eric frattini - a santa aliança - cinco séculos de espionagem do vaticano

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A Santa Aliança, cinco séculos de espionagem no Vaticano

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  • A SANTA ALIANA CINCO SCULOS DE ESPIONAGEM DO VATICANO

    Eric Frattini Eric Frattini (Lima, 1963) jornalista. Foi correspondente da Cadena Ser, do jornal Cinco Dias e do Canal Plus no Mdio Oriente. Entre as suas obras, destacam-se Cuestiones para la Paz Entre la sombra de Al y la estreita de David (1992), La Entrevista, et Arte y la Cincia (1994), Tiburones de La Comunicacin. Grandes lderes de /os grupos multimedia (1996), Osama bin Laden, la Espada de Al (2001) e Secretos Vaticanos (2003). Actualmente colaborador de programa "Cada dia" na Antena Televisin. Desde 1566, ano em que foi criado o servio de espionagem do Vaticano, at aos nossos dias, a Santa Aliana e a sua contra-espionagem viram-se envolvidas em assassinatos, venda de armas, financiamento de ditaduras, fuga de criminosos de guerra nazis e falncias bancrias. Tudo em nome de Deus e da f catlica e por ordem do Sumo Pontfice. A Santa Aliana um ensaio surpreendente que relata cinco sculos de operaes encobertas do servio de espionagem pontifcio. "Se o Papa ordena liquidar algum na defesa da f, faz-se isso sem fazer perguntas. Ele a voz de Deus e ns [a Santa Aliana] somos a mo executora".

    Cardeal Paluzzo Paluzzi, chefe da Santa Aliana, sculo XVII Ttulo: A SANTA ALIANA CINCO SCULOS DE ESPIONAGEM DO VATICANO Autor: Eric Frattini Ttulo original: La Santa Alianza - Cinco siglos de espionaje Vaticano Traduo: Serafim Ferreira Capa: Campo das Letras Fotografia da capa: Jeff J. Mitchell - Cordon Press Fotografias no interior: National Gallery of London, Public Record Office, Institute of Documentation in Israel for the Investigation of Nazi War Crimes, American Catholic Historical Association, Archivio dei Istituto per Ia Storia dei Risorgimento Italiano, Arnold Daghani Collection, National Archives and Record Administration, Public Record Office, Kingdom of Scotland, The National Archives of Ireland, National Library of Ireland, National Archives and Record Administration, Central Intelligence Agency (CIA), EFE, Arquivo pessoal do autor e Arquivo Espasa. Eric Frattini, 2004 CAMPO DAS LETRAS - Editores, S.A., 2005 Rua D. Manuel II, 33 - 5. 4050-345 Porto Telef.: 226 080 870 Fax: 226 080 880 E-mail: [email protected] Site: www.campo-letras.pt Impresso: Ranho & Neves, Lda / Santa Maria da Feira 1.a edio: Outubro de 2005 3.a edio, revista: Janeiro de 2006

  • Depsito legal n.: 233231/05 ISBN: 972-610-984-1 Cdigo de barras: 9789726109846 Coleco: Campo da Actualidade - 87 Cdigo do livro: 1.02.087 Eric Frattini A Santa Aliana Cinco sculos de espionagem do Vaticano Traduo de Serafim Ferreira Ao Hugo, o mais valioso para mim, por estar sempre presente e me dar o seu amor em cada dia da sua vida... Silvia, pelo seu amor e incondicional apoio em tudo o que fao... A minha Me, por estar sempre a apoiar-me e a animar-me... "Em cada operao de espionagem existe o que est acima e o que est por baixo da escrita. Por cima est o que algum faz de acordo com as normas. Por baixo est a forma como algum deve fazer o trabalho." John le Carr, Um Espio Perfeito Agradecimentos s fontes que me prestaram uma ajuda inestimvel e cujos nomes preferi que no aparecessem neste livro. s fontes que me prestaram uma ajuda inestimvel e me pediram para no ser citadas neste livro. Aos arquivistas e bibliotecrios que trabalham nas mais de trinta e nove instituies de catorze pases que eu consultei. Sem a facilidade na consulta de muitos documentos, no poderia ter escrito este livro. A Tuhviah Friedman, director do Institute of Documentation for the Investigation of Nazi War Crimes, em Haifa (Israel), por me ter facilitado toda a documentao acerca das relaes do Vaticano com a Alemanha nazi, a informao sobre as relaes de membros da hierarquia vaticana na evaso de criminosos de guerra nazis, e os expedientes habilidosos de altos responsveis nazis que mantiveram contactos com Pio XII durante a ocupao da Itlia. A Alison Weir, pela sua magnfica documentao sobre o reinado de Maria Stuart e a sua poca. A Dorothee Lottmann-Kaeseler, directora do Active Museum of Ger-man Jewish History, em Wiesbaden, Repblica Federal da Alemanha. A Debbie Weierman, do quartel-general do FBI em Washington D. C, por me permitir o livre acesso aos documentos sobre a presidncia de Ronald Reagan. A Lee Strickland, coordenador do Gabinete de Informao da Agncia Central de Inteligncia (CIA), em Washington D. C, por me permitir o livre acesso aos documentos sobre a interveno dos Estados Unidos na Polnia. A William B. Black Jnior, subdirector do Servio Central de Segurana da Agncia de Segurana Nacional (NSA), em Fort Meade (Maryland). A David M. Cheney, por me permitir consultar os seus magnficos e bem documentados arquivos histricos sobre a hierarquia catlica e a Cria Romana. Sem eles, teria sido difcil escrever este livro.

  • A Javier Soriano Abelln, pela sua inestimvel ajuda no momento de classificar o material fotogrfico que aparece neste livro. A Marisol Blanco-Soler, Jos Miguel Carrillo de Albornoz, Marisa Gonzlez Serna, Soledad Abelln e Javier Soriano, pelo emprstimo de manuscritos que para mim eram difceis de encontrar. 11 A Jos Manuel Vidal, pelos seus admirveis conselhos de erudito e por ter realizado a dura tarefa de ler o manuscrito. A Juan Torres, por me ajudar a proteger este texto dos ataques informticos, e a SET127 por no t-lo conseguido. A Manuel Fernandez lvarez, um verdadeiro mestre, pelo que aprendi ao ler o seu livro Felipe II y su tiempo. A Luis Arbaza Blanco-Soler, no sei se devo ou no agradecer-lhe o estmulo dado no Vero de 2003 para escrever este livro. De qualquer modo, tambm lhe agradeo. A Olga Adeva, pelo carinho com que sempre trata os meus textos. A Pilar Corts, a minha editora, por acreditar nesta histria e em mim. E, por ltimo, e muito em especial, um agradecimento a todas as pessoas e organismos que me colocaram entraves, barreiras e dificuldades para evitar que este livro fosse o que hoje. Foi isso que me permitiu agudizar o sentido de curiosidade e, portanto, a minha investigao. A todos, o meu mais humilde e sincero agradecimento. Uma parte deste livro de todos eles. 12

    Introduo O Papado, a suprema autoridade da Igreja Catlica, a mais antiga organizao do Mundo e a nica instituio que floresceu na Idade Mdia. Foi um actor privilegiado no Renascimento, foi um dos protagonistas da Reforma e da Contra-Reforma, da Revoluo Francesa e da era industrial, da ascenso e queda do comunismo. Ao longo dos sculos, os papas, com base na sua famosa infalibilidade, centralizaram o impacto social que os acontecimentos histricos produziam em todo o Mundo. O historiador Thomas Babington, no seu estudo sobre a histria do protestantismo, afirmava que os papas souberam centralizar a Igreja, assim como souberam amortecer o seu impacto nos eventos histricos. Este autor acentuava mesmo a habilidade da Igreja para se apropriar ou se adaptar aos novos movimentos sociais que se formaram durante os sculos. O imperador Napoleo Bonaparte considerava o Papado como um dos melhores ofcios do Mundo, e Adolf Hitler dizia ser um dos mais perigosos e delicados da poltica mundial. Napoleo comparava a fora de um nico papa com a fora de um exrcito de duzentos mil homens. Na verdade, o Papado actuou sempre com duas caras ao longo de toda a Histria: a de cabea da Igreja Catlica em todo o Mundo e a de uma das maiores organizaes polticas do planeta. Por um lado, os papas abenoavam os seus fiis, por outro, recebiam embaixadores e chefes de Estado de diversos pases e enviavam nncios e legados em misses especiais. Este poder levou muita gente a encarar os papas mais como pais dos prncipes do que como vigrios de Cristo. Os pontfices clamavam desde o sculo VIII a primazia e a jurisdio universal para os seus actos, at que, em 1931, com a criao da Rdio Vaticano, se tornou possvel essa primazia e essa jurisdio ao estabelecer um permanente contacto com o Mundo. Ao longo da Reforma, Lutero atacava o Papado como um mal humano desnecessrio. O historiador catlico lorde Acton criticava a

  • excessiva centralizao do Papado e, aps uma viagem a Roma, afirmava que o poder corrupto e o poder absoluto corrompem absolutamente. A histria da Santa Aliana - o servio de espionagem do Vaticano - no pode ser relatada sem se contar a histria dos papas e a histria dos papas no pode ser descrita sem se contar a histria da Igreja Catlica. O que est claro que sem o catolicismo o papa no existiria e, como disse 13 Paulo VI na sua encclica Ecclesiam suam, sem o papa a Igreja Catlica talvez no fosse catlica. O que realmente verdade que sem o poder real que os papas tiveram no existiria a Santa Aliana ou o Sodalitium Pianum, a contra-espionagem. Ambos fizeram parte dessa engrenagem que ajudaram a construir: a Santa Aliana desde a sua fundao em 1566 por ordem do papa Pio V e o Sodalitium Pianum (S. P.) desde a sua criao em 1913 por ordem do papa Pio X. Um outro historiador, Cario Castiglioni, autor de uma das melhores enciclopdias sobre os papas, chegou a escrever: A tripla tiara que os pontfices usam simboliza, sem dvida, o poder destes no cu, na terra e no mundo terreno (underworld). fcil explicar esta afirmao: no cu, o papa tem Deus, na terra, o papa basta-se a si mesmo e na clandestinidade (undenvorld1) o papa tem a Santa Aliana. Apesar de a autoridade papal se ter alterado com as modernizaes e renovaes, tanto polticas como econmicas, os interesses da Igreja foram sempre o motivo pelo qual se movimentaram os espies do Vaticano. Os peritos vaticanistas asseguram que a Igreja e as estruturas papais nunca abandonaram a sua imagem de Imprio, ao mesmo tempo que observam que os aspectos de culto pela figura de um imperador foram simplesmente transferidos para a figura do papa. Os quarenta papas que governaram, ou melhor, reinaram desde a criao da Santa Aliana, desde Pio V at Joo Paulo II, tiveram de se confrontar com as descristianizaes e cismas, revolues e ditadores, colonizaes e expulses, perseguies e atentados, guerras civis e guerras mundiais, assassnios e sequestros. A poltica dos papas era um objectivo e a Santa Aliana apenas um poderoso instrumento para a levar a cabo. Do sculo XVI ao sculo XVIII, os inimigos com os quais o Papado e a Santa Aliana tiveram realmente de se debater foram os liberalismos, os constitucionalismos, as democracias, os republicanismos ou os socialismos. Mas nos sculos XIX e XX esses inimigos converteram-se em darwinismo, americanismo, modernismo, racismo, fascismo, comunismo, totalitarismo ou revoluo sexual. No sculo XXI ser a intromisso dos cientistas nas prprias questes religiosas, o bloco poltico nico, a superpopulao, o feminismo ou o agnosticismo social. Este facto vem demonstrar que, muitas vezes, a poltica vaticana e o seu servio secreto andaram em paralelo, utilizando diferentes mtodos com o nico propsito de alcanar um mesmo objectivo. Por um lado, o papa negociava a paralisao de medidas contrrias a Roma e, por outro, a Santa Aliana e a Ordem Negra intervinham na destruio dos seus inimigos. 1 A palavra inglesa underworld significa tambm, para l do mundo terreno ou clandef-, tino, inferno, gente de m vida, mundo do vcio ou de baixa moral. 14 David Rizzio, Lamberto Macchi, Roberto Ridolfi, William Parry, James Fitzmaurice, Marco Antnio Massia, Giulio Alberoni, Alexandre de Mdicis, Giulio Guarnieri, Tebaldo Fieschi, Charles Tournon, John Bell ou Giovanni DaNicola foram alguns dos agentes da Santa Aliana que, atravs das suas operaes, mudaram o curso da Histria desde meados do sculo XVI at ao sculo XXI.

  • Ludovico Ludovisi, Lorenzo Maggaloti, Olimpia Maidalchini, Sforza Pallavicino, Paluzzo Paluzzi, Bartolomeo Pacca, Giovanni Battista Caprara, Annibale Albani, Pietro Fumasoni Biondi ou Luigi Poggi foram alguns dos poderosos chefes da espionagem pontifcia que decidiram e realizaram, sempre em defesa da f, vrias operaes encobertas, crimes polticos e de Estado ou meras liquidaes de figuras secundrias que interferiam na poltica do papa vigente e na de Deus no mundo. Foram assassinados reis, envenenados diplomatas, apoiados grupos em conflito como norma da diplomacia pontifcia, fecharam-se os olhos a catstrofes e holocaustos, foram financiados grupos terroristas e ditadores sul-americanos, protegeram-se criminosos de guerra e lavou-se dinheiro da Mfia, manipularam-se mercados financeiros e falncias bancrias, condenaram-se os conflitos enquanto se vendiam armas aos combatentes, e tudo isso em nome de Deus. A Santa Aliana e o Sodalitium Pianum foram os seus instrumentos. Desde que o inquisidor Pio V, santificado anos depois, fundou a espionagem do Vaticano no sculo XVI com o nico objectivo de acabar com a vida da herege Isabel I de Inglaterra e de apoiar a catlica Maria Stuart, o Estado Vaticano nunca reconheceu a existncia da Santa Aliana ou da contra-espionagem, o Sodalitium Pianum, embora se possa dizer que as suas operaes foram um segredo pblico. Simon Wiesenthal, o famoso caa-nazis, disse numa entrevista que o melhor e mais efectivo servio de espionagem que eu conheo no Mundo o do Vaticano. O cardeal Luigi Poggi, que era conhecido como o espio do Papa (Joo Paulo II), foi quem levou a cabo uma das maiores modernizaes da Santa Aliana devido aos estreitos contactos com o Mossad israelita. Graas sua importncia, o servio secreto israelita pde desarticular um atentado contra a primeira-ministra Golda Meir na sua visita a Itlia. Poggi seria tambm o responsvel por utilizar os fundos do Vaticano necessrios, atravs do IOR de Paul Marcinkus, para financiar o sindicato Solidariedade dirigido por Lech Walesa, que seria uma operao conjunta entre a CIA de William Casey e a Santa Aliana. Nos seus cinco sculos de histria, a extensa sombra da Santa Aliana tornou-se visvel nas lutas contra a rainha Isabel I de Inglaterra ou na carnificina na noite de So Bartolomeu; na aventura da Armada Invencvel, no assassnio de Guilherme de Orange e do rei Henrique IV de Frana; na Guerra de Sucesso espanhola ou na crise com a Frana dos cardeais Richelieu e Mazarino; no atentado contra o rei dom Jos I de Portugal; na 15 Revoluo Francesa e em Austerlitz; na ascenso e queda de Napoleo, na guerra de Cuba e na de Secesso americana; nas relaes secretas com o kaiser Guilherme II durante a Primeira Guerra Mundial ou com Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial; com o Oiro da Crocia e com a organizao Odessa; na luta contra o grupo terrorista Setembro Negro, Carlos o Chacal ou o comunismo; nas obscuras finanas do IOR e nas muito mais obscuras relaes com a Maonaria, a Mfia e o trfico de armas; na criao de empresas financeiras em parasos fiscais ou no financiamento de ditadores de direita como Anastasio Somoza ou Jorge Videla. Durante os ltimos cinco sculos da sua existncia, as sociedades secretas dependentes da Santa Aliana, como o Circulo Octogonus ou a Ordem Negra, realizaram vrias operaes encobertas para servios de espionagem de outros pases, como o Mossad israelita ou a CIA norte-americana. Enquanto lutavam contra um inimigo claro, o terrorismo rabe ou o malfico comunismo, a Santa Aliana adaptou-se aos tempos e s situaes que marcaram os Sumos Pontfices, porque, como disse um dia o todo-poderoso cardeal Paluzzo Paluzzi, chefe da Santa Aliana em meados do sculo XVII,

  • se o Papa ordena liquidar algum na defesa da f, faz-se isso sem fazer perguntas. Ele a voz de Deus e ns [a Santa Aliana] somos a sua mo executora. Este livro apenas um breve trajecto, feito durante cinco sculos de histria, atravs das operaes encobertas do poderoso servio de espionagem do Estado da Cidade do Vaticano. Os sacerdotes-agentes do servio de espionagem papal, a Santa Aliana, e da contra-espionagem, o Sodalitium Pianum, mataram, roubaram, conspiraram e atraioaram em nome de Deus e da f catlica s ordens do Sumo Pontfice. Os espies do papa foram o smbolo perfeito da simbiose sob cujo lema actuaram: Pela Cruz e pela Espada. Todos os factos que nestas pginas se relatam so reais, tal como o so todas as personagens que nelas se referem. El Tamaral, 2004 16 I Entre a Reforma e uma nova aliana (1566-1570) Com lgrimas nos olhos vos digo: muitos de vs comportam-se como inimigos da cruz de Cristo. Filipenses 3, 18 Existem diferentes verses sobre quem foi o verdadeiro fundador da chamada Santa Aliana, o servio de espionagem do Vaticano. Mas ter sido o papa Pio V (1566-1572) quem, em 1566, organizou o primeiro servio de espionagem papal no sentido de lutar contra o protestantismo representado por Isabel I de Inglaterra. Protegido pelo poderoso cardeal Juan Pedro Caraffa (o futuro papa Paulo IV), Miguel Ghislieri foi chamado a Roma para assumir a direco de uma misso especial. Ghislieri foi encarregado pelo papa de criar uma espcie de servio de contra-espionagem, que se ocuparia, de forma piramidal, em obter informaes de todos aqueles que pudessem violar os preceitos papais e os dogmas da Igreja e por isso pudessem ser julgados pela Inquisio. O jovem presbtero era muito devotado s sociedades secretas e o Santo Ofcio era para ele uma das sociedades secretas com maior poder no seu tempo. O trabalho realizado pelos agentes de Ghislieri nas regies de Como e de Bergamo chamaram a ateno dos poderosos de Roma. Em menos de um ano, quase mil e duzentas pessoas, desde agricultores a nobres, foram julgadas pelo tribunal da Inquisio e mais de duas centenas foram consideradas culpadas, depois de serem submetidas a terrveis torturas e executadas. A tortura da corda consistia em atar as mos do presumido herege atrs das costas e o preso era levantado atravs de uma outra corda presa no tecto. Com o corpo suspenso, era solto por breves momentos para que casse com o seu prprio peso. O preso ficava a um metro do solo e com essa violenta sacudidela as extremidades deslocavam-se. Uma outra das torturas mais utilizadas era a da gua. Os carrascos estendiam a vtima num cepo de madeira em forma de canal e colocavam 17 Um abrao, leno fino molhado na garganta, enquanto lhe tapavam o nariz para que no pudesse respirar. Um dos verdugos enfiava-lhe gua pela boca e pelas narinas e assim o preso no tinha nenhuma possibilidade de respirar. Quando o mdico da Inquisio mandava parar com esse tormento, muitos dos rus j estavam mortos1. Em 1551, Miguel Ghislieri, devido aos servios prestados, foi promovido por Caraffa, que o nomeou geral da Inquisio em Roma, sob o pontificado de Jlio III (1550-1555). Com Ghislieri como geral, a Congregao do Santo Ofcio disps de todas as condies para alcanar os objectivos a que se propunha. Em primeiro lugar, foi realizada uma reforma do chamado Conselho da Suprema, e o papa nomeou um grupo de cardeais para o

  • controlarem. Os purpurados faziam ao mesmo tempo de juizes e de conselheiros do Pontfice no caso de levar a juzo pessoas relevantes da sociedade romana. Foi Ghislieri quem, no incio de 1552, estabeleceu as sete classes de delitos susceptveis de serem julgados pelo tribunal do Santo Ofcio: os hereges; os suspeitos de heresia; os que protegiam os hereges; os magos, bruxos e feiticeiros; os blasfemos; os que resistissem s autoridades ou agentes da Inquisio; e os que quebrassem, ofendessem ou violassem os selos ou smbolos do Santo Ofcio. A partir desse mesmo ano, Ghislieri criou em toda a cidade uma autntica rede de espies, que operavam desde os lupanares da cidade at s cozinhas dos palcios dos nobres de Roma. Todas as informaes de qualquer natureza recolhidas pelos agentes da Inquisio eram entregues pessoalmente a Ghislieri por intermdio de dois sistemas: de viva voz e pelo chamado Informi Rosso (Relatrio Vermelho). Este ltimo consistia num pequeno pergaminho enrolado numa cinta vermelha com o escudo do Santo Ofcio. Segundo as leis vigentes, o rompimento do selo era punido imediatamente com a morte. Os agentes de Ghislieri registavam nesses pergaminhos todas as informaes com que acusavam, e muitas vezes sem nenhuma prova, qualquer cidado de Roma de violar as normas da Igreja e que podiam ser apreciadas por um tribunal da Inquisio. O Informi Rosso era depositado num pequeno vaso de bronze colocado para esse efeito na sede romana do Santo Ofcio. Durante anos, o geral da Inquisio criou uma das maiores e mais eficazes redes de espies e um dos melhores arquivos de dados pessoais dos cidados de toda a Roma. Ningum se movimentava ou falava nas ruelas ou praas da cidade sem que Ghislieri o no soubesse. Ningum se movimentava ou falava dentro do Vaticano sem que o geral da Inquisio o no conhecesse. 18 A 23 de Maio de 1555, e depois de um breve pontificado com menos de um ms do papa Marcelo II, o cardeal Juan Pedro Caraffa, sem a oposio do sector imperial nem do sector francs, foi eleito papa no conclave. O embaixador de Veneza, Giacomo Navagero, definia assim o novo papa de setenta e nove anos: Caraffa um papa de um temperamento violento e fogoso. demasiado impetuoso no tratamento dos assuntos da Igreja e por isso o velho Pontfice no tolera que ningum o contradiga2. Caraffa, j como papa Paulo IV, chegou a temer o grande poder de Ghislieri. Em Roma, a populaa chegou mesmo a definir o geral da Inquisio como o papa na sombra, mas apesar de tudo o pontfice concedeu a Miguel Ghislieri a prpura cardinalcia. A partir da Ghislieri o inquisidor tornar-se-ia mais perigoso e mais poderoso. Muitos membros do Colgio Cardinalcio no permitiriam que, a partir do posto ocupado na temvel Inquisio, ele dirigisse os destinos da Igreja Catlica. Os agentes de Ghislieri vangloriavam-se muito e impunham o terror nas ruas de Roma. Os espies do cardeal, conhecidos como os monges negros, escolhiam uma vtima e esperavam que ela seguisse por uma rua isolada. Nesse momento, era assaltada e metida numa carruagem fechada hermeticamente e levada para uma sala da Inquisio. Um frade que foi testemunha disso relatou a chegada dos sequestrados ao palcio do Santo Ofcio em Roma, assim publicada na obra de Leonardo Gallois, Historia General de la Inquisition, de 1869: Deixava-se a vtima num piso inferior do primeiro ptio, ao lado da ,, porta principal. A vtima comeava ali a sua iniciao numa sala circular onde dez esqueletos pregados na parede lhe anunciavam que por vezes naquela hospedaria se cravava em vida os hspedes para os deixar esperar a morte com calma. Depois de um aviso to santo, encontrava numa galeria contgua mais dois esqueletos humanos, no colocados de p e na } atitude de receber as visitas, mas estendidos em forma de mosaico ou de estrado.

  • Na mesma galeria podia distinguir claramente direita um forno manchado por vrias ndoas de gordura e consagrado a substituir em segredo as fogueiras das praas pblicas, cadas em desuso por causa da picardia do sculo corrompido. (...) Poucos calabouos propriamente ditos se encontram neste primeiro corpo de edifcios, mas em contrapartida no segundo piso direita encontra-se a sala do Santo Tribunal protegida por duas portas. Uma delas coroada por um letreiro que indica stanza del primo padre compagno e a segunda coroada por um letreiro que indica stanza del secando padre compagno. Assim se chamavam os dois inquisidores encarregados da dupla misso de ajudar a Suprema a procurar descobrir os criminosos e converter definitivamente o ru.3 19 Mas essa situao mudaria por completo para o cardeal Ghislieri quando na noite de 18 de Agosto de 1559 o papa Paulo IV faleceu de repente. Aps ser conhecida a notcia da morte, espalhou-se a sedio nas ruas de Roma; a captura e priso dos agentes de Ghislieri converteu-se numa das principais motivaes das massas. Muitos dos que serviram fielmente a Santa Inquisio eram assassinados pela populao e os seus cadveres lanados nas cloacas. Os distrbios no acabaram a. O povo de Roma assaltou o palcio que albergava o Tribunal da Inquisio e foi derrubada a esttua do pontfice falecido4. O cardeal Ghislieri e alguns dos seus homens conseguiram pr a salvo uma grande parte dos arquivos secretos, levados em oito carruagens na sua fuga de Roma. Por fim, a situao voltou normalidade em 25 de Dezembro de 1559 quando o cardeal Giovanni Angelo Medeis, que era inimigo do anterior papa, se converteu no novo pontfice com o nome de Pio IV. O papa era um homem de carcter firme, hbil diplomata e estava disposto a limpar a Igreja Catlica de todos os vestgios do pontfice anterior, Paulo IV. Para essa tarefa rodeou-se de dois fiis cardeais e seus sobrinhos, Marcos Sittich de Altemps e Carlos Borromeo. O primeiro era um mestre com a espada e na arte da guerra. O segundo era um mestre da diplomacia. Borromeo foi nomeado arcebispo de Milo, legado papal em Bolonha e Romagna, responsvel do governo dos Estados Pontifcios e finalmente secretrio pessoal do papa. Como primeira medida, ordenou a deteno e recluso no castelo de SantAngelo dos cardeais Carlo e Alfonso Caraffa, bem como de Juan Caraffa, duque de Paliano, e outros cavaleiros do squito ducal acusados do assassnio da esposa daquele. Como segunda medida, o papa Pio IV, aconselhado por Carlos Borromeo, decidiu reabilitar o cardeal Morone e o bispo Fiescherati que antes tinham sido acusados de heresia pelo Santo Ofcio por ordem de Paulo IV. Como terceira medida, o papa ordenou o desterro do cardeal Miguel Ghislieri, ento geral da Inquisio, e a dissoluo dos monges negros5. O cardeal, que se refugiou num mosteiro isolado, retomou o seu trabalho pastoral no antigo bispado, o que o fez ser visto com bons olhos quando o conclave voltou a reunir-se aps o falecimento do papa Pio IV a 9 de Dezembro de 1565. Curiosamente, e depois de trs semanas de conclave, o cardeal Carlos Borromeo, homem de confiana do papa falecido, decidiu defender a candidatura do cardeal Ghislieri, que contava 20 com o apoio do rei Filipe II e desde h alguns anos recebia da Coroa de Espanha uma subveno de 800 ducados6. A 7 de Janeiro de 1566, o cardeal Ghislieri era eleito papa e adoptou o nome de Pio V. O ento embaixador de Espanha disse: Pio V o papa que os tempos exigem. Filipe II tambm aprovava a chegada de um aliado ao trono de So Pedro. A sua nomeao supunha a vitria de todos os que desejavam um pontfice austero e piedoso, mas por

  • sua vez capaz de lutar e actuar com grande energia contra a Reforma protestante. O que era certo que o papa Pio V utilizaria a sua ampla experincia frente da Inquisio para criar um verdadeiro servio de espionagem, implacvel e de cega obedincia s ordens supremas do pontfice. A primeira funo dos agentes da Santa Aliana, nome dado pelo prprio papa ao seu servio secreto em honra da aliana entre o Vaticano e a rainha catlica Maria Stuart, era sobretudo a de obter informaes dos possveis movimentos polticos e das intrigas dirigidas a partir da corte de Londres. As informaes que obtinham eram enviadas queles poderosos monarcas que apoiavam o catolicismo e o poder pontifcio em face do cada vez mais alargado protestantismo. O principal objectivo dos espies do papa era prestar os seus servios rainha Maria Stuart com o intuito de procurar restaurar o catolicismo na Esccia, que se tinha declarado presbiteriana no ano de 1560, e lutar contra o protestantismo. O papa Pio V entendia que o seu principal inimigo era a Igreja cismtica de Inglaterra, representada pela rainha Isabel, filha de Henrique VIII e de Ana Bolena. O rei Henrique VIII havia rompido com a Igreja Catlica em 1532, quando pediu a Clemente VII (19-XI-1523 / 25-IX-1534) autorizao para se divorciar da rainha Catarina de Arago, que era filha dos reis catlicos e tia do imperador Carlos I de Espanha e V da Alemanha, para se poder casar com a sua amante Ana Bolena7. O pontfice estudou a carta enviada pelo rei de Inglaterra, um velho pergaminho de sessenta por noventa centmetros e com a assinatura, como aval, de setenta e cinco altas personalidades do reino. Desse documento pendiam setenta e cinco cintas de seda vermelha com setenta e cinco selos de lacre8. No texto, Henrique VIII exprimia o desejo de contrair casamento com a sua amante e pedia a autorizao papal para se divorciar da sua esposa, a rainha Catarina de Arago. Essa petio foi negada pelo papa Clemente VII, o que provocou a ira e o afastamento de Henrique VIII da Igreja Catlica. Mas o monarca de Inglaterra decidiu contrair matrimnio com Ana Bolena e anulou assim o seu casamento com Catarina, apesar da recusa de Roma. 21 O cisma definitivo aconteceu a 15 de Janeiro de 1535, sob o pontificado de Paulo III, quando, para dar uma base jurdica sua nova supremacia eclesistica, Henrique VIII convocara os sbios de todas as universidades do reino e o clero para que declarassem publicamente que o papa romano no tinha nenhum direito divino ou autoridade alguma sobre a Inglaterra. As bases reais da nova Igreja eram as de uma Igreja Catlica anglicana, sob a autoridade da Coroa. Os cinco anos de reinado de Maria Tudor at sua morte, ocorrida a 17 de Novembro de 1558, foram muito intensos. Guerras, execues, rebelies internas, golpes de Estado e conflitos religiosos espalharam-se pelo reino. Na prpria noite da morte da rainha Maria, a sua irm Isabel, filha de Henrique VIII e Ana Bolena, foi proclamada rainha de Inglaterra. Grande parte da populao recebeu com jbilo a chegada da nova rainha, em parte pela m recordao deixada por Maria Tudor, a quem popularmente baptizaram como Maria, a Sanguinria (Bloody Mary). Desde a sua chegada ao trono, Maria tinha-se mostrado decidida, com o apoio de Paulo IV e a resistncia do embaixador de Espanha, a implantar a sangue e fogo o catolicismo, mas para isso devia antes cortar as cabeas dos que haviam defendido a Reforma. Muitos dos bispos protestantes, que Maria Tudor definia como maus pastores que conduziram as suas ovelhas perdio9, seriam os primeiros a ser queimados na fogueira por crime de heresia. O ex-bispo de Londres, Ridley, o mesmo que pouco tempo antes tinha proclamado Jane Grey como rainha de Inglaterra e considerado Maria Tudor

  • como bastarda, foi queimado vivo a 16 de Outubro de 1555 numa praa da cidade de Oxford. Na fogueira tambm o acompanharia o ex-bispo de Worcester, Latimer. Uma outra execuo ordenada pela rainha, e que causaria viva surpresa mesmo em Roma e no Parlamento da Inglaterra, seria o suplcio, a 21 de Maro de 1556, de Thomas Cranmer, ex-bispo de Canterbury, e que no passado declarara a anulao do casamento do rei Henrique VIII com Catarina de Arago e consumara a ruptura definitiva com o poder papal de Roma. A 15 de Janeiro de 1559, Isabel I foi coroada como rainha de Inglaterra e a 8 de Maio inaugurava a sesso do Parlamento, onde pedia a aprovao das leis que permitiam o restabelecimento do protestantismo em todo o reino e nos seus domnios. Roma e a Igreja Catlica, dirigida por um ancio de oitenta e trs anos, o papa Paulo IV, j no tinham fora para fazer presso face mudana religiosa que novamente se avizinhava na Inglaterra10. 22 Mas do que o pontfice estava realmente seguro era de que a nica possibilidade de manter uma ilhota catlica na protestante Inglaterra seria apoiar a rainha da Esccia, Maria Stuart, que nos anos que se seguiram se converteria num ttere das conspiraes ocorridas entre o papa Paulo IV e os seus sucessores, o poderoso e monacal rei Filipe II de Espanha, o caprichoso rei Carlos IX de Frana, o insignificante e inculto Fernando de ustria e aquele que seria o herdeiro da Coroa escocesa e traidor da sua prpria me, o prncipe Jaime. O crculo comeou a fechar-se para Maria Stuart quando os dois homens mais prximos dela se converteram em espies de poderosas potncias com grandes interesses na Esccia. A 29 de Julho de 1565, contraiu casamento com o catlico Henrique Darnley. O novo rei consorte da Esccia era um homem alto, forte e ruivo que atraa as mulheres, mas de uma escassa cultura. Darnley, o novo monarca da Esccia e que assim partilhava o leito com a rainha, era uma marioneta nas mos de sir Francis Walsingham, o chefe dos espies de Isabel, e nas dos nobres escoceses. Em sntese, Darnley era um cobarde11. Por outro lado, Maria Stuart, em finais de 1565, travou amizade com um jovem piemonts de pele escura chamado David Rizzio, que fazia parte do squito do embaixador de Sabia, o marqus de Moreta, na sua visita Esccia12. Tem vinte e oito anos, olhos redondos e verdes, o que desperta a ateno de uma rainha que admira a beleza dos homens. Rizzio domina as artes da msica e da poesia, o alade e os versos, mas tambm sacerdote e um dos espies mais activos da recm-criada Santa Aliana13. Maria Stuart pede ao embaixador de Sabia que lhe ceda Rizzio para a divertir em privado. Pouco a pouco, o jovem piemonts ascende no squito de simples cantante e em escassos dias converte-se em moo de cmara da rainha e assim passa a ganhar setenta e cinco libras anuais. Graas ao seu lugar junto da rainha, Rizzio tem acesso directo aos seus documentos mais secretos. A rainha encontra no italiano o que no encontra no seu prprio marido, Henrique Darnley. Rizzio tem ideias muito claras e possui uma cultura artstica; domina o latim e fala com fluidez e facilidade francs, italiano e ingls. Apesar de contar com o apoio rgio, o espio continua a comer na mesa dos criados, mas a oportunidade para alterar esta situao apresenta-se quando a rainha rejeita Raulet, o seu secretrio privado, at ento o homem de confiana de Maria Stuart, despedido por ela quando 23 descobriu que ele fazia ouvidos de mercador s constantes denncias de vrios nobres escoceses sobre os subornos ingleses.

  • Walsingham, chefe da espionagem isabelina, dedicava uma grande parte dos fundos da Coroa a subornos com que podia captar os agentes infiltrados na corte escocesa. O gabinete de Raulet passou a ser ocupado por David Rizzio e, apesar de ser um fiel defensor da Contra-Reforma e informar de qualquer movimento ingls ou escocs o papa Pio V, dedicate de corpo e alma a servir a rainha Maria. O espio da Santa Aliana possui cada vez mais poder e Darnley sabe disso. O marido da rainha no ignora que se quiser ver-se livre de Rizzio dever antes aconselhar-se com Walsingham e este, por sua vez, com Isabel. Sabe que s desse modo poder estar protegido no caso de o assassnio do jovem piemonts ser descoberto pela rainha, sua esposa. Rizzio e o seu irmo Jos, que trouxe de Itlia para o acompanhar, passaram a fazer parte do crculo de espies da Santa Aliana na Esccia. A sua misso, por ordem do papa, era obter informaes sobre John Knox, discpulo de Calvino e que supera este em ortodoxia e integrismo. Para Pio V, Knox pode ser o nico obstculo para evitar que a Esccia volte a ficar sob o manto protector da Igreja Catlica de Roma. John Knox, de acordo com os relatrios da espionagem papal, era um antigo sacerdote catlico sem importncia que decidira mergulhar na Reforma. Para este integrista, Calvino e George Wishart foram os seus mestres, os seus guias espirituais, at a rainha regente da Esccia ter resolvido mandar queimar Wishart na fogueira. Esse acto provocou em Knox o integrismo que passou a praticar, mas tambm provocou um profundo e visceral dio em relao casa Stuart. John Knox converteu-se, na altura da morte do seu mestre, em lder da chamada Sublevao contra a Regncia. As tropas francesas, que desembarcaram na Esccia para ajudar Maria de Guisa, capturaram Knox e enviaram-no para as gals14. Depois da sua libertao, Knox refugiou-se em terras calvinistas, onde aprendeu a usar da palavra, com um dio implacvel a qualquer tipo de orgulho, e logo que regressa Esccia consegue arrastar os lordes e o povo para as guas profundas da Reforma. Jos, o irmo de David Rizzio, informa o papa dos movimentos de Knox e escreve num documento: Todos os domingos no plpito de Saint Gilles, e convertido num profeta escocs, espalha dios e maldies contra aqueles que no escutam a sua prdica. Celebra de forma infantil qualquer derrota sobre um catlico ou outro adversrio de diferente religio. Quando um inimigo assassinado, Knox fala da mo de Deus. Todos os domingos, ao terminar o seu 24 discurso, invoca Deus e pede-Lhe que acabe depressa com o reinado dos Stuarts usurpadores, bem como com a rainha que ocupa um trono que no deve.15 David Rizzio quem informa o papa Pio V sobre o encontro entre John Knox e a rainha Maria Stuart: O encontro aconteceu em Edimburgo entre a catlica rainha da Esccia e o fantico protestante John Knox. O pregador mostra-se rude e acusa a Igreja Catlica Romana de ser a puta que no pode ser a esposa de Deus. Estas palavras ofendem a rainha Maria.16 A Santa Aliana ordena aos irmos Rizzio que intensifiquem as suas medidas de segurana, j que parece terem feito muitos inimigos em to pouco tempo e a espionagem do papa no quer perder estes agentes to apreciados. Dois dos principais inimigos dos italianos e da Contra-Reforma na Esccia seriam os prprios conselheiros da rainha: Moray, um meio-irmo bastardo da soberana, e William Maitland, ambos de religio protestante. Depressa os espies da Santa Aliana descobrem, atravs de um traidor, que a prpria rainha Isabel I de Inglaterra ter subornado o conselheiro Moray e vrios lordes para

  • promover a rebelio na Esccia contra Maria Stuart. O papa somente pode avisar o rei espanhol Filipe II e este informa o seu embaixador na corte inglesa que, se tal sucedesse, talvez fosse obrigado a ter de ajudar a rainha catlica. O embaixador, apesar de a conhecer, no fez nenhuma referncia carta enviada pelo papa Pio V rainha Maria Stuart a 10 de Janeiro de 1566: Minha muito querida filha. Soubemos com grande alegria que vs e o vosso marido tereis dado uma brilhante prova de zelo ao restaurardes no vosso reino o verdadeiro culto de Deus.17 Mas a cada vez mais estreita relao entre Maria Stuart e o seu secretrio David Rizzio comea a tornar-se incmoda para muitos dos poderosos que rodeavam a rainha da Esccia. O seu casamento com Henrique Darnley estava cada vez pior. Darnley no s se sentia rejeitado pela sua esposa como companheiro, mas tambm como rei. O marido de Maria Stuart sentia-se decepcionado por no ter sido proclamado rei da Esccia de pleno direito, mas apenas a ttulo honorrio. Filipe II enviou uma carta ao seu embaixador Guzman da Silva, dizendo-lhe que devia fazer saber rainha da Esccia que teria de actuar com moderao [em relao a Rizzio] e evitar tudo o que pudesse irritar a rainha de Inglaterra. Este texto caiu nas mos de Isabel I graas a um infiltrado na casa do embaixador espanhol e muito fiel a Randolph, o 25 embaixador ingls. De facto, Filipe II no conhecia o temperamento de Maria Stuart, o que colocaria em srias dificuldades o espio do papa. Durante um encontro de cama entre o prprio Rizzio e Maria da Esccia, o italiano disse que tinha descoberto que os ingleses haviam pago aos rebeldes na Esccia18. O embaixador ingls, por seu lado, no sabia que fora Rizzio e o seu irmo que tinham descoberto, em princpios de Fevereiro de 1566, que atravs do embaixador Randolph fora financiada a evaso da Inglaterra pelos rebeldes escoceses, que procuraram sublevar-se contra a rainha no ano anterior. Com a informao redigida por Rizzio, no dia 20 de Fevereiro do mesmo ano, a rainha Maria Stuart convocou o embaixador ingls para se avistar com ela. Maria Stuart dispe, graas aos espies italianos, de uma grande informao sobre o apoio e o papel desempenhado pelo diplomata ingls nos distrbios escoceses ocorridos um ano antes. Expulsar um embaixador no uma tarefa fcil, e muito menos o era no sculo XVI se se queria evitar as respectivas consequncias, e Maria Stuart no teve estas em conta. No dia seguinte expulso, Maria envia a Isabel I uma carta em que a desculpa de tudo, apesar de saber que, se o embaixador Randolph era a mo executora, Isabel era o crebro da operao. Mesmo os quase trs mil escudos utilizados pelos homens de Walsingham para subornar os que ajudaram na fuga os rebeldes escoceses saram das arcas privadas da rainha inglesa, mas a soberana da Esccia ainda tinha presentes as palavras do monarca espanhol no que respeita a no fazer nada que pudesse incomodar Isabel19. Maria Stuart escreve a Isabel I, a 21 de Fevereiro de 1566: Senhora, minha boa irm: De acordo com a sinceridade que sempre usei convosco, julguei dever escrever estas palavras pelas quais sereis informada dos maus costumes do vosso ministro Randolph. Fui seguramente advertida [por Rizzio e a Santa Aliana] de que, no mais grave dos distrbios que os meus rebeldes provocaram, esse dito Randolph os ajudou com a soma de trs mil escudos para assim subornar as pessoas e fortalecer-se contra mim, o que deu ocasio a que eu, no querendo manter essa ameaa, chamasse Randolph minha presena e ao Conselho e o fizesse manter a informao [confirmar a acusao] pelo prprio a quem entregou o dinheiro. Como me atrevo a esperar que, tendo sido enviado por vs a prestar bons ofcios e tendo feito o contrrio, o considerareis indigno de escudar-se no vosso mandato, no quis sem dvida utilizar mais

  • acrimnia para quem vos envio com as minhas cartas que vos transmitiro mais amplamente a minha acusao. 26 A 1 de Maro de 1566, o embaixador Randolph abandonava a Esccia juntamente com o seu squito, mas antes de partir deixou praticamente preparado o golpe contra os espies do papa Pio V. Um dos maiores aliados para essa vingana ser Darnley, o prprio marido da rainha. Na viagem de regresso a Londres, o embaixador Randolph detm-se na cidade de Bestwick espera de ordens da sua soberana, e desta cidade envia uma carta rainha Isabel I onde declara: (...) graves acontecimentos se preparam na Esccia. O Lorde Darnley [marido de Maria Stuart] est furioso contra a rainha, porque ela lhe nega a coroa matrimonial e tem conhecimento de um comportamento [a sua relao com David Rizzio] da rainha que impossvel tolerar. (...) Por isso, Darnley decidiu libertar-se do causador deste escndalo [o agente da Santa Aliana], o que dever ser levado a cabo antes da sesso do Parlamento.20 Darnley no convidado para as sesses especiais do Conselho de Estado, -lhe negado o uso dos escudos reais da Esccia e fica apenas como simples prncipe consorte. Porm, o desprezo pelo marido de Maria Stuart j no parte apenas da prpria rainha, mas tambm se estende aos cortesos mais prximos. Assim, David Rizzio, como secretrio privado da rainha, j no lhe mostra os documentos oficiais e sela com o chamado Iron Stamp, a chancela real, sem o consultar. O embaixador ingls j no o trata pela dignidade de Majestade, as moedas com as efgies e a legenda Henricus et Maria foram retiradas de circulao e substitudas por outras que mostram a nova legenda Maria Regina Scotiae. A tudo isto se somam os rumores sobre a relao de Maria com o seu secretrio, o espio David Rizzio, convertido em maitre de plaisir, o mestre do prazer da rainha. Graas sua habilidade para consolar Maria Stuart, o agente da Santa Aliana exibe ademanes principescos e exerce com arrogncia o maior cargo do Estado, quando ainda h poucos meses comia com os criados e dormia na parte de cima dos estbulos. Os nobres, muitos deles protestantes, sabem que Rizzio somente uma pequena pea do papa Pio V para converter a Esccia numa nao catlica dentro do grande plano da Contra-Reforma realizado por Roma21. Segundo parece, Maria Stuart comprometeu-se com Pio V a converter a Esccia como o primeiro pas a abandonar a Reforma e regressar grande unio catlica. O pontfice deu ordens aos seus agentes para que protegessem Maria Stuart de qualquer perigo que impedisse to importante passo. Os nobres escoceses encaram David Rizzio como o responsvel na sombra dessa unio. O embaixador Randolph informa disso mesmo a sua soberana quando lhe diz, na carta enviada de Bestwick, que ou 27 Deus lhe prepara [a David Rizzio] um rpido final ou a eles [os nobres escoceses protestantes] uma vida insuportvel. Apesar do dio que sentem pelo espio italiano, os nobres no desejam confrontar-se com a rainha Maria. Conhecem a dureza com que ela reprimiu a ltima rebelio e muito menos desejam acompanhar Moray na sua sorte do desterro ingls. Os nobres sabem que se conseguirem o apoio de Henrique Darnley, o assassinato de Rizzio passar a ser um mero crime por cimes e, portanto, um acto de rebelio contra a rainha, um acto patritico em favor da verdadeira f (a protestante).

  • Os conspiradores utilizaro algo to simples como os cimes que Darnley sente pelo italiano para o aproximarem da sua causa. Mas o que no sabem que Rizzio, por ordem do papa, impediu Maria Stuart de conceder a Darnley o direito de regncia (matrimonial croivn). O papa Pio V pretende evitar a todo o custo que, se alguma coisa suceder rainha, o regente (Darnley) possa voltar atrs no desejo de converter a Esccia numa nao catlica. Mas nada disto desagrada tanto a Darnley como o facto de a sua esposa, Maria Stuart, no permitir que lhe toque, enquanto consente ao espio da Santa Aliana que passe com ela largas noites no seu prprio quarto. Maria Stuart j est grvida de quem anos mais tarde seria o rei Jaime VI da Esccia e I de Inglaterra. Os conspiradores, pela primeira vez na histria da Esccia, tm autorizao de um rei para se rebelarem contra a sua soberana. Os nobres conspiradores prometem retirar o poder das mos de Maria Stuart e d-lo a Darnley como novo rei da Esccia e este, por sua vez, promete conceder-lhes o indulto e recompens-los com novas propriedades logo que assuma a Coroa da Esccia. Os espies de Walsingham informam que a rainha [Maria Stuart] est arrependida do seu casamento com Henrique Darnley. Fala-se em entregar a Coroa da Esccia a ele [Darnley], queira ou no a rainha. Sei que, se se chegar assim a bom termo nos prximos dias, tero cortado a cabea a Rizzio com a anuncia do rei22. Darnley nem sequer deseja a morte do espio do papa por questes polticas, mas por simples cimes daquele que lhe roubou a confiana da esposa e a autoridade real. Moray prepara o seu regresso Esccia uma vez dado o golpe, e o fantico John Knox refere-a j no seu sermo, enaltecendo a morte, ou por outras palavras, a execuo de um miservel catlico23. Dia 9 de Maro de 1566, pela tarde, no castelo de Holyrood. David Rizzio recebera nessa manh um aviso de um dos seus espies, mas no 28 lhe deu importncia. Sabe que se passar todo o dia ao lado da rainha nada o poder incomodar. Ningum se atreveria a levantar a sua arma ou a mo contra ele na presena da rainha Maria Stuart: mas engana-se24. A tarde passa depressa. Maria Stuart est a ler no seu quarto, que fica no ltimo piso da torre. Henrique Darnley convida Rizzio para uma partida de cartas. De facto, o italiano no suspeita de nada. mesa do quarto real sentam-se vrios nobres, a meia-irm da rainha e na sua frente est Rizzio vestido com uma casaca adamascada. A conversa agradvel e uma msica invade o pequeno salo. Uma pequena porta ao fundo, atrs de uma cortina, abre-se para dar passagem a Darnley, que se senta ao lado da esposa. A porta ficou aberta de propsito sem o trinco. Segundos depois a cortina abre-se bruscamente e os conspiradores aparecem na sala armados de espada e punhal. O primeiro a entrar com a espada desembainhada e a ser reconhecido pela rainha o lorde Patrick Ruthven. A rainha levanta-se, derrubando a cadeira em que estava sentada, e recrimina Ruthven pela sua entrada diante dela com a espada desembainhada. O nobre escocs diz-lhe que no deve recear nada, a sua presena s diz respeito ao espio italiano. Rizzio levantou-se, mas nem sequer estava armado. Apenas a rainha o pode proteger. Darnley lana-se para trs como que para se afastar da peleja que se aproxima. Maria Stuart interpe-se frente de Ruthven, que procura Rizzio com o olhar, e ordena-lhe que deponha a sua arma. O escocs apenas responde: Perguntai ao vosso marido. A rainha lana ento um olhar para o marido, que est escondido atrs de uma cortina, e ele s consegue responder por entre soluos: No sei nada deste assunto.

  • Entretanto, mais alguns nobres conjurados juntam-se a Ruthven de espada na mo, aps subirem pela estreita escada de caracol que d para o salo da rainha. Rizzio procura escapar, mas agarrado pelo brao. Os sublevados gritam rainha que Rizzio um espio do papa e por isso deve morrer. Maria Stuart diz que se alguma coisa se deve exigir a David Rizzio dever ser atravs do Parlamento. Ruthven agarra o italiano pelos braos, enquanto outro dos conjurados lhe coloca uma corda volta do corpo. arrastado e agarra-se ao vestido da rainha, que fica descomposta pela presso dos seus dedos aterrorizados. Maria continua a lutar e um dos rebeldes aponta-lhe uma pistola. Um golpe dado por Ruthven faz com que o tiro passe sobre a cabea da rainha e penetre na parede. Darnley agarra a rainha, que se mostra toda desarranjada. O corpo de Rizzio levado de rastos pela pequena escada, com a cabea a bater em todos os degraus. Uma vez fora dos aposentos reais, os conjurados lanam-se sobre o espio da Santa Aliana. Uma primeira punhalada entra no lado esquerdo, 29 a segunda atravessa-lhe a mo direita, quando tenta proteger a cara, e crava-se no pescoo. Sempre a sangrar, levanta-se pesadamente quando uma nova punhalada lhe corta a jugular. Um grito abafado pelo sangue procura sair-lhe da boca. Ruthven desfere uma certeira estocada, que lhe entra no corao. Rizzio est morto 25. Maria Stuart, agarrada pelo marido, no pra de gritar contra os conjurados e tambm contra o traidor do seu marido. Darnley censura-a ao ouvido que o tenha trocado na sua cama por Rizzio, enquanto Ruthven entra na sala com a espada manchada com o sangue do italiano. Em voz baixa e funda, dirigindo-se ao nobre escocs e ao traidor do marido, Maria Stuart repete-lhes uma e outra vez que eles assinaram a sua sentena de morte. A vingana ser terrvel 26. Os gritos e o rudo do bater das espadas fizeram com que James Bothwell, no comando da Guarda de Corpo da rainha, procurasse entrar no quarto, mas este estava fechado. Depois de um pequeno desvio, Bothwell e Huntley, o imediato, saltaram pela janela com a espada na mo. Henrique Darnley tranquiliza-os e diz-lhes que apenas mataram um espio do papa Pio V, que desejava facilitar o desembarque de tropas espanholas na Esccia. De um s golpe, Maria Stuart foi afastada da Coroa da Esccia e interrompida a linha directa entre a rainha e o papa com o assassnio de Rizzio. A 19 de Junho de 1566, nasce Jaime, o herdeiro da Coroa da Esccia. Maria Stuart deu luz em Junho, o que quer dizer que devia ter sido gerado em Setembro de 1565. Nesse ms ocorreu a rebelio da Esccia e Maria Stuart tinha j expulso da sua cama Henrique Darnley, com quem contrara casamento em Julho desse ano. David Rizzio apareceu na corte escocesa em meados de Setembro, pelo que seria provvel que Jaime VI fosse realmente filho do espio da Santa Aliana. Maria Stuart, muito inteligentemente, desculpou Darnley, o que faz com que recupere a coroa e a liberdade, permite o regresso de Moray a Edimburgo, mas a Santa Aliana no est disposta a consentir a morte de um dos seus membros sem o poder vingar. O papa deu ordens expressas aos seus agentes para averiguar quem fora o conspirador que tinha dirigido o assassnio de Rizzio e Henrique Darnley aparecia em primeiro lugar na lista dos suspeitos 27. Existem vrias verses sobre quem realmente ordenou executar a vingana contra os assassinos de David Rizzio, mas fosse quem fosse no sabia que isso seria mais um passo para a queda de Maria Stuart como rainha da Esccia 28. 30 Isabel I de Inglaterra devia apresentar no Parlamento a lei de sucesso, na qual se decidiria sobre o nome da pessoa que sucederia rainha quando a soberana morresse.

  • Maria Stuart pensava que esse direito devia recair nela, mas para isso no podia cometer nenhum erro que pusesse em perigo essa deciso. Cada vez mais os cidados das duas naes viam Jaime como o prncipe da Esccia e da Inglaterra, o que de certo modo desagradava a Isabel; Maria pensou em como romper o crculo de inimigos que a rodeava e vingar assim a morte de Rizzio, o seu fiel servidor. Henrique Darnley, o esposo trado, sabe que no pode colocar em perigo o filho que Maria Stuart traz no ventre, porque no fim de contas essa criana ser o futuro rei da Esccia e, se tiver sorte, o futuro rei de Inglaterra. Para isso, acaba com o cerco da rainha e permite que ela seja assistida por um mdico e dois ajudantes. Maria Stuart utiliza uma das enfermeiras para comunicar com os dois homens de sua confiana, Bothwell e Huntley. O crculo de conspiradores torna-se cada vez mais fraco quando Maria Stuart consegue puxar o prprio Darnley para a sua causa. Quarenta e oito horas depois do assassnio, tudo est esquecido. O espio da Santa Aliana foi enterrado num lugar secreto e a rainha foi obrigada a assinar o perdo dos prprios conspiradores. Chegou a hora de comear a preparar a vingana. Os quatro primeiros objectivos sero Ruthven, o nobre que agarrou Rizzio pelos braos; Fawdonshide, o que apontou e disparou a sua pistola sobre a rainha; o terceiro ser John Knox, o radical pregador que chamou bastarda rainha da Esccia; e o quarto ser Moray. Nenhum dos quatro ignora que para eles nunca haver perdo real e ao mesmo tempo reconhecem que os nobres no ho-de mover um s dedo em seu auxlio, porque sabem que o filho que a rainha traz no seu ventre ser o futuro monarca de um reino formado pela Esccia e pela Inglaterra. O papa Pio V no se mostra disposto a permitir o assassnio de um dos seus agentes por quatro protestantes sem que se faa justia e nisso vale a suprema autoridade do pontfice. O antigo chefe da Inquisio ordena que seja ento chamado sua presena o sacerdote Lamberto Macchi. Este jovem verons, filho de uma nobre famlia, tinha tomado o hbito nos jesutas quando contava apenas catorze anos, nessa ordem religiosa fundada h vinte e seis anos por Ignacio de Loyola. De facto, fora criada em 1540 como uma fora de aco rpida, com uma falange de soldados dispostos a morrer pela f e pelo papa, honrando as quatro palavras em latim que formavam o seu lema: Ad Majorem Dei Gloriam ( Maior Glria de Deus)29. Ignacio de Loyola formou-a sob trs claras premissas: a primeira, estarem sempre dispostos a responder chamada do papa, em qualquer 31 momento e lugar. Os jesutas seriam desde ento os chamados homens do papa. A segunda, serem soldados do papa. Os seus membros deviam preparar-se para serem homens devotos, mas tambm soldados de Deus. Os jesutas eram enforcados nas praas de Londres, arrancavam-lhes as entranhas na Etipia, eram devorados vivos pelos iroqueses no Canad, envenenados na Alemanha, flagelados at morte na Terra Santa, crucificados no Sio, deixados a morrer fome na Amrica do Sul, decapitados no Japo ou afogados em Madagscar, mas o esprito de aventura em nome de Deus fez com que o jovem nobre Lamberto Macchi se ligasse s hostes jesutas. Para Ignacio de Loyola era muito importante atingir a polivalncia entre os seus membros sempre postos ao servio do pontfice. O papa e o seu prprio fundador tinham necessidade de contar com intelectuais, qumicos, bilogos, zologos, linguistas, exploradores, professores, diplomatas, confessores, filsofos, telogos, matemticos, artistas, escritores ou arquitectos, mas tambm precisavam de comandantes, agentes secretos, espies e correios especiais, e para este ltimo Macchi era um perito. Educado como filho de um comerciante rico, aprendera a arte da esgrima enquanto estudava

  • Filosofia e ainda o uso de explosivos enquanto estudava Teologia e a arte do crime enquanto estudava outras lnguas. O papa ordenou ao jesuta Lamberto Macchi que viajasse at corte da Esccia com o propsito de investigar e descobrir os assassinos de Rizzio. Acompanhado por mais trs jesutas, Macchi sabia qual seria o seu objectivo logo que tivesse a lista dos assassinos do espio da Santa Aliana. Para ele, acabar com a vida de quatro protestantes era mais uma questo religiosa do que pessoal, porque no fim de contas a ordem vinha do papa. Na sua bagagem levava um Informi Rosso que lhe dava carta branca para qualquer das suas aces em nome da f. O nome desse documento procedia da poca em que o papa era o geral da Inquisio em Roma. O contacto de Macchi na corte da Esccia no era outro seno o prprio conde Bothwell, o chefe da guarda da rainha Maria Stuart e que ento cumpria as funes de assessor entre os conselheiros e uma espcie de regente do reino, qualquer coisa que muito desagradava aos britnicos em geral e rainha Isabel I de Inglaterra em particular30. Alguns nobres do reino queixam-se de que Bothwell se revelara muito mais arrogante do que o italiano David Rizzio, mas a diferena que Bothwell conhece quem so os seus inimigos e um deles mesmo o marido da rainha, Henrique Darnley. Moray agora seu aliado, o que o confronta abertamente com Darnely, que comeou a enviar cartas acusadoras rainha 32 nas quais declara que a sua esposa, Maria Stuart, uma rainha bem pouco segura no que diz respeito f e que entrega a Esccia a Filipe II corno um verdadeiro protector do catolicismo. Em fins de Setembro, Darnley tomou a grave deciso de abandonar a Esccia quando lhe foi negada a condio de rei. Com esta atitude, Maria Stuart assume um srio compromisso. Henrique Darnley no pode deixar a Esccia aps o baptizado do herdeiro no castelo de Stirling sobretudo devido aos constantes rumores sobre a verdadeira paternidade do prncipe Jaime. Mas o marido da rainha ainda no decidiu qual ser o manto de proteco em que se refugiar, se no de Isabel I de Inglaterra se no de Catarina de Mdicis em Frana. Em forma de contragolpe, Maria Stuart enviou uma carta diplomtica a Catarina em que acusa o seu marido de uma possvel traio. Enquanto tudo isto acontece, o agente da Santa Aliana, Lamberto Macchi e os trs acompanhantes refugiaram-se numa casa em Edimburgo sob a proteco dos homens de Bothwell espera de actuar. Pouco antes de acabar o ano de 1566, Maria Stuart, sempre aconselhada por Moray e Bothwell, assina o perdo para os conjurados que assassinaram Rizzio, mas Macchi no se mostra disposto a aceitar isso. O jesuta pede uma ordem expressa do papa para a cumprir sem discusso ou hesitao. Para Lamberto Macchi uma ordem pontifcia um dogma de f. Moray tambm est na sua mira como um dos instigadores e Darnley sabe que, apesar da publicidade dada na corte ao perdo real, ele ser a primeira presa dos vingadores e por isso decide fugir e refugiar-se no castelo de seu pai em Glasgow31. Bothwell apenas ter de colocar ao alcance dos enviados do papa os conjurados e sero eles a execut-los, mas tambm sabe que s ele ser o responsvel pelos crimes diante de Deus, da prpria rainha e do povo da Esccia, mas um risco e uma tarefa que est disposto a assumir. A 22 de Janeiro de 1567, Henrique Darnley sente-se gravemente doente de sfilis, mas mantm-se escondido em Glasgow sob a proteco de seu pai, o conde de Lennox. Ainda convalescente, Maria Stuart vai buscar o marido para o fazer regressar a Edimburgo, dando-lhe escolta pessoal. Apesar disso, Darnley sabe que em qualquer momento pode ser atacado pelos seguidores de Bothwell, os enviados do papa ou pelos

  • seus antigos companheiros de conjura que esto na Esccia depois de terem recebido o perdo real e a quem ele abandonou32. Na verdade, Darnley desconhece que o regresso a Edimburgo tambm o seu caminho ao encontro da morte, uma vez que no sair vivo da capital escocesa. Os vingadores da Santa Aliana devem acabar com o marido de Maria Stuart se desejam assim eliminar de um s golpe todos aqueles que participaram 33 na conjura contra David Rizzio. O cenrio escolhido para o golpe mesmo a prpria casa de Darnley, uma residncia de construo tpica da poca isabelina, na periferia do bairro de Kirk OField, qual se chega atravs de um estreito e obscuro caminho conhecido como o lugar dos bandidos33. O seu interior est decorado com uma admirvel galeria, chamins ornamentadas, tecidos exticos, belos objectos de prata com o escudo real da Esccia, tapetes persas e uma confortvel cama que Maria de Guisa trouxe consigo de Frana34. Lamberto Macchi e os seus parceiros no podero aproximar-se muito de Darnley, porque o golpe dever fazer-se com explosivos. A data escolhida para o primeiro acto de vingana ser a noite de domingo 9 para segunda-feira 10 de Janeiro de 1567. Nessa noite a rainha Maria Stuart oferece um grande baile e um banquete em honra de dois dos seus mais fiis servidores, que se casaram. claro que lorde Darnley e o seu squito de confiana esto convidados e isso dar muito tempo para preparar o golpe depois de a residncia de Kirk OField ficar sem vigilncia35. O conselheiro Moray desapareceu de Edimburgo misteriosamente e Bothwell no aparece em parte nenhuma, o que observado no s pelos nobres que aparecem na festa, mas tambm por Darnley ainda debilitado pela doena. Passadas as onze horas da noite, Henrique Darnley retira-se cansado, mas a rainha no permite que passe a noite na residncia real de Holyrood e por isso deve regressar fria manso de Kirk OField. Os executores da Santa Aliana, ajudados por Bothwell, colocaram uma grande carga de plvora nos pilares que sustentam a estrutura da casa. Por volta das duas da manh, a terre treme na Esccia, de tal forma que a onda foi sentida por detrs das grossas paredes da residncia da rainha Maria Stuart. De repente, a porta do quarto abre-se com toda a violncia e aparece um criado que, extenuado, a informa de que a casa do rei em Kirk OField foi pelos ares36. Escoltada por guarda armada, Maria Stuart encabea uma viagem que se dirige a toda a velocidade para o lugar onde at h poucas horas se erguia uma grande casa senhorial rodeada por verdes prados e onde agora se v uma grande cratera de terra queimada e tudo negro em seu redor. Os corpos dos criados de Henrique Darnley surgem espalhados a centenas de metros do local da exploso. O cadver do rei encontrado no interior de um riacho que corre a poucos metros junto ao de um criado entre os restos retorcidos da cama e vrios pedaos de carne incrustados. 34 Os ferimentos provocados no corpo do rei consorte da Esccia pela exploso no permitem ver as marcas deixadas pela fina corda com que foi estrangulado37. O sistema de n utilizado para matar Darnley e o seu criado era o mesmo que usavam os membros da seita dos ashishin nas montanhas de Alborz, a noroeste de Teero e a nordeste de Qazvin. O explorador Marco Polo tinha visitado o castelo de Alamut, onde operavam os ashishin38, no ano de 1273. Os segredos, os sistemas e formas de assassinar, includas as mais de trinta e duas formas de estrangulamento, ficaram registados num dos seus dirios de viagem39. Uma parte do texto seria recuperado pelo jesuta Matteo Ricci durante uma das suas viagens a esta parte do Mundo, seguindo os passos do veneziano40.

  • Os quatro homens da Santa Aliana, entre os quais se encontrava Jos Rizzio, irmo de David, afastaram-se de Edimburgo a cavalo aps terem ateado as mechas. A deflagrao no os obrigou sequer a que se voltassem para trs. Lamberto Macchi sabia perfeitamente qual seria o seu resultado. A primeira parte da vingana estava cumprida e isso fez saber ao Sumo Pontfice em Roma. A15 de Maio de 1567, e ainda de luto, Maria Stuart casa-se com Bothwell, a quem todos apontam como responsvel intelectual pela morte de Henrique Darnley. A 6 de Junho, um grupo de lordes subleva-se contra a possibilidade de Bothwell ser coroado rei da Esccia e passados nove dias, depois de uma confusa batalha na colina de Carberry, Bothwell empreende a fuga e Maria Stuart feita prisioneira41. Aps uma srie de acontecimentos, as relaes entre Isabel I e Filipe II passaram de mal a pior e no contribuiu para as melhorar o relatrio do papa Pio V, recebido na corte de Madrid, no qual informa o poderoso monarca da implicao da Coroa inglesa nos factos ocorridos na Esccia e que acabaram por destronar a catlica Maria Stuart42. O que era claro que o ano de 1568 seria o annus horribilis do reinado de Filipe II e as operaes da Santa Aliana no poderiam fazer nada para o melhorar. Para o maior protector da cristandade aquele caso era realmente uma complicao inglesa. , ,, , 35 Era evidente que a protestante Isabel de Inglaterra no levantaria a mo contra a catlica Maria Stuart, por estarem em Bruxelas os exrcitos espanhis liderados pelo duque de Alba. Filipe II mostrava assim o seu poderio em relao ao resto das naes. A busca dos outros conjurados continuava no esprito de Lamberto Macchi e dos seus parceiros. No seu bolso permanecia envolto em papel vermelho o documento papal que os protegia e onde estava definida a sua misso. O pergaminho devia ser destrudo logo aps ter sido cumprida a vingana ou devolvido ao papa se ela no fosse executada. Os objectivos do religioso da Santa Aliana seriam a execuo de lorde Patrick Ruthven, lorde Fawdonshide, que apontou a pistola rainha, lorde Moray, o esquivo e hbil meio-irmo da rainha Maria Stuart, e ainda de John Knox, o pregador radical. O prximo a cair seria Fawdonshide e desta vez Lamberto Macchi e os seus trs companheiros no tiveram que procurar muito. Fawdonshide, o que teve a coragem de apontar a arma contra a rainha, est escondido numa pequena casa dos arredores de Lochleven onde espera a sua morte confortavelmente. Sem resistncia, foi levado at uma rvore prxima e ali pendurado pelo pescoo43. O nobre escocs estrebuchou suspenso pela corda enquanto os quatro cavaleiros da Santa Aliana se afastaram em busca de outra vtima. O nome de Fawdonshide sublinhado a sangue vermelho no Informi Rosso. Moray cairia a 11 de Janeiro de 1570, vtima de uma estocada que lhe atravessou o pescoo. Macchi molhou no sangue o seu dedo e sublinhou o nome dele no pergaminho. A vingana pelo assassnio de David Rizzio no se tinha de todo cumprido, estavam ainda vivos John Knox e Patrick Ruthven, pelo que o Informi Rosso que fora entregue em Roma coroado com o escudo pontifcio, e que Lamberto Macchi trazia no bolso, no podia ser ainda destrudo. Quase um ms depois, a 25 de Fevereiro, Pio V tornava pblica a bula Regnans in Excelsis, na qual declarava a excomunho da herege Isabel I de Inglaterra44. Esta sentena pontifcia na Europa do sculo XVI era de facto uma medida de extrema gravidade que afectava mais o povo de Inglaterra do que a soberana. Os catlicos ingleses encontravam-se entre a lealdade prpria rainha e a quem deviam a f que era, pois, o pontfice de Roma. Os protestantes ingleses dispunham do argumento para acusar o papa como o anti-Cristo de Roma45. O que mais preocupava Isabel no era o

  • valor do documento em si, mas que por detrs da assinatura papal estivesse a mo de Filipe II de Espanha e de Carlos IX de Frana. 36 O monarca espanhol enviou uma carta ao seu embaixador junto da corte de Londres, Guerau de Spes, na qual se mostra surpreendido: (...) Sua Santidade promulgou uma bula sem me consultar em absoluto nem disso me informar. Eu teria podido, certamente, dar melhores conselhos. Temo que tudo isto, longe de melhorar a situao dos catlicos ingleses, leve a rainha e os seus conselheiros a acentuar a perseguio. Para o rei de Espanha esta bula do papa Pio V supunha uma grave intromisso nos assuntos polticos europeus. O prprio Filipe II sabia que os anos em que o papa (Gregrio VII) podia obrigar um imperador a humilhar-se diante dele, ou os anos em que um outro papa (Urbano IV) podia oferecer o reino da Siclia a um prncipe, tinham j passado. Sem dvida que, para o monarca espanhol, Pio V se enganava no sculo46. As consequncias da bula papal seriam o martrio de milhares de catlicos ingleses e o fim de qualquer possibilidade de aproximao entre Londres e Roma. A curto e a mdio prazo a principal vtima daquela bula no seria a rainha Isabel I de Inglaterra, mas o prprio catolicismo. As cabeas coroadas da Europa sabiam disso, mas o papa Pio V, o monge inquisidor e criador da espionagem pontifcia, no estava disposto a recuar, mesmo que tivesse de recorrer aos assassinos da Santa Aliana, sempre em defesa da f. Avizinham-se, pois, anos obscuros. 37 2 Os anos obscuros (1570-1587) A vossa conduta entre os pagos deve ser irrepreensvel para que, quando vos caluniem como malfeitores, com as vossas boas obras caleis a boca ignorncia dos insensatos. Primeira Carta de So Pedro, 2, 15. Para a Frana e para a Espanha, as grandes potncias catlicas da poca e as duas cabeas coroadas, apenas ficavam por exercer duas polticas claras para a Inglaterra a partir da excomunho de Isabel I. A primeira consistia em ajudar fosse como fosse os catlicos ingleses a pr termo soberana herege e, dentro dessa possibilidade, colocar no trono a catlica Maria Stuart. A segunda opo era desviar os olhos e continuar a manter boas relaes diplomticas com a corte de Londres. A Frana encontrava-se beira da guerra civil, com fortes presses sobre a Coroa por parte do partido dos huguenotes1. rainha escocesa j no lhe restava outro remdio seno voltar-se para a Espanha como nico aliado e com uma possvel sada da situao em que se encontrava. Entretanto, Maria Stuart mostrava-se uma das mais fervorosas catlicas nas suas mensagens ao papa Pio V e a Filipe II e uma moderada protestante nas mensagens a Isabel I e ainda como uma amiga em apuros junto de Carlos IX. O papa Pio V necessitava de algum que dirigisse a conspirao contra a herege Isabel e para isso escolheu Roberto Ridolfi. Desde h anos que este banqueiro de Florena e agente da Santa Aliana andava em intrigas junto das rainhas da Esccia e da Inglaterra. Rechonchudo, bom conversador, culto e com boas relaes nos dois lados da Mancha, Ridolfi era um amigo bastante ntimo de Guerau de Spes, com quem partilhava a necessidade de apoiar poltica e economicamente um possvel partido catlico em Inglaterra2. Tanto o agente da Santa Aliana como o diploma 39 espanhol eram muito dedicados correspondncia secreta e cifrada, aos encontros em lugares seguros e isolados e outras coisas do gnero3.

  • O plano esboado por Roberto Ridolfi e aprovado pelo papa Pio V consistia em organizar uma rebelio contra Isabel no interior da Inglaterra e apoiada por um grande desembarque de tropas espanholas em vrios pontos da costa inglesa, que se deviam concentrar em Londres e libertar Maria Stuart, com a ajuda de agentes da Santa Aliana e de homens que lhe eram fiis, com o intuito de a pr no lugar da herege Tudor no trono de Inglaterra. Filipe II sabe que era esse o momento de o tentar, embora no fosse a melhor altura para fazer o golpe. A Espanha ainda no sufocou a rebelio dos mouros em Granada e encontra-se em plena negociao para criar a Santa Liga a fim de lutar contra os turcos no Mediterrneo, onde eles se tornaram fortes na ilha de Chipre. Talvez o monarca espanhol aceitasse o facto de que da prpria corte de Londres chegavam rumores de conspirao dos nobres contra a rainha Isabel4. Os duques de Norfolk, Westmoreland, Arundel e Northumberland eram os mais interessados, por diversas razes, em acabar com o reinado de Isabel. Norfolk, o mais decidido dos quatro para levar a cabo qualquer aco que acabasse com a soberana inglesa, acabava de ser libertado da Torre de Londres. Apesar de estar fortemente vigiado, o espio florentino da Santa Aliana e o embaixador espanhol viam nele o mais apto para dirigir a grande conspirao. Norfolk revelara um interesse inusitado por Maria Stuart. Ele julgava possvel, e isso mesmo fizera saber a Ridolfi, que a rainha da Esccia pudesse assumir a Coroa da Inglaterra, e se as potncias catlicas, incluindo o papa Pio V, apoiassem o seu casamento com ela, obrig-la-ia a restaurar a religio catlica em todo o pas dentro do plano da Contra-Reforma5. Antes de se lanar nessa aventura, a 21 de Janeiro de 1570, Filipe II aconselhou-se com o duque de Alba, mas o brilhante general espanhol olhava a aventura inglesa do outro lado da Mancha como algo de despropositado; mesmo assim ainda respondeu a Filipe II. E para ir ao encontro do que Vossa Majestade me ordena na sua carta, digo que h trs formas de invadir o reino de Inglaterra: a primeira, ligando-se Vossa Majestade ao rei de Frana. A segunda, fazendo Vossa Majestade essa aventura sozinho. A terceira, por haver na Esccia ou na Inglaterra algumas pessoas que a podem fomentar em segredo, devem ser elas a abrir o caminho.6 40 Ridolfi criou uma verdadeira rede de espies desde Edimburgo a Londres e de Glasgow aos Pases Baixos. O primeiro contacto do espio o duque de Norfolk deu-se em fins de Novembro ou comeos de Dezembro de 1570. O florentino deseja um compromisso firme para que tudo esteja resolvido e se possa casar com Maria Stuart e, sendo esta rainha de Inglaterra, Norfolk assumir e ordenar que a religio catlica seja aceite por todos os cidados do reino7. Mas, antes de dar a sua bno a toda a operao, o papa Pio V deseja obter de Norfolk um compromisso por escrito. Este compromisso escrito fazia de Norfolk uma presa do papa de Roma e dos agentes da Santa Aliana. Se ele assinasse, ficava sujeito de corpo e alma ao destino da conspirao contra Isabel e sabia que desta vez jogava a sua prpria cabea. O primeiro passo de Norfolk devia ser como intermedirio para o envio de grandes somas de dinheiro destinadas aos partidrios de Maria Stuart, os quais continuavam entrincheirados nos castelos de Dumbarton. Ridolfi manejava as peas como numa partida de xadrez. Enviava cartas ao duque de Alba, ao rei Filipe II, ao bispo de Ross e ao papa Pio V. Acompanhado por vrios agentes da Santa Aliana, entre os quais se contava Lamberto Macchi, o executor de Darnley, Fawdonshide e Moray, realiza um priplo secreto pelos Pases Baixos, por Itlia e por Espanha. A operao consistia no desembarque de seis a dez mil homens provenientes dos Pases Baixos, uma parte do grosso das tropas do duque de Alba. O embaixador Spes achava a

  • operao como uma obra-prima de engenharia, mas o nobre, muito mais perito em matria militar, encarava as coisas de um modo diferente. Para ele, Roberto Ridolfi era um italiano que gostava de falar muito. Apesar das cartas de advertncia do poderoso militar ao seu rei, Filipe II decidiu levar muito a srio as informaes do agente da Santa Aliana8. O prprio monarca apresentou ao Conselho, e como ponto a discutir, o assassnio de Isabel I de Inglaterra, e com esta deciso Filipe II dava em pleno sculo XVI o que no sculo XXI se designaria como uma ordem de execuo. O problema era que naquela poca o fazer com que todas as peas da engrenagem funcionassem na perfeio revelava-se muito complicado devido s distncias que existiam entre os conjurados e a lentido das comunicaes. Por fim, os servios secretos de Isabel I comearam a detectar os primeiros sinais da chamada conspirao Ridolfi. A primeira chamada de ateno foi recebida pela prpria rainha inglesa no ms de Maio, quando o gro-duque da Toscnia, que era protestante, 41 informou Londres de umapossvel conspirao contra ela por parte de Roberto Ridolfi, um conhecido agente florentino da Santa Aliana9. Depois, alguns agentes ingleses descobriram uma pequena arca que tinha dentro umas seiscentas libras, mandadas pelo duque de Norfolk a Maria Stuart10. Um agente da Santa Aliana foi preso a 11 de Abril em Dover com cartas cifradas, enquanto na Esccia, e aps a queda de Dumbarton, eram apreendidos documentos comprometedores para os conjurados. Outras cartas e relatrios foram apanhados a um mensageiro do duque de Alba pela rainha de Navarra, Joana de Albret, que vivia em Frana sob a proteco da Coroa, e esses documentos seriam enviados a Isabel I. Em Agosto de 1571, a espionagem inglesa conhecia todos os nomes dos participantes e cada uma das suas funes na conspirao. A rede estava prestes a fechar-se. Curiosamente, a rainha inglesa tinha dado um passo, em Abril do mesmo ano - ou, pelo menos, tinha tentado -, para a liberdade religiosa. Convocara o Parlamento com a revolucionria ideia de colocar em debate a questo da liberdade religiosa, mas com toda a lealdade rainha. Esse documento apresentado dizia: Sua Majestade deseja que se saiba que todos os seus sbditos, desde que se sujeitem s leis e no cometam nenhuma infraco declarada, no sero molestados nem submetidos a qualquer humilhao. Sua Majestade no pretende violentar as conscincias nem renunciar sua clemncia ;. natural.11 Mas para a deciso final a rainha precisava do Parlamento, que era claramente anticatlico. O documento emitido pela Cmara deixava muito claro para a soberana qual seria a sua posio: A ideia de que os homens podem ter direito a professar outras opinies em matria de religio perigosa para o Estado. Um Deus, um Rei, uma F so necessrios para manter uma monarquia. A desunio enfraquece, mas a unio fortalece. Isabel manifestou, ento, o seu descontentamento com o texto, mas isto deixava a questo em suspenso e a rainha ficava de mos atadas. A descoberta da conspirao Ridolfi e as manobras da Santa Aliana para acabar com o reinado de Isabel I fez com que Maria Stuart ficasse em grande 42 perigo. A denncia da rede dos conspiradores seria finalmente feita pelo pirata John Hawkins . O corsrio fez crer a Roberto Ridolfi que estaria disposto a lutar a favor de Filipe II e de Maria Stuart como andante de uma frota catlica inglesa. Para Ridolfi isso suporia um golpe que poderia ser utilizado como propaganda para fazer crer que se v a desenvolver no interior de Inglaterra uma rebelio civil contra a rainha Isabel. O que no

  • se sabia era que realmente Hawkins servia a espionagem inglesa sob as ordens de Cecil, o favorito da rainha. Isabel I de Inglaterra pde ler o relatrio de John Hawckins: Fui encarregado de juntar a minha frota do duque de Alba e a outra que o duque de Medina prepara em Espanha. Todos juntos devemos invadir a Inglaterra e restabelecer a rainha da Esccia. Com a ajuda de Deus, esses traidores ho-de cair nas suas prprias malhas. Assinado, John Hawckins, fiel servidor de Sua Majestade a Rainha Isabel, a quem Deus guarde por muitos anos, 4 de Setembro de 1571.13 A 7 de Setembro, foi detido o duque de Norfolk, a 9 o bispo de Ross e no dia seguinte Maria Stuart era encarcerada numa lgubre sala do castelo de Sheffield. Preso na Torre de Londres, Norfolk continuava a negar qualquer implicao na conspirao Ridolfi e chegava mesmo a rejeitar a autoria das cartas escritas pelo seu punho e enviadas ao espio papal. A rainha tinha pessoalmente ordenado que Norfolk no fosse torturado e que os interrogatrios se centrassem no bispo de Ross14. ENTREGA ESPECIAL uma e outra tortura, o bispo gritava que no tinham o direito de tocar num embaixador de um pas estrangeiro (Esccia), mas para os ingleses o bispo era somente um padre conspirador que representava os interesses da rainha destronada (Maria Stuart) e, portanto, no podia contar com a imunidade diplomtica. Com as unhas arrancadas, o corpo em ferida pelas torturas sofridas e os ps em carne viva depois de serem queimados, o bispo de Ross confessa que a rainha da Esccia envenenou o seu primeiro marido (o rei Francisco II de Frana), permitiu o assassnio do segundo marido (lorde Henrique Darnley), casou-se depois com o instigador (lorde Bothwell) e tentou casar-se com um traidor (o duque de Norfolk). Depois de serem dados a conhecer a Maria Stuart os resultados da declarao motu prprio do bispo de Ross, ela afirma que o bispo no mais do que um sacerdote assustado e torturado. Eu tenho a importncia 43 de uma rainha e confio que os meus amigos de Espanha e de Frana me ho-de vir libertar. O rei Filipe II, que no estava muito convencido do resultado do plano de Ridolfi, e muito menos o duque de Alba, decidiu deix-la sua sorte, tal como todos os conjurados. A nica medida contra a Espanha foi a expulso dada, em Dezembro de 1571, ao embaixador em Londres, Guerau de Spes. Por seu lado, Norfolk, Arundel, Southampton, Cobham e Lumley estavam detidos na Torre de Londres espera de julgamento. A 16 de Janeiro de 1572, a Cmara dos Lordes condenou Norfolk ao cadafalso. Uma vez pronunciada a sentena, a rainha Isabel devia ratific-la. O pai, o terceiro duque de Norfolk, fora decapitado pelo pai de Isabel I, o rei Henrique VIII, e agora ela devia assinar a sentena de morte do filho, o quarto duque de Norfolk15. Passaram os meses sem que a rainha decidisse ratificar a ordem de execuo. A 8 de Maio de 1572, o Parlamento voltou a reunir-se com um nico tema na ordem do dia: a execuo do duque de Norfolk. Isabel recebeu a mensagem e, por fim, a 1de Junho, ordenou que levassem o documento de execuo. Com a pena, a rainha assinou Elizabeth R e depois o lorde Protector dos Selos derramou ao lado da assinatura uns pingos de lacre sobre o qual estampou o selo real16. A 2 de Junho, pela manh, Norfolk foi escoltado at ao ptio principal da Torre. Ainda de p, afirmou a sua lealdade rainha Isabel I, bem como a sua fidelidade religio protestante, a verdadeira no reino. A seguir, deu uma moeda de prata ao carrasco, que colocou na sua mo ensanguentada. Ajoelhou-se, atirou os braos para trs e com um nico golpe de machado a cabea ficou separada do corpo. Roberto Ridolfi, por seu lado, conseguiu fugir de Inglaterra num barco que estava ancorado num porto de abrigo para o levar at Frana, no caso de a conspirao falhar 17.

  • Tinham passado apenas duas semanas desde que o cardeal Hugo Boncompagni, com o importante apoio do rei Filipe II, fora eleito papa no conclave celebrado depois da morte do intrigante Pio V, a 1 de Maio de 1572 18. Boncompagni era filho de uma famlia bem instalada em Bolonha, onde estudara Direito. Depois de uma fase como professor universitrio, 44 foi chamado a Roma pelo cardeal Parisio, sob cuja proteco comeou a carreira na Cria Eclesistica de Roma. Apesar da formao jurdica e do seu carcter reservado, no se mostrou indiferente ao estilo de vida que se vivia na Roma do Renascimento. Seria o papa Pio IV (25-XII-1559/9-XII-1565) quem enviaria Boncompagni como legado papal para a corte de Madrid e foi a que ele pde estabelecer boas relaes com o monarca espanhol at que, pela morte de Pio IV e a subida de Pio V ao trono de So Pedro, o cardeal chamado a Roma para tomar conta da Secretaria de Breves. Quando morreu Pio V, e devido ao apoio incondicional de Filipe II, Hugo Boncompagni foi eleito papa num conclave que durou menos de vinte e quatro horas. A eleio realizou-se a 13 de Maio de 1572 e ele adoptou o nome de Gregrio XIII, em honra de So Gregrio Magno, em cuja festividade havia sido nomeado cardeal19. O novo pontfice reformou os trinitrios de Espanha e de Portugal, confirmou a reforma das carmelitas descalas iniciada por Santa Teresa de vila e aprovou a fundao da Congregao do Oratrio de So Filipe Neri, mas seria tambm ele que organizaria, com a ajuda dos jesutas, a primeira fora de choque da Santa Aliana, a espionagem papal criada pelo anterior papa. Tal fora consistia num pequeno grupo escolhido da Companhia e fiis autoridade papal, os quais teriam como tarefa e nico objectivo assassinar a rainha da Inglaterra, que era a cabea da Igreja protestante. Os planos para destronar Isabel I com o auxlio de Filipe II e dos catlicos irlandeses foram abandonados depois de terem fracassado duas tentativas de invaso e de conjura interna, mas a Santa Aliana no recuaria no seu empenhamento em acabar com a rainha herege. Os resultados da conspirao Ridolfi, a excomunho pontifcia e a rebelio do norte tinham quebrado no interior da Inglaterra a unidade dos cidados para com a sua rainha. Isabel I sabia que s a unio com a Frana acabaria com os propsitos de Filipe II de uma interveno militar em Inglaterra. O rei Carlos IX dera cada vez mais liberdades religiosas e de culto aos protestantes e a paz civil com os huguenotes estava mais assente no dito de Saint-Germain-en-Laye de 1570, o que desagradava a Madrid. Carlos IX sabia que a sua unio com Isabel I de Inglaterra poderia enfrentar qualquer propsito de intervencionismo do lado espanhol e, portanto, qualquer golpe de surpresa do papa Gregrio XIII. Mas os huguenotes tambm pensavam numa possvel aliana anglo-francesa para assim lutarem contra o duque de Alba nos Pases Baixos. Dominado ainda mais pelos conselhos do seu fiel Coligny, o rei Carlos IX estendeu a sua mo conciliadora a Isabel I, assinando o tratado de 45 Blois a 29 de Abril de 1572. A rainha inglesa tinha conseguido que nesse documento no constasse o nome, a libertao ou a restituio como rainha da Esccia de Maria Stuart. Esta situao tinha ensombrado durante anos as relaes entre Londres e Paris20. As aventuras e traies polticas, bem como a mo do papa e dos seus agentes da Santa Aliana, alterariam o cenrio e aparecem novos espies para novas situaes. Enquanto era negociado o tratado anglo-francs, a rainha Isabel no deixou de vigiar a Espanha, sobretudo depois da expulso do embaixador Guerau de Spes pela sua participao na conspirao Ridolfi. Todos os assuntos da Coroa espanhola em Londres

  • ficaram nas mos de Antnio de Guars, um secretrio sem poderes diplomticos. Em finais de 1572, ele foi capturado pela espionagem pontifcia para informar de qualquer movimento de Isabel I at a Santa Aliana poder infiltrar outros agentes no crculo da rainha. Desde a conspirao Ridolfi, os servios secretos ingleses capturaram e executaram uns dez agentes do papa, mas o jesuta Lamberto Macchi continuava activo e estava em Londres. O primeiro movimento partiu das mos de Isabel para Filipe II, quando ela mandou expulsar de todos os portos ingleses os corsrios holandeses conhecidos como Gueux do mar (mendigos ou esmoleres) que ali se instalaram a partir de 1566. A sua origem era a de marinheiros mercantes holandeses flamengos que se tinham feito ao mar para fugir s tropas do duque de Alba e conseguirem valiosos tesouros de guerra ao abordarem os barcos espanhis. As suas tripulaes eram compostas por corsrios ingleses, escoceses, irlandeses fiis a Isabel I e at mesmo por huguenotes franceses. Todos eles contavam com as patentes de corso conferidas por Guilherme de Orange como prncipe soberano de Orange, na Provena21. As patentes de corso eram documentos pelos quais uma potncia beligerante concedia aos marinheiros privados o direito de atacar e abordar qualquer barco de uma potncia inimiga. Ao expulsar estes malditos holandeses, Isabel I atingia dois claros objectivos: agradar aos espanhis e acabar de uma vez por todas com o contrabando feito por esses marinheiros. Mas a expulso provocou uma reaco diferente da que era desejada. A Santa Aliana informou que Guilherme de La Marck, comandante dos Gueux, precisava ansiosamente de ter um porto onde se abastecesse e era evidente que o no podia fazer em Inglaterra ou em Frana, tendo assim de procurar um lugar seguro nos Pases Baixos atacando os espanhis. Roma deu ento instrues aos seus agentes para que alertassem os agentes do duque de Alba que estavam infiltrados em certas cidades costeiras inglesas de qualquer movimento de barcos de guerra. 46 Na verdade, a 1 de Abril de 1572, ocuparam o porto e a cidade de Brielle, na ilha holandesa de Voorne, na embocadura do rio Mosa. A Santa Aliana voltou a informar que os corsrios de La Marck no iam ficar ali: poucos dias mais tarde, os barcos voltaram a soltar as amarras e ocuparam a cidade fortificada de Flessinga, na ilha de Wacheren, de onde controlavam a embocadura do rio Escaut, onde hastearam a bandeira de Guilherme de Orange22. Os agentes da Santa Aliana informaram o duque de Alba de que uma onda de jbilo invadiu toda a Inglaterra protestante, onde j se comeava a falar da queda espanhola nos Pases Baixos. Esse jbilo provocou o alistamento voluntrio de milhares de soldados ingleses e huguenotes franceses para se aliarem aos corsrios de Guilherme de La Marck em Flessinga. Essa vaga continuou o seu curso e fez levantar a populao da Flandres, Holanda, Zelanda, Geldres e Frsia contra as autoridades espanholas. O brilhante espio Lamberto Macchi informara desde Londres que estavam a chegar constantes reclamaes junto da rainha Isabel da parte de Guilherme de Orange e de Lus de Nassau para que a Inglaterra encabeasse o movimento de independncia dos Pases Baixos sob o estandarte do protestantismo. Macchi escreve ao papa: Isabel tem apenas duas opes: permanecer neutral ou intervir numa guerra aberta contra a Espanha no continente. Ela sabe que um risco muito alto. Se o duque de Alba puder recuperar o controle das cidades rebeldes, os exrcitos no se detero a e continuaro no seu avano at Londres com o beneplcito do rei Filipe. Isabel no se pode colocar em to grande perigo e nem sequer lhe interessa acabar com o poder espanhol no outro lado do Canal e permitir que Guilherme de Orange fique como um poderoso vizinho.

  • O espio da Santa Aliana sabia muito bem que, embora Leicester e Walsingham, ento embaixador em Paris, fossem favorveis a essa interveno, pesava mais na corte a opinio de Burghley a favor de uma posio de esperar para ver 23. O favorito Coligny aconselhava Carlos IX de Frana a liderar os protestantes e catlicos na guerra contra a Espanha como forma de unir o reino e que nomeasse o duque de Anjou como vice-rei dos Pases Baixos. Esta ideia de grandeza agradava a Carlos IX. At comeos de Junho pensava-se em todo o continente que se estava a preparar uma grande mudana nos poderes da Europa e que o protestantismo havia de acabar com o poder catlico de Espanha. A isto somava-se a partida de quase mil e quinhentos voluntrios ingleses que com os Gueux conquistaram 47 Bruges. Este facto colocou a rainha Isabel I em grandes dificuldades perante Filipe II. Os primeiros triunfos que chegavam de glria aos defensores da Reforma depressa se converteram em terrveis derrotas e posteriores massacres por parte dos defensores da Contra-Reforma. Em meados de Junho, Guilherme de Orange era rechaado e empurrado pelas tropas espanholas de novo para a Alemanha no meio de enormes baixas. Mons capitula sem saber que as tropas de huguenotes que chegavam de Frana em seu auxlio sob as ordens do general De Genlis, parente de Coligny, o intrigante conselheiro do rei Carlos IX, tinham sido massacradas na sua totalidade na passagem de Quivrain. O duque de Alba deu ordens s suas tropas para que no fizessem prisioneiros. Guilherme de Orange passa a ser o novo objectivo da Santa Aliana. O papa Gregrio XIII deu ordens para acabar com ele, com o beneplcito do monarca espanhol, enquanto os huguenotes eram os bodes expiatrios da derrota protestante nos Pases Baixos. Para evitar as represlias por parte de Espanha, Carlos IX plan