também trabalhar nosalão. No entanto, todos [somente] encaminhamos clientes, inclusive eu (Enfª . Carolina).

Apesar de ressaltarem a finalidade terapêuticadesses novos dispositivos de cuidado, a resistência emparticipar das iniciativas parece decorrer de um conflitoentre a cristalização das formas de cuidado e/ou dainstabilidade provocada pela multiplicidade de aspectose demandas implícitas e explícitas na proposta dereestruturação da assistência psiquiátrica.

Desta forma, nem o cliente nem os integrantes daequipe de enfermagem são considerados elementosvaliosos do processo terapêutico. Segundo Corbisier22,nesse modelo geralmente quem trabalha basicamenteé o medicamento. A posição de Lopes23 ressalta que aação de cuidar é construída no cotidiano das atividadesde enfermagem. Assim, alguns integrantes da equipecompreendiam a necessidade de envolvimento noprocesso terapêutico reconhecendo sua par ticipaçãoem contraposição ao que havia sido planejado. Mas, ainfluência do modelo asilar ainda é forte, o que os fezconstatar que par ticipavam do processo terapêutico,apenas de maneira mínima.

Os dados expõem que os integrantes da equipe aindapermaneciam for temente marcados pelas influênciaspróprias do modelo asilar, apesar de ele ser altamentecriticado pelos próprios envolvidos. Em compensação, otraço menos visível dos integrantes foi a dimensãoexpressiva e seus valores imateriais, como a afetividade,a empatia e iniciativa, pouco presentes na ação singulardo cuidado de enfermagem.

Esta análise confirma-se a partir de um trecho dodiário de campo: o horário da manhã geralmente erasempre considerado muito agitado. Todos osintegrantes da equipe de enfermagem tinham suaatenção dirigida para os tratamentos biológicos e asações voltadas para o confor to e higiene dos corposdos clientes. Desta maneira, nenhum integrante daequipe esteve sentado no pátio interno para conversarcom os clientes. Da mesma forma, ninguém estava

olhando/super visionando ou interagindo com osclientes no pátio externo (registro de 16/04/2001).

Na organização dos cuidados de enfermagem, asnecessidades do cliente e as possibilidades de eleexercer sua autonomia foram pouco consideradas.Assim, o sujeito do cuidado, o cliente com sua diferença,maneira de ser e suas possibilidades, foi poucoprivilegiado pelos integrantes da equipe deenfermagem. Por isso, às vezes eles agiam comoreprodutores de um cuidado institucionalizado, cujosalicerces encontravam-se basicamente no antigomodelo asilar/manicomial ainda presente.

A relação de cuidado foi acompanhada de trocaentre os integrantes da equipe de enfermagem e osclientes, como Silva24 enfatiza, e a reabilitaçãopsicossocial envolvia a modificação de um desvalornatural atribuído ao cliente psiquiátrico em um valorpossível. Assim, essa relação parecia estar começandoa mostrar a construção de um cuidado que consideravaa cidadania e os novos contratos de vida (trabalho,lazer, moradia) para os clientes.

Em reforço a esta mudança de comportamento dosintegrantes da equipe, outro trecho do diário de campocom cuidados familiares aparentes destacou suatransformação em cuidados exóticos: todos osprocedimentos técnicos (verificação de sinais vitais,auxílio na alimentação, higiene, e outros) foram feitosde maneira delicada, quase sempre atendidos osdesejos dos clientes (registro de 13/04/2001).

Diante dos resultados apontados nesta categoria,verificamos que a dimensão instrumental do cuidadose apresentava mais significativa, ao ser comparada àdimensão expressiva. Assim, nesta unidade deinternação psiquiátrica, que apresentava a transiçãodo modelo asilar para um modelo de reabilitaçãopsicossocial, os profissionais da equipe de enfermagemviabilizavam as ações de cuidados majoritariamentenuma dimensão instrumental.

No entanto, existiram pistas relacionadas aocuidado exótico, apesar do pequeno desenvolvimento,que mostravam a dimensão expressiva dos integrantesda equipe de enfermagem na realização de cuidados,quando demandavam a utilização de si mesmos demaneira terapêutica. Eles geralmente aconteceram nointerior dos dispositivos terapêuticos (salão de beleza,assembléia, baile e pátio) e, eventualmente, duranteas atividades cotidianas na enfermaria. Dessa maneira,alguns integrantes da equipe de enfermagem já haviamincorporado o atendimento das necessidadesexistenciais dos clientes sob seus cuidados. Quanto àrelação entre integrantes da equipe e clientes, emdeterminados momentos, os cuidados de enfermagemestimulavam a autonomia do cliente; em outros

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

momentos, eles eram nor teados pela ideologiarepresentativa da ordem institucionalizada ehierarquizada, característica do cuidado familiar/asilar.

Na abordagem das maneiras pelas quaisaconteciam os cuidados a partir da avaliação préviada enfermagem, os profissionais demonstraram quea função social do cuidado era pouco percebida econsiderada, como determinante da reabilitaçãopsicossocial do cliente. As tecnologias de cuidados utilizadas,em sua maioria, apoiavam-se na perspectiva organicistada doença mental. Dessa forma, a natureza dos cuidadosestava mais for temente orientada para o plano daracionalidade, caracterizados como cuidados familiares/instrumentais, do que para a estética/subjetividade,características do cuidado exótico/expressivo.

Categoria 3Cuidado por Solicitação do Cliente:A transição da prática do cuidadode enfermagem psiquiátrica

Nesta categoria foram analisados os cuidados deenfermagem, com ênfase nas necessidades dosclientes. Ao delimitar esse foco de reflexão, destaca-se que, na constituição do saber médico como discursocientífico e na hegemonia do modelo anátomo-fisiopatológico, ganharam centralidade os saberes querecaem sobre o corpo biológico. Esta posição obteveconfirmação quando foi identificada a tendência depredomínio da dimensão biológica no processo deconstrução de conhecimentos psiquiátricos.

Para identificar os cuidados de enfermagem emconsonância com o novo modelo de atençãopsiquiátrica, registrou-se a inter venção de umaenfermeira considerada um cuidado compatível coma perspectiva da autonomia. Para ilustrar, um trechodo diário de campo destacou uma situação de umacliente muito idosa, que permanecia acamada durantea maior parte do tempo. Ela ouviu a chamada para olanche e começou a gritar pedindo comida. De dentrodo posto, a enfermeira disse a ela: Vai lá C.! A clientelevantou-se e foi ao refeitório, fazendo, depois, umaparada no pátio. Uma auxil iar de enfermagemaproximou-se dela carinhosamente, entregando-lheuma bandeja com o lanche, que estava sendodistribuído (registro de 30/4/2001).

Este gesto, passível de caracterização como cuidadoexótico, faz par te de inúmeros compor tamentosobservados no cotidiano dos integrantes da equipe deenfermagem. Porém, são pouco valorizados ereconhecidos pelos próprios profissionais comocuidados de enfermagem. Apesar disso, a ação daenfermeira, corroborada pelo gesto da auxiliar de

enfermagem, propiciou uma interação estimulante àautonomia da cliente.

No espaço do hospital psiquiátrico, no qual coexistempacientes com diversas necessidades psicológicas esociais, o cuidar em enfermagem psiquiátrica deve terpor finalidade uma prática clínica individualizada, quepressupõe um cuidado ético. Quaisquer que sejam ascaracterísticas operacionais do hospital, é imprescindívelque a dignidade e humanidade dos que estão sob nossoscuidados sejam consideradas.

Preservar a dignidade e humanidade dos clientesdurante a realização dos cuidados implica a atenção,destacando-se, par ticularmente, a fala do clienterepresentativa de seus desejos e de suas condiçõesexistenciais e relações com as pessoas e o mundo. Aspalavras da enfermeira Priscilla ressaltam o estatutopositivo que ela atribui à fala do paciente:

(...) Fui depois conversar com o paciente quelevantou a situação do roubo na Assembléia dospacientes. Ele mesmo, juntamente com outrospacientes, estimulados por mim, chegaram aconclusão de que a Assembléia não é espaço paraum ficar “dedurando” o outro. Nestas situações,tento envolver ao máximo os pacientes para que,juntos, consigamos resolver as situações, semprebaseados no diálogo (...) (Enf. Priscilla).

Neste depoimento, a escuta diferenciada da falados pacientes aponta para uma nova visão do doentemental, que busca garantir sua par ticipação noprocesso terapêutico. Assim, é possível utilizar umatecnologia de cuidado, que considera a prática comouma instância terapêutica, que envolve os indivíduosno movimento permanente de produção da instituição(Goldberg25). A postura desta enfermeira exemplificauma abordagem característica do cuidado exótico.

Apesar de algumas ações de enfermagem teremsido identificadas como cuidado exótico, ficou patenteque a maioria dos sujeitos do estudo ainda estavaimpregnada por práticas cristalizadas do modelo asilar,nas quais a singularidade do cliente era poucoconsiderada. Nessa linha operacional e para preenchera falta do diálogo, da escuta e das práticasreabil itadoras, freqüentemente os profissionaisrecorreram à terapia medicamentosa.

O comportamento dos profissionais, descrito numtrecho do diário de campo, expressou a maneira pelaqual os integrantes da equipe de enfermagem aindaprivilegiavam a psicofarmacoterapia como uma dasbases para o cuidado: o cliente H. pede a uma médicaque estava no posto de enfermagem para prescreverdois comprimidos de diazepan® , porque “a cliente C.

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

me deixa ner voso”. A enfermeira e a médicaconcordaram dizendo que receberia apenas umcomprimido. A médica prescreveu em seguida. Umauxiliar preparou a medicação e a administrou para ocliente, sem nenhum diálogo (registro de 30/4/2001).

Por outro lado, um posicionamento crítico, mas sutil,em relação à medicação vem sendo freqüente no grupopesquisado, embora reconhecessem a farmacoterapiacomo um dos tratamentos significativos. Assim, osintegrantes da equipe de enfermagem tendiam areordenar seu trabalho na direção do cuidado exótico.As falas a seguir mostraram essa tendência:

Só medicar não adianta. Primeiro você medica,depois conversa. No começo [na crise], eleprecisa muito de remédio. Com a conversa, vocêpode até tirar a medicação (Auxil iar deenfermagem Tatiana).

(...) Às vezes, o paciente entra em pânico. Temque conversar com ele. Está muito viciado emmedicação, e sabe a hora que pode tomar. Nomeu plantão, dizia que só podia tomar SOS apar tir da meia-noite. Então, eles vinhamexatamente nessa hora, cobrar a medicação(Enfermeira Camilla).

Boff26 afirma que uma ética nova pressupõe umaótica nova. O movimento de reorganização psiquiátricaestá permitindo uma nova visão sobre aqueles quetêm um modo distinto de ser na vida.Conseqüentemente, existiram os integrantes da equipede enfermagem usando mecanismos repressivos, paralegitimar a ordem estabelecida (cuidado familiar/instrumental). Outras profissionais romperam com estaordem buscando novas maneiras para desenvolver ocuidado de enfermagem psiquiátrica (cuidado exótico/expressivo). Existiam vários caminhos para alcançaressas novas maneiras, que estavam sendo construídoscom a par ticipação de todos, através de pequenas/grandes atitudes no cotidiano do serviço.

Um outro aspecto a ser destacado refere-se àintegralidade do cuidado, como par te da existênciahumana. É fundamental olhar para a totalidadeexistencial do cliente. No entanto, o cuidar, enquantouma atividade interacional, ainda se conjuga emdiferentes ritmos. Importa buscar respostas para essedescompasso entre os cuidados de âmbitos biológicoe psicológico da clientela.

O que chama atenção é a dificuldade, quer nohospital psiquiátrico, quer no hospital geral, para odesenvolvimento de um cuidado orientado para umarelação sujeito-sujeito (Boff19) e reconhecido comocaracterístico da dimensão presente no cuidado familiar.

Assim, a dimensão expressiva do cuidado de enfermagemganhou centralidade na relação sujeito-sujeito.

As expectativas dos clientes vinham ao encontrodos princípios que estão reorientando a ReformaPsiquiátrica. Mas, como em qualquer processo demudança encontraram-se resistências e perplexidadesno grupo estudado, que estavam sendo superadas, apartir de atitudes criativas e solidárias. Essa superaçãofundamentava-se em atitudes baseadas tanto nosprincípios relativos a um cuidado mais integral comonos pressupostos da reabilitação psicossocial.

Assim, sem retrocessos na orientação terapêuticada Instituição, e à medida que os integrantes da equipede enfermagem superem as dificuldades cotidianasao cuidar do cliente com uma nova ótica, as novasformas de entendimento do trabalho serão fortalecidasdando origem a uma prática diferenciada deenfermagem, mais disseminada e uniforme entre osprofissionais de enfermagem.

Os resultados analisados nesta categoria mostram asrealidades vivenciadas tanto pelos integrantes da equipede enfermagem como pelos clientes, que forammodificadas sob a égide de novos contratos regidos pelamudança paradigmática da Psiquiatria. Assim, os cuidadossolicitados pelos clientes inseriram-se tanto na dimensãoinstrumental como na dimensão expressiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao decidir estudar o cuidado de enfermagem emuma unidade de internação psiquiátrica, tínhamos aconvicção de que estávamos diante de um fenômenoprofundamente dinâmico. Essa pré-noção confirmou-se durante a coleta de dados, especialmente aoidentificar encontros e desencontros entre osintegrantes da equipe de enfermagem com os clientes,no cotidiano profissional. Essa configuração dedinamismo revela-se também porque, ao mesmotempo em que o cuidado demanda atitude deacolhimento (mas não de submissão), requer umsaber-fazer novo, criativo e suficientemente estimuladorde uma autonomia, que capacite o cliente para areconstrução de seu projeto de vida e sua história.

Sob o ângulo epistemológico, durante todo o estudo,tivemos clareza sobre a carga de subjetividade que permeiaas pesquisas qualitativas com abordagem antropológica,no campo dos cuidados de enfermagem em saúde mental.Cumpre ressaltar que a abordagem inspirada na etnografiafoi muito valiosa, no sentido de propiciar um olharabrangente e, ao mesmo tempo, voltado para pontosespecíficos, em função dos objetivos da pesquisa.

Utilizando os conceitos de familiar e exóticoemprestados da Antropologia, analisamos os cuidados

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

Referências

de enfermagem desenvolvidos na enfermaria,procurando interconectar o sistema microssocial doIPUB com os cuidados de enfermagem, códigos culturaise compor tamentos singulares dos clientes. Assim,buscamos mergulhar no cuidado de enfermagem que,num momento de transição, evidencia um dinamismodaqueles que pretendem passar de um espaço asilarpara o da reabilitação psicossocial.

Na primeira categoria, focalizamos a dimensãoespacial (ambiente) da enfermaria e sua influência nocotidiano dos cuidados de enfermagem. Foi possívelperceber então, que alguns espaços refletem atransição para lugares mostrando uma mudança naar te de cuidar de um modelo asilar para um dereabilitação psicossocial.

A análise das relações entre o conteúdo dasnarrativas e da descrição etnográfica levou-nos àsegunda categoria. Ela foi construída a par tir daidentificação das necessidades de cuidados para osclientes, segundo a ótica dos integrantes da equipe deenfermagem. Nela, a dimensão instrumental docuidado esteve presente em quase todas as situaçõesapresentadas. Essa dimensão, historicamentedeterminada pelo modelo de assistência asilar/

manicomial, até hoje exerce influências marcantes nocomportamento dos profissionais de enfermagem.

A terceira e última categoria emergiu a partir de dadosrelativos ao atendimento das solicitações dos clientes. Nelaverificamos uma tendência à transição da prática deenfermagem do corpo receptor do cliente, enquanto objetodo cuidado (familiar), para o corpo solicitador do cliente,enquanto sujeito do cuidado (exótico).

Diante destes resultados pode ser per tinenteafirmar que o cuidado de enfermagem prestado aosclientes psiquiátricos internados no IPUB encontra-senuma fase de transição para concretizar as mudançasnecessárias às transformações do modelo assistencialem psiquiatria, de um enfoque asilar para umaabordagem de reabilitação psicossocial.

Nesse sentido, a presente pesquisa, ao problematizaro cotidiano do cuidado de enfermagem psiquiátrica emunidade de internação hospitalar reatualiza a idéia deque é necessário e saudável um questionamento diáriosobre os serviços de enfermagem e sobre o cuidar nelesdesenvolvidos. O entendimento sobre o cuidado exóticoacontece a par tir da construção de novos caminhosrealimentando aqueles que cuidam/ajudam nadiminuição do sofrimento dos clientes.

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O Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialO Cuidado de Enfermagem Famil iar/Exót ico na Reabi l i tação PsicossocialCasanova EG et al

Sobre as Autoras

Notas

a Esta pesquisa é um recorte da tese de doutorado intitulada “Ofamiliar e o exótico no cuidado de enfermagem em unidade deinternação psiquiátrica: uma transição do asilar para a reabilitaçãopsicossocial:”, defendida no Programa de Pós-graduação StrictoSensu da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ, em março de 2002.

Edna Gurgel CasanovaEdna Gurgel CasanovaEdna Gurgel CasanovaEdna Gurgel CasanovaEdna Gurgel Casanova

Professora Titular de Enfermagem Psiquiátrica no Curso de Graduaçãoem Enfermagem da Universidade Severino Sombra. Vassouras - RJ.Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery(EEAN)/UFRJ

IsaurIsaurIsaurIsaurIsaura Setenta Pa Setenta Pa Setenta Pa Setenta Pa Setenta Pororororor tototototo

Professora Adjunta e Doutora-pesquisadora do Núcleo de Pesquisaem Enfermagem Hospitalar do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da EEAN/UFRJ. Pesquisadora do CNPq.

Nébia Maria Almeida de FigueiredoNébia Maria Almeida de FigueiredoNébia Maria Almeida de FigueiredoNébia Maria Almeida de FigueiredoNébia Maria Almeida de Figueiredo

Professora Titular do Departamento de Enfermagem Fundamental,Coordenadora da Fábrica de Cuidados e Coordenadora do Mestradoem Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO.Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ.

Recebido em 19/09/2006Reapresentado em 15/10/2006

Aprovado em 07/11/2006

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b Como parte da política do Serviço de Enfermagem, as enfermarias1 e 2 do IPUB, que eram divididas em enfermaria masculina eenfermaria feminina, foram transformadas em enfermarias que usavamo critério clínico sobre a condição de saúde apresentadas pelospacientes, em crise aguda e em convalescença respectivamente, nasquais ficavam pacientes de ambos os sexos. Na enfermaria deconvalescentes realizou-se este estudo. Atualmente, houve umareversão desse entendimento e as enfermarias novamente adotaramo critério de sexos separados, um deles para cada enfermaria.

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Visi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemOliveira RMP et al

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Enfermagem Psiquiátrica. Família. Saúde Mental. Visita a Pacientes.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Psychiatric Nursing. Family. Mental Health. Patient Visit.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Enfermería Psiquiátrica. Familia. SaludMental. Visita a los Pacientes.

PINTANDO NOVOS CAMINHOS: A VISITA DOMICILIAR EMSAÚDE MENTAL COMO DISPOSITIVO DE CUIDADO DE ENFERMAGEMPainting New Paths: The Home Visit in Mental Healthas a Device of Nursing Care

Pintando Nuevos Caminos: La Visita Domiciliaria en Salud Mentalcomo Dispositivo de Intervención de Enfermería

Estudo sobre a análise do cotidiano domiciliar do paciente psiquiátrico egresso da internação hospitalar, por meio da visitadomiciliar, dando ênfase à compreensão da prática de Enfermagem Psiquiátrica em domicílio. Abordamos as dificuldades, asrelações e as possibilidades de cuidado. O estudo é qualitativo com enfoque na etnometodologia. A produção de dados foipor meio de observação participante e entrevistas abertas. Foi adotado o conceito de cotidiano de Michel de Certeau comoreferencial teórico. Os temas oriundos das discussões formaram eixo para o processo reflexivo, tendo como base oentendimento acerca de família, trabalho, lazer e mito/espiritualidade. Os dados refletem como o cuidado oferecido pelaenfermeira na internação hospitalar tem poucas perspectivas de construção. A visita domiciliar mostrou a importância daparticipação da família e do sujeito em um processo contínuo de cuidado, permitindo à enfermeira construir um cuidadocriativo, solidário e sensível, que possibilite aos sujeitos novos contratos com a vida.

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Study about the analysis of the daily of the psychiatric patientat home after the hospital internment, by the home visit,giving emphasis to the understanding of the PsychiatricNursing practical at the patient home. Was discussed thedifficulties, the relationships and the possibilities of care. Thestudy is qualitative with ethnomethodology approach. Theproduction of data was by the participant observation andopen interviews. The daily of Michel de Certeau was adoptedas theoretician referential. The subjects that were deriving ofthe quarrels had formed an axle for the reflective process,having as base the agreement about family, work, leisure andmyth/spirituality. The data reflects how the care offered bythe nurse in the hospital internment has few perspectives ofconstruction. The home visit showed the importance of theparticipation of the family and the citizen in a continuousprocess of care, allowing to the nurse to construct a creative,solidary and sensible care, that makes possible to the citizensnew contracts with the life.

Estudio sobre el análisis del cotidiano domiciliario del pacientepsiquiátrico después de la internación del hospital, por mediode la visita casera, dando énfasis a la comprensión de lapráctica de Enfermería Psiquiátrica en el domicilio. Abordamoslas dificultades, las relaciones y las posibilidades de cuidado.El estudio es cualitativo con enfoque en la etnometodología.La producción de datos fue por medio de la observaciónparticipante y entrevistas abiertas. Fue adoptado el cotidianode Michel de Certeau como referencial teórico. Los temasderivados de las discusiones habían formado un eje para elproceso reflexivo, teniendo como base el entendimiento sobrefamilia, trabajo, ocio y mito/espiritualidad. Los datos reflejancomo el cuidado es ofrecido por la enfermera en la internacióndel hospital tiene pocas perspectivas de construcción. Lavisita domiciliaria demostró la importancia de la participaciónde la familia y del sujeto en un proceso continuo de cuidado,permitiendo a la enfermera construir un cuidado creativo,solidario y sensible, que posibilita a los sujetos nuevoscontratos con la vida.

Rosane Mara Pontes de Oliveira Cristina Maria Douat Loyola

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Visi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemOliveira RMP et al

INTRODUÇÃO

Durante o período em que acompanhamos alunosnos estágios super visionados em Enfermagempercebemos que as enfermeiras acompanham asentradas (internações) e saídas (altas) dos doentes comuma certa estranheza, uma certa incredulidade, algumadesconfiança de que há problemas neste “ir” e “vir”.

Essas internações e altas sucessivas dos pacientesapresentam-se como um certo desafio para a assistênciade enfermagem em geral e para a assistência deenfermagem psiquiátrica em particular, porque sabemosque na maior parte das vezes as instituições psiquiátricasse caracterizam pelo abandono, por tratamentososcilando entre melhora, piora e estabilidade1.

À luz da experiência de cuidar de pacientes comtranstornos mentais graves, começamos a perceberque essa situação tinha impacto negativo na qualidadedo cuidado, uma vez que a enfermeira faz uminvestimento emocional importante na relação com odoente para que ele tenha alta hospitalar o mais rápidopossível. Quando este paciente volta a ser internado,provoca um certo distanciamento defensivo da enfermeira,que se vê diante de uma situação ambígua e de impasse:esperar o acontecimento de algo que ela espera que nãoaconteça. Mais do que um jogo de palavras, esse é umponto instigante para análise e discussão. É uma situaçãoparadigmática em que ficamos felizes em rever a pessoae tristes pela sua presença.

Diante do contexto, propomos, como objeto destainvestigação, uma visita domiciliar realizada pelaenfermeira psiquiatra, como um meio de conhecer aorganização das atividades de vida cotidiana dosclientes e seus familiares em seus domicílios.

O objeto de investigação desperta o interesse peladiscussão de uma situação que há muito tempo vemsendo de interesse de alguns; diríamos que poderiaser chamado de “contramão” do cuidado, onde odiagnóstico é obtido na maioria das vezes apenasatravés de achados clínicos e pela história clínica dopaciente. Dependendo da situação podemos encontrarsujeitos com mais de um diagnóstico. A partir daí traça-se um “tratamento”. Na verdade o que pudemosobser var na internação psiquiátrica é que o“tratamento” oferecido serve apenas para os sinais esintomas; esse tipo de tratamento exclui o sujeito enão cuida das suas questões. Na verdade, a internaçãopsiquiátrica deveria resolver a crise como umaintervenção e propor novas formas de cuidado comointervenção, que nesse caso seria acolhimento.

O que podemos constatar é que o “tratamento”oferecido aos pacientes tem sido pautado, na maioria

das vezes, na farmacologia, na internação psiquiátricae nas questões individuais dos sujeitos (sinais esintomas). Quando a intervenção proposta se baseianessa tríade, exclui as variáveis do coletivo (cultura,escolaridade, bairro, amigos, situação financeira, social,entre outras) e nos impede de descobrir outras tramas.E na medida em que não propomos intervençõespautadas no coletivo, excluímos o lazer, o trabalho e afamília, pressupostos básicos da reabil itaçãopsicossocial. Então nessa proposta de fazer umaintervenção que considerasse o coletivo do sujeito eprivilegiasse a sua fala e a sua trama, surgiu a famíliacomo uma questão central do trabalho.

As questões que nortearam o estudo:- Quais são os cuidados de enfermagem que sepode prestar em uma visita domiciliar?- Quais são as dificuldades mais freqüentes dodoente psiquiátrico no manejo da vida diária?

Objetivos do estudo:- Testar a visita domiciliar como dispositivo decuidado em enfermagem psiquiátrica;- Verificar as conseqüências da visita domiciliarcomo estratégia para diminuir as reinternaçõesdos pacientes psiquiátricos.

REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO

Bases conceituaisCotidiano

Neste estudo, foi adotado como referencial teóricoo conceito de cotidiano de Michel de Cer teau2. Ocotidiano pode ser entendido como as práticascomandadas por uma economia de lugar próprio eum princípio coletivo de gestão, no qual se podemreconhecer as habil idades que os sujeitos têmdesenvolvido (e se têm) para conviver socialmente.Visita domiciliar emEnfermagem Psiquiátrica

Em meados do século XIX, um cavaleiro inglês teve aexperiência de cuidar de sua esposa doente por um períodoem sua residência e, durante esse período, relatou porescrito o trabalho que desenvolveu. Essas anotaçõesinspiraram Florence Nightingale a escrever asrecomendações para o cuidado de enfermagem domiciliar6.Nos Estados Unidos tal atividade iniciou-se por volta de1800, logo após a Guerra Civil, culminando anos depoiscom o estabelecimento da primeira Associação deEnfermeiras visitadoras (Visiting Nurses Association- VNA).

No Brasil, as primeiras atividades das visitadorassão descritas em 1919, com a criação, no Brasil, doServiço de Visitadoras no Rio de Janeiro7.

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Segundo Carvalho8, o curso de visitadoras dehigiene, um curso rápido e intensivo, foi criado em1923 como uma estratégia para atender asnecessidades mais prementes da cidade do Rio deJaneiro, como uma solução de emergência, paraproporcionar tempo para os estudos e para que osúltimos preparativos fossem finalizados para aabertura da Escola de Enfermeiras do DepartamentoNacional de Saúde Pública (DNSP). Esse curso devisitadoras teve duas turmas, cujo preparo foi de seisa dez meses, respectivamente.

Com a vinda de Ethel Parsons em 1922 (enviadapela Fundação Rockefeller), iniciou-se a Missão deCooperação Técnica para o desenvolvimento daEnfermagem no Brasil, chefiada pela mesma, a fimde treinar enfermeiras de Saúde Pública e organizarum serviço de visita domiciliar9. Vale lembrar que oplano de estudos que Ethel Parsons traçou para asalunas não incluía o cuidado psiquiátrico.

Para a Enfermagem em saúde pública, a visitadomiciliar inclui quatro etapas: planejamento, execução,registro de dados e avaliação. Essas etapas devem serseguidas para o bom desenvolvimento da VD.

Para a Enfermagem Psiquiátrica esses conceitos nãose aplicam. A visita domiciliar na Enfermagem Psiquiátricase caracteriza por não ser apriorística. Não há umprocedimento prévio, o que se espera é o inesperado.Trata-se de uma intervenção para fora do hospital9. Nessavisita trabalhamos com duas possibilidades: a) asimultaneidade, na qual tudo pode acontecer; poderáhaver encontros e desencontros; a enfermeira corre umcerto “risco” de encontrar situações que são difíceis deserem resolvidas e que demandarão uma certa habilidadepara que possam ser, ao menos, contornadas; b) otrabalho a posteriori, no qual a enfermeira encontrasituações que merecem uma intervenção mas, quenaquele momento, é impossível. Então, a solução poderávir depois de uma forma criativa. Não existe um manualde visitação, intervenção e cuidado. O que se espera éque a enfermeira que vai realizar a VD tenha capacidadepara acolher as pessoas e superar as diferenças, que,muitas vezes, levam ao distanciamento.

O Método

Para incorporar no trabalho a questão dosignificado e da intencionalidade foi adotado o métodoqualitativo3. A natureza do estudo é do tipo estudo decaso, porque pacientes e familiares foramconsiderados um único, podendo ter semelhanças comoutros casos. Apesar da semelhança, foramconsiderados como singulares.

O enfoque etnometodológico foi adotado nesteestudo por atender ao objeto de estudo-visita domiciliar

realizada pela enfermeira psiquiatra, como um meiode conhecer a organização das atividades de vidacotidiana dos clientes e seus familiares em seusdomicílios. Assim, segundo Coulon4:29:

A etnometodologia é a pesquisa empírica dosmétodos que os indivíduos utilizam para dar sentidoe ao mesmo tempo realizar as suas ações de todosos dias: comunicar-se, tomar decisões, raciocinar.

Ainda para esse autor, a etnometodologia analisaas crenças e os comportamentos de senso comum,como os constituintes necessários de todocomportamento socialmente organizado4:30. Os fatos sociaisdevem ser considerados realizações práticas. O fato socialnão é um objeto estável, mas o produto da contínua atividadedos homens, que aplicam seus conhecimentos, processos,regras de comportamento, em suma, uma metodologialeiga5. A etnometodologia está pautada em cinco conceitos:prática e realização, indicialidade, reflexividade,descritibilidade e noção de membro5.

Os atores do estudo foram quatro pacientes comdiagnóstico de esquizofrenia segundo o código internacionalde doenças (CID-10), que tiveram duas ou maisinternações psiquiátricas em um período de 12 meses, edez familiares. A produção de dados deu-se em trêsmomentos desenvolvidos por uma das autoras: 1) naenfermaria do IPUB; 2) no grupo de supervisão clínicaque acontece no IPUB, no qual foram discutidos os casosdos pacientes com a equipe; 3) na residência do paciente.

Em 2001, os dados foram coletados através deobser vação par ticipante que foi registrada nodenominado “diário do cotidiano”; e através de entrevistasabertas conduzidas a partir de dados encontrados nosdiários. Foram quatro pacientes, 30 horas e meia deobservação participante e nove entrevistas, perfazendoum total de 19 visitas distribuídas para os quatropacientes. Nos diários e nas entrevistas houveparticipação de dez familiares que nesse estudo foramdenominados co-participantes da pesquisa.

O estudo foi submetido e aprovado no Comitê deÉtica em Pesquisa do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Categoria IRetrato da família:Captando movimentos cotidianos de viver

Na família pude perceber nos sujeitos três tipos deunião: a união afetiva, biológica e sócio-política. A uniãoafetiva caracteriza-se por extrapolar os laços biológicose legais de união. Esse tipo de relação não é apenasfuncional, mas tem significado. É uma relação nascida

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da experiência comum de necessidades mínimassupridas. O propósito dessa relação é desenvolver laçosque criarão o terreno fértil para que casa membro dafamília amadureça de forma independente.Desenvolvem relações de afinidade, e a convivênciapassa a ser mais prazerosa. Nesse tipo de união,surgem dois tipos de amor: no amor empático, quandoqualquer membro da família tem problemas, todafamília interessa-se em ajudar aquela pessoa.

O que marca essa relação é que as pessoas estãounidas por opção. Permanecem juntas porque dessaforma são felizes. As pessoas desenvolvem relaçõesde afinidade, e a convivência passa a ser maisprazerosa. O relato da filha sobre o sentimento da suamãe por outra pessoa destaca:

A minha vida aqui é melhor do que a vida de lá[da casa de origem familiar]. Eu prefiro a famíliapostiça à de verdade (E do caso D em 19/01/2001- T.).

Ela é minha mãe de verdade. Mas se relacionamelhor com D. do que comigo. Isso nada tem aver com parentesco. A D. parece mais com ela doque eu (E. em 9/01/2001 - Filha de Dona N.).

Há também um tipo de amor incondicional, e o tipode amor no qual se dá mais do que se recebe. Essetipo de relacionamento caracteriza-se pelo amorincondicional ao outro, por sua unicidade enquanto sere pessoa e não por qualquer coisa que esse outrofaça. Embora essa relação seja considerada um tipode relação afetuosa, ela não eleva a auto-estima dosmembros da família. Segundo o relato:

Ele me diz que ela é muito geniosa, me arranha,me bate. Mas, apesar de tudo que ela faz, é aúnica filha que eu tenho. Eu briguei com meu irmão,e a minha mulher morreu. A minha única família éela. Por isso, eu tenho que aturar as vontades dela( D.C de C em 19/10/2001- Pai de C.).

O convívio familiar determinado por laços biológicosrefere-se à saúde ou ausência de doença dos integrantesdesta unidade. Diante de um problema de saúde ou dehábitos de vida que alterem ou ameacem a manutençãoda saúde, as relações ficam ameaçadas. Esse tipo deconvívio se caracteriza por sua eficácia na ausência dedoença e sua ineficácia na presença da doença, dianteda qual os membros do grupo familiar não conseguemresolver a situação e entram em crise. Com relação aesse tipo de união, temos o seguinte relato:

Eu joguei pedra na cruz para ter recebido aquilocomo mãe (D.C de B em 25/5/2001 - irmão de B.).

O terceiro laço de união da família é o laço sócio-político que tem a ver com o ambiente, comunicação edinâmica nas relações cotidianas. A permanência dosujeito egresso da internação psiquiátrica em casa estádiretamente relacionada com o tipo de acolhimentoque ele recebe da família. O que se questiona agora ése esse ambiente familiar pode ajudar o sujeito. Se oambiente for acolhedor, se ele possibilitar que aspessoas expressem seus sentimentos dandooportunidade para elas vivenciarem outra experiência,ele terá um efeito positivo. Caso contrário, o ambientevai reforçar o comportamento doente. O que se podeperceber é que o ambiente pode fortalecer uma atitude.

Categoria IIUm negativo da família:Captando dificuldades econômicasde trabalho e de lazer

O nosso reconhecimento como cidadão perpassatrês instâncias: como você se chama? Onde você mora?E o que você faz? A postura adotada para relacionar-se com o indivíduo dependerá da resposta. Sem sombrade dúvida, o que o indivíduo faz lhe confere status social.Ser médico, advogado, engenheiro não é a mesmacoisa que ser trocador de ônibus11.

É preciso atentar para o fato de que o verbo empregadoé o “ser”; o indivíduo é alguém que faz alguma coisa. Daí aescorregarmos para um “eu não sou nada”, em relaçãoaquele indivíduo que diz não fazer nada, é um pulo11.

O trabalho reflete determinações originadas nocontexto sócio-político e cultural, porque as pessoas,além de vivenciarem a experiência do trabalho, sãopor tadoras de histórias singulares, nas quais a vidafamiliar e as trajetórias, que sedimentaram identidadese personalidades, irão desempenhar papel relevantenos relacionamentos. Todavia, evidentemente, otrabalho não pode ser isolado, como instânciadeterminante na vida das pessoas.

Atualmente, as questões relativas ao trabalho têm sidoobjeto de interesse dos cientistas sociais, entendendo queesse espaço social estabelece possibilidade de trocasinterpessoais significativas na vida das pessoas.

Os sujeitos do estudo entendem o trabalho de duasformas: na primeira, o trabalho está diretamenterelacionado com a questão do dinheiro. Essa formaaponta para a influência do trabalho no bem-estar dafamília, a par tir do momento em que ele podeproporcionar confor to e, conseqüentemente,melhorar a qualidade de vida do grupo familiar; nasegunda, o trabalho significa estar em movimento,fazendo alguma coisa, ocupado, ou qualquer outrosignificado que se oponha ao ócio.

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Com relação a trabalho significar dinheiro, todosos sujeitos se posicionaram afirmando que as poucaspossibilidades de o paciente egresso da internaçãocontribuir financeiramente para o bem-estar da famíliaconstituem-se em problema, segundo os relatos:

Na minha família, somente uma pessoa trabalha.Então, falta dinheiro pra tudo, às vezes até paracomer. Se a ‘A’ tivesse aposentadoria, se ficasseencostada, ela ganharia um dinheiro para ajudarem casa (D.C de A em 26/7/2001 - irmã de A.).

Os familiares não conseguem entender o valorsubjetivo do trabalho, percebem o trabalho como a únicaforma de melhorar a qualidade de vida a par tir domomento em que conseguirem, por meio dele, resolverproblemas de moradia, saúde, alimentação e educação.

Com relação a trabalho significar ação ou atividade,foram feitos os seguintes relatos:

Eu deixo ela fazer essas atividades em casaporque eu acho que ela precisa de ocupação(E. de A em 04/08/2001 - irmã de A.).

Eu levanto 6:30, faço café, tem vezes que euarrumo cozinha, faço comida. Boto os meusfilhos para o colégio (E de A em 04/08/2001.).

O ser humano, por transformar pensamento emação, exterioriza-se no mundo, mostrando-se ‘sujeito’por excelência. E ser sujeito passou a ser atributodaquele que pensa, age e conhece ou que ‘se põe’ naação, porque decide, determina. A ação determinadapelo homem passou a determiná-lo como sujeito.

Categoria IIIA representação da doença na família:O espírito e a religião vinculadosno cotidiano domiciliar

Para um melhor entendimento de cuidado extra-hospitalar, é importante ressaltar os valores e crençasdo grupo familiar e do sujeito acerca da doença.

O sistema de crenças, os valores individuais,religião, mito e espiritualidade podem ter vários efeitossobre o processo de cuidado. Segundo os depoimentos:

... Eu não sei se é espiritual ... Mas, como omeu pai tinha problemas de cabeça, o irmãoda gente tem, a A e o outro irmão também,pode ser de família né? (E. De A - em 11/10/2001 - irmão de A.).

Dona ‘N’ me olha e diz que sabe que o problemaque a ‘D’ tem também é espiritual (D.C em 12/01/2001. Mãe de D.).

As pessoas tentam encontrar um sentido na vida,especialmente diante de uma situação de sofrimento.

Nessa busca, o sistema de crença e valores individuaisexercem uma influência significativa, determinam se estaou aquela explicação acerca da doença e do tratamentoterão sentido para o paciente e para aquele que cuida dele.

Todo conhecimento pressupõe um tipo deconhecimento prévio, adquirido por intermédio de visõesindividualizadas do mundo.

É interessante pensar no quanto o cuidado domiciliarpode ser inútil se não forem considerados os valoresdo outro. É preciso reconhecer as verdades do meiocoletivo onde o paciente vive e suas próprias verdadespara que ele possa aceitar as verdades científicas, asverdades do que é possível fazer.

A palavra mito é hoje empregada tanto no sentido deficção ou ilusão como no sentido familiar, sobretudo. Omito fornece modelos para a conduta humana, conferindo,por isso mesmo, significação e valor à existência.

Há sempre uma história de compor tamento“diferente” por par te do sujeito adoecido, mas quenunca foi valorizada pela família. Eles demarcam algunsepisódios sociais que aconteceram antes doadoecimento psíquico, deixando tudo por conta doacaso. Por tanto, a doença surge do nada; ela atacasubitamente desestabilizando o lar e as relações sociais,e os familiares não encontram uma explicação para ofato. O medo do desconhecido permeia as relaçõessociais. Assim, o recorte a seguir ilustra esta posição:

Eu tenho medo dela. Cada dia ela tá de um jeito.Eu não sei o que acontece com ela (E.de A em29/09/2001 irmã de A.).

Sistemas de crenças podem se tornar fatores derisco para o paciente psiquiátrico, se não estiveremaliados a uma informação correta acerca da doença enão estiverem associados ao cuidado tradicional, criativoe alternativo. O que se sabe é que não há dados quecomprovem que só a crença seja capaz de melhorar aqualidade de vida das pessoas e da família do paciente.

As respostas de enfrentamento usadas pelopaciente e os modos de expressão de sofrimentotambém variam de acordo com a cultura. As respostasao enfrentamento da vida e o significado dado a elassão diretamente influenciados por valores e crenças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estamos vivendo um momento de conflito deinvestimentos no qual há grandes cacifes para osavanços tecnológicos e pequenas apostas para acomplexidade do ser humano cujas pistas são visíveis.Por exemplo, nas dificuldades do homem em ter acessoao ensino, à moradia e à saúde. Na psiquiatria e, empar ticular, na Enfermagem Psiquiátrica, não foi

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Visi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemOliveira RMP et al

diferente. Geralmente, investimos parcela considerávelde nosso tempo aceitando e reforçando o discursomédico pautado no racionalismo científ ico eempregamos muito pouca energia em construir outroscuidados que possam melhorar objetivamente aqualidade de vida dos sujeitos sob os nossos cuidados.

As rotinas da assistência psiquiátrica ainda seorientam pela internação hospitalar, pelo isolamentoe pelos tratamentos que mais rapidamente diminuemdemandas e calam sintomas, como, por exemplo, aeletroconvulsoterapia. Mesmo assim, e de formabastante controversa, continuamos mantendo adiscussão da Reforma Psiquiátrica como umapossibilidade de melhorar a qualidade de vida daspessoas que precisam de atendimento em saúde mental.

As enfermeiras psiquiatras tiveram que se prepararpara cuidar dos pacientes em outros cenários extra-hospitalares, como os Centro de Atenção Psicossociale HD, enfrentando novas dificuldades e desafiosinusitados. Essas experiências têm permitido umareflexão quase que dolorosa sobre a sua práticaprofissional. Porém, esses espaços de atenção, aindaque abertos, não foram suficientes para expressar arealidade desta clientela. Esses cenários possibilitarammanter o paciente afastado da internação psiquiátrica,mas não operaram uma aproximação eficaz com afamília e com o mundo cotidiano e real do paciente, quemesmo nesses serviços, assim como na internaçãohospitalar, permanecem desconhecidos da equipe. Nestecontexto, a visita domiciliar re-aparece como mais umcuidado para a enfermeira psiquiatra, na qual acolher econhecer são os pressupostos de um bom começo.

Apesar de a visita domiciliar na área da saúdecoletiva não ser uma estratégia propriamente nova deassistência, a visita domicil iar em EnfermagemPsiquiátrica é recente e não se pauta no modelo pré-elaborado da saúde pública. A visita domiciliar aquiapresentada e discutida propõe-se mesmo a rompercom alguns pressupostos, sobretudo aquelesamar rados em instruções prévias, em modelosconstruídos, em verdades estabelecidas. Podemosdizer que trabalhamos com uma “metodologia doespanto”, cuja operação é balizada pelo significadodado pelos sujeitos, na busca de acordos possíveis.

Na visita domiciliar, o ambiente tem expressão própriasuperando mesmo algum mutismo dos pacientes. É umapossibilidade ímpar de acolhimento e de troca. A casa e afamília fornecem pistas e dados para que haja algumnexo entre a doença e o social. A VD é uma boa perspectivapara que a enfermeira possa prestar um cuidado humano,criativo, sensível e longe da internação hospitalar.

O número de pacientes visitados foi limitado, maspermitiu que todos recebessem um número razoável

de visitas conforme a demanda de atendimento. Essasvisitas mostraram-se suficientes para mantê-losacolhidos pelo serviço. A visita domiciliar é uma atividadecomplexa, que apresenta possibil idades esingularidades diretamente relacionadas à condiçãoda pessoa da enfermeira e aos seus recursosindividuais para lidar com situações de relaçõeshumanas de difícil manejo dispondo de recursosfinanceiros ainda limitados pela política institucional egovernamental e pelo trabalho em equipe. Na VD busca-se reformular o papel da enfermeira de uma práticasolitária, enquanto profissional, para um papel no qualela possa ser criativa e solidária na relação com o paciente.

As análises indicaram que, para as famíliaspar ticipantes deste estudo este é um conceito quepouco tem a ver com o que dizem os estudiosos doassunto sobre ele. O entendimento peculiarizado defamília nasce no cotidiano desse espaço de trocassociais possíveis.

Nos três tipos de laços familiares, biológico, afetivoe social, o que os une é a constatação de que dianteda doença mental todos entram em colapso. A doençacausa conflitos, subtrai a ordem do meio social e faz aconvivência tornar-se difícil. Ainda assim, é o lugarpossível de troca, onde a enfermeira consegue negociarcom a família e com o doente mudanças possíveis ereais. A família tem as condições para ajudar a pessoadoente, mesmo que sob nossa avaliação seja“desorganizada” ou “desestruturada”. O que elaapresenta é uma “organização possível” que podemelhorar com a ajuda da enfermeira.

A segunda categoria um negativo da família:captando dificuldades econômicas de trabalho e delazer, parte da premissa de que o trabalho e o lazer,como atividades humanas, são uma dupla relação detrocas por natureza, cuja conseqüência não é umarelação bilateral. A terceira categoria foi arepresentação da doença na família: o espírito e areligião vinculados no cotidiano domiciliar. Esse trabalhofoi um movimento de desconstrução e construçãocontínua, ficando marcada a necessidade da família edos pacientes de ter uma explicação para os fatos queeles consideram inexplicáveis e, a partir daí, obter emum pouco mais de tranqüilidade

Este cenário domiciliar exige um profissionalcriativo, solidário e com capacidade de manter aafetividade mesmo em situações mais extremas, alémda consciência de si mesmo como ser humano, querespeita as escolhas do paciente e dispõe habilidadestécnicas sempre amparadas em conceitos éticos.Espera-se também que a visita domiciliar, comoestratégia de cuidado, possa abrir mais um espaço de

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Visi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemVisi ta Domicil iar em Saúde Mental Como Cuidado de EnfermagemOliveira RMP et al

atuação para a enfermeira dentro do contexto daReforma Psiquiátrica Brasileira. São nos intrincadoscaminhos e descaminhos da família que podemos obteralgumas “senhas de cuidado”, o que denominamosneste estudo de password.

O estudo apontou, com alguma dureza, anecessidade de revermos o conteúdo teórico depsiquiatria e de saúde mental desenvolvido ao longodo curso de graduação em Enfermagem. Esperamosque este artigo crie um espaço de reflexão para quepossamos ensinar um conteúdo de graduação, no quala loucura seja apresentada a partir de um olhar menos

Referências Sobre as Autoras

Recebido em 25/08/2006Reapresentado em 28/09/2006

Aprovado em 25/10/2006

“or topédico” e mais positivo. Espera-se que aenfermeira busque uma prática criativa e solidária,abrindo possibilidades para condutas terapêuticasexperimentando, dialogando, ousando e produzindopermanentemente demanda de atenção, de cuidado,de transferência, de acolhimento, de aceitação.Demandar é permanecer vivo dentro da loucura. Eporque conhece o sujeito, a enfermeira psiquiatra podeser uma espécie de fiadora de outros contratos dopaciente e das suas possibilidades de fazer sentido12.E então pintar outros caminhos...

1. Saraceno B. Liber tando identidades. Rio de Janeiro(RJ): TeCora;1999. 176 p.

2. Certeau M. A invenção do cotidiano: ar tes de fazer. Petrópolis(RJ): Vozes; 1994.

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Rosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de Oliveira

Doutora e Professora Adjunta do Departamento de EnfermagemMédico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery e DiretoraAdjunta da Divisão de Desenvolvimento Acadêmico Científica do HospitalEscola São Francisco de Assis / UFRJ.

Cristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat Loyola

Doutora pelo Instituto de Medicina Social. Professora Titular doDepar tamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola deEnfermagem Anna Nery e Diretora do Hospital Escola São Franciscode Assis / UFRJ. Pesquisadora do CNPq.

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Percepções da Doença Mental por um Paciente Psiquiátr icoPercepções da Doença Mental por um Paciente Psiquiátr icoPercepções da Doença Mental por um Paciente Psiquiátr icoPercepções da Doença Mental por um Paciente Psiquiátr icoPercepções da Doença Mental por um Paciente Psiquiátr icoFuregato ARF et al

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Psiquiatria. Enfermagem. Representações. Percepção.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Psychiatry. Nursing. Representations. Perceptions.

Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Psiquiatría. Enfermería. Representaciones. Percepción.

A DOENÇA MENTAL VIVIDA POR UMPACIENTE PSIQUIÁTRICO: SUAS PERCEPÇÕESa

The Mental Illness Experienced by aPsichiatric Patient: Their Perceptions

La Enfermedad Mental Vivida por unPaciente Psiquiatrico: Sus Percepciones

Realizou-se uma série de interações de ajuda com um portador de doença mental e seus familiares, devidamente esclarecidos.As 15 entrevistas gravadas que objetivaram conhecer suas percepções sobre o adoecer foram trabalhadas pelos enfermeirosdo NUPRI (Núcleo de Pesquisas das Relações Interpessoais). Dos dados processados no Programa ALCESTE derivou umarquivo com 139.843 palavras correlacionando as atitudes dos sujeitos aos seus medos. Como resultado, o ALCESTEselecionou 5 classes: o acidente na infância; as conseqüências; as relações adolescentes; o adoecimento com internação; asatividades atuais. Observa-se o impacto da cultura e das regras do grupo na dinâmica identitária do sujeito que construiusua realidade a partir de acontecimentos determinantes de sua história de vida. A doença reúne os conflitos que sãolegitimados pela atitude da família e do sistema de saúde, mediações entre a alteridade e o significado dado à doença.

We carried out a series of interactions with a mental patientand his relatives, who received the necessary information.Nurses from NUPRI (Núcleo de Pesquisas das RelaçõesInterpessoais) worked with 15 recorded interviews thataimed get to know perceptions about the disease. Datawere processed using ALCESTE software. We obtained afile with 139,843 characters, correlating subjects’ attitudeswith their fear. ALCESTE selected 5 classes: the accident inchildhood; the consequences; adolescent relations; diseaseand hospitalization; current activities. We observed theimpact of culture and group rules on the subject’s identitydynamics, who constructed his reality on the basis ofhappenings that determined his life history. The diseasejoins the conflicts that are legitimized by the family’s andthe health system’s attitudes, mediations between alteredand the meaning given to the disease.

Se efectuó una serie de interacciones de ayuda con un portadorde enfermedad mental y sus familiares, debidamenteinformados. Las 15 entrevistas grabadas que objetivabanconocer sus percepciones sobre la enfermedad fuerontrabajadas por las enfermeras del NUPRI (Núcleo dePesquisas das Relações Interpessoais). De los datosprocesados en el ALCESTE se obtuvo un archivo con 139.843caracteres, correlacionando las actitudes de los sujetos consus miedos. El ALCESTE seleccionó 5 clases: el accidente enla infancia; las consecuencias; las relaciones adolescentes; eladolecer con hospitalización; las actividades actuales. Seobserva el impacto de la cultura y de las reglas del grupo enla dinámica de identitad del sujeto que construyó su realidada partir de acontecimientos que determinaron su historia devida. La enfermedad reúne los conflictos que son legitimadospor la actitud de la familia y del sistema de salud, mediacionesentre la alteridad y el significado conferido a la enfermedad.

Antonia Regina Ferreira Furegato Edilaine Cristina da Silva

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INTRODUÇÃO

Uma das maneiras de ajudar o paciente em suasnecessidades ocorre quando o enfermeiro se colocaà frente de um processo interativo. Este processo teminício no encontro entre o que pede e o que ofereceajuda; seu curso varia segundo o modelo adotado peloterapeuta; o encerramento ocorre quando foi atingidoo objetivo proposto(1).

Ajudar alguém em suas necessidades consiste noconjunto de habilidades técnicas utilizadas peloprofissional para que o outro consiga: 1 - terconsciência do que está acontecendo; 2 - considerara realidade que o cerca; 3 - encontrar saídas para oproblema que se apresenta; 4 - avaliar os prós e oscontras de suas atitudes. O profissional precisa ter oconhecimento, a técnica e a tranqüilidade para permitirque o outro encontre seu caminho neste processo (1-3).

A comunicação inclui todo intercâmbio de mensagense transmissões de significações entre pessoas ou grupos,tendo como elemento de primeira magnitude a linguagem(4).

O Modelo de Análise do Processo Interativo (MAPI)entre o enfermeiro e o paciente é um procedimentoacadêmico/científ ico proposto por enfermeiraspsiquiátricas(5-6), onde se assiste aquele que precisade ajuda, utilizando-se as técnicas de RelacionamentoTerapêutico. Para trabalhar estes dados em pesquisas,utiliza-se a Análise do Conteúdo(7).

Através do MAPI, é possível analisar interações entreo enfermeiro e o paciente ou seus familiares. A partirdos conteúdos expressos procuram-se os dados sobresuas necessidades e aí se estabelecem os diagnósticosde enfermagem. Esse processo direciona o enfermeiroem suas ações interativas, através de uma análisesistematizada da relação enfermeiro-paciente.

Nesse modelo, a postura técnica da enfermeira énão-diretiva, compreensiva e reflexiva. As informaçõescaptadas nas interações vão para o domínio cognitivodo enfermeiro, que as utilizará no momento adequado,visando ajudar o outro no processo terapêutico.

As imagens mentais (retidas nos sentidos e namemória) são especiais de cada individuo e, seadmitimos que suas representações são expressõessensoriais sobre seu mundo (vivido e imaginado), oconteúdo expresso permite análises do seu cotidianoem um determinado contexto social.

Uma idéia não é simplesmente ligada àrepresentação de um objeto, mas está ligada à maneiracomo o sujeito a apreende, em função de sua identidadee em função também de sua intenção(8). Portanto, ascomunicações da pessoa na relação de ajuda contêmidéias que exprimem atitudes frente a sua subjetividade.

OBJETIVOS

1 - Aplicar o Modelo de Análise do Processo Interativo– MAPI junto aos portadores de doença mental e seusfamiliares visando a ajuda terapêutica;

2 - Analisar o conteúdo das interações buscandoconhecer as percepções dos sujeitos sobre a vivênciacom o adoecimento.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de caso com abordagemclínica e análise qualitativa dos dados.

Realizou-se um atendimento de enfermagem comum usuário do NAPS - Núcleo de Apoio Psicossocial deRibeirão Preto e seus familiares. Os momentos interativosem forma de entrevistas não-diretivas foram registrados.

O projeto, aprovado em Comitê de Ética, previa que asinterações fossem agendadas, proporcionando aos sujeitostotal liberdade de participar ou não, com os devidosesclarecimentos sobre o projeto da pesquisa e seusresultados. O paciente foi selecionado pela enfermeirado serviço, considerando o fato de ser por tador detranstorno mental e em condições de comunicação.

Após cada interação, a gravação era transcrita ecolocada à disposição do usuário e/ou seus familiarespara aprovarem. O material transcrito foi trabalhadopelas enfermeiras do NUPRI (Núcleo de Estudos ePesquisa das Relações Interpessoais) com a finalidadede 1) analisar criticamente cada passo da proposta edo conjunto das mesmas, e 2) aprendizado dosparticipantes desse Projeto. Das interações identificavam-se as necessidades do sujeito, as ações de enfermagemimplementadas e seus benefícios terapêuticos.

A análise da percepção dos sujeitos sobre o adoecerfocalizou as comunicações do paciente A e seusfamiliares, P, C, M e I. Utilizou-se o Programa ALCESTE,um software científico que visa descobrir a informaçãoessencial contida num texto, através de análise estatísticatextual. O programa quantifica as informações do texto,classificando-as e correlacionando-as (9-10).

A atuação da enfermeira foi avaliada através doconteúdo expresso durante cada interação, conformese observa nas análises do conteúdo das entrevistas.

RESULTADOS

A - Atendimento da enfermeira ao pacientepsicótico e seus familiares

Realizamos uma série de encontros (10) com opaciente A em forma de entrevistas não-diretivas,semanalmente, com duração de 50 a 60 minutos. As

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interações ocorriam em horário e local previamenteacertados com o paciente, o mesmo ocorrendo quandoseus familiares participaram do trabalho (5).

A interação não-diretiva coloca o sujeito no centrode sua atenção. Dessa forma, o enfermeiro pode,acompanhando o relato do paciente, obter os dadosde sua história, identificar suas necessidades, atuarterapeuticamente em sua comunicação imediata.Também apóia o paciente nas suas decisões saudáveispara os problemas apresentados e propõealternativas, quando isto se faz necessário(1,11).

Assim, após cada encontro, buscávamos identificaras necessidades apresentadas pelo paciente, as açõesque foram empreendidas pela enfermeira neste encontro,as ações futuras e comentários avaliativos deste conjunto.

Observou-se que, ao longo do processo terapêutico,as necessidades foram se apresentandogradativamente. Para atendê-las, a enfermeira foibuscando alternativas ou apoiando aquelas soluçõespropostas pelo paciente. Na seqüência, apresentamosum resumo das necessidades identificadas e as açõesde enfermagem implementadas.

a) Necessidades Identificadas: Atenção; Falar sobresuas experiências na doença; Abordar suas dificuldadesde sair; Abordar suas dificuldades de se relacionarcom as pessoas; Falar sobre suas relações familiares;Analisar o tratamento e os progressos que vemobtendo; Diversão; Trabalho; Elevar sua auto-estima;Explorar a repressão da família (especialmente do pai);Abordar seus medos; Conhecer seu esquemamedicamentoso atual, suas reações, seu conhecimentosobre o assunto; Ampliar seu repertório de atividadese sua comunicação; Ampliar suas relações sociais;Reforçar suas conquistas.

b) Ações de enfermagem: Escutar atentamente;Investigar com o paciente as informações que possuie sua própria percepção da doença, dos tratamentosque já fez, das suas relações familiares e sociais, dassuas perspectivas de vida; Investigar o que acha queos outros (pai, mãe, médico, amigos) pensam sobresua situação; Conhecer seus sentimentos a respeitode ser portador de uma doença mental e sobre seufuturo; Identificar interesses, dons, preferências erejeições; Conhecer suas vivências sadias e aquelasligadas ao adoecimento; Explorar com ele váriaspossibilidades de exercer atividades de seu interesse;Estimular suas capacidades e sua responsabilidadepessoal na busca de maior independência; Apoiar suastentativas de vencer as dificuldades; Estimular suacomunicação, ampliando seu discurso tão cristalizadopelos anos de adoecimento e falta de convívio social;Ajudá-lo a escolher saídas sadias para suas dificuldades;

Ajudá-lo a se preparar para futuras e eventuais crises;Conhecer o que os familiares pensam e sentem a respeitodo paciente, sua doença e suas expectativas; Explorar como paciente os recursos existentes na sua comunidade.

Foram realizadas algumas interações com osfamiliares do paciente A., seguindo os mesmosprocedimentos éticos já mencionados. Nesses contatosque se deram com o pai, a mãe, o irmão e a cunhadaa história relatada sobre a doença, os recursosutilizados para vencer as dificuldades, a conduta decada um com o paciente foram muito coerentes com oque o paciente relatou. Apresentavam-se um poucoansiosos a apreensivos, porém alegres e receptivos.

O pai mostrou-se uma pessoa muito séria, bastanteradical e ir redutível em suas posições. A famíliadepende do seu aval para tudo. Disse que já solicitouacompanhamento da família no serviço de saúde e lhefoi negado. Reclama da sobrecarga, porém não abremão de seu controle e autoridade.

A mãe apresentou-se como uma pessoa frágil, depouca fala e pouca ação, muito dependente do marido.Afetivamente é procurada pelo paciente o qual procuraapoiá-la quando a autoridade do pai a impede dealguma atitude independente.

O irmão mostrou-se pouco. Diz-se interessado emajudar, porém está muito envolvido com seu trabalho esua própria vida.

A cunhada dispõe-se a falar sobre o paciente e afamília. É um elemento de ligação em quem o pacientedeposita confiança.

Durante as entrevistas com os familiares,identificamos necessidades de esclarecimento sobre adoença, sobre os sintomas e os tratamentos que opaciente está fazendo; de orientação sobre o manejodos sintomas, sobre atitudes que podem ajudar opaciente quando apresenta sintomatologia.Identificamos que todos têm a idéia fixada no acidentede queda do muro sobre o paciente quando este eracriança e sobre o episódio da crise (quando o pacienteameaçou matar-se e matar qualquer pessoa queatravessasse seu caminho). Este período levou o pacienteà internação. Evidenciaram grande apreensão emrelação ao compor tamento do paciente bem comoatitudes de super proteção (presentes desde o acidenteda infância do paciente), não estimulando aindependência e a busca de novas saídas para o paciente.

As ações de enfermagem junto aos familiares foram:Escutar; Esclarecer sobre a doença, os sintomas, aconduta do paciente e os tratamentos que vemrealizando; Estímulo à ampliação de atividades erelações sociais do paciente; Apoio às iniciativas quedemonstravam aspectos positivos para a recuperação

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do paciente; Orientação sobre as dificuldades dopaciente em mudanças radicais e reforço ao trabalholento de estímulo e ajuda; Reconhecimento do esforçode cada um e das dificuldades de conviver com pessoaportadora de doença mental crônica.

B - Análise do conteúdo das comunicaçõesde um paciente psicótico e seus familiares,durante o cuidado de enfermagem

Para análise do conteúdo, através do software ALCESTE,as transcrições foram preparadas, obedecendo aosseguintes detalhes: tudo foi colocado num arquivo únicoem letras minúsculas, courier-10, com quebra de linha.Respeitando a pontuação, foram eliminados os maiúsculos,siglas e outros sinais com hífen, aspas, cifrão e apóstrofo.Cada entrevista foi considerada uma UCI (Unidade deContexto Inicial) separadas por uma linha de comandoque contém as variáveis que diferenciam uma de outra.Após a entrada convencional do Programa ALCESTE-versão 4.5 (****), definimos as variáveis: número de cadainteração (INT), o indivíduo entrevistado (IND) e oentrevistador (ALU). O conjunto das unidades de contextoiniciais constitui o “corpus”, ou seja, o objeto de estudo(8).

O arquivo foi nomeado como Atitudes tendo comoelemento de correlação a palavra Medos, também,colocada na introdução do conteúdo para a análise,tal como o recorte abaixo:

**** *Int_1 *Ind_ *Alu_1

MEDOS

ATITUDES

meu problema começou dentro da firmaonde eu trabalhava; comecei a sentirmal dentro da firma, muito pressionado.as pessoas mexiam comigo. eu vivianervoso na época da firma.

O arquivo com 139.843 caracteres reformatado edividido em segmentos pelo próprio programa (Unidadesde Contexto Elementar - UCE de 3 a 5 linhas) compunha-se de trechos que representam quadros perceptivo-cognitivos com certa estabilidade temporal, associadosao contexto apresentado. São campos lexicais oucontextos semânticos. Para os estudiosos deste software,estas UCEs (Unidades de Contexto Elementar) são imagensou campos sobre algum objeto específico(8-10).

O ALCESTE faz uma pesquisa do vocabulário e reúneas palavras, conforme suas raízes (formas reduzidas),tal como choro - chorando, chorar, chorei, chorou,chorava, chora. A seguir, estes trechos (UCE) sãoclassificados, de acordo com sua freqüência eapresentados de forma hierárquica, descendente emclasses. Faz os cálculos, define as classes e a análise

fatorial de correspondência (AFC), representando asrelações entre as classes, num plano fatorial. Selecionaas unidades de contexto elementares maiscaracterísticas de cada classe, numera e constrói umrelatório contendo o número de UCEs selecionadas paracada contexto assim como a porcentagem de citaçõese o respectivo cálculo do ÷2 para cada palavrasignificativa do contexto.

Nosso estudo mantinha os mesmos atores sociais,variando os relatos em 3 momentos ou épocas que oALCESTE selecionou em 5 classes: 1) o acidente na infância;2) as conseqüências; 3) as relações adolescentes; 4) oadoecimento com internação e 5) as atividades atuais.

Tomando cada classe como uma unidade decontexto ou categoria, obtém-se ao nível cognitivo umarepresentação singular do objeto segundo suafreqüência de menção no texto. A palavra ou conjuntode palavras, de mesma raiz, enunciada pelo indivíduo,traz consigo a noção de idéia que reflete o sentidodado a um determinado objeto por um indivíduo, numasituação específica e num momento dado(8).

Cada Classe destacada pelo ALCESTE contém umalista das palavras mais significantes. O coeficiente deassociação de uma forma a uma classe é umquiquadrado a 1 grau de liberdade, calculado sobre atabela de contingência, cruzando a presença ouausência da palavra na UCE e a pertinência desta UCEem relação à classe considerada. Desta análise textualobteve-se 5 categorias:

1 – O acidente na infância. Os principaispersonagens mencionados são o sujeito, o pai, a mãee o médico, acompanhados dos verbos de ação comocair, machucar, tratar, observar, cuidar e errar. Objetose lugares mais freqüentemente citados são álcool,comida e Hospital das Clínicas evocando sentimentosde ansiedade, culpa, dependência, sofrimento,segurança. Chama a atenção a presença de adjetivoscomo certinho e responsabilidade.

2 – As conseqüências. Os principais personagenssão o irmão, amigos e criança, acompanhados dosverbos de ação brincar, estudar, jogar, cair, participar,perturbar, apanhar e afastar. Objetos e lugares maiscitados são barriga, brinquedo, criança, escola, hospitale gibi evocando sentimentos de vergonha, timidez esolidão. Chamam a atenção as sensações de serdiferente e de desvalorização.

3 – As relações adolescentes. Destacam-secolegas, gente, moça, profissionais e pessoas comopersonagens, acompanhados dos seguintes verbos deação agredir, acostumar, acreditar, caminhar, continuar,desistir, conversar, enfrentar, lutar e controlar. Hámuitas palavras evocando sentimentos ambivalentes

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de medo e de liberdade, nervoso, preocupação,tranqüilidade, sexualidade, esperança, mas comdestaque para sozinho, suicídio, feliz e for te. Foi operíodo em que o paciente trabalhou num almoxarifadoe teve namoradas, mas é também o período em que adoença apresentou os sinais evidentes.

4 – O adoecimento com internação. Ressaltam-senos personagens a família, o pai e Jesus bem comosituações do hospital psiquiátrico, cabeça, inferno, noite,vozes, religião, porta, remédio e tratamento. Os verbosque indicam ação mais freqüentes foram ajudar, apoiar,conversar, escutar, ouvir, imaginando, poder, acontecendo,acompanhados dos sentimentos de desespero, perigo,choro, crise, desabafo, perdido e loucura.

5 – Atitudes atuais. Destacou-se médico e sobrinhocomo personagens e os verbos indicando ações de

defesa, falta, espera, enfrentar, acompanhados depalavras que evocam sentimentos de agressão,nervosismo, solidão, normalidade e enfrentamento. Sãodestaques o Naps, o medicamento, sexta-feira edomingo, a igreja, a missa, a praça e o quarteirão.

O ALCESTE fez uma distribuição das idéias contidasnas falas que analisou. No Quadro I – Projeção daanálise num plano correlacional, o programa colocano quadrante esquerdo inferior o adoecimento, a crise,a internação e as sensações decor rentes desteepisódio marcante. No quadrante direito inferiorencontram-se a família, a bebida, a comida, o fumo, amãe e o pai. Interessante o destaque para o médico ea mãe próximos de cuidados e o pai muito isoladoembora, no discurso, seja a pessoa em torno da qualgiram todas as ações da família.

Quadro I:Projeção da análise num plano correlacional

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No quadrante superior direito estão asconseqüências do acidente na infância e o período deadolescência que inclui a cirurgia, o trabalho, a escola,colegas, amizades apesar da timidez sempre presente.

A situação atual está mais distribuída no quadranteesquerdo superior. Apesar dos problemas relativos aomedo de sair e de ser agredido, aparecem as atividadesque vem empreendendo para liber tar-se aos poucos,tais como a freqüência ao Naps, o medicamento, a missa,a praça, as caminhadas e a possibilidade de melhorar.

Lançando novo olhar para a projeção da análise noplano correlacional, verifica-se que o problema e omedicamento estão próximos e mais centralizados(plano central). Ampliando igualmente a visão dosníveis inferiores, aproximam-se tratamento, família,hospital, choro, noite e remédio e nos níveis superioresaproximam-se os léxicos igreja, domingo, feliz,pouquinho, missa e caminhar (2º plano).

DISCUSSÃO

AAAAA - Os dados das necessidades do paciente A,registrados após cada interação, analisados e avaliadoscom proposta de atuação terapêutica da enfermagempermitem destacar alguns pontos importantes.

A qualidade da interação, o aprofundamento e aextensão da abordagem obtida são algumas indicaçõesde que o processo caminhou na direção da ajuda aopaciente e aos seus familiares.

O processo terapêutico teve um InícioInícioInícioInícioInício onde aproposta de ajuda foi aceita pelo paciente (A) eDesenDesenDesenDesenDesenvvvvvolvidaolvidaolvidaolvidaolvida pela enfermeira (J) com o paciente (A),ComplementadaComplementadaComplementadaComplementadaComplementada com a par ticipação dos familiares(P, M, I e C) e das enfermeiras (E e A) sendoSuperSuperSuperSuperSupervisionadavisionadavisionadavisionadavisionada pela pesquisadora/docente (R).

O desenrolar deste processo foi acompanhado dediscussões e avaliações que focalizaram a atuação daenfermeira, suas comunicações, seu entendimento doconteúdo verbalizado assim como sua conduta erespostas às necessidades apresentadas pelo paciente.

Pelo conteúdo registrado neste estudo, osprocedimentos de enfermagem seriam a base paraas ações apresentadas no caso em foco. O Modelo deProcedimento de Enfermagem de Saúde Mental reúneas principais ações de enfermagem que orientam oprofissional numa interação de ajuda, ou seja, permitirque a pessoa fale, sem julgamentos ou críticas,ajudando-a a tomar consciência das suaspreocupações e recursos, ajudar a pessoa aestabelecer prioridades, apoiar as atitudes positivas,reforçando sua participação ativa neste possesso.

Durante cada interação entre duas pessoas, ocorremavaliações. A pessoa que precisa de ajuda (paciente)avalia a pessoa do profissional (enfermeira) através desuas atitudes no que diz respeito aos benefícios que

este está lhe trazendo. O profissional avalia seu própriocomportamento e também o do outro, analisando todoo procedimento terapêutico oferecido através dessainteração, com base nas necessidades apresentadas,nas possibilidades e propostas de resolução.

O relacionamento é terapêutico na medida em queo profissional ajuda a pessoa a estabelecer acordo entresuas experiências pessoais e a representação adequadadelas. Esta concepção tem por base os estudos decongruência e de relações de pessoa a pessoa(3,12,13,14).

A função do terapeuta não é pensar pelo paciente,mas com ele(15). No processo terapêutico, as atitudesnegativas em relação à própria pessoa diminuem e asatitudes positivas aumentam(3-12). A fala nº 348 ilustraum desses momentos da interação.

eu acho que eles estao certos.eu vejo por mim mesmo - que éverdade,que o medo e o nervosismoestão cada vez mais passando.eu estou saindo,estou tendocoragem para sair, issocontribui para a minha melhora.na verdade, pensando bem, até -que eu estou contribuindo mesmo,um pouquinho

O processo terapêutico deve oferecer oportunidadesde aprendizado e busca de novas saídas. A fala nº 635mostra este aspecto associado ao ganho de confiança,após um passo conquistado na direção da independência.

no fundo, eu sei que eu jámelhorei bastante, a gentereconhece que houve uma melhoramuito grande e esses mauspensamentos vão passando, vãodiminuindo. eu estou acreditandomais na melhora. eu me sintoassim. as vezes eu ficoimaginando, pensando em poderir a lugares diferentes e testara minha cabeça, mas ainda tenhomedo, eu não vou mais longe doque eu já fui até agora.

B - B - B - B - B - O conteúdo do processo interativo entre aenfermeira e o paciente.O Programa selecionou 5classes que continham, em percentagens, a importânciadada pelo paciente e seus familiares aos diferentes fatosde sua vida: 4 focalizam a história dos relatos do que sepassou e apenas 1 se fixa no momento atual.

Talvez seja mais fácil abordar fatos passados, consumados,elaborados e reelaborados por todos, sem correr o risco deinterpretações atuais com as quais não se sabe lidar.

Encontramos o que se poderia chamar de“comunicações rígidas”, com muita fixidez(3,12). Tanto opaciente como seus familiares adotaram posturas que nãopermitem facilmente a penetração de novas possibilidadespara melhora ou para mudanças de atitudes. Todosconvivem com a doença à qual já se adaptaram.

348 27

635 14

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A freqüência das palavras deste conteúdo remete a umprocesso de adaptação à doença. Todas as atitudes destegrupo giram em torno desta adaptação à doença.

Observando as falas dos sujeitos, percebe-se que a famíliae suas interações são acompanhadas de muitas açõesnegativas. Entretanto, as atividades externas como escola,emprego, rua, Naps, missa são acompanhadas de açõesmais positivas como se observa no Quadro I e na fala 451.

no caso do A era um todo quefoi virando uma bola de neve.a maneira como foi conduzidaa vida, não poder fazer ascoisas porque era errado eele foi criado com muito tabu.

Nas 5 classes destacam-se sentimentos de culpa,dependência, vergonha, timidez, solidão e medo quese evidenciam pela sua freqüência, tendo sido altas ascorrelações de freqüência nas classes selecionadas(÷2 > 3 e freqüência > que 50). A família estáaproximada com álcool, fumo, médico, comida, tombo,embora a mãe esteja associada a cuidados.

O adoecimento está associado a inferno, loucura, vozes,noite, choro. As relações exteriores que sempre foramcontroladas pela família adquirem aspecto positivo e estãoassociadas a colegas, amigos, escola e trabalho. As UCEsnº 5, 14 e 119 contêm trechos dessas passagens:

comecei a ouvir vozes, fiqueidesesperado.essas vozes diziamque a minha familia estava emperigo, que eles iam matar meupai, iam fazer - mal para meusobrinho, para meu irmão

eu fiquei um dia e uma noitesentado naquela cadeira, sopensando coisas ruins, coisasque vinham da minha cabeca.estava acordado, estava com amente desligada. só pensavanas tragedias. e como - se eutivesse apagado. e como-se euestivesse sozinho, naquela sala.eu não sei explicar direito

eu acho que sair e uma motivaçãopara melhorar o meu estado.eu saindo, apesar-de estar commedo ainda, alivia um pouco,me alivia a tensão. sinto muitavontade de sair, apesar-de-queme sinto um pouco nervoso. ficoimaginando que as pessoas podemme agredir a qualquer momentoe ser xingado, agressão verbal.

O trecho extraído da análise de freqüênciacorrelacionando o conteúdo das falas aos medos evidenciaum momento da crise sofrida pelo paciente e o momentode sua internação no hospital psiquiátrico. Asintomatologia delirante está ligada diretamente aotratamento medicamentoso e ao choro; as incertezasestão ligadas à solidão da internação.

451 14

5 44

14 42

119 14

REFLEXÕES FINAIS

O relacionamento terapêutico foi a base dacomunicação que permitiu conduzir todo o processointerativo, avaliado após cada interação, seguido de “feedback” para a continuidade do processo. As comunicaçõesdos sujeitos foram expressas por palavras e por seucomportamento durante as interações de ajuda.

O conteúdo deste processo foi analisado com osupor te do software ALCESTE que nos permitiuconhecer as percepções de um paciente e seusfamiliares presos a uma doença, numa estruturarigidamente estabelecida.

O enfermeiro utilizou seu conhecimento e suashabilidades conscientemente. Sua atitude ajudou aampliar a consciência do paciente e da família sobre oproblema incentivando-os a buscarem caminhos paradiminuir o sofrimento na convivência com esta doença.

A análise do conteúdo expresso pelos sujeitosevidenciou que o processo de construção simbólicada doença encontra sentido num fato concreto (a quedado muro sobre o menino) que a vida dos membrosdesta família estão radicados numa fatalidade.

A dinâmica instalada entre o individuo e seu contextoe, por tanto, a doença foi elaborada a par tir de umcontexto pessoal, numa perspectiva temporal.

Este estudo permitiu apreender as percepções dossujeitos e perceber alguns mecanismos que mantêma articulação entre o pessoal e o social. Permitiu vero impacto da cultura e das regras do grupo depertença na dinâmica identitária do sujeito construindosua realidade a partir do exterior em função de umacontecimento que determinou sua história de vida.

A subjetividade dos sujeitos deste estudo (concretae imaginária) manifesta-se em ações sociais comvalores afetivos positivos e negativos. Todas astentativas de mudança relatadas esbar ram nocomportamento estabelecido e cristalizado. O pacientee a família encontraram formas de adaptação.

O sujeito está na posição de vítima (do acidente,da própria constituição, da cobrança das pessoas, dadoença) com um alter ego que ele classifica comoapreensivo que ele teme, hostil, discriminatório e nãoo deixa melhorar nem piorar, nem tampouco buscarsaída saudável para seus sentimentos de inferioridade.

As relações do espaço identitário do sujeitoreforçam sua posição de vítima, medroso, inferiorizadocom poucas possibilidades de recuperação. Osfantasmas de suas experiências estão ancorados notemor da incapacidade, da frustração social (na escola,no trabalho e nas relações com as pessoas).

A organização do contexto social incutiu no sujeitoa imagem de vencido. Todas as suas atitudes bemcomo as dos seus familiares e dos profissionais do

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serviço de saúde concorrem para a cristalização destaposição. No imaginário de todo o grupo, o acidente impediuo desenvolvimento de seus papéis sociais normais e adoença mental agregou conflitos que são legitimizadospela atitude da família e dos profissionais da saúde.

Como evitar que as pessoas caiam na lógicaassistencial focalizada na doença e no sistemamanicomial? É preciso transformar a relação cidadão/sociedade para se atingir a relação saúde/doença. Épreciso reconhecer que mais do que mudar ou criarserviços é preciso mudar a concepção de sua finalidadeonde o foco está no homem diferente com suas

Referências

necessidades e sua vida dentro de uma coletividadeque se transforma. Se o valor principal é o homem,ele não pode ser um elemento negativo no sistema desaúde e a satisfação de suas necessidades constitui aprópria razão de ser de nosso trabalho profissional.

O doente mental é um ser humano que sofre. Otratamento das psicoses e outras doenças mentais deveconsiderar que é preciso promover condutas quereintegrem o paciente em seu meio social(15). Oterapeuta coloca seu ego a serviço da reintegraçãoajudando o paciente a sair do seu enclausuramentopessoal e social na busca do seu espaço de vida(16).

Sobre as Autoras

1. Furegato ARF. Relações interpessoais terapêuticas em enfermagem.Ribeirão Preto (SP): SCALA; 1999.

2. Bermejo JC. Una mirada a la relación de ayuda. Horiz Enferm1996; 7(2): 4-6.

3. Rogers CR. Tornar-se pessoa. São Paulo(SP): Martins Fontes; 1982.

4. Bleger J. Psicologia da conduta. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1989.

5. Moreira ASP, Rodrigues ARF, Coler MS. A model for analysis of thenurse: patient interactive process. J Psychiat Mental Health Nurs1997; 4(4): 303-07.

6. Furegato ARF, Scatena MCM, Trento FC. Ajuda terapêutica doenfermeiro à pessoa deprimida com aplicação do MAPI. Nurs1999;17: 18-21.

7. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PO): Ed 70; 1991.

8. Reinert M. Une metodologie d’ analyse des domaim textuelles etune aplication. Bull Methodol Sociol 1998; 28: 24-4.

9. Camargo BV. ALCESTE: um programa informático de análisequantitativa de dados textuais. In: Moreira et al, organizadores.Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais. JoãoPessoa (PB): Ed UFPB; 2005.

10. Veloz MCT, Nascimento-Schultze CM, Camargo BV. Representaçõessociais do envelhecimento. Psicol: reflexão e crítica 1999; 12(2):479-502.

11. Rodrigues ARF. Enfermagem psiquiátrica-saúde mental: prevençãoe intervenção. São Paulo (SP): EPU; 1996.

12. Rogers CR, Rosemberg RL. A pessoa como centro. São Paulo(SP):EPU/EDUSP; 1977.

13. Rodrigues ARF. Dos maneras de ayuda terapéutica en enfermeríapsiquiátrica y de salud mental. Horiz Enferm 1996; 7(2): 15-21.

Antonia RAntonia RAntonia RAntonia RAntonia Reeeeegina Fgina Fgina Fgina Fgina Fererererer rrrrreireireireireira Fura Fura Fura Fura Fureeeeegggggaaaaatototototo

Profª. Titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e CiênciasHumanas – EERP/USP. e-mail: [email protected]

Edilaine Cristina da SilvaEdilaine Cristina da SilvaEdilaine Cristina da SilvaEdilaine Cristina da SilvaEdilaine Cristina da Silva

Especialista em Laboratório e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica – EERP/USP.

Recebido em 22/05/2006Reapresentado em 21/11/2006

Aprovado em 27/11/2006

Nota

aProjeto apoiado pelo CNPq – 520277 – NUPRI - Núcleo de Estudosdas Relações Interpessoais.

14. Travelbee J. Intervención en enfermería psiquiátrica. Bogotá(CO):Carvajal; 1992.

15. Basaglia F. Escritos selecionados em saúde mental e a reformapsiquiátrica. Rio de Janeiro (RJ): Garamond; 2005.

16. Mauer SK, Resmizky S. Acompanhantes terapêuticos e pacientespsicóticos: manual introdutório a uma estratégia clínica. Campinas(SP): Papirus; 1987.

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Compreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaFilizola CLA et al

Resumo

Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Alcoolismo. Família. Apoio Social.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Alcoholism. Family. Social Support. Palabras clave: Palabras clave: Palabras clave: Palabras clave: Palabras clave: Alcoholismo. Familia. Apoyo Social.

COMPREENDENDO O ALCOOLISMO NA FAMÍLIA

Understanding Alcoholism in the Family Context

Comprendiendo el Alcoholismo en la Família

Carmen Lúcia Alves Filizola Camila de Jesus Perón Mariana Montagner Augusto do NascimentoSofia Cristina Iost Pavarini José Fernando Petrilli Filho

O alcoolismo é um sério problema de saúde pública. O seu tratamento é complexo e a inclusão da família tem sido enfatizada.Esta pesquisa teve como objetivo identificar a estrutura, as relações, a rede de suporte e a vivência de famílias diante doalcoolismo. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas com cinco famílias de alcoolistas de umaUnidade de Saúde da Família. Verificamos que o alcoolismo constituiu-se no maior problema para as famílias que demonstrampouco conhecimento sobre o tema. Entre as maiores dificuldades encontramos a violência sofrida pelos familiares. Asrelações familiares são conturbadas. A maioria das famílias isola-se evitando falar do alcoolismo com outros. Portanto, a redede suporte social seria fundamental. Ao analisá-la constatamos a precariedade de recursos públicos, o desconhecimento dosexistentes e a não utilização de Grupos de Apoio pelas famílias.

Alcoholism is a serious problem for the public health. Itstreatment is complex and the inclusion of the patient’s familyhas been emphasized. The objective of this research was toidentify the structure, relationships, support network andexperiences of families before the alcoholism. The datacollection was made through semi-structured interviews withfive alcoholics’ families of a Family Health Unit. We verifiedthat alcoholism composes the major problem for these familiesthat demonstrated not much knowledge about the topic.Among the major difficulties we found the violence sufferedby the relatives. The family relations are disturbed. Mostfamilies avoid talking about alcoholism with other people.Therefore, the social support network is vital. Analyzing that,we verified the precariousness of the public resources, theunawareness of the existing resources and the non-utilizationof the Support Groups by families.

El alcoholismo es un serio problema de salud pública. Sutratamiento es complejo y la inclusión de la familia ha sidoenfatizada. Esta investigación tuvo como objetivo identificarla estructura, las relaciones, la red de suporte y la vivenciade la familias perante al alcoholismo. La recolección de datosfue realizada a través de entrevistas semiestructuradas concinco familias de alcohólicos de una Unidad de Salud deFamilia. Verificamos que el alcoholismo se constituyó comomayor problema para las familias que demuestran pococonocimiento sobre el tema. Dentro de las mayoresdificultades encontramos la violencia sufrida por los familiares.Las relaciones familiares son conturbadas. La mayoría de lasfamilias evita hablar del alcoholismo con otros se alejando.Por esto, la red de suporte social seria fundamental. Alanalizarla constatamos la precariedad de recursos públicos,el desconocimiento de los existentes y la no utilización deGrupos de Apoyo por las familias.

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Compreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaFilizola CLA et al

INTRODUÇÃO

O alcoolismo é um sério problema de saúde pública.Segundo o Ministério da Saúde, o uso do álcool impõe àssociedades de todos os países uma carga global de agravosindesejáveis e extremamente dispendiosos, que acometemos indivíduos em todos os domínios de sua vida1.

O 1º Levantamento Domiciliar sobre o uso de DrogasPsicotrópicas no Brasil indica uma prevalência do uso doálcool na vida de 68,7% sendo ela maior para o sexomasculino (17,1%) do que para o feminino (5,7%). Nototal, há uma estimativa de 11,2% de dependentes debebidas alcoólicas nas 107 maiores cidades do Brasil2.

Atualmente, o termo “alcoolismo” vem sendosubstituído por Síndrome de Dependência do Álcool(SDAS), a qual se diferencia por ser entendida comoum processo no qual a pessoa ficaria gradualmentedependente do álcool, eliminando a visão dicotômicade “tudo ou nada” implícita no termo alcoolismo3.

Os prejuízos trazidos pelo uso excessivo de álcoolsão inúmeros. Entre eles ressaltam-se as alteraçõescomportamentais da pessoa que faz uso e abuso doálcool levando, na maioria das vezes, à desestruturaçãofamiliar, a gastos excessivos com tratamentos médicose internações hospitalares, a elevado número deacidentes de trânsito com pessoas alcoolizadas,violência urbana e mortes prematuras2.

Sobre os efeitos do alcoolismo na família, estudosdemonstram que viver em um “ambiente alcoolista”afeta negativamente os descendentes de alcoolistas eque, para cada alcoolista, cinco ou seis pessoas dafamília são afetadas4. Problemas familiares comodesavenças, falta de credibilidade e desconfianças sãosentimentos despertados nas pessoas que já passarampela experiência de ter um dependente e, quando háum dependente na família, todos adoecem5.

O tratamento do alcoolismo é complexo e,dependendo da necessidade do usuário e do recursodisponível, pode ocor rer tanto em ser viçosespecializados como nos CAPS ad (álcool e drogas),quanto em serviços da atenção básica, ambulatórios,hospitais e grupos de apoio da comunidade1.

A inclusão da família no tratamento tem sidoenfatizada como imperiosa no processo terapêuticodesses pacientes1, 6. O Ministério da Saúde propõe comodiretriz para o atendimento no CAPS ad, além dooferecimento de cuidado aos familiares de usuáriosdo serviço, um trabalho junto a usuários e familiaresque aborde os fatores de proteção para o uso desubstâncias psicoativas e a diminuição do estigma epreconceito em relação às referidas substâncias,mediante atividades de cunho preventivo/educativo1.

Diante da magnitude do problema, doreconhecimento de suas conseqüências na família eda importância da inclusão da família no processo detratamento, temos buscado compreender e intervir nascondições de vulnerabilidade de famílias que vivenciama experiência de alcoolismo na família7.

Ao realizarmos a avaliação e intervenção na família,tem-se utilizado o referencial do Modelo Calgary deAvaliação e Intervenção na Família8. Ele utiliza, naavaliação estrutural da família, os instrumentosGenograma e Ecomapa, que possibil itam acompreensão da estrutura da família, de suas relaçõesinternas e com o contexto e os recursos sociais deapoio que utiliza para enfrentar suas condições devulnerabilidade. O Genograma tem sido amplamente utilizadoem estudos com famílias que enfrentam diferentesproblemas, em diferentes abordagens metodológicas ereferenciais teóricos. Alguns autores o utilizam na terapiasistêmica de família de alcoolistas e o recomendam notrabalho com famílias que enfrentam esse problema9.

Diante do exposto, apresenta-se neste ar tigo aexperiência na avaliação de famílias de usuários deálcool adstritas a uma Unidade do Programa de Saúdeda Família (PSF) de um município do interior de SãoPaulo. A escolha por trabalhar com famílias de umaUnidade de Saúde da Família (USF) aconteceu emfunção de a família constituir-se em um novo modelode atenção em saúde tornando-se objeto do cuidado.Dessa forma, esta pesquisa vai ao encontro dasdiretrizes do Ministério da Saúde, em sua política deatenção aos usuários de álcool e outras drogas noâmbito do SUS. Essa política foi instituída através doPrograma Nacional de Atenção Comunitária Integradaaos usuários de Álcool e outras Drogas enfatizando aestruturação e o for talecimento de uma rede deassistência centrada na atenção comunitária associadaà rede de serviços de saúde e sociais1.

Assim sendo, este trabalho teve como objetivocompreender o alcoolismo na família através da identificaçãoda estrutura e das relações familiares, da rede de suportesocial da família e da vivência dessas famílias.

METODOLOGIA

Este estudo insere-se nos pressupostos dométodo qualitativo de investigação.

A pesquisa qualitativa trabalha com universo designificados, motivos, aspirações, crenças, valorese atitudes, o que corresponde a um espaço maisprofundo das re lações, dos processos dosfenômenos que não podem ser reduzidos àoperacionalização de variáveis10:105.

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Operacionalização, técnica de coleta dedados, análise e apresentação dos resultados

Conforme afirmado, pautamo-nos nesta pesquisana avaliação estrutural descrita no Modelo Calgary deAvaliação da Família (MCAF), realizada através deentrevista com a família8.

Sujeitos da pesquisa

Os membros de cinco famílias de usuários de álcool foramsujeitos desta pesquisa. Essas famílias foram indicadas pelosagentes comunitários de uma USF, na cidade de São Carlos.

Inicialmente, houve planejamento para realizara entrevista com todos os membros da família,inc lu indo o usuár io de á lcool . Porém, e lasocorreram sem a presença desse familiar, uma vezque as famíl ias não se dispuseram a incluí- loalegando que se sentiriam constrangidas em suapresença. E las também ocor reram com, nomáximo, dois membros de cada família, uma vezque foram esses que se disponibilizaram. O quadroabaixo relaciona o total de entrevistados por famíliae o parentesco em relação ao(s) membro(os)alcoolista(s) das famílias (Quadro 1).

Entrevista (roteiro, tempo de duração,local, anotação e análise dos dados)

As entrevistas foram semi-estruturadas. Portanto, oentrevistador dispôs de um roteiro de entrevista de forma aorientar os dados a serem coletados. Esse roteiro era compostode duas partes: a primeira compreendia questões de formaa levantar a estrutura, o contexto e a rede de suporte socialda família, ou seja, compreendia a construção do genogramae ecomapa junto com a família. A segunda, continha questõesabertas relativas às vivências da família diante do alcoolismo.

O tempo de duração das entrevistas foi de no máximouma hora e trinta minutos. Elas ocorreram tanto no domicíliocomo na própria USF, sendo gravadas em fita magnéticacassete, em áudio após a assinatura do Termo deConsentimento Livre e Esclarecido.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisada instituição onde o trabalho foi desenvolvido. Os nomesdos entrevistados foram substituídos por outros nomes paragarantir o sigilo e o anonimato dos participantes.

De posse dos dados, primeiramente, construímosos genogramas e ecomapas das famílias. A análise dosdados referentes à vivência da família se deu atravésda análise de conteúdo11.

F a m í l i a *F a m í l i a *F a m í l i a *F a m í l i a *F a m í l i a *

Família 1

Família 2

Família 3

Família 4

Família 5

Número deNúmero deNúmero deNúmero deNúmero deentrev is tadosentrev is tadosentrev is tadosentrev is tadosentrev is tados

1

2

2

2

1

Número de usuáriosNúmero de usuáriosNúmero de usuáriosNúmero de usuáriosNúmero de usuáriosde álcool nade álcool nade álcool nade álcool nade álcool na

Famíl ia e relaçãoFamíl ia e relaçãoFamíl ia e relaçãoFamíl ia e relaçãoFamíl ia e relaçãode parentescode parentescode parentescode parentescode parentesco

com o entrevistadocom o entrevistadocom o entrevistadocom o entrevistadocom o entrevistado

1 (marido)

2 (marido e filho)

1 (marido e genro)

1 (filho e enteado)

9 (marido e filho)

Parentesco doParentesco doParentesco doParentesco doParentesco doent rev is tadoent rev is tadoent rev is tadoent rev is tadoent rev is tado

em relação ao(s)em relação ao(s)em relação ao(s)em relação ao(s)em relação ao(s)usuários de álcoolusuários de álcoolusuários de álcoolusuários de álcoolusuários de álcool

Esposa

Esposa/mãe e filha/irmã

Esposa e sogra

Mãe e padrasto

Esposa/mãe

QUADRO 1:Número de membros entrevistados de cada família e grau de parentesco em relação ao(s) usuário(s) de álcool.

*As famílias entrevistadas foram identificadas de um a cinco

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Primeiramente são apresentados os dados relativos àestrutura, às relações e a rede de apoio social dasfamílias, obtidos através dos Genogramas e Ecomapas(Figuras 1,2,3,4,5). Em seguida, os dados da vivência dasfamílias entrevistadas diante do alcoolismo na família.

1. A estrutura, as relações e arede de apoio social das famílias

Família 1

Ana (32) é casada com Edilson (33) há 11 anos emora com ele e seus 4 filhos Caio (11), Pedro (10),

Renato (8) e Daniel (4) em uma casa bastante simplesde 2 cômodos, sem reboco e inacabada. Ela revela queo marido faz uso de bebida alcoólica há alguns anoscom bastante freqüência e que o uso do álcool se inicioupor influência dos amigos de trabalho. A família precisoumudar de bairro, segundo Ana, devido a dívidas que omarido contraía em bares e não conseguia pagar. Afamília mora no bairro atual há cinco anos. Ana relataque, na maioria das vezes, o marido chega em casaembriagado e se torna agressivo com ela e com ascrianças. Apesar de a família possuir vínculos fortesentre si, percebe-se que os conflitos, devido aoalcoolismo, são constantes. Ana conta que foi agredida

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várias vezes e que houve momentos em que as criançaspediam para sair de casa por sentirem-se ameaçadas.

Família 2

Márcia (67) e Moacir (59) moram há 14 anos emuma casa simples. O filho mais novo, Jorge (25), casado

e ao problema do alcoolismo, está, há algum tempo,fazendo “bicos” como servente de pedreiro.

Larissa (29), a filha mais velha, mora com seufi lho (10) na casa em frente à de sua famíl ia.Percebemos que ela se preocupa muito com adependência de álcool que seu pai apresenta. Relataque muitas vezes tentou ajudá-lo conversando,procurando recursos de apoio, porém acredita quesozinha não conseguirá livrar o pai da dependência.

Família 3

Joana (49) e Carlos (41) são casados há 19 anos.Moram numa casa própria, com 5 cômodos,apresentando boas condições de higiene. Elesmoravam em São Paulo e migraram para São Carloshá alguns anos para ficarem mais perto da filha deJoana. Junto com eles, mora D. Antonieta (74), mãe de

e pai de duas meninas (seis e sete anos), mora, também,na casa de seus pais, devido à dificuldade financeira. Afamília veio do Paraná em busca de melhores condiçõesde vida e trabalho. Márcia trabalhou muitos anos “naroça” e, hoje, é aposentada. Seu marido Moacir trabalhouem muitas empresas, porém, devido à saúde debilitada

Joana. No momento da entrevista, realizada no própriodomicílio, estavam presentes Joana e D. Antonieta.

Observamos que Joana estava bastante nervosa epreocupada com o futuro de seu casamento por causado problema do alcoolismo do marido, mostrando-seaté um pouco desorientada no dia em que a visitamos,inclusive dizendo que a única solução para melhorarsua vida seria se separar de Carlos. Percebemos quea maior objeção a uma possível separação era o fatodela ser muito religiosa e acreditar que não deveriafazer isso por causa das “leis de Deus”. Entretanto,em outros momentos ela afirma que ama o marido.Família 4

Sr. João (73) e D. Maria (75) moram juntos numacasa própr ia, s imples, com 4 cômodos,apresentando boas condições de higiene. O filhodela, do primeiro casamento, Ronaldo (42), solteiro,

Figura 1: Genograma e Ecomapa da Família 1

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Figura 2: Genograma e Ecomapa da Família 2

Figura 3: Genograma e Ecomapa da Família 3

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mora com eles e nos foi indicado pela agente desaúde como sendo alcoolista.

Na primeira entrevista, realizada no próprio domicílio,conversamos com D. Maria e Sr. João. D. Maria contou-nos que Ronaldo estava trabalhando na colheita dalaranja e que o uso de álcool do filho era um problema.O casal demonstrou cer to alívio por Ronaldo tercomeçado a trabalhar (o dia da entrevista era o primeirodia de um novo serviço) porque afirmaram que Ronaldodiminuiu a ingestão de álcool. Entretanto, percebemos,também, na primeira visita, que Sr. João e D. Mariaconvivem com o uso abusivo de álcool de Ronaldo.

Família 5

Dona Marta (64) e Sr. João (70) são casados há 47 anose moram numa casa simples sem acabamento. Tiveram

doze filhos, dez estão vivos e dois morreram (um com dezoitodias e outro com cinco dias). Entre os filhos vivos, moramcom o casal Cláudio (39), Edson (36), Flávio (34) e Bruno(28) que são solteiros e alcoolistas como o pai.

Arnaldo (44), Carla (43), Osvaldo (41), Cecília(40), Emerson (38) e Wagner (30) são casados emoram com suas respect ivas famí l ias, excetoOsvaldo que, apesar de ser casado, estádesempregado e está vivendo temporariamente nacasa de seus pais, pois sua esposa fica mais nacasa de sua mãe do que na casa adquirida por eles.

Segundo Dona Mar ta, todos os filhos homens,casados, também já apresentaram problemas coma bebida no passado, porém se recuperaram.Contudo, Osvaldo, devido sua atual situação, vemapresentando uma recaída.

Figura 4: Genograma e Ecomapa da Família 4

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Figura 5: Genograma e Ecomapa da Família 5

1. Compreendendo a vivênciada família diante do alcoolismo

A partir da análise dos dados referentes à vivênciadas famílias foram criadas cinco categorias: 1 - Osproblemas enfrentados pelas famílias; 2 - Oconhecimento sobre o alcoolismo; 3 - O sofrimentodiante do alcoolismo e as relações familiares; 4 - Asdificuldades dos familiares em relação ao alcoolismoe 5 - A rede de apoio social à família.

Categoria 1Os problemas enfrentados pelas famílias

Ao analisar os problemas enfrentados pelasfamílias, verif ica-se que, embora apresentemdificuldades financeiras, o alcoolismo constituiu-se nomaior problema para a maioria.

O único problema que eu tava enfrentando era abebedeira dele. E graças a Deus que ele diminuiubem. Não sei o que aconteceu com ele. Se foitambém o que aconteceu com o irmão dele. Achoque ele sentiu, né. Aí ele maneirou bem. De

primeiro era garrafa de pinga dentro de casa.Ele me batia, me espancava. Mas graças a Deustá parando com tudo isso. (Ana - Família 1)O problema maior é esse. A bebida. Se não émeu marido, é meu filho. (Márcia – Família 2)

As famílias também se referiram a outros problemas,tais como: o uso de outros tipos de drogas além doálcool, a falta de apoio de outros membros da família, afalta de contato com outros ou demais membros dafamília e, finalmente, os problemas financeiros.

Categoria 2O conhecimento sobre o alcoolismo

Verificamos que as famílias demonstram poucoconhecimento sobre o alcoolismo, desconhecendoconceitos impor tantes para a compreensão desteproblema de saúde e do seu tratamento. Há umafamiliar que reconhece que não sabe nada:

Sinceramente nada. Só sei que chega umaépoca que o organismo não agüenta mais. Comoaconteceu com meu sogro. Chegou uma época,

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ele trabalhava muito bem, na Lápis. Aí depoisse aposentou começou a beber, beber e chegouum tempo ele que tava dormindo na rua e agente precisava buscar ele. Aí chegou umaépoca que ele não tava mais agüentando. Atéálcool puro ele tava bebendo. Nem a bebida tavamais satisfazendo ele. (Ana – Família 1)

Outra, embora reconheça que o alcoolismo é uma doença,desconfia que a pessoa faz uso da doença em proveito próprio,sendo o alcoolismo uma forma de se acomodar.

Olha, eu tenho certeza que é uma dependência,mas tem momentos que, como se fala, temaquela pessoa que quer se aproveitar dasituação, também. (Joana – Família 3)

Há também uma família que considera que quemfaz uso do álcool, mas continua realizando seu trabalhonão é um alcoolista.

...ele bebe pinga, mas continua trabalhando.(Da. Maria – Família 4)

Outras famílias desconhecem os determinantesdo alcoolismo acreditando que a pessoa já nascealcoolista ou que a pessoa torna-se alcoolista porvontade própria, desconhecendo ainda que a recaídafaz par te do problema.

É a mãe dele fala que, ele até brinca: ‘Esse aí jábebia quando tava dentro da minha barriga.’ Euachava tão triste ela falar... (Joana - Família 3)Ele ficou um tempo sem beber, mas agoravoltou... Eu não tenho a mínima idéia do porqueele voltou a beber. De repente ele apareceu aquibêbado. Eu imaginei que nunca mais ele fossebeber. (Larissa – Família 2)

Há uma familiar que não sabe discorrer sobre adoença, mas sabe que o alcoolismo prejudica asaúde levando à mor te.

O alcoolismo, a pessoa alcoólica não tem saúde,porque o vício de beber é uma coisa que mata, né?Quantas pessoa que eu já escutei falar que morreude tanto beber. É uma coisa incrível não pode. Abebida mata a pessoa. (Da. Marta – Família 5)

O reconhecimento do alcoolismo como doençarepresenta uma dificuldade tanto para as famílias comopara a sociedade. A idéia do alcoolismo como doençasurge no século XIX quando passa a ser consideradoum problema de saúde pública3.

O conceito de doença do alcoolismo foi proposto apartir de pesquisas clínicas incluindo o indivíduo e o seuambiente, sendo reconhecido pela Organização Mundialde Saúde como uma patologia e, mais recentemente,como Síndrome da Dependência do Álcool12.

Um outro fator de dificuldade do reconhecimentodo alcoolismo como doença é o fato da ingestão debebidas alcoólicas levar a quadros muito diferentescom cursos irregulares e prognósticos variáveis12.

Categoria 3O sofrimento diante do alcoolismoe as relações familiares

O sofrimento das famílias em ter um familiar alcoolistaé muito grande, na maioria dos casos. A fala de umafamiliar sobre o que é o alcoolismo na família ilustra oque realmente representa isso para as famílias, ou seja:só quem passa é que sabe. Verificamos que, quando háa presença de violência, o sofrimento é ainda maior:

Um desastre! Porque só quem passa por issodentro de casa que sabe, né?. Eu já apanheimuito. Uma vez ele tava bêbado, e ele fica tãoirritado que muda, parece que tem outra pessoa.Não é ele. Chegou a derrubar o armário inteirocom lata de arroz, feijão. Minha geladeira elevirou, jogou tudo que tinha dentro pro cachorro.Eu sei que foi um inferno! Mas agora não temnem comparação. (Ana – Família 1)

A violência sofrida pelos familiares e suasrepercussões para os filhos (crianças com dificuldadesna fala, de aprendizagem e relacionamento) sãoalgumas das dificuldades enfrentadas pela família.Também estão presente a frustração e o desgasteemocional diante da constante busca em convencer ofamiliar a se tratar, uma vez que poucos aceitaramalgum tipo de ajuda, ao longo dos anos. Ainda revelaramforte sentimento de vergonha em relação ao familiaralcoolista devido a suas atitudes constrangedoras ecomprometedoras da vida social das mesmas.

É chato, né, menina. Porque você não pode irem nenhuma festa de medo de ele beber, oubater até na frente dos outros ele é capaz, dexingar. É vergonhoso. Os outros ficam vendo elebebendo. (Ana – Família 1)Ele fica gritando, quebrando as coisas, falandopalavrão. Outro dia a Amanda, lá do Projeto veioaqui. Eu morri de vergonha da Amanda. Ela veioaqui e começou a conversar e ele veio ecomeçou a me chamar de minha filha. Aí eufalei pra Amanda: ‘Me desculpa Amanda, maseste senhor é assim mesmo. Todo mundo queele conhece, ele chama de filha..’ É uma coisamuito feia. (Larissa – Família 2)

Ao analisar as relações familiares, constatamos queelas são, na maioria das vezes, conturbadas,principalmente quando eles estão alcoolizados. Trêsesposas entrevistadas sofreram agressões físicas. Elas

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vivem considerando a separação como uma das formasde solução do problema. Há, também, uma grandepreocupação com os filhos, quando eles ainda sãomenores de idade.

Porque ele tava me batendo, me batendo e eutinha medo de ele me machucar, eu reagir eele me machucar porque eu pensava nascrianças.(Ana - Família 1)

Em consequência do alcoolismo, os filhos afastam-se dos pais alcoolistas por medo e vergonha. Tambémexiste o isolamento da família.

...é diferente de antes, porque antes, todo dia,eles, minhas cunhadas vinham aqui e deixavamas crianças. Mas agora, o dia que ele bebe, elasnão deixam mais. Pedem pra eles [crianças]ficarem na creche. (Larissa – Família 2)

Categoria 4As dificuldades dos familiaresem relação ao alcoolismo

Ao analisar as dificuldades das famílias frente aoalcoolismo, encontra-se a violência sofrida pelosfamiliares como o mais grave dos problemas:

Não, ele tinha parado porque eu aprendi a batertambém. Porque ele tava me batendo, mebatendo e eu tinha medo de ele me machucar.(Ana – Família 1)A essa altura já passei por problemas do ladomoral...Ah, eu não sei explicar...Então, avergonha de alguém, se ele tem que fazer elefaz. (Joana - Família 3)

Uma outra grande dificuldade é a repercussão nosfilhos menores, porque são muito afetados. Uma mãerelata que eles ficam amedrontados, nervosos, têmdificuldades na escola e na vida pessoal.

Teve uma época que meus moleques tavam indoruim na escola. Aí a professora me chamava e euabri o jogo com ela. Aí elas começaram a lidarcom eles diferente dos outros, porque elas tavamvendo que o negócio em casa tava prejudicandoeles na escola. Tanto é que eu tenho um molequeque nem fala direito. Ele fala tudo enrolado estede 8 anos. Ele não fala direito, ele precisa de fono.Mas como é corrido. (Ana – Família 1)

Outras repercussões são o nervosismo e a insônia,pois os familiares preocupam-se e não sabem comolidar com a situação. Além disso, existe a dificuldadeem lidar com atitudes do familiar consideradas imorais,tais como o roubo de dinheiro para o uso com bebidas.

É muita dificuldade. Tem dia que a gente nãodorme, fica preocupada. (Márcia – Família 2)

Não, ele pegava, mesmo...Até que eu passei praminha mãe guardar. Até que ele começou a reviraras gavetas dela, também. E aí, num dá. Então, deixalá, recebe, paga o que tem que pagar, comprapasse e vem embora. (Joana - Família 3)

Os fami l iares ainda enfrentam a recusa nareal ização de outros tratamentos médicosreforçando o uso do álcool:

Ele não quer beber, não toma o remédio dapressão... Ele fala: Péra aí, que eu já sei qual éo meu remédio pra ela abaixar. Vai lá e tomaduas pingas. (Da. Marta – Família 5)

Além de tudo isso, a mesma familiar queixa-se dasua relação conjugal, da vida marido/mulher.

Eu tô sofrendo f i lha, nessas par te eu tôsofrendo. À noite eu quero dormi e falo: eu játive doze filhos com você e... que você quermais? Então, já que você gosta da sua pinga,então você fica com a sua pinga e eu ficodescansando! Porque agora, eu tô velha euquero descansar. (Da. Mar ta – Família 5)

Atualmente existe uma grande preocupação sobreas diferentes formas de violência doméstica, bem comosuas relações com o uso, abuso e dependência doálcool uma vez que esse vem crescendo entre apopulação. Tais problemáticas não afetam apenas oscasais, mas crianças e adolescentes, comprometendoo bem estar físico e psicológico da família12.

Diante desses resultados consideramos que arede de apoio socia l ser ia de fundamentalimpor tância para essas famílias.

Categoria 5A rede de apoio social à família

A rede social é um sistema composto por váriosobjetos sociais (pessoas), funções (atividades dessaspessoas) e situações (contexto), que oferece apoioinstrumental e emocional à pessoa, em suas diferentesnecessidades13. Apoio instrumental é entendido comoajuda financeira, ajuda na divisão de responsabilidadesem geral e informação prestada ao indivíduo. Apoioemocional, por sua vez, refere-se à afeição, aprovação,simpatia e preocupação com o outro e, também, a açõesque levam a um sentimento de pertencer ao grupo.

Entre os recursos oferecidos destacam-se as redesde saúde, as agências sociais, as instituições civis, asassociações familiares, os centros comunitários, gruposde cultura, educação, lazer e esporte. Os grupos têmcomo principal objetivo o fortalecimento da auto-estima,da criatividade, da independência, da autonomia e dasocialização, favorecendo um caráter sócial interativo14.Na área do alcoolismo, identificam-se os grupos de

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auto-ajuda AL-Anon e Alateen (para familiares e filhosde alcoolistas, respectivamente) como impor tantesfontes de apoio à família.

Os recursos sociais de apoio entre os serviços desaúde que as famílias entrevistadas mais utilizam é aUnidade de Saúde da Família. Assim falam:

A gente procura o médico, o posto. O posto aquie aquele lá de cima. (Ana - Família 1) Eu uso o postinho família, pronto socorro, SantaCasa. (Larissa - Família 2)...Olha gente, abaixo de Deus pra mim, essaturma, essa equipe é o anjo de Deus na terra.(Joana - Família 3) A í eu pegue i meu mar ido, ar r umo umcarro. Aí eu fui lá no postinho, lá em cima.(Da. Mar ta - Família 5)

Por tanto, constata-se que a maioria das famílias,quando questionadas sobre os recursos que utilizam,não citou uso de quaisquer recursos, seja da saúdeou de grupos de apoio para ajudá-las noenfrentamento do alcoolismo. Esses dados tornam-sepreocupantes uma vez que estudos têm assinalado aimpor tância da rede social e do apoio social comoelementos significativos na manutenção da saúde15.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Referências

Ao considerar o que nossa aproximação às famíliasde alcoolistas trouxe, deve-se assinalar primeiramenteo enorme sofrimento e as sérias repercussões queesse problema traz para a família, o que nos leva àreafirmação de que este é um grave problema de saúdeque deve ser enfrentado pela sociedade.

Ao analisar os problemas que as famílias vêmenfrentando, verifica-se que, embora elas apresentemdificuldades financeiras, o alcoolismo constitui-se no maiorproblema para a maioria delas, afetando toda a família, oque vem reforçar os achados encontrados na literatura.

As famílias também demonstraram poucoconhecimento sobre o alcoolismo, desconhecendo

conceitos impor tantes para a compreensão destadoença/síndrome e de seu tratamento, o que leva àidentificação da necessidade de receberem maioresinformações sobre o alcoolismo e o seu tratamento.

Quanto às relações familiares, verifica-se que elassão, na maioria das vezes, conturbadas. Os filhosafastam-se dos pais alcoolistas por medo e vergonha,algumas esposas estão sempre considerando apossibilidade de separação como única forma desolucionar o problema, relatando também que háprejuízos para a vida conjugal. Ainda constata-se quea maioria das famílias evita falar do alcoolismo com osdemais familiares isolando-se diante do problema. Osfamiliares revelaram também um forte sentimento devergonha em relação ao familiar alcoolista devido asuas atitudes constrangedoras, o que comprometesobremaneira a vida social das mesmas.

Entre as maiores dificuldades enfrentadas pela famíliaencontra-se a violência sofrida pelos familiares e suasrepercussões sobre os filhos. Também estão presentesa frustração e o desgaste emocional diante da constantebusca em convencer o familiar a fazer o tratamento umavez que poucos aceitaram algum tipo de ajuda, ao longodos anos, e nenhum se encontrava em tratamento.

Diante desses resultados, a rede de apoio social seriade fundamental impor tância para essas famílias.Entretanto, ao se analisar a situação da rede de saúde,encontra-se a precariedade de recursos públicos de saúdena área de atenção ao alcoolismo no município emquestão16, o desconhecimento das famílias sobre osrecursos existentes e a não utilização dos Grupos de Apoiopara famílias e filhos de alcoolistas (Al-Anon e Alateen).

Ainda em relação à rede de saúde, a Unidade de Saúdeda Família é o recurso de saúde mais utilizado pelasfamílias, o que leva ao seu reconhecimento como umaimportante estratégia no enfrentamento do alcoolismo.Finalmente, cabe indagar como o Programa de Saúde daFamília tem trabalhado com o alcoolismo na família.Cer tamente essa é uma questão que necessita seranalisada mais detidamente, em futuras investigações.

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Compreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaCompreendendo o Alcoolismo na Famíl iaFilizola CLA et al

Sobre os Autores

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Recebido em 26/10/2006Reapresentado em 26/11/2006

Aprovado em 29/11/2006

CarCarCarCarCarmen Lúcia men Lúcia men Lúcia men Lúcia men Lúcia AlvAlvAlvAlvAlves Filizes Filizes Filizes Filizes Filizolaolaolaolaola

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos – SP

Camila de Jesus PerónCamila de Jesus PerónCamila de Jesus PerónCamila de Jesus PerónCamila de Jesus Perón

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos – SP

Mariana Montagner Augusto do NascimentoMariana Montagner Augusto do NascimentoMariana Montagner Augusto do NascimentoMariana Montagner Augusto do NascimentoMariana Montagner Augusto do Nascimento

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos – SP

Sofia Cristina Iost PavariniSofia Cristina Iost PavariniSofia Cristina Iost PavariniSofia Cristina Iost PavariniSofia Cristina Iost Pavarini

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos – SP

JJJJJosé Fosé Fosé Fosé Fosé Fererererer nando Pnando Pnando Pnando Pnando Petri l l i Fi lhoetri l l i Fi lhoetri l l i Fi lhoetri l l i Fi lhoetri l l i Fi lho

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos – SP

16. Tagliaferro P, Andrade AS, Filizola CLA. Rede de suporte social parafamílias de usuários com transtorno mental do município de São Carlos.Resumos dos trabalhos apresentados no 13º Simpósio Internacional deIniciação Científica da USP- SIICUSP; 2005 nov 10-11; Ribeirão Preto (SP),Brasil. Ribeirão Preto (SP ): USP; 2005. p.111.

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Resumo

Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Hospital. Pacientes. Saúde Mental.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Hospital. Patients. Mental Health.

Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Hospital. Pacientes. Salud Mental.

HOSPITAL DE CUSTÓDIA: OS DIREITOS PRECONIZADOSPELA REFORMA PSIQUIÁTRICA E A REALIDADE DOS INTERNOS

Hospital of Custody: The Rights Recommended by the PsychiatricReform and the Patients’ Reality

Hospital de Custodia: Los Derechos Preconizados por la ReformaPsiquiátrica y la Realidad de los Internos

Maria Sirene Cordioli Miriam Süsskind Borenstein Anesilda Alves de Almeida Ribeiro

Trata-se de uma pesquisa qualitativa cujo objetivo foi identificar a percepção que internos de um Hospital de Custódia eTratamento Psiquiátrico (HCTP) de Florianópolis, tem sobre a instituição. Os dados foram coletados em 2004, através deentrevistas semi-estruturadas e observação participante. Estes foram analisados estabelecendo-se um paralelo entre osestudos de Goffman sobre instituição total e as normas preconizadas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. A maioria dosentrevistados referiu ser o HCTP um misto de hospital e presídio, de caráter predominantemente custodial. O tratamento e ascondições de funcionamento da instituição também foram questionados pelos internos. A conclusão é de que as condiçõesinstitucionais apresentam-se distantes das consideradas ideais pela Reforma Psiquiátrica, necessitando adequar-se aopreconizado pelo novo paradigma de atendimento ao portador de transtorno mental.

This is a qualitative research whose objective was to identifythe patients’ of a Hospital of Custody and PsychiatricTreatment (HCPT) located in Florianópolis, view on theinstitution. The data were collected in 2004, through semi-structured interviews and par ticipant observation. Theywere analyzed by establishing a parallel between the studiesof Goffman on total institution and the norms recommendedby the Brazil ian Psychiatric Reform. Most of theinterviewees referred to be HCPT as a cross betweenhospital and prison, predominantly of a custodialcharacter. The treatments and the operational conditionsof the institution were also questioned by the patients.The conclusion is that the institutional conditions reveal tobe way different to the ones considered ideal by thePsychiatric Reform, a situation which demands the adaptionof such conditions to the recommendations of the newparadigm on patient care to the mentally-ill.

En el presente ar tículo se desarrolla una investigacióncualitativa cuyo objetivo principal fue el de identificar lapercepción que los internos del Hospital de Custodia yTratamiento Psiquiátrico (HCTP) de Florianópolis, tienen conrelación a la institución. Los datos fueron recolectados en2004, a través de entrevistas parcialmente estructuradas yde la observación participante. Estos datos fueron analizadosestableciendo un paralelo entre los estudios de Goffman sobreinstitución total y las normas preconizadas por la ReformaPsiquiátrica Brasileña. Para la mayor par te de losentrevistados, el HCTP es una mezcla de hospital y prisión,predominantemente de custodia. El tratamiento y lascondiciones de funcionamiento de la institución también fueroncuestionados por los internos. La conclusión a la que sellegó es de que las condiciones institucionales encontradasen el hospital, se encuentran distantes de las consideradasideales por la reforma psiquiátrica, siendo necesario suadecuación a lo preconizado por el nuevo paradigma deatención al portador de trastorno mental.

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INTRODUÇÃO

No contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira, a partirde 1990, verificam-se mudanças significativas no campoda política de saúde mental no Brasil, consolidando aperspectiva de desinstitucionalização, criação e aregulamentação de instrumentos legais relativos àimplementação da rede de serviços substitutivos.

Dessa forma, um conjunto de por tarias e leis,editadas pelo Ministério da Saúde, definem novasexigências em relação à assistência psiquiátricaprestada aos por tadores de transtornos mentaisa,incluindo a adequação das condições físicas dasinstituições de atendimento e tendo como referênciaas regras da vigilância sanitária, a existência de projetoterapêutico, além de uma equipe multidisciplinar edemais mecanismos que garantam melhorias naqualidade assistencial.

Finalmente, em 06 de abril de 2001, foi aprovada aLei Nº 10.216/2001 (1), que dispõe sobre a proteção e osdireitos das pessoas portadoras de transtornos mentaise redireciona o modelo assistencial em saúde mental.Essa Lei define novas exigências em relação à assistênciapsiquiátrica prestada aos por tadores de transtornosmentais, incluindo a adequação das condições físicasdas instituições que prestam atendimento.

Não obstante, os avanços alcançados na legislaçãoe assistência aos portadores de transtornos mentais, atemática da medida de segurança tem sido poucoaprofundada na Reforma Psiquiátrica Brasileira, sendoque os hospitais de custódia, em todo o País, comexceção de uma ou outra unidade, não estão integradosà rede do SUS. Permanece o desafio do fortalecimentoda rede de atenção extra-hospitalar e da capacitaçãodos profissionais da saúde e da Justiça para oredirecionamento da assistência ao “louco infrator”.

Cabe ressaltar que, diferentemente de outrasenfermidades, o transtorno mental se particulariza pelofato de seu portador muitas vezes não se reconhecercomo enfermo e por seu prognóstico figurar como umaincógnita, sem uma temporalidade previsível. Dessaforma, o provimento de cuidado, assim como otratamento ganha contornos impositivos para o doente,que raras vezes colabora, conscientemente, no seuprocesso de recuperação.

No contexto do Estado de Santa Catarina, oprocesso de regionalização e a hierarquização dosserviços de saúde mental têm-se caracterizado poruma construção lenta e complexa. A falta de uma redebásica de assistência eficiente tem gerado situaçõescríticas e, com o aumento da demanda, os hospitaispsiquiátricos encontram-se super lotados. A

repercussão dessa situação se faz sentir, também, noHospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP),instituição onde se desenvolveu esta pesquisa.

O HCTP é um órgão de defesa social e de clínicapsiquiátrica, de atuação estadual. Atende a pessoasportadoras de distúrbios mentais que cometeram algumdelito e, por isso, estão sob custódia, sendo essa a únicainstituição do gênero no Estado. De acordo com oRegimento Interno, seu objetivo é oferecer tratamentopsiquiátrico ao paciente internado, preservar os direitoshumanos e a dignidade do mesmo, bem como garantirqualidade de vida e bom atendimento durante ahospitalização. Visa tratar e recuperar seus internos,buscando reintegrá-los ao meio social e custodiar essesindivíduos que, por determinação judicial, têm umamedida de segurança a cumprir.

No entanto, pouco se sabe acerca de como vivemesses indivíduos nessa instituição, de como é otratamento que recebem e quais as perspectivas quepossuem acerca de seu futuro. Por esse motivo,resolvemos realizar este estudo que tem por objetivoconhecer a percepção que os internos do HCTP têmsobre a instituição e seu funcionamento, tendo porbase as diretrizes da Reforma Psiquiátrica e os estudosde Goffman (2) sobre instituição total. Segundo o autor (2)

uma instituição total pode ser definida como um localde moradia e trabalho, na qual um grande número deindivíduos com situação semelhante, são separados dasociedade mais ampla, por um período de tempoconsiderável, levando uma vida fechada e formalmenteadministrada. Nesse tipo de instituição, todos os aspectosda vida humana são realizados no mesmo local e sobuma única autoridade. As atividades se processam emgrande grupo, com tempo e atividades bem definidas.Sãoconsideradas instituições dessa natureza os asilos, osorfanatos, os hospitais psiquiátricos, as prisões, osmosteiros, as casas de custódia, entre outros.

Trata-se de um estudo relevante em conseqüênciadesse novo paradigma que passou a ser preconizadono país, no tratamento dos doentes psiquiátricos. Éimpor tante conhecer a realidade desses internos afim de propor algumas mudanças no sentido de alcançarum modo de viver mais humano.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipodescritivo-exploratório, realizada no Curso deEspecialização em Atenção Psicossocial, promovidopelo Ministério da Saúde em Florianópolis/SC, no anode 2004. Como já dito anteriormente, o estudo foirealizado no Hospital de Custódia e TratamentoPsiquiátrico (HCTP) de Florianópolis/SC.

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A coleta de dados foi realizada através deentrevistas semi-estruturadas com os internos dainstituição. Na escolha dos participantes, estabeleceu-se os seguintes critérios: estarem compensadospsiquiatricamente, possuírem disponibilidade de tempoe aceitarem par ticipar da pesquisa. Foramselecionados cinco internos, sendo dois com mais decinco anos de internação; dois internos que residemde um a três anos na instituição e um recém admitido.Esta seleção teve por objetivo verificar as percepçõesdos internos de diferentes tempos de internação,procurando dar uma visão mais abrangente à pesquisa.

Além das entrevistas, utilizou-se a técnica deobservação participante, na qual uma das pesquisadorasacompanhou, por um período de uma semana, a execuçãodas atividades diárias dos internos na Instituição. Autilização dessa técnica teve como finalidade confirmaralguns dados obtidos nas entrevistas.

Na coleta de dados, foram respeitados os aspectoséticos, segundo a Resolução 196, de 10 de outubro de1996, do Conselho Nacional de Saúde (3), que aprovouas diretrizes e normas para pesquisa envolvendo sereshumanos. Os internos selecionados foram informadose esclarecidos sobre a pesquisa e lhes foi asseguradoo anonimato, tendo seus nomes substituídos poriniciais que nada tem a ver com seus nomes reais.

Após concordarem em par ticipar do estudo, ospar ticipantes assinaram o termo de consentimentolivre e esclarecido. Ressalta-se que o projeto foiaprovado pelo Comitê de Ética do referido hospital e adireção da instituição contribuiu expressivamente paraa realização do estudo.

Os dados foram analisados, segundo o método deanálise de conteúdo de Bardin (4) estabelecendo umparalelo com os estudos de Goffman (2) sobreinstituições totais, e o Modo Psicossocial: umparadigma das práticas substitutivas ao modo asilarde Abílio da Costa Rosa (5) e de outros autores. A partirda análise dos dados, foram estabelecidas asseguintes categorias: O perfil dos internos; A percepçãodos internos quanto à internação no HCTP, A percepçãodos internos quanto às condições do hospital etratamento recebido no HCTP; A percepção dosinternos na relação com o mundo externo (famílias,licenças e altas); O programa de reintegração socialpara os internos do HCTP; e As sugestões dos internospara melhorar o Hospital.APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Perfil dos internos

O âmbito de atuação do HCTP é estadual, atendepessoas que possuem distúrbio mental e que

cometeram algum delito, e, por isso, estão sob custódia.Essa é a única instituição do gênero no Estado de SantaCatarina. O Hospital conta, atualmente, com 93 leitos,tendo 110 internos.

Conforme pesquisa realizada por Marca (6), aclientela internada do HCTP, em sua maioria, tem nívelsociocultural baixo; 67% dos internos têm o ensinofundamental incompleto e 12%, são analfabetos. Quantoao motivo da hospitalização, 64% dos internos, ou seja,a maioria - cumprem medida de segurança, que vai deum a três anos; 20% aguardam laudo de sanidademental e/ou sentença; 16% são provenientes de outrosestabelecimentos penais e encontram-se internadospara tratamento. Ainda segundo dados dessa pesquisa,35% dos internos já cumpriram a medida de segurançadeterminada, mas permanecem na instituição por faltade apoio sociofamiliar e/ou pela situação de doença.

A faixa etária dos internos varia de 18 a 60 anos deidade, mas está concentrada entre 28 e 32 anos, idadeativa e produtiva para o mercado de trabalho e constituiçãode família; 83% são de etnia branca. Quase metade dospacientes internados, ou seja, 44% são reincidentes, oque demonstra a ineficiência do tratamento na reinserçãosocial dos indivíduos (6). Embora esse estudo tenha sidorealizado em 2001, os dados atuais referentes aos internosse mantêm bastante semelhantes.

A percepção dos internos quantoà internação no HCTP

Quando questionados sobre a internação, ospacientes falam de sua chegada ao Hospital,especialmente aqueles que se encontram há maistempo internados. Porém, alguns não conseguemlembrar muito bem de como ocorreu sua internação:

Eu recordo bem pouco, estava muito perturbado,com sensação de perseguição e assustado. Odiretor falou comigo, então passei pelos peritose foi decidido que eu era irresponsável pelocometido; então fui para o cubículo (VGS).

No caso dos pacientes do HCTP, esses podem serencaminhados para internação por ordem judicial, namaioria dos casos, ou para exame de sanidade mental;em outros casos, diretamente para o cumprimento damedida de segurança, sendo que nem sempre sãoinformados de que ficarão no Hospital e qual o tempo depermanência. Isso pode ser observado na fala a seguir:

Quando eu cheguei aqui, passei por uma médica;eu pensei que era só uma consulta, mas ela mesurpreendeu dizendo que tinha de ficar. Foi umchoque, porque já estava bom, estavatrabalhando (JSL).

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A percepção dos internos quantoàs condições do hospital etratamento recebido no HCTP

Quando os internos foram questionados a respeitoda qualidade de vida e das condições oferecidas peloHospital, eles manifestaram:

Alimentação e higiene são muito precárias; ovestuário e calçado, numa cer ta época, forammelhores, mais bem cuidados (VG).

A alimentação tá ruim, em termos dequantidade. A higiene tá péssima, tá faltandomaterial (JEM).

Calçado eu não tenho, só tenho um chinelo queo responsável pela rouparia me deu, mas agora,no inverno, eu vou precisar de uma blusa (JSL).

Uma vez internado, o paciente é despojado de todosseus objetos pessoais e a instituição passa a providenciarpelo menos algumas substituições, porém de formapadronizada. É o caso do uniforme, claramente marcadocomo per tencente à instituição. Um outro aspecto aressaltar é que cada fase da atividade diária do pacienteé realizada na companhia imediata de outro grandegrupo, ocorrendo a perda da privacidade, tudo passa aser coletivo, impessoal, massificado (2).

Em um estudo realizado no Hospital de Custódia eTratamento Psiquiátrico na Bahia (7), onde se buscourealizar um censo clínico e psicossocial dos pacientesinternados, verificou-se situação ainda pior das relatadaspelos internos do HCTP, parecendo que as realidadesdos hospitais de custódia no país são muito semelhantes.

No que se refere ao tratamento prestado pelosprofissionais no HCTP, os pacientes referiram ter boarelação com os mesmos, no entanto, fizeram ressalvasquanto à periodicidade dos atendimentos médicos emuitas críticas quanto à atuação dos agentesprisionais. Estes últimos, por vezes, substituem osauxiliares de enfermagem, e nem sempre estãopreparados para desempenhar essas funções, que sãoespecíficas da profissão de enfermagem. A contrataçãode pessoal de enfermagem nem sempre é vista comouma necessidade, exatamente porque a instituição temdupla função de tratar e de aprisionar, confundindoalgumas vezes as autoridades que têm poder dedecisão no recrutamento e contratação de pessoal.

Essa dupla ver tente dos hospitais de custódia éidentif icada por alguns autores como sendoresponsável pelo caráter ambíguo da instituição e dosprofissionais de saúde nela inseridos. Parece contribuirpara as limitações técnicas do Hospital. Outra questão,identificada como “problemática” dos hospitais de

custódia como instituição que visa tratar os doentes enão punir, refere-se aos longos períodos de internaçãodos pacientes. Nessa direção, estudos anteriormenterealizados no HCTP indicam dificuldades decorrentesdas questões acima citadas: “o Hospital tem sidotratado pela Secretaria de Justiça e Cidadaniab comouma unidade prisional” (6).

Quanto ao uso de medicação, os pacientes referiram:

A medicação me deixa bem, mas o motivo aindanão conversei com o médico. Talvez eu tenhaconversado, não lembro (EO).

Tomo remédio só à noite; eu acho que tenhodepressão (JSL).

Tomo Haldol® e Neozine®; eu sofro de paranóia (JEM).

Observa-se que um grande número de internosutil iza psicofármacos. Atualmente, o modelopsicossocial de assistência leva em consideração osfatores políticos e biopsicossociais culturais comodeterminantes dos transtornos mentais. Seus meiosbásicos de tratamento são as psicoterapias, aslaboterapias, as socioterapias e um conjunto amplode dispositivos de reintegração sociocultural. A literaturanos mostra que, além da medicação, muitas vezesindispensável, é necessário que se dê maior valor àlinguagem expressa pelo doente mental, pois atravésdela revelar-se-ão os conceitos que ele tem de si mesmoe do mundo ao seu redor. O mundo das palavras cria edá significado ao mundo das coisas, proporcionando umnovo viver para esse doente e seus familiares (5).

Além das consultas médicas e do tratamentomedicamentoso, o HCTP tem oferecido algum tipo de lazeraos internos, conforme pode ser visto através de suas falas:

Muitas vezes alguém vai lá, pega o baralho, daípronto, não dá mais pra ninguém jogar; aí ficaesperando, fazendo fila para jogar baralho. Amesa de ping-pong também não tem mais,acabou. Acho que deveria ter mais coisas (JSL).

Na minha opinião, deveria ter mais atividades,como reunião de grupo. Me sinto muito bemquando faço alguma coisa de lazer, gosto deme manter ocupado (EO).

Me sinto legal, porque passa o tempo rapidinho (JEM).

Fazer algo que se gosta e do qual se obtém prazer éaltamente saudável, e esse parece ser um dos últimoselos a se romper no doente mental em relação ao mundocomo um todo. Entretanto, nessas instituições, o comumé o predomino do ócio, a falta de atividades sistemáticas,de pessoal qualificado para desenvolver as atividades erecursos relacionados. Em geral, os doentes passam odia todo deitados no chão e pouco comunicam entre si(7).

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A percepção dos internos na relação com omundo externo (famílias, licenças e altas)

A persistência de um quadro clínico psiquiátricodescompensado e a ineficácia da intervenção tendema cronificar o por tador de transtorno mental. Odistanciamento prolongado, a falta de convívio diretoentre o doente e sua família leva-o a perder seu espaçono âmbito familiar (8). Na maioria dos casos, é a famíliao elo mais forte entre o paciente e o seu meio social,na qual este poderá buscar o apoio para seu retornopara casa. Por isso, as visitas, os contatos comfamiliares são muito valorizados, conforme pode serevidenciado nas falas dos entrevistados:

A minha família sempre me ajudou, mas agoraeles estão querendo me ajudar ainda mais,porque sabem que eu vou precisar delesrealmente quando eu sair daqui. A hora que eufor embora, para casa, eu vou precisar deles,assim, de uma maneira bem forte (EO).

Para os internos do HCTP, a possibilidade de altacausa grande ansiedade. Em primeiro lugar, sualiberação deve ser dada pelo juiz e geralmente o pacientenão tem conhecimento do tempo que isso poderá levar.Em segundo lugar, acontece o enfrentamento da novasituação. Os vários anos de internação, o distanciamentocom a família vão exigir uma nova aprendizagem deconvivência fora do hospital.

O que tem contribuído para a reinserção social deum grupo de pacientes é a vinculação dos mesmosao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS),possibilitando sua integração à rede de apoio em saúdemental, imprescindível por ocasião da alta. Através dasfalas dos pacientes, pode-se constatar como évivenciada por eles a perspectiva de retorno para casa,seus medos e onde devem procurar ajuda:

Pretendo sair do Hospital. Eu tenho uma vontademuito grande, mas ao mesmo tempo tenhoreceio, tenho medo. Hoje se for para eu dar umpasso pra frente, dar um passo em falso, euprefiro estar como eu estou. Eu tenho apoio láfora, no CAPS, relacionamentos com pessoasimpor tantes no meio da sociedade, par ticipodo Conselho Municipal da Saúde, dasConferências. Não tem possibilidades de euvoltar para minha casa, para a cidade deorigem, porque não existe um clima agradável,depois do que aconteceu comigo fica difícil (VGS).

O que mais quero é sair do Hospital. Eu vejoque tenho condições de sair, trabalhar. Atéporque foram me buscar lá fora; já estavaorganizada minha vida (JSL).

Seguramente os CAPS (9,10), é que têm atualmentedado sustentação aos pacientes egressos dos hospitaispsiquiátricos e aqueles que vivem em instituições comoo HCTP, entre outros. O processo de reabilitação já vemcausando efeito na vida desses indivíduos. Esses CAPSviabilizam autonomia dos que par ticipam dele,possibilitam a ampliação nas relações, na vida afetiva,social e econômica. Nesse serviço, os doentes costumamrealizar consultas médicas e par ticipar de gruposterapêuticos, realizando inclusive atividades laborativas.

O programa de reintegração socialpara os internos do HCTP

O processo de reinserção social do por tador detranstorno mental com um longo período de internaçãoé complexo. O manicômio tem as características deuma instituição total que, segundo Goffman(2), secaracteriza por ter controle das atividades e da vidado indivíduo por meio do domínio sobre a suaindividualidade e seu tempo.

Os objetivos da desinstitucionalização são: eliminaros meios de contenção, restabelecer a relação doindivíduo com o próprio corpo, reconstruir o direito e acapacidade de uso dos objetos pessoais, abrir as portas,produzir relações, espaços e objetos de interlocução,liberar sentimentos, restituir os direitos civis, eliminandoa coação, as tutelas judiciais e o estatuto dapericulosidade; e reativar uma base de rendimentos parapoder ter acesso aos intercâmbios sociais (11).

O Ministério da Saúde está lançando o Programade Volta para Casa, atendendo o dispositivo da Lei Nº10.216/2001 (1), no seu artigo 5º, que determina queos pacientes há longo tempo hospitalizados, para osquais se caracterize situação de grave dependênciainstitucional, sejam objetos de política específica dealta planejada e reabilitação psicossocial assistida (1).O objetivo é a inclusão social de pacientes e a mudançado modelo assistencial em saúde mental, comampliação do atendimento extra-hospitalar ecomunitário. Esse Programa vem incentivar aorganização de uma rede ampla e diversificada derecursos assistenciais e de cuidado, principalmenteassegurar um meio eficaz de supor te social eeconômico aos pacientes e familiares.

A integração do Hospital com a rede de apoio sedá através dos CAPS ou programas de saúde mentaldos municípios, para onde são encaminhados ospacientes com alta. Com o apoio da Coordenaçãode Saúde Mental do Estado, já estão sendo feitosencaminhamentos necessários para a inclusão depacientes no referido Programa.

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As sugestões dos internospara melhorar o Hospital

Ao se pensar o Hospital como instrumento terapêutico,tem-se a idéia de participação, de liberdade. O processosaúde/doença mental deve ser entendido a partir de umaperspectiva contextualizada, em que a qualidade e modode vida são determinantes para a compreensão do sujeito,sendo de importância fundamental vincular o conceito desaúde ao exercício de cidadania.

Iniciativas da Coordenação de Saúde Mental doMinistério da Saúde, junto à área da Justiça, temprocurado construir uma política para os hospitais decustódia que atenda as determinações da Lei N° 10.216/2001(1), incluindo definitivamente a questão do doentemental infrator no campo da reforma psiquiátrica.

Acredita-se que esse processo poderá levar a umaadequação do HCTP às exigências preconizadas pelareforma psiquiátrica (espaço físico adequado, projetoterapêutico, equipe multiprofissional, oficinas detrabalho, licenças para saídas, educação e formaçãoprofissional), atendendo as expectativas dos internos.

No caso específico do HCTP; é importante conheceras sugestões que os internos apresentam paramelhorar a qualidade da assistência prestada:

Que as pessoas que trabalham no Hospital seconscientizassem. Hoje, com a ReformaPsiquiátrica lá fora, as pessoas estão olhandopor outro lado. Mudar o espaço físico; deveriater salas para oficinas, terapia; mudar o pátioque é um porão (VGS).

Há excesso de pacientes. A assembléia dospacientes deve ter mais força. O atendimentojurídico deveria ser mais rápido. Deveria ter umcampo de futebol, atividades em oficinas, comojá teve, mas com uma sala específica (JEM).

Melhorar a alimentação, mais respeito dosagentes prisionais, atendimento mais freqüentepela assistente social, psicóloga (RRR).

Mais atividades e os agentes prisionais seremtrocados por enfermeiros qualificados. Que asreuniões dos grupos fossem semanais (JSL).

Ressalta-se que as oficinas de trabalho podemviabilizar ao interno a qualificação necessária para aocupação de cargos quando retornar ao convívio social.Além disso, é fundamental para que o interno sinta-seútil e importante como ser humano. Mas para que volteao convívio social mudado e exerça uma atividadeprodutiva é preciso que a sociedade compreenda queempregar um por tador de transtorno mental é umato de cidadania e não de caridade (12).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste trabalho, procurou-se conhecer aevolução da produção no campo teórico e legislativoacerca da reforma psiquiátrica, bem como as normaspreconizadas pelo Ministério da Saúde para ofuncionamento das unidades hospitalares empsiquiatria, estabelecendo um paralelo com arealidade vivenciada no HCTP. Através das entrevistasrealizadas com os pacientes, conheceu-se melhoressa realidade. Pela palavra, descobre-se que assimcomo temos nossas concepções sobre doença mental ede como se pode tratá-la, os doentes mentais tambémas têm, ao seu modo. O estabelecimento do diálogo écondição fundamental para que o “louco” se tornecidadão. Por isso, nada mais importante do que ouvir afala de quem está diretamente implicado com aInstituição. De um lado, o interno; de outro, o profissionalque desenvolve seu trabalho no hospital e que, de algumaforma, interage com o portador de transtorno mental.

Ao concluir o trabalho, pode-se considerar: o HCTPé uma instituição predominantemente custodial, naqual o tratamento e suas condições de funcionamentosão questionados pelos pacientes.

A área, do ponto de vista terapêutico, não podeser considerada condizente com os objetivos propostosna Lei N° 10.216/2001 (1) que define os direitos dapessoa portadora de transtorno mental, bem comonão atende as normas preconizadas pelas Portariasministeriais n° 224/92 e n° 251/02 (13). O espaço físicoé pequeno para atender a demanda de pacientes epericiados. A estrutura, que data dos anos 1970, éantiga e precária para a realidade atual.

Com o aumento da população catarinense,automaticamente a demanda de pacientes quasetriplicou no HCTP. Em 1971, a média era de 45pacientes internados, hoje gira em torno de 114.Considerando que só existem 93 vagas, muitas vezes,pacientes são acomodados no chão – paciente/chão,fato totalmente incompatível com uma instituiçãohospitalar. O Hospital não conta com salas apropriadaspara as atividades de oficinas terapêuticas, conformeé previsto na legislação. Embora se procure envolveros pacientes em atividades laborativas – limpeza dasenfermarias, pátios, rouparia e refeitório – são insuficientes,contribuindo para a total ociosidade da maioria dosinternos e diminuindo as chances de reinserção social.

Quanto aos recursos humanos, ao invés de ter umaumento expressivo, houve redução no quadro deprofissionais. O Hospital carece de terapeutaocupacional e nutricionista, profissionais que deveriamintegrar a equipe. Embora com uma série delimitações, os profissionais têm procurado atuar comoutros recursos além da medicação: reuniões com

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Referências

pacientes, trabalho, atividades extra-hospitalar. Noentanto, não são suficientes para satisfazer asnecessidades dos internos.

Verifica-se que a temática da medida de segurançafoi pouco aprofundada na Reforma PsiquiátricaBrasileira e o HCTP, como os demais hospitais dessanatureza, ficaram à margem das mudançaspreconizadas pelos novos paradigmas no atendimentoao portador de transtorno mental. Foi referendada noRelatório da III Conferência de Saúde Mental (14) anecessidade da reforma psiquiátrica ser norteadora daspráticas psiquiátricas forenses. Também foi enfatizadaa necessidade da questão do manicômio judiciário ser

discutida junto às diferentes áreas envolvidas - legislativa,previdenciária, saúde mental, direitos humanos - com oobjetivo de buscar formas de garantir o direito dopor tador de transtorno mental infrator àresponsabilidade, à inserção social e a uma assistênciadentro dos princípios do SUS e da reforma psiquiátrica.

Nos últimos dois anos, o Ministério da Justiça vemtomando iniciativas no sentido de construir, junto àárea da saúde, uma política para os hospitais decustódia e tratamento psiquiátrico que atenda asdeterminações da Lei Nº 10.216/2001 (1). Trata-se, semdúvida, de um importante passo para a consolidaçãoda Reforma Psiquiátrica Brasileira.

1. Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e osdireitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionao modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da RepúblicaFederativa do Brasil, Brasília (DF), 06 abr 2001; Seção 1: 2.

2. Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. 4ª ed. São Paulo(SP):Perspectiva; 1992.

3. Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 196 de 10 de outubro de1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendoseres humanos. Brasília (DF): Conselho Nacional de Saúde; 1996.

4. Bardin L. Análise de conteúdo. 3a ed. Lisboa (PO): Ed 70; 2004.

5. Costa-Rosa A. O modo psicossocial: um paradigma das práticassubstitutivas ao modo asilar. In: Amarante P, organizador. Ensaios:subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro (RJ): FIOCRUZ; 2000.

6. Marca LA. Perfil dos internos do Hospital de Custódia e TratamentoPsiquiátrico de Florianópolis/SC [monografia de conclusão de curso].Florianópolis (SC): Faculdade de Serviço Social/UFSC; 2001.

7. Pitta AMF, Rabelo AR. Relatório do censo clínico e psicossocial do Hospitalde Custódia e Tratamento do Estado da Bahia. Salvador (BA); 2004.

8. Rosa LCS. Transtorno mental e o cuidado na família. São Paulo (SP):Cortez; 2003.

9. Ribas DL, Borenstein MS. CAPS-Florianópolis: uma experiência degrupo com clientes psicóticos fora dos muros do manicômio, durantedez anos. Rev Bras Enferm 1999 abr/jun; 52(2): 179-88.

10. Marzano MLR, Souza CAC. O espaço social do CAPS comopossibilitador de mudanças na vida do usuário. Texto&Contexto Enferm2004 out/dez; 13(4): 577-84.

11. Dias MTG. Manicômios: sua crítica e possibilidade de superação.In: Puel E, Ramison MD, Brum MCFM, May MP, Dias M, Silva TJ,organizadores. Saúde mental: transpondo as fronteiras hospitalares.Porto Alegre (RS): Dacasa; 1997.

12. Oliveira LH, Miranda CMI. A instituição psiquiátrica e o doentemental. Esc Anna Nery Rev Enferm 2002 abr; 4(1): 95-103.

13. Ministério da Saúde (BR). Legislação em saúde mental 1990-2002. 3a ed. Brasília (DF); 2002.

14. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Assistência à Saúde. RelatórioFinal da 3ª Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília (DF); 2001.

a Na literatura sobre saúde mental, dependendo do momento histórico,encontram-se termos, tais como louco, alienados, doentes mentaispara designar a pessoa que sofre de algum transtorno mental.Atualmente, o termo aceitável é o de portador de sofrimento psíquico,por não terem sido esclarecidas ainda as possibilidades de ocorrênciado fenômeno da doença mental e suas determinantes.b Até o ano de 2003 o Hospital estava vinculado a Secretaria de Justiçae Cidadania, passando, posteriormente, a ser subordinado daSecretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.c Haldol® e Neozine® – psicofármacos indicados para casos detranstornos psicóticos.

Sobre as Autoras

Notas

Recebido em 05/04/2006Reapresentado em 15/08/2006

Aprovado em 19/10/2006

Maria Sirene CordioliMaria Sirene CordioliMaria Sirene CordioliMaria Sirene CordioliMaria Sirene Cordioli

Assistente Social do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico(HCTP). Conselheira do Conselho Regional de Assistentes Sociais da12ª. Região/SC.

Miriam Süsskind BorensteinMiriam Süsskind BorensteinMiriam Süsskind BorensteinMiriam Süsskind BorensteinMiriam Süsskind Borenstein

Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da UniversidadeFederal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em Filosofia da Enfermagem(UFSC). Coordenadora do Grupo de Estudos de História doConhecimento da Enfermagem (GEHCE). Pesquisadora do CNPq.

Anesilda Alves de Almeida RibeiroAnesilda Alves de Almeida RibeiroAnesilda Alves de Almeida RibeiroAnesilda Alves de Almeida RibeiroAnesilda Alves de Almeida Ribeiro

Mestre em Enfermagem pela UFSC. Membro do GEHCE e da Diretoriada Associação Brasileira de Enfermagem Regional Itajubá (MG) –Gestão 2004/2007.

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O Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosPinto G et al

Resumo

Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Apoio Social. Institucionalização. Direitos Humanos. Saúde Mental.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Social Suppor t. Institutionalization. HumanRights. Mental Health.

Palabras clave: Palabras clave: Palabras clave: Palabras clave: Palabras clave: Apoyo Social. Institucionalización. DerechosHumanos. Salud Mental.

O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DE DETENTOS:PERSPECTIVAS DE REABILITAÇÃO E REINSERÇÃO SOCIALa

The Institutionalization Process of Detainees:Perspectives in Social Rehabilitation and Reintegration

El Proceso de Institucionalización de Detenidos:Perspectivas de Rehabilitación y Reinserción Social

Guaraci Pinto Alice Hirdes

Esta pesquisa tem como objetivo identificar os principais fatores que convergem para a institucionalização de detentos reincidentese estabelecer ações para interferir favoravelmente nesta realidade. A metodologia utilizada é de natureza qualitativa, realizada atravésde 10 entrevistas semi-estruturadas com apenados em um presídio de médio porte do norte do RS, em 2005. Os resultadosapontam para a importância dos mecanismos protetores dos apenados, aqueles fatores que convergem para a não-institucionalização:a família, o emprego ou ocupação dentro da cadeia, a vontade de reabilitar-se, a não-identificação com a identidade criminal. Osapenados que possuem uma maior tendência à institucionalização são os que possuem traços psicopáticos, história familiar deabandono, valores absorvidos do meio, história pregressa de passagens por instituições de custódia, perda de vínculos familiares,carreira criminal prévia e ausência de prospecção. Concluí-se considerando a necessidade de criação de penas alternativas para oscrimes de menor monta, assim como de um trabalho de intervenção precoce para os detentos em processo de institucionalização.

This research aims at identifying the main factors that lead tothe institutionalization of reoffenders and to establish actionsto favorably interfere in this reality. The methodology usedwas of qualitative nature, trough 10 semi-structuredinterviews made with convicts in a prison in the north of RioGrande do Sul state, in 2005. The results pointed out theimportance of convicts’ protection mechanisms, factors thatlead to the non-institutionalization, such as the family, a job oroccupation in the prison, their will to rehabilitate, and theirnon-identification with the criminal identity. The convicts thatare prone to institutionalization are the ones who havepsychopathic traits, have been abandoned by their families,have absorved values in their environment, have a previoushistory of time spent into custody, have lost family ties, havehad a previous criminal career, or have no prospects. As aconclusion, we consider the need to establish alternativepunishment for petty crimes as well as precocious interventionwork for convicts in an institutionalization process.

Esta investigación tuvo como objetivo identificar los principaleshechos que convergen para la institucionalización de detenidosreincidentes y establecer acciones para inferir favorablementeen esta realidad. La metodología es de naturaleza cualitativa,realizada a través de 10 entrevistas semiestructuradas condetenidos en un presidio de mediano porte del norte del RioGrande do Sul, en 2005. Los resultados apuntan para laimportancia de los mecanismos protectores de los detenidos,aquellos factores que convergen para la no-institucionalización:la familia, el empleo u ocupación dentro de la cárcel, la voluntadde rehabilitarse, la no identificación con la identidad criminal.Los detenidos que poseen una mayor tendencia a lainstitucionalización son los que poseen trazos psicológicos,historia familiar de abandono, valores absorbidos del medio,historia de pasajes anteriores por instituciones de custodia,pérdida de vínculos familiares, carrera criminal previa y ausenciade prospección. Concluimos considerando la necesidad decreación de penas alternativas para los crímenes de menormonta, así como, un trabajo de intervención precoz para losdetenidos en proceso de institucionalización.

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O Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosPinto G et al

INTRODUÇÃO

O Brasil possui hoje uma população carcerária deaproximadamente 250.000 detentos e apresenta umdéficit prisional da ordem de 63.000 vagas. O índicede reincidência tem ultrapassado a casa dos 80%.Dadas as condições subumanas de encarceramento,a prisão neutraliza a formação e o desenvolvimentode valores humanos básicos, contribuindo para aestigmatização, despersonalização e prisionização dodetento, funcionando na prática como um autênticoaparato de reprodução da criminalidade1.

O presídio é definido como uma instituição total2,como um lugar onde grupos de pessoas sãocondicionadas por outras pessoas, sem terem a menorpossibilidade de escolher seu modo de viver. Fazerparte de uma instituição total significa estar à mercêdo controle, do julgamento e dos planos de outros,sem que o interessado possa intervir para modificar oandamento e o sentido da instituição. As instituiçõestotais controlam a conduta humana, um controle queé inerente à institucionalização como tal, e estabelecemecanismos de controle social2.

O período de detenção, ou seja, a cadeia como tal,pode modificar a personalidade do detento, deixandonele seqüelas psíquicas irreversíveis ou, na melhor dashipóteses, temporárias2. No momento em que ospor tões se fecham e os detentos vêem-se rodeadosde muros e grades, os seres humanos perdem suaidentidade. Sentem-se exclusos do resto do mundo apartir desse momento, sendo atingidos por processodesumano, de forma a não terem mais direito sobresi mesmos, sendo manuseados da maneira como ainstituição rege, levando-os a um processo dedespersonalização.3 No momento em que se retira dohomem sua dignidade, ele passa a responder a essaviolência, animalizando-se. Ou seja, quando suadignidade lhe é negada ou roubada, ele se torna objetode um processo de animalização que tenta descredenciá-lo como ser humano, bem longe de seu querer. Essenovo estado transforma-se na sua única opção4.

A prisão agrava as tendências anti-sociais e criano preso um espírito hostil e agressivo contra qualquerforma de autoridade e de ordem. Há descompromissoético por par te da sociedade que, enquanto pune ocriminoso, política e socialmente, não tem sepreocupado em encontrar soluções educativaseficientes para ele; a prova está na populaçãocarcerária que aumenta ano a ano5.

A pesquisa se justifica pela necessidade de intervirnesta realidade que muitos detentos vivenciam - ainstitucionalização – a qual acarreta um elevado custo

social e degrada os direitos humanos. Os detentosnecessitam de intervenções humanizadoras capazes decondicionar um ambiente propício à reeducação, reabilitaçãoe reinserção social. O estudo é relevante, entre outrosaspectos, para avaliarmos as reais possibilidades dereinserção social do detento institucionalizado.

A importância deste estudo está no fato de que apesquisa poderá: inserir o acadêmico de Enfermagemnessa realidade, possibil itando a aquisição deconhecimentos e prática, capacitar os profissionais daárea da saúde e especificamente da Enfermagem paraa utilização desta tecnologia no campo criminal,fomentar mudanças institucionais, subsidiar aimplantação de políticas públicas orientadas para asdemandas e necessidades nessa área.

OBJETIVOS

Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivos: (1)identificar os principais fatores que convergem para ainstitucionalização de detentos reincidentes; e (2) estabelecerações para interferir favoravelmente nessa realidade.

METODOLOGIA

Este trabalho foi desenvolvido em um presídio demédio porte da região norte do Rio Grande do Sul, em2005. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, atravésda aplicação de um instrumento semi-estruturado.Após a testagem do instrumento, foram entrevistados10 detentos considerando-se os seguintes critérios naseleção dos mesmos: ser apenado reincidente oupossuir uma história de detenção superior a 5 anos;apresentar adesão voluntária às entrevistas edisponibilidade de par ticipar da pesquisa. Após aseleção dos detentos, a pesquisa foi submetida aindaao parecer do diretor do presídio. Esse procedimentojustif ica-se em razão de a clientela em estudopertencer a um grupo considerado institucionalizadoe vulnerável. Uma explicação preliminar foi dada aoindivíduo e se insistiu no fato de que sua participaçãono estudo foi condicionada pelos resultados daentrevista inicial, e esta só se realizou depois dele terdado o seu consentimento por escrito.

Quanto à análise, foi percor rido o método 6:::::ordenação, classificação e análise final de dados. Aordenação dos dados consiste na transcrição de fitas-cassete; releitura do material; organização dos relatosem determinada ordem, de acordo com a propostaanalítica. A classificação dos dados foi operacionalizadaatravés da leitura exaustiva e repetida dos textos.Através desse exercício, fez-se a apreensão das“estruturas de relevância” a partir das falas dos sujeitos

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do estudo. Nessas estão contidas as idéias centraisdos entrevistados. A partir das estruturas de relevância,foram identificadas as áreas temáticas. A análise finalpermitiu fazer uma reflexão sobre o material empíricoe o analítico, num movimento incessante que se elevoudo empírico para o teórico e vice-versa.

Os entrevistados encontram-se identificados no textopela letra “A” e pelo número da entrevista (exemplo:A1, A2....). Foram respeitados os aspectos éticosreferentes à pesquisa com seres humanos, conformedetermina a Resolução no. 196/96 7 e a Declaração deHelsinque. Os apenados assinaram um termo deconsentimento livre e esclarecido, no qual explicitou-seo objetivo principal da entrevista. A pesquisa foisubmetida e aprovada pelo Comitê de Ética Institucionalda Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai edas Missões, sob o protocolo nº 020 – 1/THC/05.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Na análise dos dados, identificaram-se quatro áreastemáticas: o trabalho como possibil idade dereabilitação e reinserção social; o detento, a sociedadee o estigma; o detento e a família; e os fatores queconvergem para a institucionalização.

O trabalho como possibilidadede reabilitação e reinserção social

Nesta área temática, aborda-se o trabalho comopossibilidade de reabilitação e reinserção social. Dentroda prisão onde foi realizada esta pesquisa, os detentostêm oportunidade de trabalho através de uma fábrica decalçados que emprega aproximadamente 80 apenados.Estes recebem pelo trabalho exercido, e a cada três diasdiminuem um dia da pena. Os apenados acreditam queo trabalho possa ser o elo entre a cadeia e a reinserçãona sociedade, uma reinserção não criminal.

Preso nós nos encontramos atrás da porta, atrásda porta a gente não tem nada a adquirir. Mas, nomomento, em que a gente tiver trabalhando nafábrica a gente tem uma própria profissão (A 8).

O trabalho faz a requalificação do ladrão para operáriodócil. Para que esse processo aconteça, é indispensávela utilização de uma retribuição pelo trabalho penal, queimpõe ao detento a forma “moral” de salário comocondição de sua existência. O salário faz com que seadquira “amor e hábito” ao trabalho, carregando comesta prática uma forma válida de avaliação do detentoquanto ao progresso de sua regeneração 4.

Não está pensando em nada, só trabalhar eajudar os filhos que é o único ganho que temaí, não ganha nada de auxílio. Só depende desse

dinheiro que eu pego aí para ajudar os filhos narua. E é por aí o caminho, tem que lutar no dia-a-dia se quer, se não vai ficar sempre aí (A 5).

Na perspectiva antropológica8, a prisão possibilitaum intervalo para a reflexão, porém uma reflexãoviciada, que conduz muito mais à volta, a ponto de aunanimidade dos presos apontar como uma vantagemdo trabalho prisional a ocupação do tempo, de outraforma aplicado em “pensar bobagens”. Isto se originada falta de perspectivas, ou seja, de projetos queconstruam alicerces para a vida futura.

É, pensa muita coisa atrás da porta. Os carasque estão atrás da por ta tem mais problemacom a administração do que os outros. A maioriaprocura trabalhar pra não acontecer isso (A1).

O trabalho na prisão pode não fugir e, certamente,não foge às características que assolam o mundo dotrabalho no Brasil, de uma maneira geral. Mas, o queacaba se descortinando é um quadro que se assemelhaa uma ética do trabalho, porque ali o trabalho apareceno nível das representações coletivas, como um valoruniversal que distingue todos os homens de bem,porque o trabalho é sinônimo de decência, deorganização e marca da honestidade atemporal, umescudo contra a corrupção 8.

Percebe-se que os detentos identificam os pontospositivos do trabalho e todos os benefícios que advêmcom ele. Porém, ao mesmo tempo, percebem adificuldade que irão enfrentar no mercado de trabalhoextrapresídio, devido a valores de julgamento jáconstituídos em relação aos presos e que os levam aodescrédito e à exclusão, contribuindo para o retorno ameios ilícitos de ganhar a vida. Assim, o trabalho naprisão é um trabalho protegido em razão de os demaisdetentos estarem na mesma condição, ao passo que,em um trabalho fora do contexto do presídio, o ex-presoterá que se confrontar com o estigma e o preconceito.

O detento, a sociedade e o estigma

A sociedade deveria ser a primeira interessada emprovidenciar espaço e êxito social para o preso, já queo próprio público tem muito a perder com a prática denovos delitos, quando da reincidência do preso 9.

Porque tem uma coisa, se tu vai entrar numa firma,quando tu fala de chegar lá com os papel, vãoolhar. E quando colocar no computador e vê queé preso, pedem para passar amanhã. Daí, o carachega no outro dia e fica sabendo que colocaramoutro na frente.Porque se foi preso, vai colocarno trabalho e vai roubar alguma coisa (A 3).

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Na perspectiva sociológica 10, os crimes são atos quecontrariam sentimentos coletivos fortes. Os atos contráriosa esses sentimentos, por sua vez, ajudam a mantê-los vivosna prática, isto é, o repúdio coletivo ao crime fortalece acoesão do grupo. É criminosa uma conduta que é alvo dereprovação intensa e que provoca reação social organizada.

O crime tem sua origem na comunidade e é atravésdela que deve ser controlado, por intermédio da vontadepolítica e das ações restaurativas do ambiente social. Ocrime é um fenômeno normal que existe em todos ostipos de sociedade. Embora a forma como ele acontecese modifique de uma sociedade para outra, uma certezadestaca-se: a de que sempre tem havido homens que secomportam de modo a acarretar sobre si a repressãopenal. O crime é um fenômeno com os sintomasindiscutíveis da normalidade, já que está tão intimamenterelacionado com as condições de toda a vida coletiva eremete a uma perspectiva evolucionista10.

Existe um descompromisso ético por par te dasociedade que, enquanto pune, política e socialmente nãotem se preocupado em encontrar soluções educativaseficientes para detentos e ex-detentos. A prova dissoestá na população carcerária que aumenta ano após ano.Além do descompromisso ético da sociedade frente àpopulação carcerária, de julgar e não buscar soluçõespara o problema que está exposto, há um efeito maisdanoso, “o estigma”, que consigo traz outras implicações,tais como a absorção pelo detento, ou ex-detento, devalores que lhe são depositados rotulando-o, marcando-o, e com isso contribuindo significativamente para queassuma a identidade que lhe é atribuída 5.

Na rua é fácil, para a sociedade julgar porquetem mais gente que não sabe como funcionaaqui dentro. Falar e julgar é fácil, passar poruma experiência que é o difícil (A5).

O muro da prisão, física e simbolicamente, separaas populações distintas: a sociedade livre e a comunidadedaqueles que foram por ela rejeitados. Os rejeitadoresdemonstram que desejam pouco contato com osrejeitados. A posição de inferioridade atesta terem sidojulgados desmerecedores de confiança pela sociedade,perante a qual perderam a reputação 11.

Entrou aqui dentro porque é bandido, é marginal,é isso, aquilo. Mas têm muitos que já sabemqual é o seu lado dentro do sistema: têm osque levam para esse lado, de que estar aquidentro nunca mais vai se recuperar, é marginal,bandido, coisa assim (A4).

Porém, fica a grande questão: Como inserir nocontexto social alguém que de fato nunca esteve nele?

Se a sociedade discrimina, o que se pode esperar deum presídio? Estes segmentos excluídos, como é ocaso dos detentos, são frutos das desigualdades sociaisgeradas pelo capitalismo, no qual se é valorizado poraquilo que se produz. Entende-se que no preconceitoe estigma depositado nos presos é que reside o fatorinibidor de uma vida não criminal, que poda estescidadãos de qualquer iniciativa.

A sociedade não conhece a realidade das cadeias.Ela possui uma opinião negativa formada e influenciadapelos meios de comunicação, que fornecem uma visãocoletiva e generalista, sem considerar suaspar ticularidades. Quando esse retorno à sociedadeacontece sem uma reciprocidade de aceitação, restaa esses indivíduos, como única opção, o retorno àcriminalidade como forma de sustento e identificação.

O detento e a família

Esta área aborda um dos fatores que maissensibilizou os detentos durante as entrevistas, aquestão da família. Ela desperta os mais divergentestipos de sentimentos, como apego, ódio e indiferençafrente à atual situação da mesma.

Primeiramente, surge a família que apóia o detento,nele depositando crédito, e como o detento a valoriza eretribui este sentimento. Isso colabora significativamentepara a sua “reabilitação” e desinstitucionalização.

Eu tenho a esposa que me visita e dois filhos(....) Quem me apóia é minha esposa. E meusfilhos vem aí, me dão bastante apoio, meincentivam (...). Estão sempre aí lutando comigo,para ir embora desse lugar o mais rápido (A4).

A família dos detentos é uma ligação que os apenadostêm com o mundo exterior 8,12. A visita dos familiares éo tema que freqüenta todas as suas conversas, poisprezam esse momento de encontro com sua famíliacomo o mais importante de suas vidas. A família poderesgatar o indivíduo da marginalidade, desde que sejabem estruturada. Por outro lado, famíliasdesestruturadas, cujos pais já vivem na marginalidade,fatalmente levam os filhos à marginalidade12.

Durante as entrevistas, a família foi identificadacomo principal fator protetor do apenado, o qualaprende a valorizar os filhos e a mulher. Depois dadetenção, muitos procuram o trabalho dentro da cadeiacomo forma de sentirem-se úteis à família.

Eu aprendi a dar mais valor a família, respeitarmais as pessoas por que aqui na cadeia, quemestá aqui está excluido (A6).

Na família do preso há uma alteração dos papéissociais. Muitas vezes a esposa tem de assumir o papel

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O Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosPinto G et al

de pai de família, sustentar financeiramente a casa,filhos e outros dependentes, e ainda ajudar o detentodentro da cadeia, em suas necessidades, além desuprir a falta que um pai faz aos filhos nas dimensõesafetiva e educacional. Com isso, entende-se que, deuma forma ou outra, a família do detento tambémestá presa, e não está preparada para enfrentar aperda de um membro alicerce da mesma.

A falta de conhecimento e compreensão do sistemapenitenciário, o medo da exposição da família dentroda comunidade carcerária, a pressão de familiares,as longas penas, levam uma família a abandonar odetento, assim como a não-cor respondência deexpectativas criadas e depositadas pela família nopresidiário, referentes ao cumprimento de sua pena.Esses fatores relacionados à família contribuem paraa institucionalização do detento. Porém, há de seconsiderar que, quando a família apóia o detento, elacontribui significativamente para a sua recuperação ereabilitação, pois este vínculo acontece de forma maisacentuada, acarretando um compromisso do detentopara com sua família, que é renovado a cada visita.

Fatores que convergempara a institucionalização

Os fatores apresentados nesta área formam umconjunto de determinantes da institucionalização, sendoque alguns já foram citados nas áreas temáticasanteriores. Os fatores dotados de maior relevância queaparecem são: características de personalidade dodetento, história de vida familiar de abandono, históriaspregressas de passagens por instituições de custódiade menores de idade, perda de vínculos sociais efamiliares, existência de uma carreira criminal, ausênciade perspectivas quanto ao futuro, reincidência criminal,estigma social, longas penas, drogas, pobreza,subemprego, leis dos detentos “paralelas às do sistemapenitenciário”, isto é, as “leis da cadeia”.

As instituições totais, como os presídios, alteram ocotidiano do indivíduo, seu lazer, trabalho e alimentação.A rotina do dia-a-dia constitui um instrumentomassificador e segregante da individualidade,singularidade e liberdade. Nela, o indivíduo é obrigadoa fazer as mesmas coisas, com as mesmas pessoas,todos os dias. A cadeia controla e domina a vida daspessoas, deforma a personalidade e reduz por completoa capacidade de autodeterminação, devido à rupturasocial com o mundo externo 2.

(...)se o cara quiser se infurna, o cara fica aípara sempre, vai aprontando uma bronca aqui,uma bronca ali, tomando cadeia.Depende de cada um. Se o cara achar quetem que mudar, o cara muda. (A5).

As longas penas contribuem para a institucionalização,elas colaboram para que o detento acabe por seacostumar e se acomodar no ambiente da cadeia fazendodela não somente sua casa, mas seu novo lar. Essesdetentos são identificados como aqueles indivíduos quetendem a sustentar o sistema prisional, que coincidecom as características do detento institucionalizado,identificado nesta pesquisa como sendo o “cadeieiro”.Em geral, eles são internos de criminalidade madura,cumprindo longas penas por crimes de violência 13.

A passagem por várias instituições de custódiacontribui significativamente para a institucionalizaçãonos presídios, pois seus autores já foram previamenteexpostos a um lugar que condiciona a conduta daspessoas com normas e regras que formam opiniões emoldam seus atores. Aqueles detentos que já passarampor outras instituições de custódia e tratamento, nainfância e adolescência, são mais suscetíveis àinstitucionalização, quando presos na idade adulta.

Quando eu vim na cadeia a primeira vez eu vimcom 18 anos. Cheio de cadeia, o meupensamento era pegar e ir embora, fugir destelugar. Mas daí, conforme foi passando o tempo,não adiantava, onde eu estava não adiantavaquerer fazer nada, pois era segurança máxima,a maior penitenciária do Rio Grande do Sul. (...).Tenho dois irmãos presos, um no semi-abertoe o outro, está trabalhando na fábrica. (A8).

O preconceito e os estigmas sociais inibem o presode tomar qualquer iniciativa para ter uma vida não-criminal, pois já estão condicionados a ela e sabemque o fruto de suas ações será reprovado e envolto emdesconfiança, dúvidas e medos. Uma mudança consiste,primeiramente, em depositar crédito nessas pessoase, posteriormente, investir nelas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo evidenciou que os detentos que têmperspectivas de desinstitucionalização e reabilitação sãoaqueles que têm presentes os mecanismos protetores:possuir uma família estruturada que os apóie e nelesdeposite perspectivas de vida positivas, possuir umemprego ou ocupação dentro da cadeia, ter condiçõesfinanceiras favoráveis, aceitar sua condição atual, avontade de se reabilitar, não assumir uma identidadecriminal reinante na instituição e ter uma boa prospecção.

Os detentos que possuem uma maior tendência àinstitucionalização são os que têm determinadascaracterísticas de personalidade, como traçospsicopáticos, história de vida familiar de abandono, comtendência à compulsão e à repetição, valores absorvidos

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O Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosO Processo de Inst i tucionalização de DetentosPinto G et al

do ambiente/meio, história pregressa de passagenspor instituições de custódia de menores de idade, perdade vínculos sociais e familiares, “carreira” criminalprévia e ausência de perspectivas quanto ao futuro.

Indaga-se como é possível obter resultadospositivos nesse processo se o Estado é inoperantefrente à situação e se existe desesperança epreconceito da sociedade em relação aos presos, seeles são frutos de um sistema que gradualmente“aniquila” pessoas, com a falta de emprego, miséria.Nesse contexto, não se está defendendo a aboliçãodas penas, mas, sim, aponta-se para a necessidadede criação e aplicação de penas alternativas para oscrimes de menor monta. Cada vez mais vislumbra-sea necessidade da construção de projetos de inclusãosocial para segmentos excluídos.

Esta situação está exposta desafiando todos oscidadãos e todas as ciências. A Enfermagem, comoCiência da Saúde, não pode ficar omissa ou inoperantefrente a situações de violação dos direitos humanos,como acontece no caso dos detentos. Mas ela necessitasobretudo de investimento no resgate da condiçãohumana dessas pessoas, como um imperativo éticopara as tão almejadas transformações institucionais.

Referências

A reabilitação psicossocial poderá ser utilizada comouma tecnologia que possibilita ao apenado participarde intervenções na reestruturação de sua identidade,em termos subjetivos, levando a um incremento nasua possibilidade objetiva de reinserção social. Osaspectos banais da vida cotidiana constituem-se emdesafios e dificuldades importantes para uma populaçãomarginalizada, excluída socialmente. Par te dosobjetivos da reabilitação implica, sobretudo, umamudança dos fatores de motivação externos para osinternos. Os apenados necessitam a oportunidade derefletir sobre as suas escolhas de vida e asconsequências decorrentes dessas escolhas.Consistente com essa proposição, as intervençõesreabilitadoras devem levar a um aprendizado dehabilidades para um incremento positivo de decisõespara suas vidas. O processo abrange o comportamentonas áreas de habil idades sociais, par ticipação,interesse, valores, percepções e benefícios de escolhasadequadas. A habilidade para reconhecer e internalizarvalores de envolvimentos construtivos para umainteração social adequada constitui-se em estratégiasa serem desenvolvidas pelos profissionais quetrabalham em Enfermagem Psiquiátrica Forense.

Sobre os Autores

1. Ministério da Justiça (BR). Central Nacional de Apoio eAcompanhamento às Penas e Medidas Alternativas Manual demonitoramento das penas e medidas alternativas. Brasília(DF); 2002.2. Goffman E. Manicômios prisões e conventos. Rio de Janeiro (RJ):Perspectiva; 1992.3. Cervini R. Os processos de descriminalização. 2ª ed. São Paulo(SP): Revista dos Tribunais; 1995.4. Foucault M. Vigiar e punir. 21ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 1987.5. Veronese JRP. O sistema prisional: seus conflitos e paradoxos.2000. [on- line] 2004 dez [ citado 15 dez 2004]Disponível em:www.sistemaprisional/direito.com.br/veronese/paradoxos.6. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa emsaúde. São Paulo (SP): Hucitec/Abrasco; 1998.7. Resolução nº 196, de 1996. Dispõem sobre as diretrizes enormas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.Brasília (DF): O Conselho; 1996.8. Hassen MNA. O trabalho e os dias: ensaio antropológico sobretrabalho, crime e prisão. Porto Alegre (RS): Tomo Ed; 1999.9. Barata A. Criminologia crítica y crítico del derecho penal. Introduccióna la sociologia jurídico-penal. México: Sigilo Veintiuno; 1986.10. Durkheim E. As regras do método sociológico. São Paulo (SP):Abril Cultural; 1973.11. Santos JM. Poder paralelo. [monografia de conclusão de curso].Pós-graduação em modalidades de tratamento penal e gestão prisional.Curitiba (PR): UFP; 2003.

12. Wauters E. A reinserção social pelo trabalho. [monografia deconclusão de curso]. Pós-graduação em modalidades de tratamentopenal e gestão prisional. Curitiba (PR): UFP; 2003.

13. Santos ET. O fenômeno da prisonização: uma experiência nocomplexo Médico-Penal do Paraná. [monografia de conclusão decurso]. Pós-graduação em modalidades de tratamento penal e gestãoprisional. Curitiba (PR): UFP; 2003.

Recebido em 09/10/2006Reapresentado em 09/11/2006

Aprovado em 16/11/2006

Guaraci PintoGuaraci PintoGuaraci PintoGuaraci PintoGuaraci Pinto

Enfermeiro da Unidade Básica de Saúde de Santo Expedito do Sul/RS.

Al ice HirdesAl ice HirdesAl ice HirdesAl ice HirdesAl ice Hirdes

Docente da ULBRA e FEEVALE/RS. Orientadora do estudo.E-mail: [email protected]

aMonografia de conclusão de curso de Graduação.

Nota

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O Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGMunari DB et al

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Enfermagem Psiquiátrica.Saúde Mental. Educação em Enfermagem.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Psychiatric Nursing. Mental Health. Nursing Education.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Enfermería Psiquiátrica. Salud Mental.Educación en Enfermería.

ENSINO DE ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA / SAÚDE MENTALNA FACULDADE DE ENFERMAGEM DA UNIVERSIDADEFEDERAL DE GOIÁSPsychiatric Nursing and Mental Health Education in Nursing Collegeof the Federal University of Goiás - Brazil

Enseñanza de Enfermería Psiquiátrica Y de Salud Mental en laFacultad de Enfermería de la Universidad Federal de Goiás - Brasil

Denize Bouttelet Munari Maria Tereza Hagen Godoy Elizabeth Esperidião

Este artigo descreve a experiência do ensino em Enfermagem Psiquiátrica/Saúde Mental na Faculdade de Enfermagem/UniversidadeFederal de Goiás, pontuando potencialidades e fragilidades na busca de novos caminhos para atenção em enfermagem de saúdemental e psiquiatria. Destacamos aspectos relevantes como facilidade de integração entre as disciplinas da área com outrasáreas, a contribuição na formação geral do enfermeiro no desenvolvimento de competências relacionais, de gestão, decapacitação para compreender, planejar e desenvolver ações de resgate da humanização nos serviços de saúde, com destaqueespecial ao cuidado do cuidador. Como fator limitante, pontuamos a fragilidade da rede de serviços de atenção psicossocial queconstitui um obstáculo e grande desafio a ser superado para a implementação de mudanças na assistência e ensino.

This article describes the experience of education in MentalHealth and Psychiatric Nursing in the Nursing College ofFederal University of Goiás, marking potentialities andfragilities in the search for new ways of attention in mentalhealth and psychiatry nursing. We detach some impor tantaspects as easy integration among the disciplines of differentareas, the contribution to the nurses’ general formation inthe development of related abilities, management andqualification to understand, to plan and to develop actionsthat will rescue the humanistic assistance at the healthservices, with special attention to take care of who takecare. The limiting factor found was the fragility of thepsychosocial care attention services that constitutes anobstacle and a challenge to be exceed for the implementationof changes in the assistance and education.

Este ar tículo describe la experiencia de enseñanza enEnfermería Psiquiátrica/Salud Mental en la Escuela deEnfermería de la Universidad Federal de Goiás puntuandopotencialidades y fragilidades en la búsqueda de nuevasmaneras de atención en enfermería de salud mental ypsiquiatría. Enfatizamos aspectos importantes como facilidadde integración entre varias disciplinas de áreas diferentes, lacontribución en la formación general del enfermero en eldesarrollo de habilidades de relacionar, la administración,de calificación para entender, planear y desarrollar accionespara rescatar ayuda humanística en servicios de salud, condestaque especial al cuidado de aquel que cuida. Comofactor limitante puntuamos la fragilidad de la red deservicios de atención psicosocial que constituye unobstáculo y gran desafío de ser superados para laimplementación de cambios en el cuidado y enseñanza.

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O Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGMunari DB et al

INTRODUÇÃO

O cuidado em psiquiatria vem desde há muito sendoum constante desafio para a humanidade por se constituirem um dos mistérios a ser desvendado na nossa história.De igual forma, a atenção nessa área, historicamente, émarcada pela busca incessante na definição do que podeser considerado normal ou patológico, bem como dedecifrar patologias, diagnósticos e buscar formas de trataros possíveis desvios 1-2.

A mesma trajetória histórica nos mostra que aspessoas acometidas por transtornos mentais tiverampor muitos e longos anos a internação psiquiátricacomo única opção para seu tratamento por períodosde meses ou até anos. A constatação de que essaestratégia, na verdade, se constitui em uma práticaperniciosa, excludente e desumana, aliada aodesenvolvimento de terapêuticas farmacológicas,psicoterápicas e sociais fizeram surgir um novoconceito de cuidado comunitário em saúde mental 1-2.

Esse processo desencadeou em todo o mundo ummovimento conhecido como desinstitucionalização, cujopressuposto está na busca de manter a pessoaportadora de sofrimento psíquico em contato próximocom sua comunidade e família, tratando-a com dignidadee buscando estimular suas potencialidades 1-2. Essa lógicaé amparada na construção do modelo de reabilitaçãopsicossocial que inclui profundas mudanças no modode conceber a doença mental e da organização docuidado e dos serviços de saúde, o que exige uma visãointerdisciplinar do trabalho em saúde mental3.

Tal modelo requer dos profissionais vinculados àárea disposição para rever sua prática, na maioria dasvezes cristalizada há anos e influenciada pela lógica dapsiquiatria tradicional. Um dos aspectos fundamentaisnesse processo é a mudança dessa lógica também naformação e qualificação dos profissionais que deverão atuarbaseados em uma nova concepção da doença, da pessoae da sua família. Isso, em tese, seria o que garantiria aefetivação e resolutividade dos serviços substitutivos comoco-responsáveis pelo tratamento, aliada a uma políticafavorável nas instâncias municipais, estaduais e federais4.

Considerando a impor tância da equipe deenfermagem que sempre esteve envolvida nesse processoe no que diz respeito, especificamente, à questão daformação de profissionais, é foco de nosso interesse, nesteestudo, a discussão de aspectos relativos à educação porestarmos à frente do ensino de enfermagem psiquiátricae saúde mental há mais de vinte anos.

A enfermagem, por sua vez, sempre acompanhouo desenrolar histórico da psiquiatria e sofreu influênciadesse processo. O ensino de Enfermagem Psiquiátrica

e Saúde Mental tem se constituído ao longo dos anosum desafio constante para os profissionais da área,tendo em vista a complexidade inerente ao próprioobjeto da psiquiatria, da subjetividade do sofrimentopsíquico, das políticas de saúde para essa área e dasdificuldades de implementação de intervenções quesejam capazes de transformar a práxis no contextoda atenção em saúde mental e psiquiatria5-7.

O estudo de Alencastre 8 já sinalizava as peculiaridadesdo ensino nessa área em cada uma das regiões do paíse dos movimentos em cada uma delas, no que diz respeitoà estruturação das disciplinas e suas característicasbásicas, modelos teóricos, estratégias e sistemas deavaliação e tentativas de ar ticulação dos projetosacadêmicos aos modelos assistenciais inovadores.

A construção de práticas educativas articuladas amodelos substitutivos de atenção psicossocial constitui,na realidade do ensino brasileiro, um desafio constanteem todas as regiões do país, especialmente pelaspeculiaridades de cada uma delas 8.

Ao mesmo tempo em que em algumas regiões ocontexto de ensino prático já esteja ar ticulado aserviços organizados numa nova lógica que permiteavanços no estabelecimento de relações entre a equipede saúde, usuários e comunidade, na compreensão eabordagem da doença mental numa perspectiva deco-responsabilidade social e garantia dos direitoshumanos, em outras regiões do Brasil o ensino estáimerso num nítido movimento de resistências amudanças, sedimentado em práticas excludentes 8.

Assim como em outras regiões do país, em algunsestados da região centro-oeste os avanços no campo daprática em saúde mental são lentos, focados por vezes emexperiências isoladas dentro de um contexto maior aindamarcado pela centralização do atendimento nos serviçosprivados e de caráter hospitalocêntrico. Essa característicainterfere, inevitavelmente, no modo como construímos oudesenvolvemos o ensino na área, embora nós, como partedo corpo docente de uma Instituição Federal de EnsinoSuperior, tenhamos clareza do nosso papel no movimentode resistência aos modelos manicomiais 9.

Essa situação, por sua vez, nos incitou a buscarestratégias que minimizassem o desconforto de ensinarmuito mais sinalizando “o que não fazer” na concepção dotrabalho em saúde mental, do que mostrando modelosinovadores e favoráveis ao processo de transformação daassistência psiquiátrica.

Assim, temos como objetivo no presente ar tigodescrever a experiência dos docentes da área de SaúdeMental e Enfermagem Psiquiátrica da Faculdade deEnfermagem da Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG) no ensino na graduação em enfermagem e oimpacto da área na formação do enfermeiro.

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O Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGMunari DB et al

OS DESAFIOS DO ENSINO DEENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA ESAÚDE MENTAL NO ESTADO DE GOIÁS

No Estado de Goiás, contamos com algumasparticularidades, permeadas por questões políticas dedefinição dos rumos da atenção psicossocial que influemdiretamente no modo como temos direcionado o ensino enossa inserção nos processos decisórios extra-universidade.

O cenário que temos como pano de fundo para oensino, por vezes, é precário e desolador, se pensarmosem experiências de mais êxito em todo o país.

Um estudo realizado9, em nível estadual, identificoua existência de 23 instituições de atenção ao indivíduocom sofrimento mental, cujo foco da assistência estavavoltado para a internação integral, totalizandoaproximadamente 2000 leitos. Desses serviços, emtorno de 83% é representado pelo setor privado e17% são serviços disponibilizados pelo setor público,sendo que o único hospital do Estado foi fechado em1996 e seus pacientes “moradores” foram distribuídospelos serviços conveniados em todo o Estado.

Do total de leitos em todo o Estado, 85 % deles estãolocalizados no município de Goiânia, capital do Estado, queintegralizava, à época do estudo, 1591 leitos conveniadoscom o SUS, o que torna Goiás um dos campeões nacionaisde hospitais privados do país 9. Poucas dessas instituiçõesoferecem condições para o ensino na área, por sinalizaremcontradições entre o que acreditamos e consideramosadequadas para a assistência.

O cenário atual mostra alguns avanços, oriundos dainiciativa da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia – GOem implementar os CAPS (Centro de Atenção Psico-Social),num total de sete, sendo dois para o atendimento infanto-juvenil (um para álcool e drogas e outro para transtornosmentais) e cinco para adultos (um para álcool e drogas equatro para transtornos mentais) em um município quetinha cerca de um milhão e duzentos mil habitantes em2006. Existe ainda um ambulatório especializado, trêsresidências terapêuticas e um pronto socorro que compõea rede municipal de assistência à saúde mental.

Vale o destaque que em todos esses espaços ainclusão de atividades práticas para o ensino deenfermagem é bastante comprometida, pois essesserviços não contavam com enfermeiros contratadosaté pouco tempo, além de que com a expansão donúmero de escolas de enfermagem de nível superior,em torno de 10 só na capital, e as restrições colocadaspelas equipes dessas instituições para um númerolimitado de alunos é cada vez mais problemática aorganização das atividades nos campos de prática.

Nos últimos anos, temos desenvolvido o ensinoprático em Enfermagem Psiquiátrica em um serviço

considerado mais adequado, de cunho filantrópico,tendo em vista um olhar mais inovador para a atençãoem saúde mental, disponibil idade de ser viçosambulatoriais e hospital-dia como alternativa aoatendimento e ainda um bom relacionamento com onosso corpo docente e boa aceitação dos alunos.

Além desse espaço, os alunos contam com apermanência reduzida nos CAPS do município emfunção das questões já relacionadas anteriormente.Essas são limitadas a visitas ou permanência do alunode três a cinco dias apenas.

Os docentes da FEN/UFG ao longo desses anosestiveram ar ticulados com alguns movimentos quelutam por melhores condições e mudanças noatendimento em saúde mental e também dacapacitação de profissionais para atuar na área,par ticipando do Fórum Goiano de Saúde Mental,Projetos de Capacitação de Profissionais da Área,patrocinados pelo Estado, enfim, buscando alternativaspara a transformação da situação do atendimento,esperando tornar o ensino também mais voltado parao que dispõe as diretrizes da política nacional de saúdemental e os fundamentos da psiquiatria social 1.

No entanto, como as deliberações para o avanço dosserviços dependem da esfera política e da atenção que osgestores dão à área, a cada novo mandato municipal eestadual, os profissionais da saúde mental se vêem diantedo desafio de, pelo menos, manter os projetos já iniciadose propor avanços, que nem sempre estão no rol deprioridades daquele governo. Esse constitui, na perspectivade Amarante 4, um dos obstáculos para a efetivação dadesconstrução do aparato manicomial.

Essa situação não reflete apenas a realidade do Estadode Goiás, porém, a falta de uma política regional consolidadana área nos leva ao movimento permanente de avanços eretrocessos no que diz respeito à atenção à Saúde Mental.Esse é na visão dos estudiosos da área um dos grandesdesafios da consolidação da reforma psiquiátrica no país 1, 3-4.

A EXPERIÊNCIA DA FACULDADEDE ENFERMAGEM DA UFG

Para entender os dias atuais:Revendo a história

A Faculdade de Enfermagem da Universidade Federalde Goiás (FEN/UFG) formou sua primeira turma em 1979,quando, na época, apenas uma disciplina de 90 horastratava de conteúdos específicos de EnfermagemPsiquiátrica. Até 1996, contava com um único docenteresponsável por esta disciplina, que mantinha a mesmacarga horária e que focava, especificamente, o ensinoda clínica psiquiátrica, embora já fosse sinalizado noprograma da disciplina a inclusão dos aspectos políticose sociais da abordagem da doença mental.

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O Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGMunari DB et al

Analisando os programas das disciplinas da FEN/UFG até1996, observamos que a tendência em manter o ensinofocado na assistência clínica reflete o processo histórico deatenção à saúde nessa área, bem como o que era comumao ensino da enfermagem psiquiátrica na época5,8.

Quando da reforma curricular, implementada em 1996,a área passou a contar com três disciplinas ao longo doscinco anos de curso, perfazendo 240 horas, a saber: SaúdeMental I, Saúde Mental II e Enfermagem Psiquiátrica.

Nessa mesma época, o aumento das disciplinas gerou umfato importante de investimento de docentes na referida área,quando quatro docentes em regime de dedicação exclusiva sevincularam à mesma, embora, desde o início da reformacurricular, nunca foi possível contar integralmente com todoseles, uma vez que três deles estiveram comprometidos comsua formação em nível de pós-graduação.

A perspectiva dos docentes à época era aproveitar oprocesso de reforma curricular e investir na renovaçãoda lógica da enfermagem psiquiátrica no âmbito da culturainstitucional, especialmente por entender a complexidadedesse processo e dos esforços que este demanda6-7.

Dez anos depois, com a construção do novoprojeto político pedagógico do Curso de Graduaçãoda Faculdade de Enfermagem, em atenção às novasdiretrizes curriculares do Ministério da Educação,houve a diminuição da carga horária da área em20%, porém com possibilidade de oferecimento dedisciplinas no núcleo livre, o que pode manter ouelevar a carga horária da área de 240 horas.

Na atualidade, contamos com dois professoresdoutores especialistas na área, sendo um delestambém com formação em Psicologia. Um docenteestá em fase final de doutoramento na área e outroé mestre. Todos trabalham em regime de tempointegral, sendo que os doutores também atuam noensino de pós-graduação stricto sensu.

O quadro 1, na página ao lado, apresenta a composiçãodas disciplinas da área com suas características básicasno currículo vigente da graduação entre 1996 e 2005, jáque no momento estamos implementando outro currículo,mas que mantém características semelhantes que serãodiscutidas a seguir.

Com a reestruturação cur ricular citadaanteriormente e em função da construção do novoprojeto político-pedagógico, o conteúdo apresentadono quadro 1 foi desmembrado em três disciplinas quesão de responsabilidade dos docentes da área comenfoque no desenvolvimento da pessoa do aluno, dasua capacitação para as relações humanas no contextodo trabalho, do domínio da área específica de clínicapsiquiátrica, todos eles voltados também para o contextodo SUS. Vale dizer que o currículo vigente está norteado

para o cumprimento do Programa Pró-saúde financiadopelo Ministério da Educação e da Saúde de forma aatender todas as demandas atuais do ensino, em totalarticulação com a rede de serviços da região.

Focando nossas potencialidades: O impactoda área na formação do enfermeiro

Tendo em vista a situação não muito favorável e acaracterística da rede de serviços de saúde mentaldisponíveis no município de Goiânia-GO, os docentes daárea têm buscado alternativas para pensar o ensino,de forma a atender a formação do futuro profissionalde enfermagem de acordo com os pressupostos dareforma psiquiátrica e, especialmente, visando gerar oespírito crítico da assistência dispensada às pessoasem sofrimento psíquico, seja de que natureza for1, 3, 6-8.

Esse movimento par tiu de nossa observação deque o investimento na formação e desenvolvimento dapessoa do aluno sempre foi uma atribuição da áreade saúde mental, porém, sempre de formamarginalizada nos projetos curriculares. Assim, aconcepção das três disciplinas que compõem ocurrículo foi feita com base no princípio de que éfundamental oferecer ao aluno opor tunidade paraentender as relações interpessoais no contexto dotrabalho em saúde, de modo geral, par tindo doautoconhecimento e autopercepção dos limites epotencialidades de cada um10-11.

Essa iniciativa teve boa aceitação no contextoinstitucional, o que deu a área de saúde mental/enfermagem psiquiátrica maior visibilidade, projetando-a para além da tarefa de ensinar o relacionamentoterapêutico e as especificidades inerentes à clinicapsiquiátrica. Assim, a área assumiu a importante tarefatambém de formar a pessoa do aluno para o contextodo trabalho em saúde, integrando as dimensõesassistenciais e gerenciais.

As demandas do ensino no Curso de Graduaçãoem Enfermagem da FEN/UFG, focadas na busca deuma formação integral do enfermeiro, foramacrescidas de um clima favorável, em particular, paraa integração das disciplinas da área com outrasdisciplinas das séries onde elas se encontram. Assim,as disciplinas da área foram se adequando àsnecessidades de atender a formação geral doprofissional enfermeiro no desenvolvimento das suascompetências interpessoais, relacionais e de gestão,pensando especificamente na impor tância dofor talecimento da pessoa do profissional, além deestarem voltadas para a capacitação e fortalecimentodo enfermeiro para compreender e planejar ações dehumanização do atendimento em saúde10-11, comdestaque especial ao cuidado do cuidador.

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Quadro 1:Disciplinas da área de Saúde Mental/ Enfermagem Psiquiátrica do currículo vigente de 1996 a 2005 da FEN/UFG.

Goiânia/GO, 2006.

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A peculiaridade da experiência da área de SaúdeMental/Enfermagem Psiquiátrica da FEN/UFG émarcada então pela mobilização do corpo docente parauma mudança de postura e concepção da área noprocesso de formação do enfermeiro. Isso quer dizerque a partir da implantação do currículo de 1996, essapassou a influenciar a formação do enfermeiro comoum todo e não se ocupar apenas do conteúdo de clínicapsiquiátrica como acontecia até então.

Esse processo foi influenciado pelas inquietaçõesdos docentes e sua motivação para mudar a perspectivado ensino de graduação, que passou a ser mais focadono desenvolvimento de habilidades relacionais doenfermeiro, não apenas na atenção em psiquiatria,mas como pressuposto da postura profissional, de modoque esta permeasse as atitudes do aluno durante oscinco anos de estudo. Também foi fundamental oinvestimento dos docentes da área no seu processode qualificação, uma vez que inicialmente apenas umdocente possuía o titulo de doutor.

O investimento nesse sentido levou aodesenvolvimento de dois estudos10,12 em nível de pós-graduação – mestrado e doutorado - que se tornarama base para o processo de reconstrução do projetopolítico-pedagógico da FEN/UFG. O primeiro10 se ocupouda percepção do aluno sobre sua formação, o quetrouxe subsídios para o corpo docente repensar suapostura nas relações que estabelece com o aluno e osreflexos dessa na construção do profissional que fossesensível a atender o cliente de forma integral. E ooutro12, por se constituir numa pesquisa-ação, auxiliouo corpo docente durante o período de discussão daconstrução do projeto político-pedagógico,especificamente na discussão dos princípios filosóficosque o embasariam até a revisão minuciosa deconteúdos, tendo em vista as diretrizes curriculares eo eixo condutor da perspectiva ética humanista daformação do enfermeiro.

Assim, os docentes da área tiveram uma participaçãopolítica importante e estratégica na defesa, não apenasdos pressupostos filosóficos da ética-humanista, masda garantia de sua inclusão no conteúdo do projeto enas ações que o tornaria vivo. Esse movimento mostraque os esforços para a construção de políticasinstitucionais, quer sejam na educação ou na saúde, sótransformam a realidade quando construídas no coletivoe concebidas por meio da discussão onde as diferençassão ponderadas e negociadas 3,4.

Obviamente, esse processo não foi sempreharmônico, havendo momentos de intensasresistências, que foram contornadas com o desejocoletivo de algumas mudanças efetivas de postura

profissional, bem como da responsabilidade de formarprofissionais capazes de transformar a realidade eatender aos princípios das políticas de saúde12.

Consideramos pertinente ressaltar o processo deintegração da área da Saúde Mental/EnfermagemPsiquiátrica com as demais áreas do curso,principalmente com as de enfoque eminentementeclínico, que passaram a reconhecer e valorizar acomunicação terapêutica como tecnologia de cuidado,tal como as define Tavares e colaboradores13.

Já no início, na 1ª série do curso, há uma estreitarelação entre as docentes das disciplinas quefundamentam a assistência de enfermagem e as docentesda disciplina Saúde Mental I, cuja preocupação primeira éo acolhimento do aluno no universo acadêmico,geralmente bastante distinto das suas experiênciasanteriores. Este chega imerso de expectativas, dúvidas ereceios diante do novo caminho que tem a percorrer.

Nesta ocasião, algumas aulas são programadasobjetivando conhecer o aluno ingressante, além de,prioritariamente, favorecer o seu autoconhecimentonum período especial da sua trajetória de vida. Pormeio de atividades vivenciais e/ou lúdicas, temosobservado a efetividade deste espaço pedagógico quetem promovido maior integração professor-aluno efacilitado a percepção de si próprio perante suasinquietações relativas a este momento existencial,expressas pela maioria dos alunos. Isso contribui parao sentimento de per tença tão impor tante para odesenvolvimento saudável do ser humano.

Ao longo desse mesmo semestre, outrosencontros com a área são planejados para aprofundartais questões como para discutir as experiências dosalunos nos campos de prática, procurando refletircomo eles se percebem como cuidadores, suaspotencialidades e dificuldades, par ticularmentevoltando para o desenvolvimento de suascompetências e habilidades interpessoais. Emboraessas sejam experiências comuns em alguns outrosestados do país, em Goiás, ela se constitui na únicaexperiência, haja vista que temos auxiliado colegasde outros cursos que se preocupam em buscaralternativas para um ensino mais efetivo na área.

Na seqüência da grade cur ricular quando osalunos, além da assistência na comunidade, adentramo ambiente hospitalar, mais uma vez há uma integraçãoda Saúde Mental com as disciplinas que lidam comtécnicas básicas de enfermagem, cuidados assistenciaisaos portadores de diversas patologias crônicas e/ougraves. Nessas ocasiões, é comum o contato comexperiências inéditas de cuidados com pessoas emsituações de risco, na qual geralmente sentem-se

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O Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGMunari DB et al

despreparados e sem o suporte emocional adequadopara o enfrentamento. Esse momento pode constituiruma situação de crise para o aluno, e a área é areferência para sua abordagem.

Dessa maneira e com o intuito de amenizar odesconforto dos alunos e melhor prepará-los para aassistência humanizada, partimos do princípio de queé fundamental alicerçar o futuro profissional nosaspectos ético-humanistas, for talecendo ele própriode modo a ser também agente da construção da suaformação pessoal e acadêmica11,14.

O aprendizado da prática da interdisciplinaridade3, poroutro lado, tem sido um desafio, haja vista que,acostumados com o formato tradicional curricular, é muitodifícil o exercício de ceder, compreender a visão eperspectiva do outro, bem como entender a lógica dotrabalho construído coletivamente. Nesse contexto, oaprendizado das relações interpessoais, objeto de nossotrabalho, precisa também ser vivenciado na prática e fazereco a teoria que defendemos junto aos alunos e colegas.

No entanto, buscar essa unidade é uma grandeaventura, pois nos coloca, alunos e docentes, diante dodesafio de quebrar paradigmas há anos consolidados ecristalizados na lógica do pensar e fazer em saúde4. Sercoerente, nesse sentido constitui uma meta para fazervaler o que os alunos chamaram nossa atenção aoapontarem em um estudo10 que muitas vezes noprocesso de ensino o holismo ocorre só na teoria.

Isso nos remete ainda à dificuldade da construçãode uma nova lógica de atenção em saúde mental, quandotécnicos e usuários devem discutir juntos os caminhospara a construção do modelo adequado às necessidadese às expectativas 4, 6. Esse exercício, em geral, nos colocadiante de nossas contradições e receios de mudançase do novo, aspecto já discutido por outros estudos 6-8.

Talvez o que seja mais evidente e concreto desseaprendizado é o resultado que esse investimento temtrazido na nossa prática, quando deixamos de ser umgrupo marginalizado por estudar e se ocupar dosubjetivo, para nos mostrar com disposição para atroca, o exercício da criatividade e inovação,principalmente por adotarmos estratégias de ensinopouco tradicionais e mais integradoras 11-14.

Os alunos também têm mostrado que nossosinvestimentos têm dado resultados concretos no seudesempenho 11-14-15. A disciplina Saúde Mental II,oferecida na última série do curso ao utilizar aEducação de Laboratório como metodologia de ensino-aprendizagem, tem mostrado resultados bastantepositivos, na medida em que privilegia aexperimentação, em sala de aula, de possíveis situaçõesvivenciadas pelo enfermeiro com a devida teorização

dos aspectos per tinentes ao desenvolvimento dascompetências relativas ao papel gerencial que assume noexercício profissional. Uma pesquisa realizadarecentemente15 mostrou o impacto dessa metodologia naformação do enfermeiro e, especificamente, no modo comoo aluno enfrenta os desafios de se colocar nesse papel.

Consideramos esse o ponto forte da disciplina, poisé nesse contexto que se dá a conscientização daimportância do papel de gestor e líder da equipe deenfermagem e de saúde. Esse processo é bastantecomplexo, e é para o aluno uma árdua tarefa de sever diante do espelho e da necessidade de assumir asatribuições da sua profissão. Os contatos com os limites,potencialidades e com a realidade do final do cursogeram muito estresse, exigindo uma atenção dodocente para canalizar o potencial terapêutico dogrupo em beneficio de todos. Geralmente essa é umadisciplina que começa com alguns alunos faltando oudando pouca importância a ela, mas que ao final doano tem como resultado a sala lotada e um interessegenuíno do grupo em estar presente14.

O impacto disso também pode ser visto pelointeresse de docentes de outras áreas em se aproximardas metodologias utilizadas pela área, procurandorever o seu padrão de funcionamento, especialmentea relação professor-aluno, diante da sua importânciano processo de humanização da assistência. Ostrabalhos desenvolvidos pelos docentes e discussõesdurante as reuniões de reestruturação do projetopolítico-pedagógico motivou a revisão dos conceitosdos princípios ético-humanistas, for temente refletidona área, de modo a torná-los não só um discurso nocurrículo escrito, mas uma ação na prática docente12.

Outro aspecto a ser destacado como potencialidadeda área é a aber tura e parceria conseguida nainstituição onde desenvolvemos a prática deEnfermagem Psiquiátrica, que tem aber tooportunidades aos alunos interessados para estágiosvoluntários. Inclusive, com a mudança curricular e oaumento da carga horária do Estágio Supervisionado,o referido campo passou a ser incluído como campode prática para os alunos da quinta série. Além disso,por iniciativa da instituição, discutimos a possibilidadede oferecermos assessoria para a organização de umgrupo de pesquisa que integre os profissionais locais,alunos e docentes da FEN/UFG.

Na composição do atual projeto político-pedagógicodo curso da FEN/UFG, houve alteração no nome,alocação, carga horária das disciplinas da área, emboraa essência da proposta da interdisciplinaridade tenhase mantido, com grandes possibilidades da inserçãodo seu corpo de conhecimentos em outros momentos

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Esc Anna Nery R Enferm 2006 dez; 10 (4): 684 - 93.

O Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGO Ensino de Enfermagem Psiquiátr ica na FEN/UFGMunari DB et al

focais em disciplinas que abordam questões ligadas àexistência humana e suas necessidades, situação queora se encontra em fase de aproximação eamadurecimento.

Atualmente, a FEN/UFG está for talecendo suaparceria com o Hospital das Clínicas/UFG, com aparticipação direta de alguns de seus docentes numgrande projeto de pesquisa e extensão voltado para aeducação permanente para os trabalhadores deenfermagem. Esse tem possibilitando trocas deexperiências nos cursos e oficinas em que há um maiorcontato com enfermeiros do serviço, que geralmentepar ticipam da supervisão de nossos alunos. Esseprocesso, por conseqüência, tem diminuído distânciasque por vezes dificultam as relações entre os alunos eos profissionais da prática.

Nessa empreitada, os docentes da área daSaúde Mental estão envolvidos nesse processo quetem se mostrado desaf iador e est imulante demudanças desejadas entre as par tes.

Revendo nossas fragilidades:Buscando novos avanços

Embora seja contraditório, o campo da prática paraas aulas práticas da Enfermagem Psiquiátrica é aindao nosso maior desafio, por ser restrita, na sua maiorpar te, a uma única instituição. Embora tenhamosatualmente um bom relacionamento com a instituiçãoonde ela ocorre, como abordado anteriormente, essaé restrita. Por falta de tempo de investimento dosdocentes no estabelecimento de parcerias mais efetivascom os serviços, muitas vezes nossa permanência étemporária e descontínua.

Procurando vencer os desafios da assistêncianorteada para os princípios do SUS e atendendo as atuaisdiretrizes da atenção psiquiátrica, temos tentado, emtodas as iniciativas de parceria com as disciplinas, inseriros alunos da graduação em atividades que incorporemações de saúde mental em qualquer serviço de saúde.Acreditamos também que, com o retorno de um docenteafastado para doutoramento, tenhamos mais condiçõesde elaborar projetos que permitam a articulação entreas atividades de ensino, extensão e pesquisa.

Por outro lado, a opção pelo uso de metodologiaspar ticipativas e menos tradicionais de ensino temgerado desgastes relacionados às resistências edificuldades dos alunos frente ao desafio do auto-conhecimento, auto-aceitação, descober ta delimitações, relacionamento interpessoal. Paracontornar essas situações, temos investido nodesenvolvimento do docente para ser continente asituação do aluno, para conseguir estimulá-lo a

participar e a trilhar esse caminho, que para alguns ébastante incômodo11.

Ainda, é também um grande desafio manter omodelo de educação de laboratório como opçãometodológica, por ser um processo muito desgastantepara o docente, pois essa exige permanentementedisponibilidade para lidar com o novo a cada encontro.Nada é fixo ou predeterminado, mas definido conformea necessidade e disponibilidade das pessoas para coma tarefa, inclusive quando as resistências são maioresque a disposição. Para tanto, a supervisão do docenteé ferramenta que garante a sobrevivência da disciplinae a saúde do docente.

O exercício de pensar nas fragilidades e limitaçõesdo nosso processo de ensinar Saúde Mental/Enfermagem Psiquiátrica nos remete também a umaanálise do movimento dos docentes da área nos últimosdoze anos na FEN/UFG. Esse só foi possível, pois houveuma disposição para a convivência de idéias, princípios,diferentes pontos de vistas, o que também não é umprocesso fácil, mas que tem possibilitado o nossocrescimento coletivo como área, bem como o pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar o ensino de Enfermagem Psiquiátrica e SaúdeMental no processo de formação do enfermeiro na nossarealidade é fundamental para percebermos os avançose recuos que temos vivenciado ao longo dos anos e osdilemas que encontramos, na condução das disciplinasno contexto de mudanças da estrutura curricular.

Embora a rede de atenção psicossocial no Estadode Goiás seja extremamente fragilizada e ineficiente,cerceada por interesses dos mais variados e limitadapela falta de uma política que favoreça a construçãode modelos mais adequados às necessidades dosusuários, familiares e da sociedade como um todo,encontramos nessa situação de aparente caos, motivospara buscarmos formas de utilizar a carga horáriadestinada à área de Saúde Mental/EnfermagemPsiquiátrica de forma criativa e inovadora, razão pelaqual nos permite afirmar que nossa experiência sejasingular no contexto do ensino nessa área.

Nossa trajetória tem sido marcada por muitosdesafios de marcar o lugar da área no contexto doensino de enfermagem na primeira fila. A EnfermagemPsiquiátrica e de Saúde Mental que, por muito tempo,foi considerada reduto de docentes excêntricos,“diferentes”, parece ter tomado uma outra posição nahierarquia de valores na formação do enfermeiro, pelomenos na nossa realidade.

Possivelmente o foco que util izamos paracompreender o sujeito como um todo, com seus

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Referências

desejos, limites, potencialidades e valores, nos permitiutrilhar caminhos na busca por soluções criativas etransformadoras nas relações humanas, aspecto tãovalorizado no mundo atual.

Esse investimento nos permite observar que a áreade saúde mental / enfermagem psiquiátrica contribuipara a formação do enfermeiro em três direções.Primeiramente, ao oferecer oportunidade ao aluno deser apresentado a ele mesmo, com condições paradescobrir suas melhores qualidades humanas, mastambém seus temores e imperfeições onde podelapidar-se durante os cinco anos em que se dedica aoprocesso de construção do ser profissional.Evidentemente que esse não é um processo linear,alguns aproveitam melhor essa chance do que outros,mas, indubitavelmente, essa experiência deixa marcase memórias que poderão ser acessadas a qualquermomento da vida da pessoa.

Em segundo lugar, esta área possibilita que o alunose perceba com os outros na dinâmica da vida coletiva,entendendo suas relações com os colegas de turma,inicialmente e depois, com os docentes, com ospacientes e profissionais dos serviços onde ele atua.

Assim, acreditamos que, mesmo não dispondo decondições adequadas e politicamente corretas no quediz respeito à atenção psicossocial e de dispositivospara uma assistência mais digna ao sujeito que sofrementalmente e sua família, ao darmos condições paraque o enfermeiro possa se fortalecer como pessoa,certamente estamos munindo os futuros profissionaisde ferramentas para o enfrentamento das relaçõeshumanas em qualquer local em que venham trabalhar.

A terceira ver tente em que temos atuado naformação do enfermeiro é na sua formação comogestor e coordenador de grupos e equipes. Esse

movimento da área tem sido responsável por umdiferencial na formação do profissional formado pelaFEN/UFG. Essa afirmação tem como base o retornoque os serviços nos tem dado, sinalizando a importânciade proporcionarmos aos alunos a opor tunidade emexercitar esse papel ainda na universidade.

Nesse sentido, as adversidades provocadas porcondições externas e as limitações da Universidadeacabaram nos impulsionando para a busca de alternativaspara alocar de forma integrada o conhecimento que épróprio da área, o que no nosso entendimento acabou setornando um privilégio para nós docentes e alunos.

Em meio a esse panorama temos consciência daslimitações da nossa experiência, assim comoreconhecemos que grande parte do sucesso dela sedá em função da continência do grupo docente da FEN/UFG como um todo, da liberdade para criar concedidapela instituição e do espírito inquieto e curioso dosdocentes da área.

Finalizamos essa reflexão nos remetendo à idéiade que não é possível resolvermos nossos impasses,dilemas e dificuldades no campo da saúde mental efrente à responsabilidade de ensinarmos saúde mental/enfermagem psiquiátrica com os mesmospressupostos e idéias que ontem tivemos. Éfundamental um olhar para os desafios e soluções dofuturo, sem receio do novo, inusitado.

É fundamental, nesse contexto, manter o foco nosprincípios humanistas que envolvem nossa formação, osenso de responsabilidade social e a crença no potencialdo ser humano, pois as soluções para os problemasencontrados na prática assistencial em saúde mental eno ensino desse conhecimento estarão sempre alémdo óbvio e do que parece muito comum, mas aliados ànossa capacidade de acreditar e sonhar o impossível.

1. Amarante P, organizador. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica.Rio de Janeiro (RJ): Ed. da FIOCRUZ; 1994.

2. Desviat M. A reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro (RJ): Ed. daFIOCRUZ; 1999.

3. Braga VA, Souza AMA, Fraga MNO. Políticas de saúde, saúde mentale interdisciplinaridade: avaliação e métodos. Fortaleza (CE): Pós-Graduação DENF/UFC/FFOE/ FCPC; 2002.

4. Amarante P. O planejamento na desconstrução do aparato manicomial.In: Gallo E, organizador. Planejamento criativo: novos desafios técnicosem políticas de saúde. Rio de Janeiro (RJ): Relumé-Dumará; 1992.

5. Rocha RM. Enfermagem psiquiátrica: que papel é este? Rio deJaneiro (RJ): Instituto Franco Basaglia/Ed. Te Corá; 1994.

6. Olschowsky A, Barros S. Graduaçäo em enfermagem: aprendendoa aprender a reforma psiquiátrica brasileira. Rev Esc Enferm USP1999 dez; 33(4): 377-83.

7. Miranda CML, Rocha RM, Sobral VRS. O ensino, a pesquisa e aassistência de Enfermagem psiquiátrica. Rev Enferm UERJ 1999 jul-dez; 7(2): 193-97.

8. Alencastre MB, organizador. Estudos sobre ensino de enfermagempsiquiátrica e saúde mental no Brasil. Ijui(RS): Unijui; 2000.

9. Munari DB, Medeiros M. Assistência psiquiátrica em Goiás: realidadee desafios Programa.do 51º Congresso Brasileiro de Enfermagem.10]Congreso Panamericano de Enfermeria; 1999 out. 2-7;Florianópolis.(SC), Brasil. Florianópolis.(SC): ABEn; 2000.

10. Esperidião E, Munari DB. Holismo só na teoria: a trama dossentimentos do graduando de enfermagem. Rev Esc Enferm USP2004 set-dez; 38 (3): 332-40.

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11. Esperidião E, Munari DB, Stacciarini JMR. Desenvolvendo pessoas:estratégias didáticas facilitadoras para o auto conhecimento doenfermeiro. Rev Latino-Am Enferm 2002 jul; 10(4): 516-22.

12. Esperidião E. Repensando a formação do enfermeiro: o processode conscientização crítica e práticas docentes à luz do referencialético-humanista. [tese de doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Escola deEnfermagem de Ribeirão Preto/ USP; 2005.

13. Tavares CMM, Branchat MA, Conceição S, Silva B, Knust R.Therapeutical activites as technologies of caring in mental health. [on-line] Brasilian Journal of Nursing. 2002 Aug. [citado 12 Sep 2006] 1(2) Disponível em: www.uff.br/nepae/objn102tavaresetal.htm.

14. Munari DB, Merjane TVB, Cruz RMM. A aplicação do modelo deeducação de laboratório no processo de formação do enfermeiro.Rev Enferm UERJ 2005 set-dez; 13 (3): 263-69.

15. Munari DB, Oliveira NF, Fernandes CNS. O modelo de educação delaboratório na formação do enfermeiro: avaliação do graduando deenfermagem. Rev Enferm UERJ 2006 set/dez; 14 (3): 385-90.

Sobre as Autoras

Recebido em 03/09/2006Reapresentado em 31/10/2006

Aprovado em 19/11/2006

Denize Bouttelet MunariDenize Bouttelet MunariDenize Bouttelet MunariDenize Bouttelet MunariDenize Bouttelet Munari

Enfermeira. Profa. Dra. Titular da Faculdade de Enfermagem da UFG.Membro Titular da Sociedade de Psicoterapia, Psicodrama e Dinâmicade Grupo/ SOBRAP/GOIAS.

Maria Maria Maria Maria Maria TTTTTererererereeeeeza Haza Haza Haza Haza Hagggggen Godoen Godoen Godoen Godoen Godoyyyyy

Mestre em Enfermagem. Professora assistente da Faculdade deEnfermagem/Universidade Federal de Goiás – Goiânia-GO

Elizabeth EsperidiãoEl izabeth EsperidiãoEl izabeth EsperidiãoEl izabeth EsperidiãoEl izabeth Esperidião

Enfermeira e Psicóloga. Doutora em Enfermagem. Professora Adjuntoda Faculdade de Enfermagem/Universidade Federal de Goiás.

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Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Saúde Mental. Serviços de Saúde Mental. Cuidados de Saúde. Trabalho.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Mental Health. Mental Health Services. Health Care. Work

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Salud Mental. Servicios de Salud Mental.Atención de Salud. Trabajo.

TRABALHO E CUIDADO NO CONTEXTODA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: ALGUMAS REFLEXÕES

Work and Care in the PsychosocialAttention Context: Some Reflections

Trabajo y Cuidado en el Contexto de laAtención Psicosocial: Algunas Reflexiones

Alice Guimarães Bottaro de Oliveira

Partindo de dados de um estudo local, apresentamos uma reflexão sobre o trabalho e as práticas de cuidado realizadas porduas equipes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), à luz dos pressupostos teóricos, administrativos e técnico-assistenciais da Reforma Psiquiátrica, e da historicidade, materialidade e contradições do trabalho das equipes no contextomatogrossense. Na realidade estudada, o modo de gestão em saúde mental condiciona o modelo de atenção e, em grandemedida, reduz o potencial criativo individual e coletivo de trabalhadores e usuários. Destaca-se a potencialidade inovadorae criativa dessa nova tecnologia que, entretanto, ao ser padronizada nacionalmente, simultaneamente garante recursos einstitucionaliza o cuidado e imobiliza práticas terapêuticas. Trabalhar/cuidar é um processo dinâmico que inclui trabalhadorese pacientes numa dialética. A ampliação da capacitação técnico-política dos trabalhadores e o enfrentamento das contradiçõesdesse trabalho pode permitir a construção, sempre provisória, da atenção psicossocial.

Based on the data of a local study, we present a reflectionabout the care work and practices carried out by the twoteams of the Psychosocial Attention Centers (CAPS), in lightof the theoretical, administrative and technical-assistancepresuppositions of the Psychiatric Reform and the historicity,materiality and contradictions of the teamwork within thematogrossense context. In the reality studied, the kind ofmanagement in mental health conditions the model of attentionand, in great measure, reduces the collective and individualcreative potential of the workers and the users. We emphasizethe innovative and creative potential of this new technology,which, however, when being nationally standardized,simultaneously warrants resources and institutionalizes thecare and mobilizes the therapeutic practices. Work and careis a dynamical process including workers and patients into adialectic. The enlargement of the technical-political habilitationof the workers and the act of facing the contradictionsinherent to this work allows to construct the – alwaysprovisional – psychosocial attention.

Partiendo de datos de un estudio local, presentamos unareflexión sobre el trabajo y las prácticas de cuidado realizadaspor dos equipos de los Centros de Atención Psicosocial(CAPS), de acuerdo a los presupuestos teóricosadministrativos y técnico-asistenciales de la ReformaPsiquiátrica, de la historia, materialidad y de contradiccionesde trabajo de los equipos en el contexto del estado del MatoGrosso – Brasil. En la realidad estudiada, el modo de gestiónen salud mental condiciona el modelo de atención y, en granmedida, reduce el potencial creativo individual y colectivo detrabajadores y usuarios. Destacándose la potencialidadinnovadora y creativa de esa nueva tecnología que mientrasal ser estandarizada nacionalmente, simultáneamente garanterecursos, institucionaliza el cuidado e inmoviliza prácticasterapéuticas. Trabajar/cuidar es un proceso dinámico queincluye a trabajadores y pacientes en una dialéctica. Laampliación de capacitación técnico-político de lostrabajadores y los enfrentamientos de las contradiccionesde ese trabajo puede permitir la construcción, siempreprovisional, de la atención psicosocial.

REFLEXÃOREFLECTION - REFLEXIÓN

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INTRODUÇÃO

Neste artigo apresentamos uma reflexão sobre otrabalho e as práticas de cuidado realizadas por equipesdos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), à luz dospressupostos teóricos, normativos e técnico-assistenciais da Reforma Psiquiátrica e do estudo dosprocessos de trabalho de duas dessas equipes nocontexto matogrossense.

No Brasil, passou-se a utilizar o termo atençãopsicossocial a par tir da II Conferência Nacional deSaúde Mental (1992) quando se definiu que a atençãointegral e a cidadania eram conceitos norteadores daatenção à saúde mental e, assim, nos marcos dessaConferência e de todo o movimento que eladesencadeou, compreende-se que a condição desaúde e doença mental presente em uma determinadapessoa é resultante de um conjunto complexo eindissociável de determinações e condicionamentosbiológicos, psicológicos e sociais. Essa denominaçãoremete à noção de saúde mental que, diferente dapsiquiatria, uma disciplina da área médica, é,estruturalmente, interdisciplinar. O campo da saúdemental só é possível a partir da pluralidade de olharesdisciplinares (teorias) sobre a “loucura” – acepçãomais ampliada de “doença” ou sofrimento mental1.

Definem-se, assim, algumas balizas teóricas paraa compreensão inicial das práticas de atençãopsicossocial: são ações de cuidado pautadas por umacompreensão ampliada do processo saúde-doença(mental), que remetem à uma realidade bio-psico-social histórica e concreta e que se constituem a partirda integralidade e da cidadania.

Desse modo, compreendemos que a atençãopsicossocial localiza-se no campo interdisciplinar dasaúde mental, não é uma extensão ou uma atualizaçãodas práticas psiquiátricas (médicas), nem se organizaa partir da centralidade dessas1.

Normatizando o processo de criação dos CAPS, no Brasil,em 2004, o Ministério da Saúde (MS)2:13, definiu-os como:

[...] um serviço de saúde aberto e comunitáriodo Sistema Único de Saúde (SUS). Um lugar dereferência e tratamento para pessoas que sofremcom transtornos mentais, [...] cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência numdispositivo de cuidado intensivo, comunitário,personalizado e promotor de vida.

O objetivo dos CAPS é:

[...] oferecer atendimento à população de sua áreade abrangência, realizando o acompanhamentoclínico e a reinserção social dos usuários pelo

acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitoscivis e for talecimento dos laços familiares ecomunitários. [...] criado para ser substitutivo àsinternações em hospitais psiquiátricos2:13.

Ressaltamos o caráter inovador e arrojado previstona definição dos CAPS. Trata-se de um dispositivo deatenção situado no campo da saúde e no SUS,entretanto, pretende uma organização de práticas decuidado de alcance intersetorial, além de ser voltadopara o atendimento de pessoas em situações gravesde sofrimento mental, com o objetivo de substituir aassistência ofertada nos hospitais psiquiátricos.

Essas premissas organizacionais dos CAPS -intersetorialidade e resolutividade - também demarcamo campo da atenção psicossocial, ou seja, a atençãopsicossocial, além de ter como conceito fundante aindissociabilidade bio-psico-social do processo saúde-doença (mental), de guiar suas práticas pelos marcosda integralidade e da cidadania, a partir de concepçõesinterdisciplinares que superam as práticas psiquiátricas,necessitam organizar-se de modo intersetorial e seremresolutivas para as situações de sofrimento mental gravedemandadas pelos “pacientes”.

Fazemos essa introdução para que possamosanalisar alguns aspectos da construção da atençãopsicossocial a partir de dados sobre o funcionamentodesses dispositivos (CAPS). Pautamos essa reflexãoem alguns conceitos da dialética marxista -materialismo, historicidade, contradições - e buscamosanalisar dados do contexto regional do qual somosparticipantes e, portanto, do qual não pressupomos aneutralidade, buscando inserir esses dados locais eregionais no movimento atual de organização nacionaldas práticas da Reforma Psiquiátrica.

SOBRE A CONSTRUÇÃO MATERIAL,ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA DOSDISPOSITIVOS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

Em consonância com as diretrizes do MS, o governodo Estado de Mato Grosso (MT), em convênio comPrefeituras, vem desenvolvendo uma política deimplantação de CAPS em todo o Estado, que resultamna existência atual 33 deles, sendo sete na grande Cuiabá(Municípios de Cuiabá e Várzea Grande). Esse movimentoacompanha a evolução que vem ocorrendo no Brasil:em 2001 havia 295 e em agosto de 2005, 650 CAPS3.

Os dados disponíveis no MS permitem tambémafirmar que Mato Grosso vem ocupando um lugardestacado no panorama nacional de instalação deCAPS: ocupava a terceira posição no ranking “indicadorCAPS/100.000 habitantes” quando, em agosto de 2005,

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havia 17 cadastrados (apenas a metade dos atuaistrinta e três) e 0,653 CAPS/100.000 habitantes, índicemenor apenas que Sergipe e Rio Grande do Sul2.

Em Mato Grosso, o incentivo para a implantaçãode CAPS nos Municípios com mais de 20.000habitantes foi normatizado4,5,6 a partir de 2001 e, pormeio dos instrumentos de gestão constituídos,garantiu-se financiamento e agilidade na implantaçãoe custeio de CAPS nos Municípios.

Em decorrência das diretrizes administrativo-financeiras dispostas nesses instrumentos de gestão,ocorreu um processo de mobilização dos gestoresmunicipais para a criação de serviços extra-hospitalaresde saúde mental, na modalidade exclusiva de CAPS.Esses instrumentos alteraram o panorama deassistência à saúde mental em MT que, até o inicio doséculo XXI, era caracteristicamente hospitalocêntrica7.

Observamos que esses instrumentos influenciaramum movimento de organização de rede de atençãoem saúde mental, entendida como sinônimo de criaçãode CAPS, até mesmo em locais onde a demanda deinternação psiquiátrica era muito reduzida ou sequerexistia – caso dos Municípios de Confresa e Vila Ricaque, durante um ano, 1998-1999, não apresentounenhuma demanda para internação psiquiátrica e quepassaram a contar, a partir de 2004, com CAPS8.

Compreendemos, portanto, esse expressivo avançona dimensão administrativa da organização da redede atenção psicossocial em MT, determinado,principalmente, pelo predomínio de uma lógica degestão financeira: garantia de aumento de receita paraos Municípios. Essa afirmação, entretanto, requermaior detalhamento analítico e, para isto, é necessárioapresentar alguns dados que permitem acompreensão das especificidades regionais.

O Estado de MT localiza-se na região central do Brasil,distante dos grandes centros urbanos e, conseqüentemente,sofre com as dificuldades decorrentes do difícil acesso eintercâmbio com os centros de poder político, econômicoe acadêmico. Disso resulta, entre outras dificuldades, umaprecariedade de formação especializada em saúde mental,o que resulta na instalação dos CAPS, em sua quasetotalidade, com profissionais – enfermeiros, médicos,psicólogos, assistentes sociais, e outros - que possuemsomente formação generalista. Disso decorre também opouco acúmulo crítico ao modelo hospitalocêntricopsiquiátrico, a inexistência de movimentos sociais em saúdemental e a incorporação da Reforma Psiquiátricaapreendida como desospitalização.

Outras características regionais - diversidadesetnoculturais, grande contingente populacionalindígena e diversas influências culturais decorrentes

dos fluxos migratórios colonizadores recentes (baianos,gaúchos), o estágio de desenvolvimento social eeconômico marcado ainda por uma economiaextrativista (madeira e garimpo) e de setor primário(agricultura e pecuária) – definem de um modo peculiaro processo de construção da rede de atençãopsicossocial no Estado. Essa peculiaridade conformauma organização de serviços e dispositivos de cuidadoque são muito frágeis sob o ponto de vista dapar ticipação social e de referenciais teórico-críticos eapontam para uma supervalorização das estratégiasde gestão administrativa e financeira na definição domodelo assistencial e da racionalidade médico-psiquiátrica nos processos terapêuticos.

Assim, a rede de atenção psicossocial (ou de CAPS)existente é numericamente significativa, tanto para ospadrões regionais quanto no contexto nacional, entretanto,a análise da racionalidade que orienta o trabalho/cuidado,realizado ou não segundo a lógica do modelo de atençãopsicossocial, requer uma maior aproximação.

O estudo de dois dos sete CAPS da grande CuiabáI

aponta alguns subsídios para a análise dessaracionalidade do processo de trabalho/cuidado aírealizado. Apresentaremos alguns dados sobre essasduas equipes, com o objetivo de refletir sobre aspossibil idades e l imites dessa estr utura para aconstrução da atenção psicossocial.

Em cada um dos dois CAPS estudados, o número deprofissionais de nível universitário era seis e, portanto,ambos atendem ao mínimo estabelecido pelo MS2 tantona quantidade como também quanto à formação (médico,enfermeiro e demais profissionais). Quanto ao vínculoinstitucional, observamos que, do total de profissionaisdesses dois CAPS, apenas 16% eram efetivos, enquanto84% eram contratados temporariamente.

Consideramos que essa condição de trabalho,presente em grande parte da força de trabalho emsaúde atualmente9, é um fator de grande dificuldadepara a realização de atenção psicossocial, uma vez que,ao não dispor de segurança de permanência e deascensão na carreira profissional, o trabalhador tempouco poder de contratualidade para o exercício depráticas emancipatórias no processo de trabalho/cuidado. Ou seja, se o seu contrato de trabalho não égarantido por capacitação técnica, mas está nadependência de injunções pessoais ou clientelistasdecididas pelo gestor local, como é o caso dos contratostemporários de trabalho em nossa região, essetrabalhador terá muitas limitações para se posicionarde modo profissionalmente autônomo nas discussõese práticas de cuidado realizadas nos CAPS.Exemplificando essa limitação, podemos citar situações

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onde os profissionais não dispunham de opçõesminimamente adequadas para o implemento de terapiapsicofarmacológica (falta de medicamentos básicos),ou de telefone, ou de transpor te para o atendimentodos pacientes, mas isso não era abordadoexplicitamente em reuniões de equipe, discussão decasos ou, menos ainda, no processo terapêutico como paciente, pois poderia repercutir em demissões.

É importante também assinalar que, nesses CAPS, ocargo de gerente era acumulado com o do exercícioprofissional, assim, o assistente social em um e o psicólogoem outro, além de ser responsável pelo atendimento desua área, respondia também pelo cargo de gerência, quenão previa nenhum tipo de gratificação salarial.

Quanto à carga horária semanal, observou-se quetodos os profissionais (exceto os médicos) realizavam umacarga horária de 30 horas, o que repercute no fato deque o enfermeiro, por exemplo, cumpria sua jornada detrabalho no período matutino e os pacientes atendidosno período vespertino sequer o conheciam, e isso se repetiacom os demais profissionais. Os médicos psiquiatrascumpriam uma jornada de um único período (manhã outarde) de aproximadamente três horas semanais.

Consideramos que essas características do trabalhoincidem diretamente na possibilidade ou não deconstrução da atenção psicossocial – objetivo dos CAPS.Na realidade estudada, o cuidado inovador e arrojado,previsto para acontecer nesse dispositivo, tinha queacontecer em condições reais e concretas de trabalhoreduzidas para menos do mínimo estabelecidolegalmente, pois, se o que foi estabelecido comocondição mínima para o trabalho das equipes érespeitado somente para efeitos formais, ou seja,contrata-se um profissional para que ele sejasimultaneamente técnico e gerente e, a partir de umaúnica jornada de trabalho (manhã ou tarde) respondatecnicamente pela assistência profissional dos pacientesatendidos em todos os períodos, estamos, na prática,nos limitando a uma disposição formal de contar comesse profissional na equipe, sem condição de incluí-lo,de fato, na dinâmica do processo de trabalho diário.

Ao abordarmos essa inc lusão formal dosprofissionais nas equipes, é necessário tambémanalisarmos o modo peculiar de par ticipação, nessaequipe, dos médicos psiquiatras. A escassez desseprofissional no mercado de trabalho local, as condiçõesprecárias de trabalho que não permitem modificar essepanorama com a migração de profissionais de outrasregiões e a força que essa categoria ainda detém nojogo político das relações de trabalho/empregodeterminam que os gestores negociem e legitimemcondições privilegiadas para essa categoria profissional

nas equipes. É necessário refletir sobre as diferentesinserções profissionais no mundo do trabalhoatualmente10 e as repercussões dos arranjos dasdiferentes categorias profissionais na construção daatenção psicossocial.

A atenção psicossocial em MT, compreendida comoaquela prioritariamente realizada nos CAPS, insere-senum processo nacional que, em outras regiõesbrasileiras, surgiu a partir de uma crítica socioculturale técnica ao modelo hospitalocêntrico de assistênciapsiquiátrica, entretanto, aqui foi possibilitada por umadiretriz política-administrativa-financeira percebidacomo externa à realidade e às práticas das instituiçõespsiquiátricas locais11. Assim, foram prioritariamenteos mecanismos de gestão que determinaram a criaçãodos CAPS que, atualmente, compõem de modohegemônico o modelo de atenção à saúde mental noEstado. Além de suficientes para determinar o modelode atenção, esses instrumentos de gestão tambémimpõem as formas de contrato e trabalho das equipesdesses CAPS no âmbito municipal, marcado pela baixaremuneração e outras condições precárias de inserçãodos trabalhadores no mundo do trabalho.

Quisemos até aqui apontar algumas definiçõesnacionais e características regionais que incidem naconformação dos processos de trabalho realizados nosCAPS com o objetivo de, numa análise que busca ahistoricidade, a dinamicidade e a totalidade, abordar aspráticas de atenção psicossocial possíveis nesse contextoe os seus limites, para nos instrumentalizar e superá-los.

O PROCESSO DE TRABALHO DAS EQUIPES

Ao processo de trabalho corresponde um objeto,que é a quem (ou para o que) se dirige o nosso cuidado,instrumentos ou meios que incluem métodos, técnicas,equipamentos e/ou recursos para realizar umdeterminado trabalho, e a finalidade ou o que se queralcançar com esse trabalho. Essas três dimensões seconformam mutuamente, não existem separadamente,são interdependentes e somente existem numa relaçãohistórico-dialética com os determinantes gerais domodo de produção capitalista, que, por sua vez,condiciona a existência de uma sociedade de classes,de alto nível competitivo e excludente.

Na tecnologia alienista, ou seja, no modeloassistencial dos primórdios da psiquiatria, o objeto detrabalho era a “doença mental” abstraída de suarealidade de surgimento, numa perspectiva teórica deexplicação individual, orgânica ou moral, e os meiosestavam relacionados à organização do hospício e daspráticas de “tratamento” que se mantiveram ao longo

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da história centralizadas no hospital psiquiátrico e quetêm o isolamento como princípio12. Nesse modelo, acura – finalidade do processo – era compreendida comoo retorno a um padrão ideal de normalidade. Essa é aracionalidade que orienta o processo de trabalho aindahoje no que denominamos modelo médico-psiquiátrico.

Compreendemos a Reforma Psiquiátrica como umimportante movimento que possibilita a construção deum novo modelo de atenção em saúde mental. Adotamosaqui a definição de modelo de atenção como umaracionalidade que determina uma organização de saberese instrumentos nos processos de trabalho em saúde.Não é um padrão, nem uma determinada organizaçãoburocrática e administrativa das práticas, trata-se de “umalógica que orienta a ação”, um “modo de combinartécnicas e tecnologias para intervir sobre problemas desaúde e atender necessidades individuais e coletivas”13:165.

No modelo de atenção psicossocial, o objeto édefinido na confluência dos aspectos biológicos,psicológicos, sociais, políticos e culturais. O sofrimentomental não é um fenômeno exclusivamente individual,mas ocorre numa pessoa “em-relação”, portanto, oadoecimento e o tratamento necessitam dessaperspectiva sociocultural e política, além da biológicae psicológica. O alvo das ações é uma pessoa emtodas essas dimensões, com seus vínculos familiarese sociais, e ela é o sujeito principal de todo o processode tratamento, com direito a voz e par ticipação nasdecisões da sua vida e tratamento14.

Nesse modelo, a equipe trabalhainterdisciplinarmente buscando novas formas desociabilidade para além das relações hierárquicas,além de comportar outros membros que extrapolama constituição tradicional das equipes terapêuticas(como artesãos, músicos, artistas plásticos e outros)14.

Admitindo que o sofrimento mental não é externoao sujeito, mas se dá a par tir de uma determinadamaneira em que ele se posiciona em relação a seusconflitos e contradições, então, a finalidade no modelopsicossocial “é um reposicionamento do sujeito de talmodo que ele, em vez de apenas sofrer os efeitosdesses conflitos, passe a se reconhecer como um dosagentes implicados nesse “sofrimento” e como umagente de possibilidade de mudança” 14:155.

Nesse modelo psicossocial de atenção, ao objeto detrabalho redesenhado, ampliado e complexificado, nãomais reduzido à dimensão corporal e moral da “doençamental”, apresenta-se a necessidade de novosinstrumentos – nova conformação de equipes, relaçõesde poder horizontalizadas, abordagem clínica queincorpore o campo social e o político, além da mobilizaçãopara a participação e o controle social, por meio de

associações de usuários e familiares, de trabalhadores,assembléias de usuários e trabalhadores entre outros. Énesse processo que são “inventados” os novos dispositivosde cuidado, como os CAPS, onde a instituição, em si, é umespaço de interlocução: o sujeito fala, participa de umdiálogo, não inquérito, nem monólogo, e a organizaçãoinstitucional pressupõe a integralidade – em relação aoterritório e ao ato terapêutico14.

Apresentamos essas premissas do modelo deatenção psicossocial para novamente voltar aoselementos do processo de trabalho realizado/analisado,buscando compreender as suas contradições epossibilidades de superação.

Inicialmente nos deparamos com uma dificuldade:como é possível que equipes tão mínimas como asencontradas em nosso meio, trabalhando sob condiçõestão precárias, possam operacionalizar uma delimitaçãode objeto de trabalho/cuidado tão ampliada, que, conformedescrito no modelo psicossocial, busca superar a clínicatradicional e compromissarem-se com uma prática clínicabaseada no diálogo entre racionalidades científicas,discursos socioculturais e meios de trabalho?15.

Quando se busca essa dimensão da clínica, temosque admitir que “os profissionais compõem, numa relaçãode trabalho/terapêutica, com seus clientes/‘pacientes’,uma dialética de papéis simultâneos de trabalhador/cuidador” e, se isso não for considerado no plano dotrabalho assistencial e centrar-se a atenção apenas nopólo “terapêutico”, que teria a pretensão de respondera todas as demandas, restaria uma clínica que, mesmocom toda a competência técnica, não garante umaatenção compromissada com a cidadania15: 26.

Desse modo, se o desafio é, como já afirmamos,tão inovador quanto o trabalho da atenção psicossocialpreconizado, como alcançá-lo partindo-se de equipestão minimalistas? Como ar ticular as dimensões detrabalho/cuidado indissociáveis nesse projetoterapêutico que visa a cidadania (de todos) tendo-secomo fundamentos os vínculos de trabalho tão precáriosdos trabalhadores? De que maneira os meios detrabalho podem ser viabilizados para o alcance dosobjetivos, sem que possam ocor rer diálogosdemocráticos nas equipes e na gestão? Em síntese,indagamos se é possível a existência de atençãopsicossocial em decor rência somente de umaordenação administrativo-financeira, sem que sejaacompanhada de mecanismos de par ticipaçãodemocrática da gestão e dos processos de trabalho?

Analisando-se o sistema de financiamento dos CAPS,percebe-se também uma grande dificuldade naconsecução dos objetivos da atenção psicossocial, poisa lógica da remuneração via Autorização de

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Procedimento de Alta Complexidade (APAC) vincula-seprincipalmente à doença, na sua delimitação clínico-diagnóstica tradicional e compromete a possibilidadede atenção psicossocial16.

O médico psiquiatra é o profissional responsávelpela assinatura do documento que garante ofinanciamento dos CAPS (APAC) e, em nosso meio,como já apresentamos, ele é o profissional menospresente nas equipes. Portanto, observam-se aquialgumas contradições impor tantes: o CAPS organiza-se legal e normativamente em torno da atençãopsicossocial e, ao mesmo tempo, exige que a inscriçãodo paciente em uma modalidade de tratamento(Intensiva, Semi-intensiva, Não-intensiva) deve serindicada legalmente (na APAC, para garantir ofinanciamento) pelo médico mediante um diagnósticomédico-psiquiátrico. Esse profissional, sendo o maisausente na equipe, é o que detém maior autoridadeno processo terapêutico. Em relação a isto se observou,nos CAPS estudados, que os profissionais de nível médio,principalmente técnicos de enfermagem e tambémalguns de nível superior, não médico, preenchem osdados das APAC’s deixando-os prontos para que omédico somente inclua os dados dos campos dediagnóstico, modalidade de tratamento e assinatura, ou,em outras situações, o médico discute na equipesomente a inclusão de pacientes novos e os formuláriosde APAC’s de renovação são assinados em branco porele, para que a equipe proceda ao preenchimentoposterior. Observa-se uma clara demonstração de que,muitas vezes, a equipe funciona na dinâmica dainstrumentalização do trabalho médico, que detémautonomia e autoridade sobre todo o processoterapêutico, mesmo em contexto de atenção psicossocial.

Outro aspecto a se destacar são as características doque é denominado acolhimento nos CAPS. Esseprocedimento era realizado, nas situações observadas,pelo técnico de enfermagem, técnico administrativo ououtro profissional da equipe que estivesse disponível.Resume-se a uma entrevista de aproximadamente trintaminutos, na qual se segue um roteiro de dados deidentificação pessoal, familiar e social, seguido deagendamento para consultas com os demais profissionaisda equipe. Depois desses atendimentos, o paciente éincluído ou não em uma modalidade de tratamento.

Admitindo o sentido de que “acolher um pacientepela primeira vez, não é estar do outro lado de umamesa, obser vando o compor tamento, mas estardisposto a recebê-lo e estar com ele na situação,par ticipando e tentando apreender um códigodesconhecido”17:41, indagamo-nos sobre oprocedimento realizado: é acolhimento ou triagem? E,

novamente, reportamo-nos às dimensões internas deorganização do serviço: os profissionais que realizamesse procedimento têm qualificação necessária paracompreender a impor tância e agir nesse primeiroencontro? E também aos determinantes externos: deque maneira pode-se construir atenção psicossocial comequipes tão precarizadas técnica e numericamente?

De acordo com o MS, os CAPS funcionam segundoa lógica do território e buscam organizar uma rede deatenção às pessoas com transtornos mentais, suasfamílias e comunidade. Os CAPS estudados atendemportadores de transtornos mentais que o procuram pordemanda espontânea ou encaminhados: pela justiça,pelas unidades básicas de saúde e egressos deinternação psiquiátrica. Observou-se uma insuficiêncianumérica de serviços: apenas sete CAPS para umapopulação de aproximadamente 700. 000 habitantes,sendo dois infanto-juvenis, dois para dependentes deálcool e drogas e apenas três para transtornos mentais,sendo que, desses, dois são CAPS I e um CAPS II.Conseqüentemente, a localização dos CAPS atende maisa uma organização geográfica do que ao planejamentoe atendimento de uma demanda territorial.

Em ambos os CAPS estudados, o número depacientes inscritos era menor do que o número devagas disponíveis. Isso remete a duas possibilidades:desconhecimento da população sobre o serviço ouainda que esteja pouco incorporado à cultura local e/ou por apresentar pequena resolutividade, o que fazcom que a população encontre respostas para suasdemandas em ser viços tradicionais da rede(ambulatório de referência e pronto atendimentopsiquiátrico). É necessário que esse dispositivo seconsolide na rede assistencial, se constitua comodisponível e resolutivo para demandas de qualquer diae horário, para que possam ser melhor analisadas suascaracterísticas de inserção territorial.

Sobre a dinâmica do trabalho realizado, observou-se o predomínio de atendimentos grupais, tanto dotipo grupo operativo, previstos num cronogramasemanal e sob a coordenação de um profissional denível universitário, nos quais se realizavam discussõesacerca de “cidadania”, “convívio familiar”,“planejamento e retorno do final de semana”, comodo tipo oficina terapêutica, caracterizadas pelarealização de uma atividade, seja educativa, comoexibição e discussão de filmes ou sobre programasministeriais de educação em saúde (hiper tensão,doenças sexualmente transmissíveis e outros), ou aindade confecção de trabalhos manuais e canto.

A valorização de atividades grupais, que propõeme facilitam a interação social, é fundamental para os

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propósitos da atenção psicossocial, entretanto, muitasvezes, as atividades eram reduzidas ao “fazer” otrabalho manual, ou cantar, ou, nos casos de gruposoperativos, a uma exposição coletiva de problemaspessoais e familiares que mereciam cuidado maisindividualizado. Compreendemos as oficinasterapêuticas nos CAPS como espaços coletivos deconstrução material - realização de um determinadoproduto (pintura, bordado, cerâmica, e muitos outros)-, e subjetiva – o encontro, a possibilidade de convivere dialogar – duas características básicas do cuidado18.

Nesse sentido, para que se trabalhem essas duasdimensões, é necessário não reduzir essas oficinas aespaços de confecção de determinados produtos.Saraceno19:16 afirma que o objetivo mais impor tantedas práticas de reabilitação é a ampliação dashabilidades das pessoas para efetuar suas trocas, tantonos espaços pessoais, da família, como nos espaçossociais e institucionais. Admitimos que a recuperaçãodas habilidades da pessoa para efetuar trocas, dialogare conviver passe por fazer atividades ar tesanais oucantar, mas não termine na realização dessasatividades. É importante refletir sobre essa forma decuidar para que não façamos a redução dessesespaços potencialmente ricos de convivência a espaçosde fazer para não pensar, ou de manutenção da ordeminstitucional, e, nesse processo, também reduzir a nósmesmos como agenciadores da alienação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário destacar, principalmente, apotencialidade inovadora e criativa dessa novatecnologia que, embora regida por normatização oficial,é construída cotidianamente por meio das relaçõesconcretas entre trabalhadores e usuários, nos espaçosreais e possíveis de existência dos CAPS.

Para apreendermos a realidade, na perspectivateórico-metodológica assumida, é necessário identificaras contradições constituintes dessa realidade e aprimeira nos parece: a implantação dos CAPS no vastoterritório nacional, sua definição e garantias jurídico-administrativas, que visam a uma macro mobilização rumoà atenção psicossocial, simultaneamente garante direitos/recursos e institucionaliza padrões de atendimento. E,na medida em que institucionaliza, fixa e imobiliza práticasterapêuticas que, por definição “psicossocial”, necessitamser móveis, mobilizáveis, dinâmicas e criativas. Parece-nos que a possibilidade da atenção psicossocial éintrinsecamente instável, em construção, um vir a ser.

Há que se resgatar, neste processo de construçãoda atenção psicossocial, a potencialidade humana,individual e coletiva. A humanidade de todos os atores

mobilizada em todas as suas dimensões dá a medidado avanço possível. A construção de práticasterapêuticas que buscam incrementar a potencialidade(e, conseqüentemente o protagonismo) de todos osatores envolvidos – profissionais, usuários e familiares/comunidade – é tarefa contínua a ser implementadano processo de construção da atenção psicossocial.Implica crítica e autocrítica cotidiana para não seraprisionada numa psiquiatria renovada. Na realidadeestudada, o modo de gestão condiciona o modelo deatenção e, em grande medida, imobiliza o potencialcriativo individual e coletivo de trabalhadores e usuários.

A formação dos profissionais da área da saúde,fortemente influenciada pelo paradigma médico-biológicoem detrimento de formação humanista, é um fatorlimitante. Ao se buscar a superação do modelo médico-psiquiátrico e a participação na construção de modelode atenção psicossocial, exige-se dos profissionais novashabilidades e competências que não estão postas noexercício cotidiano da formação ou são inseridas deforma aleatória e precária nos currículos.

Admitem-se diferentes recortes de objeto de trabalho/intervenção que permeiam varias profissões e práticasprofissionais que interagem, de modo mais ou menosconflituoso, nas equipes de saúde mental. Essa interaçãoé marcada por outros aspectos, além desses fundamentosteórico-práticos. A valoração social atribuída aos diferentestrabalhos, profissões e profissionais vai também marcarsignificativamente essas relações das equipes.

Aos trabalhadores de saúde mental nos CAPS, alémdo domínio de técnicas, é requisitado ter a capacidade,competência e a coragem de ajudar o outro a seperceber de maneira diferente daquela que os outrosdizem que ele tem que ser. A finalidade é também sermais autônomo, mas sempre tomando com muitocuidado esta palavra –autonomia. A autonomia ésempre provisória, nunca definitiva. A autonomiahumana é dada pela busca da liberdade e daemancipação. Essa busca (o movimento neste sentidoe não a coisa em si) é o que nos iguala humanamente,o que nos faz autônomos. Somos iguais, não porquenascemos iguais, mas porque decidimos que somosiguais20. E isto só vale enquanto tivermos coragempara manter esta afirmativa. Nada mais do que issonos garante como iguais. É dessa autonomia eliberdade que estamos falando como finalidade doprocesso de trabalho em saúde mental. Este é umgrande desafio. E também é preciso lembrar que nãopodemos fazer isto pelo outro – paciente ou usuário.Ou fazemos por “nós”, ou não há como ser feito.

A finalidade do trabalho da equipe (projetoterapêutico do paciente) pode ser tornar-se sujeito

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de sua vida - recuperar sua história de vida e refazer projetosde vida – processo que é intrinsecamente pessoal e coletivo.

As equipes que realizam o processo de trabalhode atenção psicossocial necessitam enfrentar suascontradições internas: disparidade de concepçõesteórico-metodológicas sobre o que e como fazer,relações de poder intra-equipes que, por sua vez, sãoconstituídas também nas e pelas contradições externas:pluralidade cultural e disparidade de valores éticos/moraisna sociedade atual, desigualdades sociais, exclusão demuitos em proveito de alguns e super exploração dotrabalho no modo de produção capitalista globalizado.

É necessário retomar as origens da ReformaPsiquiátrica, movimento que deu origem à atençãopsicossocial, ou ao desenvolvimento da dimensãotécnica-assistencial dessa Reforma, quando Basaglia21

afirmava a necessidade de que busquemos a liberdadee a identificação das contradições. Liberdade nosentido de que os seres humanos – trabalhadores oupessoas em sofrimento mental - são um infinito depotencialidades e as contradições presentes nasociedade: a construção ideológica a par tir da qualacreditamos que a sociedade é sadia e a de que osserviços aber tos ou comunitários de saúde mentalcuram, ou existem a par tir do momento em que asociedade “evoluiu” e tornou-se democrática.

Referências

No cuidado à saúde (e, especialmente à saúdemental), somos profissionais que operamos,simultaneamente com cuidado e controle, e compomosuma sociedade que convive com profundas opressõese pouca tolerância com os diferentes. Mas queremosacreditar que operamos práticas terapêuticasparticipativas e inclusivas nos serviços de saúde mental,mesmo quando não somos respeitados como cidadãostrabalhadores nesses mesmos serviços. É precisoenfrentar essa contradição.

Trabalhar/cuidar é um processo dinâmico que inclui ossujeitos (profissionais e usuários) numa dialética.Emancipação é também um processo dialético: construímosa nós mesmos, nos emancipamos no trabalho: usuários eprofissionais. O trabalho/ cuidado emancipatório,característico da atenção psicossocial, não se realiza pelouso de uma determinada técnica, nem pela realização numdeterminado lugar, ou pela qualificação profissional de quemo realiza, ou pela especificidade de quem é atendido. Eleocorre pela desalienação de todos os envolvidos (usuáriose profissionais), pelo reconhecimento de que somos, todos,sujeitos e cidadãos com direito à liberdade e comresponsabilidade pelas escolhas livres que fazemos, livresna medida em que dizem sobre a nossa participação social.

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3. Ministério da Saúde (BR). Dados sobre os centros de atençãopsicossocial no Brasil.[on-line] [citado 09 out 2006] Disponível em:http://www.inverso.org.br/index.php/content/view/8.html

4. Secretaria de Estado da Saúde (MT). Resolução CIB N°009/2001de 25 de maio de 2001. Dispõe sobre a flexibilização do processo deimplantação e implementação dos Centros de Atenção Psicossocial-CAPS em Mato Grosso. Publicada no DOMT de 18/06/2001; 2001.

5. Secretaria de Estado da Saúde (MT). Resolução CIB N°001/2002de 22 de março de 2002. Dispõe sobre a alteração de materiaispermanentes para implantação e implementação dos Centros deAtenção Psicossocial (CAPS) em Mato Grosso. Publicada no DOMT de12/06/2002; 2002a

6. Secretaria de Estado da Saúde (MT). Portaria n° 047/SES/GS de15 de abril de 2002. Dispõe sobre a microrregionalização da saúde.Publicada no DOMT de 13/05/2002; 2002 b

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Nota

Sobre a Autora

I. Projeto de Pesquisa intitulado O processo de trabalho em Centrosde Atenção Psicossocial (CAPS) de Mato Grosso, realizado de Janeiro/2005 a Julho/2006, aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa doHUJM, conforme termo de aprovação apresentado à Revista.

Recebido em 29/09/2006Reapresentado em 25/10/2006

Aprovado em 14/11/2006

Alice Guimarães Bottaro de OliveiraAlice Guimarães Bottaro de OliveiraAlice Guimarães Bottaro de OliveiraAlice Guimarães Bottaro de OliveiraAlice Guimarães Bottaro de Oliveira

Faculdade de Enfermagem - Universidade Federal de Mato Grosso

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CAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaSouza AC

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Saúde Mental. Saúde da Família. Serviços de Saúde Mental.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Mental Health. Family Health. Mental Health Services.

Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Salud Mental. Salud de la Familia. Sevicios de Salud Mental.

AMPLIANDO O CAMPO DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL:A ARTICULAÇÃO DOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIALCOM A SAÚDE DA FAMÍLIA

Extending the Field of the Psychosocial Attention:The Joint of the Centers of Psychosocial Attention with the Health of the Family

Ampliando el Campo de la Atención de Psicosocial:La Articulación de los Centros de Atención Psicosocial con la Salud de la Familia

Ândréa Cardoso de Souza

Trata-se de uma reflexão sobre a articulação entre o Centro de Atenção Psicossocial e as equipes de Saúde da Família no que se refereà ampliação das ações no campo da saúde mental. Tem como objetivo discutir a implementação da política de saúde mental no âmbitoda atenção básica de saúde. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica. Entre os resultados, observa-se que a orientaçãodas políticas de atenção à saúde mental aponta para a consolidação de novas estratégias de cuidado à medida que propõeredirecionar as ações para serviços de base territorial. Conclui-se que tanto a Saúde da Família quanto os Centros de AtençãoPsicossocial constituem dispositivos privilegiados para transformações das práticas de atenção em saúde mental. Possibilitam aconstrução de outras formas de convivência com as diferenças, ampliando as redes de solidariedade em um dado território.

It is a reflection about the joint between the Center ofPsychosocial Attention and the staff of Family Health in whatis related to the magnifying of the actions in the mental healthfield. It has as objective to argue the implementation of themental health politics in the scope of the basic attention ofhealth. For in such a way, a bibliographical research wascarried through. Among the results, it is observed that theorientation of the politics of attention to the mental healthpoints to the consolidation of new strategies of care asconsider redirect the actions for services of territorial basis.It was concluded that as much for the Family Health as for theCenters of Psychosocial Attention constitute privileged devicesfor transformations of the practices of attention in mentalhealth. They make possible the construction of other formsof coexistence with the differences, extending the net ofsolidarity in a determined territory.

Tratase de una reflexión sobre la ar ticulación entre el Centrode Atención Psicosocial y el equipo de Salud de la Familia enqué se refiere en la ampliación de las acciones en el campode la Salud Mental. Tiene como objetivo discutir laimplementación de la política de salud mental en el ámbito dela atención básica de salud. Para tanto, fue realizada unainvestigación bibliográfica. Entre los resultados, se observaque la orientación de las políticas de atención a la saludmental señala la consolidación de nuevas estrategias decuidado conforme propone redireccionar las acciones paralos servicios de base territorial. Concluyese que tanto laSalud de la Familia como para los Centros de AtenciónPsicosocial constituyen dispositivos privilegiados paratransformaciones de las prácticas de atención en saludmental. Hacen posible la construcción de otras formas deconvivencia con las diferencias, extendiendo la red desolidaridad en un territorio determinado.

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EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO:O VELHO NÃO MAIS DOMINA EO NOVO AINDA NÃO PREDOMINA

Torna-se premente a desconstrução do modeloassistencial tradicional no campo da saúde, definido peloMinistério da Saúde como atendimento da demandaespontânea, eminentemente curativo, hospitalocêntrico,de alto custo, sem instituir redes hierarquizadas porcomplexidade, com baixa resolutividade. Nele, a equipede saúde não estabelece vínculos de cooperação e deco-responsabilidade com a comunidade.

Se não forem produzidas mudanças nospressupostos e paradigmas que nor teiam o modeloassistencial tradicional, não se poderá esperar respostasatisfatória dos modos de atenção. Para isso, seránecessário desconstruir e reconstruir o modelo, e essareconstrução deve considerar a clínica do sujeito¹, queinclui a doença, o contexto e o próprio sujeito. Para quea transformação desse modelo ocorra, são necessáriasmudanças na concepção e na forma de se trabalharem saúde. É preciso reformular a clínica, tomando nãoapenas a doença, mas o sujeito enfermo, ampliar aspráticas de promoção da saúde, atuar em equipeinterdisciplinar, ampliar espaços para que se atendaalém do consultório e da sala de procedimentos, isto é,no domicílio, na escola, no bairro, na rua, etc, e sobretudocuidar das pessoas, inserindo-as em redes sociais, qualseja, o território, a família, etc”.

Os serviços de saúde devem abandonar a lógicatradicional que rege seu funcionamento e buscar criarcondições para que o sistema de saúde se aproximemais dos indivíduos, tornando-se mais humano,solidário e, sobretudo, mais resolutivo.

Durante a implementação do movimento deReforma Sanitária, obser vou-se a crescenteconsciência social de que a luta pela saúde faz parteda construção da cidadania. Um dos produtos dessemovimento foi a implantação do Sistema Único deSaúde (SUS). Entretanto, há que se considerar outrosganhos, visto que esse movimento se configurou comoum projeto social em busca da reorientação do modeloassistencial, através de estratégias como a da Saúdeda Família (SF) e os Centros de Atenção Psicossocial.

Tanto o movimento da Reforma Sanitária quanto oda Reforma Psiquiátrica partem de princípios e diretrizesque vislumbram a construção de formas mais humanase mais acolhedoras de se pensar e de se promoversaúde, implicando a elaboração de novos modos deatenção que contemple essa perspectiva mais ampliada.Este ar tigo procura levantar pontos consideradosessenciais para a realização de discussão que tenha

como foco a implementação de políticas de saúde mentalno âmbito da atenção básica, em especial no queconcerne à inclusão de ações em saúde mental na SF.

O referencial teórico utilizado encontra-se nainterface entre Reforma Sanitária e ReformaPsiquiátrica. A proposta metodológica privilegiou aanálise qualitativa. Este artigo consiste numa pesquisabibliográfica de ar tigos científicos dos últimos cincoanos, nas bases de dados MEDLINE e LILACS, disponíveisna Bireme e através da SCIELO e busca eletrônica nabiblioteca da ENSP e da UNICAMP, no período de agostode 2003 a julho de 2004.Os artigos foram selecionadostendo como referência a temática saúde mental esaúde da família.

A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM MOVIMENTO

O movimento da Reforma Psiquiátrica propunha-se a resgatar a história, a tornar possível a vida daspessoas que viviam confinadas no interior dos hospitaispsiquiátricos, além de impelir o sistema de saúde aelaborar modos mais humanizados e dignos de cuidado.Como movimento social, ampliou a pauta de discussõese reivindicações e propôs a superação radical domodelo psiquiátrico tradicional, utilizado nas práticasassistenciais e que representava a soberania do sabermédico sobre a loucura. Buscava desenvolverestratégias que possibilitassem a ampliação dasfronteiras de atuação para além dos bem demarcadoslimites dos hospitais psiquiátricos e das universidades.

Este movimento propiciou um intenso debate sobreas novas exigências políticas e éticas no contexto dastransformações assistenciais da nova política nacionalde Saúde Mental. O principal objetivo da ReformaPsiquiátrica constitui-se em poder transformar asrelações que a sociedade, os sujeitos e as instituiçõesestabeleceram com a loucura, com o louco e com adoença mental, conduzindo tais relações no sentidoda superação do estigma, da segregação e dadesqualificação dos sujeitos, ou, ainda, estabelecer coma loucura uma relação de coexistência, de troca, desolidariedade, de positividade e de cuidados².

A Atenção Psicossocial, ao adotar o princípio de saúdecomo direito e como norteador das práticas, visa agarantir uma atenção digna, acolhedora, singular eresponsável a todas as pessoas que se encontram emsofrimento psíquico. No centro da mudança no campoda saúde mental, está o desafio de cuidar sem segregar.

Hoje, a política nacional de saúde mental reforça aatenção de base territorial, em substituição à atençãohospitalar tradicional. Essa reorientação pode serobservada na diminuição do total de leitos psiquiátricose no aumento do número de Centros de Atenção

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Psicossocial (CAPS) no país. Pode-se observar umatendência à inversão do modelo de assistência em saúdemental, havendo uma retração do modelo hospitalar eum avanço do modelo de atenção psicossocial.3

No contexto da crise do paradigma psiquiátrico, vãosendo construídas novas experiências e novas propostasde intervenção no campo da saúde mental. A psiquiatriaclássica entra em um processo de falência de seusdispositivos teórico-práticos a partir do momento emque se instaura uma transformação radical no objetoe, também, uma ruptura epistemológica do saberpsiquiátrico: o foco da intervenção da psiquiatria deixade ser o tratamento da doença mental para constituir-se na promoção da saúde mental.4

Consideramos a Reforma Psiquiátrica um processosocial complexo e que possui quatro dimensões quedevem ser trabalhadas de forma simultânea e inter-relacionada5, quais sejam:

- Dimensão teórico-conceitual – refere-se aocampo epistemológico, aos conceitos e saberesque respaldam as práticas desenvolvidas no âmbitoda saúde mental.- Dimensão técnico-assistencial – relaciona-se comos modos de atenção em saúde mental e com osconceitos e as práticas advindas deste paradigma.- Dimensão jurídico-política – propõe-se adiscutir questões relacionadas à revisão dalegislação sanitária e psiquiátrica, resgatandopara a pauta das discussões questões comocidadania, direitos (civis, humanos e sociais),ao mesmo tempo em que aponta para anecessidade de redefinição das relações sociaisaté então estabelecidas com a loucura e como sujeito em sofrimento psíquico.- Dimensão sociocultural – propõe-se atrabalhar na perspectiva de transformação doimaginário social acerca da loucura,vislumbrando um outro lugar para a loucura epara o sujeito em sofrimento psíquico nasociedade. Esta dimensão é a que apresentamaior dificuldade para ser alcançada, em facede toda história estigmatizante da loucura epela relação de dependência com as demaisdimensões, de forma integrada e ar ticulada,assegurando no cotidiano da vida outrossignificantes para a loucura. É ela que contemplao objetivo maior da Reforma Psiquiátrica, queé o de promover transformações sociais acercado imaginário social da loucura.

A Reforma Psiquiátrica implica mudanças culturaise sociais radicais nesses quatro campos, afirmando-se como movimento social, o que nos permite avançar

e descobrir novos conceitos, outras práticas, outroslugares tanto para os usuários quanto para os técnicosde saúde mental. A ar ticulação entre os Centros deAtenção Psicossocial (CAPS) e a Saúde da Família (SF)pode viabilizar essas transformações tão caras aoprocesso da Reforma Psiquiátrica.

A Reforma Psiquiátrica propõe o abandono do lugarzero de trocas sociais (o manicômio) e a assunção deum lugar múltiplo, diverso, que é o território6. Paraisto, faz-se necessário reafirmar a necessidade deintervir na sociedade, pois é na sociedade que seoriginam mecanismos de estigmatização e de exclusãodas diferenças7. A Reforma Psiquiátrica também propõea criação de outros espaços possíveis para a loucura eo direcionamento da intervenção para espaços sociais.

CAPS: PRÁTICAS PARA ALÉM DOS SERVIÇOS

O processo de Reforma Psiquiátrica apontava paraa construção de novos modos de atenção em saúdemental que proporcionassem a ruptura com o aparatoinstitucional criado para “conter” a loucura. Assim, emalternativa ao modelo hospitalar de atenção, a prioriexcludente, foram implantadas diversas experiências quevisavam a transformar as práticas e saberes relacionadosa este campo, em que se pretendia, entre outros, aconstrução de novos modos de atenção em saúde mentalque se diferenciasse do que hegemonicamente eraoferecido. Entre essas experiências, podemos citar areorientação da política nacional de saúde mental doeixo hospitalar para o eixo territorial, o que inclui aconstrução de serviços de atenção diária, serviçosresidenciais terapêuticos, centros de convivência, entreoutros. Podemos citar também a inclusão das ações desaúde mental na atenção básica, principalmente naregião nordeste do país 8.

Os CAPS surgem, no Brasil, em fins da década de 80,como um análogo, ainda incipiente, dos Centros de SaúdeMental italianos, no que tange a oferecer um cuidadointensivo ao portador de sofrimento psíquico a partir deuma lógica de inserção no território, vínculo, acolhimentoe atenção diária. Os CAPS ocupam atualmente no Brasilum papel estratégico para a transformação das práticasde atenção em saúde mental9.

Esses novos serviços podem ser denominadosespaços sociais de produção de sujeitos sociais e desubjetividades, espaços de convivência, de sociabilidadede solidariedade e de inclusão. Os serviços substitutivosem saúde mental representam uma inovação em umcontexto de prática médica tradicional.

O termo CAPS foi pela primeira vez utilizado pelaSecretaria Estadual de Saúde de São Paulo para

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descrever um ser viço de atenção diária comfuncionamento em dois turnos, durante cinco dias nasemana, que pretendia ser intermediário entre aunidade hospitalar e a comunidade. Foi definido naépoca como um espaço de referência para o usuário– lugar para ir, encontrar pessoas, desenvolver algumaatividade, conversar, tomar um lanche, tomar remédioe ir para casa10. Entre seus objetivos estava o deconstituir-se como “continente” para as pessoas emsofrimento psíquico, auxiliando-as no seu cotidiano.Constituía uma estratégia de cuidado para uma clientelamarginal e um suporte adequado à complexidade dosaspectos que envolviam o sofrimento psíquico, nãoencontrado nos dispositivos existentes até então9.

O Ministério da Saúde adotou o termo CAPS paradescrever os serviços tidos como substitutivos que setornaram estratégia de enfrentamento ao modeloassistencial tradicional. Atualmente, os CAPS sãodefinidos pelo Ministério da Saúde como um serviçoambulatorial de atenção diária que funciona segundoa lógica do território. Representam o articulador centraldas ações de saúde mental do município ou do móduloassistencial e se apresentam nas seguintesmodalidades de serviços: CAPS I, CAPS II e CAPS III,CAPS infanto-juvenil e CAPS álcool e drogas, definidospor ordem crescente de por te e complexidade eabrangência populacional11.

Nos dez anos transcorridos entre a publicação daprimeira regulamentação e sua republicação em 2002,a car tografia da Atenção Psicossocial, no Brasil,apresentou impor tantes transformações no que dizrespeito à oferta de Centros de Atenção Psicossocial eseu papel na rede de saúde mental.

O CAPS pode ser definido como uma experiênciaem saúde coletiva, tendo como objetivo interferir naprodução do imaginário social no que diz respeito àloucura. Juntamente com outros dispositivos de atençãoterritorial, a sociedade, que durante toda a existênciada psiquiatria pensava que o melhor tratamento eencaminhamento destinado ao louco seria o hospitalpsiquiátrico, agora está conhecendo outros modos delidar com a loucura que não a segregação e a exclusãodo portador de doença mental.

Neste sentido, o CAPS apresenta-se comosubstitutivo do hospital psiquiátrico e centra-se naatenção integral ao portador de sofrimento psíquico.Portanto, visa ao desenvolvimento de projetos de vida,de produção social e à promoção da melhora daqualidade de vida dos usuários. Tem como missãoestabelecer laços para além dos serviços de saúde,por isso deve estar voltado para “fora de si”, pois precisamanter aquecida sua relação com a cultura local.

Apesar de buscar, através do desenvolvimento de suaspráticas, uma permeabilidade com o social, o CAPSapresenta dificuldades em coaabitar o espaço de fora,por diversos e diferentes motivos (estrangulamentoda rede, aumento da demanda no CAPS paraacompanhamento ambulatorial, formação ainda“inadequada” para esta nova proposta de atenção,dentre outras), sendo cada vez mais distante apossibilidade de o CAPS estar fora de seus muros.

É necessário ampliar a projeção do CAPS diantedas políticas sociais. Para tanto, é essencial poderestruturá-lo de forma a ocupar outros territórios - algomuito caro e desejável no campo da atenção em saúdemental. O CAPS precisa se inscrever de maneira maisampla na transformação social.

O CAPS, ao buscar inovação em suas práticas, nãopode prescindir do resgate de sua origem: o conceitode ter ritório como processo, a tomada deresponsabilidade sobre a demanda, o conceito dedesinstitucionalização, a dimensão cultural e ética docuidado em saúde mental e, principalmente, acompreensão da transformação do modelo assistencialem saúde mental como um processo social.

Diferente do hospital psiquiátrico que impunha umabarreira ao intercâmbio social e às possibilidades detroca com o mundo exterior, o CAPS busca, deseja ede certa forma corre ao encontro da “contaminação”ou da “invasão” da loucura na sociedade. Através daSF, o CAPS tomado aqui como conceito operacional12,pode ocupar as ruas, a vizinhança, o ter ritório,capilarizando-se e sendo capaz de operar mudançasnas microrelações que se dão no cotidiano.

A SF poderia constituir um mediador de encontros,de saberes e práticas “não-especializadas”, de espaçosnão delimitados para a circulação da loucura. Natentativa de se trabalhar com outras perspectivas, dese criar novos modos de acolher a saúde e a loucura,as ações deixam de ser restritas a espaços físicos,possibilitando um trânsito até então considerado“inseguro”. Torna-se difícil deixar de lado a “segurança”do consultório ou da unidade de saúde e, de cer taforma, habitar o espaço até então do outro8.

O estabelecimento de ações em conjunto entre aSaúde Mental e a Estratégia de Saúde da Famíliaamplifica o potencial do CAPS como agenciador denovos modos de cuidado e estende a outros espaçosa responsabilização pelo cuidado integral às pessoasem sofrimento psíquico. O CAPS pode funcionar comounidade de apoio para as equipes de Saúde da Famíliaou da Atenção Básica, porém são estas equipes quecontinuarão sendo referência para as pessoas. Nãohaveria transferência de responsabilidade, o CAPS

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funcionaria como uma unidade de apoio que viabilizariamelhor atenção às pessoas, prestada pelas equipesde Saúde da Família , caminhando no sentido daintegralidade da atenção. Fazer saúde mental na rua,na comunidade, no bairro implica deixar de lado aregularidade mais ou menos segura dos serviços eficar diante da imprevisibilidade radical da vidacotidiana. Portanto, não é tarefa fácil colocar-se diantedo novo, da vida das pessoas, no meio dosacontecimentos; entretanto, é lá que é preciso estar,pois é lá que as coisas acontecem13.

A SAÚDE DA FAMÍLIA: UMA ESTRATÉGIAEM BUSCA DA INTEGRALIDADE

A SF tem sido a principal estratégia adotada peloMinistério da Saúde para a reorganização da AtençãoBásica, buscando o acompanhamento permanente dasaúde de um número determinado de indivíduos efamílias que residem em um território. Possibilita oestabelecimento de vínculos de compromisso e de co-responsabilidade entre profissionais de saúde e apopulação, contribuindo para a estruturação dosdemais níveis de complexidade do sistema de saúde,de forma que se mantenha o compromisso com oacesso da população a todos os níveis de assistênciae com a implantação de novos modos de atenção14.

A SF pode ser considerada um espaço de práticasde um novo modo de conceber o sistema de saúde,uma estratégia para o alcance da eqüidade e daintegralidade em saúde. Representa a transformaçãode um discurso ideológico em uma ação política, quetem como objetivo a reorganização da práticaassistencial em novas bases e critérios15, emsubstituição ao modelo tradicional de assistência,constituindo novos vínculos entre os serviços de saúdee a população. Promover a saúde de um indivíduoimplica inter vir no contexto onde o mesmo está“inserido”, no espaço onde ele vive. A atenção passaa ser centrada na família, percebida a par tir de seuambiente físico e social, o que tem permitido àsEquipes de Saúde da Família uma compreensãoampliada do processo saúde/doença e da necessidadede intervenções que vão além das práticas curativas16.

A SF vem se colocando cada vez mais comoestruturante para a reorganização dos serviços deatenção básica e para a reorientação das práticas emsaúde, na tentativa de inverter a concepção atual domodelo tradicional vigente, considerando a saúde comoproduto social. No entanto, torna-se necessário que aequipe de saúde desempenhe o papel de agentetransformador17, estabelecendo vínculos afetivos e efetivosde cooperação com os indivíduos, famílias e comunidade.

Poderíamos então afirmar que a SF se configuraem uma política democratizadora, em contraposiçãoao caráter racionalizador das políticas anteriores.Caracteriza-se como uma prática de atenção de baseepidemiológica, ancorada em dois conceitos damedicina social - o da determinação social do processosaúde-doença e o do enfoque nos processos detrabalho em saúde. Tem como características o caráterde organização de serviços, a potencialidade desubstituição do modelo assistencial tradicional e o fatode constituir fonte de inspiração para novas práticasde gestão16,18. Esta impele para a necessidade dapar ticipação e para novas e diferentes maneiras deorganizar a atenção à saúde na localidade.

Nesse sentido, consideramos a SF uma estratégiaaltamente potente na promoção de outros modos derelacionamento com a loucura, desconstruindo econstruindo no interior das casas, na vizinhança, nacomunidade, no bairro outras relações com as diferenças,permitindo ao portador de doença mental um espaço decirculação que não aquele “especializado”, segregador.Por meio de um atendimento “não especializado”,podemos pensar e traçar novos trajetos e circuitos para aloucura e trabalhar para desmistificar a loucura nocotidiano, permitindo ao sujeito em sofrimento psíquicocompartilhar o mesmo espaço que as demais pessoas naunidade de saúde, na associação de bairro, no trabalho,lazer, etc. Dessa forma, é possível haver outro trânsito,que poderá apontar para a tão almejada transformaçãosocial e permitir à loucura e ao sujeito em sofrimentocoabitar num espaço múltiplo, atravessado porsingularidades, diferenças e conflitos, portanto, permitirao portador de doença mental um lugar, de fato, na vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A SF, por meio do desenvolvimento de suas ações,pode proporcionar o estabelecimento de relaçõesconsistentes com a comunidade, operando em seuinterior as tão almejadas mudanças e transformaçõessociais, e, talvez por isso, pode ser o dispositivo quemelhor venha atender aos objetivos da ReformaPsiquiátrica, pois pode viabilizar a construção de outrasrepresentações e lugares para a loucura. É precisoestar dentro da comunidade e não ao lado, pois oprocesso de transformação acontece na comunidade.Para tanto, necessitamos estabelecer processoscontínuos de apoio mútuo, ar ticulando recursos,pessoas e instituições, para podermos vislumbrar apossibilidade de mudanças nos mais diferentes campos.Desse modo, a SF poderia operar melhor o princípioda acessibilidade, tão caro à Atenção Psicossocial19,por meio dos agentes comunitários, atuando próximo

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das pessoas, na vizinhança e fazendo a extensão desuas práticas na casa das pessoas.

Essa articulação possibilita tanto à SF quanto aosCAPS tornar as fronteiras permeáveis, levando-nos apercorrer caminhos diferentes, propiciando ao portadorde transtorno mental sair de um lugar segregador eexcludente para de agenciamentos de possibilidadesde vida. Permite tornar concretos, no cotidiano da vidadas pessoas, os princípios que motivaram e nortearamo movimento tanto da Reforma Psiquiátrica quanto daReforma Sanitária. Essa articulação possibilita e requermaior plasticidade das práticas de atenção em saúde.

Talvez, a SF nos permita de fato transformar, mudar,reformar, reformular, revolucionar os saberes e práticasno campo da saúde mental20 e, por conseguinte, avançarna elaboração de novos conceitos e práticas pertinentesao campo da Atenção Psicossocial, fundamentados pelosprincípios da Reforma Psiquiátrica.

Essa articulação pode proporcionar a formulaçãode novas tecnologias de atenção, de teorias e práticas,e aí se caracterizar como um dispositivo inovador, poisa idéia de inovação traz em si um caráter de rupturacom o já estabelecido21. Pode possibilitar a aproximaçãocom a clínica criadora de possibilidades, produtora desociabilidades e subjetividades3, ou ainda trabalhar naperspectiva de uma clínica antimanicomial22, que convideo sujeito a sustentar sua diferença, sem precisar excluir-se do social, que introduz a idéia de que “fazer caber” olouco na cultura é também ao mesmo tempo convidar acultura a conviver com cer ta falta de cabimento,reinventando com ela também seus limites. Pode fazerpensar, propor, sustentar formas de contrato social nasquais a diferença possa ser incluída.

Talvez tal “desorganização” propiciada pela SF, comoestratégia de ação, poderia possibilitar à comunidadenovas formas de convivência com a loucura, nas quaisas diferenças pudessem ser atravessadas.

Tal ar ticulação enseja a ruptura com “antigos”padrões assistenciais e aponta para a superação daracionalidade médica, além de buscar a produção denovos modos de atenção coerentes com os princípiosdo SUS (universalidade, eqüidade, integralidade,resolutividade, intersetorialidade, humanização doatendimento e participação social), podendo implementarpráticas que de fato atendam aos princípios de ambasas políticas públicas de saúde. Trabalhando em conjunto,podem proporcionar uma atenção integral, compartilhara responsabilidade pela melhoria da qualidade de saúdee de vida de um dado território e tornar os dispositivosde atenção mais acessíveis àqueles que delesnecessitam. Em rede, é possível potencializar acapacidade de produzir mudanças. Articulações como

essa podem apontar para a possibilidade deconstruirmos outros modos de promover a saúde e decolocar em prática, ainda que tardiamente, os preceitosdo Sistema Único de Saúde brasileiro.

A SF poderia operar como dispositivo privilegiadoda saúde mental para promover a inserção das pessoasem um território de abrangência, contribuindo para atransformação cultural da sociedade em relação àloucura, dado o modo de desenvolvimento de suasações e tornando-se um dispositivo impor tante naAtenção Psicossocial, devido ao fato de que muitaspessoas se encontram em situação deinstitucionalização dentro de suas próprias casas.Sendo assim, a SF teria maior possibilidade de acessoe de vinculação a essas pessoas.

Essa ar ticulação facilitaria ao CAPS circular pelosespaços de vida das pessoas, algo fundamental para aimplementação destas novas práticas. O CAPS deveatuar no território, nos espaços e percursos quecompõem a vida das pessoas6, pois é na sociedadeque funciona os mecanismos originários demarginalização do doente mental. Essa articulação,de fato, pode contribuir para a construção social deoutros modos de lidar com a loucura.

Para que a SF se constitua como uma política dereorientação da atenção à saúde é fundamental quese tenha uma equipe comprometida com os princípiosdo SUS, para que possa operar como diferenciador,não reproduzindo as formas de “funcionar” do modelotradicional. Seria necessário também, que o mesmoagregasse características como diversidade, ousadia,criatividade e resolutividade, para que seja possíveltrabalhar na perspectiva da (re)organização daatenção à saúde. Neste sentido, a SF tem incorporadoalguns conceitos trabalhados pela saúde mental, comoresponsabilização pela demanda, estabelecimento devínculos e acolhimento. Outra concepção que envolvetanto a SF quanto a política de saúde mental é a deque as ações precisam se dar onde as pessoas estão,experimentando seus estilos de vida, na trama depossibilidades, funções, papéis, trabalhos, lazeres esofrimento, contribuindo assim para a construção deuma outra prática de atenção à saúde. Tanto umaquanto outra prevêem uma estreita relação do setorsaúde com outros setores da sociedade, pois, paraque se constituam práticas diferenciadas, devem seintegrar como uma rede de relações que extrapolemo âmbito da saúde (em um conceito restrito), e deve-se trabalhar para a construção de relações sociaisem busca de uma nova atitude diante da complexidadedo processo de saúde. Ambas primam pela elaboraçãode outras formas de organização do cotidiano que não

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passe exclusivamente pela agenda de atendimentos,permitindo acolher as “emergências” do dia-a-dia.

A saúde mental e a saúde da família têm ampliadosuas possibilidades de atuação, transformando aspráticas vigentes, tendo como lócus de ação o território.Como políticas públicas, visam ao deslocamento doscuidados de crise, de emergência, do manejo desituações graves, para o espaço da residência,envolvendo família e vizinhança.

A articulação da saúde mental com a SF poderia gerarmaior “tolerância” às diferenças, maior confiança e ampliaras redes de solidariedade entre moradores de umdeterminado local, contribuindo para o desenvolvimentode mudanças culturais. Talvez a SF possa viabilizar aconstrução de laços sociais entre a comunidade e a loucuramais consistentes que o CAPS. Poderíamos dizer que oCAPS e a SF se interdependem e se interpotenciam23. ASF seria, então, a principal estratégia para viabilizar aintegração das ações de saúde mental na atenção básica.

Para a transformação do modelo assistencial, épreciso que os técnicos considerem os valores e acultura da comunidade; além disso, torna-senecessário o estabelecimento de parcerias, sem as

Referências

quais não há mudança possível. É necessário buscarintegrar esses dois campos para oferecermos de fatouma atenção mais integral às pessoas.

Consideramos a SF mais um dispositivo de atençãopara alcançar o objetivo fim da Reforma Psiquiátrica, queé o de promover mudanças culturais e sociais em relaçãoà loucura. Poderíamos pensar na SF como um dispositivoaltamente potente para promover tais mudanças.

Se não houver ampla mobilização e compromissoético-político de planejadores, gestores etrabalhadores sobre essa inversão do modeloassistencial, corre-se o risco de que experiênciaspromissoras, como a da saúde mental na atençãobásica, reproduzam a lógica de um cuidadomedicalizante, de exames e padrões de diagnósticose de encaminhamentos pouco resolutivos.

Talvez, um dos maiores desafios dessa articulaçãoseja “capacitar” tanto as equipes de SF quanto a dosnovos serviços de saúde mental para um pensar eagir voltado para a Atenção Psicossocial, sem recorreràs “velhas” estruturas, e construir no dia-a-dia novosmodos que possam efetivamente auxiliar as pessoasa cuidarem de si mesmas e andarem suas vidas.

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CAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaCAPS e Saúde da Famíl ia: uma Art iculação NecessáriaSouza AC

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Sobre a Autora

Recebido em 29/09/2006Reapresentado em 10/11/2006

Aprovado em 22/11/2006

Ândréa Cardoso de SouzaÂndréa Cardoso de SouzaÂndréa Cardoso de SouzaÂndréa Cardoso de SouzaÂndréa Cardoso de Souza

Enfermeira, Professora da Escola de Enfermagem Aurora de AfonsoCosta/UFF, Mestre em Saúde Pública - ENSP/FIOCRUZ e Especialistaem Saúde Mental e Psiquiatria - UNI-RIO

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Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Enfermagem Psiquiátrica. Saúde Mental. Desinstitucionalização.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Psychiatric Nursing. Mental Health. Desinstitutionalization.

Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Enfermería Psiquiátria. Salud Mental. Desinstitucionalización

SAÚDE MENTAL:DO VELHO AO NOVO PARADIGMA - UMA REFLEXÃO

Mental Health:From the Old to the New Paradigm - A Reflection

Salud Mental:Del Viejo al Nuevo Paradigma - Una Reflexión

Marlene Gomes Terra Dorotéa Loes Ribas

Fernanda Sarturi Alacoque Lorenzini Erdmann

O texto desenvolve idéias desencadeadas a partir de reflexões teóricas e das vivências das autoras diante da compreensãohistórica da psiquiatria e alguns pontos chave da desinstitucionalização com o objetivo de vislumbrar possibilidades deum novo paradigma onde o ser humano possa ser visto como um cidadão em sofrimento e não mais como uma doença.Em decorrência das mudanças da área da psiquiatria, a enfermagem buscou inserir-se de maneira a oferecer umaassistência mais humanizada fundamentada nos princípios da Reforma Psiquiátrica. É necessário pensarmos as nossaspráticas a par tir de uma perspectiva humana, sensível, reflexiva, crítica, criativa reconhecendo a especificidade e aobjetividade de cada ser humano com que interagimos. Portanto, a enfermagem necessita repensar os seus saberes e assuas práticas reavaliando sua atitude, postura, trabalho em grupo e ética.

The text develops unchained ideas from theoretical reflectionsand the authors’ experiences before the historicalcomprehension of the psychiatr y and somedesinstitucionalization key points with the objective of toglimpse possibilities of a new paradigm where the humanbeing can be seeing as a citizen in suffering and no more asa person with a disease. Due to the changes in the area ofpsychiatry, the nursing searched a place in a way to offer amore humanized attendance based on the principles of thePsychiatry Reform. It is necessary to think about our practicesunder a human, sensitive, reflexive, critic and creativeperspective recognizing the specificity and the objectivity ofeach human being which we interact with. Therefore, the nursingneeds to rethink its knowledge and its practices revaluing itsattitude, posture, work in group and ethics.

El texto desenrolla ideas desencadenadas segúnreflexiones teóricas y de las experiencias de las autorasdelante de la comprensión histórica de la psiquiatría yalgunos puntos llaves de la desinstitucionalización, conobjetivo de vislumbrar posibil idades de un nuevoparadigma donde el ser humano pueda ser visto como unciudadano en sufrimiento y no más como una enfermedad.Según los cambios del área de psiquiatría, la enfermeríabuscó añadirse de manera a ofrecer una ayuda máshumanizada basada en los principios de la ReformaPsiquiátrica. Es necesario que repensemos nuestrapráctica según la perspectiva humana, sensible, reflexiva,crítica y creativa reconociendo la espeficidad y laobjet iv idad de cada ser humano con e l cualinteraccionamos. Por lo tanto, la enfermería necesitarepensar sus saberes y sus prácticas revaluando suactitud, postura, trabajo en equipo y con ética.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Hoje, refletindo sobre os pacientes que realizamacompanhamento nos diferentes serviços de saúdemental, nos deparamos ainda com inúmeros percalçosa serem trabalhados e vencidos. A evolução históricada psiquiatria e da sociedade possibilita percebermosa pessoa em sofrimento psíquico em diferentescontextos sociais e familiares dentro da assistênciaintegral a este ser, mesmo que amparados pelaReforma Psiquiátrica Brasileira.

A reflexão sobre a psiquiatria leva-nos a pensarque esta é uma área na qual algumas pessoascompor tam-se de um jeito bizarro e, às vezes nosassustam pela maneira como falam coisas desconexase incoerentes. Podem ser incapazes de usardiscernimento ou serem perseguidas por suas vozes.Conviver com pessoas que apresentam estecompor tamento não é fácil, principalmente quandomanifestam atitudes agressivas e delirantes.

A doença mental por longo tempo foi caracterizadacomo uma falha que a pessoa apresentava em seucompor tamento diante da sociedade, estando assimfora das expectativas esperadas para o convívio social.Inicialmente, pensava-se que as doenças mentais eramcausadas por maus espíritos, magias ou por doençasfísicas responsáveis por alterações na mente,obser vadas exclusivamente como fenômenospsicológicos e tendo suas causas desconhecidas.

Várias técnicas foram utilizadas com o intuito decurar o mal dos doentes, porém, as causas dessesdistúrbios não eram evidentes. Então, a fim deesclarecer esses compor tamentos, o ser humanonecessitou de uma ciência capaz de investigar ouniverso da mente. Essa investigação iniciou-se com oobjetivo de explicar que as doenças tinham influênciasmalignas e, por tanto, eram tratadas pela feitiçaria,filósofos, magia ou pela religiosidade. Com o passardo tempo, outros se dedicaram a estudar essefenômeno como médicos, ar tistas, sacerdotes,cientistas e mais tarde os especialistas em psiquiatria.

Embora considerada par te da Medicina e daEnfermagem, a psiquiatria era mantida de lado,deixando muitos doentes ao cuidado asilar, o qualestava fundamentado em princípios de vigilância epunição, e utilizava práticas terapêuticas como oeletrochoque e a contenção física. A psiquiatria nãovisava à cura, mas manter os pacientes reclusos emmanicômios isolados do mundo e de seu cotidiano.

No decorrer da história, grandes estudiosos deramsuas contribuições à psiquiatria, porém, à medida quea ciência progredia, o corpo humano foi se revelando

como uma verdadeira máquina constituída de par tesseparadas e que funcionava mecanicamente. Essa visãolevou-nos a aceitar o nosso corpo dissociado da mente,permitindo desta forma que muitos equívocos ocorressem.

Sob esse prisma reducionista herdado do paradigmacartesiano-newtoniano, a prática assistencial da saúdefoi influenciada em inúmeros aspectos, entre eles oestabelecimento do diagnóstico pautado naclassificação, no tratamento das doenças mentais combase na medicação e na hospitalização. Na ótica dessemodelo, prevalece o fenômeno do adoecimento mental,que focaliza os sintomas, conflitos, problemas nacomunicação e nas relações interpessoais. Essecontexto favoreceu o alicerce conceitual da ciênciabiomédica, ou seja, centrado na doença e desviado doser humano na sua totalidade. A insuficiência dasnecessidades postas à psiquiatria, à proporção quedispõe a solucioná-las dentro desse modelo(1). Ainda,este paradigma está pautado na separabilidade ou nadisjunção que se fundou excluindo o sujeito doconhecimento onde tudo é determinismo, não hásujeito, não há consciência e não há autonomia(2).

Na legislação atual, Lei nº 10.216, constatamosexpressivo avanço, legal, entretanto o mesmo não sealcança na prática de muitos serviços de atenção àsaúde da população, uma vez que a assistência aosdoentes mentais, no País, ainda é centrada no modelohospitalocêntrico(3). Lembramos também que osprofissionais de saúde trabalham de maneiradicotômica, ou seja, mesmo com a legislação vigente eos progressos terapêuticos realizam uma assistênciarígida e focada no transtorno mental, esquecendo aintegridade e o contexto no qual o paciente está inserido.Imbuídos por hábitos construídos em tempos nos quaisa melhora do paciente em sofrimento psíquico estavana negação da sua autonomia encontram dificuldadesem dialogar com outros saberes, não percebendo amultidimensionalidade do ser humano no seu meioambiente e na sua inserção familiar.

Assim, este estudo é uma reflexão teórica aliadaàs nossas vivências como enfermeiras/docentes emsaúde mental. Convivendo com pessoas em sofrimentopsíquico verificamos o sucateamento que perseverana psiquiatria em algumas instituições, mesmo que apolítica de saúde mental existente no Brasil busque adescentralização, a desinstitucionalização e aressocialização desse indivíduo.

Precisamos repensar a insuficiência de umaassistência fragmentada que persiste em não ver oser humano na sua integralidade da condição humana,seja na saúde ou na doença. Nesse sentido, faz-se umaler ta sobre a impor tância de vê-lo em sua

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complexidade, pois o ser é ao mesmo tempo biológicoe cultural e traz em si caracteres antagonistas de sábioe louco, trabalhador e lúdico, econômico e consumista,mas que inclusive também se dedica a danças, mitos,magias, crê nas virtudes, nutre-se dos conhecimentoscomprovados, mas também de ilusões(4).

Nessa perspectiva, objetivamos vislumbrarpossibilidades de um novo paradigma onde o serhumano possa ser visto como um cidadão emsofrimento psíquico e não mais como uma doença.Respaldados pela compreensão histórica da psiquiatria,realizaremos algumas reflexões sobre os modelostradicionais de assistência, ainda tão hegemônicos nopaís, bem como o fazer do enfermeiro, de maneiraque possamos construir novas práticas na assistênciaao indivíduo com transtorno mental.

DO VELHO AO NOVOPARADIGMA DA PSIQUIATRIA

Até a década de 70 do século passado, o sofredorpsíquico foi rotulado como louco, agressivo e incapazde conviver em sociedade. Em conseqüência disso,quando necessitava de cuidados, era encaminhado àinternação hospitalar. Isso acontecia porque o modelovigente de tratamento nesse período era realizadoexclusivamente no hospital, sem a par ticipação dafamília e da sociedade que não estavam inseridas notratamento e na manutenção da saúde mental.

Os familiares, por descaso ou falta de suporte profissionale social, abandonavam seus entes na instituição. Com opassar do tempo, houve uma superlotação em várioshospitais psiquiátricos, levando os pacientes a dormiremonde encontrassem um lugar para deitar, sendo muitasvezes em condições inadequadas, precárias.

Esse fato pode ser comprovado em um estudo relatadona Revista Brasileira de Enfermagem, em 2003, onde asautoras descrevem a história vivenciada pelos pacientesem uma instituição psiquiátrica de saúde no Estado deSanta Catarina, entre as décadas de 40 e 60. Relatam queos pacientes dormiam em enfermarias com mais de cemleitos e, na falta dos mesmos, dormiam dois pacientes nomesmo leito. Também era comum encontrá-los dormindono chão, o qual era denominado leito chão(5). As autorasassinalam que, no período em que realizaram este estudo,foi possível perceber a forma de tratamento dispensadaaos pacientes nessa instituição, bem como as condiçõesde trabalho oferecidas aos funcionários que estavam aquémdo ideal, pois perpetravam a política nacional assinaladapelo Governo Federal. Essa instituição, como muitasexistentes no Brasil, mais asilava os pacientes e os excluíada sociedade do que os cuidava.

Nesse âmbito, “a institucionalização da doençamental produz a homogeneidade, objetiva e serializa

todos aqueles que entram na instituição. (...) éconstruído um conjunto de formas de lidar, olhar, sentiro doente, a partir daquilo que se supõe ser louco e sualoucura”(6:79). Esse autor enfatiza em seus estudos quea instituição nega a subjetividade e a identidade do serhumano. O profissional não vê a pessoa doente, mas adoença e hábitos adquiridos. Somando-se a isto, essemodelo é “(...) centrado no problema-solução, doença-cura é desconstruída no sentido de uma reinvenção dasaúde, da existência sofrimento dos pacientes buscandoa produção de vida”(7:21).

No Brasil, no final da década de 70, esse modelo deassistência à saúde mental fundamentado na exclusãodo ser humano do convívio social já apresentava sinaisde esgotamento. Nesse sentido, faz-se necessáriolembrarmos que os seres humanos são seres sociaise vivem o ser cotidiano em contínuas experiênciasindividuais intransferíveis com o ser de outros. O que nosfaz seres humanos é a maneira particular de vivermosjuntos e sermos indivíduos, pessoas, somente enquantosomos seres sociais na linguagem. Para esse autor, oamor é fundamental porque nos permite escapar daalienação anti-social criada por nós através das nossasracionalizações. Recorda que é por meio da razão quejustificamos a tirania ou o abuso sobre outros sereshumanos. Vivemos na existência social, e sem o amornão ocorre socialização. Então, o fenômeno social humanoestá na aceitação e no respeito pelo outro(8).

Imbuídos da necessidade de mudança, ostrabalhadores de saúde mental e de outros segmentosindignaram-se e divulgaram as péssimas condições àsquais eram submetidos os pacientes nos hospitaispsiquiátricos e solicitaram reformas urgentes no modeloassistencial. Mas foi em 1978 que se deu início a ummovimento onde se buscava articular ações contra essemodelo de assistência ficando conhecido comoMovimento de Trabalhadores em Saúde Mental. A partirdessa época, iniciaram-se algumas propostas dealterações no sistema asilar de assistência em saúdemental buscando locais alternativos de tratamento.

Em decorrência das transformações na área dapsiquiatria, a enfermagem buscou inserir-se de maneiraa oferecer um cuidado mais humanizado fundamentadonos princípios da Reforma Psiquiátrica, com base nospressupostos da Reforma Sanitária e da PsiquiatriaDemocrática Italiana. Essa reforma iniciou a par tir daseguinte pergunta: o que fazer com esses doentesmentais que passaram a vida dentro do hospital(9}?Par tindo desta questão, a Reforma Psiquiátrica é ummovimento que vem acontecendo a par tir dastransformações sociais e políticas no campo dapsiquiatria desde 1980, principalmente na Itália, nos

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Estados Unidos e no Brasil. Esse movimento recebeutal denominação por desencadear intensastransformações no contexto social, político, cultural ejurídico. Também porque busca a desinstitucionalizaçãoou a desconstrução gradativa dos manicômios(instituições fechadas) e, por tanto, a construção denovas alternativas de atenção à saúde mental pautadana lógica da cidadania.

No Brasil, os trabalhadores de saúde mental,sentindo a necessidade de discutir esse modeloexcludente, organizaram-se e realizaram sucessivasConferências de Saúde Mental em nível nacional,estadual, municipal e distrital, tendo como objetivo ainserção da Saúde Mental nas ações gerais de saúde.É impor tante salientar que nessas conferências oprocesso de municipalização, a criação dos conselhosde saúde e os dispositivos legais previstos para aefetivação do Sistema Único de Saúde (SUS) foramconsiderados como mecanismos na extinção do modeloasilar dos hospitais psiquiátricos.

Em 1987, os profissionais de saúde mentalreuniram-se para realizar a I Conferência de SaúdeMental. Ainda não satisfeitos lançam nesse mesmo anoo tema Por uma sociedade sem manicômios no IIEncontro Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental.

Para muitos profissionais de saúde, gestores efamiliares desistir de pensar que as doenças mentaiseram causadas somente por fatores naturais e excluiros fatores sociais foi a maior dificuldade encontrada.

A II Conferência de Saúde Mental, em 1992, foiconstruída pela mobilização de distintos atores sociais.Os trabalhadores da área da saúde mental convencidospela Luta Antimanicomial e articulados com a sociedadecívil e outros segmentos em nível nacional sentiram anecessidade de leis voltadas para as questões sociaisde maneira a proporcionar um ambiente adequadopara organizarem a reforma do sistema psiquiátrico.Eles buscavam uma assistência nor teada pelosprincípios da universalização, integralidade, eqüidadee da descentralização.

Nessa Conferência, foi resgatada a proposta doprojeto do Deputado Paulo Delgado, de 1989, que jásinalizava a substituição progressiva do modelohospitalocêntrico por ser viços descentralizados,hierarquizados e diversificados nas práticas terapêuticas.Esse modelo preconiza a diminuição de internações ereinserção dessas pessoas à família e comunidade.

A partir destas conferências, vislumbram-se outrasmodalidades terapêuticas de trabalhar com o doentemental. O novo modelo, ou seja, a desinstitucionalização,deve estar sustentado nos princípios de inclusão,solidariedade, cidadania e da ética. Contudo, para que

isso acontecesse eram necessárias profundas mudançasna equipe que atendia nos serviços de saúde mental.Esses profissionais, preocupados com a qualidade daassistência ao paciente, começaram a modificar as suasconcepções no que tange ao respeito e ao direito destespacientes de viverem em sociedade.

A desinstitucionalização já começava a apontar paraa desconstrução do manicômio por meio dequestionamentos do saber médico e da exclusão dapsiquiatria, buscando alternativas no saber-fazer em saúdemental. A ação consistia numa desospitalização comfechamento gradativo dos hospitais psiquiátricos e aconstrução de serviços alternativos nos municípios e regiões.

Entretanto, foi somente após dez anos que a Lei nº10.216 proposta pelo Deputado Paulo Delgado foisancionada pelo Presidente da República em 06 deabril de 2001. Essa lei dispõe sobre a proteção e osdireitos dos portadores de doença mental, redirecionao modelo assistencial em saúde mental não centradono hospital psiquiátrico e também não permite aconstrução de novos hospitais. Para tanto, propunhaa extinção progressiva dos manicômios e suasubstituição por instituições aber tas, tais como:Unidades de Saúde Mental em Hospital Geral,Emergência Psiquiátrica em Pronto-Socorro Geral,Unidade de Atenção Intensiva em Saúde Mental emregime de Hospital-Dia, Centro de Atenção Psicossocial(CAPS), Núcleos de Atenção Psicossociais (NAPS) quefuncionariam por vinte e quatro horas, pensõesprotegidas, lares abrigados, centros de convivência,cooperativas de trabalho e outros ser viços quepreservem a integridade do cidadão. Ainda, identificamosnessa lei alguns benefícios em relação aos diferentestipos de internação: a voluntária, quando é solicitadapelo paciente: a compulsória, quando é determinadapelo poder judiciário; a involuntária, quando necessitade um posicionamento por parte dos profissionais desaúde contrário ao desejo do paciente(3).

Dessa forma, os objetivos desses ser viçosalternativos contrapõem-se ao modelo assistencial atéentão hegemônico, propondo-se a mudanças efetivastanto no que se refere à organização de serviços quantoà assistência promovida em saúde mental. Desse modo,a ênfase está no sujeito e nas atividades coletivaspriorizando grupos e oficinas terapêuticas onde asrelações passam a ser individualizadas respeitando ahistória de cada um. As atividades terapêuticasconstituem-se em fator de aglutinação das relaçõesinterpessoais, pois minoram a sintomatologia clínicado paciente. Todavia, esses serviços precisam tercondições necessárias para o funcionamento, comoespaço, recursos materiais e humanos, bem como

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liberdade de expressão, respeitando as condições eescolhas do paciente(10).

No entanto, as internações psiquiátricas continuam,apesar dos incentivos à desospitalização e dos benefíciosno pagamento de procedimentos extra-hospitalarespelo SUS. Por tanto, é desnecessária uma análiseminuciosa para presumir que esse modelo ainda éencontrado em alguns municípios, mesmo naquelesonde já existem esses serviços alternativos. Com esteenfoque, têm-se buscado criar e estruturar os diferentestipos de serviços que podem ser oferecidos ao sofredormental, bem como formar e reorientar uma práticaassistencial direcionada para a reinserção social.

Assim, compreendemos que o ser humano é um serativo e reflexivo. A reflexão e a ação são duas dimensõesfundamentais da humanidade concreta. Através do pensar/refletir as idéias vão sendo elaboradas e reelaboradas numemergir de múltiplos entendimentos(11).

ROMPENDO O SILÊNCIO E RECONSTRUINDOSABERES EM ENFERMAGEM

Na nossa trajetória profissional acompanhamos aevolução, de forma gradativa, da assistência em saúdemental prestada em diversas instituições de saúde.Reconhecemos hoje como aspectos positivosprestados ao cuidado as atividades sociorecreativas eculturais realizadas diariamente com os pacientes. Elasauxiliam na redução do preconceito existente acercadessas pessoas e reforçam a idéia de que podemrealizar diferentes atividades de acordo com as suascapacidades individuais. Destarte, com essa maneirade agir, produz-se a consciência da possibilidade doretorno ao convívio social e familiar.

Todavia, ainda notamos que a Enfermagemcontinua realizando uma assistência fragmentada,apresentando dificuldades em desenvolver atividadescom os pacientes que não sejam aquelas realizadasdentro dos serviços psiquiátricos e de preferência quenão tomem muito tempo. Por vezes, o profissional deenfermagem esquece que a estabilidade emocionaldo paciente será construída com a contribuição detodo o grupo multiprofissional e da família.

Cabe ressaltar que a nossa experiência profissionalcotidianamente no ensino e na assistência evidenciaque muitos dos profissionais de enfermagempercebem a melhora dos pacientes, porém relutamem integrar-se a esse novo paradigma do cuidado.Um dos fatores determinantes desta situação está narotina dos trabalhadores de enfermagem em conviverquase que diariamente nos serviços de saúde mentale estarem expostos a diversos estressores. Ostrabalhadores resistem à mudança, todavia não é a

ela que eles se opõem, mas a uma situação impostapor lei ou pela própria instituição. Percebemos que seusprocessos naturais de mudança diferem dasmodificações ordenadas por leis ou reformas. Por isso,cremos que como enfermeiros/docentes possamosauxiliar a Enfermagem na medida em quecompreendemos seus processos intrínsecos de mudançaem espaços que reflitam a diversidade e a criatividadeem grupos de apoio e de estudos, para que juntospossamos avançar na qualidade dos serviços, seja aogrupo de profissionais, seja ao paciente e sua família.

Mesmo reconhecendo que o profissional daenfermagem necessita do conhecimento técnicocognitivo-instrumental tão importante para desenvolversua prática, compreendemos que isto não é tudo. Aenfermagem precisa repensar os seus saberes e suaspráticas. Devemos reavaliar nossa atitude, postura,ética, trabalho em grupo e valores. Por tanto, éindispensável avaliarmos as nossas práticas a partirde uma perspectiva humana, sensível, reflexiva, crítica,criativa reconhecendo a especificidade e a objetividadede cada ser humano com quem interagimos. Nessesentido, a assistência de enfermagem está atreladaao conceito de doença à visão que se tem do homem(sadio ou não) na sociedade (12:19).

Para tanto, essa mudança requer dos profissionaisde saúde uma visão que consiga fazer a relação entre aparte e o todo e do todo à parte. Porém não é umatarefa fácil e também não é individual, pois necessita dointercâmbio entre todas as áreas que se encontramdesagregadas para que se possa aprenderconcomitantemente a reunir o parcial ao global, o umao múltiplo, a ordem à desordem, o observador aoobservado. Portanto, esta é uma atitude que se opõe aoreducionismo e determinismo, mas associa as açõesisoladas e compar timentadas trazendo um novoparadigma, o qual está pautado na ética dasolidariedade, ou seja, numa ética que reúne o que estáseparado denominada complexidade(13).

Como profissionais de enfermagem da área de saúdemental, percebemos ser ainda insuficiente as modificaçõesocorridas até o momento no Brasil. É necessário vislumbraruma assistência que conceba o ser humano como umtodo integrado e não como partes dissociadas, pois omodelo biomédico desconsidera os elementos físicos,psicológicos, sociais, culturais, ambientais, entre outros.Isto se coaduna, pelo menos com as idéias de que noâmbito do conhecimento, a mudança de um estado dosaber a outro acontece com a incorporação de novossaberes, contemplando ou refutando os anteriores(...)(14:45).

Corroborando essa idéia, denotamos que a saúdemental deve reunir os elementos desejados de bem-

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Saúde Mental e o Novo ParadigmaSaúde Mental e o Novo ParadigmaSaúde Mental e o Novo ParadigmaSaúde Mental e o Novo ParadigmaSaúde Mental e o Novo ParadigmaTerra MG et al

estar das pessoas e das ações imprescindíveis quepossam gerar essa condição. Nesse sentido, acompreensão sobre a saúde mental passa a sercomplexa à medida que contempla as dimensõespsicológicas, sociais e psicossociais que determinamo processo saúde-doença(15).

Sob essa perspectiva, a saúde na visão dosprofissionais descentraliza-se da doença do indivíduoe faz-se um resgate de aspectos positivos, isto é, aatenção deixa de ser a doença e passa a ser o dareconstrução da vida. Com esse entendimento, o novoparadigma necessita de profissionais que dialoguemcom outros atores, que sejam abertos a um novo sabere a uma nova abordagem no tratamento, valorizem oser humano resgatando a sua história e sua vidacotidiana. Além disso, é imprescindível saberinterpretar as diferentes linguagens que o corpo utilizaao exteriorizar seus sentimentos.

O enfermeiro é desafiado constantemente quando seposiciona diante da necessidade de rever conceitos,métodos e maneiras de lidar com o paciente comtranstorno mental além da instituição manicomial. Oabandono de cer tezas, verdades e conceitos para asolução dos problemas dá lugar à compreensão dosmesmos e conseqüentemente se evita a redução e asimplificação. Isso requer dos enfermeiros, além doconhecimento, a sensibilidade, criatividade e reflexão. Paratanto, (re)pensar a saúde mental urge compreendermosos princípios da complexidade, pois eles permitem oexercício da reflexão fundada na causalidade,contradição, ordem/desordem, cer tezas/incer tezas,ambigüidade, interdisciplinaridade, autonomia, parte/todo, singular/geral, responsabilidade, solidariedade,liberdade, emoções, sensibilidade, cidadania, qualidadede vida, entre outros. Por conseguinte, esseentendimento possibilita ao enfermeiro ampliarconhecimentos sem que haja reducionismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Referências

A nossa vivência como enfermeiras/docentesreporta-nos ainda a uma realidade hospitalocêntrica,apesar dos inúmeros progressos com a ReformaPsiquiátrica. Esta realidade propicia percebermos aimportância do enfermeiro voltado pra a compreensãodas pessoas dentro do seu contexto social e familiar,assistindo-a na sua multidimensionalidade.

O profissional precisa rever a maneira de lidar comos seres em sofrimento psíquico. Destacamos que sefaz preciso um comprometimento constante dostrabalhadores de saúde mental em relação àdesinstitucionalização, um cuidado centrado no serhumano que tem direito de ser assistido sem exclusãoe a importância da consolidação da nossa prática emserviços alternativos para que efetivemos os princípiosda universalização, integralidade, eqüidade e adescentralização. Portanto, exige-se dos profissionaisde enfermagem novas formas de assistir as pessoasem sofrimento psíquico.

O louco tem carregado o estigma da periculosidadee da exclusão durante todos esses anos e comoconseqüência obteve o isolamento e daí o asilamento.O resultado dessa maneira de lidar com a loucura foipor muitos anos a reprodução de sujeitos para os quaisfoi negado o direito de serem cuidados como cidadãos.Assim, o novo paradigma implica abandonar osprincípios de separabilidade, ordem e lógica, porémunir as partes à totalidade, ou seja, integrá-lo(²).

Precisamos de um pensamento que trate com aincer teza, que seja apto a reunir, contextualizar,globalizar, mas também saiba reconhecer o singular,o individual e o concreto. Portanto, o pensamento queafronta a incerteza pode esclarecer a ética da reunião,da solidariedade e da compreensão humana.

1. Roteli F, Leonardis O, Mauri D, Risio C. Desinstitucionalização: umaoutra via. In: Nicácio F organizador. Desinstitucionalização. SãoPaulo(SP): Hucitec; 1990. p. 17–60.

2. Morin E. Ciência e consciência da complexidade. In: Morin E, MoigneJL. A inteligência da complexidade. 2ª ed. São Paulo(SP): Peirópolis;2000. p. 27-41.

3. Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção eos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais eredireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial daRepública Federativa do Brasil, Brasília(DF); 2001.

4. Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar opensamento. 10ª ed. Rio de Janeiro(RJ): Bertrand Brasil; 2004.

5. Borenstein MS, Pereira VP, Ribas DL, Ribeiro AAA. Historicizando aenfermagem e os pacientes em um hospital psiquiátrico. Rev BrasEnferm 2003; 56 (2): 201-05.

6. Spricigo JS. Desinstitucionalização ou desospitalização: a aplicaçãodo discurso na prática psiquiátrica de um serviço de Florianópolis.Teses em Enfermagem, 42. Florianópolis(SC): PEN/ UFSC; 2002.

7. Vasconcelos E. Desinstitucionalização e interdisciplinaridade emsaúde mental. Cad IPUB 1997; (7): 19-43.

8. Maturana H. Emoções e linguagem na educação e na política. 3ª ed.Belo Horizonte(MG):UFMG; 2002.

9. Serrano AI. A criação do CAPS de Florianópolis (SC). Entrevista.Florianópolis; 2001.

10. Tavares CMM, Barone AM, Fernandes JC, Moniz MA. Análise deimplementação de tecnologia de cuidar em saúde mental na perspectiva daatenção psicossocial. Esc Anna Nery Rev Enferm 2003; 7 (3): 342-50.

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Sobre as Autoras

11. Chanlat JF. Uma visão do sofrimento humano nas organizações. In:Chanlat, JF (coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas.Tradução e adaptação Arakcy M. Rodrigues. São Paulo: Atlas, 1992.

12. Furegato RFF. Relações interpessoais terapêuticas na enfermagem.Ribeirão Preto(SP): Scala; 1999.

13. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. Por toAlegre(RS): Sulina; 2005.

14.Tarride MI. Saúde pública: uma complexidade anunciada. Rio deJaneiro(RJ): Ed da FIOCRUZ; 1998.

15. Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocialà cidadania possível. Belo Horizonte(MG): Te Cora; 1999.

Recebido em 27/03/2006Reapresentado em 10/08/2006

Aprovado em 10/09/2006

MarMarMarMarMar lene Gomes lene Gomes lene Gomes lene Gomes lene Gomes TTTTTererererer rrrrr aaaaa

Enfermeira, Mestre em Educação, Professora Assistente daUniversidade Federal de Santa Maria – UFSM, Santa Maria-RS. Membrodo Grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem – UFSM.Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem daUniversidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis. Membrodo Grupo de Estudos sobre Cuidado e Saúde de Pessoas Idosas -GESPI. Bolsista CAPES/PQI. E-mail: [email protected].

Dorotéa Loes RibasDorotéa Loes RibasDorotéa Loes RibasDorotéa Loes RibasDorotéa Loes Ribas

Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Aluna especial da disciplina TópicoAvançado em Pesquisa: A Complexidade na construção doconhecimento segundo Morin do Curso de Doutorado em Enfermagemda Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Membro Efetivo doGrupo de Estudos de História do Conhecimento da Enfermagem(GEHCE). E- mail: [email protected]

FFFFFererererer nanda Sarnanda Sarnanda Sarnanda Sarnanda Sar turiturituriturituri

Enfermeira, Especialista em Administração dos Serviços de Saúde,Professora Substituta do Departamento de Enfermagem e Membrodo Grupo de Estudos e de Pesquisas em Gestão em Enfermagem eSaúde da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM/RS. E-mail:[email protected]

Alacoque Lorenzini ErdmannAlacoque Lorenzini ErdmannAlacoque Lorenzini ErdmannAlacoque Lorenzini ErdmannAlacoque Lorenzini Erdmann

Professora Titular do Departamento de Enfermagem da UniversidadeFederal de Santa Catarina - UFSC, Docente do Programa de Pós-Graduação e do Departamento de Enfermagem, Doutora em Filosofiada Enfermagem. Pesquisadora e Representante da Área deEnfermagem no CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos ePesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde GEPADES –UFSC. E-mail: [email protected]

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Entendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a Teoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peplau e a Replau e a Replau e a Replau e a Replau e a Reforma Peforma Peforma Peforma Peforma Psiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leiraCardoso TVM et al

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Enfermagem Psiquiátrica. Relacionamento Interpessoal. Reforma Psiquiátrica.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Psychiatric Nursing. Interpersonal Relationship.Psychiatric Reformation.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Enfermería Psiquiátrica. RelacionamientoInterpersonal. Reforma Psiquiátrica.

UM ENTENDIMENTO LINEAR SOBRE A TEORIA DE PEPLAUE OS PRINCÍPIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

An Agreement About the Peplau’s Theory and thePrinciples of the Brazilian Psychiatric Reformation

Un Entendimiento Sobre la Teoría de Peplau yLos Principios de la Reforma Psiquiátrica Brasileña

Trata de uma análise sobre os conceitos contidos na teoria de Hildegard Peplau, datados de 1952 e associá-los aos preceitosda Reforma Psiquiátrica Brasileira considerando a realidade social e histórica dessa associação. Partiu-se da análisesistemática do livro Interpersonal Relations in Nursing e dos conceitos nele existentes. O estudo foi realizado sob o enfoqueda metanálise, que ajudou na compreensão dos conceitos estudados. A partir da análise das duas referências teóricas,compreendemos que os conceitos chaves de Hildegard Peplau ainda hoje são aplicáveis e capazes de orientar com excelênciapara um cuidado de enfermagem psiquiátrica que atenda aos preceitos organizadores da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

The object of study to be developed deals with the conceptcontained in the theory of psychiatric nursing proposed byHildegard Peplau and to associate them with the rules of theBrazilian Psychiatric Reformation. Although the beginning wasto apprehend the concepts of the theory of psychiatricnursing using the systematic analysis considered in the“Interpersonal Relations”. The study was carried throughunder the approach of metanalise, that in it helped us tounderstand the studied concepts. From it analyzes of thedata, we understand that still, allowing the agreement of theimportance of the transformations of this practice, providingan improvement of the helping practice and initiating assistancebased on the models of psychosocial rehabilitation.

Trata del análisis de los conceptos contenidos en la teoriade Hildegard Peplau datado de 1952 y de la asociación alos preceptos de la Reforma Psiquiátrica Brasileñaconsiderando la realidad social e histórica de estaasociación. Se partió del análisis sistemático del libro“Interpersonal Relations in Nursing” y de sus conceptos.El estudio fue realizado bajo el enfoque del metanalisis, quenos ayudó a comprender los conceptos estudiados. A partirdel análisis de las teorias, comprendemos que losconceptos claves de Hildegard Peplau aún son capaces deorientar com excelencia en los dias actuales un cuidado deenfermería psiquiátrica que atienda a los preceptosorganizadores de la Reforma Psiquiátrica Brasileña.

Taís Veronica Macedo Cardoso Rosane Mara Pontes de Oliveira Cristina Maria Douat Loyola

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Entendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a Teoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peplau e a Replau e a Replau e a Replau e a Replau e a Reforma Peforma Peforma Peforma Peforma Psiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leiraCardoso TVM et al

INTRODUÇÃO

A assistência psiquiátrica brasileira vem passando,desde o final da década de 60, por um movimento dereestruturação de saberes e conseqüentemente de suaspráticas conseqüentes. Reformar para a psiquiatriabrasileira é caracterizado por duas necessidades:mudança de olhar e tomada de consciência¹,².

Esse movimento pode ser entendido como umconjunto de estratégias que visam reordenar as práticasde cuidado relacionadas à Saúde Mental, dando contanão somente de uma questão empírica, que se guiapela experiência da prática, mas, acima de tudo, deuma nova forma de pensar a “loucura”a.

Falamos de teorias, propostas de transformaçãocompatíveis com essa perspectiva de mudança. Oenfermeiro tem seu histórico de cuidados, na saúdemental e psiquiatria, pautado no modelohospitalocêntrico, embora a assistência deenfermagem psiquiátrica tenha conceitos propostospor teóricas como Hildegard Peplau, que transcendemespaços físicos, hospitalares ou extra-hospitalares. Aprática, no entanto, ainda é determinada pelo cenáriomanicomial. Para a enfermagem psiquiátrica brasileira,o desafio está em contemplar esses princípiosfundamentais que respaldam sua existência, dentroou fora do modelo hospitalar.

A constatação de que existem teorias deenfermagem capazes de orientar o cuidar e o cuidadopara pessoas em sofrimento psíquico nos levou aselecionar uma delas, a teoria de Peplau4. Nessa teoriabuscamos apreender os conceitos abrangentes capazesde orientar a prática de Enfermagem Psiquiátricadesejada para as novas formas de atenção propostaspelo movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Embora uma definição minuciosa de como deve sera atuação profissional do enfermeiro não sejaexplicitada por Peplau4, podemos entendê-la comoestando baseada em um relacionamento interpessoal,interdisciplinar, comunitário e vinculado à família, o quese aproxima dos conceitos constituintes da ReformaPsiquiátrica no Brasil. Nesse sentido, é impor tanteestabelecer uma conexão entre os pressupostosteóricos de Peplau4 e os da Reforma Psiquiátrica, parater como uma indicação de base conceitual para ocuidar em enfermagem nesse novo paradigma. Maisdo que uma indicação, esta conexão poderá subsidiar/orientar/fundamentar as ações de EnfermagemPsiquiátrica desenvolvidas no hospital e fora dele.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Este é um estudo de cunho teórico. Diante dacomplexidade que se configurou na aproximação entre

conteúdos bibliográficos distantes, uma teoriaamericana da década de 50 e princípios para o cuidadoem psiquiatria a par tir da década de 70 no Brasil,tornou-se imprescindível para um aprofundamento darealidade que se apresentava. Para isso, foi utilizadauma adaptação da análise sistemática através dametanálise para o problema em estudo. A opção poressa forma de olhar sobre os dados fundamentou-seno que afirma Castro³:

A revisão sistemática é uma revisão planejadapara responder a uma pergunta específica eque utiliza métodos explícitos e sistemáticospara identificar, selecionar e avaliar criticamenteos estudos, e para coletar e analisar os dadosdestes estudos incluídos na revisão. 3:1

Para a elaboração deste estudo, foram utilizados osconceitos da teoria do relacionamento interpessoalapresentados por Peplau4, publicados, em 1952, no seulivro Relação Interpessoal na Enfermagem: um conceitode referência para a enfermagem psicodinâmica. Porconseguinte, a par tir do conteúdo das mensagensencontradas nos escritos dessa autora, foi possívelestabelecer a utilização de indicadores que permitiramestabelecer associações com a realidade apresentadapelos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Oobjetivo do uso desses indicadores foi o de apreender,primariamente, a abrangência teórica dos conceitos dePeplau para, posteriormente, conduzir um olharfidedigno sobre as diretrizes da reforma psiquiátrica.

O tratamento dos resultados foi realizado por meioda categorização e classificação dos elementosconstitutivos, definido pela metanálise como análiseatravés de agrupamentos 3:3,6.

A revisão sistemática tem por objetivo agrupar osresultados a partir de uma questão específica, porém,esta questão não pode ser tão detalhada. As diferençasencontradas serão uma parte dos resultados. Assim,a formulação de uma questão específica sem critériosrígidos de inclusão e exclusão, variáveis e intervençõesestudadas é a forma mais adequada. O agrupamentodos resultados é feito de acordo com a qualidade, osparticipantes e a intervenção 3.

Dessa maneira, a apreensão dos conceitosapresentados pelo referencial teórico de HildegardPeplau foram feitos fazendo a identificação dosconceitos aos quais a prática de enfermagempsiquiátrica deveria estar sujeita, tendo como pontofocal a essência dessa teoria: o relacionamentointerpessoal. Foram levantados pontos que fossemsignificativos e levassem a uma reflexão teórica sobrecomo poderia ser construída uma prática de

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Entendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a Teoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peplau e a Replau e a Replau e a Replau e a Replau e a Reforma Peforma Peforma Peforma Peforma Psiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leiraCardoso TVM et al

enfermagem psiquiátrica mais flexível e próxima dosconceitos da Reforma Psiquiátrica.

A teoria do relacionamento interpessoal,apresentada por Peplau4, deu origem a trêscategorias, a saber : conhecer a si / enfermeiro;conhecer o outro / paciente; o ambiente, no sentidoampliado, diz respeito a tudo aquilo que circunda econtextualiza o indivíduo. Todas elas foram analisadasà luz dos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Para apreender o conteúdo dos princípios daReforma Psiquiátrica Brasileira, foram consultadosdiferentes autores, nomeados como formadores deopinião, para este campo, por Leal5 em seu trabalhoO agente do cuidado na reforma psiquiátrica brasileira.

O tratamento dos resultados foi realizado atravésda categorização e classificação dos elementosconstitutivos em unidades temáticas. Na teoria dorelacionamento interpessoal, apresentada por Peplau4,foram delimitados três eixos conceituais: conhecer asi - enfermeiro; conhecer o outro - paciente; eambiente atual e ambiente de vida.

Tendo em vista a quantidade de autores indicadoscomo formadores de opinião para o campo da ReformaPsiquiátrica Brasileira, os dados foram, primariamente,agrupados em quadros de análise, de modo a permitiruma visualização gráfica, a saber: delimitação daabrangência dos discursos dos formadores de opinião,e suas respectivas publicações; os formadores deopinião, a década das suas publicações e o seusrespectivos discursos; e, em última instância, asleituras foram feitas com o intuito de agrupar essesprincípios em unidades temáticas - cidadaniaindividual: saberes e práticas clínicas, cidadaniacoletiva/social: ações coletivas e políticas públicas ehabilidade profissional para o exercício da cidadaniaindividual e coletiva.

As conclusões não foram pautadas na análise nopoder estatístico, e sim na qualidade dos escritos, apar tir das evidências das aproximações edistanciamentos das unidades temáticas da Peplau4

e dos princípios da Reforma Psiquiátrica, o que mepermitiu evidenciar sua aplicabilidade clínica e condutaspadronizadas em estudos de metanálise.

A TEORIA DO RELACIONAMENTOINTERPESSOAL E OS PRINCÍPIOSDA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

O processo interpessoal é o ponto focal do livro dePeplau4, com seus conceitos voltados para oestabelecimento deste tipo de relação. A conceituaçãoem análise é marcada pelo entendimento dorelacionamento interpessoal como um processo de

aprendizagem. Desse modo, a prática terapêutica deveestar vinculada à necessidade de um conhecimentoindividual tanto do profissional e cliente, como tambémda coletividade, para ter aplicabilidade nos contextosde vida das pessoas envolvidas.

Segundo Peplau4, três fatores são necessários para arelação interpessoal ser estabelecida como um processode aprendizagem: o enfermeiro, o paciente e seusrespectivos contextos de vida. Esses fatores dão substratosa três eixos conceituais: conhecer a si - enfermeiro;conhecer o outro - paciente; e o entendimento do ambiente,no sentido ampliado que diz respeito a tudo aquilo quecircunda e contextualiza o indivíduo.

Entre as posições de Peplau4 e os princípios daReforma existe um distanciamento histórico queinfluencia a utilização de determinadas terminologias.Nos textos sobre a Reforma existe a referência àcidadania. Em Peplau6 aparece a necessidade dorelacionamento interpessoal ter como meta amanutenção do doente em seu estado de saúde. Nessesentido, a autora não faz uma exploração conceitualsobre direitos e deveres decorrentes da inserção políticae social do indivíduo, que estariam vinculadospossivelmente a uma discussão sobre a cidadaniaalcançável para o doente mental. No entanto, Peplau4

parece indicar que a assistência de enfermagem viávelé aquela que mantém o paciente na comunidade.

Entendendo que o movimento político da épocaestava centrado na desospitalização americana, isto é,a retirada dos pacientes dos hospitais psiquiátricos, aautora explora a necessidade da manutenção do estadode saúde do paciente, porém não estando atrelada aoprincípio do exercício da cidadania.

Para os autores formadores de opinião, os indíciospara a manutenção desse estado de saúde estãoatrelados à possibilidade de trabalhar a cidadania dodoente mental. Embora explore uma assistênciaprimária, de caráter intervencionista na manutençãodo bem-estar do doente, Peplau6 não se aprofunda nasquestões relativas à cidadania. Não estamos falandode um entrave para a ar ticulação desses conteúdos,mas de nomeações datadas e avanços restritos naépoca da sua escrita.

Entre Peplau4 e os princípios da reforma existe umdistanciamento histórico que influencia a utilização dedeterminadas terminologias. A reforma fala decidadania e Peplau4 da necessidade de o relacionamentointerpessoal ter como meta a manutenção do doenteem seu estado de saúde.

Diante da existência da necessidade de serestabelecer um estado de saúde, os autoresformadores de opinião posicionam-se sobre a maneira

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como deve ser conduzida a assistência psiquiátrica. Acidadania conduz o pensamento sobre algo peculiarem relação às características físicas e psíquicas dopaciente. A nomeação individualidade, como conjuntode qualidades que constituem um indivíduo, édelimitadora de capacidades próprias e da possibilidadede criação de suas normas particulares7:39.

A cidadania nos conduz a pensar sobre algopeculiar em relação às características físicas epsíquicas. A nomeação individualidade, enquantoconjunto de qualidades que constituem um indivíduo,é delimitadora de capacidades próprias e dapossibilidade de criar suas normas particulares.

Peplau4:14 fala que o problema está em cadapaciente ter suas peculiaridades e que, paraentendermos melhor com quais par ticularidadesestamos dialogando, é preciso conhecer o ambientede cada paciente, seu ambiente interpessoal, suafamília, sua comunidade1.

Os autores formadores de opinião avançam emrelação a Peplau4 quando centram suas discussões nanecessidade de pensar a reabilitação psicossocial dessespacientes como uma atitude estratégica, uma vontadepolítica, uma modalidade compreensiva, complexa edelicada de cuidados para pessoas vulneráveis aos modosde sociabilidade habituais que necessitam de cuidadosigualmente complexos e delicados8:21.

Diante do que foi exposto, concluímos que nãoexiste uma técnica de reabilitação mais indicada, masum conjunto de diferentes técnicas que possamtrabalhar com as necessidades individuais e asoportunidades do contexto. A reabilitação não é paraadaptar ao jogo dos fortes, os fracos. É um processopara que se mudem as regras e os for tes possamconviver, coexistir, no mesmo cenário que os fracos9:151.

É possível garantir ao paciente o seu próprio modode funcionamento por meio do entendimento doconjunto de leis, princípios, costumes e hábitosexclusivos à sua percepção de vida. Nesse sentido, cadaum (...) [tem] seu poder de aquisição neste mundo(...) [sendo], às vezes, (...) mais hábeis ou menoshábeis, mais habilitados ou menos habilitados9:97.

Dessa forma, Peplau4 explica a necessidade detrabalhar com o entendimento do cliente, visto queindivíduos diferentes reagem diferentemente àdoença4:18, b. Portanto, devemos estar interessados noque leva uma pessoa a procurar um tratamento paraenfrentar sua dificuldade de saúde. Somente a partirdesse entendimento por parte do enfermeiro é possívelque ele pense e implemente seus cuidados deenfermagem. A autora fala de um fator importante norelacionamento interpessoal, o de reconhecer a

individualidade do paciente, trabalhar com o problemaou dificuldade apresentado por ele, de modo a podertorná-lo co-participativo no tratamento4:22.

Assim, os conteúdos dessa autora e os princípiosda Reforma Psiquiátrica convergem para umanecessidade de dar voz ao sujeito. Nos pressupostosda Reforma, é possível entender a clínica como sendoum modo de escutar e agir em função da escuta.Através do entendimento da singularidade do outro, épossível estar autorizado a cuidar e conduzir umtratamento pautado nas capacidades do paciente ena garantia da referência 10.

Na construção de sua teoria, Peplau4 enfatiza anecessidade de escutar o paciente, o que se tornarealidade através do emprego do segundo conceitointerpessoal: conhecer o outro. Nesse sentido, permitir-se escutar é ouvir necessidades. O ser humano nãopossui apenas necessidades concretas de respirar,comer e dormir, mas também necessidades subjetivase talvez pouco conhecidas e reconhecidas. Viver emgrupo e se sentir como parte ativa deste ou daquelegrupo, é também uma necessidade que proporcionaa obtenção de respostas as mais variadas possíveis.Trabalhando essas respostas pessoais em grupoestabelece-se uma dependência, como umcomponente necessário nas relações deinterdependência das pessoas11:165. O trabalho daEnfermagem somente pode ser pensado no sentidode trocas com o indivíduo, com a família, com acomunidade e com outros profissionais. Esta é aessência do que nomeado trabalho co-partícipe.

A estratégia utilizada pela Reforma PsiquiátricaBrasileira é lançar mão de dispositivos comunitáriosem sua essência, dentro do espaço físico dacomunidade e articulado às relações da mesma, paradar maior equilíbrio a esta necessidade política e socialdo sujeito de pertencer ao espaço em que está inserido.O que se busca para a autonomia do doente mental éa dependência de um maior número de trocas. Somosmais autônomos quanto mais dependentes de tantascoisas pudermos ser12:57.

Por tanto, quando falamos em autonomia, nossaliberdade moral, necessariamente falamos dedependência, nossa sujeição aos laços sociais queconstruímos. Entretanto nesta discussão, devemosavaliar em que medida estamos prontos para acolheros doentes psiquiátricos em nossas vidas, para aceitaros estabelecimentos dos centros de atençãopsicossocial em nossas vizinhanças 13:13.

Dessa forma, para reunir uma disponibilidadetécnica e científica, não basta o profissional estarpresente para o paciente. É preciso estar habilitado a

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Entendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a Teoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peplau e a Replau e a Replau e a Replau e a Replau e a Reforma Peforma Peforma Peforma Peforma Psiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leiraCardoso TVM et al

lidar com esta presença. Esta é a questão na qual seagrupam todos os princípios. Portanto, não adiantariaque novas discussões fossem propostas se nãohouvesse os meios para implementá-las. O que nosconduz a refletir que o início de qualquer trabalho clínicodeve estar pautado na seguinte indagação: em quemedida profissionais capacitados nos hospícios estarãohabilitados ao exercício de uma nova prática? 13:13

A difícil tarefa em desconstruir conceitos não sefaz apenas no âmbito da sociedade vigente. Talvez, osmaiores produtores de um entendimento errôneosobre a doença mental sejam os próprios profissionaisque trabalham com ela. Seu meio de trabalho acabapor perpetuar normas internas, percepções individuaise saberes demarcadores da exclusão social da loucura.

Em adição a esta percepção, Russo14:17 destaca que em:

Cada um de nós, independente da raça, tem umeu primitivo dentro de si, que deve ser educado,civilizado, transformado. Essa transformação,evidentemente, só poderá ser levada a bomtermo se guiada por aqueles que iluminados pelanova teoria e despidos dos preconceitos ditadospela tradição, sejam capazes de indicar o bomcaminho a ser seguido.

Embora falem do universo simbólico relacionado àsconstruções das nossas identidades, estas citações nãoparecem indicar uma limitação definitiva para o cuidado,mas um reconhecimento da diferença.

Em se tratando de um campo em transformação,quando falamos em reforma é essencial pensarmos: comopodemos reformar algo, de cuja essência ainda não nosaproximamos? Como justificar um posicionamento teóricose não entendemos os motivos de nossas escolhas? Comque verdades estamos dialogando?

A personalidade construída por cada enfermeiradeterminará a maneira como o contato interpessoalserá conduzido em cada situação de enfermagem(Peplau 15:24). Se a psicanálise assume, como premissado atendimento, a análise do próprio analista, Peplaualarga esta proposição a todos os enfermeiros sem aobrigação de tornarem-se analistas.

Esta percepção nos conduz a pensar que énecessário ser especial para trabalhar na psiquiatria,no sentido de possuir um saber que é próprio,particular, mas, acima de tudo, ter consciência sobreeste saber. Os nossos valores morais, as nossas formasde vida, nos tornam especiais como agentes docuidado, a partir do momento que os conhecemos esabemos minimamente como encaminhá-los.

Para esta teórica, a formação de cada enfermeirafaz uma diferença substancial no aprendizado sobrea doença vivenciada pelo paciente4:67, c.

Percebemos que existe uma proximidade entreprincípios e conceitos, quando se fala de umanecessidade de conhecer o outro, para prestar açõesde cuidado. Com algumas ressalvas, tanto os princípiosda Reforma Psiquiátrica Brasileira quanto os conceitosde Peplau articulam-se quando o foco de discussão éconhecer a si para ser possível lidar com o outro.

O desafio lançado aos profissionais da área de saúdeé o de terem uma disponibilidade primária para oautoconhecimento e, assim, poderem estar habilitadospara lidar com as percepções individuais em prol deum coletivo, seja ele ou a relação interpessoal definidapor Peplau4, ou o cuidado reformista caracterizado pelaReforma Psiquiátrica.

CONCLUSÃO

Falar de um referencial teórico elaborado nos anos1950, cujos conteúdos se aproximam da realidade atuallevou à reflexão sobre os motivos pelos quais teoria esua aplicação prática foram afastando-se com o tempo.Ao longo deste trabalho, concluímos que não é por faltade aplicabilidade.

Cabe discernir sobre esta aplicabilidade e permitirrepensar os cuidados atuais a par tir de construçõesanteriores. Fazer com que as nossas ações atuaisrenovem-se e, ao mesmo tempo, tenham a garantiade um início teórico, um respaldo científico, um fiocondutor de novas formas de pensar. Portanto, aindapermanecem questões a serem empiricamenteesclarecidas, tais como: O que teria acontecido com oensino da enfermagem ao longo dos anos? Por que odescaminho ou afastamento? Por que uma teoria comaplicabilidade tão atual foi deixada para trás?

Estudar, com certa modéstia e ciente das limitaçõesapresentadas, os princípios aplicáveis à Reforma fazpensar sobre as diversas dificuldades que surgem quandoa proposta é a discussão sobre cidadania e seu exercíciono meio social, a reabilitação psicossocial. Caberessaltarmos que os distanciamentos, nesta cronologiado tempo e das ações, não permitiu a teórica discutir deuma maneira aprofundada sobre as ações em dispositivosextra-hospitalares e, conseqüentemente, falar das açõesclínicas necessárias nestes dispositivos. Peplau nãodiscute sobre reabilitação psicossocial e, neste contexto,não trata do trabalho como meio dinamizador dasrelações, como fazem os autores formadores de opinião.A teoria do relacionamento interpessoal ensaia umacrítica ao modelo hospitalar e inicia uma discussão sobrea necessidade das ações na comunidade, no meio devida do sujeito, mas sem aprofundamento.

Desconstruir formas de pensar e agir para produzirnovas formas de pensar e agir torna o movimento da

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Entendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a Teoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peplau e a Replau e a Replau e a Replau e a Replau e a Reforma Peforma Peforma Peforma Peforma Psiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leiraCardoso TVM et al

Reforma especial em sua essência e gerador de desafiosconstantes. Por tanto, seria acertado afirmar que osassuntos pertinentes a uma discussão sobre a ReformaPsiquiátrica Brasileira ainda estão por serem esgotados.

Na verdade, constituiu-se um desafio analisar umassunto como os princípios da Reforma Psiquiátricaatual, quando ela é pensada, escrita e praticada pordiferentes pessoas que, por sua vez, possuem maneiraspar ticulares de perceber o mundo. O objetivo quenor teia as análises e discussões realizadas pelosformadores de opinião não é único. No entanto, oentendimento da doença mental como experiênciahumana e seus conseqüentes desdobramentos esbarraa todo o momento com a diversidade de posiçõesapresentada neste campo.

Paralelamente, a vivência experimentada ao longodesta investigação de cunho bibliográfico, que conduziuà formulação do problema estudado, permitiu olharpara além de uma atuação de enfermagem restrita àexecução de tarefas. Procuramos demarcar osconceitos que poderiam proporcionar oreconhecimento da presença do enfermeiro como fatoressencial para a assistência de enfermagem, sob aperspectiva do uso de saberes e fazeres atuais. Essaessencialidade caracterizou-se como uma contribuiçãopara a identidade do enfermeiro psiquiatra.

Como nenhum trabalho que se pretenda científicotem um caráter de terminalidade, ainda permanecemalgumas questões que poderão ser exploradasfuturamente. Uma delas é a questão da perda do lugardo enfermeiro ao longo dos anos, saindo de umaposição essencial às práticas psiquiátricas hospitalarespara se expor a uma certa desvalorização quando osassuntos envolvem centros de atenção psicossocial ou

outros dispositivos assistenciais extra-hospitalares. Oque teria levado o enfermeiro a perder seu lugar paraos auxiliares de enfermagem? O que faz a diferençano cuidado de enfermagem atual?

O presente trabalho propôs, ainda, destacar osindícios sobre possíveis caminhos a serem trilhados,sobretudo para a Enfermagem Psiquiátrica,considerando a perspectiva de uma possível teoria aser contemplada, que não esteja distanciada darealidade prática que se apresenta hoje. Dessamaneira, quando falamos do paciente como por tadorde uma experiência que lhe é humana, sabemos queela só existe em termos de contrato social, trocas dedependência, satisfação de necessidades pessoais, deconhecimento do outro – nomeado por Peplau4.

Quando refletimos um trabalho comunitário, atravésdos eixos conceituais propostos por Peplau, sobre épossível estar nos CAPS, nas Residências Terapêuticas,nos Lares Abrigados, nas casas dos pacientes, na rua, napraça, na igreja, enfim, nos espaços de vida do paciente.Pensamos para além de espaços demarcadores deexclusão, mas produtores de cidadania.

Provavelmente permanecerão indagações ao finaldesta investigação, já que o trabalho não tem aintenção de esgotar o tema, mas sim de produzirquestionamentos sobre práticas relacionadas à assistênciaem enfermagem psiquiátrica. Podemos considerar que oestudo atingiu seu objetivo: produzir indagaçõesdirecionadas para uma clínica mais aprimorada para opaciente psiquiátrico, que permita conhecer quemcuidamos, entender seus espaços de circulação e, acimade tudo, entender nossa inserção profissional na produçãoda dinâmica de uma cidadania possível.

Referências

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Entendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a TEntendendo a Teoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peoria de Peplau e a Replau e a Replau e a Replau e a Replau e a Reforma Peforma Peforma Peforma Peforma Psiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leirasiquiátr ica Brasi leiraCardoso TVM et al

Sobre as AutorasaLoucura e doença mental não são a mesma coisa. São termos usadosem dois momentos históricos distintos e relacionados à normas sociais,políticas e ideológicas referentes. A loucura assume o estatuto dedoença mental, quando ela é percebida como forma de conhecimentohumano e é, então, institucionalizada como saber psiquiátrico e médico(Silva Filho et al13).bTexto original: Different individuals react differently to illness. (Peplau4:18).cTexto Original: The kind of person each nurse becomes makes asubstancial difference to what each patient will learn as he is nursedthrought his experience with illness (Peplau4:67)

Notas

TTTTTaís aís aís aís aís VVVVVerererereronica Macedo Caronica Macedo Caronica Macedo Caronica Macedo Caronica Macedo Cardosodosodosodosodoso

Mestre em Enfermagem pela EEAN/UFRJ. Especialista em enfermagempsiquiátrica pela UNIRIO. Profª Assistente da UNIGRANRIO. Membrodo Laboratório de Pesquisa em Enfermagem Psiquiátrica – [email protected]

Rosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de Oliveira

Profª do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da EEAN/UFRJ. Mestre em Enfermagem pela EEAN/UFRJ. Doutora emEnfermagem da EEAN/UFRJ. Membro do Laboratório de Pesquisa emEnfermagem Psiquiátrica - LAPEPS.

Cristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat LoyolaCristina Maria Douat Loyola

Profª Titular da EEAN/ UFRJ. Doutora em Saúde Coletiva. Assessora deSaúde Mental no Ministério da Saúde. Coordenadora do Laboratóriode Pesquisa em Enfermagem Psiquiátrica - LAPEPS.

Recebido em 08/06/2006Reapresentado em 15/09/2006

Aprovado em 25/10/2006

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A Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXBotti NCL

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: História. Enfermagem Psiquiátrica. Psiquiatria. Tratamento.

Abstract Resumen

Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :Keywo rds :History. Psychiatric Nursing. Psychiatry. Treatment.

Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Historia. Enfermería Psiquiátrica. Psiquiatría. Tratamiento.

UMA VIAGEM NA HISTÓRIA DA ENFERMAGEMPSIQUIÁTRICA NO INÍCIO DO SÉCULO XX

A Travel in the Psychiatric Nursing Historyin the Beginning of the 20th Century

Un Viaje en la Historia de la EnfermeríaPsiquiátrica en el Início del Siglo XX

Nadja Cristiane Lappann Botti

Este trabalho teve como objetivo realizar uma análise histórica sobre as práticas e saberes da Enfermagem PsiquiátricaBrasileira na primeira metade do século XX. Práticas e saberes do paradigma asilar pautado na tutela, segregação eexclusão social; em função de se acreditar que o conhecimento da história da Enfermagem e da Psiquiatria éfundamental para a construção de uma nova prática profissional.

The objective of the present study was to develop ahistorical analysis about the practice and known of theBrazilian Psychiatric Nursing in the first half of the 20th

Century. Practices and knows of the internmentparadigm ruled in the guardian, segregation and socialexclusion; based in the belief that the knowledge of thehistory of the Nursing and of the Psychiatry is basic forthe construction of a new professional practice.

El presente estudio tuvo como objetivo desarrollar unanálisis histórico sobre las prácticas y conocimientos dela Enfermería Psiquiátrica Brasileña en la primera mitaddel siglo XX. Las prácticas y conocimientos del paradigmaacoger pautado en la tutela, segregación y exclusiónsocial; en función de creerlo que el conocimiento de lahistoria de la Enfermería y de la Psiquiatría es básicopara la construcción de una nueva práctica profesional.

ENSAIOESSAY - ENSAYO

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A Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXBotti NCL

Este ensaio foi construído a partir de uma metáforasobre o cuidar e a loucura, onde se coloca que tratar depsicóticos é aceitar um convite para uma viagem ondenão há como ter roteiro preestabelecido e onde aqueleque se oferece a cuidar tem que ter um gosto inusitadoe uma cer ta paixão pela aventura1. A par tir dessaconstrução metafórica, imediatamente o imagináriocomeça a delinear cenas, personagens e cenários.Inegavelmente surgem inúmeras possibilidades deviagens. Então, uma curiosidade se insinua: que bagagema Enfermagem levaria para acompanhar um pacientepsiquiátrico numa hipotética viagem ao século passado?

Este trabalho através de um ensaio tem como objetivorelatar, de uma outra forma, a prática da Enfermagemno campo da Assistência Psiquiátrica no início do séculoXX, em especial na primeira metade do século. A metáforafoi eleita por possibilitar a construção de outros significados.O termo “viagem” apresenta um simbolismoparticularmente rico, entre outros significados, exprimea busca da verdade, paz, imortalidade, da procura, dadescober ta, do desejo de mudança interior ou umanecessidade de experiências novas. A viagem pode terum sentido que vai além de simples deslocamento físico,indicando, assim, uma insatisfação que leva à busca e àdescoberta de novos horizontes2.

Essa viagem ocorre nos primórdios do século XX,levando em consideração os significados da loucura eo sentido do tratamento em tal época, sem definir asespecificidades de cada década, englobamos osdiferentes momentos da Enfermagem Psiquiátrica noBrasil. No contexto, o paradigma asilar que, entre ascaracterísticas mais específicas, enunciava a diferençainscrita na loucura, a exclusão, a estruturação do saberpsiquiátrico, a possibilidade da cura e a vir tualidadeda higiene3:35. E nesse contexto, entre as motivaçõespara a Enfermagem escolher o cuidado ao doente mentalcomo campo de atividade, encontrava-se a identificaçãocom o trabalho em psiquiatria, a influência de familiarese de professores e a inclinação pelos assuntosrelacionados com a psicologia e a psiquiatria 4.

Faz-se o cenário com asilamento, exclusão,segregação e tratamento moral. Nesta cena, aEnfermagem teria um papel garantido, pois Franco daRocha, um especialista da época, afirmava que osingredientes básicos do tratamento moral são um bomenfermeiro, um bom cozinheiro e uma bela vista3:37.Assim, a Enfermagem é convocada a compor a cena emontar o figurino; e nesse momento se pergunta: que

bagagem levaria para acompanhar um alienado paraser internado no Asilo Colônia de Barbacena?

Em geral, numa viagem levamos na bagagem oque parece indispensável, como objeto material,roupas, sapatos, acessórios, mas, para além destesentido, pode também representar psicologicamenteelementos subjetivos como: possibil idades,conhecimentos, capacidades, hábitos, instintos,ligações e proteções. Por esse viés, abandonar abagagem significaria uma desconstrução interior e umprofundo sentimento de liber tação2. Significadolegítimo do movimento da Reforma Psiquiátrica e dadesconstrução da lógica manicomial.

Essa viagem poderia ter como ponto de par tidaqualquer lugar, mas a chegada teria como destino oAsilo Colônia de Barbacena. Assim, num tempo remoto,poderíamos iniciar uma viagem de trem pelos trilhosda Estrada de Ferro da Central do Brasil, que nasprimeiras décadas do século passado, ligava MinasGerais ao Rio de Janeiro e São Paulo. O Sanatório deBarbacena tinha para a época alguns requintes comouma estação ferroviária exclusiva e um telefone5. Fatoscuriosos, que no mínimo nos lembra a associar a umaoutra viagem, que também tem como personagem a“loucura” e como cenário o estigma e a segregação,a viagem de Maria de la Luz Cervantes narrada noemocionante conto Só vim telefonar6.

Sendo o trem o meio de transpor te, nos vagõescom destino à estação do sanatório, possivelmente,estaria o alienado, deficiente físico, epiléptico,alcoólatra, marginal, sifilítico, deserdado pela família,mãe solteira, entre outros considerados “inaptos” paraa vida em sociedade, enfim um “trem de doido”,expressão originária desse contexto, e hoje comumem Minas Gerais. Em geral vinham de toda parte doestado e outros estados, fazendo com que a cidadeficasse conhecida como a “Cidade dos Loucos” – poisàs dezenas eram semanalmente abandonados emBarbacena; último estágio público da loucura em MinasGerais, “uma viagem sem retorno”, na verdade, aestação do sanatório “era o fim da linha”7.

No trem, no interior dos vagões, respeitavam-sealgumas divisões fundamentais: homens, mulheres,curáveis, incuráveis, calmos, agitados, agudos, crônicos,pois tinha duas espécies de doentes mentais (...) asdoentes crônicas, que eram doentes mansas, que nãofaziam nada (...) e as doentes furiosas, agitadas8:312.

Acompanhamos um “doente” que caracteristicamentena época se apresentaria com mínimas variações9

uniforme azul, correias, cintos, manchões, pegemas

INTRODUÇÃO

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(algemas de pés), embornal (sacola com alça, quese levava pendida do ombro, que, não por acaso,foi eleito pelos alienistas para uso dos doentesquando reconhecemos o significado de embornalcomo um saco que se prende em torno à boca deanimais domést icos para lhes dar de comer)levando canecos e pratos de lata.

Para compor a mala, partimos da história sobreas práticas da Enfermagem desenvolvida nos hospitaispsiquiátricos. No Brasil, no início do século,teoricamente competia aos alienistas a prescrição dosmeios terapêuticos e a delegação da execução destesao pessoal de Enfermagem, na realidade eram osúltimos que definiam em que momento e quaisprocedimentos deveriam ser utilizados para conter asmanifestações de agitação dos internos8.

A Enfermagem, nesse contexto, apresentavaaptidões que supostamente um profissional da áreadeveria possuir para trabalhar com doentes mentais:saber ouvir e compreender o outro 4:315. E desenvolviauma prática profissional caracterizada principalmentepela vigilância, obser vação e controle docomportamento dos pacientes - através das medidasde contenção física - bem como pela execução decuidados de enfermagem complementares à clínicamédica (controle de sinais vitais, higiene, alimentação).

O repouso seria a primeira medida terapêutica aser tomada – clinoterapia - o doente deveriapermanecer no leito para reduzir a excitação cerebrale renovar o sistema nervoso3:37. No caso dos doentesmais agitados, a clinoterapia pode ser garantida coma utilização de amarras. Nesse sentido, a Enfermagemlevaria a camisa de força, as faixas para contenção eos lençóis, para fazer o “invólucro úmido” (técnicaque consistia em manter o paciente enrolado emlençóis molhados por algumas horas), pois:

Tinha uns que arrebentavam de tanto quebatiam nas paredes então tinha que pôr camisade força e manguito (...) se amarrava o doentecom as mãos dele para trás, pois os doentesdaquela época eram fortes e agressivos (...) acontenção mecânica era com uma faixa, comose enfaixasse uma pessoa (...) então o indivíduoficava completamente imóvel, não podia semexer durante oito horas8:319-320.

Entre os cuidados “benevolentes” estava indicado:Três a quatro litros de leite, desintoxicantes porexcelência, que deveriam ser consumidosdiariamente no caso dos delírios agudos com

agitação e febre, incluídos aí os delírios alcoólicos.Por conterem substâncias excitantes, o álcool, ocafé e o chá preto deveriam ser evitados3:38.

Em casos de agitação psicomotora ecomportamento “inadequado”, a hidroterapia seria ométodo escolhido pelos efeitos de sedação e contençãoque os al ienistas atribuíam a esse tratamento;ass im, ser ia necessár io levar ter mômetro,banheira, bacia e toalha, porque:

Para uma paciente agitadíssima tinha o banhode hora (...) onde os doentes eram colocadosna banheira de água bem morna e ficavam alitempo até se acalmar (...) tinha o termômetropara ir vendo a temperatura da água (...) ocalmante dos doentes era um pano bem cheiod’água fria na cabeça (...) o banho de imersão,era feito numa temperatura de 37 ou 37,5 °conde se colocava o paciente e dois enfermeirosseguravam em média uma hora e meia, duashoras, sempre observando a temperatura8:301-314.

Mas sem reducionismo técnico, a hidroterapia oubalneoterapia, não era tão simples assim, pois haviauma diversidade de procedimentos técnicos e indicação,o banho quente tinha efeitos analgésicos, antiflogísticos,sedativos e hipnóticos (...) o banho frio estava indicadona neurastenia, na hipocondria e nas condiçõesanêmicas que acompanham a loucura3:38.

Mas haviam ainda, os instrumentos necessários paraos procedimentos das “terapias orgânicas” (termoutilizado por Kaplan, que inclui os psicofármacos, aspsicocirurgias e convulsoterapias), entre elas

A malarioterapia onde se injetava malária nopaciente (...) para isso tirava o sangue de umdoente que tivesse a malária e injetava em outro.Era uma espécie de transfusão de sangue (...)então um dia ou dois, começava a febre. Tinhaque conservar o paciente com 80 horas de febreacima de 38°c (...) ao cabo de uma semanadeixava ele descansar um pouco para recuperaras 80 horas (...) depois entrava com uma sériede bismuto (...) tinha que aspirar com seringade vidro, usava uma agulha para aspirar e outrapara injetar, porque se fizesse com a mesmaagulha queimava todo o braço do paciente8:322.

A eletropirexia era um forno onde se colocava opaciente lá dentro e ficava só a cabeça para fora(...) com a temperatura graduada em 38° cdurante 6, 7, 8 horas8:323.

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A Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXBotti NCL

Com a insulina se fazia o choque úmido ondese injetava uma dose e ia elevando até chegarao coma. Quando a doente estava em coma,que não tinha reflexos, ainda deixava algunsminutos. Depois era inter rompido o coma,através de 20 ml de glicose na veia8:325-326.A medicação que se fazia injetável, endovenosa,era o Sonifen, mas dava uma trombose, entãomuitos doentes com trombose tinham quetratar na estufa. Bastava-se duas estufas, umade cada lado do braço para poder desmanchara trombose8:326.

Uma injeção de Sulfizina (óleo canforado) quedeixava a doente com hiper termia e acalmavaassim era indicado na agitação (.. .) nadepressão se utilizava o cardiazol (...) e nasesquizofrenias a insulinoterapia8:326.

Como havia uma variedade de medicações, serianecessário uma farmácia para levar:

Os tonificantes (ferro, cafeína, kola, sais de cobre,soro artificial, quinina, arsênico, glícero-fosfatos),os brometos, o ópio via oral puro em pó ou soba forma de tintura (láudano de Sydenham) oudiluído como extrato aquoso para injeçãosubcutânea; o cloral e o paraldeído, a hioscina,a canabis, estriquinina3:38.

Assim precisaria de injeção de vidro, agulha e algodão.É impor tante lembrar da eletroconvulsoterapia, casosurgisse nos vagões doentes agitados, negativista, eprincipalmente, para garantir, a essa altura daviagem, uma cer ta economia no trabalho daEnfermagem, pois:

O ECT em determinados casos funcionava comono paciente que estava negativista, não queriase alimentar, não queria ver a família (...) tambémpara o esquizofrênico, agressivo não existiatratamento melhor que o eletrochoque8:327-328.Com o aparelho do eletrochoque debaixo do braçobotava 80 V, menos de 80 V não desencadeiacrise numa pessoa (...) tinha uma sacolinha depano para pôr na boca para não morder a línguae tinha que segurar o queixo das pacientes senão,naquela convulsão, caíam o queixo8:333-336.

E para mantê-los ocupados durante a viagem, poisafirma-se que a ocupação é muito importante para odoente mental, como nos lembra Franco da Rocha. Aociosidade é o que há de mais subversivo tanto para o

espírito do louco, como para o normal10. Assim,construiríamos um vagão ergoterápico, com oficinamecânica, marcenaria, padaria, sapataria e rouparia:

A praxiterapia para as (‘pacientes’) femininasera na parte de costura, bordado (...) as doentescosturavam, pregavam botão, botavam elásticos,emendavam a roupa e bordavam. (...) Para oshomens uma gaita, um chocalho, pandeiro eum violão, aí formava a bandinha8:338-340.

As psicocirurgias garantem outra forma deintervenção terapêutica indicada para o tratamentoda agressividade. Portanto, seria necessário levar namala os instrumentais cirúrgicos e a anestesia.

Na lobotomia se fazia anestesia com Tiopental.Na lobotomia frontal o doente ficava calmo eem parte regredia, ficava meio abobalhado. Nalobotomia da região parietal se abria e depois,com o bisturi elétrico, isolava uma par te docérebro (...) isso acalmava o paciente e aagressividade (...) geralmente levava uma hora,uma hora e meia, duas horas, duas horas emeias essa cirurgia8:348.

Como não teríamos de levar quar to-forte, a cela,seria importante construí-lo dentro dos vagões. Seriamvagões-fortes, vagões-cela?

Enfim, final da viagem e com esta mala a Enfermagemteria elementos suficientes para manter a ordem, ocontrole e a disciplina, prevenir distúrbios que aameaçassem e implantar medidas para a contenção daagressividade, mas que na verdade são instrumentosde sujeição do paciente, através do domínio do indivíduopelo uso extremado da violência imposta.

Uma mala pesada, insupor tavelmente pesada deobjetos e recursos empregados na lógica da exclusão,bagagem que preconiza a diferença como negatividade,condenando-os ao aviltamento que devemos abandonare substituir por novas bagagens, novos saberes e fazeres.

Terminamos o ensaio com um outro convite, o dehoje seguir indefinidamente imaginando novas viagens,com cenários que exteriorizam e habitam a cidade(contratualidade), com o trânsito da loucura circulandoem outros espaços (solidários), com outros transportes(humanos), frente a uma nova bagagem (ética e estética),em direção a novas estações (cidadão e sujeitos daviagem) e com o desejo de contribuir para a formação deprofissionais enfermeiros com compromisso social, visãoética e humanística, críticos e reflexivos e sensibilizadoscom os pressupostos da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

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A Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXA Enfermagem Psiquiátr ica no Início do Século XXBotti NCL

Referências

Sobre a Autora

Recebido em 10/10/2006Reapresentado em 20/11/2006

Aprovado em 29/11/2006

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Nadja Cristiane Lappann BottiNadja Cristiane Lappann BottiNadja Cristiane Lappann BottiNadja Cristiane Lappann BottiNadja Cristiane Lappann Botti

Enfermeira, Psicóloga, Doutora em Enfermagem PsiquiátricaEERP/USP. Prof.ª Adjunta III PUC Minas / Betim.

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Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Liderança. Enfermagem. Enfermagem Psiquiátrica.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Leadership. Nursing. Psychiatric Nursing. PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Liderazgo. Enfermería. Enfermería Psiquiátrica.

LIDERANÇA EM ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA

Leadership in Psychiatric Nursing

Liderazgo en Enfermería Psiquiátrica

Sabrina da Costa Machado Marluci Andrade Conceição Stipp Rosane Mara Pontes de Oliveira

Marléa Chagas Moreira Lilian Marques Simões Josete Luzia Leite

O processo de liderança em enfermagem psiquiátrica é uma temática que deve ser cuidadosamente abordada eamplamente discutida. Contudo, poucas são as fontes científicas acerca do assunto. Assim sendo, buscou-se atravésdeste ensaio refletir a liderança e as suas várias formas de abordagem em psiquiatria ao longo dos tempos, sendopossível cer tificar sua evolução. A assistência de qualidade deve ser o objetivo único e primordial e a liderança naenfermagem psquiátrica deve estar baseada no reconhecimento das necessidades desta clientela e nas qualidades desua equipe. Este muitas vezes constitui um desafio para os profissionais enfermeiros, permitindo um maior crescimentoprofissional. E é justamente o preparo do profissional que auxiliará no bom andamento do tratamento do pacientepsiquiátrico, alcançando um resultado satisfatório.

The process of leadership in psychiatric nursing is a thematicthat must be carefully boarded and be widely argued. However,few are the scientific sources concerning the subject. In thisway, it was seek through this work reflecting the leadershipand its some forms of boarding in psychiatry through thetimes, being possible to certify its evolution. The qualityassistance must be the only and primordial objective and theleadership of the nurse must be established in the recognitionof the necessities of the clientele and in the qualities of theteam. Such reflection many times constitutes a challenge forthe professional nurses, allowing a bigger professionalgrowth. It is exactly the preparation of the professionalwho will assist in the good course of the treatment of thepsychiatric patient, reaching a satisfactory result.

El proceso de liderazgo en enfermería psiquiátrica es untema que debe ser cuidadosamente abordado y extensamentediscutido. Sin embargo, pocas son las fuentes científicasreferentes al tema. De esta manera, hubo una búsqueda através de este trabajo sobre el liderazgo y sus varias formasde abordaje en psiquiatría a través de los tiempos, siendoposible certificar su evolución. La ayuda de calidad debe serel único y primordial objetivo y el liderazgo del enfermerodebe estar basada en el reconocimiento de las necesidadesde la clientela y en las calidades del equipo. Tal reflexiónmuchas veces constituye un desafío para los enfermerosprofesionales, permitiendole un crecimiento profesionalmayor. Es exactamente la preparación del profesional queayudará al buen curso del tratamiento del pacientepsiquiátrico, alcanzando un resultado satisfactorio.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O que é liderança e quais as suas várias formas deabordagem? É este questionamento que muitos autoresbuscam responder ao tratar do tema, cada qual comum enfoque diferente. Na constante busca por respostas,é importante compreender o sentido real da liderançana enfermagem, bem como as várias formas de praticá-la, objetivando um bom relacionamento com a equipe ea excelência na qualidade prestada.

Assim, é importante destacar que o fenômeno deliderança na enfermagem deve considerar o processode trabalho de enfermagem, especificamente oprocesso de cuidar e o de administrar, onde neste últimoencontraremos a liderança, sua caracterização einfluência na execução do cuidado.

Este trabalho é um ensaio onde buscaremos discutiracerca do contexto da liderança em enfermagempsiquiátrica, onde é possível destacar que o papel doenfermeiro líder é de fundamental importância, pois visaorganizar e estimular a equipe no cuidado de um pacientediferenciado, portador de sofrimento psíquico.

Vale destacar também, a mudança de paradigmaque as instituições de saúde têm sofrido. Atualmente,o caráter das evoluções tecnológicas, adescentralização das hierarquias e o lucro como basedas instituições / empresas par ticulares têm exigidodo profissional enfermeiro um novo olhar sobre o papeldo líder, buscando a manutenção da qualificação daassistência prestada de forma criativa ecuidadosamente planejada.

É neste âmbito que a liderança e posicionamentodo enfermeiro como líder na enfermagem psiquiátricadeve ser pensado. É fundamental o caráter do líder nocuidado em saúde mental, uma vez que o doentemental dá lugar ao sujeito, a todo o seu sofrimentopsíquico e a sua experiência de vida diferenciada pelasubjetividade desta forma de sofrimento 1.

O QUE É LIDERANÇA EM ENFERMAGEM?

Para Trevisan2, liderança consiste num processode exercício de influência por um indivíduo sobre outrosno grupo. Assim, liderança em enfermagem é oprocesso por meio do qual uma pessoa, que é oenfermeiro, influencia as ações de outros para oestabelecimento e para o alcance de objetivos.

É através do processo de liderança que oenfermeiro líder pode definir o caráter de trabalho deseu grupo e mais amplamente da instituição,influenciando no papel administrativo, nas tomadas dedecisões, no crescimento e autonomia de sua equipe.

Muitos autores confrontam o papel do líder e doadministrador/ gerente, deixando claro que a liderança

muitas vezes independe do cargo ocupado, mas estátotalmente pautada no desenvolvimento do potencialde liderança, na postura e nos traços da personalidade.

É de suma importância que o caráter de gerente ede líder esteja integrado para que se alcance umpotencial máximo. Fato esperado no cuidar psiquiátrico,pois geralmente é preciso estabelecer um laçoemocional com o paciente, o que representa um desafio,uma vez que nem sempre a linguagem verbal é a maisindicada 3. É preciso estabelecer metas, influenciandoo grupo para que se alcance o objetivo final.

Todo enfermeiro é um líder e administrador emalgum nível, e o papel da enfermagem requerhabilidades de liderança e administração. É marcantea necessidade atual de líderes visionários eadministradores efetivos4.

Assim, é indispensável a atividade gerencial comoelemento integrante do trabalho da enfermeira,principalmente na área de psiquiatria, visando privilegiaros interesses coletivos, assegurando um cuidado queleve em consideração as reais necessidades do clienteportador de sofrimento psíquico.

Quanto aos estilos de liderança, na visão clássicadefiniram-se os estilos como: autocrática, democráticae laissez-faire, nos quais o líder autocrático explora eestimula a dependência do grupo e o líder democráticodesenvolve a determinação, a responsabilidade acriatividade dos membros do grupo. Porém, a escolhado estilo a ser adotado nas instituições hospitalaresdependerá do relacionamento e do tipo deenvolvimento que o profissional tem com a sua equipe.

Tendo em vista a equipe de enfermagem e oobjetivo único de garantir uma assistência dequalidade, a liderança do profissional deve serfundamentada no conhecimento das necessidades dospacientes psiquiátricos e no conhecimento dashabilidades, características individuais e necessidadesdos membros da equipe2. É a liderança, bem como oconhecimento das atribuições, um recurso ímpar paraque a enfermeira desenvolva com competência suasatribuições assistenciais e administrativas.

UMA REFLEXÃO SOBREENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA ...

A Enfermagem Psiquiátrica mudou e vem buscandoevoluir constantemente após a Reforma Psiquiátrica.Antes, seguindo o modelo manicomial, a EnfermagemPsiquiátrica era vista pela sociedade como aquela quecontrola, vigia e reprime, onde o cuidar deveria apenasbasear-se em prestar cuidados físicos e exercervigilância sobre o paciente psiquiátrico.

Era realizada a segregação do doente em umainstituição total e com a sua interdição legal, onde este

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doente foi colocado à margem da sociedade como umser incapaz de pertencer a ela5. Incluindo o controle àliberdade de expressão, ao direito de ir e vir, de escolhere decidir sobre a sua própria vida, sendo qualificadocomo doente mental e sob tutela médica.

O louco era visto como alienado, onde otratamento consistia em transformá-lo em não louco,visando enquadrá-lo em padrões morais aceitáveis.No tratamento objetivava-se fazer o doente reconhecersua culpa e para tal eram usados recursos como fazero doente sentir medo, além de usar métodos punitivose técnicas disciplinares, onde as ações de tratamentoe punição se confundiam 6.

Com o advento da Reforma, da Luta Antimanicomiale com o processo de Desinstitucionalização que asnovas medidas passaram a ser adotadas, acreditando-se que é preciso recuperar o doente, reintegrando-ona sociedade e reconstruindo sua cidadania. Aspráticas adotadas anteriormente passaram a serrevisadas e os profissionais atuantes, entre eles aenfermagem, iniciaram um processo de reciclagemadotando uma nova concepção em busca darealização de mudanças.

É impor tante atentarmos para um modelo decuidado psiquiátrico em transformação, que, segundoMiranda et al7:174, dos anos 50 a 80 foram realizados,pela maior par te da enfermagem psiquiátricabrasileira, através das frestas das janelas, dos nósdas amarras e da solidão da clausura dos grandeshospitais. Dos 90 até o momento atual, pode-se dizerque o cuidado se encontra em profunda transformaçãopautado no movimento da Reforma PsiquiátricaBrasileira, influenciando a produção científica na áreaa rediscutir os conceitos e práticas que movem ocotidiano da assistência.

É nesse contexto que a Enfermagem Psiquiátricaatual está inserida. Prima-se pela utilização de umModelo Terapêutico, buscando compreender o pacientee planejar a melhor forma de cuidar. Entende-se comoModelo Terapêutico um conjunto de referenciais,marcos teóricos que definem posicionamentosrelacionados à: noção de sujeito, conceito de saúde-doença em psiquiatria, objetivos terapêuticos equestões éticas e filosóficas8.

Em Psiquiatria, cada instante é único, o doente ésingular e, muitas vezes os padrões de conduta sãoinexistentes. É preciso que a equipe de enfermagemesteja disponível a “se comprometer” com o paciente3,o que pode ser alcançado mediante uma atuação deliderança que estimule a equipe a empenhar-se no bem-estar do paciente. E esta atividade envolve habilidadesde conhecimento sobre o comportamento humano.

No contexto do cuidado em Psiquiatria, éimprescindível uma atuação de um líder facilitador,estimulador do trabalho em equipe. Ele deve valorizaras opor tunidades de crescimento do grupo em quetrabalha pondo em prática suas qualidades individuais,organizacionais e grupais9.

Os enfermeiros psiquiátricos precisam ter conhecimentose estratégias que lhes permitam exercer liderança eautoridade em seu trabalho. Essa liderança tem um efeitosobre os cuidados dispensados aos pacientes, além dereforçar e expandir a contribuição da enfermagempsiquiátrica para o sistema de saúde como um todo9.

A Enfermagem Psiquiátrica é um processointerpessoal que promove e mantém uma mudançano padrão de comportamento no paciente. Ela contribuipara o seu funcionamento integrado podendo serdirigida ao individuo, à família e à comunidade10.

A prática atual da Enfermagem Psiquiátricafundamenta-se em várias premissas ou em convicçõesbásicas. As premissas de sua prática contemporâneabaseiam-se nos conceitos da reabilitação psicossocial.Para Saraceno11, reabilitação psicossocial é o conjuntode procedimentos que procuram aumentar as habilidades(ou diminuir as desabilidades) e com isso diminuir adeficiência. Ou seja, são intervenções de reabilitaçãotodas as intervenções que procuram posicionar o sujeitoem melhor condição de vida.

A Enfermagem Psiquiátrica trabalha a idéia de queReabilitação Psicossocial é o conjunto de atividadescapazes de maximizar opor tunidades de recuperaçãode indivíduos e minimizar os efeitos desabilitantes dacronificação das doenças, através do desenvolvimentode insumos individuais, familiares e comunitários(casa, lazer e trabalho)10.

LIDERANÇA EM ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA

O cuidado em saúde mental constitui um desafio diáriopara a Enfermagem. Ele pode ser apontado como umdos aspectos mais dinâmicos da prática da Enfermagem,proporcionando grande liberdade de criação. A sua eficáciaconsiste justamente na inovação, na especificidade, nadespadronização e na capacidade de improvisação 12.

O enfermeiro psiquiátrico realiza a ação pautadano entendimento de que o papel da enfermeira é o deagente terapêutico, e o que sustenta essa prática é orelacionamento terapêutico estabelecido com o pacientea par tir da compreensão do significado do seucompor tamento. É uma ação caracterizada comoespontânea, mas guiada eticamente pela nãoindiferença, pela capacidade técnica e pelo vínculo9.

As atividades da enfermeira psiquiátrica obedecema uma dinâmica própria envolvendo: (1) a equipe e a

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possibilidade de trabalhar em conjunto; (2) o ambiente,porque as regras são rígidas ao tratar de pessoas quesofrem de doença mental; (3) o enfermeiro e suadisponibilidade em querer cuidar de pacientes comtais transtornos, principalmente, o paciente, seu quadroclinico, seus recursos sociais e seu querer9.

No âmbito desse desafio, muitas vezes é precisoconvencer os pacientes e familiares que a vida delesvale a pena, promovendo uma abertura para novasperspectivas e realidades 12. Porém, é o despreparoprofissional frente ao doente psiquiátrico que podeimpedí-lo de responder satisfatoriamente aotratamento, ao não expressar suas queixas e seussintomas objetivos, o que pode gerar sérios prejuízospara o desenvolvimento do cuidado de enfermagem.

É a atuação do líder, neste caso o enfermeiro, quepoderá detectar os problemas vivenciados pela sua equipeobjetivando oferecer treinamento necessário, criatividade,determinação e responsabilidade para a obtenção de umaassistência de qualidade ao paciente psiquiátrico.

Contudo, é comum vermos na prática profissional,o cuidado direto sendo realizado muitas vezes pelostécnicos e aux i l iares de enfermagem. E aconseqüência é um afastamento dos enfermeiroslíderes deixando uma impor tante lacuna, não só nocuidado direto ao paciente, mas também naatividade gerencial e de liderança.

É válido lembrar que a equipe de saúde também possuium perfil multiprofissional, no qual o trabalho do enfermeiropode exercer e/ ou ser influenciado, dentro de um sistemainsterdisciplinar que tem o poder como fio condutor13.

Contudo, para Tavares,12 o principal obstáculo é oproblema da estratificação social da equipe deenfermagem no campo da Psiquiatria, principalmentese ele for acentuado pela falta de uma liderança positivada próprio enfermeiro que, muitas vezes mostra-se emcrise com seu próprio saber, mas é o responsàvel pelaformação e atuação da equipe de enfermagem. Nestesentido, Ribeiro et al13:114 destacam que:

A nova proposta atual do gerenciamento exigedo enfermeiro inúmeras habil idadesintimamente influenciadas pela sua capacidadede liderança: dar crédito a quem merece, correrriscos, determinar um objetivo, desempenhar opapel, ser competente, fomentar o entusiasmo,cultivar a fé e delegar são características quepodem ser adquiridas pelo enfermeiro no seudia-a-dia de seu trabalho, através de empenhoe confiança em suas habilidades.

Cabe ao enfermeiro a busca constante pelaatual ização, bem como pelas condições quefavoreçam as característ icas ideais para odesenvolvimento da liderança. O sucesso da atuaçãoda equipe de enfermagem e a obtenção da qualidadena assistência estão pautados na busca por objetivosconcisos e por uma l iderança que permita ocrescimento de todos aqueles envolvidos no processo.

É a prática da liderança que deve transformar oreal e construir o ideal, ao assumir os desafios,remover os entraves, contor nar e superar asbar reiras assumidas como intransponíveis,considerando que a liderança inscreve-se em todasas atividades do trabalho do enfermeiro 14.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:O CAMINHAR CONTINUA ...

A atuação do enfermeiro como líder é essencialpara o cuidado de enfermagem psiquiátrico. Acomplexidade do cuidado ao paciente psiquiátrico exigeda equipe, elementos como criatividade, determinaçãoe envolvimento, que podem ser conquistados atravésdo exercício de uma liderança positiva, que estimule odesenvolvimento da equipe.

Após a reforma psiquiátrica, o enfermeiro ganhouum novo campo de ação. Emergiu a necessidade deabdicar do modelo manicomial historicamenteimplantado, para solidificar um modelo de tratamentoque investe amplamente na re-inserção do pacientepsiquiátrico na sociedade. Assim, a proposta do trabalhoem equipe adquire um novo âmbito, no qual todos devemser estimulados a buscar um crescimento, quecertamente será refletido na assistência ao paciente.

É importante que o líder reconheça a importânciado trabalho em grupo, estimulando o convívio ótimoentre seus membros e exercendo uma liderançaconcisa, ética e capaz de influenciar os outros, para asuperação e alcance dos objetivos determinados.

A liderança em enfermagem psiquiátrica precisaser uma proposta menos “engessada” e maispositiva, do que em outras áreas da Enfermagemporque trabalha todo o tempo com aimprevisibil idade. Espera-se que o enfermeirobusque uma liderança criativa e solidária, abrindopossibi l idades para condutas terapêuticas, aoexper imentar, d ia logar, ousar e produzirpermanentemente uma demanda atenção, cuidado,transferência, acolhimento e aceitação15.

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Referências Sobre as Autoras

Recebido em 20/09/2006Reapresentado em 05/11/2006

Aprovado em 18/11/2006

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Sabrina da Costa MachadoSabrina da Costa MachadoSabrina da Costa MachadoSabrina da Costa MachadoSabrina da Costa Machado

Enfermeira da Clínica São Vicente da Gávea. Mestranda da Escola deEnfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ

MarMarMarMarMar luci luci luci luci luci AndrAndrAndrAndrAndrade Conceição Stippade Conceição Stippade Conceição Stippade Conceição Stippade Conceição Stipp

Professora Adjunta do Departamento de Metodologia da Enfermagemda Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Riode Janeiro. Membro da Diretoria do Núcleo de Pesquisa em Educação,Gerência e Exercício Profissional em Enfermagem da EEAN/UFRJ.Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ.

Rosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de OliveiraRosane Mara Pontes de Oliveira

Professora Adjunta do Departamento de Médico-Cirúrgico da Escolade Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ

MarMarMarMarMar léa Chaléa Chaléa Chaléa Chaléa Chagggggas Moras Moras Moras Moras Moreireireireireiraaaaa

Professora Adjunta do Departamento de Metodologia da Enfermagemda Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Riode Janeiro. Doutoranda em Enfermagem pela EEAN/UFRJ

Lil ian Marques SimõesLilian Marques SimõesLilian Marques SimõesLilian Marques SimõesLilian Marques Simões

Professora da Universidade Severino Sombra.

Josete Luzia LeiteJosete Luzia LeiteJosete Luzia LeiteJosete Luzia LeiteJosete Luzia Leite

Professora Emérita da UNIRIO. Pesquisadora do CNPq.

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Novos Disposit ivos em Saúde MentalNovos Disposit ivos em Saúde MentalNovos Disposit ivos em Saúde MentalNovos Disposit ivos em Saúde MentalNovos Disposit ivos em Saúde MentalMonteiro CB

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Enfermagem Psiquiátrica. Hospital-Dia. Enfermagem em Saúde Comunitária. Hospital Psiquiátrico.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Psychiatric Nursing. Day Hospital. CommunityHealth Nursing. Psychiatric Hospital.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Enfermería Psiquiátrica. Hospital Día.Enfermería en Salud Comunitaria. Hospital Psiquiátrico.

O ENFERMEIRO NOS NOVOS DISPOSITIVOSASSISTENCIAIS EM SAÚDE MENTALThe Nurse in the New AssistanceDevice in Mental Health

El Enfermero en los Nuevos DispositivosAsistenciales en Salud Mental

Trata-se de um relato de experiência que se baseia na prática cotidiana da Enfermagem Psiquiátrica, onde a autora tem porobjetivo descrever, em abordagem simples e direta, suas dificuldades de adaptação no cumprimento de seu novo papelcomo enfermeira de um Hospital-Dia Psiquiátrico, após dez anos de atuação em uma unidade de internação psiquiátrica,e sua atual performance em um centro de atenção diária. Conclui-se que, durante sua formação, o enfermeiro épreparado para incrementar ações técnicas claras e definidas, enquanto o novo modelo proposto pela Reforma psiquiátricaexige deste profissional iniciativa, criatividade e o estabelecimento de vínculos afetivos e sociais.

It is about an experience story that is based on the practiceof the daily of the Psychiatric Nursing, where the authorhas for objective to describe in simple and direct boarding,its difficulties of adaptation in the fulfilment of its new paperas nurse of a psychiatric Day Hospital, after ten years ofperformance in a unit of psychiatric internment, and itscurrent performance in a center of daily attention. It isconclude that during its formation, the nurse is preparedto develop action clear and definite techniques, while thenew model considered for the psychiatric Reformationdemands of this professional initiative, creativity and theestablishment of affective and social bonds.

Tratase de un relato de experiencia que se basa en la prácticadiaria de la Enfermería Psiquiátrica, donde la autora tienepor objetivo describir en un abordaje simple y directo, susdificultades de adaptación en el cumplimiento de su nuevopapel como enfermero de un Hospital Día Psiquiátrico,después de diez años de actuación en una unidad deinternación psiquiátrica, y de su actual actuación en uncentro de atención diaria. Concluyese que durante suformación, el enfermero está preparado para incrementaracciones técnicas claras y definidas, mientras que el nuevomodelo propuesto por la Reforma Psiquiátrica exige deeste profesional, iniciativa, creatividad y el establecimientode enlaces afectivos y sociales.

Claudia Barbastefano Monteiro

RELATO DE EXPERÊNCIAEXPERIENCE REPORT - RELATO DE EXPERIENCIA

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INTRODUÇÃO

A motivação para redigir este texto surgiu dasdificuldades de adaptação sentidas por mim, aodesempenhar minha nova função, como enfermeira deum Hospital-Dia Psiquiátrico, após dez anos de atuaçãona unidade de internação.

Em um período de quatro anos, supervisionei oestágio de nível médio (técnico e auxil iar deenfermagem), em uma unidade de internaçãopsiquiátrica pertencente a uma instituição universitária.Posteriormente, fui convidada a integrar o quadro deenfermeiros desse mesmo hospital como supervisorade enfermagem da Unidade de Internação, cargo queexerci por cinco anos até ser transferida, pela minhachefia, para o Hospital-Dia.

O hospital-dia seria uma extensão do hospital nomeio social, entre os quais existe uma linearidadeligando os dois estabelecimentos. Ele é a intercessãoda internação e a sociedade, prestando assistência auma clientela externa diferenciada tanto da internaçãocomo do ambulatório, servindo de modelo substitutivoao modelo asilar (Jorge1).

O serviço de atenção diária busca intermediar asituação de ruptura dos vínculos sociais devido adoenças mentais graves, promovendo novos laços coma família e a comunidade. Esse dispositivo de atençãona comunidade é peça fundamental para acontinuidade do cuidado e dele depende o avanço doprocesso de desinstitucionalização (Carvalho2).

Nesses anos em que atuei na EnfermagemPsiquiátrica obser vei que, no modelo asilar aassistência tende a focalizar a doença do sujeito, seussinais e sintomas. Entretanto, no novo modelo propostopela Reforma Psiquiátrica, a assistência está voltadapara a reinserção social, o desenvolvimento daautonomia do sujeito, a convivência e a comunicaçãocom o outro, a par ticipação em grupo e odesenvolvimento do pragmatismo.

NA INTERNAÇÃO

Atuava nas enfermarias com uma clientela bastantediversificada, que apresentava distúrbios, tais como:psicoses, depressões, mania, demências, uso de drogas.Procurava conhecer integralmente cada paciente, naesperança que, de minha prática surgissem respostaspara minimizar as dúvidas do paciente com transtornopsíquco relacionadas à complexidade do cotidiano daassistência de enfermagem.

Como enfermeira supervisora possuía em minhaequipe, três técnicos de enfermagem. Juntosprestávamos cuidados em uma enfermaria com 69

pacientes do sexo feminino, em crise, quedemandavam atenção para: higiene, alimentação,administração de medicamentos, aferição de sinaisvitais, repouso, cuidados quanto à riscos Tambémelaborava relatórios de enfermagem, com a descriçãodo comportamento e ações dos pacientes com basedisciplinar e vigilante. Procurava manter sempre umaconstante interação visando o relacionamento de ajuda.

A proposta da assistência de enfermagem nainternação baseia-se em uma intervenção terapêuticaoferecida por meio de dispositivos como o Salão deBeleza, a Oficina de Costura e o Baile realizado aossábados. Esses dispositivos visam estimular o interessedos pacientes pelas coisas que os cercam colaborandoassim, para a manutenção de seus laços sociais.

Para Loyola e Rocha3, o cuidar na Psiquiatria temsido considerado como um acolher com garantias de:alimentação, higiene, sono, lazer, convívio, privacidade,e outras. E ressaltam que, o cuidar é uma atitude deocupação, preocupação, responsabilização eenvolvimento afetivo com o outro. Logo, ele abrangemais que um momento de atenção e de zelo.

Acredito que a atitude ética do enfermeiro pautadana moral e na deontologia, revela-se de sumaimportância, ao se prestar um cuidado digno, respeitoso,livre de estigmas, crendices e preconceitos. Centradona interação, esse cuidado tem por objetivo originaruma relação de ajuda, uma interação terapêutica, quese caracteriza por qualquer contato com a pessoa queprecisa de ajuda, para atender a uma demanda.

Para Rodrigues4, uma relação de ajuda implica darparte de seu tempo, sua habilidade, seu conhecimentoe interesse e sua capacidade de ouvir e entender oque a pessoa expressa e os seus sentimentos.

Porém, um estudo realizado em uma enfermariapsiquiátrica constatou que, o enfermeiro é bastantesolicitado para resolver problemas e tomarprovidências sobre todos as intercorrências quesurgem no decorrer do plantão, restando-lhe poucotempo para prestação de cuidados diretos aospacientes. Ele assume a demanda relativa ao cargoadministrativo, par ticipa de atividades burocráticas,atende a familiares, médicos, profissionais da limpeza,farmácia, cozinha e manutenção, mantém atualizadasprovisões e previsões, atividades nas quais a prioridadeé considerar a situação mais urgente naquele momentointervindo para solucioná-la, com o objetivo de darandamento ao serviço. Assim, ele, relega a relaçãoterapêutica a um espaço secundário (Monteiro5).

A re lação terapêut ica e as at iv idades dereabi l i tação social também f icam prejudicadasdevido ao cur to espaço de tempo disponível paraplanejá-las e implementá-las.

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A ADAPTAÇÃO

Quando fui transferida para o Hospital-Dia senti-me insegura e tratei logo de me atualizar quanto àproposta de assistência desse modelo, que é bastantediferente do modelo hospitalocêntrico. Esse modelo,ainda em construção, apóia-se no pensamento deinclusão do usuário em contraposição ao modelohospitalocêntrico, que lida com as conseqüências dadoença e segrega vidas. Mesmo com os novosdiscursos sobre a ressocialização, pautados naReforma Psiquiátrica, a mudança na prática cotidianaainda é lenta, principalmente no modelo asilar, no quala troca social é praticamente nula.

Segundo Vilas Boas6, o modelo asilar exclui opaciente do convívio familiar e social. O Hospital-Dia éuma das modalidades assistenciais intermediárias entrea hospitalização e o tratamento no ambulatório, onde opaciente recebe tratamento intensivo com enfoque nareabilitação social, para que possa manejar sua doençafora da instituição fechada e objetivar sua reintegração àvida familiar e social, através da compreensão da suadoença e aproximação com a equipe interdisciplinar. Opaciente busca a construção de um vínculo para aexecução de uma tarefa integrada com a proposta defacilitar a evolução das interações pessoais.

Iniciei minhas atividades no Hospital-Dia inteirando-me da rotina e conhecendo os usuários e a equipe coma qual eu iria atuar. Era uma equipe interdisciplinar, oque já possibilita uma visão mais ampla da pessoaque necessita de atendimento, composta de 16 técnicosem saúde mental, sendo quatro psiquiatras (umcoordenador do serviço), eu, como enfermeira, trêstécnicas de enfermagem sob minha supervisão, doismusicoterapeutas, duas psicólogas e quatroterapeutas ocupacionais (uma é vice-coordenadorado serviço). O corpo técnico-administrativo dessehospital está composto por uma recepcionista, umatécnica de informática, uma auxiliar de serviços geraise uma auxiliar administrativa.

Todos os técnicos de nível superior têm função semelhanteno convívio do serviço, guardada as especificidades de cadaprofissão. Como, por exemplo, a prescrição de medicação –atribuição do médico, o atendimento psicoterápico – atribuiçãodo psicólogo, a verificação de sinais vitais – atribuição daequipe de enfermagem, entre outras.

Possuímos um total de 144 usuários, com umafreqüência diária de cerca de 70 deles desenvolvendoatividades, do tipo grupo e oficina, de segunda a sexta-feira, das 8:00h às 16:00h. Durante esse período, sãooferecidos o café da manhã, a colação (lanche entreo desjejum e o almoço), o almoço e o lanche da tarde.

No início do tratamento, após a avaliação inicial deacolhimento do usuário, um técnico fica responsável por

coletar informações sobre ele, que constarão em seuprontuário. Nessa entrevista com o usuário e/ou seufamiliar, é feita uma identificação, uma síntese de suatrajetória de vida (antes e após seu adoecimento), seuscontatos sociais, seus gostos e principalmente, aelaboração de um projeto terapêutico individual, no qualdepois de apresentadas as atividades disponíveis no serviço,o usuário escolhe participar das que mais lhe agradam.

São oferecidas atividades programadas que possibilitamum tratamento intensivo incluindo a família nesse processo.A assistência é realizada por meio de diversos gruposterapêuticos que compõem um trabalho amplo ediferenciado que se constituem em: terapia ocupacional,reunião de familiares, atividades recreativas e gruposoperativos, sempre visando tanto o desenvolvimento dehabilidades sociais e pessoais, como bons hábitos de vida esaúde. Esse trabalho dá destaque ao lado mais saudávelda vida do paciente trabalhando assim, a parte menoscomprometida, como Villas Boas6 enfatiza.

Ainda de acordo com esse autor, cada atividaderealizada representa para o usuário uma oportunidadede organização de pensamento, emoções e ações quese desenvolvem através de rotinas semanais. Nessesgrupos em que as atividades são realizadas, éestimulada uma troca saudável e terapêutica entre osusuários que se beneficiam compreendendo que, aexperiência do outro é semelhante a sua.

Procurei conhecer as atividades desenvolvidas eseus respectivos horários, bem como qual o técnicoque a coordenava. Entre as atividades oferecidaspodemos citar as seguintes oficinas terapêuticas:Antitabagismo, Qualidade de vida, Corpo e Som,Bijuteria, Cancioneiros, Assembléia de pacientes, Salãode Beleza, Informática, Grupo de Mulheres, Grupo deHomens, Brechó, Pintando e Bordando, Grupo deMedicação, Gerart, Culinária, Grupo de Acolhimento, Salade Leitura, Grupo de Acompanhamento, Cine Pipoca,Bom Dia, Doce Aroma, Tapeçaria, entre outras.

AS DIFICULDADES

Uma das dificuldades que senti foi a de atuar emespaços de atendimento junto a uma equipeinterdisciplinar, condição primordial para o atendimentode pessoas com sofrimento psíquico, haja vista que ocurso de graduação não forma enfermeiros para estetipo de trabalho, de acordo com Mello7.

Em seu estudo, Tavares8 afirma ser possível pensara prática criativa da Enfermagem Psiquiátricatransformando os modos e tecnologias do cuidar, naperspectiva da promoção do sujeito, apesar dacomplexidade do processo intersubjetivo.

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Pude perceber que, no trabalho em equipe, orelacionamento significa o encontro de diferenteshistórias pessoais. Cada categoria profissional inseridada equipe interdisciplinar, atua em um espaçodemarcado por um saber próprio, específico de suaformação acadêmica. Porém, elas se integram e secomplementam buscando um consenso constante, comdiscussões freqüentes e avaliações sistemáticas de suaspráticas objetivando uma melhor assistência e um melhorambiente profissional. Essa articulação acontece umavez por semana na “reunião clínica”, na qual a presençade todos os técnicos é obrigatória. É nesse lugar, quetoda a sugestão e idéia é apresentada discutida edecidida de acordo com a equipe, de maneiraharmoniosa. Entretanto o desgaste, os atritos e ascisões são freqüentes e inevitáveis entre elementos deuma equipe interdisciplinar. Por esse motivo, as reuniõessão de extrema impor tância para que as opiniõespossam aproximar-se num exercício de flexibilidade.

Entretanto, nem sempre é possível levar umproblema para a reunião de equipe devido à urgênciade sua resolução. Para essas intercorrências queacontecem durante as rotinas, foi criado o“coordenador do turno” que então resolve edetermina, após consultar o restante da equipepresente no momento.

Outro problema enfrentado por mim foi o deencontrar uma oficina que me desper tasse interessee me encantasse a ponto de desempenhá-la comtamanho estímulo me tornasse um contato terapêutico,algo que fizesse diferença para o usuário. Afinal eununca havia feito isso e não tinha muito tempo parame dedicar a esse tipo de atividade, em decorrênciada dinâmica, muitas vezes conturbada dos plantões.Creio que não ensinam ao enfermeiro a desenvolveratividades de reabilitação. Ensinam até hoje aoenfermeiro, a cuidar de um cliente apenas, quando naprática ele assume 70 por dia que necessitamatividades reabilitadoras.

Após me interar e buscar informações sobre osobjetivos e as funções desse tipo de atividade, passeia coordenar a Oficina de Leitura, onde lemos e falamossobre textos relacionados com o momento vivido, e aOficina de Mulheres onde o grupo, composto apenasde mulheres, elege e discute um tema em um ambientedescontraído e sem melindre.

Concordei em realizar também a Assembléia dePacientes, uma vez por semana, e de terminar de comporo Salão de Beleza, uma oficina que, além do convívio, visao estímulo ao autocuidado e o incentivo à auto-estimados pacientes que freqüentam através de cuidados coma aparência. Esse salão já estava encaminhado faltando

apenas alocar os móveis, espelhos, prateleiras, esmaltes,xampus, cremes etc. Após a inauguração do Salão, passeia coordenar esta oficina que atualmente é desenvolvidapela técnica de enfermagem que está de plantão.

Sob minha responsabilidade também está o Postode Enfermagem e todas as funções que lhe sãoinerentes como provisão e previsão de material,administração de medicação, verificação de sinais vitais,curativos e quaisquer outros procedimentos clínicosnecessários. Não senti qualquer dificuldade comrelação a essas atividades.

Um importante papel da equipe de saúde mental é amanutenção de um ambiente de liberdade e acolhimento,respeito às pessoas e às leis da comunidade, estímulo àshabilidades e capacidades emergentes, através de estudose reuniões freqüentes para se discutir a orientaçãoreferente a cada cliente (Rocha9).

CONCLUSÃO

Através da minha experiência, este relato podedemonstrar que, durante sua formação, o enfermeiro foidirecionado para desenvolver ações técnicas claras,previsíveis e definidas. Em Saúde Mental, o cuidado nãose baseia em intervenções objetivas ou previsíveis, umavez que a relação com o paciente é dinâmica e contínua.

Concordo com Souza10 quando afirma que, naassistência em enfermagem psiquiátrica e em saúdemental, é exigida do enfermeiro uma postura de iniciativae criatividade, cujas oportunidades nem sempre lhes sãooferecidas na graduação e na instituição.

Esta assistência exige do profissional iniciativa,criatividade e diferentes modos de assistir. Assim, ocuidar é constituído pelo enfermeiro no instante dainteração visando gerar crescimento, autonomia edesenvolvimento de quem é cuidado, para possibilitaruma melhora da qualidade de vida desse sujeito atravésdo vínculo afetivo e social, com a garantia do espaçoda diferença e do acolhimento.

O enfermeiro deverá ser preparado para atuarem novos modelos, com enfoque de serviços extra-hospitalares e de reabilitação psicossocial. Dotradicional ao psicossocial, do tecnicista à satisfaçãodas necessidades do usuário, assumindo novastarefas como, por exemplo, maior envolvimento comfamiliares, adequando-se às mudanças advindas daatual política de saúde mental vigente no país. Paraque isso ocorra, é necessário que os acadêmicosde enfermagem tenham a opor tunidade de exercera prát ica cur r icu lar também em ser v içossubstitutivos, subsidiados pela postura do docenteque busca um ensino crítico-reflexivo e direcionadopara os ideais da Reforma Psiquiátrica.

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Referências

1. Jorge MAS. Engenho dentro de casa: sobre a construção de umserviço de atenção diária em saúde mental. [dissertação demestrado] Rio de Janeiro (RJ): Ed da FIOCRUZ/ENSP; 1997.

2. Carvalho MC. Os desafios da desinstitucionalização. In: FigueiredoAC, Cavalcanti MT, organizadoras. A reforma psiquiátrica e os desafiosda desinstitucionalização: contribuições à 2ª Conferência Nacional deSaúde Mental. Rio de Janeiro(RJ): IPUB/CUCA; 2001.

3. Loyola CM, Rocha RM. Apresentação. Cad IPUB 2000; 6(19): 7-10. Tema: Compreensão e crítica para uma clínica de enfermagempsiquiátrica.

4. Rodrigues ARF. Enfermagem psiquiátrica: saúde mental: prevençãoe intervenção. São Paulo(SP): EPU;1996.

5. Monteiro CB. O paciente que manifesta agressividade na internaçãopsiquiátrica: a representação do enfermeiro. Esc Anna Nery RevEnferm 2004 dez, 8(3): 439-47

6. Vilas Boas MA. Passagem de plantão de enfermagem em umhospital-dia psiquiátrico. [dissertação de mestrado] Ribeirão Preto(SP): Escola de Enfermagem/ USP; 2004

7. Mello R. A questão da interdisciplinaridade no dia-a-dia daenfermeira que atua em centros de atenção diária de saúde mental.Rev Bras Enferm1998 jan/mar; 51(1): 19-34.

Sobre a Autora

Recebido em 11/01/2006Reapresentado em 13/06/2006

Aprovado em 15/09/2006

Claudia Barbastefano MonteiroClaudia Barbastefano MonteiroClaudia Barbastefano MonteiroClaudia Barbastefano MonteiroClaudia Barbastefano Monteiro

Mestre em Enfermagem – Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/ UNIRIO.Professora Assistente da Universidade Gama Filho. Enfermeira doInstituto de Psiquiatria – IPUB/UFRJ. E-mail: [email protected]

8. Tavares CMM. Prática criativa da enfermagem psiquiátrica:fatoresintervenientes no seu desenvolvimento. Esc Anna Nery Rev Enferm2002,abr,6(1):107-17.

9. Rocha RM. Enfermagem em saúde mental. 2ªed. Rio de Janeiro(RJ):Senac Nacional; 2005.

10. Souza MCB. M. Ações de enfermagem no cenário do cotidiano deuma instituição psiquiátrica. Rev Latino-Am Enfermagem. [online].2003 out ; [citado 12 março 2005]; 11(5): 678-684. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ar ttext&pid=S0104-11692003000500017&lng=pt&nrm=iso.doi:10.1590/S0104-11692003000500017

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A Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSTavares CMM

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Educação em enfermagem. Saúde Mental. Capacitação de Recursos Humanos em Saúde.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Nursing Education. Mental Health. HumanResource Qualification in Health.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Educación en Enfermería. Salud Mental.Calificación de Recursos Humanos en Salud.

ANÁLISE CRÍTICA DE UMA EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃODO ESTÁGIO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL AOSISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Critical Analysis of an Integration Experience of MentalHealth Nursing Training Period in the Brazilian Unified Health System

Análisis Crítico de una Experiencia de la Integración del Período de Entrenamientode Enfermería en Salud Mental al Sistema Unificado de Salud en Brasil

Cláudia Mara de Melo Tavares

As propostas de reforma curricular da área de saúde preconizam a integração entre a atividade acadêmica e a práticaassistencial, em especial no Sistema Único de Saúde (SUS). O presente ar tigo analisa o processo de interação entreescola de enfermagem (disciplina saúde mental) e a rede municipal de saúde de Niterói, no ano de 2006, visando àreorientação da organização do estágio de enfermagem no contexto da reforma psiquiátrica. Apresentamos umaexperiência de negociação de estágio de enfermagem de saúde mental com os profissionais e gestores dos serviçosde saúde mental do SUS. Conclui-se que a mudança na formação do enfermeiro está diretamente relacionada àsmudanças no âmbito das relações estabelecidas entre setores da universidade e os serviços de saúde.

The proposals of curricular reform in the health sectorpraise the integration between the academic activity and theassistance practice, in special in the Brazilian Unified HealthSystem (SUS). The present ar ticle analyzes the process ofinteraction between nursing school (mental health discipline)and the health net of the Niterói city, in the year of 2006,aiming the reorientation of the organization of the nursingpractical education in the context of the psychiatric reform.We presented an experience of negotiation of mental healthnursing training with the professionals and managers ofthe SUS mental health services. It is conclude that thechange in the formation of the nurse is directly related tothe changes in the scope of the relations established amongsectors of the university and health services.

Las propuestas de reforma curricular en el area de la saludpreconizan la integración entre la actividad académica y lapráctica asistencial, en especial en el Sistema BrasileñoUnificado de Salud (SUS). El actual artículo analiza el procesode la interacción entre la escuela de enfermería (disciplinasalud mental) y la red municipal de salud de Niterói, en elaño de 2006, teniendo como objetivo una reorientación dela organización de la pasantía de enfermería en el contextode la reforma psiquiátrica. Presentamos una experiencia denegociación de pasantía en enfermería de salud mental conlos profesionales y los gestores de los servicios de saludmental del SUS. Concluyese que el cambio en la formacióndel enfermero está directamente relacionado a los cambiosen el alcance de las relaciones establecidas entre los sectoresde la universidad y los servicios médicos.

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INTRODUÇÃO

Há mais de 20 anos acumulam-se argumentos apar tir de discussões propiciadas pela AssociaçãoBrasileira de Enfermagem sobre a necessidade demudar a educação dos profissionais de enfermagem.A mobilização em torno da mudança nas diretrizescurriculares para os cursos da área de saúde foi umimportante marco nesse processo. Há expectativa deque mudanças curriculares ocorram de forma que oprofissional de saúde dê respostas às necessidadesconcretas da população, na produção do conhecimentoe na prestação de serviços, em todos estes casosdirecionados a construir o fortalecimento do SUS.

A aprovação e homologação das diretrizescurriculares para o curso de enfermagem, em outubrode 2001, Parecer nº CNE/CES 1.133/2001, implicou emmodificações expressivas no currículo e práticas deformação do enfermeiro, passando a incorporar oconceito de saúde e os princípios e diretrizes do SUS1.

A Lei 80802 atribui ao SUS o papel de ordenador daformação de profissionais para o setor. Contudo, nãohá definições claras a respeito do perfil profissionalnecessário e adequado ao Sistema, nem estãodisponíveis os meios e recursos necessários paraconcretização dessa finalidade.

Estamos em franco processo de reformulaçãocurricular, mas os caminhos percorridos pelasinstituições formadoras são distintos dos adotados porgestores e trabalhadores do setor saúde na busca daqualidade da assistência. Projetos locais de integraçãodo processo de ensino com a rede de serviços tiverambaixa sustentabilidade, na medida em que dependiamde esforços individuais de docentes e estudantes,mostrando-se vulneráveis às conjunturas políticas locais.

Além disso, o confor to de manter as práticas deensino em hospitais universitários representa um forteconcorrente para as práticas na rede de serviços deatenção básica, que sempre exigiram maior disponibilidadee engajamento docente para as negociações no pré, notrans e pós-período letivo de ensino. Mas, a construçãosocial e institucional de uma política nacional deformação de profissionais para a saúde é um desafioa ser enfrentado por diferentes atores sociais no campoda educação e da saúde3.

Os argumentos favoráveis à necessidade de mudara educação dos profissionais de saúde são inúmeros:propõe-se um novo paradigma capaz de reorientar asrelações entre esses profissionais e a comunidade euma redefinição do peso e o papel do setor deprestação de serviços de saúde nesse processo. Oparadigma da construção social da saúde apóia-se no

fortalecimento do cuidado, na ação intersetorial e nacrescente autonomia das populações em relação à saúde4.

No campo da saúde mental, é possível constataros reflexos das mudanças propostas pelo setor saúde,com repercussões no ensino da enfermagempsiquiátrica e saúde mental. O paradigma da AtençãoPsicossocial vem ganhando força, marcado peloacúmulo de experiências de reforma da Psiquiatria,agregando ao seu objeto aspectos psíquicos e sociais,acrescentando críticas radicais às práticas psiquiátricastradicionais e apresentando a interdisciplinaridadecomo exigência, ao propor em seus fundamentos ahorizontalização das relações intra-institucionais5.

A mudança de orientação do modelo assistencialna saúde mental desafia os enfermeiros a desenvolveruma tarefa radical de construção de um novo modode cuidar. A Enfermagem passa de uma assistênciatradicionalmente marcada pela vigilância e controlecom caráter punitivo, para um trabalho caracterizadopelo estímulo à cidadania, construção da autonomiado doente, conscientização, autoconhecimento ereinserção do indivíduo na sociedade6.

Contudo, conforme destacou Fraga7, muitosenfermeiros não conseguiram estruturar o seu trabalhonos novos serviços em vir tude da convivência com aslimitações impostas por uma formação que transitaentre o modelo biológico-tecnicista e a busca de umaformação humanista.

Segundo Oliveira e Alessi8, a Enfermagem praticadanos serviços brasileiros de saúde mental ainda carecede métodos modernos de trabalho, novas tecnologiase diferentes formas de atuação.

Para reverter a atual situação do ensino e da práticana área da saúde mental é necessário enfrentar adicotomia entre o saber reproduzido nas escolas e opraticado na assistência ao doente mental, que acabapor resultar na formação de profissionais acríticos,pouco atuantes politicamente e desvinculados da novaproposta da Reforma Psiquiátrica9.

Aranha e Fonseca6 destacam que a nova orientaçãodo modelo assistencial em saúde mental exige aconstrução de uma nova ação de saúde complexificandoo tipo de resposta e o tipo de oferta de produtos desaúde mental. Nessa orientação o enfermeiro, assimcomo os demais profissionais, é desafiado a disponibilizar,além do seu saber técnico, uma habilidade no trato coma diversidade e imprevisibilidade.

Kantorski e Silva10 ressaltam que em alguns cursosde enfermagem, mesmo aqueles que conquistaramuma linha mais democrática e potencialmentetransformadora, persistem a divergência de interesses,os estágios prioritariamente em hospitais psiquiátricos,

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A Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSA Integração de Estágio da Enfermagem em Saúde Mental ao SUSTavares CMM

o ensino com ênfase nas psicopatologias, reproduzidode forma fragmentada, dicotômica, centrada nainstituição psiquiátrica, reforçando os saberes epráticas de exclusão da loucura, emboracontraditoriamente combatidos em seu discurso.

Tomar o ensino de enfermagem como ferramentabásica para a mudança transformadora dos processosde trabalho em saúde e educação, implica umaressignificação de conceitos e práticas. O ensino desaúde mental deve incorporá-los para produzir umaforça de trabalho capaz de compreender as mudançasque a práxis profissional precisa traduzir naperspectiva de uma Reforma Psiquiátricatransformadora da assistência tradicional11.

O presente trabalho busca realizar uma reflexãocrítica sobre o processo de integração do ensino deenfermagem em saúde mental ao SUS, par tindo daanálise de uma experiência curricular.

ANTECEDENTES E CONTEXTUALIZAÇÃODA EXPERIÊNCIA

No Brasil, os estágios na área de enfermagempsiquiátrica continuam a ser realizadosmajoritariamente nos hospitais psiquiátricos de grandepor te, enfatizando as psicopatologias que acentuama manutenção do modelo manicomial12.

A NOB-RH (Norma Operacional Básica – RecursosHumanos) aprovada pelo Conselho Nacional de Saúdedestaca que, cabe ao gestor federal do SUS ordenar aformação dos trabalhadores para o setor saúde,juntamente com o Ministério da Educação, cabendo aeste último criar mecanismos para o desenvolvimentode estágios obrigatórios na rede de serviços do SUS13.Neste sentido, é preciso construir um processo deinteração entre os cursos da área de saúde e osserviços públicos de saúde.

A proposta de integração ensino-serviço visa umacrescente ar ticulação interinstitucional de todas aspartes envolvidas (docentes e alunos, trabalhadores daárea de saúde e representantes da comunidade), aconstrução coletiva e a responsabilidade compartilhada,visando à transformação do ensino e a da assistência3.

Nos últimos anos, tem havido uma ampliação dacompreensão sobre o real sentido dessa integraçãoque muitas vezes significou para a instituição de ensinoapenas uma estratégia de obtenção de campo deestágio para execução de atividades de naturezaprática do ensino e de extensão. Ainda que adiversificação de cenários de aprendizagem por si sóaproxime a formação da realidade dos serviços desaúde e da população, não assegura a mudança naprática assistencial e de ensino 14.

Por sua vez, os serviços de saúde têm um papelpassivo em relação à formação, par ticipando apenasburocraticamente, ao ceder seus campos e, no máximointervir na delimitação do número de estagiários quepodem receber. Não possuem um projeto de formaçãode recursos humanos, nem mesmo um programa deacompanhamento de estagiários. Observamos que hádesconhecimento dos gestores dos serviços de saúdesobre o papel do SUS como ordenador da formaçãodos trabalhadores da área de saúde.

Constatamos certo desinteresse das instituições desaúde pela participação na formação dos enfermeirosde saúde mental. O estágio de estudantes deenfermagem na rede de serviços de saúde mentalocorre em função de um esforço pessoal do docenteda área, na maioria das vezes.

O estágio deve ser visto como uma responsabilidadecompar tilhada pelas instituições de ensino e serviçosem perder contudo, a perspectiva do maiorcompromisso da instituição formadora quanto aocontrole global da atividade.

Andrade15 descreve ser preciso distinguir a aulaprática do estágio curricular, definindo prática comoum recurso pedagógico que reflete apenas a aplicaçãodo conteúdo teórico, visando o desenvolvimento dedestrezas manuais e implementação dosconhecimentos obtidos ao longo do curso. Já o estágiocurricular é tomado como uma etapa de ampliação doconhecimento reflexivo e do aperfeiçoamento dehabilidades numa situação real. É o momento de junçãodo saber com o fazer, com vista a conduzir o estudantea um agir profissional mais consciente, crítico e criativo.

A reorientação do estágio curricular é um dos pontosde conflito entre docentes e Departamentos da Escolade Enfermagem da Universidade Federal Fluminense,e até o presente momento não há em nossa instituiçãouma clara definição sobre sua operacionalização juntoà rede de serviços do SUS. Durante os inúmerosdebates promovidos pelas mudanças nas diretrizescurriculares para o curso de enfermagem, procurou-se avançar nas discussões do tema, buscando umareflexão mais global do estágio curricular.

A proposta de estágio deve ser pactuada segundoas necessidades e interesses dos diversos atoresenvolvidos no processo (acadêmicos, profissionais,usuários, movimentos sociais e serviços). Os alunosdevem ser desafiados, no decorrer do processo deensino-aprendizagem, a desenvolver produtos quesejam úteis para os ser viços ou comunidades,construindo compromisso e responsabilidade social16.

Por decisão da política municipal de saúde mental,a partir da década de 90, os estudantes de enfermagem

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da UFF ficaram sem campo de estágio em saúdemental. Como estratégia para enfrentar esse problema,os professores organizaram visitas técnicas a serviçosde saúde mental em outro município, alocando partesignificativa da carga horária de estágio no hospitaluniversitário, embora as diretrizes propostas peladisciplina de enfermagem em saúde mental apontassempara a perspectiva da atenção psicossocial.

Este cenário encontra semelhança com outroscursos brasileiros da área de saúde. Conformedemonstrou Campos17, 86% dos estágios práticos nadécada de 90 ocorriam em serviços pertencentes aospróprios hospitais universitários, reforçando a lógicade uma universidade intramuros.

Diante da grande insatisfação gerada entreestudantes e professores de enfermagem, que nãoviam no hospital universitário um espaço adequadopara a aquisição de competências e habilidadespráticas em saúde mental, buscou-se, em meados dadécada de 90, uma nova negociação com a rede desaúde mental do município.

Havia, à época, uma nítida oposição entre a instituiçãoformadora e a coordenação municipal de saúde mentalquanto ao modelo de atenção em saúde. Enquanto osdocentes desejavam formar enfermeiros na perspectivada atenção psicossocial, a coordenação municipal desaúde mental defendia a restauração da assistênciahospitalar e só permitia o estágio no hospital psiquiátrico.

Visando restabelecer o vínculo com a rede, retornamoscom o estágio de enfermagem no hospital psiquiátrico,conscientes de que este campo constituía umapossibilidade de troca parcial com o mundo do trabalho.

Posteriormente tentamos uma negociação diretacom a gestora do Centro de Atenção Psicossocial, queviabilizou o estágio de enfermagem. Durante três anosdesenvolvemos a prática nesse cenário deaprendizagem. Segundo a avaliação dos docentes edos estudantes, esse cenário atendia satisfatoriamenteaos objetivos propostos pela disciplina, às diretrizescurriculares, às expectativas dos alunos e às própriasdemandas do SUS. Contudo, mais uma vez, por razõespolíticas e pela incompatibilidade existente entremodelo de formação e modelo de gestão dos serviçosde saúde do município, não conseguimos manter ocampo de estágio. Percebemos que as instituiçõesformadoras têm pouca autonomia para proporinovações nos serviços de saúde. Para desenvolverseus projetos de formação, o corpo docente precisaestar engajado com a política local.

Conforme diz Campos17, programas em co-gestão têmmais estabilidade diminuindo, assim, os efeitos negativosda descontinuidade administrativa dos serviços públicos.

Seguimos buscando um caminho para novanegociação com a rede de serviços, procurandoentender a lógica que preside a organização dos serviçosde saúde mental do município. Passamos então aindagar sobre a responsabilidade social do gestor desaúde mental na formação de recursos humanos.

A presença da universidade no serviço constituiuma oportunidade para reflexão da ação. A inserçãodos estudantes acaba por questionar o que já haviasido acomodado pela equipe em seus processos detrabalho, porque as questões mexem com asestruturas de poder já estabelecidas18.

Os professores ainda se encontram no centrodo processo de ensino selecionando conteúdos,estratégias de ensino e experiências de cunhoprático. A parceria com o movimento estudantil oumovimento social para negociação do estágio quasenunca é considerada.

Os campos de estágio precisam gerar apossibilidade de confronto entre diferentes modos decuidar e organizar a atenção e devem oferecer ao alunoa opor tunidade de problematização da atenção àsaúde. O estudante deve ter a opor tunidade de sear ticular com outros profissionais e exercitar anegociação e interlocução com os outros atores doprocesso de assistir em saúde19.

Dessa forma, a interdisciplinaridade no ensino emsaúde emerge como um desafio e uma necessidade.Desafio porque é preciso superar o modelo deformação marcado pelo isolamento e fragmentaçãodo saber profissional. Necessidade, posto que osdiferentes saberes disciplinares auxil iam nacompreensão complexa da realidade, estabelecendoentre si conexões e mediações indispensáveis aoprocesso de cuidar em saúde5.

A inserção do estudante na rede básica visando à buscade soluções dos problemas locais de saúde favorece ainterlocução com diferentes campos profissionais,populações locais e outros agentes sociais, propiciandonovas relações dos estudantes com os serviços permitindoconstruir práticas pedagógicas e de cuidado conjuntas,entre cursos de diferentes profissões18.

O estudante tem a possibil idade de umacompanhamento contínuo, regular e prolongado deum usuário no seu processo de cuidado e no caminharna rede desenvolvendo melhor, o aprendizado doacolhimento e responsabilização pelo cuidado14.

O acolhimento é uma comunicação efetiva e pontode par tida de qualquer atividade terapêutica, queimplique relação profissional de saúde e cliente. Oacolhimento mobiliza afetos, condição primordial paraa responsabilização do cuidado profissional em saúde20.

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A possibilidade de o estudante par ticipar demaneira ar ticulada e simultânea em ações deprevenção, promoção, assistência e reabilitação, deacordo com a necessidade de um dado usuário queacompanha, permite que ele construa uma práticade saúde que integra as diferentes ações. Somentecom o tempo, o estudante consolida sua relação como usuário desenvolvendo um compromisso com omesmo. Nessa responsabilização do cuidado, deve-se atentar para a ar ticulação entre o trabalho daequipe universitária e da equipe dos serviços.

ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA DEESTÁGIO DE ENFERMAGEM EMSAÚDE MENTAL PACTUADA COM O SUS

O estágio curricular da disciplina Enfermagem emSaúde Mental em nossa instituição está atualmenteassim estruturado: a) há um coordenador geral daárea de Saúde Mental e um professor supervisor paracada campo de estágio (dois CAPS e um hospitalpsiquiátrico), todos com funções e atribuiçõespredeterminadas; b) a turma é dividida em trêsdiferentes módulos de ensino, de modo quepermanece em estágio um terço da turma (comaproximadamente 20 alunos); c) o estágio é oferecidoao aluno em apenas um dos cenários, embora todosos campos sejam visitados; d) a maior par te dosestudantes fica no hospital psiquiátrico, distribuídosem diferentes setores (emergência, supervisão deenfermagem, enfermarias e albergue); e) em cadacenário, um enfermeiro supervisor responsabiliza-sepelo acompanhamento direto de um grupo de dois atrês estudantes; f) cada subgrupo de estudantepermanece durante três semanas no campo; g) a cadasemana, durante um turno de 4 horas, os estudantespar ticipam em atividades de supervisão clínica comos professores, quando são analisados e discutidosos planos de intervenção e as dificuldades enfrentadasno cotidiano em campo e estágio. Na supervisãotambém ocor re discussão sobre bibl iografiasrecomendadas e sua implicação com a prática; h) acada quinzena, realizamos uma reunião com osenfermeiros super visores, com a finalidade deplanejamento, acompanhamento, avaliação e estudo;i) a cada término de subgrupo, realizamos reuniõescom os gestores de saúde mental, buscando avaliar oprocesso e realizar os ajustes necessários; j) aavaliação do estudante é feita ao longo do estágio,através da observação do desempenho em campo eda participação nas sessões de supervisão clínica.

Atualmente, apesar de o estágio ser continuamenteplanejado e avaliado por um número ampliado de

setores, ainda não corresponde às expectativas dedocentes e estudantes. Ele ainda ocorre de maneirafragmentada, consome muito tempo com a negociação,a avaliação ocorre de forma compar timentada, osprofessores e estudantes em um momento, e osprofessores, os profissionais e os gestores em outro,havendo um desgaste crescente entre os atoresenvolvidos no processo de negociação.

A par tir de reflexões realizadas, percebemos anecessidade de: ampliar a consciência a respeito dopapel de cada ator social nos espaços de intervenção,definindo limites e possibilidades de intervenção; buscarmelhor visibilidade para se locomover dentro doprocesso de negociação; ampliar a interlocução no localde ensino e no cenário da prática; planejar o suportepara a mediação, procurando manter a vigília do queestá acontecendo; avaliar como se dá a interação dauniversidade com os profissionais da prática; fazer comque a mudança faça sentido para as pessoas envolvidasno processo; reconhecer pares por afinidade e oposição;saber identificar as necessidades e expectativas daspessoas envolvidas no processo de parceria.

As reflexões realizadas em grupo for taleceram oprocesso de negociação com o cenário de prática paraa formação do enfermeiro na rede de serviços do SUS.Desta vez, caminhou-se com uma atitude decompreensão em oposição à resistência, tendo oobjetivo maior de ajudar a própria coordenação desaúde mental a se manter em negociação.

Então, deparamo-nos com novas dificuldades pararealização do estágio: número elevado de estudantes;número reduzido de docentes; curto período de tempode estágio; desestruturação da rede para receberestudantes; desconhecimento dos profissionais sobreo papel do SUS, como ordenador da formação dosprofissionais de saúde; descrença na parceria entreserviço de saúde-universidade; indefinição em tornodo papel profissional do enfermeiro em saúdemental ; demanda crescente das univer sidadespúblicas e privadas para realizar estágio na rede; eespaço f ís ico restr i to nos novos disposi t ivosassistenciais em saúde mental - CAPS.

Na convivência com outros setores de ensino quebuscavam novos cenários de aprendizagem, observáramosas mesmas dificuldades para realização do estágio noSUS. A partir de então, passamos a considerar a potênciada integração interdisciplinar e o valor do trabalhocolaborativo com profissionais de outras áreas.

Ao longo do processo de negociação, buscamosencontrar novos elementos que possibilitassem aampliação de experiências práticas de formação doenfermeiro em saúde mental, na perspectiva do SUS.

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PROBLEMAS, OPORTUNIDADES E PROPOSTA DEINTERVENÇÃO NO CONTEXTO EM ANÁLISE

Os principais problemas relacionados à intervençãono contexto em análise são: (1) falta de autonomia notrabalho do enfermeiro do campo de saúde mental;(2) dificuldade de negociação do estágio deenfermagem com a coordenação de saúde mental domunicípio; (3) resistência à mudança no formato doestágio por par te dos docentes; (4) indefinição emtorno do papel do enfermeiro de saúde mental nomunicípio; (5) insuficiente e inadequada formação/capacitação dos profissionais de enfermagem queatuam nos serviços de saúde mental do município; (6)alta rotatividade dos profissionais de saúde(enfermagem) nos serviços de saúde mental devido àprecariedade do vínculo trabalhista; (7) desarticulaçãoentre os saberes estruturados e as vivências dosestudantes em campo de prática; (8) desar ticulaçãodo setor saúde com educação; (9) dificuldades para ainserção dos estudantes de enfermagem na rede deserviços devido ao número de alunos ser excessivopara a capacidade instalada dos serviços de saúde;(10) pouco envolvimento do movimento estudantil nanegociação com os cenários de aprendizagem; e (11)dificuldade de se associar as lógicas dos órgãosformadores à dos prestadores de serviços.

As principais oportunidades do cenário atual parapromover a mudança desejada na formação doenfermeiro em saúde mental são: (1) regulamentaçãodo SUS como ordenador da formação dostrabalhadores do setor saúde, juntamente com oMinistério da Educação; (2) criação do estágioobrigatório nos serviços de saúde do SUS; (3) mudançana coordenação de saúde mental do município; (4)enfermeiro como gestor de saúde mental; (5)realização do Curso de Ativadores de mudança porprofessores da Escola de Enfermagem, profissionais egestores do município; (6) acúmulo de experiência do“Projeto de integração da universidade com a redemunicipal de saúde”; (7) ofer ta de cursos deespecialização e de mestrado para enfermeiros; (8)projetos de educação permanente para o trabalhadorde enfermagem; e (9) política de educaçãopermanente em construção no município, em funçãoda instalação do Pólo de Educação Permanente.

Visando ampliar as possibilidades de integraçãoensino-serviço estabelecemos as seguintes estratégiasde intervenção: (1) construção de uma agenda deformação de pessoal de enfermagem para o SUS, quecomporte os acadêmicos de enfermagem e os demaisprofissionais da área de saúde mental; (2) conhecer a

opinião dos profissionais sobre a necessidade deformação do enfermeiro; (3) reforçar o trabalhocooperativo, através de criação de programas decapacitação e de cuidado; (4) desenvolver estratégiasde participação de gestores, profissionais de saúde erepresentante dos estudantes no processo deplanejamento, acompanhamento e avaliação dasatividades práticas dos estudantes de enfermagem;(5) realizar simpósios, fóruns sobre propostas deatuação em saúde mental visando às ações depromoção e prevenção; (6) sensibilizar o corpo docentee discente para a integração ensino-serviço; (7)elaborar estudos para dimensionar as necessidadeseducativas dos profissionais de saúde mental; (8)suscitar debate entre as escolas da área de saúdesobre cenário de aprendizagem; (9) planejar estágiocurricular de enfermagem com coordenadores desaúde mental, estudantes e professores da disciplinaenfermagem em saúde mental; (10) promover estudospara ampliação dos protocolos de cuidado deenfermagem em saúde mental; (11) realizar grupode estudo sobre os cuidados de enfermagem nosserviços de saúde mental; e (12) elaborar estudossobre a estruturação da força de trabalho deenfermagem em saúde mental no município.

A partir da definição do plano de ação para melhoriado processo de integração entre os professores dadisciplina Enfermagem em Saúde Mental e aCoordenação da Rede de Saúde Mental do município,uma nova pactuação foi realizada envolvendo oscoordenadores de diferentes serviços e os enfermeiros.Tal iniciativa gerou maior conhecimento entre as partessobre seus planos de ação, promovendo umareorientação dos serviços prestados pelos enfermeirosnas unidades e das estratégias de realização do estágiocurricular. Para manutenção do vínculo entre as partes,no período de intervalo dos estágios, realizaram-sereuniões para fundamentação técnica de demandasespecíficas de enfermagem e a necessidade decapacitação dos professores e enfermeiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na experiência analisada, foi possívelperceber que a mudança na formação dos profissionaisde enfermagem está diretamente relacionada àsmudanças no âmbito das relações estabelecidas entresetores da universidade e os serviços de saúde.

Consideramos que as tentativas de negociação paraa integração ensino-serviço que não foram bem sucedidasem decorrência da própria desestruturação da rede parareceber estudantes; da descrença dos gestores na

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Referências

parceria entre serviço de saúde-universidade; doafastamento da universidade das instâncias políticasde decisão em saúde do município; da indefiniçãoem torno do papel profissional do enfermeiro emsaúde mental e da falta de uma par ticipação maisefetiva dos professores de Enfermagem Psiquiátricano cotidiano dos serviços de saúde mental.

Para efetivação do processo de integração ensino-serviço, percebemos que as modificações no processode trabalho de saúde mental precisam ser enfrentadasatravés da co-responsabilidade pela produção desaúde. Para tanto, há necessidade de revercontinuamente conceitos e posições em relação aoprocesso de ensino-cuidado e gestão e de construirum projeto coletivizado de ensino e de cuidado, a partirdas necessidades de saúde da população. Através de umaampla participação, o setor universitário e o setor serviçodevem disponibilizar recursos a fim de viabilizar respostaspara os problemas concretos de saúde dos usuários dosserviços de saúde mental e da população como um todo.

Como a teoria e a prática são indissociáveis noprocesso de construção dos saberes em saúde,recomenda-se a realização de amplos debatesenvolvendo diferentes atores sociais, a fim de nãoproduzir contradições entre aquilo que a escola ensinae o que a realidade social e os serviços necessitam. Àmedida em que ampliamos o processo de negociaçãodo estágio com os gestores da rede de saúde mental,produzimos deslocamentos impor tantes no processode tomada de decisão em relação ao projeto de

formação dos profissionais de enfermagem. Por outrolado, passamos a discutir o projeto de capacitação dosenfermeiros da rede de saúde mental.

Compreendemos que a universidade devereconhecer a necessidade da contrapartida podendoconstituir-se por meio da ampliação dos espaços departicipação dos profissionais na formação do estudantede enfermagem. O professor não deve ser o únicoresponsável pelo planejamento e avaliação do processoensino-aprendizagem-prática, nem os profissionais doserviço participar apenas da fase de execução do estágio.Cabe aos professores e estudantes desenvolver atividadesem conjunto com as unidades de saúde, explorando assituações de produção de conhecimento e educaçãopermanente das equipes e da população em geral, nabusca da consolidação do SUS.

Para que a integralidade do processo de cuidarseja garantida na nossa prática, é preciso que osestudantes tenham contato com práticas de saúde emque a prioridade seja o cuidado. Os estudantes tambémprecisam ter contato com estudantes de outros cursosda área de saúde para conhecerem o seu trabalho eaprenderem a importância do trabalho em equipe.

A partir da experiência examinada, evidenciou-seque o processo de integração ensino-serviço tem comoobjetivo fundamental reverter-se em benefícios para apopulação que aspira a melhores condições de vida,saúde e atendimento; e que o processo de mudançanunca é um ato solitário e que novos modos de mudarvão surgindo como imperativo das ações coletivas.

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Sobre a Autora

Recebido em 06/09/2006Reapresentado em 30/10/2006

Aprovado em 09/11/2006

Cláudia MarCláudia MarCláudia MarCláudia MarCláudia Mara de Melo a de Melo a de Melo a de Melo a de Melo TTTTTaaaaavvvvvararararareseseseses

Prof.ª Dr.ª Titular da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa/UFF. Vice-coordenadora do Mestrado Profissional em EnfermagemAssistencial da UFF. [email protected]

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Redescobrindo o centro de memória da EERPRedescobrindo o centro de memória da EERPRedescobrindo o centro de memória da EERPRedescobrindo o centro de memória da EERPRedescobrindo o centro de memória da EERPLuchesi LB et al

Resumo

PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvras-cas-cas-cas-cas-chahahahahavvvvve:e:e:e:e: Enfermagem. História da enfermagem. Memória. Arquivos. Educação em Enfermagem.

Abstract Resumen

KKKKKeeeeeywywywywywororororords:ds:ds:ds:ds: Nursing. History of Nursing. Memory.Archives. Education, Nursing.

PPPPPalaalaalaalaalabrbrbrbrbras cas cas cas cas clalalalalavvvvve:e:e:e:e: Enfermería. Historia de la Enfermería.Memoria. Archivos. Educación en Enfermería.

REDESCOBRINDO O CENTRO DE MEMÓRIA DA ESCOLADE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Rediscovering the Memory Center at theRibeirão Preto College of Nursing: An experience report

Redescubriendo el Centro de Memoria de laEscuela de Enfermería de Ribeirão Preto: Un relato de experiencia

Luciana Barizon Luchesi Isabel Amélia Costa Mendes

Margarita Antonia Villar Luis Toyoko Saeki

Por meio de relato de experiência, apresenta-se a atuação de um grupo de docentes e alunos no processo de reorganizaçãodo Centro de Memória da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo no triênio 2002-2005.Após o resgate da criação do referido Centro, aborda-se sobre os procedimentos e atividades desenvolvidos na reorganizaçãodo Centro, em termos de coleção fotográfica, capacitação do grupo, promoção de eventos e inserção de atividadespráticas para estimular o interesse dos alunos pela História da Enfermagem.

Through an experience report is presented the performanceof a group of professors and students in the process ofreorganization of the Memory Center of the Ribeirão PretoCollege of Nursing from University of São Paulo in theperiod of 2002-2005. After the rescue of creation of therelated Center, it is approached the procedures andactivities developed in the reorganization of the Center, interms of photographic collection, group qualification,promotion of events and insertion of practical activities tostimulate the students interest for the History of nursing.

Por medio de la narración de experiencias se presentan lasactividades de un grupo de docentes y alumnos en procesode reorganización del Centro de Memoria de la Escuela deEnfermería de Ribeirão Preto de la Universidad de “São Paulo”en el trienio 2002-2005. Posterior a la recuperación de lacreación del Centro, se trató sobre los procedimientos yactividades desarrolladas en su reorganización, en términosde colección fotográfica, capacitación grupal, promoción deeventos e introducción de actividades prácticas para estimularel interés de los estudiantes por la historia de enfermería.

ERRATAMISPRINT - ERRATA

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Instruções para a publicação de manuscritosInstruções para a publicação de manuscritosInstruções para a publicação de manuscritosInstruções para a publicação de manuscritosInstruções para a publicação de manuscritos

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ESCOLA ANNA NERYREVISTA DE ENFERMAGEM

A Revista aceitará para publicação, manuscri-tos nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa.Os manuscritos devem ser apresentados exclusi-vamente à Escola Anna Nery Revista de Enferma-gem, não sendo permitida sua apresentação si-multânea a outro periódico. E conceitos, idéias eopiniões emitidos nos manuscritos, bem como aexatidão, adequação e procedência das citaçõesbibliográficas são de inteira responsabilidade do(s)autor(es) dos mesmos, não refletindo necessaria-mente a posição do Conselho Editorial da Revista.Para tanto, os autores deverão encaminhar emanexo ao manuscrito, uma declaração de respon-sabilidade sobre o conteúdo do mesmo e a trans-ferência de direitos autorais (modelo disponível em:www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem)

Portanto, os manuscritos publicados serão depropriedade da Revista estando vedadas a repro-dução ou tradução parcial ou total dos mesmos.Para publicação total ou parcial (citações textuaiscom mais de 500 palavras, figuras, gráficos, tabe-las e outras ilustrações) de texto de manuscritopublicado na Revista em outros periódicos (impres-sos e/ou eletrônicos), são necessárias autoriza-ções por escrito de seus editores e do(s) autor(es)do manuscrito envolvido. Da mesma forma, publi-cações de manuscritos publicados em outros peri-ódicos nesta Revista, através de reprodução outradução de texto total ou parcial (citações commais de 500 palavras, figuras, gráficos, tabelas eoutras ilustrações) torna necessárias autorizaçõespor escrito dos editores daquele periódico e do(s)autor(es) do manuscrito originalmente publicado.

O Conselho Editorial da Revista tem plena au-toridade de decisão sobre a seleção e publicaçãode manuscritos, quando os mesmos apresentemos requisitos adotados para a avaliação de seumérito científico, considerando-se sua originalida-

Instruções para apublicação de manuscritos

de, prioridade, oportunidade, clareza e conhecimento daliteratura relevante e adequada definição do assunto es-tudado. O Editor chefe, por delegação do ConselhoDeliberativo da Revista poderá introduzir eventuais alte-rações, para efeitos de padronização de acordo com osparâmetros editoriais da Revista.

O processo de avaliação do mérito científicogerenciado pelas editoras da Revista, considerará o aten-dimento destas instruções, o potencial do manuscrito parapublicação e possível interesse dos leitores. O manuscri-to será encaminhado para análise e emissão de parecerpor três Consultores Ad Hoc, pesquisadores de compe-tência estabelecida na área de conhecimento do manus-crito, processo em que se adotará de sigilo e anonimatotanto para o(s) autor(es)como para o(s) consultores.

Depois, os manuscritos poderão ser classificados emuma das seguintes condições: manuscrito aprovado semexigências; manuscrito aprovado com exigências deven-do o(s) autor(es) recebê-las por escrito, para providen-ciar sua reapresentação à Revista; manuscrito recusado,com justificativa por escrito. No caso de aprovado, omanuscrito será publicado de acordo com o fluxo e ocronograma editorial da Revista.

O manuscrito de estudo brasileiro que envolva pes-quisa ou relato de experiência com seres humanos deve-rá apresentar em anexo uma cópia do documento deaprovação por um comitê de ética de pesquisa (de acor-do com a Resolução n.º 196 / 96, do Conselho Nacionalde Saúde) ou uma justificativa para ausência desse do-cumento contendo a descrição dos cuidados éticosadotados pelo(s) autor(es) para substituí-lo. O manus-crito de estudo estrangeiro deverá estar acompanhadode cópia de documentação de aprovação de órgão simi-lar em seu país de origem, que normaliza o desenvolvi-mento de investigação ou relato de experiência com se-res humanos, ou uma justificativa para ausência dessedocumento contendo a descrição dos cuidados éticosadotados pelo(s) autor(es) para substituí-lo.

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Composição dos manuscritos

Os manuscritos deverão ser redigidos na ortografia oficiale digitados em arquivo de processador de texto Word forWindows, versão 98 ou anterior, com parágrafos de 1,5 cm,impressos em papel A4 com margens de 3 cm, em espaçoduplo na fonte Times New Roman tamanho 12, com páginasnumeradas a partir da introdução até as referências.

Somente o título e os sub-títulos do manuscrito po-derão ser destacados em negrito sendo vedada a adoção deabreviaturas nos mesmos e no resumo. Deve-se adotar notexto apenas as abreviações padronizadas. A primeira ci-tação da abreviatura entre parêntesis deve ser precedida daexpressão correspondente por extenso, com exceção dasmedidas padronizadas.

O recurso de itálico deverá ser adotado apenas para re-almente destacar partes importantes do texto, como por exem-plo citações ipsis literis de autores no texto do manuscrito,partes de depoimentos/entrevistas transcritas e palavrase expressões relevantes para o tema abordado.

Tabelas, gráficos e outras ilustrações (figuras, mapas,gravuras, esquemas e fotos), em um número total de 6 (seis),devem ser apresentados em folhas separadas do texto, nu-meradas consecutivamente com algarismos arábicos, namesma ordem em que forem citadas no texto. Para ilustra-ções extraídas de outros trabalhos previamente publicados,o(s) autor(es) deverão encaminhar em anexo a permissão escri-ta dos responsáveis pela publicação original, para posteriorpublicação nesta Revista. As fotos deverão evitar a identi-ficação de pessoas ou apresentar permissão específicae escrita para a publicação das mesmas.

Quando o manuscrito tiver mais de 06 autores, 06 delesconstarão na folha de rosto identificada e os demais constarãoem nota bibliográfica. É necessário ainda especificar, à partepor escrito e encaminhar juntamente com o manuscrito, a con-tribuição de cada um dos autores para a elaboração do ma-nuscrito (modelo disponível em: www.eean.ufrj.br/Revista deEnfermagem).

Para o primeiro encaminhamento, o manuscrito deverá serapresentado em 03 cópias impressas, juntamente com 01 cópiaem disquete. A composição dos manuscrito deverá constar de:

- Folha de rosto identificada: título pleno do trabalho com até15 palavras, versão do título completo em espanhol e inglês,título abreviado para cabeçalho com até 07 palavras, nome porextenso de cada autor (até seis autores) seguido de instituiçãode origem (apenas nome e cidade), e nome do autor e endereçocompleto de correspondência para manutenção de contatos so-bre a tramitação do manuscrito com o editor (incluindo cep,telefone, fax e endereço eletrônico).

- Folha de rosto não identificada: título pleno do traba-lho com até 15 palavras e versão do título completo emespanhol e inglês.

- Folha de resumo e descritores: resumo com até 150palavras para manuscritos de pesquisa, reflexão, ensaio,relato de experiência, revisão crítica e biografia. Resumo deaté 70 palavras para manuscritos de entrevista e páginado estudante. Esses resumos deverão estar acompanha-dos das versões em espanhol (resumen) e inglês (abstract)acompanhados dos respectivos descritores. Os resumos devemser informativos de acordo com a NBR 6028 da ABNT, de no-vembro de 2003, para manuscritos nacionais. Para manuscritosinternacionais, o resumo informativo deve apresentar todas as par-tes do texto de maneira sintética. Os manuscritos de resenha,resumo de dissertação ou tese, comunicações breves e cartaao editor deverão ser acompanhados pelas versões integraisdo texto em espanhol e inglês acompanhados dos respectivosdescritores. Os descritores são palavras fundamentais paraa classificação da temática abordada no manuscrito embancos de dados nacionais e internacionais. Serão aceitosentre 03 e 05 descritores por manuscrito. Após a seleçãodesses descritores, sua existência em português, espanhol einglês deve ser confirmada pelo(s) autor(es) do manuscritono endereço eletrônico http://decs.bvs.br (Descritores em Ci-ências da Saúde - Bireme). A terminologia para os descritoresdeve ser denominada no manuscrito como se segue: palavras-chave, palabras clave e keywords.

- Corpo de texto: apresentando uma seqüência lógica(introdução, desenvolvimento e conclusão), organizada empartes distintas, considerando-se a categoria de manuscri-to envolvida. O corpo do texto deve ser iniciado pela intro-dução, sem o título completo do manuscrito e sem os auto-res. Deve também ser apresentado de maneira contínua, semnovas páginas para cada subtítulo. As pesquisas devemapresentar obrigatoriamente as par tes - introdução inclu-indo objetivos, metodologia, análise e interpretação dos re-sultados, conclusões e referências (ver detalhamento dascategorias de manuscritos em: www.eean.ufrj.br/Revista deEnfermagem). Os locais sugeridos para a inserção de ta-belas, gráficos e ilustrações, segundo sua ordem a aparição,

Categorias de manuscritos:Editorial, Pesquisa,Reflexão, Ensaio, Relato de experiência,

Revisão crítica, Biografia, Fac-símile, Resenha, Resumo dedisser tação ou tese, Entrevista, Página do estudante,Comunicações breves, Carta ao editor.O detalhamento dos manuscritos está disponível em :www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermegem

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deverão estar assinalados no texto. As citações de autores notexto devem estar em conformidade com os exemplos suge-ridos e elaborados segundo o estilo Vancouver e disponíveisem: www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem. A transcrição ipsisliteres de citações deve atender aos seguintes critérios:(a) até três linhas de citação, usar aspas na seqüência dotexto normal; (b) mais de três linhas de citação, destacá-laem nova linha, em bloco próprio distinto do texto normal,sem aspas, com espaço simples e recuo de 3 espaços damargem esquerda. Deve-se evitar assinalar muitos autores -números, em uma mesma parte de texto. Não devem serintroduzidas notas de rodapé. Elas podem estar contempla-das nas notas bibliográficas, que deverão ser introduzidasao final do texto. Os dados empíricos recortados em pesquisasqualitativas devem ser apresentados em nova linha, em blo-co próprio distinto do texto normal, em itálico, sem aspas,com espaço simples e recuo de 2cm da margem esquer-da. Esses dados devem estar identificados por siglas (exem-plo: E1, E2 ... para entrevistas) ou pseudônimos relativosaos participantes das pesquisas.

- Notas bibliográficas: autores além dos seis existentesna folha de rosto identificada; complementos e explicações ne-cessárias à compreensão da temática abordada no manus-crito, que não cabem no texto; agradecimentos; apoios recebi-dos - financeiros e outros, e demais conteúdos considerados per-tinentes. As notas bibliográficas devem ser apresentadas emnúmero reduzido após as referências, apenas nos casos im-prescindíveis.

- Referências bibliográficas: número de referências segundoa categoria de manuscrito apresentado à Revista; e apre-sentação das referências em espaço simples e fonte TimesNew Roman tamanho 12, sem parágrafos, recuos ou desloca-mentos de margens, com destaques em itálico (títulos de li-vros, periódicos em que foram publicados e outros deta-lhes) e numeradas de acordo com sua ordem de aparição notexto. As demais características das referências deverão estarem conformidade com os exemplos baseados no estilo Vancou-ver (disponíveis em: www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem).

- Anexos: a apresentação de tabelas, gráficos e outrasilustrações, por opção do(s) autor(es); apresentação deinstrumentos utilizados (resumidos, quando extensos) e ou-tros tipos. Os anexos devem adotados apenas quandosignificarem informação original ou destaque indispensávelà compreensão de alguma seção do manuscrito.

- Tabelas, gráficos e outras ilustrações: devem estar im-pressos em laudas distintas das laudas do texto do manus-crito e acompanhados de título e/ou legenda. Eles devem serencaminhados em arquivos separados. Para tabelas e gráfi-cos, usar preferencialmente arquivos dos softwares Word ouExcel. Para outras ilustrações (figuras, mapas, gravuras, esque-

mas e fotos somente em preto e branco), encaminhar obriga-toriamente arquivos de software Corel Draw ou arquivos comextensão TIF ou JPG. Para “escanear” as figuras e/ou fotos,selecionar 300 DPI de resolução, nos modos de desenho ougray scale. Figuras de desenhos não computadorizados deve-rão encaminhadas em qualidade de impressão de fotogra-fia em preto e branco.

Para o segundo encaminhamento, depois de cumpridasas exigências estabelecidas para sua publicação, o manus-crito revisado deverá ser reapresentado à Revista em 01 có-pia impressa, juntamente com uma cópia em disquete. Osmanuscritos deverão ser encaminhados para:

Escola Anna Nery Revista de EnfermagemSecretaria AdministrativaEscola de Enfermagem Anna Nery / UFRJRua Afonso Cavalcanti, 275, Cidade NovaRio de Janeiro, RJ, BrasilCEP 20.211-110

Outras formas de contato:Telefone: (21) 2293-0528 / ramal: 109Fax: (21) 2293-8999e-mail: [email protected]

Maiores informações sobre:

Submissão de manuscritos à periódicosConsultar:- http://www.jped.com.br/port/normas/normas_07.asp /- Requisitos uniformes para originais submetidos a revistasbiomédicas. Jornal de Pediatria, 73:213-22, 1997 (verão in-tegral em português).- Requisitos uniformes para originais submetidos a revistasbiomédicas – atualização de dezembro de 2003 (em portu-guês).- Atualização de outubro de 2001 (em inglês).

Abreviaturas de títulos de periódicosConsultar:- http://www.ibict.br (em português).- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?deb=journals (eminglês).- International Nursing Index (em inglês).- Index Medicus (em inglês).

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ANNA NERY SCHOOLJOURNAL OF NURSING

Instructions formanuscript publication

The Magazine will accept for publication manuscriptswritten in Por tuguese, Spanish and English. Themanuscripts must be submitted exclusively to the AnnaNery School of Nursing Magazine, not being allowed itssimultaneous submittal to another periodical. Concepts,ideas, and opinions emitted in the manuscripts, as wellas the exactness, adequacy and origin of bibliographicalcitations are of entire responsibility of the authors, notreflecting necessarily the position of the Magazine’sPublishing Commission. Thus, the authors will have tosend attached to the manuscript a responsibilitystatement on the subject and the transfer of thecopyrights (disponible in: www.eean.ufrj.br/Revista deEnfermagem).

Therefore, the manuscripts published are propertyof the Magazine and the reproduction or partial or totaltranslation is not permitted. For par tial or totalpublication (texts citations with more than 500 words,figures, graphics, tables and other illustrations) ofmanuscript text published in the journal in anotherperiodical (printed and/or electronic), writtenauthorizations are needed from the editors and fromthe authors of the manuscript involved. Similarly, thepublication in this magazine of manuscripts publishedin other periodicals, through reproduction or translationpar tial or total of text (texts citations with more than500 words, figures, graphics, tables and otherillustrations), requires written authorizations from the editorsand from the authors of the manuscript originally published.

The Editorial Commission of the Magazine has fullauthority to decide about the selection for thepublication of the manuscripts, when they present therequirements for evaluation of the scientific merits.Considering the manuscripts originality, priority,opportunity, clarity and knowledge of relevant literatureand appropriate definition of the subject studied. The

Chief Editor, by delegation of the Deliberative Committeeof the Journal may introduce occasional alterations forstandardization purposes, according to the journal’s edi-torial parameters.

The evaluation process of the scientific meritsmanaged by the editors of the Magazine, will beconsidered the fulfillment of these instructions, ithepotential of the manuscript for publication and possiblereaders’ interest. The manuscript will be forwarded forreview and appraisal by three Ad Hoc consultants,researchers that have a established competence in themanuscript’s knowledge area, a process in which secrecyand anonymity as for authors and as for consultants willbe adopted.

After, the manuscripts may be classified as one ofthe following: manuscript approved withoutrequirements; manuscript approved with requirements(the author(s) must receive them in writing, to carryout its re-submittal to the Magazine); refusedmanuscript, with justification in writing. If approved,the manuscript will be published in accordance with theflow and the publishing chronogram of the Magazine.

The manuscript of a Brazilian study that involvesresearch or case studies with human beings shouldpresent attached a copy of the approval document by aresearch ethics committee (according to Resolution196/96, of the National Health Council) or a justificationfor the absence of this document containing thedescription of the ethical procedures adopted by theauthor(s) to replace it. The manuscript of a foreignstudy will have to be accompanied by a copy of theapproval documentation of a similar agency in its nativecountry, that normalizes the development of researchor case studies with human beings, or a justification forthe absence of this document containing the descriptionof the ethical care adopted by the authors to replace it.

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Categories of manuscripts

Editorial, Research, Reflection, Assay, Case studies, Criticalreview, Biography, Facsimile, Summary, Summary of dissertationor thesis, Interview, Page of the student, Brief communication,Letter to the editor. More details about the manuscripts will befound at: www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem

Composition of the Manuscripits

The manuscripts must be written in compliance with the officialorthography and word processor files must be MS Word forWindows™, version 98 or earlier, with 1,5 paragraph indenting,printed in A4 paper with margins of 3 cm, in double spacing,using the font Times New Roman size 12, with pages numberedfrom introduction to references.

Only heading and sub-headings of the manuscript can behighlighted in boldface, being forbidden the adoption ofabbreviations for them and also for the summary. It must beadopted in the text only the standardized abbreviations. The firstcitation of the abbreviation in parenthesis must be preceded ofthe corresponding expression literally, with exception of thestandardized measures.

Italics should only be adopted to only hihlight important partsof the text, as for example ipsis litteris citations of authors in the textof the manuscript, relevant parts of depositions/transcribedinterviews and words and expressions for the subject matter.

Tables, graphs, and other illustrations (figures, maps, pictures,schematics, and photos) must be presented in sheets of paperseparated from the text, numbered consecutively with Arabicnumbers, in the order where they are cited in the text. Forillustrations extracted from other previously published works, theauthor(s) will have to forward attached written permission fromthose responsible for the original publication, for posteriorpublication in this Magazine. The photos will have to prevent theidentification of people or to present specific permission in writingfor their publication to be allowed.

When the manuscript has more than 06 authors, 06 ofthem will be shown in the identified face page and the otherswill be shown in a bibliographical note. It is necessary yet tospecify, apart and in writing, and to forward along with themanuscript, the contribution of each of the authors for theelaboration of the manuscript (disponible at: www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem).

For the first submittal, the manuscript must have 03 printedcopies, together with 01 copy in floppy disk.The composition of the manuscript must consist of:

- Identified face page: full title of the work with up to 15 words,version of the complete title in Spanish and English, short title forheading with up to 07 words, full name of each author (up to six

authors), followed by institution (only name and city), and nameof the author and complete address for making contact on thestatus of the manuscript with the editor (including Zip code,telephone, fax, and e-mail).

- face page unidentified: full title of the work with up to 15words and version of the complete title in Spanish and English.

- Summary page and describers: summary with up to 150words for manuscripts of research, reflection, essay, case studies,critical review and biography. Summary of up to 70 words formanuscripts of interview and page of the student. Thesesummaries will have to be accompanied by versions in Spanish(resumen) and English (abstract), followed by the respectivedescribers. Summaries of Brazilian manuscripts must beinformative according to ABNT’s NBR 6028, from November 2003.For international manuscripts, the informative summary mustpresent all the parts of the text in a synthetic way. The summarymanuscripts, brief summary of disser tation or theses,communications and letter to the editor must be followed by theintegral versions of the text in Spanish and English, followed bythe respective describers. The describers are basic words for thethematic classification of the manuscript in national andinternational databases. It will be accepted between 03 and 05describers. After the selection of these describers, its existencein Portuguese, Spanish and English must be confirmed by theauthor(s) of the manuscript in the electronic address http://decs.bvs.br (Describers in Health Sciences - Bireme). Theterminology for the describers must be designated in the manuscriptas follows: palavras-chave, palabras clave, keywords.

- Body of text: presenting a logical sequence (introduction,development, and conclusion), organized in distinct parts,considering the category of manuscript involved. The body of thetext must start by the introduction, without the complete title ofthe manuscript and without the authors. It must also be presentedin a continuous way, without new pages for each sub-heading.The researches must present obligatorily the parts - introductionincluding objective, methodology, analysis and interpretation ofthe results, conclusions and references (disponible at:www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem). The places suggestedfor the table insertion, graphs and illustrations, according to itsorder the appearance, must be designated in the text. Thecitations of authors in the text must be in compliance withthe examples suggested and elaborated according to theVancouver style (disponible at: www.eean.ufrj.br/Revista de En-fermagem). The transcription ipsis litteris of citations mustcomply with to the following criteria: (a) up to three citationlines: use quotations marks in the sequence of the normaltext; (b) more than three citation lines: highlight it in a newline, distinct block from the normal text, without quotations

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marks, with single spacing and 3 spaces from the left margin.The designation of many authors - numbers must be avoided,in a same part of text. Footnotes must not be introduced.They can be left for the bibliographical notes, that must beintroduced at the end of the text. The empirical data takenfrom qualitative researches must be presented in a new line,in a distinct block from the normal text, in italic, withoutquotations marks, with single spacing and 2 cm from the leftmargin. These data must be identified by acronyms (forexample: E1, E2... for interviews) or pseudonyms relatted tothe participants of the researchs.

- Bibliographical notes: authors beyond the six existingones in the identified face page; complements and necessaryexplanations to the understanding of thematic of themanuscript, that do not fit in the text; acknowledgments;received supports - financial and others, and other contentconsidered per tinent. The bibliographical notes must bepresented in reduced number after the references, only in theindispensable cases.

- Bibliographical references: number of referencesaccording to the category of the manuscript presented to theJournal (see categories of manuscripts); and presentation ofthe references in single spacing and font Times New Romansize 12, without paragraphs, indenting or displacement ofmargins, with highlights in italics (book titles, periodicals wherethey have been published and other details) and numbered inaccordance with its order of appearance in the text. The othercharacteristics of the references must be in compliance withthe examples based on the “Vancouver” style (disponible at:www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem).

- Attachments: table presentation, graphs, and otherillustrations, by author(s)’s choice; presentation of usedinstruments (summarized, when extensive), and other types.The attachments must be adopted when only if they representoriginal information or are indispensable to the understandingof some section of the manuscript.

- Tables, graphs, and other illustrations: must be printedin distinct pages from the text of the manuscript andfollowed by title and/or header. They must be submitted inseparate files. For tables and graphs, use software filesMS Word™ or Excel™ preferentially. For other illustrations(figures, maps, pictures, schematics and photos shouldonly be in black and white). It is obligatorily to submitsoftware files of Corel Draw™ or files with extension TIFor JPG. To scan the figures and/or photos, select 300 DPIresolution, in drawing or gray scale mode. Figures ofdrawings not computer ized must be submitted inphotographic quality an in black and white.

For the second submittal, after fulfilling the requirementsestablished for its publication, the revised manuscript mustbe sent in 01 printed copy, along with a copy in floppy disk.The manuscripts must be addressed to:

Escola Anna Nery Revista de EnfermagemSecretaria AdministrativaEscola de Enfermagem Anna Nery / UFRJRua Afonso Cavalcanti, 275, Cidade NovaRio de Janeiro, RJ, BrasilCEP 20.211-110

Other forms of contact:Telefone: (21) 2293-0528 / ramal: 109Fax: (21) 2293-8999e-mail: [email protected]

FURTHER INFORMATION ON:

Submission of manuscripts to periodics:Submission of manuscripts to periodics:Submission of manuscripts to periodics:Submission of manuscripts to periodics:Submission of manuscripts to periodics:To consult:. htpp://www.jped.com.br/port/normas/normas_07.asp /:- Uniform requirements for originals submitted to biomedicalmagazines. Jornal de Pediatria, 73:213-22, 1997 (integralversion in Portuguese).- Uniform requirements for originals submitted to biomedicalmagazines – Updating of December of 2003 (in Portuguese).. - Updating of October of 2001 (in English).

AbAbAbAbAbbrbrbrbrbreeeeeviaviaviaviaviations oftions oftions oftions oftions of periodics titles: periodics titles: periodics titles: periodics titles: periodics titles:To consult:htpp://www.ibict.br (in Portuguese).http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?deb=journals(in English).International Nursing Index (in English).Index Medicus (in English).

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ESCUELA ANNA NERYREVISTA DE ENFERMERÍA

Instrucciones para lapublicación de manuscritos

La revista aceptará para publicación manuscritosen por tugués, español e inglés. Los manuscritos debenser presentados exclusivamente a la Escuela AnnaNery Revista de Enfermería, no siendo permitida supresentación simultanéa a otro periódico. Conceptos,ideas y opiniones emitidas en los manuscritos, biencomo la exactitud, adecuación y procedencia de lascitaciones bibliográficas, son de total responsabilidadde los autores de los mismos, no ref le jandonecesariamente la posición del Consejo Editorialdela Revista. Para eso, los autores deberán enviar, ane-xada a l manuscr i to, una declarac ión deresponsabilidad sobre el contenido del mismo y latransferencia de derechos autorales (modelosdisponibles en: www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem).

Por tanto, los manuscritos publicados serán propiedadde la Revista, estando prohibidas la reproducción otraducción, parcial o total, de los mismos. Parapublicación total o parcial (citaciones con más de 500palabras, figuras, gráficos, tabelas y otras ilustraciones)de texto de manuscrito publicado en la Revista en otrosperiódicos (impresos y/o electrónicos), son necesariasautorizaciones por escrito de sus editores y de los auto-res del respectivo manuscrito. De la misma forma,publicaciones de manuscritos editados en otros periódi-cos en esta Revista, a través de la reproducción otraducción de texto total o parcial (citaciones con másde 500 palabras, figuras, gráficos, tabelas y otrasilustraciones), exigen las necesarias autorizaciones porescrito de los editores de aquel periódico y de los auto-res del manuscrito originalmente publicado.

El Consejo Editorial de la Revista tiene plenaautoridad de decisión sobre la selección de publicaciónde manuscritos, cuando los mismos presentan los requi-sitos adoptados para la evaluación de su mérito científi-co. Va a ser considerado el manuscrito por su originalidad,prioridad, oportunidad, claridad y conocimiento de la li-teratura relevante y adecuada definición del temaestudiado. El editor jefe, por delegación del ConsejoDeliberativo, podrá introducir eventuales alteraciones paraefecto de uniformidad, de acuerdo con los parámetroseditoriales de la Revista.

El proceso de evaluación del mérito científico admi-nistrativo por las editoras de la Revista va a considerar

el atendimiento de estas instrucciones, el potencialdel manuscrito para publicación y posible interés delos lectores. El manuscrito será enviado para análisis yemisión de parecer por 03 Consultores “Ad hoc”, inves-tigadores de reconocida competencia en el ámbito deconocimiento del manuscrito, proceso en que se adoptarásigilo y anominato para autores y consultores.

Los manuscritos podrán ser clasificados en una delas condiciones siguientes: manuscritos aprobado sinexigencias; manuscrito aprobado con exigencias,debiendo los autores recibirlas por escrito para provi-denciar la segunda presentación a la Revista; manus-crito recusado, con justificativa por escrito. Cuandoaprobado, el manuscrito será editado conforme el flujoy el cronograma editorial de la Revista.

El manuscrito de estudio brasileño, tratando deinvestigación o relato de experiencia con seres huma-nos, deberá presentar anexada una cópia del docu-mento de aprobación por un comité de ética deinvestigación (de acuerdo con la Resolución 196/96,del Consejo Nacional de Salud) o una justificativa paraausencia de ese documento conteniendo la descripciónde los cuidados éticos adoptados por los autores parasubstituirlo. El manuscrito de estudio extranjero deberáestar acompañado de copia de la documentación deaprobación emitida por órgano similar en su país deorigen, lo cual normaliza el desarrollo de investigacióno relato de experiencia con seres humanos, o unajustificativa para la ausencia de ese documentoconteniendo la descripción de los cuidados éticosadoptados por los autores para substituirlo.

Categorías de Manuscritos

Editorial, Investigación, Reflexión, Ensayo, Relatode experiencia, Revisón crítica, Biografía, Facsímile,Reseña, Resumen de disertación o tesis, Entrevista,Página del estudiante, Comunicaciones breves, Cartapara el editor.

Para más informaciones sobre los manuscritos bus-car al sítio: www.eean.ufrj.br/Revista de Enfermagem.

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Composición de los manuscritos

Los manuscritos deberán ser redactados en la ortografíaoficial y digitados en archivo de procesador de texto Word forWindows, versión 98 o anterior, con párrafos de 1,5 cm,impresos en papel A4, com márgenes de 03 cm, en espacioduplo en la fuente Times New Roman” tamaño 12, con pági-nas numeradas a par tir de la Introducción hasta lasReferencias.

Solamente título y subtítulos del manuscrito podrán serdestacados en negrito, siendo prohibida la adopción de abre-viaturas en los mismos y en el Resumen. Se debe adoptar en eltexto las abreviaciones oficiales. La primera citación de laabreviatura entre paréntesis debe ser precedida de la expresióncorrespondiente por extenso, con excepción de las medidaspadrón.

El uso del itálico deberá ser adoptado solo para destacarpartes importates del texto, como, por ejemplo, citaciones“ipsis literis”de autores en el texto del manuscrito, par tes detestimonios/entrevistas transcritas y palabras y expresionesrelevantes para el tema tratado.

Tabelas, gráficos y otras ilustraciones (figuras, mapas,estampas, esquemas y fotos) deben ser presentados en hojasseparadas del texto, numeradas consecutivamente con alga-rismos arábicos, en la orden de citación en el texto. Parailustraciones tiradas de otros trabajos previamente publica-dos, los autores deberán encaminar anexada la permisión porescrito de los responsables por la publicación original paraposterior publicación en esta Revista. Las fotos deberán evi-tar la identificación de personas o presentar permisión espe-cífica y escrita para publicación de las mismas.

Cuando el manuscrito tiene más de 06 autores, 06 deellos constarán en la por tada identificada y los otros seráncolocados en nota bibliográfica. Es también necessario es-pecificar en separado, por escrito, y encaminar, juntamen-te con el manuscrito, la contribuición de cada un de losautores para la elaboración del manuscrito (ver el sítio:www.eean.ufr j.br/Revista de Enfermagem).

Para el primero envío, el manuscrito deberá ser en 03copias impresas, juntamente con una copia en disquete. Lacomposición de los manuscritos deberá constar de:

- Por tada identificada: Título pleno del trabajo con unmáximo de 15 palabras, versión del título completo en españoly en inglés, título abreviado para el encabezamiento con has-ta 07 palabras, nombre por extenso de cada autor (hasta 06autores), seguido de institución de origen (solamente nombrey ciudad), y la direcición completa para manutención decontactos sobre la tramitación del manuscrito con el editor(incluyendo el código postal (CEP), teléfono, fax y e-mail).

- Portada no identificada: Título pleno del trabajo, con unmáximo de 15 palabras, y versión del título completo enespañol y en inglés.

Hoja de Resumen y Descriptores: Resumen con un máximode 150 palabras para manuscritos de investigación, reflexión,ensayo, relato de experiencia, revisión crítica y biografía.

Resumen con un máximo de 70 palabras para manuscritos ypágina del estudiante. Esos resúmenes deberán estaracompañados de las versiones en español y en inglés(“abstract”) y de los respectivos descriptores. Los resúmenesdeben ser informativos de acuerdo con la Norma Brasileña(NBR)6028, de la Asociación Brasileña de Normas Técnicas(ABNT) para manuscritos nacionales. Para manuscritosinternacionales, el resumen informativo debe presentar to-das las partes del texto de manera sintética. Los manuscritosde reseña, resumen de disertación o tesis, comunicacionesbreves y carta para el editor deberán ser acompañadas de lasversiones integrales del texto en español y en inglés de losrespectivos descriptores con palabras fundamentales para laclasificación de la temática tratada en el manuscrito en ban-cos de datos nacionales e internacionales. Serán aceptos en-tre 03 y 05 descriptores. Después de la selección de esosdescriptores, su existencia en português, español e inglésdebe ser confirmada por los autores del manuscrito en ladirección electrónico http://decs.bvs.br (Descriptores enCiencias de la Salud –BIREME). La terminología para losdescriptores deben aparecer en el manuscrito de la manerasiguiente: “palavras - chave”(portugués), “palabras clave”(español), “keywords”(inglés).

- Cuerpo del texto : Presentado una secuencia lógica(introducción, desarrollo y conclusión) y organizado en par-tes distintas, considerandose la categoría del manuscrito. Elcuerpo del texto debe ser iniciado por la Introducción, sin eltítulo completo del manuscrito y sin nuevas páginas para cadasubtítulo. Las investigaciones deben tener obligatoriametnelas partes: introducción, incluyendo objetivos; metodología;análisis o interpretación de los resultados; conclusiones; yreferencias (ver el sítio: www.eean.ufrj.br/Revista de Enfer-magem). Los locales sugeridos para la inserción de tabelas,gráficos e ilustraciones, según su orden de surgimento, deberánestar señalados en el texto. Las citaciones de autores en eltexto deben estar de conformidad con los ejemplos sugeridosy elaborados según el estilo “Vancouver”. La transcripción“ipsis literis”de citaciones debe atender a los criteriossiguientes: (a) hasta 03 líneas de citación, usar comillas en lasecuencia del texto normal; (b) más de 03 líneas de citación,destacarla en nueva línea, en bloco proprio distinto del textonormal, sin aspas, con espacio simple y reculada de 03 espaciosde la margen izquierda. Se debe evitar señalar muchos auto-res/números en una misma parte de texto. No deben serintroducidas notas de rodapié. Ellas pueden constar comonotas bibliográficas, que deberán ser colocadas al final deltexto. Los datos empíricos recor tados de investigacionescualitativas deben ser presentados en nueva línea, en blocopropio distinto del texto normal, en itálico, sin comillas, conespacio simple y reculada de 02 cm de la margen ixquierda.Esos datos deben estar identificados por siglas (ejemplo: El,E1, e2 .... para entrevistas) o pseudónimos.

- Notas bibliográficas : Autores además de los 06 existentsem la hoja de rostro identificada; complementos y explicacionesnecessárias a la comprensión de la temática tratada en el

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manuscrito que no caben en el texto; agradecimientos; apoyosrecebidos (financieros y otros); y otros contenidos considera-dos per tinentes. Las notas bibliográficas deben serpresentadas en número reducido después de las referencias,apenas en los casos indispensables.

- Referencias bibliográficas: Número de referencias se-gundo la categoría de manuscrito presentado en la Revista(ver categorías de manuscritos; y presentación de lasreferencias en espacio simple y fuente “Times New Roman”tamaño 12, sin párrafos, reculadas o deslocamientos demárgenes, con destaque en itálico (títulos de libros, periódi-cos que fueron publicados y otros detalles) y numeradas deacuerdo con su orden de surgimiento en el texto. Las otrascaracterísticas de las referencias deberán estar en conformidadcon los ejemplos basados en el estilo “Vancouver”. (ver elsítio: www.eean.ufrj.br/ Revista de Enfermagem)

- Anexos: Presentación de tabelas, gráficos y otrasilustraciones, por opción de los autores; presentación de ins-trumentos utilizados (resumidos, cuando extensos) y otrostipos. Los anexos deben ser adoptados apenas cuando significaninformación original o destaque indispensable a la comprensiónde alguna sección del manuscrito.

Tabelas, gráficos y otras ilustraciones: deben estarimpresos en páginas distintas de las páginas del texto delmanuscrito y acompañados de título y/o leyenda. Ellos debenser enviados en archivos separados. Para tabelas y gráficos,usar de preferencia archivos de los software Word o Excel.Para otras ilustraciones (figuras, mapas, grabados, esquemasy fotos solamente en preto y blanco), enviar obligatoriamentearchivos de software Corel Draw o archivos con extensión TIFo JPG. Para escanear las figuras y/o fotos, seleccionar 300 DPIde resolución, en los modos de diseño o “gray scale”. Figurasde diseños no computadorizados deberán ser encaminadasen calidad de impresión de fotografáia en preto y blanco.

Para el segundo envío, después de cumplidas lasexigencias establecidas para su publicación, el manuscritorevisado deberá ser enviado en 02 copias impresas, junta-mente con una copia en disquete. Los manuscritos deberánser enviados para:

Escola Anna Nery Revista de EnfermagemSecretaria AdministrativaEscola de Enfermagem Anna Nery / UFRJRua Afonso Cavalcanti, 275, Cidade NovaRio de Janeiro, RJ, BrasilCEP 20.211-110

Otras formas de contacto:Teléfono: (21) 2293-0528 / ramal: 109Fax: (21) 2293-8999E - mail: [email protected]

Más informaciones sobre:

Sumisión de manuscritos a los periódicosSumisión de manuscritos a los periódicosSumisión de manuscritos a los periódicosSumisión de manuscritos a los periódicosSumisión de manuscritos a los periódicos

Consultar:- http://www.jped.com.br/port/normas/normas_07.asp /- Requisitos uniformes para originales sometidos a las revis-tas biomédicas. Jornal de Pediatria, 73:213-22, 1997(versión integral en portugués).- Requisitos uniformes para originales sometidos a las revis-tas biomédicas – actualización de diciembre de 2003 (enportugués).– Actualización de octubre de 2001 (en inglés).

Abreviaciones de títulos de los periódicosAbreviaciones de títulos de los periódicosAbreviaciones de títulos de los periódicosAbreviaciones de títulos de los periódicosAbreviaciones de títulos de los periódicos

Consultar:htpp://www.ibict.br (en portugués).http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?deb=journals(en inglés).International Nursing Index (en inglés).Index Medicus (en inglés).

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ESCOLA ANNA NERYREVISTA DE ENFERMAGEM

Assinatura Anual / 2007Remeter Ficha de Assinatura, acompanhada do comprovante de depósito bancário original, para:Escola de Enfermagem Anna NeryRua Afonso Cavalcanti, 275 - Cidade Nova - Rio de Janeiro - Brasil - Cep: 20.211-110Telefone/Fax: 21 2293 8999 ramal 109Banco: BANCO DO BRASIL - Agência: 0287- 9 / Botafogo - Conta: 7.333- 4(no caixa com o código identificador: 8417- 4).Favorecido: Fundação Universitária José BonifácioPeriodicidade Trimestral

Annual subscription / 2007Send your subscription to: Escola de Enfermagem Anna NeryRua Afonso Cavalcanti, 275Cidade Nova - Rio de Janeiro - Brazil - Zip code: 20.211-110Telefax: +55 21 2293 8999BANCO DO BRASIL- Agência Botafogo - RJBranch Number: 0287- 9 - Bank Account: 13.101- 6To: Fundação Universitária José BonifácioMoney order Swift: BRASBRRJARJO - Identification code: 8417- 4Every Quarter

Suscripción anual / 2007Enviar la inscripción a: Escola de Enfermagem Anna NeryRua Afonso Cavalcanti, 275Cidade Nova - Rio de Janeiro - Brasil - Código Postal: 20.211-110Telefax: +55 21 2293 8999BANCO DO BRASIL- Agência Botafogo - RJSucursal Número: 0287-9 / Cuenta de Banco: 13.101-6En nombre de: Fundação Universitária José BonifácioOrden de pago / Clave de Identificación: 8417-4Periodicidad Trimestral

Alunos de graduação: R$ 70,00( ) Individual: R$ 120,00( )

Institucional: R$ 160,00( )

Undergraduate students/Alumnos de pregrado: US$ 35.00( ) Individual: US$ 80.00( )

Institutional/Institucional: US$ 100.00( )

Escuela Anna NeryRevista de Enfermería

Anna Nery SchoolJournal of Nursing

Nome / Name / Nombre: .................................................................................................................................................................................................... ................................................

Endereço / Address / Dirección: ......................................................................................................................................................................................... .............................................

Cidade / City / Ciudad: .................................................................................................. País / Country / Pais : ..........................................................................................................

UF / State / Provincia : ................................................................................................ CEP / Zip Code / Código Postal: ........................................................................................

Tel. / Phone / Tel.: ..................................................................... fax: ................................................ celular / cell phone: ...............................................

e-mail: .................................................................................................................................................................................................................................

Empresa / Company / Empresa:............................................................................................................................................................................................

Categoria Profissional / Occupation / Profesión: ..................................................................................................................................................................

Data / Date / Fecha: ...........................................................................................................................................................................................................

Assinatura / Signature / Firma: ............................................................................................................................................................................................

www.eean.ufrj.br/revista - e-mail: [email protected] / [email protected]

EXEMPLAR AVULSO / SAMPLE PRICE / EJEMPLAR SUELTO1997 a 2001: R$ 10,00 / US$ 10.00

2002 a 2005: R$ 25,00 / US$ 20.00 2006 e 2007: R$ 40,00 / US$ 30.00