equador

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O junho equatoriano O mês de junho de 2015 terminou como um dos mais difíceis para o correísmo em seus oito anos de poder no Equador. No que alguns já se arriscaram a chamar de “La primavera de Quito”, uma sequência intensa de manifestações, iniciadas na capital, tomou as ruas de várias cidades do país, chegando a Guaiaquil, onde tiveram seu ápice, até o momento, no dia 25 de junho. Nessa data as mobilizações convocadas por Jaime Nebot, popular alcaide de Guaiaquil e ferrenho opositor de Correa, reuniram, segundo contas não oficiais, 300 mil pessoas na histórica Avenida 9 de octubre, no centro da cidade, e tiveram reflexos por todo o país. Neste mesmo dia, em Quito, o alcaide Mauricio Rodas, também crítico de Correa, liderou uma caminhada até a “Plaza Grande”, onde se encontra a sede do Governo, numa cena comum na história recente do país e responsável por uma instabilidade política que levou o Equador ao incomum número de seis presidentes em dez anos. O que acontece no Equador não está deslocado do que sucede nos países sulamericanos onde, desde Chávez em 1999, governos com agendas progressistas assumiram o poder. O esgotamento destes modelos pelo desgaste dos anos no poder, aliado a uma série de traições às demandas históricas de movimentos sociais, e à falta de diálogo, provocaram, ademais de um sentimento generalizado de insatisfação, uma abertura para o ressurgimento de figuras conservadoras que, em maior ou menor medida, conseguiram encontrar terreno fértil na insatisfação popular. Se no Brasil a gota d’água foi o aumento do preço das passagens em junho de 2013 –que abriu uma ferida de difícil diagnóstico na sociedade e que ainda não vê curada– no Equador o estopim veio neste junho de 2015, com a proposta do Governo Nacional de um tributar heranças (chamada lei de heranças) e negociações de compra e venda de imóveis afim de, segundo o governo, impedir a especulação imobiliária (plusvalia). As medidas foram anunciadas no dia 24 de maio, em um informe à

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Artigo sobre as manifestações no equador

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O junho equatoriano

O ms de junho de 2015 terminou como um dos mais difceis para o corresmo em seus oito anos de poder no Equador. No que alguns j se arriscaram a chamar de La primavera de Quito, uma sequncia intensa de manifestaes, iniciadas na capital, tomou as ruas de vrias cidades do pas, chegando a Guaiaquil, onde tiveram seu pice, at o momento, no dia 25 de junho. Nessa data as mobilizaes convocadas por Jaime Nebot, popular alcaide de Guaiaquil e ferrenho opositor de Correa, reuniram, segundo contas no oficiais, 300 mil pessoas na histrica Avenida 9 de octubre, no centro da cidade, e tiveram reflexos por todo o pas. Neste mesmo dia, em Quito, o alcaide Mauricio Rodas, tambm crtico de Correa, liderou uma caminhada at a Plaza Grande, onde se encontra a sede do Governo, numa cena comum na histria recente do pas e responsvel por uma instabilidade poltica que levou o Equador ao incomum nmero de seis presidentes em dez anos.

O que acontece no Equador no est deslocado do que sucede nos pases sulamericanos onde, desde Chvez em 1999, governos com agendas progressistas assumiram o poder. O esgotamento destes modelos pelo desgaste dos anos no poder, aliado a uma srie de traies s demandas histricas de movimentos sociais, e falta de dilogo, provocaram, ademais de um sentimento generalizado de insatisfao, uma abertura para o ressurgimento de figuras conservadoras que, em maior ou menor medida, conseguiram encontrar terreno frtil na insatisfao popular.

Se no Brasil a gota dgua foi o aumento do preo das passagens em junho de 2013 que abriu uma ferida de difcil diagnstico na sociedade e que ainda no v curada no Equador o estopim veio neste junho de 2015, com a proposta do Governo Nacional de um tributar heranas (chamada lei de heranas) e negociaes de compra e venda de imveis afim de, segundo o governo, impedir a especulao imobiliria (plusvalia). As medidas foram anunciadas no dia 24 de maio, em um informe nao, feito pelo presidente Correa em cadeia nacional. Duas semanas depois o Comit Empresarial Equatoriano publicou um comunicado rejeitando as propostas. No dia seguinte, comearam reunies dirias de manifestantes pr e contra o governo na tradicional tribuna da Avenida de Los Shyris, em frente sede da Alianza Pas, partido oficialista, no centro-norte da cidade de Quito.

As manifestaes, impulsionadas pelas redes sociais, ganharam fora nos dias seguintes, se repetindo tambm em outras cidades do pas. Na ocasio do incio e intensificao das manifestaes, o presidente estava fora do pas, em compromisso internacional pelo encontro entre a CELAC e a Unio Europeia. Em seu regresso, no domingo 14 de junho, o assemblesta Andrs Pez, do movimento CREO, de oposio ao governo, convocou pelo twitter o que chamou de caravana de luto, uma carreata de Quito ao aeroporto de Tababela, que fica ha cerca de 40 minutos da cidade, onde o presidente aterriaria tarde. Segundo os manifestantes essa caravana reuniu mais de 500 automveis.

No dia seguinte, Correa convocou seus simpatizantes a uma contra-manifestao, em seu favor, na troca de guarda da residncia presidencial. A, discursou em favor de seus projetos, afirmando que no retrocederia um milmetro em suas propostas. A noite, no entanto, diante de novas manifestaes, falou outra vez em informa nao, comunicando a retirada temporal dos projetos, para dar incio a um dilogo, justificando a necessidade de um ambiente de paz, regozijo e reflexo pela visita do Papa Francisco ao pas, programada para a primeira semana de julho.

Nesse momento, no entanto, ao que parece o leite j estava derramado. Poucos dias depois do incio das manifestaes, em 12 de junho, o alcaide de Guaiaquil, Jayme Nebot, durante discurso em uma cerimnia de celebrao da emancipao da cidade de Machala, comunicou o cancelamento de sua viagem a Nova Iorque, para a cpula das cidades e convocou a marcha nacional do dia 25. O banqueiro Guillermo Lasso, derrotado por Correa nas eleies presidenciais de 2013, que j havia convocado e estado presente em outras marchas em vrias cidades do pas, desafiou Correa a um debate. At mesmo o impopular alcaide de Quito Mauricio Rodas, em que pese se opor ao governo guardava certa descrio nas suas crticas, mudou sua postura e se fez presente de forma intensa quase irreconhecvel nas manifestaes da capital.

Apesar das muitas semelhanas com seus vizinhos que tambm lograram avanos sociais nos ltimos anos, a situao equatoriana tem especificidades que cabe ressaltar. Correa assumiu o poder em janeiro de 2007 depois de dez anos de intensas instabilidades polticas, econmicas e sociais. Foi eleito com proposta de uma assembleia constituinte e, sob a gide da Revoluo Cidado, props a um pas desgastado, mudanas profundas na poltica e na economia, distribuio de renda e melhorias na educao. No entanto estas mudanas seguiram sob uma postura dura, incisiva e muitas vezes autoritria. Com uma popularidade alta, passou a destilar arrogncia, atacando opositores e, principalmente, silenciando movimentos sociais que pavimentaram o caminho que o fez chegar ao cargo mximo do pas. Com estes a ttica foi o discurso que restringe a participao social na poltica aos meios eleitorais. No poucas vezes Correa, em seus discursos, desafiava os que se opunham s suas medidas a enfrent-lo nas urnas. Assim, seguiram fechados os ouvidos s solicitaes de grupos indgenas que exigiam uma prtica efetiva do Estado Plurinacional, prevista na recm aprovada constituio, s manifestaes de jovens e ecologistas que pediam medidas diretas em favor dos direitos constitucionais da natureza e a no explorao petroleira da reserva de Yasun (Uma das poucas zonas mais biodiversas do planeta), aos produtores rurais que solicitavam uma lei de guas que no comprometesse s fontes naturais do pas, aos grupos LGBTI que exigiam direitos igualitrios, s mulheres que solicitavam o direito de no morrer em clnicas clandestinas de aborto, aos trabalhadores que pediam lugar mesa de debates sobre as reformas das leis trabalhistas... todas essas vozes a resposta, quando houve, foi vertical e autoritria.

Assim, o grupo que foi s ruas no Junho equatoriano surgiu de maneira espontnea, desta sensao de insatisfao generalizada, e acabou por agregar diversas demandas de cidados at ento no envolvidos em mobilizaes populares. Mas foi motivado pela lei de heranas e plusvalia, disparadores que, por terem uma forte carga de interesse das elites, afastou boa parte dos grupos sociais, deixando o cenrio preparado e perfeito para mais uma simplista e arrogante resposta do governo: as mobilizaes configuram uma forma de golpe brando. Para o governo, na figura do presidente Correa, as manifestaes nada mais seriam do que tentativas de desestabilizao promovidos por grupos de extrema direita opositores Revoluo Cidad. A isto se acrescenta o resultado do trabalho silenciador de Rafael Correa nestes oito anos de governo: a inexistncia no cenrio poltico equatoriano, h dois anos das prximas eleies presidenciais, de figuras novas que possam representar, esquerda, uma alternativa ao corresmo.

Quem sai fortalecido deste cenrio a velha oposio conservadora equatoriana, que muitos julgavam sepultada, representada principalmente na figura de Jaime Nebot e Guillermo Lasso. Nebot, alcaide de Guaiaquil h quinze anos pelo Partido Social Cristiano, herdeiro poltico do falecido Len Ferbes Cordeiro, ex-presidente do Equador (1984-1988) acusado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por crimes de perseguio, tortura e execuo sumria, atos praticados pelo grupo paramilitar com o qual pretendia acabar com o crime no pas que ficou conhecido no pas como esquadro da morte. poca do governo de Ferbes-Cordeiro Nebot foi governador da provncia de Guayas, por indicao do ento presidente, e sobre ele pesam vrias acusaes de haver presenciado e ordenado torturas e execues. Lasso por sua vez doo do Banco de Guayaquil, uma das maiores instituies financeiras do pas. considerado por boa parte da esquerda equatoriana como um dos grandes responsveis pela crise financeira de 1999, por sua influncia na decretao dos feriados bancrios e no congelamento de poupanas.

As manifestaes deste junho no Equador revelaram uma ferida ainda no curada no pas andino: a fragilidade de sua democracia. As instituies pblicas ainda carecem de credibilidade e confiabilidade. Rafael Correa o apenas o primeiro presidente, em quinze anos, a terminar seu mandato e esse dado em momentos de efervescncia social potencializam a instabilidade. Talvez isso explique a facilidade com que a oposio conservadora conseguiu canalizar a insatisfao geral em seu favor, mas ainda muito pouco para conseguir prever o que pode vir a ser da poltica equatoriana nos prximos anos.