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Simone MedeirosMaria Cecília Luiz(organizadoras)

Pobreza, Desigualdades e EducaçãoVolume III

São Carlos, 2020

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© 2020, dos autores

Universidade Federal de São Carlos – UFSCarReitoraWanda Aparecida Machado HoffmannVice-ReitorWalter Libardi

SEaD – Secretaria Geral de Educação a Distância – UFSCarSecretária de Educação a Distância Marilde Terezinha Prado Santos

SupervisãoClarissa BengtsonDouglas Henrique Perez Pino

Revisão LinguísticaLetícia Moreira ClaresPaula Sayuri Yanagiwara

Editoração EletrônicaBruno Prado Santos

CapaJéssica Veloso Morito

ColaboradoresClarissa Galvão BengtsonJoana Darc de Castro RibeiroRoseli Zen Cerny

Apoio TécnicoEliciano Pinheiro da Silva

Comissão CientíficaKarine Nunes de Moraes – Universidade Federal de GoiásMarcos Macedo Fernandes Caron – Universidade Federal de Mato GrossoOdorico Ferreira – Universidade Federal de Mato GrossoCélia Regina Teixeira – Universidade Federal da ParaíbaJoelina Souza Menezes – Universidade Federal de SergipeMaria Cecília Luiz – Universidade Federal de São CarlosPriscila Tavares dos Santos – Universidade Federal FluminenseRolf Ribeiro de Souza – Universidade Federal Fluminense

ISBN 978-65-86891-07-2

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PREFÁCIO

Com grande orgulho e alegria prefaciamos a coletânea Pobreza, Desigual-dades e Educação volume 1, 2 e 3, afirmando-se de antemão, que os textos que compõem a coletânea abordam com seriedade a temática e, em cada um dos seus três volumes, o leitor(a) vai se surpreender com a riqueza, inten-sidade e profundidade que, com certeza, produzirão impressões e aprecia-ções distintas.

Intenciona-se, nesta obra, superar dogmas e conceitos predefinidos sobre pobreza, desigualdades e educação, com a proposta de analisar o tema na perspectiva da diversidade e da possibilidade de contribuir com aspectos pluridimensionais. Compreende-se que nesta coletânea existe um olhar diverso, plural – tão característico de um país como o Brasil, com di-mensões continentais –, mas ao mesmo tempo, traz aspectos em comuns, com referenciais que se aproximam do problema, utilizando abordagens que descrevem os estados federativos brasileiros participantes.

Ao verificar a realidade social, com quadros preocupantes – agravando--se com o passar dos anos –, os temas tratados são atuais e desafiadores, com reflexões sobre o que será dos alunos (crianças e jovens) brasilei-ros que estão em situação de pobreza ou extrema pobreza? Como os(as) educadores(as) têm enfrentado a pobreza na escola?

A leitura desta coletânea proporcionará ao(à) leitor(a) um conhecimento inacabado, no sentido de contrariar a ideia de "pergunte e responderemos", devido à certeza de que muito ainda se deve refletir sobre o assunto.

Deixamos registrado, neste espaço, que segundo a Agência Brasil1, pesquisas feitas pelo SIS – Síntese de Indicadores Sociais –, divulgada pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), no final de 2019, no que se refere à

1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/extrema-pobreza-e-desigualdade-crescem--ha-4-anos-revela-pesquisa

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pobreza monetária, a de renda, o Brasil teve o pior quadro dos últimos qua-tro anos. Foram contabilizadas 13,5 milhões de pessoas, em 2018, vivendo com até 145 reais, representando 6,5% do total da população brasileira, com o indicativo de 72% serem pessoas pretas ou pardas.

Fica evidente que qualquer recuperação econômica não é igualitária para os diversos segmentos sociais e isso nos leva a pensar: como a educa-ção tem refletido sobre esta situação? Ou, como ela pode fazê-lo? Por isso, no decorrer da leitura, perguntamos mais do que damos respostas, o que nos faz pensar na urgência de mais estudos e pesquisas na área.

Esta coletânea, também, tem a finalidade de documentar o que foi a Ini-ciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) em suas dimensões estruturais, pois, teve um diferencial, além de oferecer formação continuada em cursos de especialização e aperfeiçoamento, possibilitou o desenvol-vimento de pesquisas acadêmicas. Neste contexto, esta mobilização, que começa com a extinta Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), hoje denominada Secretaria de Modalida-des Especializadas de Educação do Ministério da Educação (MEC), orga-nizou várias ações em parceria com as Instituições Federais de Educação Superior (IFES) e obteve mais de 26 pesquisas acadêmicas, com presença e articulação de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), a partir de 4.000, e de Trabalhos Finais de Curso (TFC), a partir de 6.000.

Os três volumes da coletânea são divididos em: Volume 1, que tem o foco maior em sintetizar a implantação do Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS), com parceria de quinze Universidades Federais que iniciaram o projeto, além de reflexões sobre o processo de formação continuada (Curso de Especialização EPDS). O Volume 2 enfatiza os resulta-dos das pesquisas elaboradas no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social; e, o Volume 3 aborda as produções elaboradas no âm-bito dos Cursos de especialização do EPDS, especificamente dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), considerando as relações estabelecidas com o Programa Bolsa Família (PBF) e com as temáticas indígena, quilombola, educação para as relações etnicorraciais, campo, educação especial, juven-tude, EJA, alfabetização e educação em direitos humanos.

Ao refletirmos sobre essas temáticas tão desafiadoras, evidentemente nos preocupamos muito mais com a questão da fome e do abandono, do que com notas escolares de estudantes pobres. No entanto, a ausência de qualidade no ensino e na aprendizagem se tornou um dos principais efeitos

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da pobreza no Brasil, pois não tem como evitarmos esta ligação direta entre a educação e a situação socioeconômica. Um dilema que nos faz buscar soluções que não podem ser negligenciadas.

As crianças e jovens brasileiros ficam dentro da escola entorno de quatro a cinco horas diárias, sendo que 70% deles frequentam escolas públicas, e estas são regidas por políticas públicas diferentes que resultaram em dis-crepâncias entre os currículos de várias instituições. Por isso, levando em conta que a palavra "prefácio" em latim, significa "dito (fatio) antes (prae)", finalizamos este prefácio com uma frase do Herbert de Souza, o sociólogo Betinho, que tanto se empenhou para erradicar a fome no Brasil:

Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar con-denado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas, e estão sendo assassinadas.

Ao transpormos "crianças abondadas nas ruas" por estudantes pobres abandonados à própria sorte nas escolas públicas, segundo o autor, a omis-são é crime. Com essa reflexão sobre o compromisso de cada brasileiro(a) que está envolvido(a) direta ou indiretamente com a educação e a situação de pobreza e desigualdades de estudantes pobres, desejamos uma excelen-te leitura a todos e todas.

Simone Medeiros

Maria Cecília Luiz

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SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1 Percepções das crianças e dos adolescentes sobre a escola e a pobreza: sonhos, qualidade de vida e educação financeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15Vicente Monteiro da Silva NetoElaine Araújo Gheysens

2 Pobreza, evasão escolar e ausência de direitos: a realidade para muito além da "pobreza extrema" no povoado Cutias em Matinha-MA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29Maria Zilda Costa CantanhedeMauro Guterres Barbosa

3 O Programa Bolsa Família e o direito à educação no Brasil: uma revisão narrativa da literatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45Pâmella Alves Dias Vaz

4 Projetos desenvolvidos em uma escola em área vulnerável: relato de experiência com foco na relação afetiva professor-aluno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61Liliane de Fátima Rodrigues Castilho

5 O Projeto Avanço do Jovem na Aprendizagem (AJA) na cidade de São Gabriel do Oeste: perspectivas e luta contra a pobreza por meio da educação escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89Patricia Lúcia do NascimentoMilene Bartolomei Silva

6 O desempenho escolar e a evolução socioeducacional dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) da escola municipal Antônio José Paniago do programa (Campo Grande-MS) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105Keila Rosa T . da Silva NogueiraMaria do Socorro Sales Felipe Bezerra

7 O cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família: gestantes atendidas pelo Cras II da Cidade de Corumbá-MS . . . . . . . . . . . . . . . . . 121Penélope Dawkler Hiran de MoraesVanderleia Mussi

8 A erradicação do trabalho infantil e a contribuição do PBF no desenvolvimento escolar: um estudo da evolução entre gerações familiares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141Camila Belz KrugerSônia Eli Cabral Rodrigues

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9 Programa Bolsa Família e sua contribuição na redução do abandono e evasão escolar na Escola Estadual de Ensino Médio Profa . Beatriz do Valle, em Alenquer-PA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155Jefferson João dos Santos SilvaRosemildo dos Santos Lima

10 O Programa Bolsa Família e seu impacto na vida de mulheres do Barra da Grota em Araguaína-TO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175Wanessa Lorena de Sousa MirandaCleivane Peres dos Reis

11 Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional: um estudo de caso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191Diva Nunes RezendesJuciley Evangelista Freire

12 Educação escolar, desigualdade social e pobreza: o Programa Bolsa Família como instrumento de mudança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213Valdeana Oliveira dos Reis Sousa

13 Direitos Humanos: o papel do Estado nas desigualdades sociais na concepção dos educadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229Marla Mayara Teixeira MouraMaria Oneide Lino da Silva

14 Percepção dos alunos do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social da Universidade Federal do Piauí sobre o Programa Bolsa Família . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 Tarianna Lustosa SantosTerssando Lustosa SantosMárcia Milane Verçosa Rocha

15 Impactos sociais do Programa Bolsa Família no município de Apodi-RN no biênio 2013-2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269Francisco Marciano de MoraisTerezinha Fernandes Gurgel

16 Programa Bolsa Família: analisando sua contribuição no processo de aprendizagem de beneficiários da turma do 4o ano D da Escola Municipal José Nunes de Figueiredo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285Kiarelly Cícero Martins da NóbregaDeyse Karla de Oliveira Martins

17 Sentidos da pobreza em programas sociais do governo federal . . . . . . . . . . 303Raila Vanessa Alves de OliveiraOlivia Morais de Medeiros Neta

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Apresentação | 9

Apresentação

Este livro, Pobreza, Desigualdades e Educação – Volume 3, é o terceiro de uma coletânea de três livros, e aborda as produções elaboradas no âmbito dos Cursos de especialização do EPDS, especificamente, dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), com diversos temas de pesquisa, em diferentes locais do Brasil.

A seção 1, Percepções das crianças e dos adolescentes sobre a escola e a pobreza: sonhos, qualidade de vida e educação financeira, escrita por Vicen-te Monteiro da Silva Neto e Elaine Araújo Gheysens, traz reflexões sobre as formas de pensar, sentir e agir de crianças e de adolescentes de uma escola pública municipal do Maranhão, considerando modos de vida, suas percep-ções sobre a escola e a pobreza. Pretende-se compreender quais imagens que esses estudantes têm de si e a função da escola, para que sejam capazes de sonhar e alcançar seus sonhos.

A seção 2, Pobreza, evasão escolar e ausência de direitos: a realidade para muito além da “pobreza extrema” no povoado Cutias em Matinha/MA, escrita por Maria Zilda Costa Cantanhede e Mauro Guterres Barbosa, apre-senta a análise de dados obtidos na pesquisa intitulada "Formas de pensar, sentir e agir de crianças sob a condicionalidade da educação, em escolas públicas municipais do estado do Maranhão: um estudo sobre a pobreza, evasão escolar e os direitos humanos, e a escola como espaço de formação e informação, no caso dos alunos de uma Escola Municipal, no povoado Cutias, Matinha/MA". A referida pesquisa trata de responder à problemá-tica: Por que muitos estudantes do povoado de Cutias não têm esses direi-tos assegurados? Por que a evasão escolar é um problema que aflige essa comunidade?

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10 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

Na seção 3, O Programa Bolsa Família e o direito à educação no Brasil: uma revisão narrativa da literatura, desenvolvida por Pâmella Alves Dias Vaz, avalia-se temas articulados ao PBF e a efetivação do direito à educação da sua população beneficiária, por meio de levantamento bibliográfico.

A seção 4, Projetos desenvolvidos em uma escola em área vulnerável: re-lato de experiência com foco na relação afetiva professor-aluno, apresentada por Liliane de Fátima Rodrigues Castilho, trata-se de pesquisa relacionada à afetividade entre professor-aluno e discute a importância das relações afeti-vas no contexto escolar, com base em referenciais de Vygotsky. A coleta de relatos e análises foi realizada em uma escola municipal do Estado de Minas Gerais.

Na seção 5, O Projeto Avanço do Jovem na Aprendizagem (AJA) na cidade de São Gabriel do Oeste: perspectivas e luta contra a pobreza por meio da educação escolar, desenvolvida por Patrícia Lúcia do Nascimento e Milene Bartolomei Silva, busca-se refletir e analisar sobre a situação em que se encontram estudantes beneficiários do PBF, que apresentam atraso escolar.

A seção 6, O desempenho escolar e a evolução socioeducacional dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) da escola municipal Antônio José Paniago do programa (Campo Grande/MS), apresentada por Keila Rosa T. da Silva Nogueira e Maria do Socorro Sales Felipe Bezerra, trata da pes-quisa que objetivou analisar a relação das condicionalidades com a evolução socioeducacional dos beneficiários do PBF de Campo Grande/MS, buscan-do compreender a efetividade do programa para a melhoria dos índices escolares e seu desenvolvimento.

Na seção 7, O cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família: gestantes atendidas pelo Cras II da Cidade de Corumbá/MS, escrita por Penélope Dawkler Hiran de Moraes e Vanderleia Mussi, aborda-se uma pesquisa que visa verificar o impacto e a importância do cumprimento das condicionalidades do PBF na vida das gestantes atendidas pelo Cras II de Corumbá-MS.

A Seção 8, A erradicação do trabalho infantil e a contribuição do PBF no desenvolvimento escolar: um estudo da evolução entre gerações familiares, escrita por Camila Belz Kruger e Sônia Eli Cabral Rodrigues, buscou analisar as relações entre pobreza e educação, com enfoque nas consequências psi-cológicas e sociais geradas pelo trabalho infantil. Tal temática foi abordada durante o curso de especialização no Estado do Pará.

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Apresentação | 11

Na seção 9, Programa Bolsa Família e sua contribuição na redução do abandono e evasão escolar na Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Bea-triz do Valle, em Alenquer/PA, escrita por Jefferson João dos Santos Silva e Rosemildo dos Santos Lima, visa-se analisar se o PBF está contribuindo para a redução do índice de abandono e evasão escolar dos discentes da Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Beatriz do Valle, localizada no Município de Alenquer/PA, assim como para a melhoria do processo do ensino e da aprendizagem. A escola escolhida para o estudo de caso é a única de Ensi-no Médio da cidade e está localizada em um bairro periférico com muitos alunos beneficiados pelo PBF.

A seção 10, O Programa Bolsa Família e seu impacto na vida de mulheres do Barra da Grota em Araguaína/TO, desenvolvida por Wanessa Lorena de Sousa Miranda e Cleivane Peres dos Reis, trata de uma pesquisa exploratória, com objetivo de analisar como o PBF influi na vida de mulheres beneficiárias. Aborda-se o conceito de pobreza e seus condicionantes materiais, objetivos (econômicos) e aqueles de mais difícil mensuração, considerados subjetivos, com destaque para as questões de gênero presentes na sociedade e que, historicamente, têm relegado à mulher um papel subalterno, marcado pela dominação e exclusão econômica e social. Procura-se, ainda, conceituar gê-nero e inter-relacioná-lo ao conceito de pobreza.

Na seção 11, Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional: um estudo de caso, escrita pelas autoras Diva Nunes Rezendes e Juciley Evangelista Freire, relata-se uma pesquisa de campo em uma escola do distrito de Taquaruçu, Município de Palmas/TO, com a participação da orientadora educacional da Escola Municipal Crispim Pereira Alencar e de estudantes beneficiários do Ensino Fundamental. Obje-tivou caracterizar a função do orientador educacional em relação à inserção dos alunos pobres no contexto escolar. Além disso, buscou-se verificar como é feito o acolhimento pela orientação educacional dos alunos beneficiários do PBF e identificar e analisar como o currículo aborda as questões de po-breza e desigualdade social no ambiente escolar.

A seção 12, Educação escolar, desigualdade social e pobreza: o Programa Bolsa Família como instrumento de mudança, escrita por Valdeana Oliveira dos Reis Sousa, visa, por meio de levantamento bibliográfico, contribuir com pesquisas acadêmicas já elaboradas e publicadas sobre a temática. Com base em referenciais do curso de especialização promovido pela Universida-de Federal do Piauí (UFPI), em 2016, utilizou-se de autores como Wlodarski

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12 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

(2005), Bourdieu (2003), Pérez Gómez (1998), Saviani (2008), Marshall (1967), Pinzani e Rego (2015) e Boneti (2007).

A seção 13, Direitos Humanos: o papel do Estado nas desigualdades so-ciais na concepção dos educadores, apresentada por Marla Mayara Teixeira Moura e Maria Oneide Lino da Silva, tem como finalidade identificar a con-cepção dos professores sobre de que forma os direitos humanos asseguram a dignidade de crianças e adolescentes no ambiente escolar, como também analisar qual a percepção de professores em relação ao papel do Estado no combate às desigualdades sociais.

A seção 14, Percepção dos alunos do curso de especialização em Educa-ção, Pobreza e Desigualdade Social da Universidade Federal do Piauí sobre o Programa Bolsa Família, escrita por Lustosa Santos, Terssando Lustosa Santos e Márcia Milane Verçosa Rocha, teve o objetivo de analisar qual a percepção dos cursistas do curso de especialização, oferecido pela Univer-sidade Federal do Piauí, sobre os programas sociais, em especial o PBF, e se a formação mudou algo em suas concepções. Concluíram que a visão destes cursistas passou a ser positiva a partir do momento em que compreenderam a importância do PBF, tanto para o contexto social quanto para o econômico.

Na seção 15, Impactos sociais do Programa Bolsa Família no município de Apodi/RN no biênio 2013-2014, escrita por Francisco Marciano de Morais e Terezinha Fernandes Gurgel, houve o propósito de analisar os impactos como dimensão social do PBF no biênio 2013/2014, com foco na importância deste programa como ferramenta de avanços sociais. Assim, realizou-se uma apreciação das alternativas executadas pela gestão do PBF na perspectiva da promoção e garantia dos direitos sociais das famílias inseridas; e, identifi-caram-se os avanços sociais na vida das famílias beneficiadas pelo PBF.

Na seção 16, Programa Bolsa Família: analisando sua contribuição no processo de aprendizagem de beneficiários da turma do 4o ano D da Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, descrita por Kiarelly Cícero Martins da Nóbrega e Deyse Karla de Oliveira Martins, investigam-se famílias beneficiá-rias do 4o ano D, da Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, no Muni-cípio de Ouro Branco, Estado do Rio Grande do Norte. O PBF exige o com-prometimento e a responsabilidade dos familiares com relação à frequência do aluno, por isso as autoras construíram de forma discursiva, dialética e coletiva uma visão de como a escola promove entendimento e ações institu-cionais, para anteder as necessidades e problemáticas das crianças.

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Apresentação | 13

Na seção 17, a última seção deste volume, Sentidos da pobreza em pro-gramas sociais do governo federal, desenvolvida por Raila Vanessa Alves de Oliveira e Olivia Morais de Medeiros Neta, analisa-se a concepção de pobre-za na Política de Assistência Social no Brasil do século XXI, especificamente no PBF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.

Foi extremante maravilhoso organizar este livro com temas tão desa-fiadores e urgentes, além de perceber o potencial de produção dos seus autores, cursistas do EPDS. Desejamos a você uma ótima leitura!

Simone MedeirosMaria Cecília Luiz

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Percepções das crianças e dos adolescentes sobre a escola e a pobreza: sonhos, qualidade de vida e educação financeiraVicente Monteiro da Silva NetoElaine Araújo Gheysens

Introdução

Os estudos que frequentemente buscam compreender quais as rela-ções existentes entre a escola e a pobreza podem ser aperfeiçoados pela compreensão do impacto que estas relações têm na sociedade. Ademais, é preciso entender como as crianças e os adolescentes se percebem dentro do contexto escolar e de possíveis situações de vulnerabilidade.

As reflexões deste artigo têm como foco as formas de pensar, sentir e agir de crianças e de adolescentes de uma escola pública municipal do Maranhão, considerando modos de vida, suas percepções sobre a escola, a pobreza. O artigo pretende compreender quais as imagens que eles têm de si, enquanto alunos, e como a escola pode dar suporte para que sejam capazes de sonhar e alcançar seus sonhos. Lançou-se mão de uma revisão bibliográfica centrada nos conceitos de pobreza e currículo, tópicos concer-nentes ao objeto de estudo.

O estudo reafirma ainda a importância de levantar o debate sobre a de-sigualdade social, tão evidente no estado do Maranhão, bem como suscitar questões sobre o currículo. Embora pareça algo óbvio, reconhecer que a pobreza existe é um importante passo para buscar compreendê-la, e seu

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16 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

entendimento deve partir do pressuposto de que ela é uma realidade con-creta e está no nosso dia a dia, inclusive dentro da escola (ARROYO, 2013).

Não é tarefa fácil entender o fenômeno da pobreza e toda sua influência sobre as sociedades. Essa dificuldade se dá pelo fato de ela ser composta de diversas variáveis. Porém, faz-se necessário que seja encarada como um problema histórico-social importante.

Nos últimos anos, diversos investimentos estão sendo feitos no Brasil, a exemplo da política pública de transferência direta de renda, que é eficiente no que se refere ao combate à privação de renda. No entanto, combater a pobreza é certamente algo muito maior, implica investimento em diversas políticas públicas.

O estudo foi realizado na cidade de Santo Antonio dos Lopes-MA, lo-calizada na região centro-sul maranhense e que possui 14.288 habitantes, conforme censo demográfico (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010). Os laboratórios foram feitos no período de julho a agosto de 2016, em uma escola da rede municipal de ensino, com a partici-pação direta de 37 alunos com faixa etária compreendida entre 11 e 13 anos, cursando sexto ou sétimo anos do Ensino Fundamental.

Do ponto de vista metodológico, o presente estudo não procura enume-rar nem medir os eventos estudados e também não faz uso de instrumentos estatísticos na análise dos dados. "Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve" (GO-DOY, 1995, p. 58).

Assim, o estudo é qualitativo, uma vez que privilegia a fala, a compre-ensão dos diferentes sujeitos e as observações feitas pelo autor durante a realização dos laboratórios conduzidos por graduandos da Universidade Federal do Maranhão. Foram consideradas as crianças e adolescentes bene-ficiários ou não do Programa Bolsa Família, valorizando suas vivências, inte-resses, opiniões e percepções, dando-lhes flexibilidade e liberdade para se expressarem. Tanto o ambiente quanto as pessoas nele inseridas estiveram sob o olhar do pesquisador de forma holística, com o interesse em todos os processos que os envolviam.

Para a realização do estudo, foram obedecidos critérios legais de au-torização da pesquisa, bem como questões éticas e de abordagem das crianças. Utilizando caderno de campo para fazer os registros, além de foto-grafia e gravação, fora possível discutir e avaliar a atividade após a sua rea-lização. Foram três laboratórios com seus temas definidos. Atentou-se para

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Percepções das crianças e dos adolescentes sobre a escola e a pobreza: sonhos, qualidade de... | 17

as mudanças no comportamento das crianças e dos adolescentes, antes, durante e após cada atividade. A identidade das crianças foi preservada nas falas aqui reproduzidas, sendo utilizados nomes fictícios.

O entendimento da pobreza

A temática é aqui tratada de modo que se ampliem os conceitos de po-breza para que tenhamos o real papel da escola na formação de cidadãos que possuam a capacidade de romper com possíveis situações de vulnera-bilidades advindas da pobreza. O Programa Bolsa Família utiliza a privação de renda como a principal condição para a inclusão das pessoas na cate-goria de aptas a receber o auxílio; em contrapartida, exige o cumprimento de dadas condições relativas à educação, saúde e assistência social. Para a manutenção do benefício, as exigências mostram-se necessárias para que a pobreza não seja, como já mencionado, vista apenas sob um único aspecto.

O Maranhão é reconhecido como um estado com baixos índices em indicadores educacionais e sociais, constituindo-se um alvo importante do Programa Bolsa Família, o que o torna um importante campo para a presen-te pesquisa.

Apesar de haver diversas definições para pobreza, elas possivelmente estarão relacionadas à exclusão social, a vulnerabilidades, a precárias condi-ções de saúde e saneamento básico, à baixa renda e a poucas capabilidades. Apesar de a deficiência econômica ser, em muitos casos, o principal critério para classificar o nível da pobreza e desigualdades entre as sociedades, esse está longe de ser o único.

A pobreza deve ser entendida como um fator multidimensional (CRES-PO; GUROVITZ, 2002). A definição e os estudos desses conceitos tornam-se necessários para se ter uma visão mais clara e analítica do objeto de estudo e não apenas uma visão imediatista ou reducionista do que ele representa, para dessa forma conceber intervenções eficientes na escola, na família e na sociedade.

Para Narayan (2000), as estratégias de redução da pobreza só são efica-zes e sustentáveis se refletirem um conhecimento sistemático das percep-ções dos pobres. Será um grande equívoco traçar estratégias de combate à pobreza sem ouvir os pobres. É o mesmo que medicar o paciente sem lhe perguntar quais sintomas apresenta, tendo apenas os sinais como referência.

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Um dos entraves para o combate à pobreza é a visão reducionista e/ou fatalista sobre ela. Sob esse olhar seria natural a afirmação de que o pobre é pobre porque quer ou porque não busca meios pelos quais possa sair das condições de pobreza, e que as oportunidades estão disponíveis a todos de igual modo.

O ciclo da pobreza é permanente até que as possibilidades e as oportuni-dades sejam universais e igualitárias. Parece o melhor caminho para alcançar a diminuição das desigualdades: fazer com que todos os cidadãos adquiram meios necessários para enfrentar todo e qualquer desafio. As crianças em situação de pobreza não possuem as mesmas capabilidades que aquelas que dispõem de todo o suporte familiar e financeiro para ter tranquilidade e se dedicarem exclusivamente aos estudos. Crianças pobres, muitas vezes, dividem os estudos com condições nutricionais deficientes, trabalho infantil ou outros agravos, o que não significa que estão condenadas a não ter êxito em suas trajetórias de vida. Contudo, o mesmo funcionamento (crescimento) será adquirido de forma diferente se comparado àqueles que possuem as dificuldades citadas em grau diminuído e/ou dificuldades ausentes (capabi-lidades). Ambos podem chegar ao mesmo destino, provavelmente não pelo mesmo caminho (PINZANI; REGO, 2014).

O currículo e a pobreza

O currículo está ligado a todas as instituições educacionais e se apre-senta de muitas formas. Sua compreensão é determinante para orientação das ações pedagógicas, nas escolhas que a escola faz e nas estratégias que adota (ARROYO, 2013).

Para Sacristán (2013), o currículo é o conteúdo cultural que se difunde nas escolas e se constitui dos efeitos que esses conhecimentos causam nos sujeitos. Dessa forma, vale salientar que o currículo nunca é neutro, ele sempre trará resultados sobre o público a que se destina, por isso é um instrumento que pode ser usado para o combate a desigualdades. Por que as escolas públicas precisam consolidar seus currículos dentro da necessida-de de contemplar questões relacionadas às desigualdades sociais? Porque, como dito nas discussões anteriores, a pobreza existe e é latente dentro das nossas escolas.

Ano após ano, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade chegam à escola. Arroyo (2012) nos leva a duas indagações relevantes: será

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que a pedagogia já reconhece que a pobreza existe? Será que os currículos já reconhecem que a pobreza existe? Certamente é necessário que se re-eduque o olhar sobre a pobreza de modo a incluir isso no debate escolar.

O acesso à educação de qualidade é uma condição importante para o combate à desigualdade e está previsto no Plano Nacional de Educação. Entretanto, é necessário não apenas oportunizar o acesso. Criar meios pelos quais essas crianças e adolescentes permaneçam na escola é uma questão crucial. Os mais pobres são os que menos concluem o Ensino Fundamental e Médio, como afirma Ximenes (2014) ao citar a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2011, em que 63% dos adolescentes de 16 anos têm o Ensino Fundamental completo, a disparidade entre ricos e pobres é gritante: entre os 20% mais pobres a média é de 43%, metade do alcançado pelo grupo dos 20% mais ricos. O resultado é ainda mais grave quando compa-rados apenas os que concluíram o Ensino Médio. Isso reforça a necessidade de que os currículos contemplem as vulnerabilidades. Muito além, a gestão, a pedagogia e todos que fazem a educação também precisam incluir essa temática em suas práticas e de alguma forma ser mais um meio de combate à evasão escolar.

A escola deve estar preparada para discutir e intervir pedagogicamente ante as deficiências causadas pelas limitações impostas pela pobreza, de forma a minimizar os danos à educação de crianças e adolescentes. Os pró-prios debates dentro das salas de aula, nos pátios, nas reuniões, nos currícu-los certamente causarão impacto sobre a mentalidade do aluno, fazendo-o entender o contexto em que está inserido e, além disso, tornando-o apto a captar as possibilidades de vencer limitações por meio da educação.

Para que a escola possa auxiliar crianças e adolescentes no processo de autoconhecimento, é necessário que a própria escola abra mão de conceitos defasados, ou práticas pedagógicas ineficientes, para superar a "visão ban-cária" muitas vezes difundida dentro dos sistemas de ensino, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receber os depósitos, guardá-los e arquivá-los (FREIRE, 1987). Uma educação libertadora é aquela que fornece um pensamento crítico e autêntico ao aluno, deixando que ele escreva a própria história.

Também no seu livro Pedagogia da autonomia, o autor afirma ser neces-sário, na luta contra a pobreza absoluta, o investimento em métodos ativos de aprendizagem ligados à educação participativa, com capacidade de

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munir os sujeitos de condições para libertar-se das amarras das dependên-cias externas (FREIRE, 1996).

Não obstante, como afirma Arroyo (2013), pode-se observar que a peda-gogia e a docência se inclinam a considerar supostas carências intelectuais e morais que os estudantes pobres carregariam para as escolas, como carên-cias de conhecimentos, de valores, de hábitos de estudo, de disciplina, de moralidade. Mas, desta forma, ficaria incentivada a concepção moralista de que a pobreza moral dos pobres produz a sua própria pobreza material, nos levando a refletir sobre o questionamento de Butler (2007): os corpos não importam? Fazendo alusão à debilidade física em que muitos chegam à es-cola, reforça que existem as condições ideais para o aprendizado, e, quando ignoradas, pode-se cometer um grande equívoco, isto é, reduzir a pobreza a uma questão moral, de valores, atitudes e hábitos. De nada adiantaria o ensino do conhecimento científico sem que fisicamente e mentalmente as crianças estivessem aptas para o aprendizado.

As reflexões nas falas e gestos

Primeiro Laboratório: Sonhos de criança

Todos dispostos em plateia, o grupo de graduandos da Universidade Federal do Maranhão dirigiu o laboratório. Olhares abismados por parte das crianças e adolescentes com aparente expectativa do que estaria por vir. Para instigá-los a refletir sobre os seus sonhos e planos de futuro, os gradu-andos apresentaram-se falando um pouco das áreas que cursavam e sobre a universidade da qual faziam parte. Nenhum dos alunos havia ouvido falar na universidade em situações anteriores a esta, como afirmaram. Indagados sobre a importância da escola, alguns seguiram neste sentido:

"A escola é onde eu vou poder dar o primeiro passo pro meu sonho, onde aprendemos a nos comportar, a falar e muitas outras coisas"

(Renato, 13 anos).

O laboratório levou-os a refletir sobre como a escola poderia auxiliá-los na luta pelo crescimento profissional e pessoal. Para isso, o seguinte exercí-cio foi feito: os alunos foram divididos em dois grupos, e ambos receberam cédulas fictícias no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais); um grupo venderia e outro compraria os itens dispostos sobre a mesa, e cada aluno participante

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do grupo de compradores deveria adquirir dois itens, escolhidos sob o cri-tério de que um deveria ser algo necessário e o outro um desejo. Entre os itens havia: casas, carros, eletrodomésticos, celulares, móveis, eletrônicos, livros, itens de higiene, entre outros. Foi um momento em que já lhes era provocado o sentimento de responsabilidade na utilização do dinheiro, bem como a importância de se fazer boas escolhas.

"Eu preciso de uma casa pra morar com minha família. Um carro eu dese-jo pra poder passear e conhecer vários lugares" (Camila, 12 anos).

"Eu preciso do livro pra aprender muitas coisas e ser alguém na vida e dar um futuro pra minha família. O celular eu desejo pra me comunicar" (Joana, 11 anos).

Todos fizeram asserções pertinentes sobre o que lhes era uma necessi-dade e o que era apenas um desejo. Isso sinaliza que o sentido das coisas está bem nítido na mentalidade das crianças e adolescentes, facilitando o entendimento da necessidade de se buscar os meios corretos para o alcance dos anseios futuros.

E a pobreza pode impedir alguém de sonhar? Para isso um aluno respondeu:

"Não, se você quiser lutar pelo que quer" (Ana, 13 anos).

Os alunos foram apresentados à "caixa valiosa". Nela encontrariam a coi-sa que seria responsável pelo sucesso de suas vidas, o que representava, em alguns casos, vencer a pobreza material e ideológica, a pobreza dentro de si e dentro do próprio lar. Porém, o que estava no interior da caixa era apenas um espelho. Refletidos, esboçaram várias reações: uns riam desconsertados, outros punham a mão no rosto, outros ficaram imobilizados e reflexivos por alguns segundos, como que impactados pelo que viam. Mas não era a es-cola? A família? O dinheiro? Não, a disponibilidade para o alcançar deveria estar inicialmente dentro de cada mente, os atores principais eram eles mes-mos, as demais coisas apenas os iriam auxiliar a chegar ao lugar almejado.

"Isso quer dizer que eu sou muito importante, pois eu posso conquistar os meus sonhos" (José, 12 anos).

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Para finalizar, buscou-se verificar o quanto assimilaram sobre a importân-cia das próprias ações dentro do processo de quebra de paradigmas – ou por que não dizer estigmas? O grupo que ficou com o dinheiro da venda dos itens no início do laboratório foi instigado a comprar a caixa que continha o "bem tão valioso". Até o momento eles não sabiam o que estava dentro da caixa. Todos os que possuíam a caixa não a venderiam, como disseram, por nenhum dinheiro do mundo.

"Nenhum dinheiro no mundo compra o que está na caixa; nós podemos alcançar os nossos sonhos, basta acreditar" (Jéssica, 13 anos).

Ao serem indagados sobre o que seria o sonho, afirmaram:

"Um sonho é algo que se quer muito conseguir, e que devemos correr atrás [...], é o que queremos alcançar na vida" (Pedro, 11 anos).

"É o que queremos ter no futuro" (Joaquim, 11 anos).

Foram unânimes em afirmar que todos possuem a capacidade e o direito de sonhar, independentemente da sua condição social, idade, raça, sexo.

"A escola me ajuda a realizar o meu sonho" (Katarine, 12 anos).

Isso mostra que existe o entendimento de que a escola participa do processo do sonhar, pois muitas crianças podem ter seus sonhos atrofiados pelas condições de vulnerabilidade impostas pela pobreza e desigualdade social.

Ao final, todos escreveram em uma folha de papel qual era o seu maior sonho, e muitos sonham em ser médicos, advogados, engenheiros, empre-sários, enfermeiros, dentistas.

Segundo Laboratório: Qualidade de Vida e Consumo Consciente

O segundo laboratório objetivou conhecer o entendimento das crianças sobre o planejamento e o que é preciso para, de fato, superar a pobreza.

"O Sonho é o que a gente quer muito, objetivo é como a gente vai con-seguir o que quer, meta é quando a gente chega lá" (Alana, 13 anos).

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Os conceitos de Sonho, Objetivo e Meta foram afixados em lugar visível para introduzir a temática do encontro. Os graduandos que conduziam o la-boratório evidenciaram a definição dos conceitos e como eles se relacionam, de modo que eles já pudessem se sentir à vontade para avançar no enten-dimento do que estava proposto. Ao final, o valor do dinheiro que possuíam deveria, por meio de escolhas bem sucedidas, ter sido multiplicado.

Foram dispostos três balcões: em dois estava exposto um objeto que despertaria o desejo e outro que lhes parecesse menos atraente. Optou--se por usar bombons de chocolate contrapondo-se a balas simples. Por meio da troca e da venda dos objetos, era possível multiplicar os recursos obtidos inicialmente. No terceiro balcão, estavam ilustradas várias opções de negócio, como: lojas, supermercados, salões de beleza. Este seria um in-vestimento que traria valores maiores na compra e venda dos objetos; quem os possuísse poderia aumentar o valor da troca e venda dos itens.

No começo do laboratório, foi notório o desconhecimento de boa parte dos alunos do que seria um planejamento baseado em objetivos e metas. Ainda dispostos em dois grupos, para que se observasse se algum deles se sobressairia, fizeram-se outras inferências sobre o comportamento dos envolvidos. Estavam inicialmente agindo mecanicamente, ao comprar e trocar os itens, porém, no decorrer da ação alguns foram percebendo que poderiam melhorar a troca e venda, adquirindo um negócio, ou compran-do em quantidades ainda maiores, já que se tinha um bom dinheiro para o investimento.

"No início não entendi a brincadeira, achei que só iria comprar e trocar os bombons, mas depois vi que eu poderia sair ganhando, tinha que fazer as trocas certas" (Maria, 12 anos).

Pareceu algo novo. Porém, o entendimento foi surgindo no decorrer das atividades. No final eles puderam expressar o que entenderam sobre a situ-ação a que foram conduzidos.

"A gente precisa saber o que quer e todo dia buscar um pouquinho pra poder conseguir, assim fica mais fácil alcançar o sonho" (Tiago, 13 anos).

Nessa fala, ficaram implícitos os conceitos de objetivo e meta, respectivamente.

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"Eu preciso estudar, todo dia, porque eu quero ser médica e dar uma vida melhor pra meus pais" (Claudia, 12 anos).

"Eu quero ter um salão, por isso eu vou estudar muito sobre beleza, moda, essas coisas" (Karine, 11 anos).

Existe uma riqueza dentro da mente das crianças: a disponibilidade para aprender. Ao final do presente laboratório, pode-se afirmar que muitos não sabiam, a priori, quais os passos certos a dar para alcançar os sonhos, os mesmos descritos no primeiro laboratório. Entretanto, agora sabem que algo precisa ser feito, que o sonho deve ser levado a sério e com ações concisas e pontuais.

Terceiro Laboratório: Construindo riquezas

Neste laboratório, trabalharam-se as atitudes positivas em relação ao dinheiro, cuidados com a cidade e com as pessoas, no intuito de fazer com que eles tivessem uma visão para além dos lucros imediatos trazidos pelo negócio adquirido, pois era necessário ter visão estratégica para que eles vencessem coletivamente.

Após uma síntese de tudo o que aconteceu nos dois primeiros labora-tórios, os alunos foram desafiados a resolver um problema hipotético com o uso do dinheiro que tinham arrecadado nos laboratório anteriores, multipli-cado por investimento fictício. Fora-lhes apresentado o seguinte problema: uma dada cidade vem sofrendo pela falta d’água devido a um exponencial crescimento populacional. Algumas medidas saneadoras serão exigidas para que o acesso à água potável seja garantido em todas as residências, dada a necessidade de saneamento básico adequado. O que fazer diante desta situação?

O Grupo 1 optou por doar todo o dinheiro em prol do benefício coletivo, e o projeto seria construir canais de coleta e transporte de água no rio mais próximo. O Grupo 2 escolheu emprestar o dinheiro para o poder público, e o projeto seria a pesquisa de viabilidade e escavação de poços artesianos.

Dessa forma, observa-se que cada grupo trouxe uma solução ao pro-blema – obviamente, dentro de algumas limitações, porque o tempo para reflexão foi de apenas dez minutos. O intuito principal era refletir sobre o uso do dinheiro e determinar ações coletivas que culminassem no benefício de todos.

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Outro aspecto importante foi o trabalho em grupo:

"Quando nós trabalhamos em grupo, podemos chegar mais rápido no nosso objetivo" (Cícero, 12 anos).

"Sozinho é mais difícil resolver esses problemas difíceis" (Carmem, 13 anos).

"A gente tem que cuidar da nossa cidade, pois ela é importante pra mim e pra minha família" (Paula, 11 anos).

Análise dos dados

Para Sarmento (1997) e Pinto (1997), as crianças possuem capacidade simbólica, e seu olhar permite a revelação de fenômenos sociais que o olhar do adulto nem sempre é capaz de contemplar. Por isso, buscar as interpre-tações das próprias crianças e adolescentes sobre os fenômenos sociais em que estão inseridos é crucial para conhecer as suas práticas e sentimentos.

Nos laboratórios, permaneceu clara a capacidade dos alunos de apren-der novas ideias e ter um pensamento crítico sobre as ações presentes para a construção de um bem futuro. Para isso, uma aluna expressou:

"Quero ser atriz, por isso vou ter que estudar cinema e estudar muito mesmo pra conseguir chegar lá".

A necessidade de entender como pensam seu futuro por meio da esco-larização e como eles entendem a pobreza é imprescindível para que seja determinado como a escola pode influenciar atitudes e fornecer subsídios para a tomada de decisões.

"Uma criança pobre pode sonhar, vai ser difícil, mas, se ela acreditar e lu-tar muito pelo que quer, pode dar um futuro melhor pra ela e pra família dela" (Aline, 13 anos).

Essa declaração é tão importante quanto tudo que já fora discutido até o momento. Quando falamos de superação, falamos de autoestima, de força de vontade, e desde que haja ambição as barreiras podem então ser

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ultrapassadas. A fala de esperança das próprias crianças nos leva a rever os próprios conceitos de "adultos".

A escola não pode se omitir de ouvir as crianças. Afinal de contas, a educação é por elas e para elas. Os currículos precisam conter o tema da pobreza e devem combatê-la, muito mais a pobreza da mente, das ideias, das vontades. Precisam reconhecer o empoderamento para criação de con-dições mínimas de superação dos limites impostos pela falta de recursos e de conhecimento. As crianças precisam aprender a tomar o seu lugar dentro da sociedade.

Os resultados sinalizam que os envolvidos veem na escola a oportunida-de de crescer na vida, que é possível sonhar mesmo estando imerso em con-dições precárias impostas pela desigualdade social. Ficou evidente também que todos entendem a pobreza como algo ruim, que traz diversos limites para o pleno crescimento em família e em sociedade, mas que não é fator decisivo para o insucesso de um cidadão na luta contra as vulnerabilidades advindas, principalmente, de privações de renda.

Em algum momento, o desconhecimento demonstrado no início do la-boratório sobre qualidade de vida e consumo consciente pode representar a falha no estudo desses conceitos dentro de casa e na própria escola. O impacto dos laboratórios na mentalidade das crianças pode ser bastante significativo. Observou-se a mudança de comportamento antes e durante as atividades, de olhares dispersos e inquietação para reflexão e entendimento.

Considerações finais

O estudo objetivou refletir nas formas de pensar, sentir e agir de crian-ças e de adolescentes de uma escola pública municipal, considerando seus modos de vida, suas percepções sobre a escola e a pobreza, e compreender quais são as imagens que elas têm de si, enquanto alunos, e como a es-cola pode dar suporte para que sejam capazes de sonhar e alcançar esses sonhos, de maneira a atingir o proposto mediante a liberdade em que as crianças puderam se expressar, como exposta em suas falas.

Os resultados sinalizam que os envolvidos veem na escola oportunidade de crescer na vida, que é possível sonhar mesmo estando imerso em condi-ções precárias impostas pela desigualdade social, como mostram algumas falas que foram bem contundentes na afirmação de que é possível sonhar e

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conquistar, bastando um esforço focado no desejo de retirar-se do meio que prende no conformismo e fatalismo.

A escola ainda foi apontada como importante na formação dos cidadãos, pois por meio da educação eles viram oportunidade de avançar na profissão que almejam. Ficou evidente ainda que todos entendem que a pobreza é algo ruim e que traz diversos prejuízos para o crescimento em família e em sociedade, mas que não é fator decisivo para o insucesso de um cidadão na luta contra as vulnerabilidades inerentes à pobreza.

O estudo reitera sua importância por chamar para a reflexão da pobreza no contexto escolar, da desigualdade como condição que alimenta a pobre-za, e de como é importante dar voz àqueles que são o foco do investimento de futuro em um país inteiro, em um estado sabidamente necessitado de ações contundentes e eficientes.

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Pobreza, evasão escolar e ausência de direitos: a realidade para muito além da "pobreza extrema" no povoado Cutias em Matinha-MAMaria Zilda Costa CantanhedeMauro Guterres Barbosa

Introdução

Este artigo busca apresentar o resultado da análise dos dados obtidos na pesquisa intitulada "Formas de pensar, sentir e agir de crianças sob a condicionalidade da educação, em escolas públicas municipais do estado do Maranhão: um estudo sobre a pobreza, evasão escolar e os direitos hu-manos, e a escola como espaço de formação e informação, no caso dos alunos de uma Escola Municipal no povoado Cutias, Matinha/MA". A referida pesquisa surgiu diante da tentativa de se encontrar respostas à problemá-tica que sempre nos inquietou, pois Maria Zilda é oriunda desse povoado e professora que almeja uma sociedade na qual os direitos básicos garantidos na Constituição Brasileira de 1988 cheguem, de fato, a todos os brasileiros. As questões que conduziram a referida pesquisa foram: Por que muitos es-tudantes do povoado Cutias não têm esses direitos assegurados? Por que a evasão escolar é um problema que aflige essa comunidade?

A mencionada pesquisa aconteceu como exigência do curso de especia-lização Educação, Pobreza e Desigualdade Social e foi realizada no período de dezembro de 2015 a julho de 2016, visando analisar os motivos pelos quais os alunos da escola Santa Maria no povoado Cutias no município de

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Matinha interrompem seus estudos e a relação dessa evasão com a pobreza e a falta de direitos básicos do cidadão. A pesquisa possibilitou mergulhar profundamente na história de vida dos moradores daquela localidade por meio de questionários aplicados junto aos alunos da escola Santa Maria e, ademais, principalmente por meio da entrevista realizada com três gerações de uma mesma família, a qual serviu para relembrar um universo que per-meava as memórias de infância e, sobretudo, imprimiu concepções novas ou modificou velhos conceitos acerca das amargas consequências da negação de direitos básicos a uma grande parcela da população brasileira.

A relação da evasão escolar com a pobreza e com a ausência de direitos básicos é tratada aqui considerando o que foi apresentado inicialmente nas entrevistas com os alunos e suas famílias, utilizando o modelo de entrevista semiestruturada, com questões abertas, haja vista esta permitir o contato visual e, principalmente, ouvir o entrevistado, percebendo sentimentos, ges-tos e expressões que muito explicam a sua opinião sobre o tema em estudo.

A fim de que possamos responder à problemática levantada e conside-rando os objetivos propostos, utilizamos a pesquisa explicativa por meio de procedimento bibliográfico-documental, tendo como fontes de pesquisas os registros escritos, as publicações na área e principalmente pesquisas fei-tas in loco com as famílias, com a comunidade escolar do entorno e com os estudantes, no sentido de fundamentar a hipótese apresentada. Em relação ao tipo de método adotamos o dedutivo, objetivando-se a conclusão da hipótese.

Os dados colhidos na pesquisa foram analisados à luz da contribuição de estudiosos do assunto. Para fins de entendimento de como se proces-sou a construção da entrevista e da análise das falas, opiniões, expressões e impressões que se conceberam no percurso da pesquisa, este artigo tenta proceder à tessitura de uma situação de vida de uma família que representa a de muitas, nessa chamada "pátria amada" a qual é permeada pela extrema carência de tudo.

É salutar destacar que o estudo sobre a evasão escolar e sua relação com a pobreza e com a ausência de direitos básicos se torna pertinente quando se pensam os direitos preconizados na Constituição Cidadã de 1988 e o pro-fundo fosso que separa a letra da Lei e a garantia daqueles, considerando a história das pessoas às quais são negados.

Na tessitura deste artigo, buscamos, inicialmente, fazer uma revisão bibliográfica que servisse de aporte teórico para o direcionamento das

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entrevistas e, principalmente, para a análise do que fosse obtido junto às pessoas envolvidas na pesquisa. Assim sendo, artigos produzidos por auto-res como Borja e Martins, Bica, Bobbio, Cardia, Santos e Carvalho foram de substancial importância tanto na construção dos instrumentos de pesquisa quanto na construção deste artigo. Os dois tópicos a seguir constituem-se muito mais do que simplesmente uma fria análise de dados. Sem querer descaracterizar o teor científico da pesquisa, compreende-se que mergulhar no universo dos que são alijados dos direitos mais básicos necessários ao ser humano é, antes de tudo, comprometer-se em fazer com que os apelos feitos por essas pessoas, mesmo que não intencionais, sejam conhecidos.

A pobreza, a evasão escolar e os direitos humanos no povoado Cutias, Matinha-MA

A evasão escolar no Brasil tem sido um grande problema que desafia não só as autoridades educacionais como também os gestores públicos e incide negativamente no desenvolvimento da sociedade. Ao que parece, existe uma profunda relação entre a evasão escolar e a pobreza, estendendo-se ao não usufruto de direitos básicos por parte de uma gama significativa da sociedade que se evade do processo educacional. Com mais de 500 anos de história, o Brasil ainda não conseguiu universalizar o direito à educação, e uma parcela significativa de sua população fica alijada de um direito que lhe é básico, como se constata na prática quando "avaliações nacionais e internacionais evidenciam que o Brasil não tem conseguido democratizar, equitativamente, o acesso ao conhecimento" (ZAGURY, 2006).

Em Matinha-MA, essa realidade não é diferente, e, no caso da localida-de pesquisada, tanto os questionários aplicados com os alunos quanto a entrevista realizada com três gerações de mulheres de uma mesma família demonstram que pobreza, evasão escolar e ausência de direitos básicos es-tão imbricadas de uma forma tão coesa que se torna difícil separar uma coisa da outra ou perceber quem é causa e quem é consequência.

No caso da família que se tomou como um dos recortes a ser pesqui-sado, constatamos que a mãe não concluiu nem as séries iniciais do Ensino Fundamental, tendo cursado só a "1a série", segundo ela, "porque procurou familha" [sic], os pais dela nem sequer estudaram, bem como seu compa-nheiro. No caso dos seus sete filhos, o Ensino Fundamental foi o maior nível alcançado por um deles; e todos, por uma ou outra razão, deixaram a escola,

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uns para viajar em busca de trabalho, outros para ajudar os pais no serviço da roça, ou para cuidar dos irmãos menores, como é o caso da filha mais velha, a qual é também uma das entrevistadas.

O contato com a família possibilitou imergir nas prováveis causas que estariam por trás da evasão escolar naquela localidade, concordando com as palavras de Borja e Martins quando dizem que "é preciso analisar as causas do fracasso e do abandono escolar, tendo em conta, a história do sujeito, de sua construção e de suas transformações" (BORJA; MARTINS, 2014, p. 3).

No que concerne à relação da evasão escolar com a pobreza, enten-demos que uma influencia a outra, gerando um ciclo que se pode dizer intransponível, pois, quanto maior o nível de pobreza do indivíduo, menor tempo ele permanece na escola; quanto menor o grau de estudo, maior é a condição de pobreza a que este indivíduo fica submetido; e, quanto menor o grau de escolaridade e maior nível de pobreza, menor é o acesso aos direi-tos básicos. Esta relação aparece nos estudos de Gusso (1998), o qual aponta que o insucesso escolar está relacionado a fatores sociais, econômicos e culturais, como a pobreza e a exclusão social.

A família objeto deste estudo enquadra-se na situação mencionada, cuja característica principal é o número significativo de filhos, algo muito comum em famílias com baixa escolaridade. Composta de 21 pessoas, sendo sete filhos e 12 netos, dos sete filhos nenhum estuda atualmente, a maioria cursou sequer o Ensino Médio. Tem-se ainda que, dos 12 netos, apenas um não fre-quenta a escola, segundo uma das entrevistadas, em virtude de ser deficien-te. A frequência regular dos netos na escola é indício de um entendimento, mesmo que frágil, de que a educação é importante para que as pessoas tenham melhores condições de vida.

A entrevista e aplicação dos questionários se tornaram necessárias em virtude do entendimento de que não se consegue compreender a evasão escolar sem imergir na história de vida das pessoas que vivenciam, geração após geração, as consequências da falta de estudo. A entrevista realizada com três gerações de mulheres, de fato, foi um aprendizado significativo, pois nos permitiu conhecer um pouco das histórias de vida daquelas mu-lheres, possibilitando-nos ter uma dimensão muito maior do que seja uma vida marcada por tantas situações e diversidades de pobrezas, falta de dig-nidade, violação de direitos humanos e civis sem nenhuma perspectiva de melhoria de suas condições de vida. É como se o tempo "parasse" para

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aquelas famílias, imprimindo nelas a solidificação e/ou continuidade de suas pobrezas.

Nesse sentido, corrobora Nancy Cardia (1995), essas pessoas são tão calejadas pelo sofrimento, negação de seus direitos e, portanto, injustiçadas que nem lutam pela efetivação destes, nem percebem que seus direitos são diariamente violados, para elas se tornou "normal" viver nessas condições precárias.

Nesta pesquisa, a qual foi realizada concomitante ao período eleitoral, percebemos ainda um possível resquício de uma prática antiga para conse-guir votos, pois, a cada período eletivo, grupos políticos ainda se utilizam da falta de consciência política e prometem atender às demandas daquela população. Ou ainda oferecem, em troca dos seus votos, dinheiro, mer-cadorias, e até serviços de saúde... Uma resolução de seus problemas de uma forma imediatista, mas sem garantia de continuidade, e essas pessoas, sem perspectivas, reféns de tal situação, aceitam. Ano após ano, mandatos após mandatos, essas demandas não são atendidas. Assim, Noberto Bob-bio (1992) enfatiza que a grande problemática que assola esta geração não consiste somente na luta para a conquista de direitos, mas, sobretudo, para garanti-los.

O problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 1992, p. 25).

Sendo assim e conhecendo a realidade da comunidade locus desta pes-quisa, observamos que a fala de Bobbio vai ao encontro desta realidade, uma vez que aos gestores públicos compete o planejamento e a execução das políticas públicas essenciais à sociedade de sua circunscrição, do seu território. Mas, para que essas demandas sejam atendidas, faz-se necessário que esta sociedade tenha certo grau de conhecimento para reivindicá-las. O que ficou claro, mediante a pesquisa, é que este inexiste, e, assim, perpetua--se a negação dos seus direitos básicos.

Nesse contexto, Noberto Bobbio (1992) ilustra nos dizendo que sem di-reitos humanos não há democracia e sem democracia não existe cidadania,

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pois na sociedade os súditos se tornam cidadãos quando a eles são dados os direitos essenciais para o exercício pleno da cidadania.

Não é o que acontece no povoado Cutias. Lá as condições de vida são extremamente precárias. As pessoas entrevistadas não têm casas de alve-naria, suas moradias são de barro e de palha, nunca tiveram acesso ao Pro-grama Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal; os cômodos são muitos pequenos, sem ventilação, e ainda dividem o espaço para dormir com mais três ou quatro pessoas.

A alimentação dá-se uma única vez por dia (apenas arroz, farinha, car-ne, peixe ou "criação do quintal"), cozida no fogão a lenha. Não dispõem de serviços de saneamento básico, bebem água diretamente do poço de cacimba, e no verão a água fica mais escassa, além de muito suja, e nunca beberam água filtrada; as necessidades fisiológicas são feitas no mato (quin-tal de casa), mesmo local onde são criados porcos e galinhas. Infere-se então que, possivelmente, esses animais acabam se alimentando das fezes ali ex-cretadas, o que, provavelmente, poderá então causar nas crianças algumas doenças, como anemia e verminoses.

Como se não bastasse, as famílias vivem em total abandono, à margem do que se considera minimamente possível para viver "bem". A via de acesso à sede do município é cheia de buracos, com maiores dificuldades durante o inverno, quando a estrada se torna praticamente intrafegável. Esta lamen-tável realidade, Milton Santos (1997) chama de "cidadanias mutiladas" e cor-robora: "cidadão é o indivíduo que tem a capacidade de entender o mundo, a sua situação no mundo e de compreender os seus direitos para poder reivindicá-los" (SANTOS, 1997, p. 133).

No entanto, questionamos: como essas pessoas podem reivindicar seus direitos se, ao longo do tempo, lhes foi negado o direito à educação de qualidade a qual os poderia libertar da ignorância de forma que a terem co-nhecimentos suficientes para lutar pela garantia dos demais direitos sociais?

Diante do exposto, constatamos a importância da educação como porta de entrada para a cidadania, pois sem ela não haverá perspectivas de mu-dança desta triste e assustadora realidade para as gerações futuras.

Neste contexto, descrevemos os diferentes grupos de cidadãos, analisa-dos por José Murilo de Carvalho (1995), que são:

• Os "cidadãos doutores",1 os mais prestigiados (minoria da população);

1 Grifos do autor.

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• Os "simples cidadãos", que têm educação básica, de classe média baixa, muitos conhecem seus direitos, entretanto, uns lutam por eles, outros não, mas acabam usufruindo destes;

• Os "cidadãos elementos", maior parte da população brasileira, são ci-dadãs e cidadãos que sobrevivem em condições sub-humanas, são vio-lados por outros cidadãos, bem como pelos gestores que por eles são eleitos para representá-los, isto é, votam, fazem parte de organização social, o que então lhes confere o título de cidadão, portanto, são cida-dãos legais, mas na realidade não passam de cidadãos explorados, um cidadão real.

Com relação à entrevista, esta nos possibilitou conhecer três gerações de mulheres e sua história, pois, ao mesmo tempo em que se buscavam elementos sobre a vida da Entrevistada 1, se conheceu também a vida de sua genitora, a qual sequer chegou a frequentar a escola, como já dito, não sabendo ler nem escrever, e de acordo com o que percebemos ao longo da entrevista as condições de pobreza eram ainda piores.

A situação de pobreza a que está submetida essa família há três gera-ções se assemelha ao que se observa no documentário "Severinas",2 que apresenta a vida de várias mulheres da cidade de Guaribas, no Piauí, as quais têm a mesma história de pobreza, baixa ou nenhuma escolaridade e sem acesso a direitos básicos. Assim como no documentário, as mulheres do po-voado Cutias vivem "como dá", nunca tiveram emprego, são analfabetas ou leem de forma precária e, praticamente todas têm muitos filhos, existindo, assim, comunalidades entre tais realidades.

Outro fato que se assemelha entre as entrevistadas da pesquisa e as guaribeiras do documentário é o recebimento do benefício do Programa Bolsa Família (PBF) do Governo Federal3 e a compreensão de que o referido benefício é uma ajuda muito grande, como destaca a Entrevistada 1 (E1):

2 Vídeo produzido por Eliza Capai, retratando a vida das mulheres da cidade de Guaribas--PI, no período de junho a agosto de 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vt62puheABw>. Acesso em: 20 nov, 2016.

3 O Programa Bolsa Família é um Programa Federal de transferência direta de renda des-tinada às famílias em situação de pobreza (com renda mensal de R$ 70,00 a R$ 140,00 por pessoa) e extrema pobreza (com renda mensal abaixo de R$ 70,00 por pessoa). AQUINO, Carla Botrel Consentino de. FERREIRA, Viviane Capitani. http://www.cress--mg.org.br, ACESSO EM 28.11.16

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Nunca, antes "sube" o que foi ter meu dinheirinho, agradeço muito a Deus por esse "Bolsa Família", é com esse dinheiro que compro quase tudo pra casa, se não fosse esse, ah! Meu Deus, não sei o que seria de mim e meus filhos (E1).

Diante da situação observada no povoado Cutias, trazemos para o cená-rio de discussão o termo capabilidades,4 algo que não se percebe haver nas entrevistadas. Elas não demonstram muita perspectiva de melhoria das con-dições de vida a que estão submetidas, a não ser por um "milagre de Deus". Dizem ter fé e esperança que Deus um dia irá mudar suas condições de vida. Elas têm apenas uma frágil concepção de que a educação pode ser um ins-trumento para melhoria de vida dos filhos, muito embora percebamos, em suas falas, que a preocupação com a frequência dos filhos na escola esteja muito mais relacionada com a possibilidade de perda do benefício do que propriamente com a aprendizagem deles, talvez pela falta de vivência que as leve a uma efetiva compreensão da educação no processo de ascensão social e melhor acesso a direitos básicos.

Outro conceito que necessita fazer parte neste cenário é o de empo-deramento feminino, entendido aqui, conforme apresentado pela Organi-zação das Nações Unidas, como ação que consiste no posicionamento das mulheres em todos os campos sociais, políticos e econômicos, necessidade gritante na realidade onde se desenrolou esta pesquisa.

Na realidade não há efetivação de políticas públicas para aquelas famí-lias, nem mesmo as condicionalidades do tripé saúde, educação e assistên-cia, para que recebam o benefício do PBF. Falta ainda muito para que seus direitos sejam garantidos, muito embora entendamos que os objetivos do referido benefício sejam "combater a miséria e a exclusão social e promover a emancipação das famílias mais pobres", como destacam Aquino e Ferreira (2013). Observamos, pois, que não existem ações que busquem desenvolver nessas famílias as capabilidades que poderiam levá-las a não depender mais do benefício. Não foi possível percebermos nenhuma iniciativa por parte da Assistência Social do município no sentido de oferecer cursos ou formações aos beneficiários desse programa, o que indica que estes dificilmente de-senvolverão alguma capabilidade.

4 O termo capabilidades é utilizado aqui como imbricação das palavras capacidade e habilidade no sentido de tornar mais específico e completo o que se quer inculcar.

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Assim como nas entrevistas, as respostas dadas aos questionários tam-bém dão os mesmos indicativos de que a frequência à escola esteja muito mais ligada ao recebimento do benefício do Programa Bolsa Família do que propriamente com a aprendizagem das pessoas.

A escola como espaço de formação e informação no povoado Cutias em Matinha-MA

A escola constitui-se a maior e mais privilegiada instituição de transmis-são de conhecimentos sistematizados, pois cabe a ela a função social de informar e formar cidadãs e cidadãos capazes de estabelecer as relações plurais, diversas e adversas das mais discrepantes situações-problema que a vida muitas vezes impõe, cujas vivências se dão nas famílias, igrejas, movi-mentos sociais etc.

Neste sentido, observa-se que os indivíduos de uma sociedade são pro-dutos do meio social em que vivem e convivem. Assim sendo, faz se necessá-rio que a escola seja cidadã e saiba "ler" a forma organizacional da socieda-de, especialmente de sua realidade local, para assim traçar as diretrizes que nortearão o processo educacional de sua clientela, partindo do pressuposto de que o conhecimento é conquistado diariamente.

No nosso ambiente de investigação, a escola Santa Maria pertence à esfera municipal. Ela segue as diretrizes que a Secretaria Municipal da Edu-cação determina, por meio dos seguintes institutos pedagógicos: a Propos-ta Curricular (PC), o Projeto Político-Pedagógico (PPP) e o Plano Municipal de Educação (PME), o qual norteia as principais metas a serem alcançada num período que corresponde à década da educação, entre 2014 e 2024. Na escola existe também o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), mas, mesmo assim, ainda falta merenda escolar, além da escassez de materiais didáticos, pois o recurso não é suficiente para atender às demandas edu-cacionais e básicas, tanto da gestão quanto de professores e estudantes, principalmente.

Quanto aos espaços físicos da escola, são irregulares e estão totalmente fora dos padrões mínimos de conforto que estimulem a permanência dos alunos em sala de aula. São extremamente pequenos, sem ventilação e es-curos, não favorecendo a aprendizagem dos alunos.

No que se refere à pesquisa realizada na escola, os questionários foram aplicados com os discentes do turno vespertino, envolvendo 24 estudantes

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com idade entre 12 e 17 anos (pois há distorção idade-ano) que estudam em classes multisseriadas.

O turno tem a seguinte composição: sete alunos do 6o ano e 11 alunos do 7o ano formam uma turma; quatro alunos do 8o ano e dois do 9o ano formam outra turma. Uma realidade triste no cenário educacional, nestes tempos, são as salas multisseriadas, o que, sem dúvida, dificulta bastante a aprendizagem dos alunos. De acordo com relatos dos estudantes, eles afirmam que não têm aprendido muito ultimamente, o que ficou claramente demonstrado em algumas atividades escritas a eles propostas, cujos erros são grotescos para alunos deste nível de ensino.

Todos os alunos reclamaram da dificuldade em assimilar conteúdos, de-vido ao fato de estudarem em salas multisseriadas, como destaca o Aluno 2, que respondeu ao questionário: "tem dia que a gente não aprende nadinha [sic], porque tem uma confusão, a gente não sabe se é pra nós ou se é pra o outro ano" (AQ2).

Os professores também comentaram sobre as dificuldades que enfren-tam para ministrar suas aulas. O Professor Entrevistado 1 ressalta que é "um planejamento difícil de fazer, o fato de ser multisseriado atrapalha o proces-so ensino-aprendizagem dos alunos" (PE1).

Os estudantes vão à escola a pé, já que o município não oferece trans-porte escolar. Uns moram perto, outros mais distante.

Os estudantes são, em sua maioria, descendentes de quilombolas. Não há estudantes indígenas nem assentados do Movimento Sem Terra (MST). Todos da comunidade são trabalhadores e trabalhadoras rurais. Os alunos ajudam na lavoura, mas todos eles recebem o benefício do PBF.

Relatos dos envolvidos nessa investigação apontam que a diminuição de terras produtivas,5 próximas de suas casas, leva as famílias a fazerem suas roças cada vez mais distantes da comunidade.

Em se tratando da religião, observamos que muitos dos entrevistados se consideram católicos, mas dizem não frequentar igrejas, a não ser quando na comunidade são realizados os festejos tradicionais, como as novenas de Santa Maria, que, como o próprio nome diz, são nove encontros nos quais são feitas as rezas compostas de ladainhas e outras orações católicas. São nove as pessoas responsáveis, entretanto, toda a comunidade participa das

5 A degradação das terras é ocasionada pela forma de preparo do solo para o cultivo, que é ainda muito rudimentar, feito por meio da queimada, conhecido como roça no toco.

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rezas. No final sempre tem o sorteio para ver quem será o "dono" da festa no ano seguinte.

Constatamos também que no povoado não há espaços de recreação e lazer, apenas campinhos de jogar peladas nos fins das tardes e/ou fim de semana, em algum campeonato interpovoados. O espaço de dança é um grande barracão de reggae coberto de palha, e a maioria dos estudantes diz frequentar esses festejos.

Também não há posto de saúde na localidade. Para pequenas interven-ções, como suturas e curativos, a comunidade vai ao posto de saúde mais próximo, no povoado Preguiça I, e, para necessidades mais graves, procu-ram o hospital da sede do município e/ou a capital, São Luís. De igual modo, não há posto de polícia, apenas na sede, e somente dois policiais por dia são responsáveis por quase 23 mil habitantes. Quanto aos serviços de aten-dimento aos cidadãos, o povoado conta com um cartório para emissão de registros de nascimento, imóveis etc., e a Regional de Viana possui um Shop-ping do Cidadão (espaço destinado à emissão de documentos, além de con-centrar inúmeros serviços de utilidade pública) para os demais documentos pessoais, além do cartório eleitoral. Todos esses espaços ficam longe da comunidade, o que dificulta muito o acesso. Muitos nem têm documentos necessários para serem sequer cadastrados nos programas sociais, apesar de essa realidade ter melhorado muito nos últimos anos.

Outro fator observado é que não há espaços próximos para que a co-munidade interaja socialmente, ou seja, há uma distância significativa entre os espaços urbanos e a comunidade local. Os povoados são distantes ge-ograficamente uns dos outros, além de não existirem espaços comunitários para convivência entre os moradores, a não ser clubes de reggae. Não exis-tem iniciativas nem por parte das autoridades municipais nem por parte de associações de moradores locais no sentido de possibilitar a vivência dos habitantes dos povoados.

Outra observação importante é que não há uma participação efetiva das famílias na comunidade escolar. Percebemos um hiato gigantesco entre es-cola e família, o que, possivelmente, agrava ainda mais a não percepção da educação como alternativa de mudança das suas condições de vida.

É bem verdade que, nas últimas décadas, se intensificou massivamente a temática da cidadania e dos direitos humanos. Muitas são as esferas que colocaram esses assuntos nas pautas de discussões, como: movimentos sociais, imprensa, partidos políticos, organizações sindicais, instituições

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governamentais e não governamentais, bem como o meio acadêmico. No entanto, ainda se convive com uma realidade na qual há uma gama de direi-tos negados aos estudantes da escola pública e suas famílias.

Em se tratando dos alunos da escola em que tomamos como recorte a ser pesquisado, percebemos que estes não dispõem nem do mínimo para que tenham uma educação que se possa dizer "básica", pois muitas vezes nem mesmo água potável eles têm. Falta praticamente tudo, além de ser uma escola multisseriada, o que prejudica muito a aprendizagem dos alunos, além de tantas outras circunstâncias, dentre as quais podemos destacar a falta de perspectiva dos alunos em relação à escola, pois estes não conse-guem vislumbrar a educação como instrumento que os levaria a ascender social e economicamente. A necessidade momentânea leva-os a abandonar a escola em troca de um subemprego, longe de seus familiares, em situa-ções em que praticamente são levados à condição de escravos, ou mesmo servindo de mão de obra barata, o que, certamente, contribuirá para manter o ciclo de pobreza, como já mencionado anteriormente.

Outro fato percebido nos questionários e que acreditamos contribuir para a continuidade desse ciclo é que, dos 24 alunos entrevistados, todos demonstraram não ter conhecimentos sobre direitos básicos, um dado bas-tante assustador e preocupante para os dias de hoje. Eles sabem que as "coisas" não estão bem, todavia não sabem falar em direitos humanos. "A gente sabe que tem direito, sim..." [sic], disse um aluno.

Sobre a evasão e repetência, as respostas aos questionários demons-tram que alguns já se evadiram e depois retornaram, ou conhecem alguém que já tenha vivido essa situação. Muitos deles também já repetiram a série.

Diante desse cenário, a evasão é uma realidade em que escola está inse-rida, e, portanto, coaduna-se com o que foi dito pelas pessoas entrevistadas as quais relatam os motivos pelos quais os membros de sua família abando-naram a escola.

Entendemos que para que o aluno permaneça na escola é necessário que a ele sejam garantidas as condições que favoreçam sua frequência e, principalmente, sua permanência na escola. No caso do povoado Cutias, em específico, a pesquisa aponta que, devido à injusta realidade social a qual aqueles alunos vivenciam, o abandono da escola é histórico desde os mais remotos tempos e, certamente, de qualquer maneira está vinculado à persis-tente luta pela sobrevivência, tanto por parte dos alunos como também por

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parte de seus pais ou responsáveis. Neste sentido, a opinião de Bica (2011) confirma o que aqui se apresenta, quando ela diz:

A esse respeito se observa que, ao longo dos anos que separam o início da instalação de uma política educacional no país, sucessivos levanta-mentos revelam uma cronificação deste estado de coisas praticamente imune às tentativas de revertê-lo, seja através de sucessivas reformas educacionais, seja através da subvenção de pesquisas sobre suas causas, seja pelo caminho de medidas técnico-administrativas tomadas pelos órgãos oficiais (BICA, 2011, p. 2).

No que se refere às respostas dadas pelos alunos no questionário, ob-servamos a falta de perspectiva e incredulidade na educação como instru-mento de melhoria das suas condições de vida, além de um conformismo com essa situação. No sentido de romper com essa visão, realizamos uma ação motivadora denominada "Oficina de Sonhos", na qual estudantes universitários de diversos cursos da Universidade Federal do Maranhão, os quais são também oriundos de escolas públicas, puderam demonstrar que é possível transpor as barreiras que levam à evasão escolar e adentrar os muros das universidades, bem como ultrapassar os mesmos muros e, tam-bém, ser exemplo de que é possível, sim, "sonhar sonhos possíveis", basta acreditar, ter esperança, se mover, como tão bem ilustra o eterno professor Paulo Freire.

Quando pensamos na "Oficina de Sonhos", consideramos a sua reali-zação por jovens, basicamente da mesma faixa etária, levando em conta, dentre outras questões, a linguagem (de adolescente para adolescente, de jovem para jovem) e, principalmente, o fato de já se encontrarem na univer-sidade em tão tenra idade.

Faz-se mister destacar que todo este trabalho foi construído com base na crença veemente de que a educação é a porta para a libertação da ig-norância, no entanto, a pesquisa realizada no povoado Cutias dá indicativos de que isso não tem acontecido de forma significativa para os moradores daquela localidade. Os jovens, ao que parece, não têm perspectivas de me-lhoria das suas condições de vida, pois não conseguem perceber a educação como essa porta que os levaria a uma vida melhor e acabam por abandonar seus estudos e engrossar a massa de pessoas que saem deste município e, até mesmo, deste estado para tentar a vida em subempregos em outros lugares, o que só reforça a afirmação inicial deste parágrafo de que só por

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meio da educação as pessoas consigam evitar o ciclo tecido pela pobreza, pela evasão escolar e pela exclusão social.

Considerações finais

A evasão escolar é uma realidade histórica nos municípios mais pobres do Brasil, e muitas são as razões pelas quais os alunos se evadem. Diante desta perceptível realidade optamos por pesquisar as principais causas de evasão e a relação com a pobreza e/ou negação dos direitos humanos dos alunos da escola Santa Maria no povoado Cutias do município de Matinha--MA, bem como de suas famílias.

O povoado Cutias, locus da pesquisa, está situado a 27 km da sede do município de Matinha-MA, mesorregião norte maranhense, microrregião da Baixada Maranhense, da região de Campos e Lagos, a 248 km da capital São Luís. Nesta localidade existem muitas famílias que vivem em situação de extrema pobreza.

A análise dos dados colhidos por meio do questionário aplicado junto aos alunos evidenciou que estes têm poucas perspectivas no que se refere ao entendimento de que a educação é singular para que eles possam sair da condição de pobreza na qual estão inseridos.

Em se tratando da família entrevistada, constatamos que a situação de pobreza a que está submetida perpassa por gerações e, mesmo que a quarta geração esteja frequentando a escola, infelizmente, ainda não conseguimos perceber o entendimento de que a educação possa levá-los a adquirir me-lhores condições de vida. Há uma forte esperança e fé de que Deus venha tirá-los dessa situação.

Partindo do exposto, não dá para mensurar o padrão de vida mínimo para aquela família, mas são perceptíveis as necessidades básicas, como ali-mentação adequada, saúde e moradia, que precisam ser atendidas. Apesar de serem direitos sociais garantidos por lei, na prática, eles nunca foram efetivados ao longo da história dessa família, desde gerações passadas. De acordo com o relato da entrevista, não percebemos grandes expectativas de melhoria na qualidade de vida. Há uma "pobreza" tão grande e, ao mesmo tempo, uma "aceitação" desta condição de vida, já cristalizada, além de uma esperança, fé em Deus, com um pensamento preconizador de que Deus irá mudar essa realidade. Percebe-se também que, mesmo recebendo o bene-fício do Programa Bolsa Família (o que mudou consideravelmente suas vidas,

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Pobreza, evasão escolar e ausência de direitos: a realidade para muito além da “pobreza... | 43

do ponto de vista de atendimento básico), tal família não tem outra fonte de renda, senão a agricultura de subsistência.

Acreditamos que um trabalho mais eficaz e eficiente de acompanhamen-to à família, como atendimento de profissionais de saúde, assistência social, bem como de toda a equipe do poder público municipal, seria uma medida necessária, pois assim tanto esta como outras famílias poderiam desenvolver suas capabilidades, no sentido de, por exemplo, produzir alimentos mais adequados e saudáveis por meio de construção de hortas, receber orien-tação sobre controle de natalidade, ter acesso a saneamento básico, cons-trução de poços artesianos, promover o empoderamento das mulheres, o empreendedorismo para que saiam da condição de beneficiários para autô-nomos, enfim, uma gama de alternativas que poderia otimizar e desenvolver as capabilidades, as quais não poderão ser concretizadas caso não haja uma iniciativa por parte do gestor municipal local, no sentido de planejar e exe-cutar políticas e ações públicas que possam efetivamente contribuir para o desenvolvimento dessas capabilidades.

Acreditamos ainda que é necessário que o gestor municipal cumpra para com o seu papel no planejamento de uma política efetiva de modo a garantir, no mínimo, saúde e educação para que as famílias daquela loca-lidade consigam transpor o ciclo formado pela pobreza, evasão escolar e ausência de direitos.

No entanto, cremos que algumas das ações realizadas em consequência desta pesquisa, como a Oficina de Sonhos, realizada por jovens universitá-rios e direcionada aos alunos envolvidos que responderam aos questioná-rios, possam se constituir um instrumento de reflexão para despertar nesses jovens o interesse não só de poderem um dia ingressar em uma universida-de, mas, acima de tudo, de terem uma consciência crítica como cidadãos, os quais devem estar cientes de seus direitos e jamais conformados com a triste realidade que os cerca, servindo assim de agentes disseminadores de tal ideia entre seus familiares e comunidade em geral.

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BORJA, I. M. F. S.; MARTINS, A. M. O. Evasão escolar: desigualdade e exclusão social. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, Lisboa, 2012.

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O Programa Bolsa Família e o direito à educação no Brasil: uma revisão narrativa da literaturaPâmella Alves Dias Vaz

Introdução

A educação impacta diretamente todas as áreas da sociedade, ela é responsável pelo crescimento intelectual de uma pessoa e também pelo desenvolvimento de uma nação. A importância da educação chega a ser vital tanto para a formação do caráter e socialização do ser quanto para o crescimento e instrução moral de um país.

Muito embora seja um direito inerente à pessoa humana, assim reconhe-cido pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 26, e salvaguardado constitucionalmente (Constituição Federal de 1988, Art. 205 a 214), além de possuir farta fun-damentação supraconstitucional, como a Lei 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a Lei 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação, a Lei 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei 11.494/2007, que regulamenta o fundo de manutenção e desenvolvimento da Educação Básica, entre outras, a educa-ção encontra diversas barreiras à sua efetivação, em seu exercício na prática, como bem destaca Érnica: "É preciso haver instrumentos para verificar o cumprimento do direito à educação e para assegurar que os responsáveis pela obrigação de assegurá-lo cumpram esse dever" (ÉRNICA, 2013, p. 1330).

As principais objeções à garantia do direito à educação no Brasil são a desigualdade social e a pobreza, uma vez que são determinantes no ingresso

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precoce de crianças no mercado de trabalho e consequentemente na eva-são escolar. Os custos para se manter as crianças na escola são elevados, e a complementação da receita familiar é uma questão de sobrevivência. Iniciando de forma precoce no mercado de trabalho, elas normalmente dei-xam de frequentar a escola, transformando-se em adultos com baixa esco-laridade, com acesso a empregos precários e de uma baixa renda. Isso gera um círculo vicioso, contribuindo para a manutenção dos mecanismos de reprodução da pobreza, conforme aponta Bronzo: "A prioridade de redução da exclusão e da desigualdade, em uma visão estratégica, teria de se tornar uma preocupação constante das políticas econômicas, da mesma forma que a estabilidade e o crescimento econômico" (BRONZO, 2006, p. 311).

A melhor maneira de se aumentar o grau de escolaridade é elevando a frequência escolar e o tempo de permanência na escola, algo que, no Brasil, é fundamental para a redução da desigualdade de rendas. A desigualdade de oportunidades na educação, que dificulta o acesso da população mais pobre a níveis mais elevados de educação, não só restringe a expansão do ensino, mas também gera desigualdade social.

Com vistas a este enfrentamento, o Estado desenvolveu um conjunto de programas, ações e atividades, com a participação de entes públicos e privados, que visam assegurar direitos, as chamadas políticas públicas. Um destes programas, elaborado pelo governo federal brasileiro no ano de 2003, é o Programa Bolsa Família, que tem como finalidade reduzir a des-proporção de oportunidades, visando abrandar diretamente as limitações financeiras e alimentares e, em médio prazo, produzir uma geração indepen-dente, apta a criar renda mediante sua introdução no mercado de trabalho (MARTINS, 2009).

Segundo a Lei 10.836/2004 e o Decreto 5.209/2004, o PBF é um progra-ma de transferência direta de renda para famílias com baixa renda e que se encontram em condição de pobreza e extrema pobreza, garantido seus direitos fundamentais, que são alimentação, saúde e educação, determinan-do condições para que o benefício seja repassado para as famílias (BRASIL, 2004a, 2004b).

O Programa Bolsa Família constitui-se no principal programa no âmbito da Estratégia Fome Zero. Tem por objetivos: combater a fome, a pobreza e as desigualdades por meio da transferência de um benefício financeiro associado à garantia do acesso aos direitos sociais básicos como saúde, educação, assistência social e segurança alimentar; promover a inclusão

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social, contribuindo para a emancipação das famílias beneficiárias, cons-truindo meios e condições para que elas possam sair da situação de vulnerabilidade em que se encontram (SILVA, 2007, p. 1454).

O PBF utiliza como limite para definição de pobreza e extrema pobreza esses dois patamares: famílias com renda por pessoa de até R$ 85,00 men-sais e famílias com renda por pessoa entre R$ 85,01 e R$ 170,00 mensais, des-de que tenham crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos. O valor do benefício recebido pode variar, partindo inicialmente de R$ 85,00, dependendo do número e da idade dos filhos, entre outros critérios. Já as famílias conside-radas extremamente pobres, com renda mensal de até R$ 85,00 por pessoa, podem participar independentemente da idade dos membros da família. As principais condicionalidades são: vacinação conforme o calendário vacinal e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos; e acompanhamento da saúde das mulheres na faixa de 14 a 44 anos e de gestantes e nutrizes. Na educação, todas as crianças e adoles-centes entre 6 e 17 anos devem estar matriculados na escola e apresentar a frequência escolar mensal de, pelo menos, 85% das aulas para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos (BRASIL, 2016).

Como o Bolsa Família é um programa de bem-estar social que impõe como condição para o recebimento da renda a frequência escolar do aluno, torna-se necessário conhecer como ocorre a relação entre esse programa e as escolas em busca da redução da evasão dos alunos e da inclusão escolar. Acredita-se que por isso esse programa contribui, mesmo que indiretamen-te, para que a educação oferecida sofra melhorias, posto que o recebimento do benefício está condicionado à manutenção da criança na escola. É o que este estudo pretende avaliar por meio do levantamento de artigos científi-cos que abordam as possíveis contribuições do PBF como variável indepen-dente na efetivação do direito à educação da sua população beneficiária.

Metodologia

Foi realizado um levantamento bibliográfico de referências sobre o tema de estudo. A base de dados selecionada foi a Scientific Electronic Library Online (SciELO), pois ela contempla uma importante coleção de periódicos nacionais que disponibiliza acesso aberto a artigos completos. A busca foi realizada no período de 29 de setembro de 2016 a 26 de novembro de

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2016. Utilizou-se como descritor o termo "Bolsa Família", sem delimitação de período. O primeiro levantamento identificou 41 artigos (Apêndice A). Os critérios de seleção dos artigos foram abordagem do tema em estudo, ou seja, o direito à educação, e o idioma do artigo (português). Num primei-ro momento, seis artigos foram excluídos por causa da redação em outros idiomas (cinco em inglês e um em espanhol). Em seguida, os resumos dos 35 artigos restantes foram lidos, e foi verificada a sua relação com a temática em estudo. Após essa fase de análise dos resumos, foram selecionados sete artigos (Apêndice B) para análise do PBF no favorecimento ou ampliação do direito à educação. Foi realizada leitura completa e fichamento dos artigos, conforme demonstrado na Figura 1.

A busca na base eletrônica de dados SciELO obteve como resultado ini-cial 41 artigos. Foi feito um refinamento utilizando como critério de inclusão o termo "direito à educação" de artigos em língua portuguesa. Após o se-gundo refinamento foram selecionados sete artigos que analisaram o impac-to do Programa Bolsa Família sobre a educação, sendo excluídos 34 artigos de estudos em língua estrangeira ou relacionados a outros temas que não permitiram estabelecer uma associação entre o PBF e o direito à educação.

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Figura 1 Método de busca na base de dados SciELO e critérios de seleção dos estu-dos para análise.

Fonte: elaboração própria.

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Resultados e discussão

A maioria dos autores tem formação na área de ciências econômicas, tratando-se de mestres ou doutores em suas atividades e fortemente liga-dos à área de pesquisa, conforme demonstrado no quadro a seguir:

Quadro 1 Formação acadêmica, área de atuação e procedência dos autores dos arti-gos selecionados.

Autores Formação acadêmica

Área de atuação

CASTRO, Henrique Carlos de Oliveira et al.

Doutor em Ciência Política

Pesquisador e professor convidado no The Kellogg Institute for International Studies da University of Notre Dame

Porto Ale-gre, Brasil

CAVALCANTI, Daniella Medeiros; COSTA, Edward Martins; SILVA, Jorge Luiz Mariano

Doutora em Economia

Membro do grupo de pesquisa Estratégia para o Desenvolvimento do Nordeste, da UFRN

Natal, Brasil

ESPINOLA, Gepherson Macêdo

Mestre em Sociologia Política

Professor da Universida-de Federal do Recônca-vo da Bahia (UFRB)

Bahia, Brasil

MARQUES, Rosa Maria Doutora em Economia

Professora titular do Departamento de Eco-nomia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)

São Paulo, Brasil

MELO, Raul da Mota Silveira

Doutor em Economia

Professor do Departa-mento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco

Pernambu-co, Brasil

ROCHA, Sonia Economista Pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS)

Rio de Ja-neiro, Brasil

ZIMMERMANN, Clóvis Roberto

Doutor em Sociologia Política

Assessor de políticas públicas e direitos huma-nos da FIAN Brasil

Goiânia, Brasil

Fonte: elaboração própria.

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Dois estudos utilizaram como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, dois pautaram-se basicamente em pesquisas bibliográficas de modo geral, dois em pesquisa de amostra da população, e um fez uso de dados primários (pesquisa de amostra da população) e secundários (dados da PNAD). Quatro estudos tiveram abrangência em todo o terri-tório nacional, e três na região Nordeste do Brasil.

Quatro estudos avaliaram como positivo o impacto do PBF no favore-cimento e/ou ampliação do direito à educação, dois estudos avaliaram que o PBF não trouxe evoluções com relação ao tema, e um considerou como neutros seus efeitos, como demonstrado no quadro a seguir:

Quadro 2 Artigos analisados, ano de publicação, abrangência territorial do estudo e avaliação do autor quanto ao impacto do PBF com relação à educação.

Autor Artigo Ano Abran-gência territorial

Avaliação do impacto do PBF com relação à educação

Zimmer-mann

Os programas sociais sob a ótica dos direitos humanos

2006 Nacional Negativo

Castro et al.

Percepções sobre o Programa Bolsa Família na sociedade brasileira

2009 Nacional Positivo

Melo e Duarte

Impacto do Programa Bolsa Família sobre a frequência escolar: O caso da agricultura familiar no Nordeste

2010 Região Nordeste

Positivo

Rocha S. O Programa Bolsa Família: evolução e efeitos sobre a pobreza

2011 Nacional Negativo

Marques R. Políticas de transferência de renda no Brasil e na Argentina

2013 Nacional Positivo

Cavalcanti, Costa e Silva

Programa Bolsa Família e o Nordeste: Impactos na renda e na educação, nos anos de 2004 e 2006

2013 Região Nordeste

Positivo

Espínola e Zimmer-mann

Programas sociais no Brasil: um estudo sobre o programa bolsa família no interior do Nordeste brasileiro

2015 Municipal Neutro

Fonte: Elaboração própria.

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Zimmermann (2006), em um estudo teórico, discorre sobre os obstáculos do PBF sob a ótica dos direitos humanos e, apesar de reconhecer os avanços no combate à fome no Brasil após a implantação do programa, discorda das condicionalidades impostas por este. Como a educação se trata de um direito, ao seu exercício não se devem impor contrapartidas ou exigên-cias, a condição de pessoa deve ser o requisito único para sua titularidade. Considera que a responsabilidade em garantir o provimento e a qualidade desses serviços aos portadores desses direitos compete aos poderes pú-blicos responsáveis. No seu entendimento o Estado não deve punir e, em hipótese alguma, excluir os beneficiários do programa quando do não cum-primento das condicionalidades estabelecidas e/ou impostas. Dever-se-ia responsabilizar os municípios, estados e outros organismos governamentais pelo não cumprimento de sua obrigação em garantir o acesso aos direitos atualmente impostos como condicionalidades. Destarte, o impacto do PBF é secundário, pois a garantia ao acesso à educação efetiva é que seria o vetor determinante em relação à frequência escolar.

Castro et al. (2009) realizaram um estudo sobre as percepções da popu-lação brasileira sobre o Programa Bolsa Família no bojo da pesquisa "Per-cepção sobre os Programas Federais", que incluiu metodologias qualitativas e quantitativas para captar a percepção na sociedade sobre programas federais nas áreas social, de educação, saúde, infraestrutura, comunicação, segurança e economia. A etapa quantitativa envolveu coleta de dados em uma amostra da população brasileira, urbana e rural, com inferência de nível regional. A amostra totalizou 6001 entrevistas domiciliares em 214 municí-pios de 25 unidades da federação brasileira. Os participantes avaliam como positivos os avanços trazidos pelo PBF, mesmo considerando problemas em sua execução. O fomento à educação é de tal forma perceptível que 83% das pessoas perceberam que o objetivo de manutenção das crianças na escola foi alcançado. Beneficiários em todo o país consideraram que é importante frequentar a escola, principalmente, para conseguir trabalho ou emprego (49,5%). Também foram bastante indicados os motivos de ter instrução (46,1%) e subir ou melhorar de vida (40,9%). Esses resultados demonstram que, mesmo para os mais pobres entre os pobres, o estudo e o trabalho se apresentam como valores. É possível depreender dessa combinação de resultados que a melhoria de vida deverá decorrer da melhoria na instrução, que reverterá, por sua vez, em maiores chances de conseguir trabalho com melhor remuneração.

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Melo e Duarte (2010) avaliaram o impacto do PBF sobre a frequência escolar de crianças e adolescentes de cinco a 14 anos na agricultura familiar dos estados de Pernambuco, Ceará, Sergipe e Paraíba, utilizando-se de da-dos primários (pesquisa de campo) e dados secundários (PNAD 2005). Os dados primários provêm da pesquisa de campo do projeto Dom Helder Câ-mara (UFPE), realizada junto a famílias de produtores rurais dos estados em estudo, com amostra composta de 745 crianças de domicílios que recebem ou não recursos do Bolsa Família residentes no meio rural onde a atividade principal da propriedade é a agricultura. Desse conjunto, foram constituídos dois grupos, um formado por crianças e adolescentes de cinco a 14 anos que moravam em domicílios rurais beneficiados com recursos do Bolsa Família (grupo beneficiado pela política), e outro englobando domicílios rurais sem acesso a recursos do programa. Concluíram que, de forma geral, o progra-ma eleva a frequência escolar das referidas crianças no intervalo de 5,4 a 5,9 pontos percentuais. Contudo, há importantes diferenças quando se consi-deram meninas e meninos separadamente, sendo o programa eficaz no pri-meiro caso e ineficaz no segundo, ou seja, apesar da avaliação positiva para as meninas, não parece haver efeito do programa sobre a frequência escolar dos meninos, o que pode estar associado a diferenças de gênero nos custos de oportunidades do investimento em capital humano no meio rural.

Rocha (2011), ao analisar a evolução recente do Programa Bolsa Famí-lia no que diz respeito à focalização e cobertura da sua população-alvo, utilizando informações do suplemento das PNADs 2004 e 2006, portanto, independentes das informações administrativas do Ministério do Desenvol-vimento Social e Combate à Fome (MDS), responsável direto pelo programa, conclui que o atendimento das condicionalidades do PBF não representou uma demanda adicional desafiadora sobre a área da educação, uma vez que, nos anos 2000, 96,5% das crianças entre 7 e 14 anos já frequentavam a escola, o que significa que já se havia avançado bastante na provisão de serviços sociais, e, portanto, quando da implantação do PBF a educação já apresentava um quadro estável.

Marques (2013) analisou comparativamente dois dos programas/políti-cas da segunda geração: O Programa Bolsa Família (PBF) e a Asignación Universal por Hijo (AUH), desenvolvidos no Brasil e na Argentina, respec-tivamente. Os aspectos analisados são: a) a forma como essas políticas se relacionam como sistema público de proteção social, isto é, sua institucio-nalidade, de modo a configurar um direito ou uma "benesse"; b) a ideia ou

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não de transitoriedade da situação de pobreza; c) a importância relativa dos benefícios concedidos e os critérios de acesso que definem os beneficiários ou "clientelas". Com exceção da importância relativa dos benefícios, que é analisada em relação ao salário mínimo e ao Produto Interno Bruto (PIB), os demais aspectos seguem os utilizados para a caracterização de um benefí-cio social, tanto no país como internacionalmente. Eles são, portanto, parte integrante de sua legislação. Em seu estudo destaca o aumento da frequên-cia escolar e aponta que o PBF é responsável pelo aumento de 2,2 pontos percentuais na frequência no meio urbano e de 3,0 pontos percentuais no meio rural. Em termos regionais, foi maior no Nordeste (2,2 pontos percentu-ais) do que na região Sudeste (1,5 pontos percentuais). Para se dimensionar a importância desses resultados, é preciso se levar em conta que a frequência escolar na região Sudeste já era de 97,3% e, no Nordeste, de 95,7%.

Cavalcanti, Costa e Silva (2013) realizaram um estudo com o intuito de verificar o impacto do PBF para as famílias do Nordeste brasileiro sobre suas principais metas: o alívio imediato da pobreza/desigualdade de renda e a frequência escolar. Utilizando os microdados da PNAD, nos anos de 2004 e 2006, a estratégia de avaliação de impacto utilizada compara os resultados para os participantes do Programa Bolsa Família (o grupo de tratamento) com os de um grupo de comparação que não participaram do programa. Em ambos os casos as famílias possuíam as características de elegibilidade para poder participar do programa. Assim, foram selecionadas as famílias re-sidentes no setor rural e urbano do Nordeste. Os resultados apontaram um impacto positivo e significativo na frequência escolar tanto no meio urbano quanto no rural. Observa-se que há 19% mais crianças e jovens frequentando a escola nas famílias beneficiadas em situação de pobreza. Esse resultado também é verificado em 2006, sendo proporcionalmente menor (15%), no entanto, em valor absoluto, encontram-se, em 2006, 923.757 famílias a mais com filhos frequentando a escola em comparação a 2004. Isso significa que o programa impacta positivamente o número de crianças e jovens que fre-quentam a escola, mas esse aumento se dá a taxas decrescentes, sendo possível afirmar ainda que o sentido do PBF se justifica mais pelas suas con-dicionalidades do que pelo repasse de renda.

Espínola e Zimmermann (2015), a fim de captarem as especificidades do Bolsa Família no município de São Felipe, na Bahia, adotaram como proce-dimento uma pesquisa de levantamento ou survey amostral, na tentativa de entender a valoração atribuída ao Bolsa Família e suas dimensões (saúde,

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educação e assistência social). A pesquisa foi constituída por meio de uma amostra aleatória simples, sob o contorno não probabilístico. Assim, foram realizadas 178 entrevistas com beneficiárias residentes na zona rural e 166 com as da sede do município. Apurou-se que 76,16% das beneficiárias res-ponderam que os filhos estão regularmente matriculados, enquanto apenas 0,87% das entrevistadas relataram que nem todos os filhos foram registra-dos em um estabelecimento de ensino. Os resultados comprovam que, em âmbito local, o programa não altera muito a frequência e muito menos o rendimento escolar, uma vez que 73,28% das beneficiárias alegaram que a constância escolar se manteve a mesma após o recebimento do benefício e 56,49% declararam que o rendimento escolar permaneceu inalterado, ou seja, houve pouco impacto na melhoria da vida escolar. Esses dados indicam que o problema da educação em São Felipe está muito mais relacionado com a qualidade do que com a acessibilidade.

A maioria dos autores concorda, portanto, que o Programa Bolsa Família teve um grande impacto na redução da pobreza e da desigualdade de ren-da. Avaliam, mais especificamente, uma ampliação no direito à educação, pois o programa vai de encontro às principais barreiras para a matrícula das crianças na escola, que são os custos diretos (mensalidades, livros, uniformes e assim por diante) e os custos de oportunidade do tempo passado na esco-la, referente ao trabalho remunerado e não remunerado que poderia ter sido realizado ao invés de ir para a escola. Assim, os valores percebidos a título de benefício seriam utilizados na aquisição de materiais escolares (custos diretos), e a condicionante do programa, frequência escolar mínima exigida, reduz os custos de oportunidade.

Todavia, não foram encontrados nos estudos problemas relacionados ao acesso à educação, embora seja uma realidade, que é uma das contrapar-tidas do Estado na efetivação do PBF. Garantir educação de qualidade e gratuita, em todos os níveis de ensino (não apenas na Educação Básica), é dever constitucional do Estado, e sem o seu devido cumprimento não serão alcançados os objetivos do programa.

Outrossim, não se pôde apurar alterações significativas no rendimento escolar, não obstante sejam questões tão importantes quanto a frequência, posto que não basta ir à escola, é imprescindível que o ensino ofertado te-nha qualidade tal que torne o aluno capaz de transformar a realidade em que vive, oferecendo-lhe novas oportunidades, de forma a torná-lo capaz de romper o ciclo intergeracional da pobreza em que está inserido.

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Conclusão

É cediço que a pobreza tem grande influência no ingresso precoce de crianças no mercado de trabalho, uma vez que os custos para seguirem es-tudando são altos e é necessária a complementação da receita para a sobre-vivência familiar. Principiando precocemente no mercado de trabalho, elas normalmente deixam de frequentar a escola, transformando-se em adultos com baixa escolaridade, com acesso a empregos precários e de uma baixa renda. Isso gera um círculo vicioso, contribuindo para a manutenção dos me-canismos de reprodução da pobreza, dado que a pobreza de hoje geraria a de amanhã, como bem destaca Zimmermann (2006).

Nesse ínterim, o Programa Bolsa Família, considerado o mais importante programa social já feito no Brasil e um modelo internacional de combate à miséria e à exclusão, conforme demonstrado neste artigo, conseguiu atingir seu objetivo de favorecer uma maior permanência de crianças na escola. A frequência escolar, segundo a maioria dos autores (Castro et al., Melo e Du-arte, Marques e Cavalcanti, Costa e Silva), obteve um impacto positivo após a instalação do programa, o que revela o mérito de suas condicionalidades, que segundo Cavalcanti, Costa e Silva (2013) seriam mais importantes que a própria contrapartida monetária.

Importante salientar que os artigos analisados utilizaram dados indepen-dentes das informações administrativas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), dados das PNADs e pesquisas de campo, o que lhes confere maior autonomia e confiabilidade.

Outro aspecto relevante é a abrangência territorial dos estudos, que em sua maioria ocorreram em nível nacional e na região Nordeste, que possui características que a distinguem desfavoravelmente das demais regiões do país em termos de desenvolvimento social, o que, na opinião de Melo e Du-arte (2010), a torna interessante para a avaliação de políticas públicas como o Bolsa Família.

Não foram encontrados nos estudos problemas relacionados ao acesso à educação, igualmente não se pôde apurar alterações significativas no ren-dimento escolar, muito embora sejam questões tão importantes quanto a frequência, a serem providas pelo Estado, de fundamental relevância para a consecução dos objetivos do programa.

Como os resultados do Programa Bolsa Família só serão perceptíveis no médio/longo prazo, é mister a contínua reavaliação e atualização de estudos, o que justi-fica a importância de trabalhos como este.

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Apêndices

Apêndice A – Resultado do 1o levantamento bibliográfico

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Apêndice B – Artigos selecionados

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Projetos desenvolvidos em uma escola em área vulnerável: relato de experiência com foco na relação afetiva professor-alunoLiliane de Fátima Rodrigues Castilho

Introdução

O presente trabalho tem como tema central o foco na relação afetiva professor-aluno e a relevância do campo social nos mesmos. Volta-se espe-cificamente para dois projetos desenvolvidos em áreas de vulnerabilidade social e conta com relatos de experiências para demonstrar a relevância da afetividade para o desenvolvimento da aprendizagem. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada por meio de pesquisa bibliográfica, coleta de relatos e análises dos projetos em questão que se deram em uma escola municipal.

O trabalho discutirá a importância das relações afetivas no contexto es-colar. No processo de ensino e aprendizagem apresentado neste trabalho, Vygotsky traz uma concepção de ensino a qual iremos desenvolver.

Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Sua questão central é a aquisição de co-nhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Para o teórico, o sujeito é intera-tivo, pois adquire conhecimentos a partir de relações interpessoais e de trocas com o meio, a partir de um processo denominado mediação.

Essa relação mediadora não pode ser negada, pois emocionalmente, no ambiente escolar, convivemos com o aluno em sua totalidade. Ele traz para a

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escola seus anseios carregados de demandas afetivas, que refletem em seu desenvolvimento escolar.

Atuando profissionalmente em um contexto de extrema exclusão eco-nômica, desenvolver este trabalho é fazer a leitura da importância que o profissional da educação pública pode ter na vida dos alunos, por meio das relações afetivas.

Miguel Arroyo traz-nos um questionamento que não podemos eliminar da prática docente: "Que pobreza queremos reconhecer?" (ARROYO, 2015). A escola pode ser mais que um espaço para leitura da realidade social e po-lítica. Ela pode intervir no processo transformador da vida dos educandos. Não podemos estar na escola com a visão do "senso comum" transmitido pela mídia que quer generalizar que pobre é pobre por escolha, ou que pobre já é muito beneficiado pelo sistema e que precisa somente estudar para transformar sua realidade.

O questionamento de Arroyo evidencia que conviver no cotidiano esco-lar com a realidade de periferias e favelas é estar atento para a interpretação dessa realidade a fim de saber como intervir. Nenhuma relação entre indi-víduos acontece sem a confiança. E confiança é fruto de relação, de afeto. Quando os alunos percebem o comprometimento dos profissionais, nasce o relacionamento de afetividade, que leva à confiança. A consequência é a releitura dos alunos sobre a relação escolar, agindo assim como estímulo à transformação social.

Em sua obra Pedagogia da autonomia, Paulo Freire, em suas disserta-ções pertinentes e coerentes sobre o "ensinar", assevera que a prática do-cente deve passar pela reflexão, conhecimento e especificidade humana. No percurso de sua obra, aponta a percepção da importância da relação socio-afetiva do professor para promover uma transformação na vida dos alunos: "Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado" (FREIRE, 2011, p. 52).

Este trabalho analisou e discutiu o papel da afetividade no ambiente es-colar e na relação professor-aluno, visando a transformação interna do edu-cando e, consequentemente, sua transformação social por meio do acesso à escola.

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Revisão da literatura

Esta seção abordará os principais conceitos em torno do tema pesquisa-do, buscando elucidar as obras e autores renomados a fim de corroborar o resultado desta pesquisa. Permite ainda uma reflexão acerca da problemáti-ca do direito à educação frente aos desafios sociais emergentes dos atores envolvidos no âmbito escolar.

A garantia do acesso e permanência na escola passa pela necessidade da relação afetiva entre professor e aluno na busca pela aprendizagem

Os conteúdos das disciplinas do curso de especialização Educação, Po-breza e Desigualdade Social evidenciaram como maiores desafios a serem enfrentados a garantia do acesso à educação, a permanência e a aprendi-zagem. Para que o direito seja pleno na oferta da educação escolar, temos que buscar estratégias que sejam elaboradas a fim de garantir ao aluno não apenas o acesso à educação, pois muitas vezes, devido a motivos sociais presentes em seu contexto pessoal, o aluno acaba evadindo do ensino por não ter garantido também seu direito de permanência.

Frente a esse contexto, encontramos, no módulo "Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza", a realidade que estamos trabalhando no cotidiano da escola pública.

As condições de vida das crianças e dos jovens pobres do Brasil dei-xam à mostra as desigualdades sociais e a falta de concretização de direitos garantidos por lei, como viver com dignidade ou estudar em uma escola de qualidade. "O que podemos observar é que inúmeras crianças e jovens de origem popular vivem hoje nos limites da sobrevivência, colocando em descoberto a grave desigualdade social presente em nossa sociedade" (AR-ROYO, 2004, p. 17).

Esta afirmação tem suas comprovações na concretude das realidades encontradas no contexto escolar. As escolas localizadas nas periferias e favelas muitas vezes são desacreditadas e passam por graves problemas, que podem levar à reprodução da desigualdade social na qual já se en-contra o aluno. O acesso ao espaço escolar deveria ser, no contexto social das periferias, um sinal de transformação da realidade, a fim de mudar o contexto socioeconômico desses indivíduos. Frequentemente o que ocorre é uma corrente contrária. Essas escolas muitas vezes reproduzem a desigual-dade, quando o aluno, apesar de ter o seu direito à matrícula garantido,

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não consegue alcançar os objetivos de permanecer na escola e, sobretudo, aprender no período e no formato proposto. Não se pode permitir que os profissionais da educação se coloquem em uma posição de conformismo. Ao contrário, deve servir de provocação contínua para que intervenções concretas transformem e deem novas perspectivas à vida dos estudantes.

Pensando nessa reconstrução, alguns profissionais da escola que será apresentada no desenvolvimento deste trabalho se abriram ao convite de mudar o olhar do conformismo para a elaboração de ações concretas que buscassem estratégias a fim de trilhar um novo caminho para a não reprodu-ção da pobreza e da desigualdade social.

Os profissionais da escola municipal em que fizemos a pesquisa deci-diram unir sua equipe gestora e, sobretudo, professores de diversas áreas para buscar reconstruir as estratégias pedagógicas, em prol de despertar in-teresse real e concreto nos alunos a fim de que não perdessem a motivação em relação ao processo de permanência na escola e, assim, procurassem aprender para criar possibilidades de reescrever seu contexto social e inter-vir nessa realidade.

Inicialmente, conseguir alcançar esse objetivo parecia muito distante, pois a predominância dos alunos oriundos da favela e da periferia do bairro fazia com que eles tivessem motivações que mantinham o desinteresse es-colar. No contexto em que estão inseridos, os alunos convivem diariamente com muitas realidades que os desestimulam a acreditar na importância da escola:

• Os pais e familiares em sua maioria não concluíram o Ensino Fundamen-tal. No ano de 2015, na conclusão do 9o ano do Ensino Fundamental, uma aluna expressou: "Sou a primeira da minha família a concluir o Ensi-no Fundamental".

• Violência local e falta de segurança, expondo os alunos a situações de vulnerabilidade social.

• Problema com o tráfico de drogas.

• Necessidade de iniciar em algum trabalho para ajudar na economia familiar.

A equipe gestora coloca-se então diante dessa realidade a fim de elabo-rar uma intervenção que motivasse a permanência e a aprendizagem dos alunos. Dentre as estratégias elaboradas, enfrentaram a realidade de se aprofundar no contexto social dos alunos. Foi unânime a percepção de que em uma escola

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social não se alcançam objetivos sem conhecer o contexto em que os alunos estão inse-ridos. Partindo deste princípio, os profissionais vão se percebendo sempre mais humaniza-dos e começam a sentir o quanto o afeto pode aproximá-los dos alunos e permitir ir além do conteúdo e intervir verdadeiramente na vida de um estudante. A relação afetiva que foi sendo estabelecida começou a levar alunos e professores a perce-berem que a proximidade transformou enormemente o convívio entre professor e alunos. E os frutos dessa relação começaram a ser colhidos, pois o interesse dos alunos em participar das aulas aumentou e consequentemente os professores sentiram-se motivados a desenvolver projetos interativos e estimulantes. Assim, temos a percepção concreta de que, sem a relação afetiva entre professor e aluno, os objetivos educacionais focam somente na mera transmissão de conhecimentos.

Acreditar que a permanência do aluno na escola e a aprendizagem vêm da riqueza do relacionamento desenvolvido entre professor e aluno é crer que podemos alcançar os objetivos que propomos, de ser escola que inter-fere no contexto social e que leva o aluno a ser protagonista de sua história.

A importância da escola pública como agente de transformação social pelos educadores Paulo Freire, Miguel G. Arroyo e Esther Grossi

Os dados do Censo Escolar e do Censo do Ensino Superior, realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, órgão vinculado ao Ministério da Educação, mostram-nos a predominância de alu-nos matriculados na escola pública no Brasil: do total de alunos matriculados no Ensino Fundamental, 82% estudam em escolas públicas (INEP, 2016).

A predominância de alunos na escola pública mostra-nos a necessidade de ter um olhar atento para a busca de qualidade do ensino, a fim de garantir que aqueles que passam pelo ensino público tenham capacidades de prota-gonizar suas histórias como agentes ativos e transformadores das realidades sociais, buscando reverter os contextos de injustiças sociais em que estão inseridos.

No Brasil, há aproximadamente 14 milhões de analfabetos absolutos e um pouco mais de 35 milhões de analfabetos funcionais. O analfabetismo funcional atingiu cerca de 68% da população. O censo de 2010 mostrou que uma entre quatro pessoas são analfabetas funcionais.

Em seu livro A coragem de mudar em Educação, Esther Grossi apresen-ta-nos algumas diretrizes para que possamos nos colocar no caminho em busca da transformação desse quadro.

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Quem não assina e não lê o nome só foi batizado pela metade, porque só o foi pela linguagem oral. Neste mundo marcado pela comunidade escrita, o domínio desta é condição para a integração política com os outros e para ser real agente de transformação. A capacidade de se co-municar e de expressar o seu pensamento, assim como o de interpretar o dos demais, é, ineludivelmente, um poder. Quem não sabe se comunicar é um alienado, porque é incapaz de influir na trama dos que movem o mundo (GROSSI, 2000, p. 159).

A afirmação de Esther Grossi traz a realidade de que, se os alunos que passam pela educação pública não se alfabetizam com domínio da leitura e escrita, eles sairão da escola incapacitados de protagonizar suas próprias histórias e de intervir na realidade sociofamiliar. Se um indivíduo teve a oportunidade de estar matriculado na escola pública e, por um conjunto de fatores, não teve interesse pela educação formal a fim de se tornar agente de possibilidades em sua vida, entende-se que esta mesma realidade pode se perpetuar, pois o aluno que chega hoje nas escolas pode não conhecer o valor que carrega a ela, reprisando assim a história dos pais.

Um fator de importante análise é a alienação a que é levado o aluno anal-fabeto funcional. Em um sistema no qual imperam claras injustiças sociais, como é o caso do Brasil, as mídias e os meios de comunicação têm total domínio sobre a realidade que permeia os injustiçados, conseguindo ma-nipular de maneira simples suas escolhas, pensamentos e ações. Quando a escola intervém com ações que levam o aluno a compreender a importância do aprendizado transformador, ela tira o aluno da alienação e o leva a ser um sujeito de reflexão e intervenção em seu contexto social, familiar e pessoal. Ele passa de dominado do sistema a agente ativo e atuante.

Preocupando-se em assegurar a formação integral do educando, a esco-la deve ter como objetivo promover ações que auxiliem no desenvolvimento social de seus estudantes no que se refere às competências básicas de ler, escrever e interpretar, estimulando o desenvolvimento da linguagem oral e matemática, das capacidades científicas e tecnológicas, ações essas que deverão considerar as perspectivas sociais, possibilitando que o estudante participe ativamente na sociedade, de forma crítica, criativa e autônoma, além de competir no mercado de trabalho sem deixar de lado os valores morais e éticos.

Corajosamente, temos que repensar a educação em todos os seus as-pectos, eliminando uma posição reprodutivista da política dominante e

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assegurando que a escola contribua no cenário da luta de classes. Para tal, faz-se necessário repensá-la globalmente, à luz desta determinação política básica. É o povo todo que precisa ser educado para dirigir os seus próprios destinos (GROSSI, 2000, p. 44).

A partir do momento em que os alunos se sentem dominando o sistema de informação com a leitura e a escrita, tornam-se questionadores, ativos e "inquietos" em relação às questões que perpassam sua condição social. Quando os alunos não estão dominando a leitura e a escrita, eles ficam à margem de todo e qualquer sistema do qual fazem parte. Não são poucas as vezes em que, ao trazer para a sala de aula um assunto político social, o professor percebe que a maioria dos alunos está à margem da informação ou permanece concordando com o senso comum sobre o acontecimento. O que temos que ajudá-los a compreender é que tudo que acontece ao seu redor tem relação imediata com suas vidas.

Os profissionais da educação só se tornarão agentes transformadores da realidade a partir do momento em que perceberem que os alunos não po-dem ficar na inércia diante dos acontecimentos, como se estes não fizessem parte de sua realidade.

E aqui retomamos a importância da humanização do professor, por meio de sua relação afetiva com o aluno. Ter pronto o planejamento, estratégias definidas e o livro didático nas mãos não é o suficiente para levar o aluno a se sentir pertencente ao processo de aprendizagem. É preciso muitas vezes ter coragem de desconstruir nossas convicções e reconstruir o nosso fazer pedagógico para conseguir despertar o desejo do aluno de aprender a fim de que ele possa reescrever sua história. Quando Grossi nos instiga a refletir que "o povo precisa ser educado para dirigir os seus próprios destinos", está nos convidando a buscar novas metodologias que estimulem o aluno a ser cidadão em busca de direitos e a estar comprometido ao exercício de cidadania ativa. Em sua maioria, os estudantes só terão oportunidade de compreender essa verdade sobre seu potencial por meio da sua inserção no espaço escolar.

Algumas vezes, pode parecer que colocar os professores como principais responsáveis pelas ações que promovam a permanência e a aprendizagem do aluno no espaço escolar seja uma atribuição muito comprometedora. Porém, Miguel Arroyo, em sua obra Ofício de Mestre, ajuda-nos a entender como colocar no plano central o professor para o alcance destes objetivos na escola: "quanto mais nos aproximamos do cotidiano escolar mais nos

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convencemos de que ainda a escola gira em torno dos professores, de seu ofício, de sua qualificação e profissionalismo. São eles e elas que a fazem e reinventam" (ARROYO, 2011, p. 19).

Os professores como agentes diários em sala de aula carregam esse compromisso: fazem e reinventam. Portanto, o professor torna-se o respon-sável direto pela transmissão dos objetivos que precisamos alcançar na ação com o aluno. Seria uma falência da escola o professor ficar acomodado em sua prática e alienado ao que se passa ao seu redor. De maneira especial, o professor que exerce o seu trabalho com profissionalismo na escola pública tem um convite ainda mais intenso de se reinventar todos os dias para que o contexto social e familiar dos alunos não o desestimule de exercer seu ofício. Entre a aprendizagem do período acadêmico e o exercício do magistério, existe algo que trará grandes impactos na vida do profissional. Em sua maio-ria, os professores chegam para o exercício do magistério sem a compre-ensão real do que significa dar aula e tentam transmitir conhecimento para os alunos sem conhecer o contexto em que eles estão inseridos, contexto esse que muitas vezes pode impedir a aprendizagem mesmo com o longo período em que permanecem na escola.

Em escolas de periferias e favelas, muitos alunos chegam às vezes sem ter se alimentado antes de sair de casa. A predominância do sustento do lar é das mães, que em sua maioria saem de casa ainda na madrugada para chegar a seus locais de trabalho no horário. Outros ainda lutam para não se inserir nas facilidades do mundo do tráfico e entrar em um caminho muitas vezes sem volta. Há ainda aqueles que, vindos com a família do interior, estão vivenciando o corte cultural das grandes metrópoles e tomando consciência de que estão à margem do novo universo em que estão se inserindo. Lidar com pais alcoolizados ou usuários de drogas, intervenções policiais na favela por causa do tráfico, violência doméstica... Essas e outras demandas os pro-fessores podem ter ouvido em suas formações acadêmicas, mas "tocar" na concretude do dia a dia é muito diferente. Sobre isso é que Arroyo ainda nos traz a reflexão:

Nesse sentido, somos professores. Representamos um papel, uma imagem social, que carrega traços muito marcantes, muito misturados. Incômodos. A resposta à pergunta quem somos está colada a como foi-se constituindo a imagem social do magistério [...]. Através desta rela-ção apaixonada de amor e ódio nós aprendemos e aprendemos formas diferentes, mais nossas de ser e de vivenciar o magistério. Nem tudo

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que somos nos pertence. Somos o que resultamos de tudo. Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou eu (ARROYO, 2011, p. 28-36).

A imagem social do professor é permeada por muitas imagens que nor-malmente seguem o interesse de quem as exibe. Os alunos estarão sempre com a imagem de esperança, mas muitas vezes se veem frustrados diante de suas expectativas. Os pais muitas vezes misturam as funções do exercício do trabalho do professor, levantando críticas que trazem desestímulo aos professores. Os pais que expressam gratidão pelo ofício do professor repre-sentam a minoria no contexto escolar.

As representações governamentais tentam transferir para a sociedade o pensamento de que todo fracasso da educação é culpa dos professores, buscando se eximir de toda e qualquer responsabilidade para com o sistema.

O professor tem que conseguir, diante dessas construções de sua ima-gem social, acreditar em seu papel e reconstruir sua autoimagem, funda-mentado em sua autoestima, com base no que ele acredita como exercício de sua profissão.

Acreditando na autoestima e na capacidade de seu trabalho, os profis-sionais da educação não podem deixar também de continuamente trazer a realidade da pobreza no Brasil para dentro do currículo escolar. Não pode-mos ignorar, como perpassou todo o convite dos conteúdos desta especiali-zação, que as Diretrizes Curriculares da Educação Básica e as Diretrizes Cur-riculares de Formação Docente citam a educação como um dos elementos fundamentais de combate à pobreza. Porém, as organizações curriculares ainda estão distantes de conseguir incluir essa realidade a fim de efetivar a inserção do pobre e de suas necessidades de ações concretas de mudança e de integração social.

Em muitas experiências educacionais, são os professores que, desper-tando para a realidade social local, se unem e propõem intervenções que acreditam ser efetivas para complementar o fazer escolar. Paulo Freire, em sua obra Pedagogia da autonomia, traduz essa realidade:

Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a com-paração, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes. Isso não significa, porém, que nos seja indiferente ser um educador "bancário" ou um educador "problematizador" (FREIRE, 2011, p. 27).

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Os efeitos negativos do "falso ensinar" nascem quando o fazer pedagó-gico do professor e de toda a equipe escolar se conforma diante das reali-dades sociais e deixa de intervir com ações que busquem recriar o espaço escolar, sobretudo "lendo" a realidade para saber o que pode ser recriado e transformado. Nessas ações, nascem as relações afetivas que aproximam aluno e professor e transformam as aulas repetitivas, que trazem em si so-mente o objetivo da aprendizagem para aprovação, em atividades de cons-trução coletiva.

Dessa construção, surgem projetos que irão trazer o efeito ativo da par-ticipação de toda a equipe escolar e dar protagonismo ao aluno. Impossível não experimentar a alegria de estar no espaço escolar vendo se concretizar o processo de aprendizagem por parte dos alunos, além de perceber o pra-zer dos professores em atuar numa escola onde ele pode intervir muito além do conteúdo por meio de projetos de intervenção. Paulo Freire convida-nos ainda a repensar nosso fazer pedagógico em busca da escola progressista, respeitando os saberes dos alunos e ampliando os conhecimentos por meio daqueles que os alunos trazem de seus contextos socioeconômicos. Esses saberes foram construídos, sobretudo, nas classes populares, na prática comunitária. Quando eliminamos esse conhecimento, limitando os alunos a somente absorver o que desejamos e precisamos "cumprir no planeja-mento", perdemos todos: professores e alunos. Quando nos abrimos a essas possibilidades, ganhamos todos.

Afetividade e suas implicações no processo de aprendizagem

Vygotsky, em suas contribuições, considera fundamental o papel do ou-tro no processo de desenvolvimento e aprendizagem dos indivíduos e na construção destes como sujeitos. Ressalta ainda que a internalização perpas-sa pelo social, contemplando o individual. Assim, o autor afirma que "todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e depois no nível individual: primeiro entre pessoas (interp-sicológica), e depois, no interior da criança (intrapsicológica)" (VYGOTSKY apud TASSONI, 2000, p. 2).

A ideia de mediação trazida por Smolka e Góes estabelece a relação entre sujeito-sujeito-objeto, logo, segundo os autores, "isto significa dizer que é através de outros que o sujeito estabelece relações com objetos de conhecimento, ou seja, que a elaboração cognitiva se funda na relação com o outro" (SMOLKA; GÓES apud TASSONI, 2000, p. 2).

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De modo semelhante às ideias dos autores citados anteriormente, Klein pondera que as relações estabelecidas com o objeto de conhecimento não podem excluir as relações interpessoais, assim, afirma que "de fato, para chegar ao objeto, é necessário que o sujeito entre em relação com outros sujeitos que estão, pela função social que lhe atribuem, constituindo esse objeto como tal" (KLEIN apud TASSONI, 2000, p. 2).

Isso posto, as relações humanas e a qualidade destas ganham ênfase nos processos de desenvolvimento dos indivíduos. Tais relações evidenciam o emocional que se encontra presente nessa problemática.

Ao trazer à tona o seu ser emocional, por meio do seu reconhecimento e aceitação, a criança consegue um desenvolvimento harmonioso na direção de suas potencialidades.

O sentimento vai ocupar sempre uma posição central em todos os momentos do desenvolvimento, independentemente de faixa etária. A criança, ao se desenvolver psicologicamente, vai se nutrir principalmente das emoções e dos sentimentos disponíveis nos relacionamentos que vivencia. São esses relacionamentos que vão definir as possibilidades de a criança buscar no seu ambiente e nas alternativas que a cultura lhe oferece, a concretização de suas potencialidades, isto é, a possibilidade de estar sempre se projetando na busca daquilo que ela pode vir-a-ser (MAHONEY, 1993, p. 68).

Ao evidenciar o emocional, desata-se, contudo, o papel da afetividade nos processos educacionais. Os laços afetivos dos seres humanos iniciam-se primeiramente no âmbito familiar, é nele que a criança estabelece o víncu-lo afetivo e emocional durante seus primeiros anos de vida, encontrando nessas relações sustentação para seu desenvolvimento no processo de aprendizado.

É a partir da relação com o outro, através do vínculo afetivo que, nos anos iniciais, a criança vai tendo acesso ao mundo simbólico e, assim, conquistando avanços significativos no âmbito cognitivo. Nesse sentido, para a criança, torna-se importante e fundamental o papel do vínculo afetivo, que inicialmente se apresenta na relação pai-mãe-filho e, muitas vezes, irmão(s). No decorrer do desenvolvimento, os vínculos afetivos vão ampliando-se e a figura do professor surge com grande importân-cia na relação de ensino e aprendizagem, na época escolar. [...] Toda aprendizagem está impregnada de afetividade, já que ocorre a partir das interações sociais, num processo vincular. Pensando, especificamente, na aprendizagem escolar, a trama que se tece entre alunos, professores,

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conteúdo escolar, livros, escrita, etc. não acontece puramente no campo cognitivo. Existe uma base afetiva permeando essas relações (TASSONI, 2000, p. 3).

Diferentemente do sentido de emoção e sentimento, sendo sinônimos, a afetividade é compreendida numa perspectiva mais ampla, em que são con-sideradas as relações com o outro nas vivências e as expressões essencialmente da natureza humana. Já a emoção e o sentimento podem ser compreendidos na esfera biológica, entendidos como agitação ou expressão de ordem física.

Os fenômenos afetivos representam a maneira como os acontecimentos repercutem na natureza sensível do ser humano, produzindo nele um elenco de reações matizadas que definem seu modo de ser-no-mundo. Dentre esses acontecimentos, as atitudes e as reações dos seus seme-lhantes a seu respeito são, sem sombra de dúvida, os mais importantes, imprimindo às relações humanas um tom de dramaticidade. Assim sen-do, parece mais adequado entender o afetivo como uma qualidade das relações humanas e das experiências que elas evocam [...]. São as rela-ções sociais, com efeito, as que marcam a vida humana, conferindo ao conjunto da realidade que forma seu contexto (coisas, lugares, situações, etc.) um sentido afetivo (PINO apud TASSONI, 2000, p. 5).

De acordo com Tassoni (2000), a afetividade corresponde a um período mais avançado no desenvolvimento dos indivíduos, e tal período é entendi-do quando está presente a compreensão dos elementos simbólicos.

Wallon, corroborando tal afirmativa, considera que "com o aparecimento destes que ocorre a transformação das emoções em sentimentos. A possi-bilidade de representação, que consequentemente implica a transferência para o plano mental, confere aos sentimentos uma certa durabilidade e mo-deração" (WALLON apud TASSONI, 2000, p. 6).

Ao apontar as peculiaridades das emoções e a esfera da afetividade na vida dos indivíduos, constata-se que tais aspectos permeiam o campo da aprendizagem, sendo fundamentais no processo de ensino. Segundo Maho-ney, as emoções possuem papel essencial, uma vez que

A função da emoção na ação educativa é a de abrir caminho para a aprendizagem significativa, isto é, aquela aprendizagem que vai ao encontro das necessidades, interesses e problemas reais das crianças e que resulta em novos significados transformadores da sua maneira de ser. Amplia seu campo perceptual, possibilitando a descoberta de novas

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ideias. Aumenta seu contacto tanto com o mundo subjetivo quanto com o mundo exterior (MAHONEY, 1993, p. 71).

Assim, o papel do professor nesse processo é mediar uma educação que envolva o campo afetivo do aluno, tornando-a uma educação significativa, como afirma Moran: "a educação tem que surpreender, cativar, conquistar os estudantes a todo momento. A educação precisa encantar, entusiasmar, seduzir, apontar possibilidades e realizar novos conhecimentos e práticas" (MORAN, 2007 apud SILVEIRA, 2010, p. 21).

Contudo, vale ressaltar que os processos de aprendizagem, partindo do exposto até aqui, dependem essencialmente de alguns motivos rela-cionados a ela. A afetividade abre caminhos para a aprendizagem, ao ele-var a autoestima do aluno e assegurar um suporte psicológico para o seu desenvolvimento.

As relações interpessoais construídas a partir do contato professor-aluno ganham significado à medida que o educador compreende sua relevância nesse processo:

o professor precisa ter o desejo de que seu aluno aprenda. É fundamen-tal acreditar que o aluno é capaz de aprender, mesmo que seja dentro de suas limitações, alguma coisa ele irá aprender. Existe a concepção de que todos devem aprender a mesma coisa ao mesmo tempo, porém, cada um tem uma experiência de vida, tem seu interesse, sua motivação. O professor precisa ter a responsabilidade de ouvir seu aluno, conhecer sua realidade e criar um clima afetivo na sala de aula, o que possibilitará ao educando desenvolver sua autoestima, contribuindo para estimular sua aprendizagem (SILVEIRA, 2010, p. 18).

Contudo, Piaget atribui inseparabilidade aos seguimentos afetivos e cognitivos. No ato de inteligência e internalização dos conhecimentos construídos,

a vida afetiva e a vida cognitiva são inseparáveis, embora distintas. E são inseparáveis porque todo intercâmbio com o meio pressupõe ao mesmo tempo estruturação e valorização... Assim é que não se poderia racioci-nar, inclusive em matemática, sem vivenciar certos sentimentos, e que, por outro lado, não existem afeições sem um mínimo de compreensão... O ato de inteligência pressupõe, pois, uma regulação energética interna (PIAGET, 1977 apud SANTOS, 2014, p. 7).

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Considera-se relevante ainda destacar o papel interativo que a criança começa a ter no ambiente escolar. É nele que as relações com grupos e demais sujeitos são estabelecidas.

A aprendizagem centrada nos processos grupais coloca em evidência a possibilidade de uma nova elaboração de conhecimento, de integração e de questionamentos acerca de si e dos outros. A aprendizagem é um processo contínuo em que comunicação e interação são indissociáveis, na medida em que aprendemos a partir da relação com os outros. [...] A técnica de grupo operativo consiste em um trabalho com grupos, cujo objetivo é promover um processo de aprendizagem para os sujeitos envolvidos. Aprender em grupo significa uma leitura crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações (BASTOS, 2010, p. 161).

Henri Wallon, com suas considerações sobre as interações sociais, ressal-ta que as relações estabelecidas entre os indivíduos proporcionam mudan-ças no meio e influenciam a evolução humana de maneira considerável. Para Wallon, o meio tem extrema importância nas transformações dos sujeitos, atuando como complemento e auxiliando ainda na construção do conheci-mento, que é condicionado a partir das condições motoras, afetivas, psico-lógicas, orgânicas, dentre outras. A teoria de Wallon compreende a criança como ser social e que por meio das suas interações vai se construindo como sujeito, modificando-se e formando sua identidade (BASTOS, 1995).

De acordo com Bastos (2010, p. 162), "a palavra interação pressupõe a ação que se exerce com duas ou mais pessoas, nos remetendo, portanto, a uma ação recíproca". Assim, as relações são dependentes e funcionam concomitantemente.

Pichon-Rivière (1988 apud BASTOS, 2010) apresenta as relações entre grupos como transformadoras da realidade, que influenciam na participação criativa e crítica à medida que são vinculadas entre si.

Para Pichon-Rivière (1988), a teoria do vínculo tem um caráter social na medida em que compreende que sempre há figuras internalizadas presentes na relação, quando duas pessoas se relacionam, ou seja, uma estrutura triangular. O vínculo é bi-corporal e tripessoal, isto é, em todo vínculo há uma presença sensorial corpórea dos dois, mas há um perso-nagem que está interferindo sempre em toda relação humana, que é o terceiro. Neste sentido, vínculo é uma estrutura psíquica complexa. O circuito vincular tem direção e sentido, tendo um porquê e um para quê.

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Quando somos internalizados pelo outro e internalizamos o outro dentro de nós, podemos identificar o estabelecimento do vínculo de mútua representação interna (PICHON-RIVIÈRE, 1988 apud BASTOS, 2010, p. 164).

De acordo com Gayotto (1992 apud BASTOS, 2010), vínculo é compreen-dido como uma estrutura complexa que viabiliza aos sujeitos a interpretação da realidade de cada um e é somente construída a partir da internalização que acontece no processo de vivência com o outro.

Resultados e discussões

Nesta seção, serão descritos os projetos pesquisados durante a realiza-ção do trabalho.

Foram escolhidos dois projetos realizados com crianças e adolescentes. O primeiro projeto, "90 anos de Fernando Sabino", consiste na comemoração dos 90 anos de um autor brasileiro renomado, Fernando Sabino. A escolha por tal projeto foi realizada por sua relevância no incentivo ao conhecimento literário, à formação humana, incentivo à leitura e expressão artística. Seu caráter é interdisciplinar e envolveu inicialmente as disciplinas de português, artes e ensino religioso, estendendo-se para as demais disciplinas posterior-mente. Tal projeto instigou o trabalho com outros gêneros textuais e com livros de outros autores, como Augusto Cury.

Avaliar e comparar o papel da infância na formação do indivíduo, bem como a relação deste com o mundo e consigo mesmo são alguns dos obje-tivos elencados no âmbito do projeto em questão. Como consequência, os produtos finais foram a produção de histórias em quadrinho e a elaboração de um memorial.

O segundo projeto, "Sexualidade e afetividade na adolescência", com estudos relacionados à adolescência, buscou ampliar a formação dos estu-dantes de forma global, envolvendo principalmente as disciplinas de ensino religioso, português e ciências. Sua finalidade foi o incentivo à descoberta instigada a partir do tema exposto, exploração da leitura e gosto pela ex-pressão musical.

Dentro do âmbito dos projetos, foram desenvolvidas análises de livros, filmes, músicas, atividades de intervenção por meio de teatro e trocas de experiências a fim de embasar a proposta do trabalho.

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Os projetos trazem a concretude da importância das ações no campo de pesquisa e da realização de projetos no espaço escolar.

Em abordagens interdisciplinares, desenvolvemos propostas que envol-veram imensamente os alunos e trouxeram resultados de grande significado durante o desenvolvimento e após a conclusão dos trabalhos. O reconheci-mento em formato de prêmios pelas ações desenvolvidas foi o resultado de um grande investimento de aproximação às demandas dos alunos, que leva-ram a equipe de professores envolvidos a acreditar na importância do fazer pedagógico que toca o interesse e consequentemente o aprendizado dos alunos. A partir dessa experiência, após concluírem o Ensino Fundamental, diversos alunos seguiram caminhos de reinserção e mudança social. Desper-tar para o uso de potencialidades, descobrir as capacidades de aprendiza-gem, dominar a leitura e interpretação elevaram o nível de desenvolvimento de aprendizagem dos alunos, assim como sua autoestima de forma decisiva.

No primeiro projeto, buscamos desenvolver na metodologia de trabalho as competências da leitura a partir dos temas de interesse dos alunos.

No segundo projeto, por meio da arte, da leitura e da escrita, trabalha-mos na metodologia habilidades que os alunos desacreditavam ter e viver: conhecer-se, respeitar-se, valorizar-se, ampliando dessa forma o conheci-mento de si, do outro e do mundo que o cerca, aproximando-se da sua história. Atualmente, os alunos que estão inseridos no mercado de trabalho, nas universidades, oriundos dessa escola, reafirmam o diferencial que es-sas ações trouxeram às suas vidas. Não que os problemas no entorno da escola e na realidade de tantos alunos deixaram de existir, o que mudou foi a proposta de trabalho e a capacidade de entender que podemos nos aproximar dos alunos e buscar novas estratégias, sobretudo passando pelo campo das relações de afeto, para dar sentido à permanência na escola e ao aprendizado.

Entre outros depoimentos ao final do trabalho, temos o relato de um aluno do 3o ano do 3o ciclo (9o ano), da escola pública municipal onde foram desenvolvidos os projetos, que diz:

O relacionamento entre alunos e professores é uma ação não só para so-cialização, mas uma necessidade humana que ocorre na escola e dentro das salas de aula. Acredito que este relacionamento entre professor e aluno seja vital para uma aula produtiva e de boa qualidade para as duas partes, pois haverá um maior interesse do aluno no conteúdo ministra-do em sala de aula. Minha relação com os professores desta escola foi

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uma relação saudável e de grande ajuda para o meu desenvolvimento enquanto aluno, no que se trata de conhecimento, e enquanto pessoa por admirar e respeitar estas pessoas que dedicam a vida estudando para ensinar e formar pessoas capacitadas em determinadas atividades. Estes profissionais devem sem dúvida serem respeitados e valorizados, pois o professor é uma profissão que forma as outras profissões. Acredito firmemente que essa relação é de suma importância para os alunos, pois sou um exemplo disso. Talvez não estaria onde estou se não tivesse tido a ajuda, atenção e carinho desses profissionais que admiro tanto (Relato de aluno).

No relato do aluno, percebemos que, passando pela oportunidade de aprender por meio da relação afetiva com os professores, a aprendizagem permanece. Os professores partiram de temas de interesse dos alunos, in-vestiram no processo da leitura e da escrita, e o desenvolvimento do aluno na aprendizagem se concretizou.

O respeito à realidade dos saberes dos alunos de favelas e periferias das escolas públicas

Destaca-se a seguir o relato de uma professora de escola pública da rede municipal:

Fui moradora de favela próxima à escola onde estudei. Estudei ali dos 7 aos 15 anos, do 1o ao 9o ano do Ensino Fundamental. Nesta escola, encontrei profissionais que acreditaram em mim, embora minha realida-de social tivesse toda a composição de uma realidade de favela onde convivemos com a pobreza, com o tráfico, e infelizmente minha mãe tinha a doença do alcoolismo. Mas a escola em que eu estudei nunca desacreditou de mim. Ao contrário, me ajudou a despertar um potencial que nem eu sabia que tinha. Um dia um professor de matemática me disse: "Você é muito boa e um dia vai me substituir". Comecei a acreditar naquelas palavras, e ele sempre dava aula com entusiasmo e me ajuda-va, assim como aos outros alunos, a acreditar que através da escola eu poderia escrever uma outra história dentro da minha realidade. Foi assim que, saindo daquela escola que tanto amo, segui para o Ensino Médio. Dava início no Brasil após a minha conclusão do Ensino Médio o Prouni. Concorri e estudei Matemática com bolsa 100% em uma instituição pri-vada (PUC-Minas). Hoje, sou com grande orgulho professora efetiva de matemática da escola em que estudei e tento, sobretudo, não me desviar da necessidade da relação afetiva entre professor e aluno, que, como na minha história, pode mudar a história de outros alunos. Agradeço a

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Deus as palavras decisivas na minha vida do estímulo daquele professor (Relato de professora).

Esta seção merece começar com o relato concreto da experiência dessa professora. Infelizmente, ainda ouvimos alunos das licenciaturas manifesta-rem que não querem trabalhar em contextos sociais de favelas e periferias. Deparamo-nos também com profissionais que, quando são inseridos no contexto social das escolas públicas localizadas em realidades complexas, chegam a desistir do cargo. Temos ainda, no contexto da formação acadê-mica, os que dizem que não trabalham em ensino público, mas somente no privado.

Não podemos desconsiderar que a realidade da educação pública é mesmo desafiadora, mas também não podemos viver nas justificativas e abrir mão de sermos capazes de, como profissionais da área da educação, buscar caminhos de intervenção dentro dessas realidades. A experiência vivida pela professora mencionada nos leva a acreditar na importância do que nos diz Paulo Freire:

Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, ao seu ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consi-deração as condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos conhecimentos de experiência feitos, com que chegam à escola. O respeito devido à dignidade do educando não me permite subestimar, pior ainda, zombar do saber que ele traz consigo para a es-cola (FREIRE, 2011, p. 62).

Esta afirmação de Paulo Freire remete à importância do pertencimen-to que devemos ter ao trabalharmos em realidades de favelas e periferias. O contexto socioeconômico e cultural do aluno não pode ser motivo para desacreditar de sua capacidade de leitura, escrita e transformação de sua realidade. Quando o professor da aluna que se transformou em professora lhe disse uma frase de esperança, ele provavelmente nem tinha a consciên-cia tão plena da diferença que faria na vida pessoal daquela menina. Temos aqui um relato, mas certamente existem muitos outros.

Na contramão dessa realidade, existem os que infelizmente agem de maneira oposta, demonstrando ao aluno a descrença em seu potencial e atribuindo a culpa ao seu contexto social. Aqui, deparamo-nos com o maior desafio do espaço escolar: acreditar e investir quando muitos desacreditam e procuram culpados sem oferecer alternativas. Alguns passam a vida profis-sional justificando que "o aluno não aprende, porque não faz as atividades

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em casa", ou "porque seu contexto familiar é muito complicado", ou mesmo "porque não dá valor aos programas que recebe do governo" etc. Nenhuma dessas justificativas vai modificar o quadro de desigualdade social do qual os alunos fazem parte.

Quando a equipe gestora juntamente aos professores consegue reverter as falas em análises e propor projetos e novas estratégias para modificar esse quadro, as justificativas desaparecem (ou ao menos diminuem), e a lin-guagem passa de "vejam essa realidade" para "o que podemos fazer para intervir e modificar essa realidade". Os professores têm a consciência de que não "mudarão o mundo" com suas escolhas, porém, eles sabem que aquele aluno não passou pela sua aula sem receber a oportunidade de melhorar sua autoestima a fim de vencer suas limitações.

Miguel Arroyo, em Ofício de Mestre, traz-nos um capítulo chamado Po-laridades sociais que nos perseguem (ARROYO, 2011, p. 79). Ele convida--nos a refletir que o nosso professor deve estar atento para não ser mero executor de um sistema em que apenas reproduzimos os conteúdos, sem considerar aonde desejo chegar com o estudante. A partir disso, surgem em consequência as seguintes situações: os alunos das classes populares devem aprender para trabalhar, pois "têm a capacidade limitada", enquanto os alunos da classe alta devem aprender para se transformarem nos que irão governar, dominar e dar as ordens. A mudança do fazer pedagógico é muito desafiadora para o professor, mas o maior desafio é acreditar que é possível.

O pensar e o fazer são guiados pelas opções de relações de grupos sociais. Cabe aos professores buscar abrir a consciência do aluno para que ele não desacredite da sua capacidade, elevando sua autoestima a fim de enfrentar essas tensões e ser capaz de encontrar seu espaço na aprendiza-gem e intervir de forma ativa em sua realidade.

A necessidade da expressão afetiva dos professores para o aprendizado de alunos de escolas de realidade social de favela e periferia

Como considerado anteriormente, a aprendizagem é um processo que ocorre por meio das interações sociais e não pode ser considerado dissocia-do da afetividade, e esta, por sua vez, está articulada ao mesmo.

Quando falamos de aprendizagem, estamos nos referindo ao ser huma-no. Dessa forma, não nos remetemos a um trabalho abstrato, mas vamos li-dar com pessoas de carne e osso. Nesse momento, nasce nossa responsabi-lidade. Ao entrar na sala de aula o professor, que também traz suas emoções

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e sentimentos, vai conviver com muitos universos. Ali, ele está diante de realidades diversificadas que passam todas pela expressão de sentimentos. Diante do profissional, encontram-se diversos contextos familiares, variados tipos de valores, múltiplos conceitos de mundo. E é nesse campo que o professor terá que atuar, convidar ao pensar, levar à aprendizagem.

O profissional planejou a aula, tem objetivos a alcançar, mas, se ele des-considera que para obter seus objetivos vai precisar lidar com sentimentos diversificados de toda uma turma, pode sair frustrado de seu horário, quan-do perceber que algum aluno, influenciado pelo contexto sociofamiliar, não consegue participar ou compreender a aula, além de não permitir que os demais participem.

Um professor de uma escola pública relata:

Cheguei para dar aula em uma manhã de inverno intenso. Percebia que o aluno sentado à frente tremia muito de frio. Após iniciar a aula, onde to-dos, inclusive nós, estávamos muito agasalhados, me aproximei do aluno enquanto os demais faziam uma atividade e lhe perguntei: esqueceu a blusa? E ele, com o olhar baixo, me respondeu com a voz trêmula: eu não tenho blusa. Aquela resposta, admito que me desestruturou... logo lhe disse que iríamos providenciar. Ele muito timidamente agradeceu. Não foi fácil levar a aula até o fim pensando no frio que aquele aluno passava na pele. Mais complexo ainda era pensar em como conseguir "cumprir um planejamento" diante destes impactos sociais que estão diante de meus olhos (Relato de professor).

Esse relato nos dá a direção de que é impossível entrar na sala de aula e ter total percepção do universo que vamos enfrentar. Haverá dias em que conseguiremos entrar e sair tendo cumprido nossa proposta, mas também dias em que não será possível alcançar os objetivos, pois as relações hu-manas estão permeando o nosso ser professor de maneira muito intensa. Quando refletimos que toda aprendizagem está impregnada de afetividade, conseguimos compreender a situação de tantos alunos que concluem o En-sino Fundamental sem ter alcançado habilidades sobre as quais deveriam ter pleno domínio.

Não nos eximir da necessidade de prestar atenção ao universo afetivo da sala de aula e em todo o processo escolar nos orienta a entendermos que podemos contribuir com a diminuição da evasão escolar, garantindo a per-manência do aluno na escola. A partir do momento em que o aluno se sente à margem do universo dos colegas em sala de aula, expressando-se pela falta

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de concentração ou indisciplina, temos que estar atentos para conseguir ajudá-lo a se abrir e pensar em como intervir naquele universo. Claramente, o professor não tem as respostas prontas para realizar muitas intervenções necessárias em tantos contextos emocionais, sociais, familiares, mas entra aqui a necessidade de a escola estar unificada em busca do alcance dessa junção de forças e capacidades para mediar a resolução daquele fator que está impedindo o aluno de se localizar no espaço escolar. Muitos fatores, às vezes até emocionais, podem levar o aluno a não se sentir pertencente ao campo da aprendizagem escolar, por exemplo:

• baixa autoestima;

• conflitos familiares;

• desestrutura financeira familiar que está repercutindo no contexto da família;

• contextos familiares e culturais de violência;

• abusos sexuais;

• envolvimento com o tráfico (do aluno ou de familiares);

• pai ou mãe que estão cumprindo pena.

Esses e outros fatores contribuem para que o aluno esteja fisicamente na escola, mas distante do universo da aprendizagem e consequentemente da permanência.

Embora pareça utópico ou distante da função da equipe escolar (direção, pedagogos, professores), é de responsabilidade de todos buscar oferecer ao aluno condições necessárias para que a criança se sinta amada, segura e protegida. É necessário que haja relações interpessoais positivas, a fim de que o aluno se desenvolva de forma saudável, física e psicologicamente.

Demonstrar aos alunos atitudes positivas, como aceitação e apoio, esti-mula a garantia de sucesso dos objetivos educativos. Muitas vezes, os alunos com a carga emocional abalada encontram somente no espaço escolar a possibilidade de um "alívio" para as problemáticas que estão permeando suas vidas e caminhos para que essas situações possam ser solucionadas ou ao menos suavizadas.

Pontua-se aqui a importância de um Projeto Político-Pedagógico (PPP) que também não exclua em sua elaboração e efetivação na escola as de-mandas de um caminho de Redes de Atendimento, para unificar as ações e não limitar somente ao espaço escolar as responsabilidades que devem receber intervenções de outros órgãos de assistência social.

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Podemos visualizar, a seguir, a importância de um PPP que traga dados e possibilidades concretas para efetivação de propostas ativas no contexto do aluno.

Nossa comunidade escolar é caracterizada, em sua maioria, por famílias advindas das classes média baixa e baixa, cuja renda oscila de um a três salários mínimos, residindo grande parte na zona urbana (cerca de 90%). Vale ressaltar que nossa comunidade é bem diversificada e apresenta grandes demandas sociais, inclusive com casos de vulnerabilidade social. Cerca de 39% dos discentes dessa unidade escolar são beneficiários do Programa Bolsa Família, como demonstram os gráficos a seguir:

Gráfico 1 Quantitativo de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.

Fonte: elaboração própria.

No Gráfico 1, temos dados bem efetivos do contexto socioeconômico no qual a escola está inserida. Eles ainda trazem no PPP da escola uma im-portante ação para que a equipe escolar possa direcionar e buscar caminhos para intervir nas necessidades dos estudantes.

Trajetória da escola

Ao longo de sua história, essa unidade escolar vem realizando traba-lhos diferenciados que visam atender as necessidades da comunidade em seu entorno. Em seus 22 anos de existência, a escola tem mantido como filosofia o trabalho próximo à comunidade, com demandas e reivindicações que promovem a transformação social e o respeito à diversidade étnico--sociocultural. Realiza um trabalho sistemático, com inovações tecnológicas, profissionais qualificados, participação dos estudantes, pais e/ou respon-sáveis em atividades extracurriculares, campeonatos esportivos e culturais, oficinas, concursos, projetos voltados para a aprendizagem e formação do

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indivíduo (Olimpíadas da Língua Portuguesa e de Matemática; Viagem do Conhecimento; Mostra Ambiental, Literária, Cultural; Feira de Ciências; Pro-jeto Educando com a Horta Escolar; Chá Literário; Festa Junina; Festa da Família; ações complementares/UFMG; Projeto Harmonia; Jogos Estudantis; oficinas de teatro na escola; reuniões periódicas; formação continuada em horários diversificados para a comunidade escolar; atendimento em horário integral (Projeto Mais Educação) e nos finais de semana (Escola Aberta) etc.).

Para além dessas ações, a escola vem estabelecendo parcerias com ór-gãos diversos com o intuito de atender seus estudantes. Entre eles o Con-selho Tutelar, Cras, Creas, Capsi, Guarda Municipal, Posto de Saúde, Sesc, Ouvidoria da Secretária de Educação, Vara da Infância, ONGs, equipe de atletismo da UFMG, Secretaria de Esporte e organizações teatrais. Em rela-ção aos programas do Sesc, 100% dos estudantes participaram das ativida-des (algumas delas foram também ofertadas para a comunidade externa).

A seguir, destacam-se os dados de alguns encaminhamentos da escola para atendimento no Conselho Tutelar.

Gráfico 2 Atendimentos aos estudantes no Conselho Tutelar.

Fonte: elaboração própria.

As parcerias estabelecidas por essa instituição vêm com o intuito de am-pliar o atendimento de nossos discentes e auxiliar na orientação de suas fa-mílias, assim como aproximá-las da escola de forma a perceber esse espaço como um elo entre a família e o desenvolvimento de seus filhos. É de suma importância registrar que essas ações e parcerias vêm sendo ampliadas ao longo dos anos, o que vem acarretando vínculos e estabelecendo uma rede de proteção às famílias e aos nossos estudantes.

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No ano de 2015, a escola, coletivamente, definiu metas relacionadas ao perfil das famílias e de nossos estudantes, que foram discutidas e elencadas em seu PPP, em busca de melhor atender a comunidade escolar.

Percebemos, por meio dos dados apresentados, que o professor e toda a equipe escolar precisam ter paciência e habilidade, procurar manter um di-álogo com o aluno a fim de aliviar os motivos de tantas explosões e demons-trar que o espaço da escola não é mais um local de julgamento, peso ou condenação de sua situação social. A partir do momento em que perceber que a escola está ao seu lado como fonte de apoio e transformação, ele irá vislumbrar ali esperança e encontrará motivos para permanecer e alcançar os objetivos da aprendizagem para transformação de seu contexto pessoal.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) em seu ar-tigo 1o assim se expressa: "A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais" (BRASIL, 1996). Projeta uma nova sociedade, um novo homem brasileiro, capaz de pensar e de refletir como sujeito independente.

Nessa sociedade, será fundamental respeitar o pensamento do outro, de forma a ter também o seu respeitado. Assim, esse documento norteador da educação brasileira propõe-nos que a finalidade da educação deve primar pelo "pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Essas ações deverão considerar as perspectivas sociais e possibilitar que o estudante participe ativamente na sociedade, de forma crítica, criativa e autônoma, além de competir no mercado de trabalho, sem deixar de lado os valores morais e éticos. Podemos focar nosso trabalho em ações e projetos que se preocupem com a formação integral do aluno, trazendo sua realida-de social para dentro do espaço escolar.

Projetos e parceiros como a seguir e tantos outros podem vir a alcançar conosco o resultado de estimular o aluno a estar na escola como protago-nista e com corresponsabilidade de intervir na sua história, independente-mente de seu contexto social, acreditando em seu potencial, aumentando sua autoestima e alcançando o sucesso. O professor desempenha um papel fundamental entre a criança e o conhecimento, criando um elo entre a cog-nição e a afetividade. Quando olhamos o aluno de forma integrada, ou seja, levando em conta a realidade em que ele está inserido, criamos espaços de

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intimidade, proporcionando ao aluno momentos agradáveis durante o pro-cesso de ensino. Essas estratégias trarão benefícios para o aluno, que vão refletir durante todo o percurso escolar. Por isso, temos que investir em bus-car acreditar e reacreditar todos os dias, desconstruir e reconstruir nossos conceitos, ações e atitudes, em busca de alcançar nossos objetivos como professores mediadores de novas possibilidades na história e contexto de nossos alunos.

• Projeto Link-letras;

• Projeto Laboratório de Ciências e Laboratório de Matemática;

• Projeto de Estratégias de Leitura;

• Projeto Mesas Educacionais,

• Projeto AEE/Sala de AEE (Atendimento à Educação Especial);

• Projeto Horta na Escola;

• Programa Segundo Tempo;

• Programa Escola Aberta (com parcerias voluntárias);

• Programa PAEC (Programa de Ações Complementares) UFMG

• Conselho Tutelar;

• Posto de Saúde;

• Guarda Municipal – monitoramento e palestras educativas;

• Programa de atletismo da UFMG;

• Ong Proscad (projeto de Hip Hop);

• Ong Cultura Afro (projeto de dança afro e percussão);

• Programas de assistência social do Sesc-Minas Gerais;

• Programa Belgo Mineira de Meio Ambiente;

• Programa Bom Aluno;

• Programa da Arcor (Escola em Movimento).

Considerações finais

Desenvolvendo o estudo e pesquisa da relação afetiva professor-aluno, buscou-se propor a reflexão sobre a importância dos aspectos afetivos du-rante a construção do processo ensino-aprendizagem e na formação do indivíduo, estabelecendo a existência da relação afetiva relacionada à visão dos autores Paulo Freire, Esther Grossi e Miguel Arroyo.

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Neste estudo e pesquisa foram observadas experiências concretas do dia a dia de uma escola que vem buscando inserir em seu cotidiano novos conceitos e práticas a fim de alcançar o objetivo de que o aluno matriculado permaneça na escola e alcance a aprendizagem em seu percurso escolar. O que buscamos observar é a necessidade de o professor receber e direcionar o aluno, acreditando no seu sucesso, que vai além de sua realidade social, pois, quando o profissional manifesta sua afetividade e estimula o aluno a encontrar na educação escolar um caminho, ele dá a essa criança a chance de desenvolver um novo olhar sobre a sua história.

A proposta desta pesquisa foi de nos fazer atentar, enquanto professo-res, a uma postura crítica do nosso trabalho, buscando dentro da ética e da cidadania respostas para situações do cotidiano escolar e assim desenvolver intervenções e ações que influenciem diretamente nas perspectivas de vida dos alunos. Buscar ações fundamentadas na relação afetiva entre professor e aluno proporciona não somente um ambiente agradável para ambos; pro-porciona, sobretudo, uma educação humanizadora, que estimula e leva à transformação social, grande objetivo da educação escolar, especialmente a pública.

Foi necessário ressaltar a importância de buscar meios que favoreçam ações mais efetivas e humanizadoras, sobretudo nas periferias e favelas, pois nessas realidades se encontram os mais necessitados de receber a esperan-ça e a afirmação de credibilidade dos professores e equipe escolar. Reco-nhecer o lugar e se propor a realizar intervenções direcionadas, dar sentido ao fazer pedagógico, assim como trazer a realidade social do aluno para dentro da escola são ações que possuem força de significar sensação de pertencimento para aqueles que se sentem à margem do sistema. Juntos, pais, alunos, equipe gestora e professores não se sentem isolados nas ações em busca da qualidade da escola e do atendimento socioeducacional, ao contrário, sentem-se fortalecidos e unificados pelo bem maior: a formação e aprendizagem do aluno.

À luz dessas concepções fundamentadas na pesquisa dos autores e na concretude do cotidiano do espaço escolar, a especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social orientou a vislumbrar um novo olhar na pers-pectiva do direito dos alunos ao acesso à educação, bem como à permanên-cia e à aprendizagem, como uma oferta verdadeiramente digna e efetiva em seu efeito de agente de transformação.

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Desde a proposta de Lei da Educação Nacional, tudo é permeado pelo respeito e pela busca do atendimento pleno ao aluno como um indivíduo que não podemos fragmentar no processo escolar. Eliminar as demandas que vêm com cada realidade que recebemos é verdadeiramente abrir espa-ço ao fracasso. Permitir fazer-se a leitura do contexto em que estão inseridos e apresentar propostas de integração social por meio dos projetos escolares é buscar o sucesso, sobretudo para o fim a que a escola se dispõe: a forma-ção do aluno. Obter conhecimento, alcançar sucesso na aprendizagem vai muito além de estar matriculado na escola. Ofertar o direito à educação está além da oferta de vagas na escola, é fazer a leitura do contexto da escola em que trabalhamos e construir projetos de intervenção que vão verdadei-ramente fazer a diferença na vida do estudante e transformar sua realidade.

Sair do senso comum de que a escola pública não tem qualidade é um primeiro passo rumo à reconstrução de nossos conceitos e à abertura da luta pela qualidade da educação. Considerar os aspectos sociais da comunidade escolar, nosso conhecimento sobre as diretrizes nacionais e municipais, o Projeto Político-Pedagógico da escola são ações que fazem a diferença no contexto escolar para uma autêntica relação professor-aluno. Juntos das re-des de ações sociais, podemos sugerir e unificar processos que incentivem e contribuam para a estabilidade social da nossa comunidade, tendo como princípio uma educação voltada para a cultura da paz, objetivando a melho-ria da qualidade de vida de nossos estudantes.

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BASTOS, A. B. B. I. A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicólo-go inFormação, São Paulo, v. 14, n. 14, p. 160-169, 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoinfo/v14n14/v14n14a10.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2016.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GROSSI, E. A coragem de mudar em Educação. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

MAHONEY, A. A. Emoção e ação pedagógica na infância: contribuições da psicologia humanista. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 1, n. 3, p. 67-72, 1993. Disponível em: <http://pepsic.bvsa-lud.org/pdf/tp/v1n3/v1n3a09.pdf> Acesso em: 11 jan. 2017.

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com/2014/07/marcelo-pelucio-a-importc3a2ncia-dos-vc3adnculos-afetivos-com-os-pais-e-profes-sores-no-desenvolvimento-da-aprendizagem-da-crianc3a7a.pdf> Acesso em: 12 jan. 2017.

SILVEIRA, L. R. P. A importância da afetividade na relação professor-aluno para construção de uma aprendizagem significativa. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) – Facul-dade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/71880/000880305.pdf?sequence=1>. Acesso em: 12 jan. 2017.

TASSONI, C. M. Afetividade e Aprendizagem: a relação professor-aluno. Campinas: Editora da Unicamp, 2000.

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O Projeto Avanço do Jovem na Aprendizagem (AJA) na cidade de São Gabriel do Oeste: perspectivas e luta contra a pobreza por meio da educação escolarPatricia Lúcia do NascimentoMilene Bartolomei Silva

Introdução: a descrição do espaço e dos sujeitos

O Projeto Avanço do Jovem na Aprendizagem em Mato Grosso do Sul (AJA-MS) teve seu início em 2014 em algumas unidades escolares com alto índice de evasão e atraso escolar. Também foi implantado como experiência nas Unidades Educacionais de Internação (Unei). Durante essa fase de expe-riências nestas escolas e Uneis, fazia-se o levantamento de evasão e atraso escolar em outras cidades, a fim de estender o Projeto.

A Escola Estadual São Gabriel, localizada no município de São Gabriel do Oeste, tem como sua mantenedora a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul. Ela recebe verbas provenientes de recursos estadu-ais, alguns advindos de repasse federal, como o caso do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).

Atualmente a escola conta com um total de 1080 estudantes, distribu-ídos nos anos finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio Regular e Téc-nico em Agropecuária (extensão), Técnico em Agronegócio concomitante/

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subsequente, Projeto Avanço do Jovem na Aprendizagem em Mato Grosso do Sul (AJA-MS) e Normal Médio.

O espaço físico da escola está divido em blocos administrativos e peda-gógicos. Do total de 1080 estudantes regularmente matriculados, 80 são de-claradamente participantes do Programa Bolsa Família do Governo Federal, e 15 são assistidos pelo Programa Vale Renda.

Não há distinção entre os recebedores e não recebedores do auxílio, tanto que não há registro de quem é assistido pelos programas sociais a não ser na secretaria, o que deixa todos em condição de equidade em sala. Quando os docentes observam condição de precariedade financeira ou fome nos estudantes, estes são encaminhados para a coordenação e direção escolar para que seja verificado se já recebem auxílios ou outro apoio social. Os encaminhamentos aos projetos sociais são feitos a partir da orientação à família.

A Escola Estadual São Gabriel no ano de 2016 passou a oferecer aos estudantes o Projeto AJA-MS. O referido projeto vem atender a meta 2 do Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul (PEE-MS 2014/2024)1 em consonância à Emenda Constitucional no 59, de 11 de novembro de 2009, que

Acrescenta § 3o ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4o do art. 211 e ao § 3o do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI (BRASIL, 2009).

Assim, visando corrigir a distorção ano/idade, o Projeto AJA-MS oferta o Ensino Fundamental para jovens entre 15 a 17 anos que não concluíram ainda essa etapa de ensino. Sendo assim, de acordo com o PEE-MS (MATO GROSSO DO SUL, 2014), é preciso atender às características dos estudan-tes de diversos contextos sociais e culturais; assim, significa tratar de forma diferenciada os estudantes para assegurar a todos a igualdade de direito à

1 Ver Mato Grosso do Sul (2014).

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educação. Por isso é necessidade primordial incorporar a diversidade e ofe-recer apoio aos estudantes com dificuldades de aprendizagem. Esse atendi-mento ocorre por meio do Projeto aqui analisado.

O AJA-MS na escola São Gabriel é ofertado em quatro turmas, sendo duas do Bloco Intermediário (6o e 7o anos concomitantes) e duas de Bloco Final (8o e 9o anos concomitantes). Essas quatro turmas atendem um total de 60 estudantes, e destes 85%2 provêm dos bairros Jardim Gramado e Fênix, tidos na cidade como a periferia. A população desses dois bairros é bastan-te marginalizada em São Gabriel do Oeste, principalmente por que nessas áreas se concentra a maioria dos beneficiários do Programa Bolsa Família.

Outra característica marcante a se observar é que, até 2015, poucos eram os estudantes desses bairros que chegavam a estudar na Escola Estadual São Gabriel (localizada na área central) em decorrência da distribuição local de vagas. A partir do final de 2015, com a implantação da matrícula digital, os estudantes passaram a ter a livre concorrência por vaga no centro da cidade.

O Projeto AJA-MS é pautado na Pedagogia da Presença,3 que consiste em verificar que "o currículo não deve ser separado do contexto histórico e social, no qual o jovem estudante está inserido, e o conhecimento siste-matizado deve ser integrado, com o objetivo de diminuir o isolamento que ocorre entre os componentes curriculares" (AJA-MS, 2015, p. 25).

Se considerarmos que o público-alvo do Projeto AJA-MS é de jovens em situação vulnerável, com histórico familiar muitas vezes complexo, que deixaram os estudos e foram trabalhar para colaborar na renda familiar, ou para ter os gêneros que consideram necessários a sua existência e aceitação social, é preciso apresentar um novo modelo de ensino e aproximação.

Pensando que, ainda, muitas pessoas no Brasil acreditam no destino/sina a ser cumprido como se fossem reduzidas a um fatalismo que os condenou a uma situação de penúria eterna, os conceitos e mais ainda as práticas da cidadania e democracia não chegaram para todos, em muito ainda estão

2 Dado citado de acordo com os registros de matrículas apresentados na secretaria da Escola Estadual São Gabriel, em São Gabriel do Oeste-MS.

3 É um modelo de prática pedagógica difundida por Antônio Carlos Gomes da Costa e adotado pelos criadores do Projeto AJA. Essa pedagogia tem em sua base o ensino voltado à inserção do jovem na sociedade a qual ele não se sente pertencente, levando o jovem estudante ao encontro de si. Visa levar o adulto, neste caso o professor e toda a equipe multidisciplinar, a conhecer o "mundo" do jovem e compreender as razões de suas atitudes, isolamentos e reações para só posteriormente e gradativamente levar o jovem ao mundo dos adultos (COSTA, ano).

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mantidos nas mãos da elite que se perpetua no poder, e a educação escola-rizada é uma destas.

Freire (1994) muito bem expõe, em Pedagogia do Oprimido, que lenta-mente até mesmo nas áreas mais pobres e mais distantes os princípios da cidadania e democracia têm começado a germinar, em especial, nas novas gerações que têm acesso à educação escolar, mas que esbarram no jogo de interesses que negligencia ainda mais a exclusão e opressão permeada pela detenção ou não do capital e conhecimento de direitos. Gradativamente nos últimos anos, para alguns grupos a realidade de mudança e transformação na qual estão inseridos vem abrindo novos caminhos, e mesmo as gerações anteriores depositam perspectivas nessa possibilidade, que mesmo remota existe e perpassa a necessidade de resistir e sobreviver.

É de grande importância definir quem é o oprimido e quem é o opressor e como essa relação de dependência ocorre entre os dois. No atual mode-lo de sociedade capitalista, fica até difícil definir tão claramente quem é o oprimido e quem é o opressor, já que as relações mudam a todo tempo, e as situações e ambiente podem nos tornar tanto oprimidos como opressores ao mesmo tempo. Quando o estudioso Paulo Freire (1994) debate sobre os questionamentos e mesmo reações contra a sociedade do consumo, passa-mos a nos questionar se hoje, em pleno século XXI, esses mesmos questio-namentos e resistências ao consumismo continuam, em especial junto aos jovens, até por conta dos constantes modismos. E não podemos negar que o que está na moda é ostentar. Cabe-nos aqui pensar qual o papel do pobre inserido ou totalmente excluído nessa sociedade. A este jovem, estimulado a consumir e cortado por não ter poder aquisitivo, cabe entrar cedo no mer-cado de trabalho, mesmo que no informal.

A ostentação, em grande parte, acaba por reforçar ainda mais a prática da opressão social. É preciso ter para ser. Não se valoriza mais a essência, mas sim o poder de comprar e aparecer. Na verdade, cada um carrega consi-go um oprimido e um opressor juntos e que buscam espaço para sobressair constantemente.

E, na escola, mesmo da rede pública, como esse estudante pobre se sente e é inserido nas práticas pedagógicas visando o combate à pobreza e exclusão, ainda mais frente ao atraso escolar?

Paulo Freire (1994) identifica essa relação de opressor e oprimido, e sua luta constante pela existência e mesmo permanência passa a apresentar não uma mudança de consciência, mas de comportamento, em que o oprimido

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se torna opressor dos outros, como se fosse uma forma de vingar e libertar sua angústia. E neste momento, quando passa a oprimir, sua memória se es-quece de como é estar oprimido e, por interesses individuais, passa a querer oprimir cada vez mais, sem se dar conta de que, na verdade, ao oprimir cada vez mais, interna e externamente oprimido ele está.

E mesmo sem se dar conta, a tão sonhada liberdade está cada vez mais distante de se concretizar. Como esses jovens, estudantes da classe menos abastada, muitos até em caso de extrema pobreza, veem a educação escolar para reverter essa situação histórica é um ponto a se pensar nessa pesquisa.

Ao discutir a liberdade, Freire (1994) analisa que é um dos sentimentos mais difíceis de lidar, já que em geral se quer para si e não compreende no direito e conquista pelo outro. Ao identificar isso com o opressor, Freire verifica que permitir liberdade ao outro é perder a sua e mesmo abrir mão do poder. O silêncio, a invisibilidade parece ser mais uma regra imposta pelos grupos que sobrepõem sua força. São carregados por esses sentimentos, sensações e angústia que esses jovens em algum momento retornam para a escola, e muitos se evadem logo após o retorno.

Paulo Freire (1994) define como Pedagogia do Oprimido a constante pe-dagogia que busca a libertação em suas raízes. A opressão é tratada como uma das piores violências. Nem sempre entendida assim por todos, essa violência difunde-se em rede, numa prática constante e por muitos consi-derada normal, justa ou aceitável. Na busca pela construção da consciência libertária e libertadora, novos sentimentos e reconhecimentos nascem ou simplesmente acordam por ter sido duramente adormecidos. Sentimentos como amor, terror, ódio disputam território e sentido de ser. A opressão existe mediante a negação e constante proibição. O opressor trata o oprimi-do como objeto, vazio de vontade e ações.

As condições educacionais do AJA-MS na escola São Gabriel

Ao ser implantado na cidade de São Gabriel do Oeste, no mês de janei-ro de 2016, na fase de pré-matrículas, muitos jovens procuraram a unidade escolar a fim de uma vaga no AJA, até porque, neste projeto, algumas con-dições novas aos estudos eram/são oferecidas.

Entre as estruturas/possibilidades ofertadas pelo Projeto AJA-MS está uma grade curricular diferenciada, que prepara o estudante para o pro-gresso escolar no Ensino Médio e Superior, contando com uma equipe

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multidisciplinar. Essa equipe possui uma coordenação de curso, um assessor de projeto e um psicólogo4 que trabalhará na orientação destes estudantes e não de forma clínica.

Dos 133 estudantes inicialmente matriculados, foram declarados oficial-mente oito estudantes recebedores do auxílio financeiro-social do Programa Bolsa Família. Entre os estudantes regularmente matriculados no projeto, observa-se claramente uma recusa em dizer-se pertencente ao PBF, tanto que muitos negaram a informação. Em geral, essa recusa dá-se pelas piadi-nhas e brincadeiras que decorrem por receberem "ajuda" do Governo Fede-ral. Muitos desconhecem que o PBF acompanha o estudante em seu acesso e frequência na Escola, tirando-o, por exemplo, de trabalhos que poderiam fazer para auxiliar nas despesas de casa, deixando de lado os estudos e a oportunidade de transformação para si e a sociedade na qual se insere.

Esse fato é observado pelo estudante José,5 que vê o benefício como um auxiliar na renda familiar, mas tem vergonha de receber e de que os amigos saibam, preferia mesmo era trabalhar igual a todos os outros, mas ainda tem 15 anos.

A cultura puramente assistencialista divulgada pelas mídias impede mui-tos de compreender que o adolescente deve ter como prioridade a escola-rização que lhe permita o progresso pessoal e maior reconhecimento deste cidadão na sociedade. O Governo Federal aplica um auxílio financeiro para a família assistida, objetivando diminuir as discrepâncias sociais, e o programa busca não apenas a inserção, mas a promoção da cidadania para aqueles que carregam consigo a exclusão, apresentada a muitos como natural.

No perfil do estudante do AJA-MS, encontra-se em todos os casos re-petência escolar, disparidade de dois anos ou mais nos estudos, muitos têm dificuldades na aprendizagem, chegaram a esta etapa de ensino desmoti-vados. Observa-se em alguns o sentimento de fatalismo, que os impediria de concluir o Ensino Fundamental ao menos. São jovens que ainda não são adultos, mas também não são mais crianças.

Para Leite (2015),

4 No caso da Escola Estadual São Gabriel, este profissional só passou a pertencer ao quadro no final do mês de agosto por conta de acertos e arranjos entre as secretarias estaduais para questão de folha de pagamento.

5 Nome fictício para preservar o estudante.

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Elaborar uma definição de infância e de juventude não é uma tarefa fácil. Isso porque, por um lado, há uma dificuldade em construir uma definição que consiga abranger a heterogeneidade do real e, por outro, é possí-vel observar que algumas representações sobre esses segmentos estão presentes no imaginário social, interferindo na sua compreensão. Nesse sentido, as interpretações sobre o que é ser criança e ser jovem são ca-tegorias socialmente produzidas, que adquirem significados particulares em contextos históricos, sociais e culturais distintos (LEITE, 2014, p. 10).

Durante muito tempo se classificaram infância e juventude consideran-do apenas faixa etária e evolução biológica corporal. Não se consideravam cultura, economia e a questão social. Generalizava-se sem considerar as es-pecificidades. Compreender essas alterações possibilita criar um novo olhar sobre infância e juventude e lembrar que cada pessoa possui sua história, realidade e especificidade.

Pensando até mesmo nessa transição de fases da vida, muitos viram no projeto não apenas a volta aos estudos, mas certa independência. É a pri-meira vez que estudam à noite, que interagem e são tratados num nível úni-co por estarem todos em mesma faixa etária. Apesar do atraso na idade para o ano estudado, todos estão na mesma situação. Lida-se com momentos em que estes estudantes querem a vida de adulto, oscilando com o momento em que só querem brincar e esquecer o mundo que lhes aguarda ao sair da escola.

Como previsto no projeto, o início do turno começa pela acolhida, de acordo com o Projeto Político-Pedagógico do AJA-MS.

É o momento em que estudantes/professores/equipe multidisciplinar e demais profissionais envolvidos com o projeto estreitam os laços de convívio, proporcionando afetividade, amizade, conhecimento e intera-tividade. Para tanto, é necessário que seja organizado este momento, programando os dias em que cada grupo irá realizar estas atividades com os estudantes de forma alternativa, prática e dinâmica, proporcionando brincadeiras em grupos, aula plantão, projeto de pesquisa, competição, jogos, oficinas de músicas, teatros, idiomas, instrumentos musicais e ou-tros (MATO GROSSO DO SUL, 2015, p. 30).

Mas logo a maioria dos estudantes passou a recusar a participação nas atividades propostas. Não queriam se misturar ou interagir com os demais. Muitos se isolaram. Ao observar essa recusa e cada vez mais a escassez

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nesse momento, após conversa registrada com os pais, a acolhida passou a ser despedida, o que surtiu muito mais efeito.

Entre as práticas propostas, constatou-se que os estudantes do projeto na Escola Estadual São Gabriel não são interessados em dinâmicas de gru-po. Para alguns, a competição e a dinâmica envolvem exposição a que nem sempre estão dispostos. Entre as propostas de despedida, que ocorre por vinte minutos, têm sido bem aceitos jogos com bolas e de mesa, tal como pingue-pongue, o que tem motivado e envolvido a maioria dos estudantes.

Nesse momento, além das práticas esportivas, os estudantes têm a oportunidade de interagir com professores, equipe multidisciplinar, psicó-loga, estudantes das outras salas, como se nesse momento os estudantes extravasassem após um longo dia, já que muitos deles trabalham o dia todo.

Apesar dos esforços, constata-se sobre o referido Projeto uma situação preocupante quanto à frequência, facilmente observada no quadro a seguir.

Quadro 1 Fluxo de estudantes do Projeto ATA-MS E. E. São Gabriel, 2016.

Periodicidade Estudantesmatriculados

Estudantes evadidos e/ou transferidos por bimestre

1o bimestre 133 18

2o bimestre 140 35

3o bimestre 141 62

Fonte: elaboração própria, a partir dos dados da Escola Estadual São Gabriel.

Neste, é possível identificar a evasão com as transferências de 44% nos três bimestres já decorridos. Destes 44%, somente uma estudante era de-clarada recebedora de auxílio do Programa Bolsa Família, no valor mínimo, porém, esta pediu transferência para outra cidade, por mudança familiar. Sete estudantes que declararam oficialmente auxiliados pelo Programa Bol-sa Família permanecem os estudos na unidade escolar.

Para Leite (2014), a sociedade/escola criou uma intensa homogeneização do saber escolarizado, e

o resultado disso é a reprovação e a exclusão escolar de muitas crian-ças e muitos(as) jovens que não se reconhecem nessa escola, nesse currículo, nesses materiais. Jovens originários(as) dos coletivos pobres, excluídos(as) dos espaços públicos e do direito de ver sua cultura retrata-da nos livros escolares, nos materiais didáticos (LEITE, 2014, p. 20).

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Felizmente, a sociedade começa a observar a força e importância do protagonismo juvenil. Jovens e crianças começam a ganhar espaços antes negados a eles. Apresentam voz, deixando claros sua opinião, pensamentos e necessidades.

Culturalmente, ainda muitos estudantes acreditam no destino/sina a ser cumprido como se fossem reduzidos a um fatalismo que os condenou a uma situação de penúria eterna. Os conceitos e, mais ainda, as práticas da cida-dania e democracia não chegaram para todos, em muito ainda estão manti-dos nas mãos da elite que se perpetua no poder, o que estende a pobreza aos estudantes do AJA-MS também, e desta pobreza lentamente se busca reconhecer a origem e os mecanismos de combate por todos inseridos no projeto. É preciso dar voz aos excluídos.

Na escola, uma das principais formas está na existência do Grêmio Estudantil atuante, que constrói no espaço escolar, a partir da necessi-dade e perspectiva dos estudantes, mudanças visando não somente o reconhecimento de seus direitos, mas a importância de sua ação no bem coletivo. A participação6 dos estudantes do AJA-MS no conselho de classe também é de fundamental importância, pois lhes atribui responsabilidades e divisão da participação.

Os beneficiários do Programa Bolsa Família e seus resultados na promoção educacional oferecida pelo AJA-MS

Refletir e analisar a situação em que se encontra o estudante beneficiário do PBF que apresenta atraso escolar é necessário, não só em um projeto para reduzir a distorção ano/idade, mas em todas as fases do processo de ensino e aprendizagem. Pensando nessa reflexão e buscando algumas ex-plicações, e não justificativas, para a evasão e promoção escolar de pou-cos, é que se parte neste momento a ouvir diretamente o objeto de nossa

6 A escola realiza, em todo final de bimestre, o pré-conselho por meio do Google.docs. Neste momento, os estudantes avaliam a escola como um todo, apontam suas dificul-dades e facilidades no bimestre, quais melhorias acreditam que contribuiriam para um aprendizado mais significativo e escolhem também o tema norteador do bimestre seguinte. Em 2016, os temas escolhidos respectivamente foram saúde, esportes, música e Halloween. A partir dessa escolha os docentes organizam seus planejamentos a fim de aproximar mais o estudante dos conteúdos a partir de assuntos que lhes chamam a atenção.

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pesquisa, o estudante assistido pelo Programa Bolsa Família matriculado no Projeto AJA-MS, na E. E. São Gabriel.

Em um primeiro momento era preciso verificar quem são os estudantes beneficiários do PBF no AJA-MS, e, para tanto, o primeiro passo foi verificar os dados do censo escolar 2015/2016. Por meio do censo, foram encontrados apenas quatro estudantes do AJA-MS que possuíam, em 2015, o benefício. O segundo passo foi, juntamente a esses estudantes, verificar os que conti-nuavam a frequentar a escola e analisar os índices escolares, em especial a frequência em cada bimestre, o que foi verificado no Sistema de Gestão de Dados Escolares (SGDE) da rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul.

Ao fazer esse levantamento, foi averiguado que, dos quatro estudantes apontados pelo censo escolar, uma havia desistido por completar 18 anos e preferir procurar um trabalho formal, tendo, em decorrência das faltas, o benefício cortado. Dos outros três, localizados pelo censo, um, na semana da entrevista, teve o benefício cortado em decorrência de faltas no período de maio, junho e julho, ultrapassando os 25%.

Como só foi possível, por este meio, localizar dois beneficiários e por se observar um olhar desconfiado ao se perguntar quem recebia o benefício nas quatro turmas, optou-se por uma pesquisa informando aos estudantes que esses dados seriam usados para atualizar o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola estadual, a partir do seguinte questionamento, impresso e entregue a cada estudante.

Nome:________________________________________idade______AJA Intermediário (A) (B) Final (A) (B)Você é beneficiário de algum programa social do governo federal ou estadual? Assinale abaixo se você pertence a algum.( )Bolsa Família ( ) Vale Renda ( )Vale Gás ( ) Auxílio Moradia ( ) Outros

Figura 1 Questionário entre aos estudantes.

Fonte: elaboração própria.

Com esse questionário, conseguiu-se levantar oito estudantes benefici-ários do Programa Bolsa Família como frequentes no AJA-MS na E. E. São Gabriel. O passo seguinte foi chamá-los à parte para uma conversa, explicar do que se tratava a pesquisa e como seria a produção científica e quais os

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objetivos que esta traria de um modo geral. Em decorrência da função de uma das autoras na escola – diretora adjunta –, eles ficaram receosos de fazerem uma conversa/entrevista, optando por entrevista escrita, a princípio. Destes oito beneficiários estudantes, três aceitaram colaborar com o traba-lho, incluindo ser identificados. Dos cinco restantes, dois foram retidos por falta e pararam de ir à escola durante a escrita deste artigo e três ficaram com vergonha de contar sobre si.

A primeira questão, voltada ao atraso escolar, buscava do estudante uma explicação para o que motivou sua distorção idade/ano, e assim estes apontaram:

Tive desinteresse pelo estudo e parei de estudar (Heverton, 17 anos, estudante do Intermediário A).

Muitos amigos que pararam de estudar, aí comecei a matar aula e paran-do de estudar (Adriel, 17 anos, estudante do Final B)

Bom, o meu atraso escolar foi por eu ter engravidado, e minha gravidez era de risco (Larissa, 17 anos, estudante do Final A).7

Uma das questões que mais preocupa não somente a escola, mas a so-ciedade como um todo, é o alto índice de desistência e mesmo a evasão dos adolescentes. Muitos iniciam um histórico de seguidas repetências e se desanimam de prosseguir com a educação escolar. No caso dos entrevista-dos, observamos três situações bastante distintas que os levaram a evadir da escola. Um caso a ser observado é o de Larissa, com a maternidade na adolescência, que acabou motivando sua desistência, e há também a pre-ocupação de sua mãe de que ela tenha uma nova gestação e que isso faça Larissa novamente parar com os estudos.

Quando indagados sobre sua opinião sobre os motivos que levaram os colegas a apresentarem uma evasão ou abandono escolar de 44% até o pre-sente momento, eles apontam "desinteresse" (Larissa), "preguiça de vir para a escola" (Adriel) e "para alguns o trabalho o dia inteiro e de noite, estão can-sados, e outros o fato de a escola ser longe e não ter meio de locomoção" (Heverton). Nesse caso, observamos que, além do trabalho realizado por

7 A partir deste momento, a pesquisa é baseada nas entrevistas, que foram transcritas aqui tal como ditas e escritas pelos estudantes analisados.

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muitos dos estudantes do AJA-MS da E. E. São Gabriel, os estudantes veem que a preguiça e o desinteresse motivam a desistência escolar. Cabe-nos aqui ressaltar como é feito o controle das faltas dos estudantes do Projeto.

Há uma assessora de projeto, a qual entra em sala, verifica a chamada diariamente e tem o controle de entrada e saída dos estudantes no período de aula. Verificado caso de falta no período, imediatamente o responsável do faltoso é contatado para averiguar o que aconteceu e que acarretou a ausência na aula. Infelizmente, alguns já não atendem mais as ligações,8 e a escola acaba perdendo o contato com esses estudantes. Alguns casos, a assessora chega a ir à casa do estudante para uma visita de orientação aos pais, além de alguns encaminhamentos ao Conselho Tutelar da cidade.

É bastante importante ressaltar que os estudantes entrevistados afirma-ram que não se sentiam com tratamento diferenciado em nenhum momento da educação escolar, mas que acham os professores e a equipe do Projeto AJA-MS mais atenciosos, segundo o que disse Heverton. Larissa agora vê o ensino como até bem mais divertido, conforme afirmou.

Ao serem indagados sobre a importância do PBF em seus lares, observa--se que, no caso dos três, o benefício tem sido usado diretamente em produ-tos alimentícios ou medicamentos e em outras necessidades. Reconhecem que o benefício, apesar de pouco, contribui, sim, mas não querem depender dele para sempre. O PBF é um fator motivador para Adriel, que não quer parar de estudar, e segundo ele "[o PBF] não me deixou parar de estudar". Já Larissa e Heverton não veem o PBF como um motivador, pois veem nas suas perspectivas para o futuro a maior motivação.

Quando foram perguntados se em meio a tantos estudantes que rece-bem auxílio do PBF eles já se sentiram discriminados, os três disseram que não, porém, a resposta de Larissa é intrigante. Ela afirma que "não, até por-que poucas pessoas sabem disso. Então me sinto uma pessoa normal". Isso deixa no ar uma séria dúvida, acerca desta afirmação: ela é tratada como "pessoa normal" porque saber desta informação não é importante para

8 As ligações chegam a acontecer de números variados a fim de conseguir contato com os familiares. Outro problema enfrentado está nos estudantes que não têm residência própria, vivem mudando de endereço e não o atualizam na escola. Quando a assesso-ra procura a casa, também verifica se a vizinhança sabe do novo endereço. A ideia é conscientizar a família sobre a importância social da educação escolar e do trabalho e empenho aplicados pelo projeto e pela escola. Muitas dessas visitas servem como momento de desabafo desses pais, que têm se sentido impotentes frente ao desânimo dos filhos em estudar em qualquer que seja o período.

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as pessoas da sociedade em que ela convive ou ela se sente uma "pessoa normal" por poucas pessoas saberem que ela faz parte do Programa Bolsa Família? Infelizmente, mesmo com o PBF já tendo mais de dez anos de exis-tência no Brasil, há ainda uma forte resistência a ele e seus benefícios no combate à pobreza nas mais diversas regiões brasileiras.

Ao verificar tal situação, durante a entrevista, os estudantes foram inda-gados se a perda do benefício mudaria a vida ou a formação escolar deles. Adriel vê que "esse benefício significa muito, mas se for retirado não iria mudar quase nada", enquanto, para Larissa, a mudança seria "somente na vida, pois poderia vir a faltar algo em casa. Na formação não mudaria nada". Nessa mesma perspectiva, Heverton aponta que "sim, porque o Bolsa Famí-lia me ajuda muito". Porém, nessa mesma situação, ambos na continuidade do questionário veem que, entre receber o benefício ou trabalhar o dia intei-ro, esta última opção traria muitas mudanças na vida de cada um. Heverton e Adriel acreditam que não teriam mais tempo para estudar. De repente, cairiam novamente nos índices de evasão escolar.

Por ver os entrevistados se contradizendo em algumas de suas opiniões, partiu-se a verificar a compreensão dos três sobre os Direitos Humanos. La-mentavelmente, como a maior parte da população brasileira, desconhecem os Direitos Humanos e os conhecem a partir do que a mídia televisiva expõe como direito das pessoas em cárcere (presidiários) e vincula estes como "di-reitos dos bandidos". Disseram em conversa que "até os bandidos têm mais direito que nós".

A partir dessa perspectiva, verifica-se uma falha nessa formação, já que a instituição escolar deve desempenhar papel primordial ao informar, consoli-dar e dissipar os Direitos Humanos como pertencentes a todos. Infelizmente, até nas escolas, são poucos os docentes que buscam trabalhar com a educa-ção em Direitos Humanos, não como uma disciplina à parte do currículo, mas pertencente a sua prática pedagógica e cidadã.

A educação deverá promover a compreensão, a tolerância, a paz e as relações amigáveis entre as nações e todos os grupos raciais ou religio-sos e encorajar o desenvolvimento de atividades das Nações Unidas na prossecução desses objetivos (DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA, 1993, p. 9, apud MENDONÇA, 2014, p. 30).

A educação em Direitos Humanos na escola não só para esses três estu-dantes, mas para os demais integrantes do Projeto AJA-MS, pode auxiliar no

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enfrentamento das violações e da pobreza, criando primeiro uma consciência de direitos, de não aceitação da violação e de criação de mecanismos para combater o não cumprimento e maior divulgação para todos de como fazer garantir seus direitos e dos outros membros da sociedade, conscientizando--os sobre a importância desses direitos e sobre como usufruí-los, mesmo em meio às pressões dos opressores detentores de condições financeiras e que buscam manter somente para si o conhecimento e os direitos.

Nas perspectivas para o futuro, os três apresentam vontades distintas. Adriel quer "ter uma família e ser feliz", enquanto Larissa espera "terminar meus estudos e ter um serviço fixo". Prosseguir com os estudos foi apontado por Heverton, que quer "fazer cursos para especializar em tecnologia". Par-tindo dessas respostas, acerca do futuro, da vida adulta, nova reflexão é ne-cessária sobre essa escola moderno-contemporânea ofertada. Observa-se que, mesmo com toda a contradição e a função apresentada pela instituição escolar, esta, dentro de um contexto que visa atender as necessidades do mundo atual, vem buscando redefinir seu papel e função na sociedade.

A E. E. São Gabriel, atualmente, está incumbida muito além de ensinar os saberes escolarizados. Ou seja, o papel da escola já mudou. Hoje, à escola cabem: ensinar os saberes formais, os informais (aqueles que se deseja que o estudante traga de casa); acompanhar a situação da família, bem como seus desajustes, encaminhando os casos para os órgãos competentes; acompanhar casos de doenças, não deixar o estudante esquecer o horário do remédio; e, também, formar o cidadão de acordo com uma tendência pedagógica libertadora e de formação cidadã integral.

A escola vem buscando romper com o tradicionalismo, apesar das resis-tências, e implantar uma escola mais humana e voltada para a comunidade a que atende. Essa transformação social em geral tem se dado por meio de projetos que envolvem não somente os estudantes, mas também a comuni-dade. Ocorrem por meio de pesquisas e atividades práticas, com debates, palestras e exposições de opiniões, visando o conhecimento e a quebra dos preconceitos enraizados na sociedade de modo a auxiliar na formação dos estudantes do Projeto AJA-MS e, em especial, dos participantes do Progra-ma Bolsa Família em São Gabriel do Oeste.

Em geral, espera-se que a mudança da sociedade como um todo parta da escola, por esta atender públicos heterogêneos, e, sendo espaço criativo, busque romper com os empecilhos sociais que têm atrapalhado o desenvol-vimento social e a redução das desigualdades sociais.

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Leite (2014, p. 35), sobre os estudantes, afirma que estes novos cidadãos e cidadãs conquistaram o direito de estar em uma escola que acolha, respei-te e valorize sua cultura, sua forma de viver e de expressar o mundo. E esta deve ser a função da escola que busca amenizar as exclusões e distinções sociais na busca por uma educação emancipadora, que forme o cidadão atuante e não passivo diante das necessidades da elite vigente.

Assim, dentro das atuais condições de ensino ofertadas pelo Projeto AJA-MS com a presença dos estudantes assistidos pelo PBF, observa-se que, pelo boletim escolar, Adriel e Larissa se encaminham para aprovação sem exame, aptos para o Ensino Médio. Heverton, no entanto, terá retenção por faltas. Essas faltas, de acordo com sua mãe, justificam-se pelo fato de que agora Heverton será pai, e a vida não será mais a mesma.

Considerações finais

Bastante perigosa e generalizante é a história única, em que só se conhe-ce um lado, apresentado a nós com um propósito. Em geral não buscamos a outra versão para criarmos possíveis conclusões. É como reduzir todos a uma única condição, é moralizar a pobreza como culpa dos pobres, que não querem outra vida. Esta é uma das implicações da histórica única. A atual sociedade, além de buscar os culpados da pobreza nos pobres, também busca amenizar a sensação de culpa pelo dó e pela piedade que sentem, de forma momentânea, recaindo sobre a Escola a responsabilidade de redimir esse problema.

Generalizam como história única aos assistidos pelo Programa Bolsa Fa-mília, jogando senso comum, como pobres e preguiçosos, que não querem trabalhar, só querem fazer filhos e viver de esmolas dadas pelo governo. Cria-se um fatalismo, que para muitos explica o fracasso escolar de tantos estudantes ainda no Ensino Fundamental, sem questionar se o estudante tem fracassado ou se esse modelo educacional ofertado é que fracassou, e isso ainda não foi observado.

Ao se pensar no número considerável de egressos no Projeto, a prin-cípio, e ver como este está finalizando com um número grande de evasão, ainda assim se busca o combate à pobreza por meio da educação escolar, e um passo considerável foi dar a oportunidade de estudar na escola central, para muitos deles pela primeira vez. Mesmo observando ainda que muitos negam receber o auxílio do Programa Bolsa Família em decorrência de

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vergonha, aqueles que declararam pertencer ao PBF reconhecem, mesmo com algumas contradições em suas respostas, que o programa tem contri-buído em sua formação. Mesmo chegando à escola central, muitos outros fatores os impediram de prosseguir os estudos.

Infelizmente, verificamos ainda inúmeras falhas no sistema educacional brasileiro, que teoricamente visa incluir, mas que na prática tem sido repro-dutor de exclusões, perpetuando no atual modelo, e mesmo frente aos cor-tes no financiamento da educação, a manutenção da pobreza. Sendo assim, o atual modelo impede ou limita a promoção na vida social e escolar ampla-mente difundida para todos, que na verdade nunca chegou para todos.

Espera-se que esta reflexão não cesse por aqui e que ações de combate à pobreza aumentem e consigam reduzir tal situação.

ReferênciasBRASIL. Emenda constitucional no 59, de 11 de novembro de 2009. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 12 nov. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constitui-cao/emendas/emc/emc59.htm>. Acesso em 22 nov. 2019.

COSTA, A. C. G. Por uma Pedagogia da Presença. Ano. Disponível em: <http://www.dersv.com/POR%20UMA%20PEDAGOGIA%20DA%20PRESENCA.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2016.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

LEITE, L. H. A. Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza. Apostila do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Módulo III. 2014.

MATO GROSSO DO SUL. Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul: Decênio 2014-2024. Campo Grande: Secretaria de Estado de Educação, 2014. Disponível em: <http://www.sed.ms.gov.br/wp-content/uploads/sites/67/2015/05/pee-ms-2014.pdf>. Acesso em:

______. Projeto Avanço do Jovem na Aprendizagem em Mato Grosso do Sul. Etapa: Ensino Funda-mental. Idade 15 a 17 anos. Campo Grande-MS, 2015.

MENDONÇA, E. F. Pobreza, Direitos Humanos, Justiça e Educação. Apostila do Curso de Especia-lização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Módulo II. 2014.

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O desempenho escolar e a evolução socioeducacional dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) da escola municipal Antônio José Paniago do programa (Campo Grande-MS)Keila Rosa T. da Silva NogueiraMaria do Socorro Sales Felipe Bezerra

Introdução

A pesquisa analisa a relação das condicionalidades com a evolução so-cioeducacional dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF), buscando compreender a efetividade do programa para a melhoria dos índices esco-lares e seu desenvolvimento. Parte-se do princípio de que as condicionali-dades do programa sejam importantes, contudo, outros fatores podem ser determinantes para o desempenho escolar.

O PBF tem uma relação de ambiguidade com o campo da assistência social, entendido como política de atendimento a necessidades básicas, ba-seada na oferta de serviços e pagamento de benefícios. Contudo, o PBF tem como objetivo a redução da pobreza e está ligado diretamente à educação escolar. Dessa forma, o programa institui o que denomina como "condicio-nalidades", que consistem em um conjunto de "compromissos" assumidos pelas famílias beneficiárias, tanto na área da saúde quanto da educação. Cumprir com as condicionalidades é obrigatório para que a família continue recebendo a transferência de renda.

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O valor da bolsa é garantido a partir de condicionalidades de duas or-dens: no campo da educação, o programa requer que as crianças de 6 a 15 anos das famílias beneficiárias estejam regularmente matriculadas na escola e tenham, no mínimo, 85% de frequência, e para os adolescentes de 16 e 17 anos, a exigência é de que estejam matriculados e tenham frequência mínima de 75%; no campo social, o programa tem como objetivo aliviar a pobreza de forma imediata e contribuir para a redução da transmissão inter-geracional da pobreza.

Criado em 2003 e sancionado pela Lei no 10.836, de 09 de janeiro de 2004, o PBF constituiu-se a partir da unificação dos Programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio Gás, que eram auxílios financeiros decorrentes do governo federal para ações localizadas, trazendo à proposta: o acesso à rede de serviços públicos de saúde, educação e assistência social; o com-bate à fome e promoção da segurança alimentar e nutricional; o estímulo à emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza e o combate à pobreza (BRASIL, 2004).

Além disso, há propostas relacionadas especificamente ao campo da educação ligado a uma concepção do programa, que privilegiam seu poten-cial para aumentar o capital humano das famílias e, mais especialmente, de suas crianças. Entre essas, ganha destaque a ideia de vincular os benefícios do PBF ao desempenho escolar, e não apenas à frequência à escola.

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra em Domicílio (PNAD/IBGE), a redução da pobreza ganhou impulso a partir de 2003 com o cresci-mento da oferta de empregos e renda real da população, levando 24,6 mi-lhões a saírem da linha da pobreza e pobreza extrema até 2011. Com isso, o objetivo principal do programa é enfrentar o grande problema da sociedade brasileira, que é combater a fome e a miséria, promovendo a emancipação das famílias mais pobres do país. A escola seria o grande vínculo para a superação da pobreza.

A partir dessa perspectiva, algumas questões são pertinentes: O PBF tem contribuído para o desenvolvimento escolar dos alunos beneficiários? Que fatores são determinantes para a melhoria do desempenho escolar dos alunos beneficiários? Qual a relação entre o desempenho escolar e o desen-volvimento social dos beneficiários?

Em face dessas questões, o estudo assumiu como objetivo geral analisar como o PBF gera efeitos no desempenho escolar e na frequência e, conse-quentemente, a superação da situação de vulnerabilidade social das famílias

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O desempenho escolar e a evolução socioeducacional dos beneficiários do Programa Bolsa... | 107

beneficiárias da Escola Municipal Antônio José Paniago. Essa escola possui 477 alunos matriculados do 6o ao 9o ano, dos quais 140 são beneficiários.

Nesse sentido, buscou-se, especificamente, analisar o desempenho, a frequência e o cumprimento das demais condicionalidades relativas à esco-la: conhecer como a escola lida com as condicionalidades do programa para a melhoria do atendimento aos alunos beneficiários; compreender como o PBF tem contribuído para garantir a melhoria do desempenho dos alunos beneficiários.

Dessa forma, o estudo foi baseado na pesquisa documental com base nos principais documentos relativos à função do Estado na erradicação da pobreza e ao PBF. A pesquisa empírica foi realizada por meio de questioná-rios estruturados, direcionados, inicialmente, a quatro integrantes da escola que trabalham diretamente com estudantes beneficiários: dois coordenado-res e dois professores. Contudo, a devolutiva não correspondeu ao progra-mado, contribuindo para o estudo apenas dois sujeitos.

Tais questionários abordaram a relação da escola e suas responsabilida-des frente ao programa, o resgate histórico desde o ingresso e a influência na vida dos beneficiários, com especial atenção ao desempenho escolar dos estudantes.

O estudo concentrou a relação estabelecida entre o PBF e a educação no sentido de compreender se o programa exerce efeitos na vida escolar de seus beneficiários, bem como seus possíveis efeitos na superação da situação de vulnerabilidade social de famílias beneficiárias. A estrutura da pesquisa é qualitativa e quantitativa, sob uma concepção crítica, tendo em vista a perspectiva de explorar as contradições e interesses que envolvem o objeto de estudo.

Programa Bolsa Família e educação: condicionalidades e operacionalização

O Programa Bolsa Família (PBF) foi desenvolvido para garantir não ape-nas o direito de todas as crianças à educação, como também a sua perma-nência na escola, rompendo o ciclo da pobreza que, no passado, marcou gerações de famílias, expectativa esta fundamentada na Constituição Fede-ral de 1988, art. 5o, pelo qual

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Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a in-violabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (BRASIL, 1988, p. 8).

Dessa forma, acredita-se que a educação promove um mundo novo, um novo olhar sobre a aprendizagem, a conexão de coisas, os lugares, as pessoas e seu desenvolvimento enquanto cidadão. O direito à educação passa a estar presente nos principais documentos da política educacional, permitindo maior visibilidade dos problemas sociais, da qual se destaca a busca pela universalização do ensino.

Contudo, o processo de democratização do acesso à educação não veio acompanhado da permanência e do sucesso escolar. Outras realidades pa-recem vir à tona como a persistência da pobreza na escola. Schwartzman (2006, p. 9) mostra que as políticas sociais nos anos 2000 foram criadas sob uma urgência no ponto de vista ético, de desenvolvimento e de atendimento à opinião pública, incidindo sobre a educação o papel fundamental para o desenvolvimento econômico do país.

Nesse contexto de expansão das políticas sociais, sob a égide de su-peração das condições precárias da pobreza no Brasil, que não visassem essencialmente o assistencialismo, é que foi reestruturado o PBF, sendo con-siderado uma importante política pública de transferência de renda que se constituiu na ação do governo, objetivando diminuir a condição de pobreza e extrema pobreza no Brasil. Dessa maneira, estabelece uma estreita relação com a melhoria de vida e com o acesso à educação, de modo a garantir não apenas o direito de todas as crianças à educação, mas sua permanência na escola.

Desde sua criação, contempla a articulação com os chamados Progra-mas Complementares, situados nas áreas de educação, trabalho, habitação etc. A própria Lei no 10.836 de 2004, no art. 4o, criou o Conselho Gestor Interministerial (CGI), com a finalidade de:

formular e integrar políticas públicas, definir diretrizes, normas e proce-dimentos sobre o desenvolvimento e implementação do Programa Bolsa Família, bem como apoiar iniciativas para instituição de políticas públicas sociais visando promover a emancipação das famílias beneficiadas pelo Programa nas esferas federal, estadual, do Distrito Federal e municipal (BRASIL, 2004a).

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O CGI foi criado para assessorar o PBF junto à presidência da república. É também este Conselho o responsável por supervisionar o cumprimento das condicionalidades no âmbito da educação.

No campo da educação, o programa exige a participação dos pais nas reuniões escolares como condição adicional para o recebimento dos bene-fícios monetários, bem como o envolvimento dos familiares em programas de desenvolvimento integral da infância, visando proporcionar a evolução educacional dos beneficiários e o seu crescimento intelectual, gerando as-sim uma inserção sociocultural para essas famílias.

Rego (2013, p. 13) acredita que as mães beneficiárias passaram a ser su-jeitos de relativo empoderamento.1 Dessa forma, ao garantir a sobrevivên-cia dos beneficiários, o PBF resulta no processo de humanização2 de seus destinatários, que, segundo o autor, se refere ao processo de aquisição da autonomia política e moral do indivíduo de maneira que se posicione na sociedade.

Dadas a complexidade e a ausência de consenso sobre a definição de pobreza, esta se torna um conceito político, e, além disso, o seu enfren-tamento implica conflitos de interesses e correlações de forças (PEREIRA, 2006, p. 246). Assim sendo, a vulnerabilidade social constitui-se categoria de análise pelo programa de emancipação das famílias vulneráveis por meio da ativação para o mercado de trabalho, e a educação passa a ser usada como instrumento nesse processo.

O PBF faz com que cada família beneficiada pelo programa busque ma-tricular seus filhos na escola e manter a frequência mínima (BRASIL, 2004, p. 4). A frequência é devidamente registrada e encaminhada à Secretaria Municipal de Educação e posteriormente repassada ao governo federal para análise e aplicação de advertências quando apresentarem descumprimen-tos ou irregularidades.

De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos e contribuem para que as famílias consigam romper, via educação, o ciclo de pobreza entre gerações. O ciclo de pobreza refere-se às visões fatalistas

1 Para Gohn (2004), empoderamento é a participação da comunidade em políticas so-ciais, realizado por meio do dispositivo de transferência de renda.

2 Paulo Freire (1987) afirma que o processo de conscientização do homem como instru-mento histórico proporciona o seu reencontro como sujeito e o liberta, passo necessário e decisivo no seu processo de autonomização (FREIRE, 1987).

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e reducionistas sobre a ação e a condição do homem, como explica Paulo Freire, que mantém no processo contínuo de produção e reprodução, sem conseguir sair do ciclo. Somente com o processo de conscientização e hu-manização é que conseguirá sair da sua condição de pobreza.

Dessa maneira, a escola é projetada como um espaço que ultrapassa os limites físicos e geográficos e que, por isso, possui uma finalidade educativa e um projeto pedagógico capaz de alcançar a inclusão social e autonomia do cidadão, contribuindo para a superação da condição que o faz elegível ao programa.

A educação tem um papel fundamental para o desenvolvimento econô-mico, como também para combater as desigualdades sociais, pois estas es-tão amplamente relacionadas às desigualdades de renda, às oportunidades e às condições de vida.

Após o processo de implantação, implementação e consolidação, o PBF adquiriu grande importância na política social e despertou grande interesse por parte dos governos de diversos países. Segundo o MDSA, o PBF é consi-derado um dos programas sociais de maior envergadura do governo federal, atendendo em 2015 aproximadamente 14 milhões de famílias (BRASIL, 2015).

Sua abrangência atende quase a totalidade dos municípios do país, correspondente a 5.570 municípios, conforme dados da Pesquisa de Infor-mações Básicas Municipais (IBGE, 2015), e atua em contextos bastante he-terogêneos, visto que os municípios se diferenciam com relação a aspectos como a extensão territorial, o tamanho da população e sua disposição em área urbana e rural, sua capacidade de gestão social e de distribuição de renda.

Visando o combate à pobreza e à desigualdade no Brasil, o PBF possui três eixos principais:

• Complementação da renda: todos os meses, as famílias atendidas pelo programa recebem um benefício em dinheiro, tomando como referência a renda per capita de até R$ 85,00 mensais e famílias com renda per capita entre R$ 85,01 e R$ 170,00 mensais desde que tenham crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos. O benefício é transferido diretamente pelo governo federal em uma conta da Caixa Econômica Federal. Esse eixo garante o alívio mais imediato da pobreza;

• Acesso a direitos: as famílias devem cumprir as condicionalidades, que têm como objetivo reforçar o acesso à educação, à saúde e à assistência social. Esse eixo oferece condições para as futuras gerações quebrarem

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o ciclo da pobreza, graças a melhores oportunidades de inclusão so-cial.  As condicionalidades não têm uma lógica de punição, mas buscam garantir direitos sociais básicos à população em situação de pobreza e extrema pobreza. O poder público, em todos os níveis, também possui o compromisso de assegurar a oferta independentemente das condições sociais dos indivíduos;

• Articulação com outras ações: o PBF tem capacidade de integrar e arti-cular várias políticas sociais, buscando estimular o desenvolvimento das famílias, contribuindo para que a população beneficiária supere a situa-ção de vulnerabilidade e de pobreza. Desde 2011, o PBF passou a fazer parte do Plano Brasil Sem Miséria, que reuniu as expectativas de ambos, buscando efetivar o acesso aos direitos básicos e a oportunidade de trabalho.

Segundo Lazani (2011), a discussão sobre a possibilidade de o PBF se configurar um instrumento de distribuição de renda, por si só suficiente, é considerada um paradoxo, pois, apesar de ter um peso relativamente impor-tante na diminuição da pobreza e da miséria extrema, sozinho é incapaz de produzir transformações mais substanciais a médio e longo prazo.

As informações coletadas sobre as famílias são checadas regularmente e devidamente encaminhadas à Secretaria Municipal de Educação, que por sua vez repassa ao governo federal, para análise e aplicação de advertências para os casos em que apresentarem descumprimento ou irregularidade. Tais medidas de advertências são impostas na forma de bloqueio ou cancela-mento do benefício, dependendo do período da irregularidade.

Segundo o MDSA, o descumprimento das condicionalidades implica da suspensão ao bloqueio dos recursos, considerando-se o intervalo de seis meses, ou seja, caso uma família tenha sido advertida em março e venha a in-correr em um novo descumprimento dentro de seis meses, o efeito progride para bloqueio. Mas, se o novo descumprimento ocorrer em prazo superior a seis meses, o efeito será a advertência, isto é, reinicia-se a aplicação grada-tiva dos efeitos. O prazo de seis meses, no entanto, não vale para a progres-são da suspensão para o cancelamento, que obedece a regras específicas.

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Quadro 1 Punições do PBF.

Punição Procedimentos

Advertência A família é comunicada sobre o descumprimento de condicio-nalidades, mas não deixa de receber o benefício.

Bloqueio O benefício fica bloqueado por um mês, sem prejuízo de parcelas.

Suspensão e reincidência

O benefício fica suspenso por dois meses, e as famílias não recebem retroativamente.

Cancelamento A partir das regras estabelecidas pelo PBF.

Fonte: MDS (2016).

As condicionalidades na área de educação, na perspectiva de identifica-ção dos responsáveis, são registradas em sistemas específicos de informa-ções sobre a frequência escolar, permitindo um monitoramento individuali-zado e constante dos dados produzidos pelos beneficiários.

É possível compreender a contribuição do PBF em termos de acesso à educação, mas os resultados tendem a aparecer em longo prazo, podendo permitir a inclusão das gerações de crianças e adolescentes das famílias beneficiárias à escola. Entretanto, o alcance dessa intencionalidade requer mudanças no sistema educacional, não só com o acesso, mas também com melhoria do ensino.

Rodrigo Lazani (2011, p. 94) entende que o Estado tem o dever de ga-rantir os direitos sociais básicos como a educação. O autor aponta para a inexistência de uma correlação clara entre escolarização de qualidade e pro-gramas de transferência de renda.

O próprio eixo central que qualifica os Programas de Transferência de Renda no Brasil – articulação da transferência monetária com a obriga-toriedade de frequência à escola – não é um aspecto pacífico e nem tão simples, posto que a obrigatoriedade de frequência à escola não é suficiente para alterar o quadro educacional das futuras gerações e, consequentemente, alterar a pobreza (LAZANI, 2011, p. 94).

Todavia, a vinculação da educação às condicionalidades do PBF insere--se no contexto das políticas neoliberais, que ganham corpo em nosso país a partir da década de 1990, tendo por influência marcante na área educacional a vinculação da educação à preparação para o trabalho e qualificação de mão de obra.

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Escola: frequência e cumprimento das condicionalidades

A Escola Municipal Antônio José Paniago tem um total de 477 alunos ma-triculados do 6o ao 9o ano, sendo 140 beneficiários. A frequência dos alunos beneficiados é monitorada pela supervisão escolar, por meio de um caderno de registro que os professores levam para a sala de aula diariamente, e ao verificar faltas consecutivas procuram se comunicar com as famílias em bus-ca de justificativas. Segundo a supervisão escolar, a dificuldade é que os pais não costumam ter responsabilidades quanto à justificativa de faltas dos filhos.

A gestão do acompanhamento quanto ao cumprimento da frequência tem sua visão voltada principalmente para a matrícula e o registro em sala. As justificativas para as ações desenvolvidas pelo programa estão inseridas no direito básico de acesso à educação e permanência na escola, conside-rando a responsabilidade do Estado, da sociedade e do indivíduo na pro-moção da educação.

Embora a escola seja um espaço para a construção da formação humana e proteção social às crianças e aos adolescentes, a frequência escolar como condicionalidade aparece como uma política de proteção à família, pois a evasão escolar está relacionada às condições socioeconômicas e culturais das famílias.

Dessa maneira, a escola acompanha o desempenho dos alunos bene-ficiários por meio dos registros e em cada bimestre. Durante a entrega de notas, a direção escolar esclarece aos pais sobre as faltas e solicita o compa-recimento à escola para justificar a ausência dos filhos. Em casos específicos os pais são convocados pela direção escolar.

O desempenho dos alunos beneficiários do PBF da Escola Municipal Antônio José Paniago apresentou nos anos de 2007 a 2013 um percentual acima da meta escolar, sendo seu pico máximo em 2011, em que atingiu 5,8. Porém, no ano de 2015 ficaram empatados o percentual e a meta escolar. Contudo, a valorização da educação pelos responsáveis dos beneficiados da Escola Paniago é um aspecto muito positivo no desempenho dos alunos, mesmo que aliada a indicadores de frequência e evasão escolar das crianças e adolescentes.

Os impactos positivos no aumento do desempenho e/ou evolução esco-lar promovidos pelo PBF podem ser confirmados pelo gráfico a seguir.

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Gráfico 1 Evolução do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) na esco-la Antônio Jose Paniago.

Fonte: MEC/Inep (BRASIL, 2016).

Com isso, segundo a coordenação da escola, o fluxo escolar melhorou, o que mostra que o PBF cumpre com um de seus objetivos principais e pro-porciona os meios para a promoção não apenas do acesso à educação pela população beneficiada, mas também da permanência dos estudantes na escola, de forma a reduzir as taxas de evasão escolar.

O benefício auxiliaria na inserção e na permanência na escola de crianças em situação de vulnerabilidade social, que, sem esse auxílio, tenderiam a evadir da escola e ocupar, futuramente, postos pouco qualificados e mal remunerados no mercado de trabalho, como afirma Aguiar e Araújo (2002, p. 35):

Os beneficiários são crianças de famílias muito pobres, que se evadi-riam do sistema escolar sem a bolsa mensal, mantendo a mesma baixa escolaridade dos pais e, consequentemente, no futuro ingressando no mercado de trabalho, na melhor das hipóteses, nas mesmas condições da maioria de suas famílias. A lógica é elevar o grau de escolaridade das crianças para aumentar e mesmo equilibrar as oportunidades.

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A articulação da informação aos docentes pela supervisão escolar é feita somente quando se percebe que o aluno está com baixo rendimen-to, buscando medidas educativas para melhoria. Outros aspectos também costumam ser observados conforme as especificidades de cada caso, afir-ma a supervisora entrevistada, como a alimentação e vestuário, visto que o benefício é para atender as prioridades do aluno no aspecto educacio-nal e social, contribuindo para a eliminação dos fatores impeditivos para a aprendizagem.

Para a coordenação escolar, o acompanhamento constante da frequên-cia e as condições colocadas às famílias explicam os indicadores positivos alcançados. Em 2015, segundo dados obtidos na secretaria escolar, entre os 140 estudantes do PBF do Ensino Fundamental do 6o ao 9o ano, 133 tiveram taxa de aprovação satisfatória e a taxa de evasão foi menor. Isso demonstra que não apenas os fatores internos servem como indicadores de qualidade na educação, mas a influência do externo, ou seja, empenho das famílias, é bastante importante nos resultados e deve ser levada em conta.

As condicionalidades do PBF na escola

Os investimentos educacionais das famílias beneficiadas devem con-tribuir para uma maior compreensão dos laços entre a família e a escola, criando oportunidades para a formação de uma nova consciência cidadã e cultural. Os professores, dentro do aspecto de ensino-aprendizagem, refor-çam os compromissos com a superação da nossa persistente pobreza social e cultural. A educação promove um mundo novo, um novo olhar, promove a aprendizagem, a conexão de coisas, lugares, pessoas, promove o desenvol-vimento do ser e do seu lugar.

Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrá-rio, o índice de acompanhamento da frequência escolar dos alunos bene-ficiários do Bolsa Família registrou um aumento de 6 pontos percentuais nos meses de agosto e setembro deste ano, em comparação ao bimestre anterior. O número passou de 85,57% para 91,8%. Do total de 14,89 milhões de crianças e jovens de 6 a 17 anos acompanhadas, 95,2% cumpriram a fre-quência exigida pelo programa de transferência de renda (BRASIL, 2016).

Contudo, as informações da professora que respondeu ao questionário mostram que o processo de ensino-aprendizagem dos alunos beneficiados é o mesmo dos demais alunos. A professora também acrescentou que, para melhoria da aprendizagem desses alunos, um trabalho colaborativo com a

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assistência social e/ou psicóloga no acompanhamento do rendimento esco-lar por meio de registros na escola (coordenação) deve ser acrescido, pois vê que a preocupação é só com a questão das faltas, e a família deixa a desejar no acompanhamento escolar dos filhos.

A partir do relato da professora, percebe-se que a contribuição do PBF em termos de acesso à educação, segundo Silva (2008), considera a poten-cialidade desses programas para criação de condições de forma progressiva e em longo prazo, de inclusão das futuras gerações de crianças e adoles-centes das famílias beneficiárias à escola. Entretanto, adverte que o alcance dessa intencionalidade requer mudanças no sistema educacional, não só com o acesso, mas também com melhoria do ensino.

Considera-se o programa não como uma medida permanente, mas como um fator transitório que pode contribuir para a emancipação dos su-jeitos envolvidos, por meio de sua inserção e permanência no cotidiano da escola. Por sua vez, devemos pensar que os mais jovens são também aqueles com maiores possibilidades de reverter a situação de vulnerabilidade, con-quistando sustento econômico fora da transferência de renda.

Campos (2003, p. 24) esclarece que o acesso à educação pode ou não determinar a situação de inclusão e exclusão das crianças e adolescentes em idade escolar, mas que, também, se fazem necessárias políticas que propi-ciem aprendizagens significativas, visando à qualidade social da educação, cujo reflexo pode ser percebido no desempenho escolar dos beneficiários do Programa Bolsa Família.

Pode-se verificar que o cumprimento das condicionalidades do pro-grama deve resultar, para as famílias mais jovens, em vantagens adicionais decorrentes da maior valorização da educação e da constituição de famílias menores, condições que ampliam o valor do capital social. Ao mesmo tem-po, a elevação da escolaridade aponta para uma importante mudança na concepção de direito das famílias.

Sendo assim, é importante ressaltar as políticas públicas quanto à efetivi-dade do seu reflexo na educação, com relação a sua qualidade, e não apenas ao direito de todo cidadão ter a educação ao seu alcance, mas de se fazer esse direito proveitoso e útil para a formação do indivíduo e da sociedade. Pois o descaso na formação educacional impede, por sua vez, um aumento na renda das novas gerações, criando, assim, um ciclo vicioso, no qual a pobreza do passado determina a pobreza das gerações futuras.

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Determinantes para a melhoria do desempenho dos alunos beneficiários do PBF

A Escola Municipal Antônio José Paniago pertence ao bairro Itamaracá. Conta com um número significativo de alunos beneficiários, como já dito an-teriormente. Com base no questionário aplicado ao professor e supervisor da escola, o impacto do PBF na escola foi significativo, visto que os efeitos mais perceptíveis foram a permanência escolar e o aumento da frequência.

Porém, isso não foi visto como um ponto positivo, já que a própria LDB aponta a obrigatoriedade da permanência da criança na escola e a respon-sabilidade dos pais em acompanhar a frequência e a educação da criança. Para a supervisão escolar, a condicionalidade do programa apenas faz que se cumpra uma parte da lei, pois não percebe o acompanhamento dos pais no processo educacional dos filhos.

Entretanto, frequentar a escola não garante que o aluno aprenderá os conteúdos ensinados em sala de aula e conseguirá competir no mercado de trabalho por empregos mais qualificados e mais bem remunerados. To-davia, se houver participação efetiva das famílias no processo educacional, o Programa Bolsa Família deixará de ser simplesmente dinheiro na mão das famílias para se tornar um indutor mais eficaz da educação.

O sucesso escolar apresenta muitos fatores que fogem do controle da escola e da família. Mais que isso, mobiliza um esforço conjunto das políticas sociais para rompimento do contexto social em que se encontram as famílias em situação de vulnerabilidade social. Para isso capacidades produtivas es-tão diretamente relacionadas à educação de qualidade.

Destaca-se, também, a necessidade de o contexto escolar perceber que o acesso da população pobre à escola deve ser acompanhado de um gran-de esforço pela melhoria da qualidade da educação, em termos materiais e humanos, visando a garantir o cumprimento de um dever do Estado e, portanto, um direito da população. De toda forma, constata-se que as po-pulações historicamente excluídas da escola estão tendo acesso e, de certa forma, permanecendo no Ensino Fundamental.

Assim, o que o programa supõe é que, ao garantir a permanência dessas crianças na escola, elas desenvolveriam habilidades/competências essen-ciais para a obtenção de trabalhos qualificados e mais bem remunerados no mercado de trabalho e, assim, romperiam o ciclo intergeracional da pobreza.

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Considerações finais

O estudo analisou a relação das condicionalidades do PBF com o desen-volvimento do estudante beneficiário do programa. Ao buscar compreender a efetividade do programa, foi possível perceber que a elevação da esco-laridade aponta para uma importante mudança na concepção de direito das famílias. Sendo assim, as condicionalidades na evolução dos alunos em aspectos gerais contribuíram e oportunizaram avanços educacionais.

O Programa Bolsa Família tornou-se um fator gerador de críticas na me-dida em que a assistência se firma na sociedade brasileira como um direito constitucional universal. Por outro lado, pôde-se perceber, a partir de algu-mas fontes teóricas, a obtenção de melhorias no acesso da população pobre aos serviços sociais a partir da entrada em vigor do programa, principalmen-te, no que diz respeito ao crescimento nas taxas de matrícula e regularidade da frequência das crianças pobres nas escolas.

Nesses termos, os investimentos educacionais das famílias devem con-tribuir para uma maior compreensão dos laços que ligam a população pobre aos outros setores da sociedade, criando oportunidades para a formação de uma nova consciência cidadã e reforçando os compromissos do Estado brasileiro com a superação da nossa persistente pobreza.

Por outro lado, a educação está voltada para a construção do conheci-mento e a formação da consciência cidadã, pois a cada dia se estabelece como uma alternativa em busca de respostas a exigências e anseios da so-ciedade brasileira, que visa melhorias na qualidade de vida. Além disso, a escola é uma instituição marcante na vida das pessoas, independentemente do ponto de vista político-educacional.

Portanto, considera-se o PBF não como uma medida de melhoria do cenário educativo essencialmente, mas como um benefício que pode contri-buir para a emancipação dos sujeitos envolvidos.

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O cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família: gestantes atendidas pelo Cras II da Cidade de Corumbá-MSPenélope Dawkler Hiran de MoraesVanderleia Mussi

Introdução

Em outubro de 2014, quando assumi o grupo de orientação para ges-tante do Centro de Referência da Assistência Social – Cras II, observei que o principal critério para participação no grupo era ser beneficiada pelo Pro-grama de Transferência de Renda Bolsa Família. Logo, entendemos que as gestantes que participavam teriam de cumprir com as condicionalidades do programa para que pudessem continuar recebendo seus respectivos benefícios, sem nenhuma sanção. A partir daí passamos a verificar quais condicionalidades, em específico, as gestantes deveriam cumprir e se de fato estavam fazendo. Assim, o propósito deste estudo é verificar o impacto e a importância do cumprimento das condicionalidades do PBF na vida das gestantes atendidas pelo Cras II de Corumbá-MS.

Para tanto, elaboramos um questionário contendo 13 questões fecha-das, no qual constavam quesitos pertinentes ao entendimento da dinâmica socioeconômica das gestantes, bem como seus conhecimentos quanto às condicionalidades do PBF e à importância deste em suas vidas. Esta pesqui-sa foi realizada com um grupo de 15 gestantes num período de dois meses, em encontros do grupo de gestante que aconteceram no Cras II, e a análise dos dados encontra-se na quinta seção deste artigo.

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O presente artigo está estruturado em seis sessões. A primeira trata--se desta introdução, seguida da segunda, em que fazemos uma análise sobre as facetas da pobreza, até mesmo para entender a necessidade e a importância do Programa Bolsa Família; na terceira sessão, falamos sobre o trabalho realizado pelo Cras II e suas áreas de abrangências, apresentando um diagnóstico realizado na cidade de Corumbá-MS e mostrando as áreas de maior vulnerabilidade e a importância de os CRAS realizarem suas inter-venções; na quarta sessão, expomos os critérios das condicionalidades do PBF e apresentamos dados relevantes sobre o descumprimento das condi-cionalidades do PBF na área da saúde, até mesmo para entender quais são as condicionalidades em específico para as gestantes; e, para finalizar, já na quinta sessão, apresentamos o levantamento de dados e as análises das en-trevistas, encerrando o constructo desse trabalho na sexta e última sessão, com as considerações finais.

Entendendo a pobreza e a importância do PBF

A pobreza é um conceito complexo e multifacetado que consiste na vul-nerabilidade em que o indivíduo pode se encontrar, de acordo com alguns critérios, como: econômicos, de gênero, de idade, de etnia ou cor da pele, classe social, localização territorial (urbana ou rural, isolada ou de difícil aces-so), composição e a estrutura familiar (REGO; PINZANI, 2013, p. 19).

Os critérios como gênero, localização da residência, composição e es-trutura familiar, apresentados pelos autores Alessandro Pinzani e Walquiria Leão Rego, são de suma importância para o entendimento da pobreza como algo complexo, que vai muito além da miséria econômica. É por meio desses aspectos que podemos entender a vulnerabilidade de certos grupos (mu-lher, criança e idoso), que, muitas vezes, se desconhecem como cidadãos dotados de direitos. Na sociedade, por exemplo, a mulher é vista como ser inferior, que tem de viver à margem do "chefe" da casa, nesse caso o ho-mem. "Ela é tratada como objeto de posse e sem direito a voz", e não lhe é permitido muitas vezes trabalhar ou buscar melhor qualidade de vida para ela e seus filhos, perpetuando assim a pobreza. Essa visão é bem acentuada principalmente na região Nordeste e cidades pequenas do interior (REGO; PINZANI, 2013, p. 22).

A dificuldade de acesso à informação é reforçada por outro critério de entendimento da pobreza, que é o lugar de residência, pois, dependendo

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de onde essa mulher reside, dificilmente ela tem acesso a órgão gestor de garantias de direitos; dessa forma, ela passa a fazer parte de um "círculo vicioso da pobreza e da exclusão social" (REGO; PINZANI, 2013, p. 20). Logo, a desigualdade e a pobreza se perpetuam, de acordo com as concepções teóricas de Maria Ozanira da Silva e Valéria Lima, por meio das gerações, fazendo com que as crianças também sofram as mesmas dificuldades que suas mães estão vivenciando.

Assim, a pobreza é concebida para além da insuficiência de renda; é produto da exploração do trabalho; é desigualdade na distribuição da riqueza socialmente produzida; significa o não acesso a serviços sociais básicos, à informação, ao trabalho e a renda digna, é não participação social e política (SILVA; LIMA, 2010, p. 22).

Em se tratando de participação social e política, é imprescindível obser-var que o processo de democratização do Brasil promoveu, a partir da pro-mulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), uma importante reforma do sistema de proteção social no país. Instituiu-se, então, o primeiro progra-ma assistencial de garantia de renda, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), bem como foram equiparados os benefícios urbanos e rurais, além de se fixar em um salário mínimo o valor-base dos benefícios previdenciários, fornecendo uma arquitetura institucional básica para as políticas de garantia de renda do país.

Dessa forma, em 2000 foram implementados os primeiros programas fe-derais de transferência de renda. A criação do Programa Bolsa Família (PBF) teve origem na unificação de outros programas não contributivos, como: Bolsa Escola, Cartão Alimentação, Auxílio-Gás e Bolsa Alimentação, todos criados no período 2001-2003. Ao se constituir o Programa Bolsa Família, não apenas se racionalizou o provimento de um mecanismo de transferência de renda na sociedade brasileira, como também se consolidou uma forma de benefício não vinculado aos riscos inerentes às flutuações do mercado de trabalho. Esta foi uma forma de enfrentar o problema da pobreza para parcela da população trabalhadora ou não. Os critérios de elegibilidade do PBF dependiam da condição de renda das famílias, e entre as condicionali-dades para sua permanência no programa estava o cumprimento de certas tarefas relacionadas à frequência escolar e aos cuidados com a saúde de seus membros. Em suma, o PBF revelou-se importante mecanismo – que se

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soma a outros, inclusive de natureza jurídica diferente, como o próprio BPC – de distribuição de renda exterior aos mecanismos de mercado.

O PBF durante muito tempo foi estigmatizado por uma grande parcela da população que desconhece o programa, pois se entendia que tal be-nefício contribuía para o aumento da natalidade: as mulheres procurariam sempre engravidar para manter o benefício, bem como haveria uma busca constante de empregos informais, a fim de não interromper o recebimento de seu benefício.

No entanto, o que realmente observamos é que o PBF proporciona capabilidades1 às pessoas, ou seja, concede condições e possibilidades na realização de atividades que são valiosas para as pessoas. Com isso, pro-porciona uma mudança nos comportamentos das famílias beneficiadas pelo programa.

Cras II de Corumbá: Proteção Social Básica para as famílias em situação de vulnerabilidade

O Centro de Referência da Assistência Social – Cras II, integrante do Sistema Único de Assistência Social – Suas, oferece os serviços de Proteção Social Básica para as famílias em vulnerabilidade social, de todos os credos, sem discriminação racial, com as seguintes finalidades: valorizar a pessoa quanto aos seus direitos e deveres; respeitar a dignidade fundamental do homem; preparar as famílias para o domínio pleno dos recursos disponíveis, a fim de vencer as dificuldades que o meio lhes oferece e garantir o padrão de qualidade ao atendimento às famílias.

Esta instituição tem como objetivo prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidade e riscos sociais nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania.

O Cras oferta os seguintes Serviços na Proteção Social Básica: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif); Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo (SCFV); Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para pessoa com Deficiência e Idosas (SPSBD).

1 Entende-se por capabilidade o resultado da junção das palavras "capacidade" e "habi-lidade". Termo utilizado na teoria de Amartya Sem e Martha Nussbaum, que significa ter condições de realização de funcionamentos. Funcionamentos são atividades ou estado de coisas que podem ser valiosas para as pessoas (CROCKER, 1995, p. 157).

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O Cras II é uma unidade pública da política de assistência social, de base municipal, integrante do Suas, e está localizado em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social. Situa-se na Rua José de Barros Ma-ciel, s/n., bairro Guatós, com extensão na Rua Ciríaco de Toledo, s/n., bairro Nova Corumbá, Mato Grosso do Sul. Referenciam a este Cras os bairros e respectivos conjuntos: Nova Corumbá (Primavera e Piúva), Guanã (Guanã I e II), Loteamento Pantanal (Anel Viário, Novo Habitar, Guatós, Ana Fátima, Guaicurus, Kadwéus), Cristo Redendor (Cravo Vermelho I, II e III).

O estudo de caso em questão foi realizado no Cras II com 15 gestan-tes, que participavam do grupo de orientação, todas moradoras dos bairros mencionados. Os encontros com as gestantes visavam promover esclare-cimentos quanto ao período gestacional, às mudanças e às consequentes adaptações pelas quais iriam passar, bem como garantir o fortalecimento da função protetora da família.

O Grupo de Gestante do Cras II acontecia quinzenalmente, ou seja, dois encontros por mês. Em média participavam das reuniões oito gestantes, sendo o fluxo muito rotativo, pois conforme vão se aproximando da data de ganharem o bebê deixam de frequentar. No entanto, chegavam a participar de várias reuniões, em que eram abordados temas relevantes a esse perío-do e, em especial, sobre as condicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF). Por meio desses encontros foi possível perceber o desconhecimento, por parte dessas gestantes, em relação às condicionalidades do PBF, cujas especificidades eram atribuídas às condições vivenciadas por elas. Logo, era de fundamental importância o seu cumprimento. O acompanhamento desse grupo justifica-se pela falta de registros e pela relevância deste estudo.

Diagnóstico de áreas de vulnerabilidade e risco social do Cras de Corumbá-MS

Em Corumbá-MS, no ano de 2012, foi realizado um estudo pelo Conse-lho Municipal de Assistência Social de Corumbá, CMAS, verificando as reais questões de vulnerabilidades com um grupo de 721 pessoas, que culminou em um diagnóstico das áreas de vulnerabilidade e risco social que afetam o município. O presente mapeamento foi realizado por meio de entrevistas in loco pelos técnicos dos Cras existentes na cidade, bem como pelos técnicos do Órgão Gestor. Foi publicado no Diário Oficial de Corumbá do dia 28 de agosto do mesmo ano e serviu como base para traçar estratégias pontuais

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de combate à pobreza e desigualdade social de forma mais eficiente para cada região.

Esse estudo mostrou que dos 721 entrevistados da população, os bairros do Loteamento Pantanal, Jardinzinho, Jatobazinho, Guató e Kadwéus eram os mais carentes da cidade. Desse total, mais de 50% eram atendidos pelo Cras II.

Também foi apontado que o maior número de idosos estava localizado no bairro Centro América, com 160 pessoas acima dos 65 anos de idade. Em toda a região assistida pelo Cras I, localizado no bairro Centro América, havia 454 idosos, representando 35,5% da clientela do Centro de Referência. Já o bairro Nova Corumbá apresentava a maior quantidade de deficientes físicos, cerca de 70 pessoas, e um contingente significativo de crianças, com faixa etária de 0 a 6 anos, em referência aos 721 pesquisados.

No bairro Nova Corumbá e no Cravo Vermelho II, foi identificado o maior índice de analfabetos da cidade. O levantamento apurou ainda as regiões onde ocorreram os maiores casos de violência doméstica, que foram Nova Corumbá e Jardim dos Estados, com cinco casos confirmados, liderando a lista de violação de direitos. Também foi identificado em Nova Corum-bá e em Cravo Vermelho II o maior índice de pessoas sem documentação básica. Em se tratando ainda do bairro Nova Corumbá e Cravo III, o índice de desemprego foi bastante relevante, apresentando um índice significativo de famílias que sobrevivem com renda mensal de até um salário mínimo. O maior índice de pessoas sem renda está no bairro Nova Corumbá, onde a quantidade de famílias que sobrevivem com até R$ 70 mensais também é grande. Conforme o censo 2010, a população do bairro Nova Corumbá é de 7.977 habitantes.

Já os bairros Aeroporto, Centro, Maria Leite, Previsul, Popular Velha, Cervejaria e Loteamento Pantanal também enfrentam problemas sociais, sendo as drogas uma questão a ser enfrentada, pois nesses bairros, mais especificamente, no CMAS, se encontrou o maior número de dependentes químicos.

O mapa revelou ainda que 64% das famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, do Governo Federal, participam dos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos promovidos pelos Cras, conforme dados levanta-dos do cadastro do Bolsa Família do município de Corumbá-MS.

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O cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família: gestantes atendidas pelo... | 127

Tabela 1 Beneficiários por atendimento do Cras.

Centro de Referência da Assistência Social Número de Famílias Beneficiadas pelo PBF

Cras I 805

Cras II 236

Cras III 385

Cras IV 1858

Cras Rural/Albuquerque 297

Cras itinerante 165

Total de 3.746 famílias beneficiadas pelo PBF.

Fonte: Relatório Mensal de Atendimento dos Cras em Corumbá-MS/2012.

O estudo apontou ainda que os bairros Jatobazinho, Loteamento Panta-nal e Guarani ainda sofrem com a falta de rede de tratamento de abasteci-mento de água, escoamento sanitário e coleta de lixo.

Critérios das condicionalidades

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) é res-ponsável por sistematizar os resultados do acompanhamento das condicio-nalidades de saúde e educação do Programa Bolsa Família (PBF), por meio do Sistema de Condicionalidades (Sicon), e por identificar as famílias em si-tuação de descumprimento de condicionalidades, ou seja, aquelas que têm um ou mais integrantes que deixaram de cumprir os compromissos assumi-dos nas áreas de saúde e educação. As crianças e adolescentes com baixa frequência escolar, as crianças com calendário de vacinação desatualizado e as gestantes que não realizaram o pré-natal sinalizam ao poder público que, por algum motivo, estão com dificuldades de acesso aos serviços públicos de saúde e educação.

As dificuldades de acesso a esses serviços podem ser reveladoras de si-tuações de vulnerabilidade e risco social. É importante salientar que apenas dentro do conjunto de famílias acompanhadas é que são identificadas as que descumprem as condicionalidades.

Segundo dados do Cadastro Único do município, Corumbá-MS totalizou, até junho de 2016, 17.184 famílias inscritas. Dessas famílias o PBF beneficiou, no mês de agosto de 2016, 7.324 famílias, representando uma cobertura de 102,2 % da estimativa de famílias pobres no município. Isso corresponde

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a 3.741 famílias cadastradas com renda per capita mensal de R$ 0,00 a R$ 85,00.

As famílias em situação de descumprimento estão sujeitas aos efeitos estabelecidos nos regulamentos do programa. Esses efeitos são gradativos e podem variar conforme o histórico de descumprimento da família, sendo eles: advertência, bloqueio, suspensão ou cancelamento do benefício. A aplicação de efeitos no benefício ocorre em todos os meses ímpares, exceto janeiro, considerando os últimos resultados do acompanhamento de edu-cação e saúde. Parte dos descumprimentos identificados no acompanha-mento das condicionalidades não está sujeito a efeitos nos benefícios, pois são descumprimentos associados às situações em que a família tem poucas possibilidades de ação, como a falta de oferta dos serviços públicos.

Atualmente, nenhuma família tem o benefício cancelado por descumpri-mento de condicionalidades sem antes ser acompanhada pela assistência social, e isso foi constatado por meio do estudo que realizamos. O cance-lamento só ocorre se uma família com o benefício em suspensão começar a ser acompanhada pela assistência social, com registro desse acompanha-mento no Sicon, em 12 meses de acompanhamento, continuar a descumprir as condicionalidades. Logo, a passagem de suspensão para o cancelamento respeitará o período de 12 meses em que tenha sido feito o acompanhamen-to da família pela assistência social. Se mesmo com esse acompanhamento a família continuar descumprindo, o benefício é cancelado. O atual proce-dimento é reflexo de uma visão não punitiva das famílias que descumprem: antes dessa regra, o cancelamento era realizado de forma automática, sem que houvesse um acompanhamento do Estado.

Dessa forma, os Cras passam a intervir junto a essas famílias em descum-primento no sentido de identificar suas vulnerabilidades e garantir meios de acesso aos serviços na área da saúde, em especial, e de orientação na área da educação.

Dados do descumprimento das condicionalidades de saúde

De acordo com o MDS, mais de 99,1% das crianças e 99,3% das gestantes beneficiárias do Bolsa Família que foram acompanhadas durante o segundo semestre de 2015 cumpriram as condicionalidades de saúde do programa. Em números absolutos, isso representa, no período,  cerca 5,4 milhões de crianças de até sete anos com a carteira de vacinação atualizada e 244,7 mil grávidas com o pré-natal em dia.

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Em todo o Brasil, o Ministério da Saúde, com o apoio do MDS e das equipes estaduais e municipais de saúde, registrou dados de 8,9 milhões de famílias, número que representa 76,8% do total com perfil para acompa-nhamento. Essa checagem de saúde é feita a cada seis meses e é um com-promisso das famílias que integram o programa e do poder público para ampliar o acesso dos beneficiários a direitos sociais básicos.

Os recém-nascidos e as crianças de até 7 anos devem ser pesados, medi-dos e ter o calendário de vacinação atualizado. Mulheres entre 14 e 44 anos ou que estejam grávidas também devem ser assistidas.

As condicionalidades específicas para gestantes e nutrizes na área da saúde são:

• Inscrever-se no pré-natal e comparecer às consultas na unidade de saú-de mais próxima da residência, portando o cartão da gestante, de acor-do com o calendário mínimo do Ministério da Saúde;

• Participar das atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre aleitamento materno e promoção da alimentação saudável.

Análise dos dados das entrevistas

Para verificarmos o grau de conhecimento que as gestantes atendidas pelo Cras II tinham a respeito das condicionalidades, bem como da impor-tância de seu cumprimento, realizamos entrevistas com um grupo de 15 ges-tantes, no sentido de traçar um diagnóstico social de seu núcleo familiar. Vale salientar que esse grupo representa mais de 50% das gestantes atendidas mensalmente no Cras II, pois o grupo tem em média 20 participantes/mês.

Para tanto, como resposta ao primeiro questionamento sobre o grau de escolaridade das pessoas que moravam em sua casa, obtivemos a seguinte resposta, que pode ser verificada por meio do Gráfico 1.

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Gráfico 1 Escolaridade dos residentes.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Observamos que no grupo de 15 gestantes seis tinham como escola-ridade o Ensino Fundamental, cinco o Ensino Médio incompleto e quatro o Ensino Médio completo. Ou seja, o grau de escolaridade é baixo, o que nos remete a pensar no desconhecimento de grande parte de seus direitos como cidadão.

Quanto ao questionamento do número de pessoas que residiam na casa, verificamos que 33% das gestantes tinham mais de cinco pessoas residindo no mesmo domicílio, perfazendo cinco entrevistadas. Isso nos demonstra que a grande maioria é de famílias numerosas, sendo compostas, muitas vezes, de filhos(as), esposos(as), netos(as), irmãos(ãs), cunhados(as), enfim, em alguns casos havia duas famílias residindo no mesmo domicílio.

Em relação às condições de propriedade da casa, constatamos, por meio do percentual de 53% apresentado no gráfico a seguir, que a grande maioria é dona de sua residência. Entretanto, conviria observar que as casas são oriundas de programas habitacionais, sem muitas benfeitorias, confor-me pode ser observado no Gráfico 3.

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Gráfico 2 Número de pessoas por residência.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Gráfico 3 Condições de propriedade da casa.

Fonte: elaborado pelas autoras.

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Outro aspecto verificado foi em relação à renda familiar, uma vez que esse foi um dos critérios fundamentais utilizados para a concessão do bene-fício do Bolsa Família. Neste, verificou-se que a renda per capita da família se enquadrava dentro do perfil para receber o benefício, que era de R$ 85,01 a R$ 170,00. O que observamos é que 67% das entrevistadas tinham renda familiar inferior a um salário mínimo.

Gráfico 4 Renda Familiar.

Fonte: elaborado pelas autoras.

A par da renda da família, também vimos por bem analisar o quantitativo de pessoas que trabalham nessa família, até mesmo para entender o porquê da necessidade e da importância do benefício para essa família, conforme pode ser observado no Gráfico 5.

Por meio do Gráfico 5, verifica-se que o maior o número de pessoas resi-dindo na casa e menor o número de pessoas trabalhando, o que representa que a renda per capita é cada vez menor, daí a necessidade do benefício. E o que constatamos foi que 73% das entrevistas tinham apenas uma pessoa trabalhando na residência, e essa renda era insuficiente para promover uma boa qualidade de vida para todos os residentes da família.

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Gráfico 5 Quantidade de pessoas que trabalham.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Gráfico 6 Quais problemas encontrados no cumprimento das condicionalidades.

Fonte: elaborado pelas autoras.

A partir dessa breve análise quanto à dinâmica familiar dessas 15 ges-tantes entrevistadas, passamos a questionar quanto aos problemas por elas

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encontrados para o cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família com relação à saúde, educação e assistência social.

O que verificamos foi que a grande maioria, ou seja, 87% das entrevista-das, afirmou que o principal problema encontrado é a falta de informação. Tal assertiva também foi constatada quando questionamos se, ao se dirigi-rem ao posto de saúde e abrirem o cartão de gestante, foram informadas sobre as condicionalidades específicas para gestantes, e 13 entrevistadas disseram que não. Com isso, constatamos que os serviços prestados à saú-de ainda estão falhos com esses critérios das condicionalidades do Bolsa Família (Gráfico 6).

Tal situação remete a pensar sobre o importante papel do grupo de orientação para gestantes existentes nos Cras, uma vez que essas informa-ções são repassadas a essas gestantes.

Salientamos que são afixados cartazes informativos nos postos de saúde informando sobre o grupo de gestantes existente no Cras II, e as gestantes que compareceram ao grupo afirmam que isso ocorreu porque leram esses cartazes, e não porque foram informadas pelos agentes de saúde.

Gráfico 7 Participação nas atividades ofertadas pelo Cras.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Por meio deste gráfico, é possível verificar a necessidade de uma maior divulgação e informação das condicionalidades do PBF. Constatou-se, ainda,

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que a população precisa participar mais das atividades ofertadas pelos Cras, pois são nos SCFV que são divulgados seus direitos e deveres, bem como são explicadas todas as condicionalidades do PBF.

Gráfico 8 Frequência dos filhos na escola.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Apesar do desconhecimento de algumas condicionalidades na área da saúde e assistência, percebemos que em relação à condicionalidade na área da educação a grande maioria das entrevistadas tinha conhecimento, pois responderam que monitoram a frequência escolar dos filhos. Isso ocorre porque o critério mais avaliado se refere à frequência escolar, e é isso que pode provocar alguma sanção com relação ao benefício do Bolsa Família, ficando o critério saúde para segundo plano, conforme aponta o Gráfico 8.

Já no Gráfico 9 percebemos mais uma vez que as famílias deixam a de-sejar na participação das atividades ofertadas pela escola, ou seja, 60% das entrevistadas disseram não participarem, contribuindo com isso para o des-conhecimento de seus direitos e deveres.

Em relação aos serviços ofertados pelas unidades de saúdes (consultas, vacinação e peso/altura) que a família utiliza, de acordo com o Gráfico 10, todos foram unânimes em dizer que utilizam tais serviços, não sendo infor-mado nada além disso.

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Gráfico 9 Famílias que participam das atividades oferecidas pela escola.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Gráfico 10 Utilização dos serviços ofertados pelas unidades de saúde.

Fonte: elaborado pelas autoras.

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Gráfico 11 Atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Com relação à participação em atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde, 87% responderam desconhecer qualquer atividade, ou seja, há a necessidade de uma melhor divulgação, por parte dos agentes de saúde, das atividades desenvolvidas e ofertadas pela saúde, conforme mostra o Gráfico 11.

No Gráfico 12 foi questionado se as famílias já haviam sido sancionadas por descumprimento das condicionalidades do PBF, ao que 60% responde-ram que não, e 40% que sim e que a principal sanção foi na área da educação.

Isso nos remete a pensar mais uma vez sobre a necessidade de uma atuação mais pontual da saúde com relação ao PBF. Ou seja, verificar se as gestantes existentes na área de atuação do posto já iniciaram o pré-natal, se o cartão de gestante está de acordo com o período gestacional em que a gestante se encontra e, após o nascimento do bebê, verificar se essa nutriz está levando o recém-nascido para as consultas e se a vacinação está em dia. Todo esse trabalho pode ser desenvolvido pelos agentes de saúde, além de informar a Central de Atendimento do Cadastro Único.

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Gráfico 12 Descumprimento das condicionalidades.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Gráfico 13 Renda familiar.

Fonte: elaborado pelas autoras.

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Por fim e conforme representado no Gráfico 13, foi questionado se a renda familiar era suficiente para o sustento da família, e a grande maioria respondeu que não, pois sempre faltava alimento, uma vez que o quanti-tativo de pessoas residindo na casa é maior que o quantitativo de pessoas trabalhando. Outro ponto alegado para a insuficiência da renda era o fato de que as pessoas que trabalhavam na casa não tinham carteira assinada, sendo essa renda proveniente de trabalhos informais.

Assim, o benefício do PBF é tido como fundamental para o sustento das famílias, pois seria esse o recurso responsável pela garantia de uma qualida-de melhor de vida.

Considerações finais

Por meio da análise dos dados apresentados foi possível concluir que o benefício do PBF se faz necessário na vida das gestantes entrevistadas. Embora elas tenham esse entendimento, muitas vezes, desconhecem a im-portância de corresponder às expectativas em relação ao cumprimento das condicionalidades do programa. Prova disso é que as gestantes que sofre-ram sanções no recebimento do benefício foi com relação à falta escolar de seus filhos, e isso poderia ter sido evitado se elas participassem mais das atividades ofertadas pela escola, pois são nessas atividades que, muitas vezes, são tratadas as condicionalidades do PBF.

No momento das entrevistas com as gestantes beneficiadas pelo PBF foi pontuado que a Assistência Social não é mais um assistencialismo orientado para recebimento de benefícios e que elas devem entender que além dos direitos também têm deveres a cumprir. E que esses deveres, na verdade, servem para seu crescimento e empoderamento para que futuramente possam adquirir autonomia para gerenciar sua própria trajetória de vida. Os principais deveres pontuados que as gestantes têm de cumprir foram em relação às consultas e ao cartão da gestante, que deve estar em dia. Pos-teriormente ao nascimento do bebê, a emissão da certidão de nascimento e inserção da criança em seu cadastro são medidas importantes, além de fazer o cartão de vacinação, que deve estar em dia, bem como as consultas médicas de puerpério.

Acreditamos que o trabalho realizado pelo Cras, embasado pelas Políti-cas Públicas, possa levar a mudança na visão e nos comportamentos dessas

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gestantes, fazendo assim com que elas tenham uma postura diferente com seus descendentes.

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A erradicação do trabalho infantil e a contribuição do PBF no desenvolvimento escolar: um estudo da evolução entre gerações familiaresCamila Belz KrugerSônia Eli Cabral Rodrigues

Introdução

Neste trabalho, buscou-se analisar as relações entre pobreza e educação, com enfoque nas consequências psicológicas e sociais geradas pelo traba-lho infantil, estudando as possíveis mudanças de valores e comportamentos entre gerações. Tal temática foi abordada durante o curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social, tendo como resultado esta pesquisa.

Diversos teóricos narram os prejuízos causados pelo trabalho infantil e sua intrínseca relação com a pobreza. Sabe-se ainda dos danos causados ao processo de aprendizagem e desenvolvimento psíquico das vítimas, como já relatado em vários estudos.

Desse modo, com a inserção do PBF e de suas condicionalidades vincu-ladas à educação, esperava-se que índices de violação de direitos na infância fossem diminuídos, oportunizando a milhares de crianças o acesso à escola, com um acompanhamento contínuo da frequência dos alunos incluídos no programa.

Entretanto, profissionais que atuam nas unidades dos Centros de Refe-rência Especializados da Assistência Social (Creas), principalmente na região

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Norte, constatam um número elevado de denúncias e encaminhamentos de famílias a serem acompanhadas devido ao trabalho infantil.

O trabalho infantil no Brasil avançou 11,8%, de acordo com dados do IBGE, divulgados em 2016, relativos ao trabalho infantil na região Norte nos anos de 2013 e 2014, pontuando que no Pará 10,66% das crianças e adoles-centes estão ocupados, citando que, de 2,1 milhões de crianças e adolescen-tes entre 5 e 17 anos residentes no estado, 223,9 mil estavam em atividade trabalhista no decorrer do ano de 2014 (PARÁ..., 2016).

O estado ainda é o líder no ranking da região, com 14,9 mil crianças de 5 a 7 anos ocupadas, com aumento de 71,59% em relação ao ano anterior. Tais fatos, somados à experiência profissional, incitaram a necessidade desta pesquisa relativa à temática presente no município de Brasil Novo-PA.

Desse modo, a coleta dos dados efetuou-se com auxílio do Creas do município, informando os dados cadastrais dos participantes, tendo como apoio o material bibliográfico a ser pesquisado em meio online sobre os temas analisados.

O propósito desta pesquisa consistiu em analisar os aspectos interge-racionais relacionados ou que envolvem o trabalho infantil e a contribuição do PBF no desenvolvimento escolar infantil, verificando se houve mudança quanto à valorização da educação na infância entre as gerações estudadas, analisando a influência do PBF no processo educacional infantil.

Procedimentos metodológicos

A princípio, efetuou-se pesquisa bibliográfica relativa ao tema abordado, o que auxiliou a elaboração das entrevistas semiabertas e posterior análise de dados. O estudo de caso ocorreu em três partes, obtendo-se informações da mesma família em três gerações: avós, pais e filhos. Ao final, objetivou-se fazer uma análise com cunho psicológico dos fatores que são transmitidos pelas gerações e dos prejuízos causados aos indivíduos estudados, assim como a possível contribuição do PBF nesse processo traumático que é ser vítima de trabalho infantil.

Quanto à natureza, a pesquisa foi de abordagem qualitativa, em que, de acordo com Teixeira (2011, p. 21):

O pesquisador procura reduzir a distância entre a teoria e os dados, entre o contexto e a ação, usando a lógica da análise fenomenológica, isto é, da compreensão dos fenômenos pela sua descrição e interpretação.

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As experiências pessoais do pesquisador são elementos importantes na análise e compreensão dos fenômenos estudados.

Dessa forma, a presente pesquisa visou uma compreensão do contexto a ser estudado, enfatizando as mudanças entre a sequência dos fatos ao longo do tempo. Com o intuito de esclarecer os fatores de ocorrência do trabalho infantil em gerações familiares diferentes, a investigação desta pesquisa será de cunho explicativo, objetivando tornar claros os motivos e justificar o com-portamento entre as gerações.

Com a pesquisa de campo, investigou-se o fenômeno no local onde ocorre. A fim de comparar os resultados obtidos, o caráter bibliográfico pro-porcionou a comparação dos dados encontrados com as considerações de outros estudiosos de áreas similares. Além disso, pelo caráter detalhado, limitado ao âmbito familiar, a pesquisa consolidou-se em um estudo de caso (VERGARA, 2010).

A população amostral foi selecionada por tipicidade, que de acordo com o autor consiste na seleção de elementos que o pesquisador considere representativo da população-alvo, o que requer profundo conhecimento dessa população. Devido à experiência profissional da pesquisadora Camila Belz Kruger em uma unidade Creas do local de pesquisa, instigou-se a ne-cessidade de análise da temática trabalho infantil, investigando-se diferen-tes gerações, atrelada às mudanças sociais ocasionadas após a implantação do PBF.

A entrevista semiaberta ocorreu no domicílio das famílias estudadas, em que avós, filha e netos residem na mesma casa, no município de Brasil Novo--PA, utilizando-se questionário aberto a fim de se obter respostas livres dos respondentes. Dentre os usuários da unidade Creas com familiares vítimas de trabalho infantil, a amostra selecionada foi a que se enquadrou nos cri-térios de participação, constando um indivíduo da primeira geração a ser entrevistado (avô), um indivíduo da segunda geração (mãe), uma criança da terceira geração (filha), totalizando uma amostragem de três indivíduos.

Os critérios de inclusão no estudo foram: a identificação das três gera-ções a serem pesquisadas, estando residindo no município para execução do estudo, que aceitassem participar da pesquisa e que estivessem em con-dições físicas e psicológicas durante a aplicação dos instrumentos de coleta dos dados.

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Como comprometimento ético, a pesquisadora esclareceu aos respon-dentes os objetivos da pesquisa, bem como assegurou o anonimato e sigilo dos participantes, esclarecendo verbalmente acerca do código de ética do psicólogo com base na resolução do Conselho Federal de Psicologia no 16/2000 e da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que incor-pora sob a ótica do indivíduo e das coletividades os quatro referenciais bási-cos da bioética – autonomia, não maleficência, beneficência e justiça – e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.

Cabe ressaltar que a pesquisadora buscou minimizar os possíveis des-confortos ou exposição a riscos como mobilização emocional, quebra de sigilo, e auxílio psicológico caso necessário, os quais foram evitados com o comprometimento, ética e conhecimento científico. Sobretudo, destaca--se que os participantes serão beneficiados haja vista a importância social e científica da pesquisa.

As informações obtidas durante as entrevistas foram transcritas a seguir, e os trechos pertinentes foram inseridos na produção textual a fim de passa-rem por análise de acordo os objetivos a serem atingidos. Para discussão e interpretação dos dados, realizou-se uma comparação ao referencial teórico de produção de nível nacional, buscando ao máximo ilustrar a realidade do local de pesquisa, obtendo, dessa forma, uma análise do conteúdo, alcan-çando as conclusões almejadas.

Espera-se que o presente trabalho traga informações de suma importân-cia, possibilitando avanços na problemática vivenciada não só pelo municí-pio da amostra, mas por todo o Brasil.

Histórico do Programa Bolsa Família

O Programa Bolsa Família tornou-se a principal ou única fonte de renda para milhares de famílias brasileiras, desde sua criação em 20 de outubro de 2003, resultado da unificação de vários programas de transferência de renda do governo federal, sendo um dos maiores instrumentos de combate à fome no país até os dias atuais. O projeto introduziu a obrigatoriedade de crianças beneficiadas frequentarem a escola, justificada pelo fato de a pobreza fami-liar exercer forte influência sobre o ingresso precoce de crianças no mercado de trabalho, visto que os custos para se manter na escola são altos para as famílias de baixa renda (ZIMMERMANN, 2006).

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Zimmermann ainda ressalta que a inserção precoce de crianças no mercado de trabalho incita o abandono da escola também antes do tempo previsto, o que as torna futuros adultos que ocuparão empregos precários, inseridos no índice de baixa renda, o que contribui para a reprodução da pobreza nesta nova geração.

Entretanto, apesar de muitos estudiosos ratificarem a importância das políticas públicas de proteção social, principalmente os programas de renda mínima no combate à fome e à pobreza, o PBF ainda apresenta debilidades por não ser baseado na concepção de direitos, em que "o direito de estar livre da fome é o patamar mínimo da dignidade humana", de acordo com Va-lente apud Zimmermann (2006). O benefício é concedido a uma quantidade limitada de famílias por município, e, desse modo, mesmo que uma família em extrema vulnerabilidade o solicite, após atingir o máximo de beneficia-dos, o município não o concederá.

Outra questão levantada pelo autor diz respeito às condicionalidades impostas às famílias para o fornecimento do benefício, dentre elas o acom-panhamento de saúde, do estado nutricional, frequência escolar e acesso à educação alimentar. No entanto, o autor ressalta que a condição de pessoa deveria ser o único requisito para a garantia de direitos, jamais sendo con-dicionado. Mais grave que a quebra dos direitos humanos é a exclusão do beneficiário do programa com o não cumprimento das condicionalidades (ZIMMERMANN, 2006).

Por outro lado, Cacciamali, Tatei e Batista (2010) sustentam que tais exi-gências visam o rompimento do ciclo intergeracional da pobreza, buscando garantir níveis de escolaridade suficientes para proporcionar aos integrantes do programa oportunidades melhores no mercado de trabalho.

Trabalho infantil e sua relação com a pobreza e a educação na infância

Ao tratar desta temática, Cacciamali, Tatei e Batista (2010, p. 8) colocam que:

A população de baixa renda se vê obrigada a ingressar no mercado de trabalho precocemente, para complementar a renda familiar ou garantir sua própria sobrevivência, não raro alocando o tempo em detrimento dos estudos e, consequentemente, deteriorando as suas oportunidades futuras de auferir renda mais elevada. Ademais, essa parcela da popula-ção ocupa postos de trabalho de menor qualificação, recebendo salários baixos, perpetuando, assim, a sua condição de pobreza.

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Sob essa perspectiva, discute-se a reprodução da pobreza, uma vez que famílias em extrema pobreza necessitam que todos os seus membros, inclusive as crianças, dediquem mais tempo ao trabalho do que a outras atividades como lazer e educação, pois a renda da família não é suficiente para manter um nível mínimo de qualidade de vida. Desta feita, o trabalho infantil diminuiria concomitante à redução da pobreza.

Crianças trabalhadoras, mesmo tendo a oportunidade de estudar, po-dem ter o tempo de estudo reduzido, além de perderem o direito de ser criança pela ausência de lazer indispensável a esta etapa da vida, prejudican-do, assim, o aprendizado e, consequentemente, aumentando a repetência, bem como a desistência de frequentarem a escola.

Investigando os fatores que ocasionam o trabalho infantil, Cacciamali e Tatei (2008) indicam que a probabilidade de incidência de trabalho infan-til é maior entre as famílias chefiadas por trabalhadores por conta própria, principalmente aqueles do setor agrícola. Os autores ainda pontuam que o nível de educação dos pais está intimamente relacionado à participação de jovens e crianças no mercado de trabalho, e pais mais escolarizados prefe-rem maior escolarização dos filhos.

O primeiro programa instaurado no Brasil para erradicar o trabalho in-fantil foi o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), em 1996, com a realização de ações socioeducativas e de cidadania, objetivando retirar crianças e adolescentes de 7 a 15 anos do trabalho perigoso, penoso, insalu-bre e degradante, além de sua manutenção na escola e na jornada ampliada. Para participar, deveria ser apresentada frequência mínima de 85% na esco-la, ações socioeducativas e de convivência.

Atualmente o programa foi aglomerado ao PBF e funciona de forma simi-lar por meio do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Entretanto, essa obrigatoriedade de frequentar a escola não seria necessa-riamente eficiente na erradicação do trabalho de crianças e adolescentes, uma vez que é preciso criar condições para que esta atividade seja elimi-nada, como a melhoria do sistema educacional e a criação de programas que gerem emprego e renda, como defendem Schwartzman e Schwartzman (2004).

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Resultados

Primeira geração: avô

Com sigilo resguardado, o indivíduo pesquisado será chamado de avô. Do sexo masculino, agricultor, aos 72 anos de idade, aceita participar deste estudo fornecendo as informações a seguir.

Para iniciar, o avô foi questionado sobre qual significado daria para a palavra trabalho, e ele diz que

para mim é uma coisa importante, porque trabalho dá saúde, porque eu estou com 72 anos e não abro mão de serviço nenhum. Ontem eu passei o dia vacinando gado, pulando curral, já vim, fiz um bocado de serviço e estou no cabo da foice, e é domingo, é dia santo, é todo dia.

Em seguida, perguntou-se, em sua opinião, com que idade uma pessoa deveria começar a trabalhar, afirmando:

eu não sei não, mas a pessoa quando nasce já deveria começar a inves-tir no serviço, porque eu fui criado desse tipo e criei os meus todinhos assim. Hoje está uma crise que criança no mundo não está valendo mais nada. Por quê? Porque tem muita cobertura, não pode trabalhar isso e aquilo outro. Eu nasci no serviço e continuo no serviço até hoje.

Quando perguntado se teve que deixar de estudar para trabalhar, conta:

Fui para a escola aqui depois de velho, de criança nunca fui. Porque lá não tinha solução, nem estou condenando meu pai porque até já morreu. Porque ele trabalhava para os outros muito longe da cidade, e interior você sabe como é, não tinha negócio de quilômetro não, eram mil léguas para chegar a um lugar. Agora quando eu fui para Fortaleza com 18 anos aí não liguei mais para os estudos e continuei a trabalhar, até hoje.

Então, perguntou-se com que idade ele tinha começado a trabalhar, ao que ele responde: "Desde a idade de 12 anos que eu saí no trecho, fui para Fortaleza, de Fortaleza fui pescar no mar, de lá eu vim embora para cá". Perguntou-se, então, se antes disse ele já trabalhava com o pai: "Nós cambi-tava, carregava cana, na base de uns 7 anos eu já comecei a trabalhar. E num me dei mal não por meu pai ter me botado para trabalhar".

A pesquisadora pergunta até que idade o avô considera que uma crian-ça precisa ter tempo para brincar, e ele afirma que:

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em todo tempo, até nós precisamos, todos temos o direito. É aquela velha história, eu trabalho todo santo dia desde uns 7 anos, mas o dia que eu sentir de não ir eu não vou. A criança tem que ter o tempo de brincar, a hora de se zelar, banhar, senão fica bagunçado, a pessoa tem que saber disso, na minha criação foi desse tipo.

Então, a pesquisadora pontua: "o senhor acha que há tempo para tudo em seu devido horário. O senhor disse que desde os 7 anos trabalhava. Quantas horas por dia o seu pai permitia que brincasse?

Rapaz, eu acho que eu não brincava, não, eu gostava de trabalhar. Eu trabalhava por minha conta, desabava para os engenhos, carregava cana, porque eu morava na terra da rapadura, dos engenhos de cachaça, nem se lembrava de brincadeira, a gente acostuma com o trabalho. Olha, se eu tirar o dia de folga e ficar deitado nessa rede, à noite eu estou sem sono, eu já estou pensando mal, e estando trabalhando você faz é deitar e dormir.

Em seguida, ao ser perguntado como criou os seus filhos e com quantos anos permitiu que eles trabalhassem, ele responde:

Eu trabalho desde uns 7 anos, e meus filhos também desde pequenos já me acompanhavam na roça, porque sendo ensinado depois de grande não presta para nada não, só para dar trabalho. Eu criei eles no mesmo sistema, esse aqui vai para a roça comigo, já com uma foice (apontando para o neto de 6 anos), eu não chamo, não, porque a pessoa quando nasce para serviço e nasce com coragem já é de nascença, tem deles que não levanta uma palha. Esse aqui, na hora que eu quero ir para a roça ele vai comigo, que eu estou roçando ele está junto, não faz nada de futuro, mas está praticando, aquela pouca prática que ele tem ele está desenvolvendo, que amanhã ou depois ele cai em um sufoco não precisa roubar, não precisa fazer nada de mal feito para sobreviver, ele tem coragem de trabalhar e sabe trabalhar.

Após, perguntou se permitiu que os filhos estudassem e até qual série, e então narrou:

Estudaram. Na hora do colégio estavam no ponto. Eles não terminaram os estudos porque não quiseram, porque os bichos eram encrenqueiros, pulavam muro, aprontavam com a professora. Mas quer estudo? Chegou a hora do estudo, vamos estudar.

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Então, a pesquisadora retoma o comentário do avô, em que disse ter voltado a estudar, e pergunta como está sendo. Ele responde: "Agora estou estudando, estou no primeiro ano ainda, eu só sei assinar meu nome mal, mas estou estudando com 72 anos para ao menos morrer sabendo".

Continuou-se perguntando o que ele achava das mudanças que houve nas leis, permitindo que se trabalhe apenas a partir dos 14 anos, como jovem aprendiz. Segue sua resposta:

Emprego para de menor é a coisa mais difícil do mundo. Eu vejo as coisas muito mudadas. Na minha época até para uma criança dessa aqui passar na nossa frente, como passou agora, não passava não, só de olhar já sabia. Hoje em dia a criança entra na sua conversa e te atrapalha na frente dos outros. Se não ensinar a trabalhar vira tudo malandro, hoje a gente não pode nem dormir.

A pesquisadora indaga: "O senhor acha que atualmente, com as famílias recebendo o PBF, ainda se deve colocar as crianças para trabalhar?". Ele diz: "Mesmo recebendo, porque o dinheiro é pouco, não dá para alimentar uma criança dessa não". Então a pesquisadora continua: "O senhor recebe esse benefício?". Ele responde:

Não, só minhas filhas. Eu e minha esposa somos aposentados. Mas não dá para nada, é um arrocho medonho. Eu dou uma parte de cacau, tra-balham no meio da rua, fazem serviço para os outros, para ajudar, porque a despesa é pesada, para comprar roupa, calçado.

Pergunta-se o que ele considera como benefícios do programa.

Ajuda para comprar um caderno, uma roupa, dá uma ajuda, mas não dá não para sustentar três filhos que ela tem, nós é que se bate, mas o Bolsa Família ajuda, ela ajuda de um lado, eu ajudo do outro, aí vamos vivendo, mas dizer que é vantagem o Bolsa Família não é essa vantagem toda, não, mas ajuda.

Segunda geração: mãe

Resguardando o sigilo, o indivíduo pesquisado será chamado de mãe. Do sexo feminino, agricultora, aos 40 anos de idade, aceita participar deste estudo fornecendo as informações a seguir.

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Pesquisadora: Como a senhora definiria a palavra trabalho?

Mãe: Sustentar meus filhos, ter mais cuidado nos estudos, eu só trabalho para eles mesmos, a única coisa que eu quero é que eles sejam pessoas importantes, assim como quem tem estudo. Sempre falo com eles, eu vou à escola, pergunto, porque tenho uma que é difícil. Mas ela reclama que eu trabalho demais. É claro que eu trabalho demais, o recurso do Bolsa Família não dá para quase nada. Eu compro roupa, calçado, inteiro do meu dinheiro para pagar, eu compro caderno, materiais para a escola.

P: Iria mesmo lhe perguntar sobre como utiliza o recurso do programa.

M: É isso que eu compro, ajuda, ajuda e muito.

P: A senhora considera que uma criança deve começar a trabalhar com quantos anos?

M: Para mim com uns 9 anos. Eu comecei com 9, ele tirava a gente da escola para trabalhar. Porque tem umas meninas aí que não querem fazer nada. Que nem as pessoas falam, elas têm que lavar as roupas delas, porque eu trabalho. Quando eu chegava já ia lavar a roupa delas. Aí eu falo: fulana, faz isso. E não faz! Só esperando por mim. E sabem que eu tenho que juntar aquele dinheirinho para inteirar para comprar os mate-riais deles e as roupas, porque o avô deles não ajuda, não.

P: A senhora permitiu que seus filhos trabalhassem desde pequenos?

M: Não, eu fiz tudo sozinha, trabalhava demais. Deixei que eles fossem acostumando, acostumando, sem trabalhar. Aí agora que eu quero que eles trabalhem, não fazem. Eu quis que não trabalhassem, porque nossa vida era muito sofrida, não queria uma vida para os meus filhos igual ao que meu pai fez comigo. Quando era criança, trabalhava, trabalhava. Meu pai quis levar os meus filhos para a roça, mas eu não deixei, tá certo que serviço de casa não mata, mas para a roça não vai, não, porque meus meninos têm que estudar. Eu coloquei o mau costume neles assim, eu que fazia as coisas, eu que faço comida, mas a maior já sabe fazer, ela não faz de preguiçosa.

A pergunta feita para o avô se repete para a mãe, sobre o que ela acha das mudanças que houve nas leis, permitindo que se trabalhe apenas a par-tir dos 14 anos, como jovem aprendiz.

M: Eu não acho errado, não, porque muitas crianças querem roubar, matar, fazer coisa errada. Pra mim tem que começar a trabalhar com 14 anos, porque, se não, chega uma época que não quer fazer nada, igual a minha. Eu é que não deixava, quando começava a chorar eu mesma ia lá e fazia, coloquei mau costume nelas.

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P: Mas a senhora acha que a sua atitude foi devida à sua história de vida, tentando evitar que os seus filhos vivessem o mesmo sofrimento?

M: Porque a minha irmã colocava os filhos dela desde os 9 anos para trabalhar. Eu não fiz isso, porque a minha vida era muito triste, a mãe não pode descontar a raiva do que ela sofreu nos filhos, foi isso que minha irmã fez, e eu não sou assim.

P: Você acredita que repensou sobre isso e buscou evitar que eles sofres-sem, não permitindo que a sua história se repetisse?

M: Sim.

P: Atualmente, com o valor do PBF, a senhora acha que com esse bene-ficio as famílias poderiam deixar de colocar as crianças em atividade de trabalho?

M: Eu acho que o que a gente recebe é para as crianças, para estudar, investir em tudo que envolva a escola.

P: Qual o valor que a senhora recebe pelo programa?

M: R$ 242,00.

Terceira geração: filha

Resguardando o sigilo, o indivíduo pesquisado será chamado de filha. Do sexo feminino, estudante, aos 11 anos de idade, aceita participar deste estudo fornecendo as informações a seguir.

Pesquisadora: Para você, o que significa a palavra trabalho?

Filha: Trabalhar é capinar, limpar a casa, trabalhar em mercado, isso é trabalho para mim.

P: Você alguma vez teve que deixar de estudar para trabalhar?

F: Não, nunca.

P: Você considera que uma criança precisa ter tempo para estudar até qual idade?

F: Uns 11 anos, por aí.

P: Depois disso você acha que a criança já pode trabalhar?

F: É, limpar a casa, serviço pesado não.

P: Quantas horas por dia você pode brincar?

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F: Até meio dia, porque eu tenho que ir pra escola e depois sábado e domingo.

P: Você tem quanto tempo para fazer as tarefas da escola em casa?

F: Tenho sábado e domingo, a maioria das vezes, e de manhã.

P: Como vocês utilizam o dinheiro do PBF?

F: A mãe compra roupa, calçados e meus cadernos.

P: Depois que vocês começaram a receber o PBF, você acha que come-çou a se dedicar mais na escola?

F: Sim, mas minha mãe fala que tem que estudar muito.

P: O que mais você acha que o PBF mudou na vida de vocês?

F: A mãe compra um bocado de coisa pra gente, às vezes ela até compra roupa de quadrilha pra gente dançar, compra material, caderno, lápis, tudo que a gente precisa.

Considerações finais

A pobreza é um fator de exploração da mão de obra infantil, principal-mente quando o uso do trabalho durante a infância ainda é considerado como uma alternativa de muitas famílias para manter a própria sobrevivên-cia. A consequência disso tudo acarreta a deficiência na formação escolar e no completo desenvolvimento físico, psicológico e moral, pois a criança e o adolescente pulam esta etapa de suas vidas pela subtração do direito de serem crianças e adolescentes verdadeiramente.

Em suma, constatou-se que a primeira geração (avô) possui valores es-treitamente relacionados ao trabalho. A segunda geração (mãe) evidencia experiência traumática por trabalho infantil, buscando modificação compor-tamental. A terceira geração (filha), beneficiada pelo PBF, beneficiou-se não só com a renda, mas com a evolução de gerações, em que o significado prioritário de trabalho dá lugar à educação. Na primeira geração, observou--se a questão cultural, a crença de que trabalhar é bom e saudável, apontada pelos especialistas como um dos mitos que legitimam o trabalho infantil no Brasil, sendo esta visão um dos maiores obstáculos para erradicar o labor infanto-juvenil no nosso país.

As famílias, principalmente as mais pobres, veem a questão do trabalho como uma forma de livrar a criança, o adolescente da marginalização, da

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exclusão social, do envolvimento com drogas. É essa visão cultural que de-posita no trabalho uma forma de prevenção dos males.

Na instituição familiar a criança se destaca por ser um sujeito social e histórico, constantemente influenciado pelo seu meio. A função da família, além de propiciar afetividade, é a de promover a socialização e estabelecer as regras e os valores morais que contribuem para a formação do caráter da criança.

Esta preocupação foi evidenciada durante a segunda geração, quando se buscou proporcionar a valorização da infância, com prioridades diferen-ciadas das vivenciadas pela mãe, a qual executa todas as atividades traba-lhistas remuneradas e não remuneradas da família, objetivando aumentar o nível de escolaridade dos filhos, além de poupá-los de possíveis sofrimentos e traumas psíquicos. Resultados positivos dos esforços realizados pela mãe são notados na terceira geração, a qual apresenta uma infância com ludi-cidade apropriada para a idade, desempenho escolar adequado e psique em desenvolvimento saudável no momento da pesquisa. Ressalta-se que as políticas públicas devem priorizar a atenção voltada para crianças e adoles-centes, posto que estes são indefesos e merecedores da proteção estatal frente aos abusos, explorações, deficiências e precariedade existentes na realidade social que dominam o nosso país.

O trabalho infantil é nocivo à educação e ao desenvolvimento das crian-ças, impedindo o legítimo direito ao lazer e à educação formal. Desta feita, a educação pode ser um instrumento de transformação social, reduzindo a pobreza, bem como uma alternativa à proteção contra a exploração do trabalho infantil.

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Programa Bolsa Família e sua contribuição na redução do abandono e evasão escolar na Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Beatriz do Valle, em Alenquer-PAJefferson João dos Santos SilvaRosemildo dos Santos Lima

Introdução

O foco de todo e qualquer programa de transferência de renda é sem-pre o aumento do poder aquisitivo dos seus beneficiários, proporcionando a estes acesso à alimentação, a vestuário, moradia, melhores condições sani-tárias e de saúde, entre outros quesitos.

O Programa Bolsa Família tem entre seus objetivos a diminuição da dis-torção série/idade por meio da obrigatoriedade dos filhos dos beneficiários de uma determinada porcentagem de frequência escolar durante o ano letivo.

Porém, aferir o impacto do Programa Bolsa Família sobre o fluxo escolar dos seus beneficiários não é uma tarefa fácil, pelo fato de que, segundo Oliveira e Soares (2013, p. 7),

Ao contrário de alguns (poucos) outros programas, cujo desenho foi feito com a avaliação já pensada, o PBF foi primeiro feito e depois pensou-se em como avaliá-lo. Não há grupo de controle e na verdade nem houve, por muito tempo, sequer uma única fonte de dados que seguisse as crianças de um ano para o próximo, permitindo o cálculo do fluxo escolar.

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Apesar de o desenho do PBF continuar não experimental, hoje temos informações tanto no novo Censo Escolar quanto no Projeto Frequência Escolar dos Beneficiários (Frequência) que são individualizadas e longitu-dinais, o que quer dizer que já se pode acompanhar as crianças de um ano ao próximo e saber, observacionalmente, sua trajetória.

Atualmente com base no CadÚnico, Censo Escolar, Projeto Frequência e alguns outros dados aferíveis, inúmeros escritores debruçaram-se em suas pesquisas e já constataram que houve considerável redução da evasão e do abandono escolar de alunos beneficiados pelo PBF. Porém, a maioria dos autores salienta que, apesar da melhoria significativa da frequência escolar, a educação brasileira ainda está muito aquém do que os especialistas consi-deram a ideal. Segundo a Organização para Comparação e Desenvolvimen-to Econômico – OCDE, em pesquisa realizada em 2015, em uma lista de 76 países, o Brasil ocupa a 60a posição no ranking da educação.

É com base nesses indicadores educacionais que o governo busca solu-ções para a melhoria do sistema educacional, tanto nos níveis Fundamental e Médio quanto no Superior, e desenvolve projetos visando à melhoria do processo ensino-aprendizagem e à utilização de forma mais eficiente das verbas destinadas ao setor.

Este artigo visa analisar se o PBF está contribuindo para a redução do ín-dice de abandono e evasão escolar dos discentes da Escola Estadual de En-sino Médio Profa. Beatriz do Valle, localizada no município de Alenquer-PA, e consequentemente para a melhoria do processo ensino-aprendizagem dessa escola. O motivo da escolha pela instituição de ensino é pelo fato de esta ser a única escola de Ensino Médio da cidade que está localizada em um bairro periférico e por possuir um grande número de alunos benefi-ciados pelo programa. Para alcançar esse objetivo foram realizadas pesqui-sas bibliográficas sobre os malefícios educacionais causados pela evasão e abandono escolar, principalmente no tocante ao impacto negativo para a vida social e econômica do discente que evadiu ou abandonou as atividades escolares durante o ano letivo. A posteriori, foi efetivada uma pesquisa de campo nos arquivos ativos e inativos da escola entre os anos de 2013 a 2017 para identificação do número de evasão e abandono de alunos, o número de discentes beneficiados pelo programa e o quantitativo destes compara-dos aos não beneficiados pelo PBF que evadiram ou abandonaram a escola.

Foram distribuídos questionários para 10% de alunos e pais ou respon-sáveis beneficiados pelo programa, visando compreender a importância do

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PBF para eles, no que tange à área educacional. Por meio desses dados foi analisada também a utilização da verba adquirida pelo repasse para as famílias beneficiadas pelo programa. Para aprofundar a pesquisa, realizou--se também entrevistas com o corpo administrativo e com os discentes da escola, com a intenção de saber a opinião desses profissionais da educação sobre os possíveis benefícios educacionais e sociais proporcionados pelo PBF.

A análise estrutural da escola e do bairro onde ela está localizada foi de primordial importância para o aprofundamento da pesquisa, tendo em vista a compreensão das adversidades dos alunos que não moram nas proximi-dades da escola em ter acesso a ela e para entender as dificuldades que os discentes que moram no entorno da escola enfrentam para permanecerem estudando até o final do ano letivo. Essa pesquisa é de relevância maiúscula, pois por meio dela foi possível compreender o fluxo de discentes na escola e a importância do papel que o PBF vem desempenhando para a redução do índice de abandono e evasão dos discentes na instituição educacional pesquisada.

Com base nos dados e na análise contida neste artigo, os profissionais da educação vinculados à Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Beatriz do Valle poderão desenvolver projetos e outras atividades-meio que visem melhorar o processo de ensino e aprendizagem desenvolvido na escola e estimular a permanência dos alunos no âmbito escolar, melhorando o índice de frequência destes. Além de melhorar o fluxo de alunos, os projetos ela-borados a partir deste artigo certamente contribuirão para a melhoria do Ín-dice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escola e certamente estimularão a Secretaria Municipal de Educação e o corpo administrativo e docente das outras instituições de ensino a desenvolverem pesquisas com base nos dados de suas próprias escolas e quiçá, num futuro não tão distan-te, melhorar os índices educacionais do município de Alenquer como um todo.

O Programa Bolsa Família e seu impacto na educação brasileira

A instituição educacional, além de ser um local destinado à troca de conhecimentos, é considerada também o espaço onde ocorre a segunda sociabilidade. É na escola que, com a ajuda dos educadores e pais, o edu-cando vai se construindo como um ser pensante e questionador.

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A educação formal também é considerada como um elemento prepon-derante para as melhorias socioeconômicas, estruturais e culturais de um país. De acordo com um relatório da Unesco – Órgão das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, 2010), a educação é um fator preponderante no combate à pobreza e capacita as pessoas com conhe-cimento, habilidades e a confiança que precisam para construir um futuro melhor.

Segundo o relatório, um ano extra de escolaridade aumenta a renda in-dividual em até 10%. Cada ano adicional de escolaridade aumenta a média anual do PIB em 0,37%. Se todos os estudantes em países de renda baixa deixassem a escola sabendo ler, 171 milhões de pessoas poderiam sair da linha de pobreza. Na América Latina, crianças cujas mães tiveram educação secundária continuam na escola dois ou três anos a mais do que aquelas cujas mães têm menos escolaridade. Uma criança cuja mãe sabe ler tem 50% mais chances de sobreviver depois dos cinco anos de idade, e a educação ajuda as pessoas a tomarem decisões que atendem as necessidades do pre-sente sem prejudicar as gerações futuras.

Visando esses benefícios proporcionados pela educação, o governo bra-sileiro aumentou substancialmente o investimento na educação nos últimos anos. Segundo estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2012, com 14 países em desenvolvimento, o Brasil ficou em 6o lu-gar no que concerne ao investimento em educação (4,9% do seu PIB). O índice é similar ao da Espanha (5%) e da Coreia do Sul (4,63%). No topo da lista aparecem a África do Sul (6,28%), Canadá (5,96%), Austrália (5,84%) e Polônia (5,42%). Porém, apesar desse aumento substancial do investimento na educação, o Brasil ficou em 65o lugar entre as 70 nações avaliadas em matemática pelo Programme for International Student Assessment (Pisa--OCDE) em 2015. Em ciências, o Brasil ficou entre os oito piores. Esses dados demonstram que o Brasil não melhorou a qualidade e a equidade do sistema educacional nos últimos 13 anos.

Uma das principais razões para esse baixo desempenho é a distorção série-idade, ou seja, alunos que estão em séries inferiores às corresponden-tes para suas idades e que, portanto, aprenderam menos que os demais.

Apesar de um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pes-quisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) sobre evasão escolar ter revelado que houve uma queda substancial desse indicador nos últimos dez anos em todas as fases da educação brasileira (no Ensino Fundamental Menor houve

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uma queda de 3,5% em 2007 para 2,1% em 2015; no Fundamental Maior a queda foi de 7,5% em 2007 para 5,4% em 2015; já no Ensino Médio a queda foi de 14,5% em 2007 para 11,2% em 2015) (PORTAL BRASIL, 2017), segundo dados do IBGE, o Brasil ainda é o campeão em abandono escolar entre os países do Mercosul, e 3% a mais de jovens brasileiros abandonam os estudos em comparação com jovens argentinos e paraguaios (R7 NOTÍCIAS EDUCA-ÇÃO, 2017).

Mesmo sabendo que no Artigo 3o, Inciso I da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional consta que o ensino deverá ser ministrado ba-seado nos princípios de "igualdade de condições de acesso e permanência na escola" (BRASIL, 1996, p. 1, grifo nosso) e que para alcançar essa meta, no Artigo 4o, Inciso VIII, consta que caberá às instituições governamentais pro-porcionar um "atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde" (BRASIL, 1996, p. 3), esses direitos adquiridos ainda estão muito aquém da realidade dos educandos, pois o abandono e a evasão escolar são fenômenos que tiram milhares de alunos da escola. Segundo dados da Unicef (2014), existem atualmente no Brasil cerca de 21 milhões de adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, destacando que de cada 100 estudantes que entram no Ensino Fundamen-tal apenas 59 terminam o 9o ano.

O abandono (quando o aluno não consegue finalizar o ano letivo por excesso de faltas e se matricula na mesma série no ano subsequente) e a evasão (quando o aluno não consegue finalizar o ano letivo por excesso de faltas e no ano seguinte não se matricula novamente para cursar a série que abandonou) são problemas causados por fatores endógenos e exógenos ao âmbito educacional.

Auriglietti (2014), ao falar sobre as causas, consequências e alternativas sobre a evasão e abandono escolar, destaca que, no que tange aos fato-res exógenos, Brandão (1983) e Zago (2011) citam a má formação familiar, a necessidade de trabalhar para auxiliar os pais no sustento da família e a diferença de classes que alteram as relações sociais. Esses autores destacam que mesmo que se tente solucionar o problema com políticas públicas essa adversidade persiste.

Já sobre as causas endógenas do abandono e da evasão escolar, Au-riglietti cita autores como Cunha (1997) e Rosenthal e Jacbson (1994), que realizaram estudos os quais apontaram diferentes fatores para o problema,

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tais como: a má relação entre professor e aluno, que é muitas vezes fria, me-cânica e distanciada; a forma organizacional da escola principalmente dos curtos tempos de aula que cada professor tem em determinadas turmas, sendo insuficiente para trabalhar conteúdos em sala; a impossibilidade de as instituições de ensino fornecerem recursos didáticos adequados para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra de forma a proporcionar um en-tendimento adequado pelo aluno do assunto trabalhado pelo professor; au-las não atrativas e fora da realidade sociocultural do discente; entre outros.

Dentre as inúmeras ações desenvolvidas pelo governo brasileiro para reduzir essa sangria de discentes das escolas ocasionada pelo abandono e evasão está a implementação do Programa Bolsa Família, que visa a trans-ferência direta de renda, direcionada às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, garantindo a essas famílias o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde.

O Programa Bolsa Família foi inspirado no programa Bolsa Escola, que por sua vez foi alentado pelo programa Bolsa-Educação implantado por Cristovam Buarque em 1995, quando exercia o cargo de governador do Distrito Federal. Dentre as obrigatoriedades a serem cumpridas pela família contemplada pelo programa do Distrito Federal, era necessário que a renda per capita mensal da família fosse igual ou inferior a meio salário mínimo e que todas as crianças da família tivessem frequência escolar mensal mínima de 90%.

Na esfera federal, o Programa Bolsa Escola (Programa Nacional de Ren-da Mínima vinculada à Educação) foi implantado pela Lei no 10.219, de 11 de abril de 2001, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, e para que a família fosse contemplada pelo programa se fazia mister: que as crianças estivessem matriculadas e frequentando a escola e que essa frequência fos-se comprovada a cada três meses com um programa paralelo de controle de frequência; que as crianças estivessem cadastradas juntamente a sua família no programa Cadastro Único; e que a família possuísse renda per capita in-ferior a R$ 90,00 à época, quando o pagamento da bolsa era de R$ 15,00 por filho, limitado ao máximo de três.

Em 20 de outubro de 2003, o então presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva implantou a Medida Provisória no 132, objetivando a criação do Programa Bolsa Família, medida provisória esta que foi convertida em lei em 09 de janeiro de 2004 e que unificou e ampliou alguns programas de transferência de renda anteriores: Programa Bolsa Escola; Cadastro Único do

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governo federal; Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde – Bolsa Alimentação; Programa Auxílio Gás e o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – Fome Zero. Para participar do programa é necessário que os membros da família estejam cadastrados no CadÚnico e possuam renda per capita de R$ 140,00; as crianças de 6 a 15 anos devem ter frequência es-colar de 85%, e entre os jovens de 16 e 17 anos a frequência deve ser de 75%. Segundo a Cartilha do Programa Bolsa Família emitida pela Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social (Seads) de Alagoas (2005), o programa tem como objetivos principais combater a fome e incentivar a se-gurança alimentar e nutricional; promover o acesso das famílias mais pobres à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social; apoiar o desenvolvimento das famílias que vivem em situação de po-breza e extrema pobreza; combater a pobreza e a desigualdade; e incentivar que os vários órgãos do poder público trabalhem juntos nas políticas sociais que ajudam as famílias a superar a condição de pobreza.

É visível que, no que se refere à busca da redução da evasão e do aban-dono de discentes nas escolas, o Programa Bolsa Família tem alcançado resultados substancias. Segundo pesquisadores do Inep (PORTAL BRASIL, 2011), a partir de dados obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados entre os anos de 1999 e 2007, constatou-se que o Programa Bolsa Família ajudou a reduzir a evasão escolar em 36% entre crianças de 6 a 16 anos. Ao analisar os dados de forma minuciosa, detectou-se que entre crian-ças de faixa etária de 6 a 10 anos a frequência escolar passou de 93,3% para 96,3%, correspondendo a uma variação positiva de 40% com a implantação do programa; já para as faixas etárias de 11 a 14 anos e de 15 a 16 anos, a re-dução estimada na proporção de crianças fora da escola atingiu quase 30%.

Vale ressaltar que os benefícios alcançados sobre a frequência escolar por meio do Programa Bolsa Família foram maiores para crianças e ado-lescentes do sexo masculino, em que o índice de frequência aumentou de 90,1% para 94,1%. Já entre as meninas o aumento foi de 93,1% para 95,1%. Esse maior efeito sobre a frequência de crianças e adolescentes do sexo masculino é explicado pelo fato de eles possuírem maior oportunidade de trabalho, fato que os forçava ao abandono escolar. E a implantação do pro-grama que proporcionou a obtenção da transferência de renda condiciona-da à frequência escolar compensou a perda de renda associada ao trabalho dessas crianças e adolescentes.

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A contribuição do PBF na redução da evasão escolar dos discentes da E . E . E . M . Profa . Beatriz do Valle

Com o intuito de averiguarmos se os benefícios proporcionados pelo Programa Bolsa Família na redução do abandono e evasão escolar no En-sino Médio se fazem presentes no município de Alenquer, realizamos uma consulta de dados de matrícula e frequência de alunos, utilizamos ques-tionários distribuídos a 10% de alunos e pais ou responsáveis beneficiados pelo programa e realizamos entrevistas com todos os membros do corpo administrativo e docente.

Escolhemos a escola Beatriz do Valle como fonte de pesquisa pelo fato de ser a única escola do município de Alenquer que está localizada em um bairro periférico da cidade, o que faz com que a demanda de discentes que utilizam o benefício do programa seja maior.

A escola Beatriz do Valle está localizada no Beco do Curumú, s/n., bairro da Independência, município de Alenquer. É um bairro periférico e compos-to de famílias pobres.

O bairro Independência é desprovido de posto de saúde, posto de po-lícia ou quaisquer serviços de atendimento ao cidadão, espaços de recrea-ção, lazer e cultura em suas proximidades. A rua e o beco que dão acesso à escola não são pavimentados. Em período de chuva eles ficam praticamente intrafegáveis e são mal iluminados, sendo muito perigoso o deslocamento dos alunos à escola e no retorno às suas casas à noite.

Os moradores do entorno da escola possuem empregos variados, são trabalhadores do setor público (serventes, vigias, garis) ou são autônomos (pescadores, estivadores, carpinteiros, pedreiros, atendentes de lojas etc.). São poucas as famílias que possuem uma condição mais abastada. Como o bairro é um pouco isolado, as pessoas trabalham distante de suas casas.

Quanto ao espaço físico da escola, ela possui: sete salas de aula, sendo uma destinada à Educação Especial; uma biblioteca (onde funciona uma sala de aula improvisada); uma sala de informática; um laboratório multidiscipli-nar; um auditório; uma secretaria; uma diretoria; uma sala de professores; um almoxarifado; uma sala para os técnicos (que não funciona pelo fato de não haver nenhum técnico lotado na escola); uma área coberta para recre-ação; uma quadra coberta para prática de educação física; um refeitório; um banheiro na diretoria; um banheiro na sala dos professores; banheiros para alunos do sexo masculino e banheiros para alunas do sexo feminino. O fornecimento de água é de poço artesiano; a energia é da rede pública; há

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internet fornecida por antena da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), que supre apenas os computadores da diretoria e secretaria. As salas de aula e os corredores são mal iluminados à noite ou em dias nublados pelo fato de a maioria das lâmpadas estar queimada.

As salas de aula são extremamente quentes, principalmente no turno vespertino, pois os ventiladores na sua maioria não funcionam ou fazem mui-to barulho, atrapalhando as explanações dos professores. O calor é tão forte que alguns alunos passam mal, fato este que forçou a direção a alterar a hora de entrada dos alunos de 13h30 para as 14h, amenizando parcialmente o problema.

Figura 1 Imagens do espaço físico da escola.

Fonte: Foto do Autor (2016).

Atualmente a escola possui um diretor, três vice-diretores, nove profes-sores, uma secretária, dois agentes de portaria, um vigia, dois serventes. Funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno, atendendo um total de 559 alunos, dos quais 296 estudam pela manhã, 165 à tarde e 98 no tur-no da noite. Desse total de alunos, nove são atendidos no contraturno na modalidade de Educação Especial por serem surdos-mudos ou possuírem Síndrome de Down.

Mesmo estando localizada em um bairro periférico da cidade, a maioria dos alunos do turno da manhã é oriunda do bairro central da cidade, e seus pais possuem uma melhor condição financeira em comparação com os alu-nos que moram próximos à escola. Esses alunos são matriculados na escola pelo fato de a instituição de ensino ter uma boa reputação na comunidade alenquerense por possuir professores capacitados e desenvolver uma boa

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preparação dos discentes para o Enem. Esses alunos vêm para a escola utili-zando transporte particular (carro ou motocicleta) ou os pais pagam uma vã para deslocar seus filhos.

Os alunos do turno da tarde e noite são em sua maioria moradores do bairro onde a escola está localizada ou de bairros próximos. O poder aqui-sitivo das famílias desses estudantes é muito menor se comparado ao dos alunos do turno da manhã. O deslocamento é feito a pé ou de bicicleta, pouquíssimos deles possuem motocicleta, e a maior parte dos alunos da noite já possui família constituída.

Dos 559 alunos matriculados na escola em 2017, 267 são atendidos pelo Programa Bolsa Família, e a maior parte deles estuda no turno da tarde. Não é perceptível qualquer distinção entre os alunos que fazem parte do progra-ma e os que não estão inseridos nele, porém, é bastante visível a distinção quanto ao poder aquisitivo entre os alunos matriculados em turnos distintos ou quando estão no mesmo turno, na formação de grupos de amigos ou nas atividades escolares.

Tabela 1 Idepa do Ensino Médio – 2015.

Idepa ID – Sispae IF

Estado do Pará 2,5 3,5 0,72

Escola Beatriz do Valle

2,9 4,13 0,70

Fonte: baseado nos dados do SISPAE e IDEB (2015). Organizado pelo autor.

Em 2015, a escola Beatriz do Valle alcançou a nota 2,9 no Idepa (Índice de Desenvolvimento Educacional do Pará), acima da média da nota do estado, que foi de 2,5.

A nota do Idepa é calculada por meio da multiplicação do ID – Sispae1

(índice de proficiência em língua portuguesa e matemática dos alunos na apreensão das competências ao final de um nível de ensino) pelo IF (índice do tempo dos alunos para conclusão de um nível de ensino).

Analisando os dados, percebemos que os discentes tiveram um resulta-do excelente na avaliação do Sispae, a escola alcançou a 16a colocação entre as 348 escolas estaduais de Ensino Médio avaliadas. Porém, o IF ainda é alto, a escola ficou na 235a colocação entre todas as 523 escolas estaduais ana-lisadas. Entendemos melhor o porquê do alto valor da IF ao analisarmos o

1 Sistema Paraense de Avaliação Educacional

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fluxo de evasão x reprovação x abandono dos discentes na escola no ano de 2015. Percebemos que a porcentagem do índice de abandono de discentes no ano de 2015 foi extremamente alta.

Tabela 2 IF – Indicador de Fluxo é a média harmônica da taxa de aprovação das séries do Ensino Médio.

Série Aprovação (%) Reprovação (%) Abandono (%)

1a 67% 4% 28%

2a 67% 6% 27%

3a 75% 4% 20%

Fonte: Pequisa documental na escola (2016). Organizado pelo autor.

Porém, o mais preocupante é que, analisando os dados fornecidos pela secretaria da escola, entre os anos de 2013 a 2016 esses dados, com exceção do ano de 2016, mantiveram-se constantes.

Tabela 3 Indicador de Fluxo entre 2013 e 2016.

Ano Número de alunos

Aprovação Reprovação Abandono

Quant. % Quant. % Quant. %

2013 328 233 71 19 06 76 23

2014 343 230 67 17 05 96 28

2015 412 272 66 29 07 111 27

2016 499 384 77 20 04 95 19

Fonte: Pequisa documental na escola (2016). Organizado pelo autor.

Quanto à evasão nos anos pesquisados, foram obtidos os dados apre-sentados na tabela a seguir.

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Tabela 4 Evasão escolar 2014-2016.

Ano Evasão

Quantidade %

2014 42 55

2015 54 56

2016 89 80

Fonte: Pequisa documental na escola (2016). Organizado pelo autor.

Quando se comparou o número de alunos beneficiados pelo PBF que abandonaram a escola com os alunos desistes que não fazem parte do pro-grama o resultado foi surpreendente, como se pode ver no gráfico a seguir.

Gráfico 1 Número de alunos desistentes.

Fonte: Pequisa documental na escola (2016). Elaborado pelo autor.

Do total de alunos em situação de abandono em 2013, apenas 10,5% eram beneficiários do PBF; em 2014 a taxa chegou a 12,5%; em 2015 caiu para 5%; e em 2016 era de apenas 3%. Quanto à análise de alunos evadidos, os números também foram muito promissores, pois os alunos beneficiados tiveram uma porcentagem extremamente baixa se comparados aos que não são beneficiários do PBF.

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Tabela 5 Porcentagem de alunos evadidos.

Ano 2014 2015 2016

Alunos beneficiados 3% 25% 0%

Alunos não beneficiados 75% 64% 71%

Fonte: Pequisa documental na escola (2016). Organizado pelo autor.

Dos oito alunos beneficiários do PBF que abandonaram a escola em 2013, apenas dois não renovaram matrícula no ano seguinte; no ano de 2014, dos 12 alunos desistentes, três não retornaram à escola em 2015 e dos três discentes desistentes, todos foram rematriculados.

Com o intuito de compreendermos o porquê de o índice de abandono e evasão ser menor entre os alunos beneficiários do PBF, foi realizada análise do banco de dados dos 26 questionários distribuídos a alunos e pais ou responsáveis (10% dos discentes beneficiários do programa em 2017).

Pôde-se notar que 87% dos alunos afirmaram que são constantemente incentivados pelos pais sobre a importância da frequência à escola, e 97% responderam que têm consciência da necessidade da frequência para que a família continue a receber os benefícios do PBF.

Todos os alunos afirmaram que os benefícios do programa são essen-ciais para a família e ajudam na aquisição de alimentação e bens de primeira necessidade.

Quando perguntados sobre para quais materiais escolares os pais utili-zavam o benefício do PBF, os alunos enumeraram em grau de importância: uniforme escolar; cadernos, canetas, lápis e borracha; impressão de provas, testes e simulados; apostilados; elaboração de trabalhos; mochila escolar; lanche na escola.

Outro dado que foi possível constatar está relacionado a atividades la-borais dos jovens no contraturno das aulas: oito alunos afirmaram que traba-lham, sete disseram que já trabalharam, mas que atualmente não trabalham, e onze informaram nunca ter trabalhado.

As atividades desenvolvidas pelos que trabalham são variadas: dois tra-balham como assistentes de pedreiro, um como marceneiro, um no setor de horticultura, um é mecânico, um em uma copiadora, e duas como vendedo-ras em lojas.

Os motivos para desenvolver essas atividades laborais também são va-riados, porém, a predominância é para ajudar os pais no sustento da família.

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Tabela 6 Motivo e grau de importância do desempenho das atividades

Motivos do desempenho das atividades

Grau de importância em porcentagem

Ajudar os pais no sustento da família 73%

Comprar roupas 14%

Passeios, festas e outras atividades recreativas e sociais

9%

Comprar materiais didáticos 2%

Compra de lanches na escola 1%

Investimento em cursos de capacitação 1%

Fonte: Pesquisa de Campo (2016).

Outro fator de destaque observado foi que 82% dos discentes beneficia-dos pelo PBF e que trabalham afirmaram que certamente abandonariam a escola para trabalhar em dois períodos se a família não recebesse os bene-fícios do programa.

Quanto aos questionários distribuídos aos pais ou responsáveis, consta-tamos que todos afirmaram que o PBF é de vital importância para a susten-tabilidade socioeconômica da família.

Quanto ao grau de escolaridade dos pais ou responsáveis dos alunos beneficiados pelo Programa Bolsa Escola, percebe-se que é bastante de-ficitária, mas de certa forma observamos um avanço no acesso a graus de escolaridade comparado com os filhos que estão no Ensino Médio.

Por meio de entrevista, os membros do setor administrativo e os do-centes da escola informaram que de fato não havia nenhuma preocupação em analisar o índice de abandono e evasão da escola antes do ano de 2016. Foi no início deste ano que a Secretaria Estadual de Educação divulgou a nota do Idepa, e os profissionais da educação como um todo, por meio de uma reunião pedagógica, decidiram desenvolver estratégias e projetos com o objetivo de traçar metas para a diminuição do abandono e evasão dos discentes na escola. Atualmente, se o aluno se ausentar da escola por mais de três dias, os professores informam à secretária da escola, e esta informa ao corpo administrativo. Como a escola não possui corpo técnico pedagógi-co, os próprios vice-diretores procuram entrar em contato com a família do aluno para saber o motivo da ausência. Os professores passaram a estimular constantemente os discentes sobre a frequência às aulas, aproximaram-se

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e dialogaram mais com os pais ou responsáveis dos alunos. Essas medidas, apesar de parecerem simples, mostraram-se eficazes, pois ajudaram na re-dução da evasão e repetência no final do ano de 2016.

Os nove professores entrevistados afirmaram conhecer a importância do Programa Bolsa Família, não imaginavam, porém, que a contribuição pro-porcionada por ele na redução da evasão e abandono de alunos da escola Profa. Beatriz do Valle era tão expressiva.

O Sr. Fábio E. dos Santos, diretor da escola, informou que a instituição escolar, assim como todas as escolas estaduais do município, enfrenta sé-rios problemas econômicos e de falta de funcionários. Atualmente a escola ainda não dispõe de professores de Física, Sociologia, Educação Física e Inglês para algumas turmas. Também há falta de serventes, a escola possui apenas duas, uma trabalhando no turno matutino e vespertino e outra no vespertino. À noite a escola é desprovida desse profissional. Ressalta-se que a escola não dispõe de merendeira, a única servente do turno acumula a função de limpeza e preparação da merenda dos alunos, tornando essas atividades quase impossíveis de serem desempenhadas pela profissional. A escola também não dispõe de auxiliar administrativo, a secretária desempe-nha todas as funções do setor e é auxiliada pelos vice-diretores.

Atualmente as únicas verbas recebidas pela escola são as oriundas do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), repassada anualmente pelo governo federal, e do Fundo Rotativo, repassada pelo governo do estado, mas são insuficientes para suprir as necessidades da instituição educacional.

Ainda segundo o diretor, todas essas adversidades encontradas contri-buem para diminuir o desempenho dos alunos nas atividades escolares e para o abandono destes da escola.

Com o intuito de amenizar o problema, são enviados ofícios e outros do-cumentos à Secretaria Estadual de Educação (Seduc), solicitando profissio-nais para a escola; porém, no caso dos professores, a Seduc geralmente só encaminha os discentes quase no final do ano letivo, e estes, sabendo que é impossível cumprir as atividades solicitadas no conteúdo programático e para não prejudicar ainda mais os estudantes, aplicam trabalhos individuais ou em grupo para que os alunos façam em casa e fornecem notas para os bi-mestres em que o aluno não recebeu acompanhamento didático com base na avaliação desses trabalhos.

No último mês do ano letivo, a escola contrata uma profissional para ajudar a secretária na inserção de notas dos alunos no Sistema Acadêmico/

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Matrícula da Seduc. O dinheiro para pagamento dessa profissional é oriundo de algumas atividades festivas (festa junina, por exemplo), doação dos pro-fissionais da escola, rifas e mensalidade de um lanche particular que vende produtos na escola.

Pelo menos duas ou três vezes por ano são realizados mutirões de limpe-za envolvendo os funcionários e alunos.

As atividades pedagógicas visando a melhoria do processo ensino--aprendizagem também são constantes. A escola realiza dois simulados por ano, minissimulados para os alunos do 3o ano visando a preparação do Enem, e os alunos são estimulados a participarem da Olimpíada Brasileira de Matemática, Língua Portuguesa e de Astronomia e de projetos como Sarau Literário, "História e Cultura de Alenquer: é conhecendo que se aprende", Eureca, Geometria Espacial, Semiótica e Interpretação Textual, Feira de Ci-ências e Geografia, Jogos Internos, Natal Solidário, entre outros.

Segundo os profissionais entrevistados, os resultados pedagógicos pro-porcionados aos alunos são bastante positivos, pois muitos alunos que con-cluem o Ensino Médio na escola ingressam em faculdades e universidades, fato este que estimula os pais de alunos a matricularem seus filhos na esco-la, mesmo estando localizada em um bairro periférico da cidade. Também afirmam que, se a escola possuísse uma melhor infraestrutura, um melhor aproveitamento do espaço físico e a disponibilização de recursos didáticos melhores, certamente os resultados pedagógicos seriam melhores.

Os docentes também foram unânimes em afirmar que são conscientes de que os custos financeiros da aplicação da maioria dos projetos ocasionam muitos gastos para os alunos, pois eles têm que arcar com os custos de provas, simulados, apostilados, entre outros.

O valor gasto por aluno por simulado é de R$ 5,00; os apostilados variam entre R$ 7,00 e R$ 10,00 (os apostilados são aplicados apenas por professores de disciplinas em que não se dispõe de livros didáticos suficientes na escola); e as provas variam de R$ 0,15 a R$ 0,50 cada (dependendo do número de folhas utilizadas). É importante destacar que os testes e provas são aplicados geralmente uma vez por bimestre, porém, como são em média 11 disciplinas, os gastos com todas as avaliações podem chegar a R$ 5,00 por bimestre.

Os professores informam também que é comum alguns alunos não possuírem dinheiro para pagar as provas, e os próprios docentes acabam por arcar com as despesas da copiadora, e que alguns alunos acabam por desistir dos estudos devido aos gastos escolares. Porém, afirmam que esses

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processos avaliativos são essenciais para averiguar o grau de entendimento dos discentes sobre os assuntos trabalhados em sala de aula e verificar em que ponto eles devem melhorar suas metodologias de ensino.

Percebemos assim que os profissionais da educação, mesmo enfrentado problemas estruturais, econômicos e de recursos humanos, já começaram a desenvolver atividades-meio para diminuir o índice de abandono e evasão da Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Beatriz do Valle, e os resultados obtidos no final do ano letivo de 2016 indicam essa redução. O Programa Bolsa Família também tem contribuído de forma maiúscula para a redução desse índice.

É importante destacar que os outros projetos desenvolvidos na escola são essenciais para que a escola possua um bom índice educacional, percep-tível na demanda de alunos de bairros distantes da escola e pelo bom índice de aprovação dos alunos em instituições de nível superior. Se houvesse um maior incentivo do governo estadual, esse número de alunos que ingressam em universidades seria muito maior.

Considerações finais

O Programa Bolsa Família é um programa de transferência de renda do governo federal para auxiliar as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. O benefício atende a mais de 13 milhões de famílias brasileiras e permite que os beneficiários tenham acesso às necessidades básicas, que é um direito de todo cidadão brasileiro, previsto na Constituição Federal, tais como: saúde, transporte e educação.

Apesar de o Brasil ter ficado na 65a colocação entre as 70 nações avalia-das pelo Pisa em 2015, os estudantes beneficiados pelo PBF vêm alcançando mais sucesso escolar no Ensino Médio do que a média dos estudantes do país. Em 2011, enquanto a taxa geral de aprovação dos alunos do Ensino Médio brasileiro foi de 75,2%, entre os estudantes desse nível de ensino beneficiados pelo Programa Bolsa Família a taxa de aprovação foi 79,9%.

Outro dado de extrema relevância é a taxa de discentes que abandonam ou se evadem da escola: enquanto a média geral de alunos que abandonam o Ensino Médio brasileiro foi de 10,8% em 2011, entre os discentes beneficia-dos pelo PBF foi de 7,2%, isto é, uma diferença de um terço.

Esses dados já demonstram que o Programa Bolsa Família, no que tan-ge à área educacional, vem alcançando resultados bastante satisfatórios,

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principalmente no que concerne à redução do índice de abandono e evasão escolar.

A Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Beatriz do Valle, localizada no município de Alenquer-Pará, está assentada em um bairro periférico da cidade. É uma escola que enfrenta inúmeros problemas estruturais, eco-nômicos, administrativos e de falta de profissionais nas diversas áreas do conhecimento.

Apesar de todas essas adversidades a escola alcançou 2,9 na avaliação do Idepa em 2015, um índice acima da média das escolas estaduais. Ficou na 16a posição no ranking de 348 escolas estaduais de Ensino Médio no Sispae, porém, nesse mesmo ano a taxa de abandono dos discentes no ano letivo chegou a estratosféricos 27%, e a evasão a 80%.

O número de alunos beneficiados pelo PBF matriculados na escola é grande, dos 559 matriculados em 2017, 47,7% fazem parte do programa.

Após a análise de dados de pesquisa realizada na instituição escolar, constatou-se que em 2016 o índice de abandono de alunos beneficiados pelo PBF foi de irrisórios 3%, e a evasão foi de 0%.

Esses dados demonstram a substancial contribuição proporcionada pelo Programa Bolsa Família na redução do abandono e evasão escolar na insti-tuição de ensino pesquisada.

Segundo informações coletadas dos alunos beneficiados pelos PBF e pelos pais ou responsáveis destes, a verba repassada pelo governo fede-ral por meio do Programa Bolsa Família tem ajudado significativamente na sustentabilidade familiar dos assistidos pelo programa. É por meio desse benefício que são adquiridos: alimentação, vestuário, uniformes escolares, material didático etc.

É de vital importância salientar que o PBF por si só não é capaz de me-lhorar o índice educacional brasileiro. Essa melhoria perpassa por inúmeros fatores endógenos e exógenos, entre eles: melhoria na infraestrutura das escolas; admissão de mais profissionais para o desempenho de atividades na área educacional; realização de cursos de capacitação e aperfeiçoamen-to para docentes de forma constante; ampliação da aquisição de recursos didáticos; informatização das escolas; revisão dos conteúdos programáticos, visando proporcionar aulas voltadas para o cotidiano dos discentes; amplia-ção do fornecimento de verbas para a aplicação em projetos educacionais; desenvolvimento de atividades-meio que estimulem uma maior interação pais/responsáveis-escola; entre outros.

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Se políticas educacionais mais eficientes forem desenvolvidas, certa-mente o Brasil terá um sistema educacional mais eficaz, formando cidadãos verdadeiramente críticos, participativos e aptos ao mercado de trabalho, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico, político e cultural do país e contribuindo para a redução da desigualdade social, tirando assim mais brasileiros da linha de pobreza e extrema pobreza.

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BORGES, P. Avanço na educação no Brasil é mais lento que o investimento. Último Segundo IG, Brasília, 14 fev. 2013. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2013-02-14/avanco-na-educacao-no-brasil-e-mais-lento-que-aumento-no-investimento.html>. Acesso em: 03 jun. 2017.

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O Programa Bolsa Família e seu impacto na vida de mulheres do Barra da Grota em Araguaína-TOWanessa Lorena de Sousa MirandaCleivane Peres dos Reis

Introdução

A pobreza e a desigualdade social historicamente atingem muitos lares brasileiros. A despeito de uma redução no número de pobres em períodos recentes da história do país, o número de pessoas vivendo em situação de pobreza no Brasil tem aumentando nos dois últimos anos. Estudo do Banco Mundial (2017) estima que essa população aumentaria entre 2,5 milhões e 3,6 milhões até o fim de 2017. Trata-se de famílias que vem sofrendo com a crise econômica e política do país, que perderam seus empregos e que se somam a outros tantos que já vivenciavam essa condição e que precisam de moradias dignas, alimentação, emprego e renda, entre outros direitos sociais, dos quais essa parcela da população sempre esteve excluída.

Para mitigar os impactos da recessão sobre a população, o Banco Mun-dial recomendou a expansão do Programa Bolsa Família, que deveria ter seu orçamento ampliado para 30,7 bilhões de reais em 2017, caso o governo quisesse cobrir os "novos pobres" com a proteção social.

No trabalho que ora apresentamos não nos deteremos ao debate sobre as reais motivações do Banco Mundial quanto ao controle da pobreza no país, mas de modo especial à forma como essa política impacta a vida de mulheres beneficiadas pelo programa. Para dar conta desse objetivo, foi re-alizado um trabalho de campo, com aplicação de questionário semiaberto

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junto a quatro mulheres, residentes de um bairro pobre do município de Araguaína do Tocantins, conhecido como Setor Barra do Grota.

Vários estudos já têm demonstrado como, no contexto de pobreza, a falta de oportunidades traz prejuízos graves para a vida das pessoas, bem como contribui para perpetuar o ciclo de pobreza que caracteriza a história de muitas gerações de famílias. Esses estudos destacam ainda que crianças e mulheres são o grupo social mais atingido pela pobreza.

A situação de desigualdade social imposta a esses grupos faz com que muitas crianças, mesmo frequentando a escola, se encontrem sem condi-ções de nela permanecerem com sucesso na aprendizagem. Sem o apoio e o incentivo das famílias, com uma alimentação pobre do ponto de vista nutri-cional, sem material escolar, uniforme etc., essas crianças ainda sofrem a dis-criminação por sua condição social. Pinzani e Rego (2014) tecem as seguintes considerações sobre o ciclo vicioso da pobreza que acomete as crianças:

a pobreza leva à falta de instrução, uma vez que as crianças são obrigadas a deixar a escola para trabalhar e ajudar a família, enquanto a falta de instruções perpetua a pobreza, pois, sem instruções e qualificação, não há como entrar no mundo do trabalho e sair dessa condição. A exclusão econômica resulta, por sua vez, em exclusão social e política, visto que os pobres passam a viver à margem da sociedade, com pouca capacidade de se organizarem para fazer com que suas vozes sejam ouvidas (PINZA-NI; REGO, 2014, p. 7).

No que se refere à situação das mulheres pobres e secularmente abando-nadas pelos poderes públicos do país, evidencia-se, ainda com mais ênfase, a necessidade de políticas públicas desenhadas e voltadas à sua formação para a cidadania, que pode ser simultânea a sua qualificação para o trabalho.

A triste realidade de muitas famílias que vivem essa situação de pobreza e não têm oportunidades de ter uma vida digna evidencia que a pobreza acaba gerando problemas ainda mais graves, como doenças, decorrentes da desnutrição, das condições sanitárias, violência de toda ordem etc. O desemprego, a falta de qualificações profissionais que permitam acessar os postos de trabalho, a discriminação social e de gênero, dessa forma, ten-dem a reproduzir e perpetuar a exclusão social de inúmeras famílias no Brasil afora.

Assim, no contexto do combate à pobreza e à desigualdade social, a po-lítica social criada no ano de 2003, intitulada Bolsa Família, constitui-se como um programa de transferência de renda do governo federal, sob certas

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condicionalidades, que apresenta como objetivo, em curto prazo, aliviar os problemas decorrentes da situação de pobreza e, no longo prazo, investir no capital humano, interrompendo o ciclo intergeracional da pobreza.

Nesse estudo, que possui caráter de pesquisa exploratória, procura-se analisar como esse programa de transferência de renda, denominado Pro-grama Bolsa Família, influi na vida de mulheres, beneficiárias dessa política de combate à pobreza e desigualdade social, realizando-se algumas refle-xões sobre o alcance e os limites do PBF na vida dessas mulheres.

Na primeira parte do texto, trazemos uma discussão sobre o conceito de pobreza e seus condicionantes materiais, objetivos (econômicos) e aqueles de mais difícil mensuração, considerados subjetivos, mas que influem sobre-maneira para uma compreensão mais aprofundada do conceito de pobreza, com destaque para as questões de gênero presentes em nossa sociedade e, que historicamente, têm relegado à mulher um papel subalterno, marcado pela dominação e exclusão econômica e social. Procura-se ainda conceituar gênero e inter-relacioná-lo ao conceito de pobreza. Na segunda parte do texto trazemos os elementos constitutivos do Programa Bolsa Família, os quais procuramos analisar à luz dos dados concretos da pesquisa.

As considerações finais apontam que o PBF tem significados contradi-tórios para as mulheres, uma vez que ao mesmo tempo em que fortalece a sua autonomia, especialmente no que tange às difíceis condições materiais de existência de suas famílias, reforça a lógica tradicional da divisão sexual do trabalho entre homens e mulheres, vinculando os cuidados domésticos e com a educação dos filhos, de forma exclusiva, como tarefa feminina, di-retamente relacionada à maternidade. Apontam ainda que, a despeito das melhorias vinculadas ao acesso a alguns bens materiais, essas mulheres, que trazem em suas histórias as marcas da humilhação e do "esmagamento de suas potencialidades", tendem a reproduzir com os filhos as suas desilusões e a resignação de quem sempre esteve submetida à violência que represen-ta a pobreza.

A pobreza numa perspectiva de gênero

Definir as categorias pobreza e gênero, apesar de centrais, no contexto deste estudo, não é tarefa fácil, uma vez que existem diferentes definições em torno dessas temáticas. E, ainda, trata-se de conceitos que possuem, entre si, imbricadas relações.

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Usualmente, utiliza-se a renda como critério para definição do termo. Assim, a título de exemplo, é considerada pobre no Brasil a pessoa que possui renda per capita mensal de até 154,00 reais. Em situação de extrema pobreza, as pessoas com renda mensal per capita de até 77,00 reais.

Contudo, essa é uma definição rasa de pobreza, porque desconsidera outros elementos, objetivos e subjetivos, importantes quando tentamos conceituá-la. Outros parâmetros podem auxiliar na construção de uma de-finição mais aprofundada sobre a questão, de modo a permitir distinguir diferentes realidades e dificuldades enfrentadas pelos indivíduos pobres. Um deles, naturalmente, é a classe social e econômica. Outro é o lugar de re-sidência: urbano, rural. Há aqueles que dizem respeito às diferentes regiões geográficas, sua formação e peculiaridades. Ainda, há aqueles referentes à etnia e à cor de pele das pessoas, bem como ainda critérios de gênero e geração (PINZANI; REGO, 2014, p. 19-21).

Ainda sobre o tema da pobreza, Streeten (1995), citado por Pinzani e Rego (2014), chama atenção para os fatores que não são facilmente mensuráveis e que podem influir positiva ou negativamente na perpetuação dos ciclos de pobreza, fatores considerados pelas pessoas em situação de pobreza como muito mais valiosos do que qualquer melhoria material e mensurável. Entre esses elementos, Streeten destaca:

boas condições de trabalho; a liberdade de escolher seu trabalho e as maneiras de sustentar-se; autodeterminação, segurança e respeito de si; não ser perseguido, não ser humilhado, não ser oprimido; não ter medo da violência e não ser explorado; a afirmação de valores religiosos e cul-turais tradicionais; empoderamento [empowerment], reconhecimento; ter tempo adequado para o lazer e formas satisfatórias de utilizá-lo; um sentimento de que sua vida e seu trabalho têm um sentido; a oportuni-dade de participar ativamente em grupos voluntários e em atividades sociais em uma sociedade civil pluralista. [...] Nenhum legislador pode garantir que todas estas aspirações (ou até uma maioria delas) sejam satisfeitas, mas políticas públicas podem criar as oportunidades para sua realização (STREETEN, 1995, p. 50)

Assim, para Pinzani e Rego (2014), a definição de pobreza deve consi-derar não apenas os aspectos econômicos, mensuráveis, mas também aqueles aspectos subjetivos, mais difíceis de serem medidos, mas que se relacionam diretamente com a vida daqueles considerados pobres, influindo

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sobremaneira na forma como desenvolvem suas estratégias de sobrevivên-cia e/ou superação da situação de pobreza.

Os elementos objetivos e subjetivos que adentram o conceito de po-breza permitem afirmar, conforme já sinalizado, que alguns grupos sociais se encontram ainda mais vulnerabilizados no contexto da pobreza e da desigualdade social. Nessa perspectiva, é possível verificar que a pobreza extrema acentua e torna ainda mais difícil o caminho da autonomia em geral e, em especial, a feminina.

Historicamente, o caminho para a cidadania das mulheres foi marcado por várias modalidades e formas de dominação e exclusão, tanto na vida pública como na vida privada. "Suas vozes foram, há muito tempo, emude-cidas", uma vez que os muitos "padrões de dominação a que estão subme-tidas se entrecruzam em muitos momentos e circunstâncias da vida, tanto do ponto de vista político como cultural", tornando a exclusão social pela pobreza uma condição difícil de ser modifica (PINZANI; REGO, 2014, p. 26).

Daí a importância de se buscar compreender o conceito de gênero como uma categoria analítica importante para a compreensão do fenômeno da pobreza que se agudiza, especialmente entre as mulheres, concordando com Lopes e Azevedo (2005) ao se referirem aos trabalhos de Kergoat (1986) e Scott (1990):

Quando se adota gênero como categoria analítica, busca-se uma aná-lise da relação entre os sexos apoiada nos conteúdos culturais e sociais construídos historicamente, abrangendo desta forma significações mais amplas neste campo da pesquisa, pois a referida categoria alarga os limi-tes dos estudos, não em uma perspectiva meramente biológica (sexo) ou estrutura de classes sociais, mas em uma perspectiva que constrói uma relação social e simbólica (LOPES; AZEVEDO, 2005).

No contexto da América Latina, ainda que tenham ocorrido significativas mudanças na esfera, com a entrada acelerada das mulheres no mercado de trabalho, não houve contrapartida em relação aos homens, na participação destes nas atividades domésticas não remuneradas. De acordo com estudo da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, intitulado "Gênero e Pobreza no Brasil", publicado em 2004, as mudanças que ocorreram na esfera fami-liar, com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, são expressas, ainda, a partir do crescimento de lares com chefia feminina.

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A partir dos dados de um estudo realizado pelo Banco Mundial (2003), Lopes e Azevedo (2005) colocam que, historicamente, as mulheres foram consideradas apenas como boas administradoras do lar, destinadas aos cui-dados com os filhos, à maternidade. Sua capacidade física e mental sempre foi desprestigiada e inferiorizada, o que sempre fez com estivessem pre-destinadas a compor os números nas altas taxas de exploração. Para essas autoras, "a divisão sexual do trabalho por sexo relegou à mulher o trabalho reprodutivo, ou seja, o trabalho no espaço doméstico, privado, enquanto o homem foi associado ao trabalho produtivo, realizado no espaço público".

Isto ajuda a explicar por que as taxas de desocupação ainda são maiores entre as mulheres que entre os homens, que o desemprego, o subemprego e a ocupação informal sejam mais frequentes entre as trabalhadoras. Mesmo quando a mulher alcança uma posição no mercado de trabalho, ela ainda continua a ganhar menos que o homem. Isso se explica não por característi-cas produtivas, mas pela discriminação (CEPAL/SPM, 2004).

Dessas breves considerações sobre o conceito de pobreza e gênero, depreende-se que a pobreza e a exclusão são fenômenos que atingem de forma diferenciada os sexos. Para as mulheres esta realidade de carências é mais profunda, uma vez que são elas que realizam a maior parte das ativi-dades não remuneradas, seja no âmbito do mercado, seja no meio familiar.

Ademais, a violência doméstica, relacionada às questões de gênero, constitui-se ainda como uma triste realidade vivenciada por muitas mulheres no Brasil. Geralmente, essa violência é praticada pelos próprios parceiros ou por pessoas do seu convívio. Ao exercer seu poder e sua força, por meio da violência física, psicológica etc., os homens deixam essas mulheres em situ-ação de impotência e fragilidade. Segundo o Mapa da Violência (WAISEL-FISZ, 2015), entre os anos de 2003 e 2013, o número de vítimas de homicídio praticado contra o sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, incremento de 21,0% na década. Essas 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários.

A violência contra as mulheres é definida pelos autores de formas dife-rentes. Segundo Schraiber (2005), a violência contra a mulher refere-se a:

Atos dirigidos contra a mulher que correspondem a agressões físicas ou ameaças, a maus-tratos psicológicos e a abusos ou assédios sexuais. Quando referida como violência doméstica, são atos cometidos por um membro da família ou pessoa que habite ou tenha habitado o mesmo

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domicílio. Nesse caso, as mulheres podem estar envolvidas na situação tanto de agredidas como agressoras (SCHRAIBER, 2005, p. 37).

Quando a mulher sofre a violência do marido ou companheiro e repete essa agressão nos filhos, ela é vítima, mas também autora desses abusos domésticos. A definição de Vilela (1977, apud SANTOS, 2011) auxilia-nos a compreender esse fenômeno. Para Vilela, a violência constitui-se como:

Toda iniciativa que procura exercer coação sobre a liberdade de alguém, que tenta impedir a liberdade de reflexão, de julgamento, de decisão e que terminar por rebaixar alguém ao nível de meio ou instrumento num projeto, que absorve e engloba, sem tratá-lo como parceiro livre e igual. A violência é uma tentativa de diminuir alguém, de constranger alguém a renegar-se a si mesmo, a resignar-se à situação que lhe é proposta, a renunciar a toda a luta, a abdicar de si (VILELA apud SANTOS, 2011, p. 68, grifos do autor).

Esses elementos imbricados na relação entre pobreza e gênero eviden-ciam o quanto as políticas públicas destinadas à superação da pobreza e ao "empoderamento" feminino não podem prescindir dessas categorias analí-ticas, se pretendem de fato minorar os efeitos históricos da desigualdade de gênero sobre as mulheres e suas famílias.

Programa Bolsa Família

O Programa Bolsa Família, criado pela medida provisória de no 132, de 20 de outubro de 2003, transformado na Lei no 10.836, de 09 de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004, destina-se a ações de transferência de rendas, com condicionalidades, de-vendo sua execução ocorrer de forma descentralizada, com a conjugação de esforços entre os entes federados, considerando-se a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle.

Apresenta como objetivo combater a fome, a miséria e promover a emancipação das famílias mais pobres do país, a partir de benefícios em dinheiro que o governo federal concede mensalmente para famílias mais necessitadas. Representa, hoje, a principal política social do governo voltada ao atendimento das famílias carentes. De acordo com a cartilha do Bolsa Família:

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O Governo Federal, sendo o grande articulador da política em nível nacional, passa a ter responsabilidades de elaborar as normas gerais da política de assistência social, garantir o financiamento e execução dos benefícios de prestação continuada, apoiar financeiramente os progra-mas, projetos e serviços, enfrentamento da pobreza em âmbito nacional e ainda complementar as ações dos Estados e das municipalidades (BRASIL, 2004).

De acordo com a referida cartilha, o cadastro e o pagamento dos bene-fícios devem ser feitos, preferencialmente, no nome da mulher, uma vez que pertenceria a ela, normalmente, a tarefa de cuidar da alimentação, higiene e educação dos filhos. Aqui já se evidencia uma concepção de trabalho do-méstico e reprodutivo associado especificamente ao papel feminino.

A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento às condicio-nalidades do programa nas áreas de saúde e educação, que são: manter as crianças e adolescentes em idade escolar frequentando a escola e cumprir os cuidados básicos em saúde, ou seja, o calendário de vacinação, para as crianças entre 0 e 6 anos, e a agenda pré e pós-natal para as gestantes e mães em amamentação (BRASIL, 2004).

Considerado como um dos maiores programas de combate à pobreza do mundo, o Programa Bolsa Família beneficia aproximadamente 50 milhões de pessoas no país. Seus objetivos são: combate à miséria e à fome e dimi-nuição imediata dos efeitos mais urgentes da pobreza; ruptura intergeracio-nal do ciclo da pobreza por meio de condicionalidades de saúde, educação e assistência social; promoção do acesso a serviços públicos, também por meio das condicionalidades; e finalmente a integração e racionalização da rede de seguridade social (GUANAIS, 2010).

Muitos estudos têm documentado os impactos do Programa Bolsa Fa-mília na redução da pobreza e da desigualdade, melhoria das economias locais, redução da desnutrição infantil e outros impactos referentes à segu-rança alimentar (CASTRO; MOSTAFA; HERCULANO, 2011; OSORIO; SOUZA, 2012).

No que tange ao papel atribuído às mulheres, segundo Guanais:

Pesquisas representativas sobre os beneficiários mostram que seus maio-res gastos no Bolsa Família são com alimentos (indicados por 87% das famílias), material escolar (mencionados por 46% das famílias) e vestuário (37% das famílias). Isso é significativo, considerando-se os primeiros de-bates sobre como ter certeza de que as famílias gastavam o dinheiro

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com alimentos. Levando-se em consideração que em 95% dos casos o benefício em dinheiro é pago diretamente a uma mulher, esses números reforçam as evidências de que mulheres gastam melhor do que os ho-mens. Outra consequência importante revelada pelas pesquisas foi a de que 40% das mulheres relataram aumento no poder de decisão dentro de seus lares após receberem o programa (GUANAIS, 2010, p. 12).

Parece consenso entre os diversos estudos que tratam dos impactos do Programa Bolsa Família que a gerência do recurso para beneficiar a família, principalmente as crianças, recai sobre a mulher, majoritariamente a titula do benefício. Apontam ainda que, na sua grande maioria, elas realmente utilizam o benefício para melhoria das condições de vida da família, em par-ticular das crianças, nos quesitos alimentação, vestuário, compra de material escolar, mobiliário para a casa e material de construção para melhoria das condições físicas da casa.

Contudo, conforme destacam Mariano e Carloto (2009),

Os discursos sobre feminilidade e maternidade apropriados pelo PBF com o intuito de potencializar o desempenho de suas ações no combate à pobreza reforçam o lugar social tradicionalmente destinado às mulhe-res: a casa, a família, o cuidado, o privado, a reprodução. É preciso que o programa se questione sobre o peso de cada uma dessas categorias para a subordinação e a autonomia das mulheres (MARIANO; CARLOTO, 2009, p. 906-907).

Essas autoras ressaltam ainda:

Ao ser incluída no PBF, a mulher é tomada como representante do grupo familiar, vale dizer, o grupo familiar é materializado simbolicamente pela presença da mulher. Esta, por sua vez, é percebida tão somente por meio de seus "papéis femininos", que vinculam, sobretudo, o ser mulher ao ser mãe, com uma identidade centrada na figura de cuidadora, espe-cialmente das crianças e dos adolescentes, dadas as preocupações do PBF com esses grupos de idade. O papel social de cuidadora pode até, em algumas situações, ser desempenhado por outra mulher, como, por exemplo, a avó ou tia da criança ou do adolescente. Contudo, seguirá sendo um "papel feminino". Logo, o cuidado preserva, no âmbito do PBF, seu caráter vinculado aos papéis de gênero. Assim, tanto a mater-nidade (relacionada à procriação e/ou ao papel social de mãe) quanto a maternagem (o cuidado da criança e do adolescente desempenhado por outra mulher, geralmente com vínculo de parentesco, porém, sem se

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designar como sua mãe) são funções focalizadas pelo PBF (MARIANO; CARLOTO, 2009, p. 904).

Nesse sentido, evidencia-se aqui uma contradição do programa. Ao re-produzir a divisão de papéis, o programa, que pretende contribuir para a superação da pobreza e da desigualdade social, omite-se em outras áreas como a garantia de emprego formal e a educação da primeira infância. Na contramão da ampliação com qualidade dos equipamentos sociais que po-dem contribuir para que inúmeras famílias saiam da condição de pobreza, como a ampliação do número de creches, de escolas de tempo integral, de centros de convivência intergeracional, o Estado, por meio do Programa Bolsa Família, a despeito dos seus impactos positivos, continua relacionan-do a mulher ao mundo privado, doméstico, dificultando dessa maneira sua inserção no mercado formal de trabalho e alimentando nelas a resignação e a desesperança de superação do quadro de pobreza e de dependência do Programa Bolsa Família.

Os resultados do trabalho de campo realizado junto a quatro mulheres beneficiárias do programa evidenciam quão complexos são os fenômenos da pobreza e das questões de gênero a ela relacionadas, bem como o quão distantes se encontram a concepção e a operacionalização do Programa Bolsa Família da pretensa superação da pobreza das famílias que se acham nessa condição.

O PBF e a realidade das mulheres do Barra da Grota, Araguaína-TO

As informações e análises iniciais apresentadas aqui se fundamentam nos dados qualitativos obtidos a partir da pesquisa de campo realizada no setor Barra da Grota, na cidade de Araguaína-TO, por meio da aplicação de questionário a quatro mulheres beneficiárias e titulares do Programa Bolsa Família. É preciso destacar que se trata de uma pesquisa de caráter explo-ratório, entendida como um estudo inicial para a familiarização do objeto de estudo que está sendo investigado durante a pesquisa. Ela permite que o pesquisador tenha uma maior proximidade com o universo do objeto de estudo, que oferece informações e orienta a formulação das hipóteses do estudo (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35).

O quadro a seguir apresenta o perfil das mulheres pesquisadas.

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Quadro 1 Perfil das entrevistadas.

Maria 1 Maria 2 Maria 3 Maria 4

Idade 46 anos 36 anos 33 anos 45 anos

Cor/raça Branca Negra Parda Branca

Estado civil Casada Solteira Casada Casada

Número de filhos 4 filhos 5 filhos 4 filhos 12 filhos

EscolaridadeEnsino Fundamental Incompleto

Ensino Fundamental Incompleto

AnalfabetaEnsino Fundamental Incompleto

Religião Católica Católica Católica Católica

Profissão Diarista Do lar Do lar Do lar

Renda R$ 200 - - -

Trabalho Não Não Não Não

Renda PBF R$ 120,00 R$ 160,00 R$140,00 R$200,00

Fonte: dados da pesquisa, 2017.

Destaca-se, conforme mostra o quadro, a baixa escolaridade das en-trevistadas, o que representa, na nossa sociedade – a "sociedade do co-nhecimento" – uma barreira que dificulta o acesso ao mercado de trabalho. Possuem um grande número de filhos, não possuem emprego, e apenas uma exerce o trabalho informalmente, como diarista. Para três das quatro entrevistadas, a única renda que possuem refere-se à oriunda do PBF.

Ao serem questionadas sobre quais eram seus sonhos para o futuro, foi possível perceber que elas se culpabilizam por não "terem estudado". Pro-jetam para os filhos um futuro melhor, a partir dos estudos. Mas, contradito-riamente, não acompanham a vida escolar deles, como as tarefas escolares, as notas etc. Almejam ainda, mesmo demonstrando passividade frente às péssimas condições materiais de existência, uma casa digna para morar.

Nesse ínterim é importante destacar que o Setor Barra da Grota é cons-tituído por um grande número de famílias que vivem em condições precárias de vida, conforme demonstram as fotografias a seguir.

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Figura 1 Moradia de participante da pesquisa.

Fonte: arquivo pessoal, 2017.

Figura 2 Quintal e moradia de participante da pesquisa.

Fonte: arquivo pessoal, 2017.

As mulheres participantes da pesquisa consideram que o PBF é muito importante para elas, pois a maioria não exerce trabalho formal e considera que os companheiros "não dão oportunidades para que possam comprar o que precisam para os filhos". Ao responderem ao questionamento sobre a importância do PBF em suas vidas, de forma unânime demonstraram satis-fação por serem as titulares do programa, evidenciando que se sentiam im-portantes por poderem gerir pelo menos esta renda, já que em sua maioria não possuíam trabalho formalmente remunerado.

Os questionários abertos aplicados evidenciam que essas mulheres na-turalizam as relações patriarcais de gênero e a divisão sexual do trabalho, en-tendendo que, por serem responsáveis pelo cartão do benefício, se tornam

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as administradoras do lar, à medida que também atribuem aos homens o papel de provedores do lar.

Assim, para as mulheres pesquisadas, a responsabilidade pelos cuida-dos com a família, bem como com a formação moral dos filhos e única e exclusiva delas, que recorrem ao auxílio divino para perseverarem na vida que possuem, já que foi possível perceber, por meio do trabalho de campo, que as condições de pobreza em que se encontram e a falta de perspectiva de melhores dias reproduzem nessas mulheres uma resignação e uma de-sesperança em relação a dias melhores.

Como afirmam Pinzani e Rego (2014):

Uma mulher que depende ou de seu marido, ou da sua família patriar-cal, ou de sua própria força de trabalho (que condena, por exemplo, a empregos mal remunerados dada a sua falta de qualificação) não tem nenhuma possibilidade real de sair sozinha de seu meio e procurar por outro ambiente onde possa, efetivamente, desenvolver uma maior auto-nomia (PINZANI; REGO, 2014, p. 40).

Dessa maneira, elas se resignam à vida de sacrifícios, acreditando ser esta a ordem natural das coisas. A pobreza, nesse caso, além de excluir economicamente essas mulheres, agudiza as inúmeras violências praticadas contra a mulher, seja pela ausência de condições dignas de sobrevivência, seja pela desesperança e falta de perspectiva que, em última instância, apro-funda e torna ainda mais difícil o caminho da autonomia feminina.

Segundo Pinzani e Rego (2014), o reconhecimento dos direitos de cida-dania das mulheres, sobretudo das que vivem na pobreza extrema, implica, ainda uma vez, o reconhecimento das várias injustiças que as atingem. Daí a necessidade de se conceberem políticas públicas que perpassem pelas históricas questões de gênero, se se pretende de fato uma política que alivie a pobreza. Ao ignorar as demandas colocadas pelo movimento feminista, as atuais políticas têm reforçado a divisão sexual do trabalho e criado uma série de obstáculos para que as mulheres possam adentrar o mercado de trabalho e, pela atividade produtiva e pelo acesso ao conhecimento, possam ir modificando as condicionantes reais da pobreza que tem perpassado inú-meras gerações de famílias, pelo país afora.

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Considerações finais

Os resultados da pesquisa exploratória desenvolvida permitem tecer algumas considerações acerca da relação pobreza e gênero, em relação às possibilidades e aos limites do Programa Bolsa Família, no contexto e na vida das mulheres que participaram como sujeitos desse estudo.

Uma das primeiras considerações refere-se ao fato de que é possível perceber uma responsabilidade compartilhada ente as beneficiárias do Pro-grama Bolsa Família e o Estado quanto ao enfrentamento da pobreza, haja vista que o Estado, por meio das condicionalidades do programa, delega, predominantemente às mulheres, a gestão dos recursos do programa. Isso, por sua vez, ao mesmo tempo em que possibilita um maior poder decisório por parte destas, quanto ao uso do recurso, reforça as atribuições tradicio-nais relacionadas historicamente ao papel das mulheres na sociedade brasi-leira, delegando exclusivamente a elas as responsabilidades com o cuidado doméstico e familiar, frente aos condicionantes do Programa Bolsa Família.

Uma segunda consideração vincula-se ao fato de que foi possível per-ceber, dentre as mulheres pesquisadas, beneficiárias do Programa Bolsa Família, que em sua maioria possuem um grande número de filhos, têm baixo nível de escolaridade e quanto à situação ocupacional se encontram desempregadas. Apenas uma das pesquisadas exercia trabalho informal, na condição de diarista, apresentando uma renda mensal de apenas 200 reais para além do PBF. São, de forma unânime, as principais responsáveis pelo trabalho doméstico.

Por fim, uma terceira consideração possível é a de que, para as partici-pantes desta pesquisa, o cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família é tido como uma obrigação natural feminina. E, mesmo que essas mulheres se percebam mais valorizadas e com melhores condições fi-nanceiras, pelo fato de o benefício ser pago em seus nomes, essa percepção por si só não lhes assegura autonomia suficiente para promover alterações significativas nem nos papéis de gênero desempenhados no seio familiar, nem na condição de pobreza em que se encontram.

Todas essas considerações reforçam a necessidade de serem desen-volvidas outras políticas públicas, como já sinalizadas anteriormente neste trabalho, como a ampliação das creches, das escolas de tempo integral, da oferta da educação de jovens e adultos atrelada à profissionalização, da criação de centros de convivência intergeracional etc., capazes efetivamen-te, de forma articulada com o programa de transferência de renda Bolsa

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Família, de possibilitar às mulheres mudanças mais significativas quanto às suas expectativas de vida e de superação das difíceis condições em que se encontram. Daí, também, a importância da perspectiva de gênero para a elaboração, construção, implementação e avaliação das políticas sociais de combate à pobreza que têm na mulher sua principal forma de intervenção.

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Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional: um estudo de casoDiva Nunes RezendesJuciley Evangelista Freire

Introdução

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, observa-se no Brasil uma ampliação da oferta educacional, sobretudo na etapa do Ensino Fundamental, com significativo aumento no acesso das classes populares à escola. Observa-se, também, o desenvolvimento de outras políticas públicas sociais com vistas a assegurar o direito à educação, a exemplo de progra-mas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família. Entretanto, melhorou o acesso, mas há problemas em relação à permanência, ao fluxo regular do educando na vida escolar e à aprendizagem, especialmente da-queles originários das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.

Garantir a todos e todas indistintamente o direito à educação é possibi-litar a milhões de brasileiros o acesso à cultura, aos conhecimentos social-mente produzidos e à participação política, bem como vislumbrar o acesso aos bens econômicos por meio da profissionalização, ou seja, é garantir ci-dadania e dignidade. Cidadania esta que historicamente tem sido usurpada dos pobres, das mulheres, dos negros, dos índios (MACCARIELLO, 2008).

Conforme Arroyo (2014), a pobreza existe materializando-se nos corpos de milhões de meninos e meninas mal alimentados e mal vestidos que aden-tram as escolas públicas no país. E a pobreza é um fenômeno "produzido

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historicamente pelo padrão político de poder-dominação-subalternização" desenvolvido ao longo de séculos no Brasil e tem sido interpretado de forma equivocada e reducionista, o que contribui para o não desvelamento dos processos histórico-sociais que a produzem e reproduzem cotidianamente (ARROYO, 2014, p. 16).

Segundo Garcia e Yannoulas, "a educação, tanto em sua expressão ge-ral como em sua forma escolar, compõe a ordem social e, portanto, reflete as tensões, os conflitos e as contradições dessa ordem social" (GARCIA; YANNOULAS, 2017, p. 24). Nesse sentido, a escola tem dado sua parcela de contribuição para a manutenção da desigualdade social na medida em que mantém visões moralizantes acerca da pobreza – concebendo-a não apenas como falta de bens materiais, mas, sobretudo, de valores morais, de capacidade intelectual, de hábitos de estudo – ou quando nega aos es-tudantes pobres um ensino capaz de fazê-los compreender as razões da sua condição social, possibilitando-lhes conhecimentos científicos, culturais e tecnológicos que os capacitem para atuar em todas as dimensões da vida, inclusive na transformação de seu contexto social e da sua própria história. Em vez disso, oferece um ensino de competências e habilidades básicas que prioriza a socialização para os alunos provenientes das famílias de baixa ren-da, constituindo-se em um ensino pobre para os pobres (LIBÂNEO, 2012).

Visando combater o abandono e a evasão escolar e estimular o acesso, a permanência e a progressão escolar dos estudantes de 6 a 17 anos oriundos das famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF), numa estratégia de enfretamento da pobreza, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), realiza em parceria com estados e municípios o acompanhamento da condicionalidade da educação. Dentre as atividades, encontra-se o moni-toramento da frequência escolar do público com perfil de acompanhamen-to, a fim de identificar os motivos da baixa frequência (ou da não frequência) e buscar de forma articulada e intersetorial a sua superação.

Esse acompanhamento e o monitoramento da frequência do aluno PBF realizados por equipes escolares geram dados e informações que podem subsidiar um efetivo trabalho de inclusão da criança na escola. Diretores, coordenadores pedagógicos, supervisores e orientadores educacionais têm com esses instrumentos possibilidades de diagnosticar e propor ações efe-tivas de acesso e permanência na trajetória escolar da criança pobre.

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Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional | 193

A escola atual recebe um público antes excluído do processo educacio-nal, o que exige mudanças no jeito de ensinar, nas concepções pedagógicas, nas relações sociais entre os sujeitos que constroem a escola, produzindo uma prática escolar voltada à realidade social e que tenha esses sujeitos e suas necessidades educacionais como norteadores das atividades pedagó-gicas. Nesse processo, destaca-se o papel do orientador educacional, que "caracteriza-se como mediador e articulador do processo educativo, prio-rizando a construção de uma escola participativa e transformadora desta sociedade individualista, excludente e discriminatória" (SOUZA, 2011, p. 21).

Diante disso, e levando em consideração que o PBF1 já tem mais de dez anos e necessita de uma investigação sobre sua efetividade, questiona-se: como a escola por meio do serviço de orientação educacional tem promo-vido o acesso e a permanência dos alunos pobres e extremamente pobres participantes do PBF? Que ações têm sido desenvolvidas neste sentido? Quais concepções de pobreza norteiam o currículo escolar?

Para responder a esses questionamentos, objetivou-se, de modo geral, caracterizar a função do orientador educacional em relação à inserção dos alunos pobres no contexto escolar. De modo específico, os objetivos foram: verificar como é feito o acolhimento pela orientação educacional dos alunos beneficiários do PBF e identificar e analisar como o currículo aborda as ques-tões de pobreza e desigualdade social no ambiente escolar.

Para o alcance dos objetivos propostos, além da pesquisa bibliográfica, foi utilizada também a pesquisa documental, utilizando-se formulários perió-dicos da frequência escolar dos alunos participantes do PBF, atas de resulta-do final, relatórios de acompanhamento da frequência e publicações sobre o Programa Bolsa Família. Realizou-se, ainda, pesquisa de campo em uma es-cola do distrito de Taquaruçu, município de Palmas-TO, com a participação da orientadora educacional da Escola Municipal Crispim Pereira Alencar, de estudantes beneficiários do Ensino Fundamental, que estudaram em 2016 e em 2017, de uma professora que ministra língua portuguesa e matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental e do secretário geral escolar.

1 O Programa Bolsa Família – PBF, que faz transferência direta de renda com condiciona-lidades às famílias pobres e extremamente pobres, visa o alívio imediato da pobreza, bem como contribui para o acesso dessas famílias a direitos sociais básicos como saú-de, educação e assistência social. O acompanhamento de condicionalidades no âmbito do PBF permite ao poder público mapear os principais problemas vivenciados por essas famílias, a fim de que as instituições e equipamentos destinados à gestão e execução do PBF possam atuar para a resolução destes.

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O presente artigo apresenta em sua parte inicial uma discussão teórica sobre o papel do orientador educacional face aos problemas sociais viven-ciados por alunos e alunas pobres. Na seção seguinte discute a presença ou omissão da questão da pobreza no currículo escolar, para a seguir apresen-tar o cenário da escola e seu Projeto Político-Pedagógico. Na quarta seção do texto, apresentam-se os resultados da pesquisa realizada na escola com a orientadora educacional e outros profissionais da escola acerca do trabalho realizado junto aos alunos vinculados ao PBF.

O papel do orientador educacional face ao contexto social e cultural dos educandos

A função de orientação educacional no Brasil ainda passa pela constru-ção de sua identidade em virtude das influências dos diferentes contextos históricos, políticos e socioculturais em que foi desenvolvida, desde sua cria-ção, que faz emergir a necessidade de se dar novas respostas aos desafios que surgem no cotidiano escolar. Passa por delineamentos na década de 1980 e nos anos 1990, caracterizando-se nos dias atuais pela mediação do trabalho pedagógico junto aos demais educadores (GRINSPUN, 2006).

O orientador educacional não pode abrir mão do plano de trabalho da orientação em si, bem como da prática de planejar para estabelecer com os segmentos da escola – direção, coordenação, professores, pais, alunos e de-mais funcionários – um trabalho coletivo visando auxiliar o educando em sua formação científica, cultural, tecnológica e cidadã, em suas utopias, desejos e paixões, bem como contribuir com a escola na elaboração e execução de seu projeto político-pedagógico (GRINSPUN, 2011, p. 37).

Faz parte de seu papel a articulação entre escola-família e comunida-de, tendo como foco do trabalho as dificuldades pedagógicas, emocionais, sociais e cognitivas dos alunos. Nessa perspectiva, precisa estar atento a todas as situações advindas do contexto social dos meninos e meninas po-bres e extremamente pobres que adentram a escola, tais como: situações de doença, relação familiar conflituosa, a necessidade de cuidar de familiares (irmãos, idosos, pessoas com deficiência), de trabalhar para ajudar os pais, quando isto caracterizar trabalho infantil, o desemprego na família, ausência do pai ou da mãe ou de ambos, gravidez na adolescência, dificuldades com transporte escolar, reflexos de violências sofridas, assim como os impactos do bullying na escola, a discriminação, as diversas formas de preconceitos,

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o racismo, dentre outras situações que os deixam desmotivados e que são diagnosticadas periodicamente pelo acompanhamento da frequência esco-lar e identificadas como causas de baixa frequência, infrequência e aban-dono escolar, conforme tabela de motivos de baixa frequência, situações coletivas e outros registros, que acompanha os formulários de frequência2

do PBF.

Segundo Milet (2001), o orientador educacional deve levar para o coleti-vo da escola as situações mencionadas anteriormente para serem debatidas, pensadas conjuntamente, a fim de que todos possam contribuir na solução dos problemas, pois no grupo uma diversidade de experiências nas relações mantidas com a criança e conhecimentos poderão ser socializados, ajudan-do na construção de uma escola viva, que dê conta de seu papel social. A autora considera, ainda, que todas as situações relatadas anteriormente são importantes e deveriam ser trabalhadas, porém, sem tratar os alunos como vítimas ou paternalizando-os, mas promovendo ações que os levem a tomar consciência dos problemas que enfrentam, percebendo-os como questões sociais, culturais, econômicas, políticas – contradições de uma sociedade capitalista. O orientador educacional, portanto, deve agir como mediador desses conflitos, incentivando os estudantes a participarem de atividades, projetos, movimentos que promovam o engajamento destes com a mudan-ça de seu contexto histórico.

Milet (2011) acrescenta que, diante dos problemas sociais resultantes de uma sociedade de classes, compete à escola dar significado aos conheci-mentos por ela trabalhados, evitando, assim, o fracasso escolar. Destaca:

dificilmente o aluno aprende se os conhecimentos transmitidos não são significativos para ele, seja esse aluno pertencente à classe trabalhadora ou não. Mas o que se verifica é que os conteúdos programáticos, a lin-guagem, as normas escolares, as regras de conduta são estabelecidas em harmonia com os valores das camadas médias da população. Em nossa sociedade, qualquer que seja o lugar em que esteja localizada, qualquer que seja a população atendida, a escola veicula os padrões dominantes como sendo os padrões ideais a ser atingidos por todos, indiscriminadamente. Individualismo, competição, modos ao sentar e ao falar, passividade, obediência e respeito à hierarquia são algumas das im-posições que a escola costuma fazer aos alunos ao contrário do espírito

2 São formulários preenchidos pelas escolas durante cinco períodos de coleta no ano, os quais po-dem ser utilizados como diagnóstico territorializado dos motivos que geram a baixa frequência, infrequência e abandono escolar dos alunos pobres e extremamente pobres.

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de coletividade, da cooperação, de espontaneidade e do respeito mú-tuo, características dos segmentos de baixa renda da população. Como se pode verificar, o aluno pobre está mesmo destinado ao fracasso, tal a estranheza que a escola lhe inspira (MILET, 2011, p. 48-49).

Portanto, compete ao orientador educacional buscar subsídios para a promoção de momentos de debates sobre as experiências vividas pelos alunos em seu dia a dia e relacioná-las com os conteúdos no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, Grinspun (2011) acrescenta, ao abor-dar sobre o fracasso escolar, que é necessário dar voz às vivências culturais dos alunos, refletir, debater sobre o resgate da autoestima dos estudantes de baixa renda, condição fundamental para o protagonismo destes, além de questões como condições de trabalho, representações dos docentes e educandos, ensino e avaliação da aprendizagem e relações de poder dentro da escola. Em síntese, a "Orientação deve propiciar meios para que seja dis-cutida a problemática da escola, dos seus alunos e professores, do currículo e de seu projeto político-pedagógico" (GRINSPUN, 2011, p. 88-89).

Pobreza, desigualdade social e currículo escolar

Na formação do indivíduo há fatores essenciais e influentes, como o con-texto histórico, cultural, social, econômico e biológico. Como a sociedade é formada por classes, logo vem o problema das diferenças vivenciadas na infância e na juventude de cada indivíduo, condições como classe, etnia e gênero implicam a composição do grupo social, as diferentes experiências com os mais diversos resultados comportamentais.

A escola, instituição social que tem como função a formação humana e cidadã por meio da construção e transmissão dos conhecimentos histo-ricamente produzidos, que prepara crianças e adolescentes para iniciar no mundo adulto, bem como investe no seu desenvolvimento cognitivo e so-cial, tem adotado um currículo hegemônico, desconsiderando muitas vezes a diversidade que adentra os seus muros, demonstrando uma dificuldade histórica em lidar com uma realidade social contraditória, desigual e diversa, formada por estudantes oriundos de diferentes realidades, especialmente com os pobres e extremamente pobres os quais constroem suas referências de pensamento e de ação a partir dos contextos sócio-histórico e cultural em que estão inseridos.

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Considerando essa realidade, a escola precisaria contemplar as temá-ticas sociais ligadas às causas e consequências das desigualdades sociais, sobretudo a questão da pobreza, dentro dos currículos. Currículo é aqui entendido conforme define Arroyo: "o conteúdo cultural que as escolas difundem" e os "efeitos que esses conhecimentos provocam nos sujeitos" (SACRISTÁN, 2013 apud ARROYO, 2014b, p. 6). E que, portanto, também "exprime a ideologia, as relações de poder e a cultura de cada unidade es-colar" (ARROYO, 2014b, p. 6), podendo, dessa forma, contribuir tanto para a reprodução da pobreza e das desigualdades quanto para a construção de uma sociedade democrática e menos desigual.

Conforme pontua Arroyo, "a concepção de conhecimento e de cultura sintetizada nos currículos está marcada por uma noção linear do tempo e do espaço, que culmina em uma visão desenvolvimentista, pela qual há uma promessa de progresso por meio do processo escolar" (ARROYO, 2014b, p. 12). Nessa concepção, a educação é vista como capaz de romper o ciclo intergeracional da pobreza por meio da profissionalização da população po-bre, porém, não levando em conta a necessidade de mudanças estruturais na sociedade que intervenham nas causas da pobreza. Essa visão, contudo, segundo Arroyo, pode ser contraditada pelos resultados de pesquisas an-tropológicas longitudinais que correlacionam aumento dos anos de estudo com a renda, demonstrando que ocorreu pouca mobilidade social dos po-bres, mesmo melhorando o nível de escolaridade da população mais jovem em relação aos mais idosos. Portanto, o papel da educação e do currículo escolar na superação da pobreza é limitado em relação aos aspectos estru-turais que incidem mais decisivamente na produção e reprodução das con-dições sociais da população. À educação cabe a formação do sujeito para a sua emancipação coletiva e individual com poder para atuar conscientemen-te na construção de uma sociedade menos desigual e mais democrática.

Nesse sentido, segundo Arroyo, contemplar a temática da pobreza no currículo significa buscar na História, na Antropologia, na Economia, nas Ar-tes, nas diversas Linguagens como Literatura, Poesia, Música, Cinema, etc. o conhecimento sobre a pobreza, valorizando suas lutas e conquistas para construção de seus territórios, da sociedade brasileira, assim como dialogar com as experiências que os alunos pobres e extremamente pobres trazem para a sala de aula, como as vivências culturais de suas famílias e comuni-dades. Para tanto, "é necessário reconhecer os saberes sobre a produção da pobreza, superar a visão moralizante sobre a pobreza e garantir esses

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saberes nos currículos como direito de todo(a) cidadão(ã)" (ARROYO, s/d, p. 25).

Superar essa visão dominante sobre a pobreza e a desigualdade social e construir novos saberes em um novo currículo escolar que os contemple requer um trabalho articulado de toda a comunidade escolar. Gestores e equipe pedagógica, tendo o orientador educacional como mediador entre estes, os alunos e suas famílias são importantes atores nesse processo. Ve-jamos como essa realidade se apresenta no caso particular de uma escola municipal de Palmas abrangida por esta pesquisa.

A realidade sociocultural do estudante pobre e seu acolhimento pelo orientador educacional

Pinzani e Rego (2014) discutem diversos aspectos entrecruzados que contribuem para a existência da pobreza – o processo histórico, a domi-nação política e econômica, a localização geográfica, a etnia, o gênero, a temporalidade e falta de oportunidades – os quais provocam diferenças no modo de vida e nas condições socioculturais das pessoas.

Um estudo realizado pela Secadi/MEC em 2015, cruzando dados do censo escolar/Inep, do Cadastro Único e do Sistema Presença, identificou o perfil de crianças e adolescentes em situação de pobreza e beneficiários do Programa Bolsa Família, o qual é constituído em sua maioria por negros e pardos (75%), com uma quantidade expressiva morando na zona rural – 28% entre os beneficiários contra 15% entre os não beneficiários PBF – e com 72% dos beneficiários morando na zona urbana. Os demais alunos, ou seja, não beneficiários do Programa Bolsa Família, são constituídos em sua maioria por brancos e moradores na zona urbana, conforme se pode visualizar na Tabela 1.

Essa temática foi abordada em um estudo realizado pela Unicef que dis-cute a exclusão escolar no Brasil, o qual constatou que os alunos negros se apresentam em desvantagem em relação aos brancos em virtude do proces-so histórico. De igual modo, a escolaridade dos pais ou responsáveis é um obstáculo significativo para dificultar a entrada destes na escola, e a região com maior dificuldade nesse aspecto é a região Norte, conforme consta nas Tabelas 2 e 3.

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Tabela 1 Perfil dos estudantes beneficiários PBF – 2015.

Estudantes

Raça/cor Localidade Brasil/Matrícula/2015B

ranc

os

Pret

os e

p

ard

os

Out

ros

Rur

al

Urb

ano Total na

Ed. BásicaTotal de 6 a 17 anos

De 6 a 17 anos

Beneficiá-rios 24% 75% 1% 28% 72%

48.796.512 34.988.440

18.557.478

Não Bene-ficiários 55% 44% 1% 15% 85% 16.430,962

Fonte: Secadi/MEC/Censo Escolar/Inep, Cadastro Único e Sistema Presença.

Tabela 2 Taxa de frequência à escola da população de 6 a 10 anos por gênero, raça e localização – 2010 (%).

UF

POPU-LAÇÃO DE 6 A 10 ANOS

SEXO COR/RAÇALOCALIZA-ÇÃO

Feminino Masculino Brancos Negros Urbana Rural

ESTADO TO 97,0 97,4 96,6 97,7 97,1 97,8 94,3

REGIÕES

NORTE 93,7 94,1 93,4 95,4 94,0 95,9 88,8

NORDESTE 97,3 97,6 97,1 97,7 97,2 97,6 96,7

SUDESTE 97,8 97,9 97,7 98,0 97,6 97,9 97,1

SUL 97,9 98,0 97,8 97,0 97,5 97,9 97,5

CENTRO--OESTE 97.1 97,3 97,0 97,7 97,1 97,6 93,7

BRASIL 97,2 97,3 97,0 97,8 90,9 97,6 95,3

Fonte: Unicef (2014, p. 19).

Na Tabela 2, observa-se que nos dados gerais do Brasil não há grande diferença na porcentagem de frequência à escola dos alunos em relação ao gênero, mas em relação à cor e à localização sim. No estado do Tocantins, os respectivos índices são um pouco melhores que a média da região Norte,

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porém, é inferior a quase todas as médias das outras regiões, conforme se pode observar na Tabela 2.

Tabela 3 Taxa de frequência à escola da população de 6 a 10 anos por nível de renda e de instrução dos responsáveis – 2010 (%).

Estado/Região

Maior nível de instrução dos responsáveis pelo domicílio e seus cônjuges

Rendimento domiciliar per capita (em número de salários mínimos)

Fund

amen

tal

Inco

mp

leto

Fund

amen

tal

Méd

io

Sup

erio

r

Até 1/4

Maior que ¼ e menor que ou igual a 1/2

Maior que ½ e menor que ou igual a 1

Maior que 1 e menor que ou igual a 2

Maior que 2

TO 95,2 97,9 98,4 99,3 94,8 97,3 98,4 98,9 99,0

NORTE 90,8 95,9 97,5 89,9 89,9 95,4 96,5 98,0 98,2

NORDESTE 96,5 98,1 98,8 99,1 96,4 97,7 98,2 98,9 98,8

SUDESTE 96,8 97,9 98,6 99,1 96,4 97,7 98,2 98,9 98,8

SUL 96,9 97,9 98,6 99,3 96,2 97,1 98,0 98,7 99,0

CENTRO--OESTE 95,3 97,7 98,5 99,0 93,8 96,7 97,8 98,5 98,6

BRASIL 95,8 97,7 98,5 99,0 95,1 97,3 90.0 98,6 98,8

Fonte: Unicef (2014, p. 21).

Observa-se nos números de frequência à escola dos alunos de 6 a 10 anos no estado do Tocantins, expressos na Tabela 3, que, quanto menor o nível de escolaridade e de renda dos pais ou responsáveis, menor a presen-ça das crianças na escola, e o inverso também ocorre, pois, quanto maior a formação escolar e recursos financeiros da família, melhor a frequência escolar das crianças.

Em virtude do nível de escolaridade e das característica da educação recebida, os pobres estão fadados às atividades profissionais mais pesadas, que exijam pouca qualificação profissional e, consequentemente, pouco remuneradas. Geralmente moram em condições precárias e convivem dia-riamente com a falta de diversos itens básicos de alimentação, vestuário e locomoção. Além disso, muitas mães, primeira referência na convivência so-cial da criança, vêm de situações familiares e socioculturais opressoras, nas

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quais sofreram violência física e/ou psicológica e aprenderam desde cedo a conviver com a humilhação e a resignação, reproduzindo para os filhos sua descrença, falta de perspectiva, e desilusão pela vida. De acordo com Martinelli (2007), as crianças que possuem baixos autoconceito e expectativa quanto ao futuro e pouca persistência tendem a apresentar um fraco desem-penho escolar. Vale ressaltar, entretanto, que

Um obstáculo é representado também pela incapacidade – e, frequente-mente, pela impossibilidade – de as instituições escolares lidarem com as dificuldades familiares dos(as) educandos(as). A pior e mais injusta atitu-de é, seguramente, culpar as crianças pelos resultados insatisfatórios que obtêm em seu processo de aprendizagem (PINZANI; REGO, 2014, p. 26).

Nesse sentido, na interação com as famílias pobres o papel do orien-tador educacional é conhecer as condições de seu público, identificando quais grupos têm condições de contribuir no processo educacional e os que têm dificuldades e também orientar os professores a planejarem sua prática considerando essa realidade (CASTRO; REGATTIERI, 2009, p. 56). Além dis-so, faz-se necessário que o orientador acredite no potencial dos estudantes, dos profissionais e na própria capacidade de implementarem um currículo que acolha cada aluno com sua história, sua cultura, respeitando-se o direito de cada um ser como é, trabalhando os conteúdos de forma contextualizada e significativa. Todo esse processo deve ser mediado pelo diálogo, inclusive as situações de conflito, cuja condução depende da autoridade (intelectual, ética, profissional, humana) e não do autoritarismo dos educadores.

Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o orientador educacional

Conforme os objetivos desta investigação, realizou-se pesquisa de cam-po em uma escola do distrito de Taquaruçu, município de Palmas, utilizan-do como técnica de coleta de dados a entrevista semiestruturada com a orientadora educacional da Escola Municipal Crispim Pereira Alencar, com estudantes beneficiários do PBF matriculados no Ensino Fundamental, que estudaram em 2016 e em 2017, com uma professora que ministra as discipli-nas de língua portuguesa e matemática nos anos iniciais do Ensino Funda-mental e com o secretário geral escolar.

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Iniciou-se o trabalho pela pesquisa bibliográfica em busca de uma pos-tura teórico-metodológica, a fim de orientar a investigação, seguida pela elaboração dos instrumentos de coleta de dados, como questionário e ro-teiro de entrevista estruturada, com algumas questões abertas para que os participantes tivessem maior liberdade em expressar seu pensamento e para facilitar a captação de aspectos da realidade. Em seguida foi feita consulta à escola solicitando permissão para a realização da pesquisa, bem como um levantamento da situação, dos dados gerais sobre a escola e agendamento de horários. A adesão dos agentes escolares foi registrada por meio da as-sinatura do termo de consentimento dos participantes para realização das entrevistas. Todos os participantes da pesquisa responderam a um questio-nário específico direcionado a cada segmento: orientadora, estudantes, pro-fessora e questões abertas ao secretário escolar, mas também à professora e à orientadora educacional antes de responderem ao questionário escrito.

Foi selecionada para levantamento de dados uma turma de alunos do 4o

ano, observando-se do total de alunos participantes do PBF quantos foram aprovados e quantos foram reprovados e se houve abandono escolar, além de observar seu desempenho nas avaliações em relação aos alunos não beneficiários. Foram realizadas entrevistas com 50% dos alunos da turma selecionada.

A Escola e seu contexto

A Escola Municipal Crispim Pereira Alencar situa-se em Taquaruçu, dis-trito do município de Palmas, capital do estado do Tocantins. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Taquaruçu no ano de 2010 era de 4.739 habitantes, possuindo um total de 1.597 domicílios particulares. A escola atende aos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, possui um espaço físico limpo, conservado, alegre, e as salas de aula são espaçosas e arejadas. A escola possui espaços apropriados para secretaria, direção, orientação educacional, coordenação pedagógica, sala dos professores, laboratório de informática, refeitório com um pouco de área coberta, jardim e quadra de esportes; é toda murada com portão de acesso, a frente é bem alta, porém, recapada com cerâmicas coloridas, o que dá um visual alegre à escola.

A quadra coberta é bastante utilizada na culminância de ações, reuniões e eventos e também às vezes é utilizada pela comunidade quando a escola não está em atividade. Essa é a única escola que atende os alunos dos anos

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iniciais do Ensino Fundamental e se localiza bem no centro do distrito. Os alunos são oriundos da zona urbana e rural. Aqueles que moram na zona urbana residem próximo à escola, considerando o perímetro urbano do distrito.

Do universo de 532 alunos matriculados na Escola Municipal Crispim Pereira Alencar, 254 (quase 50%), conforme dados do Sistema Presença, participam do Programa Bolsa Família. Não há diferenciação no tratamento entre bolsistas e não bolsistas, pois a escola considera que o perfil de aluno é praticamente o mesmo e se preocupa em "não rotulá-los".

Segundo a orientadora educacional, o abandono escolar é baixíssimo, mas a reprovação é mais expressiva; indagada sobre a que atribuía esse problema respondeu que dentre outros fatores os que mais se destacam são a ausência dos pais no ambiente escolar, desinteresse dos alunos pelos estudos e falta de acompanhamento da família.

Nesse aspecto, a professora entrevistada diz que os alunos apresen-tam dificuldades em virtude das questões emocionais, afetivas e também de limites/disciplina, que exigem muito do professor, o qual não dispõe de tempo suficiente para dedicar-se às necessidades individuais, a ponto de saná-las totalmente, porém, diz que ela não desiste, porque às vezes tudo que o aluno tem é o trabalho pedagógico e o acompanhamento escolar.

O Projeto Político-Pedagógico da Escola

A escola possui um Projeto Político-Pedagógico – PPP o qual, segundo a orientadora, foi elaborado coletivamente, e em suas metas se apresen-tam como propósitos: a alfabetização na idade certa de todos os alunos, alcançar 97% de aprovação, reduzir a distorção e ampliar a proficiência nas avaliações externas. O currículo contempla a existência das desigualdades e da pobreza no contexto escolar, assim como a necessidade da adoção de uma postura crítica na interpretação dos fenômenos socioculturais. Assim expressa o PPP da Escola:

Construir um currículo multicultural é respeitar as diferenças raciais, cultu-rais, étnicas, de gênero e outros [...]. Nesse sentido a Proposta Curricular da escola poderá ter um currículo, metodologias, etc. que permitam problematizar a realidade [...]. Os educadores devem conhecer os meca-nismos de dominação cultural, econômica, social e política, ampliando os conhecimentos antropológicos, mas também de perceber as diferenças étnico-culturais sobre essa realidade cruel e desumana (PPP, 2017, p. 18).

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A orientadora diz também que, para promover as condições que favore-çam o desenvolvimento dos alunos pobres, os quais apresentam dificuldade em acompanhar as atividades curriculares, e combater a evasão, é feito o monitoramento da vida escolar desses educandos e que estes são inseridos nos projetos existentes na escola, como aulas de reforço escolar (Projeto Novo Mais Educação), aulas de música (Projeto Veredas), palestras motiva-cionais, atendimento especializado pela Equipe do Núcleo de Apoio à Saú-de da Família (Programa Saúde da Família de Taquaruçu), que conta com o trabalho de psicóloga, fonoaudiólogo, dentista, nutricionista, médicos, etc. Diz ser feito também contato com as famílias via telefone, convocações à uni-dade escolar, visitas domiciliares e por meio das parcerias com o Conselho Tutelar, psicólogo, dentista, etc.

Essa situação retratada acima já foi demonstrada em outras pesquisas quanto à participação de vários outros agentes profissionais no atendimento escolar de crianças pobres (ALGEBAILE, 2009; YANNOULAS, 2013), o que pode estar associado a uma secundarização ou "ampliação para menos" das funções propriamente educacionais no espaço escolar. Segundo Yannoulas (2013),

a forma como a transferência de renda se relaciona atualmente com a educação formal é uma demonstração do lugar secundário que cumprem as redes educacionais públicas no Brasil. No espaço físico da educação formal outras funções e tarefas foram e são processadas, transformando o espaço educacional em muito mais do que um espaço unicamente educativo. Um espaço escolar, no qual são realizadas múltiplas maneiras de atenção às necessidades da população mais pobre: alimentação e nutrição, saúde e higiene, vestuário, renda, entre outras. Num proces-so gradativo e contínuo que se agudiza em fins da década de 1970, a utilização da escola para a gestão da pobreza recupera iniciativas já pre-sentes em órgãos que lidavam com serviços básicos, assistência social e desenvolvimento comunitário, operando-se assim uma "revolução passi-va" da escola pública que diminui o propriamente educacional no caso das crianças pobres. Uma ampliação para menos, a escola inclui mais crianças, amplia suas funções, amplia tempos e espaços, porém com prejuízo de suas funções propriamente escolares. Uma ação combinada de aligeiramento de conteúdos e sistemas de avaliação, precarização dos espaços físicos e formas de trabalho docente, além de penetração maciça das políticas de gestão dos pobres que passam a frequentar a instituição (YANNOULAS, 2013, p. 45-46).

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Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional | 205

A orientadora da escola afirma que cada professor tem um caderno es-pecífico no qual todos os alunos que frequentam o projeto assinam em cada aula, e a supervisora repassa à orientação educacional a lista dos alunos faltosos. Nesses casos de falta, o contato com a família é realizado imedia-tamente via telefone ou, caso seja necessário, com visita até a residência da família. Considera que talvez uma dificuldade seja a falta de espaços específicos para as aulas de reforço, pois são utilizados espaços fora da sala de aula, porém, dentro da escola. Essa questão da precarização do espaço físico escolar que dificulta o atendimento das necessidades educacionais das crianças mais pobres pode ser compreendida à luz dessa questão, evidenciada anteriormente, da "ampliação para menos" da escola, ou seja, ampliam-se as necessidades em razão da inclusão dessas crianças, mas não se ampliam as condições materiais para realizar tal atendimento.

Rendimento escolar dos alunos

Na entrevista com a professora, esta afirma que a escola trabalha com o sistema de ciclos. Não há reprovação do 4o para o 5o ano, e do 5o para o 6o ano, nas turmas que ela ministra português e matemática, a reprova-ção é inexpressiva, pois trabalha, avalia e reforça continuamente a leitura, a compreensão, a interpretação a partir de textos que permitam a reflexão de situações relacionadas ao cotidiano dos alunos, bem como a produção textual e o raciocínio lógico matemático. Comenta que o reforço extraclasse também contribui para a aprendizagem dos estudantes.

Constatou-se por meio dos dados fornecidos pela Secretaria da escola que os resultados indicam que de fato não houve reprovação nem aban-dono escolar do 4o para o 5o ano em 2016, assim como não ocorreu no 5o ano em 2017 dos estudantes oriundos do 4o ano em 2016, turmas em que a professora entrevistada lecionou, conforme Tabelas 4 e 5. Também não houve reprovação dos alunos que foram para o 6o ano em 2017.

Tabela 4 Dados comparativos do rendimento escolar entre alunos PBF e não PBF/4o ano/2016 – língua portuguesa.

ALUNOS No APROVADOS

No REPROVADOS

No ABANDONO

TOTAL

Beneficiários 10 0 0 10

Não beneficiários

17 0 0 17

TOTAL 27

Fonte: Secretaria da Escola Municipal Crispim Pereira Alencar.

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Tabela 5 Dados comparativos do rendimento escolar entre alunos PBF e não PBF/5o ano/2017 – língua portuguesa.

ALUNOS No APROVADOS

No REPROVADOS

No ABANDONO

TOTAL

Beneficiários 10 0 0 10

Não beneficiários

17 0 0 17

TOTAL 27

Fonte: Secretaria da Escola Municipal Crispim Pereira Alencar.

Um estudo realizado pela Unicef sobre exclusão escolar no Brasil, com base nos microdados do Censo demográfico de 2010, comprova que entre alunos na idade de 6 a 10 anos, período correspondente aos anos iniciais do Ensino Fundamental, ocorre maior frequência à escola se comparado com os grupos na idade de 4-5, 11-14 e 15-17 anos (UNICEF, 2014, p. 10). É também nos primeiros anos de vida que as crianças se encontram mais curiosas e desejosas de aprender.

Segundo as modernas teorias da aprendizagem, qualquer criança é capaz de aprender se as condições de ensino e aprendizagem da escola forem favoráveis, se elas forem bem acolhidas, sentirem-se bem no am-biente escolar, estabelecerem vínculos afetivos com os colegas e professo-res e estes tiverem expectativas positivas em relação aos alunos, além de desenvolverem um ensino sistematizado, trabalharem a partir dos saberes e dificuldades cognitivas dos alunos, aproveitando bem o tempo escolar, problematizando e dando significado aos conteúdos ensinados, que per-mitam o desenvolvimento da linguagem, do raciocínio lógico, da memória, da percepção envolvidos na construção e reconstrução dos conhecimentos, valores e comportamentos, ou seja, o desenvolvimento cognitivo, no qual os estudantes participem como sujeitos da aprendizagem.

No questionário aplicado a um grupo de alunos participantes do PBF, constatou-se que pelo menos um dos progenitores trabalha fora, alguns dis-seram que recebiam ajuda nas tarefas em casa, porém, o que ficou evidente é que eles gostam da escola e da professora: nessa questão 40% dos alunos responderam "na maioria das vezes" e 60% "sempre". Quando perguntados se os alunos com dificuldades de aprendizagem eram estimulados e acom-panhados nas tarefas escolares pela professora, também 40% responderam "na maioria das vezes" e 60% "sempre"; 20% disse que às vezes a professora

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Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional | 207

faz perguntas durante as aulas para estimular a compreensão e o raciocínio dos alunos, enquanto 80% afirmou que ela sempre faz. Entretanto, foram unâ-nimes em dizer que os alunos participam de aulas de reforço em horário ex-traclasse. Responderam às perguntas sem dificuldade, com exceção de uma aluna com maior limitação na leitura e escrita, a qual, segundo a professora, havia sido alfabetizada naquele ano, ou seja, em 2017, no 5o ano. Percebe-se que parte dos alunos sente falta de maior atenção, estímulo, orientação nas tarefas por parte da professora, fato este explicado na fala dela, quando diz que não consegue sanar todas as dificuldades de seus alunos e garantir uma aprendizagem igual para todos, apesar do comprometimento demonstrado tanto por ela como pela orientadora educacional e pelo secretário escolar.

Esse esforço reflete-se no resultado da escola nas avaliações internas e externas, conforme Ideb-2015 nos anos iniciais, o que se deve também à política de aprovação e investimento no combate ao abandono, por meio do controle da frequência feito diariamente pela professora regente e pela secretaria, e, por outro lado, à opção pelo sistema de ciclos, o qual, segun-do Libâneo (2012), promove um esvaziamento da função das escolas como mentora do desenvolvimento cognitivo, passando a ser muito mais um lugar de encontro dos alunos com seus respectivos ritmos e diferenças do que um ambiente propício ao ensino e à aprendizagem.

Em se tratando do resultado do Ideb, nos anos finais do Ensino Funda-mental, na Tabela 6 se observa que os problemas de reprovação e distorção se refletem, embora a escola tenha êxito no combate ao abandono escolar.

Tabela 6 Resultado da escola no Ideb – 2005-2015.

ANO 1a Fase 2a Fase

2005 3,4 3,8

2007 3,9 3,5

2009 4,9

2011 5,0 4,8

2013 4,9 4,1

2015 5,8 4,6

Fonte: PPP (2017).

Nota-se que houve uma melhora progressiva nos resultados dos alunos na Prova Brasil, avaliação externa, referente aos anos iniciais do Ensino Fun-damental. Percebe-se também que nos anos finais do Ensino Fundamental,

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208 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

apesar de ter ocorrido melhora, embora com retrocessos, os índices são in-feriores aos dos anos iniciais, o que demonstra um acúmulo progressivo de defasagem de aprendizagem ao longo da trajetória escolar, gerando repro-vação e distorção idade/série, conforme demonstrado na Tabela 7 a seguir.

Tabela 7 Indicadores de desempenho da escola nos anos finais do Ensino Fundamen-tal – 2011 a 2016.

Indicador/Anos

Taxa de aprovação (%)

Taxa de reprovação (%)

Taxa de abandono (%)

Taxa de distorção idade/série (%)

2011 94,8 5,2 0,0 23,2

2012 95,3 4,7 0,0 15,3

2013 91,8 8,2 0,0 13,6

2014 94,7 5,3 0,8 8,9

2015 94,3 5,7 0,2 23,2

2016 70,3 29,7 0,0 23,2

Fonte: PPP (2017).

Pelos índices de aprovação, reprovação e abandono, aliados aos resul-tados do Ideb, no período de 2011 a 2016, pode-se dizer que os alunos mais pobres estão tendo acesso, permanecendo na escola e que parte deles está progressivamente aprendendo, porém, com dados significativos de repro-vação, o que atrapalha o fluxo escolar normal, gerando índices elevados de distorção idade/série na escola pesquisada.

Em 2016, o índice de reprovação foi expressivo se comparado aos ou-tros anos, o que talvez seja uma medida da escola no intuito de alcançar as próximas metas do Ideb, tendo em vista que só terá êxito se melhorar a pro-ficiência dos alunos na Prova Brasil, o que significa domínio dos conteúdos cobrados na referida prova. Mas pode revelar, também, a dificuldade que a escola vem tendo com a inclusão de alunos com histórico de dificuldades materiais, falta de apoio e carências afetivas, assim como as condições obje-tivas da escola para criar ambientes estimuladores da aprendizagem.

Percebemos ao longo da experiência no acompanhamento da frequ-ência escolar dos alunos participantes do Programa Bolsa Família que mui-tos problemas que geram a desmotivação pelos estudos, a reprovação, o abandono escolar são recorrentes, e geralmente as escolas têm apresenta-do dificuldade em resolvê-los, por falta de conhecimento para responder

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Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional | 209

adequadamente a essas situações, por falta de condições materiais e tecno-lógicas para promover um currículo mais significativo e atraente aos alunos ou talvez pela forma como os pobres são vistos, interferindo na atuação de alguns profissionais.

Segundo Arroyo (s/d), quando não é dada a devida centralidade à po-breza nas práticas pedagógicas, desconsiderando-se a influência das carên-cias materiais sobre seus alunos, preocupando-se prioritariamente com as consequências morais e intelectuais da pobreza, tende-se a responsabilizá--los por sua própria condição. Por outro lado, as violências, as drogas, as questões sociais e outros problemas que são gerados para além dos muros da escola não são possíveis de serem resolvidos apenas no contexto educa-cional (ARROYO, s/d, p. 9).

Para Libâneo (2012), essa conjuntura escolar é resultado das políticas educacionais brasileiras das últimas décadas, orientadas pelas agências internacionais para a redução da pobreza, que têm como "princípio a satis-fação das necessidades mínimas de aprendizagem com vistas à promoção do desenvolvimento humano" (LIBÂNEO, 2012, p. 25), ou seja, dar o mínimo de condições para os pobres consumirem em um mundo capitalista. Assim, a educação brasileira inspirada na Declaração de Jomtien, adotada por vá-rios países em desenvolvimento, elaborada a partir da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, de 1990, substitui os conteúdos escolares por competências e habilidades e adotou como foco do trabalho escolar a socia-lização, a sobreposição de objetivos assistenciais aos de aprendizagem, ava-liação do rendimento escolar por meio de indicadores quantitativos, além de um aligeiramento na formação de professores, dentre outras medidas.

Considerações finais

O orientador educacional é um dos profissionais que contribuirá na ar-ticulação e mobilização do coletivo da escola, das famílias e comunidade local em torno do planejamento, execução e avaliação do Projeto Político--Pedagógico, devendo estar atento à presença e valorização da cultura da comunidade, do cotidiano da vida dos alunos nesse projeto e na prática pedagógica, contribuindo para o desenvolvimento de um ensino e apren-dizagem significativos, necessários e relevantes à formação do ser humano ético, solidário, crítico, criativo, responsável, de modo a tornar os alunos au-tônomos, sujeitos de sua história e da história de seu tempo, intervindo no

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contexto social em que vivem, com vistas à construção de uma sociedade justa e democrática, regida por relações de colaboração, corresponsabilida-de e solidariedade.

No que concerne ao trabalho desse profissional na escola pesquisada, sobretudo em relação aos alunos pobres e extremamente pobres partici-pantes do PBF, não há um trabalho diferenciado na trajetória escolar desse público, apesar de a escola pesquisada os incluir em atendimentos extra-classes, no sentido de atender as necessidades de cultura, saúde e apren-dizagem desses alunos. O currículo da escola pesquisada, em seus eixos norteadores, contempla o trabalho com conteúdos que discutam identida-de, diversidade e gênero, expõe a necessidade de a escola estar aberta para acolher e discutir o multiculturalismo, a divisão da sociedade em classes e as desigualdades. Observou-se, contudo, que faltam condições materiais para a oferta desse currículo, o que revela o fenômeno, já descrito por pesquisa-dores brasileiros, da "ampliação para menos" da escola pública, quando se inclui os alunos pobres sem lhes dar as condições necessárias de aprendiza-gem e socialização.

Na trajetória escolar dos alunos da escola pesquisada não se constatou reprovação do 4o ano para o 5o nem do 5o para o 6o durante o período de 2016 e 2017. Dos alunos do 5o ano entrevistados, apenas uma aluna apresen-tou muita dificuldade de leitura e escrita. Contudo, os dados de aprovação, reprovação e abandono da escola nos anos finais do Ensino Fundamental revelam que há um acúmulo progressivo de defasagem de aprendizagem ao longo da trajetória escolar de parte dos alunos, gerando um número ex-pressivo de reprovação e distorção idade/série, representando efetivamente a dualidade do sistema educacional que oferece acesso e permanência com conhecimentos mínimos aos pobres. Segundo o secretário da escola e a pro-fessora das turmas, a reprovação ocorre tanto entre os alunos beneficiários do Programa Bolsa Família como entre não beneficiários. Contudo, a política da escola é a da aprovação, postura que se reflete na opção pelo sistema de ciclos, o que para Libâneo demonstra uma identificação da escola mais como lugar de encontro, convivência, de compartilhamento entre as pesso-as, respeitando-se seus ritmos e diferenças culturais, do que como espaço propiciador de condições para o desenvolvimento cognitivo-intelectual, afe-tivo e moral dos alunos. As dificuldades de aprendizagem reveladas nos anos finais do Ensino Fundamental mostram que o trabalho de aprendizagem dos

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Trajetória escolar dos estudantes em situação de pobreza e o papel do orientador educacional | 211

conteúdos básicos não está sendo realizado com êxito, o que pode estar sendo encoberto pelo sistema de ciclos.

Pode-se dizer, a partir dos dados obtidos na pesquisa realizada na es-cola, que os alunos mais pobres estão tendo acesso, permanecendo na escola, mas os resultados de sua aprendizagem podem ser questionados. O trabalho comprometido do orientador educacional e de todos os envol-vidos no processo pedagógico da escola pesquisada faz diferença, desde a organização do ambiente escolar, o acolhimento dos estudantes até a prática da sala de aula, o que tem surtido um bom efeito na permanência desses alunos na escola. É possível afirmar também que o Programa Bolsa Família vem contribuindo no combate ao abandono e à evasão escolar, in-fluenciando na permanência dos alunos de baixa renda na escola. Porém, os índices de reprovação nos anos finais do Ensino Fundamental alertam para a necessidade de um acompanhamento e um trabalho mais efetivo de todos os profissionais da escola no processo de ensino-aprendizagem efetivo de todos os alunos, sobretudo daqueles mais pobres.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC. Acompanhamento da Frequência Escolar de Crianças e Jovens em Vulnerabilidades: Condicionalidades do Programa Bolsa Família. Brasília: MEC/Secadi, 2015.

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212 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

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Educação escolar, desigualdade social e pobreza: o Programa Bolsa Família como instrumento de mudançaValdeana Oliveira dos Reis Sousa

Introdução

A escola reprodutivista e exclusiva, em conjunto com outros elemen-tos, tais como a desigualdade social, a pobreza e a utilização de políticas públicas assistencialistas, como o programa de distribuição de renda Bolsa Família (PBF) – que visa a diminuição da condição de vulnerabilidade de famílias-alvo do programa –, constitui elementos temáticos que são objeto de estudo de diversos pesquisadores, não só das ciências sociais, como de outras áreas da esfera científica. A atenção voltada para o respectivo tema aborda tanto aspectos relacionados à educação escolar quanto da formação do cidadão crítico oriundo das camadas populares, das classes de baixa ren-da em que a desigualdade social se faz presente cotidianamente.

Nesse sentido, o presente artigo visa, por meio da bibliografia aqui selecionada, vir a contribuir do ponto de vista crítico ao rol de pesquisas acadêmicas já elaboradas e publicadas sobre a temática em questão. Des-tarte, constitui alvo deste trabalho uma breve reflexão acerca da educação, reprodução das desigualdades sociais e a pobreza, sob a ótica dos discentes do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS), promovido pela Universidade Federal do Piauí – UFPI em 2016. Para tanto, recorreu-se às contribuições de Wlodarski (2005), Bourdieu (2003), Pérez Gómez (1998), Saviani (2008), Marshall (1967), Pinzani e Rego (2015) e Boneti (2007).

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214 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

Considerando o ponto de vista metodológico, optou-se por uma pes-quisa essencialmente bibliográfica, tendo em vista a característica particular das fontes aqui trabalhadas, o que contribuiu para situar o presente estudo dentro do campo da abordagem qualitativa.

A exposição está dividida em quatro momentos, incluindo esta intro-dução que é o primeiro. No segundo, discutem-se algumas considerações sobre a temática educação escolar, reprodução das desigualdades e po-breza, em que é exposta uma análise das funções sociais que permearam a instituição escolar, colocando em evidência a função reprodutora e a de instrumento de mudança social, conforme o ponto de vista dos autores aqui já mencionados. No terceiro, apresenta-se uma breve reflexão sobre a atua-ção do poder público na diminuição da pobreza e na promoção do acesso à escola pública e da permanência de estudantes, em condições de vulnerabi-lidade, por meio do PBF, a partir de trabalhos de discentes do EPDS.

Os discentes cujos trabalhos foram escolhidos não são identificados pelo nome, os chamaremos de discente A, B, C e D, em absoluto respeito e resguardo por suas identidades.

Na conclusão, expõem-se algumas considerações sobre as funções da instituição escolar e do impacto do PBF na retirada de famílias da condição de vulnerabilidade, bem como sobre a possibilidade dada ao estudante da periferia de se tornar um cidadão consciente, crítico e atuante na sociedade em que vive e, principalmente, promovedor de transformações positivas.

Educação escolar, reprodução das desigualdades e pobreza

O tema educação, reprodução das desigualdades e pobreza guarda em seu interior um grau de complexidade que lhe é inerente e que torna o seu estudo instigante e desafiador. Assim, levando em consideração as peculia-ridades do tema e o desafio de seu estudo, utilizou-se como premissa, neste tópico, a análise das funções sociais que permearam a instituição escolar. Trata-se de descrever como a escola é vista por alguns de seus principais estudiosos, elencando por um lado a sua função reprodutora nos âmbitos social, cultural e das desigualdades sociais e, por outro, o seu papel como instrumento de mudança social em tempos atuais.

De início, cabe aqui ressaltar a questão da pobreza como consequência da desigualdade, ou seja, Wlodarski (2005) enfatiza que

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Educação escolar, desigualdade social e pobreza: o Programa Bolsa Família como instrumento... | 215

A pobreza é entendida como fruto da ação dos homens, sendo resultado das formas como estes pensam, interpretam e direcionam a construção da história, da forma como aceitam os padrões mínimos de sobrevivência de cada indivíduo presente na sociedade.

No Brasil, a existência da pobreza não ocorre devido à falta de recursos e sim da desigual distribuição destes. Entendendo que o Brasil é um país rico, porém, com maiores índices de desigualdade do mundo.

Neste sentido, a pobreza é vista como decorrente da desigualdade so-cial, acompanhando o processo de agravamento desta.

As ações dos homens são determinadas pelas relações de interesse pre-sentes na sociedade, são estes que escolhem a forma de organização da vida social (WLODARSKI, 2005, p. 5-6).

Então, há dois pontos em destaque: 1) que a pobreza é vista como de-corrente da desigualdade social e que esta agrava os problemas sociais, e 2) que as ações do homem são determinadas pelas relações de interesse. Assim, em uma sociedade capitalista, o interesse particular sobrepõe-se ao coletivo, de modo que as relações sociais estão voltadas para o jogo de interesses, o que faz a escola o instrumento eficaz para a reprodução das de-sigualdades historicamente construídas, uma vez que ela própria é moldada para atingir as expectativas do grupo dominante.

Deste modo, pergunta-se: como analisar a reprodução das desigualda-des sociais a partir da escola pública que carrega o ideário do trato igualitá-rio daqueles que historicamente são desiguais, possuem heranças culturais distintas? Como tratar iguais aqueles que, por serem diferentes, têm que necessariamente ser tratados de forma diferente?

Para Bourdieu (2003), a escola nada mais é que um instrumento de con-servação social, pois, ao padronizar os métodos e técnicas de ensino e igno-rar a herança cultural dos seus sujeitos, desfavorece os menos favorecidos em favor dos mais favorecidos. Quando partimos dos pressupostos de uma escola que liberta e que trata todos de forma igualitária em direitos e deve-res, segundo Bourdieu, estamos nos referindo a um sistema de ensino que legitima as diferenças culturais e sociais, uma vez que

o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura. A igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais diante do ensino e da cultura transmitida, ou, melhor dizendo, exigida (BOURDIEU, 2003, p. 53).

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Segundo Bourdieu, o ponto de partida para a compreensão da escola como agente de reprodução das desigualdades sociais está em sua própria indiferença à importância da herança cultural de seus sujeitos menos favore-cidos. Ainda de acordo com o autor, cada família transmite a seus filhos certo capital cultural e certo ethos (sistema de valores) que será responsável por definir as atitudes frente ao capital cultural e ao ambiente escolar.

Desse modo, nota-se que a probabilidade do êxito escolar de determi-nado sujeito está proporcionalmente interligada ao grau de capital cultural de seus antecessores, pais e avós. Ou seja, nesse ponto, aqueles que detêm maior capital cultural saem na frente dos que possuem menos.

Pode-se dizer então que, em uma sociedade capitalista, a "cultura" da elite se sobrepõe à daqueles com menor capital cultural. É essa cultura eliti-zada que molda os padrões dos sistemas de ensino, e as classes populares têm que obrigatoriamente se adequar, suprimindo os demais meios culturais implícitos a uma sociedade que constitui maioria.

Para Bourdieu,

A cultura da elite é tão próxima da cultura escolar que as crianças origi-nárias de um meio pequeno burguês (ou, a fortiori, camponês e operário) não podem adquirir, senão penosamente, o que é herdado pelos filhos das classes cultivadas: o estilo, o bom-gosto, o talento, em síntese, essas atitudes e aptidões que só parecem naturais e naturalmente exigíveis dos membros da classe cultivada, porque constituem a "cultura" (no sentido empregado pelos etnólogos) dessa classe (BOURDIEU, 2003, p. 55).

Portanto, em uma instituição escolar voltada à reprodução dos meios culturais de uma sociedade elitizada, como não suprimir a cultura popular que, em geral, é marginalizada? Como tratar todos os sujeitos envolvidos de forma igualitária quando, em essência, predomina a desigualdade cultural? A partir desses questionamentos, pode-se então colocar em evidência outro conceito relacionado à função social da escola: a de socialização.

Para Pérez Gómez (1998, p.13), nas sociedades industriais contemporâne-as, a escola possui a função de socialização, isto é, de preparar as gerações futuras para a sua participação na vida pública e no mundo do trabalho. A escola, portanto, funciona como instância específica que possibilita o aten-dimento e a canalização do processo de socialização.

Entretanto, tal qual Bourdieu, Pérez Gómez também concede à escola, enquanto instituição socializadora, a função puramente conservadora, ao

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Educação escolar, desigualdade social e pobreza: o Programa Bolsa Família como instrumento... | 217

"garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência da sociedade" (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 14).

Segundo Pérez Gómez,

A função da escola, concebida como instituição especificamente confi-gurada para desenvolver o processo de socialização das novas gerações, aparece puramente conservadora: garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência mesma da sociedade (PÉREZ GÓ-MEZ, 1998, p. 14).

Ao garantir a reprodução social e cultural das gerações posteriores, a escola também contribui para a reprodução das desigualdades sociais, uma vez que são características sociais históricas e que representam a própria relação de sobrevivência e da perpetuação da dominação dos mais fracos pelos mais fortes – aqueles que detêm maior capital cultural e são minoria na sociedade.

O autor salienta ainda que a escola não é a única instância responsável pela reprodução social e cultural de geração a geração; "a família, os grupos sociais, os meios de comunicação são instâncias primárias de convivência e intercâmbios que exercem de modo direto a influência reprodutor da comu-nidade social" (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 14). Porém, vale destacar que, mes-mo executando a função reprodutora de forma delegada, a escola ainda é aquela que mais se especializa na efetiva e complexa atuação de tal função.

Pérez Gómez ainda enfatiza que a escola é definitivamente um cenário de conflitos. Isso porque o sujeito que é alvo do processo de socialização e objeto da instituição de ensino é arbitrariamente obrigado a aceitar a re-produção social e cultural inerente ao ambiente escolar. No entanto, o autor frisa que este processo não ocorre linearmente, tampouco é isento de obs-táculos durante a sua implementação, uma vez que

o processo de socialização acontece sempre através de um complicado e ativo movimento de negociação em que as reações e resistências de professores/as e alunos/as como indivíduos ou como grupos podem chegar a provocar a recusa e ineficiência das tendências reprodutoras da instituição escolar (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 19).

São, portanto, as reações e resistências às quais se refere o autor que podem proporcionar o movimento de renovação da educação, ou seja, a quebra do sistema reprodutivista e, com isso, a transformação do status quo.

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Isso se daria com o avanço da função educativa da escola, a qual, segundo Pérez, assumiria um caráter compensatório, ou seja, minimizando as diferen-ças de origem. Não se trata de anulação de fatores socioeconômicos, mas da possibilidade de atenuar os seus efeitos.

a função da escola, em sua vertente compensatória e em sua exigência de provocar a reconstrução crítica do pensamento e da ação, requer a transformação radical das práticas pedagógicas e sociais que ocorrem na aula e na escola e das funções e atribuições do professor/a. O princípio básico que se deriva destes objetivos e funções da escola contemporâ-nea é facilitar e estimular a participação ativa e crítica dos alunos/as nas diferentes tarefas que se desenvolvem na aula e que constituem o modo de viver da comunidade democrática de aprendizagem (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 26).

Em tempos atuais, a minimização das diferenças de origem, historica-mente construídas, pode ser o ponto de partida para a atenuação das di-vergências entre as classes sociais, isto é, o capital cultural historicamente construído pela classe de maior poder econômico-social pode também ser historicamente construído pela classe operária. Assim, não haveria tanta de-sigualdade no percurso escolar entre as gerações futuras envolvidas.

Nesse sentido, Saviani (2008, p. 25-26), ao discutir sobre a educação sob o ponto de vista do papel de uma teoria crítica de educação, enfatiza a im-portância de se superar a seletividade, a discriminação e o rebaixamento das camadas populares a fim de se buscar uma educação de melhor qualidade, sobretudo para as camadas mais sofridas da sociedade.

Lutar contra a marginalidade por meio da escola significa engajar-se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes (SAVIANI, 2008, p. 25-26).

O que Saviani enfatiza é uma promoção do homem, isto é, a de pro-porcionar à classe trabalhadora as condições necessárias não só ao enten-dimento da sociedade, mas a efetiva participação como cidadão crítico e atuante no meio social. Entender a sociedade é colocar-se como pertencen-te a ela, como cidadão participativo. Enfim, é preciso que as novas gerações compreendam, em sentido amplo, o real sentido de cidadania.

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T. H. Marshall (1967, p. 63-65) define cidadania como um status perten-cente a todos que integram uma comunidade, e todos os integrantes pos-suem direitos e obrigações originalmente contidos no status em questão. Para exemplificar o conceito de cidadania, Marshall propõe uma divisão em três partes ou elementos, são eles: o elemento civil, o político e o social. Assim, competem ao civil os direitos relacionados à liberdade de ir e vir, de imprensa, pensamento e fé etc.; ao político o direito de participar de um mandato eletivo ou de se tornar um eleitor; e ao elemento social cabe tudo o que está relacionado ao bem-estar econômico e social da popula-ção. No que diz respeito ao direito social, Marshall enfatiza a importância da educação, pois para ele a educação das crianças constitui um direito social de cidadania genuíno. A classe social, por outro lado, é tratada por Mar-shall como o oposto do status, ou seja, é a manifestação da desigualdade, no entanto, semelhantemente à cidadania, é composta de um conjunto de crenças, valores e ideais.

Tomando a definição de cidadania de Marshall, não fica difícil imaginar o quanto a massa da população menos favorecida cultural e economicamente perde por não conhecer as premissas básicas do ser cidadão. Oportunizar às classes menos favorecidas o conhecimento crítico é possibilitar a transfor-mação social, a mudança do status quo.

Nos últimos anos – 2003 a 2013 –, observou-se a participação do Estado por meio de políticas públicas de distribuição de renda e de acesso ao Ensi-no Médio, Técnico e Superior, que inegavelmente ampliaram a participação da população mais pobre aos níveis básicos e elevados do ensino acadêmi-co. É preciso enfatizar que, independentemente dos interesses políticos das classes dominantes ao promoverem tal acesso, por meio do PBF, Pronatec, Sisutec, Sisu, Prouni e Fies, isso possibilitou o gatilho necessário, embora mínimo que seja, para que haja nas gerações futuras a compreensão e o equilíbrio necessário para uma transformação social duradora, no que diz respeito à formação de um cidadão mais crítico e atuante na sociedade, uma vez que muitos estudantes oriundos da periferia e conhecedores profundos da pobreza ou da pobreza extrema adentraram a academia.

Destarte, no capítulo que se segue, apresenta-se uma breve reflexão sobre como o poder público, por meio do PBF, buscou atenuar a desigual-dade social e a pobreza, bem como promover a melhoria das oportunidades no ambiente escolar. Para tanto, utilizaremos como fonte de estudos alguns trabalhos realizados por discentes do curso de especialização em Educação,

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Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) da UFPI. Ou seja, trata-se de se expor uma reflexão sob a ótica dos alunos do EPDS, colocando em foco as suas percepções sobre a temática em questão.

Educação escolar, pobreza e o PBF sob a ótica dos alunos do EPDS

Quando o tema em estudo envolve questões sobre desigualdade social, educação escolar e pobreza, logo vem à mente a importância do Estado, enquanto gestor maior, em promover políticas públicas que atendam os anseios e necessidades daqueles que se encontram em situação de vulnera-bilidade. Boneti (2007) propõe a definição de políticas públicas como

o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas construídas pelos grupos econômi-cos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou o redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do Estado na realidade social e/ou de investimentos (BONETI, 2007, p. 74).

Verifica-se que, apesar de constituídas no âmbito das relações de poder, de grupos econômicos, políticos e de interesses particulares, as políticas públicas são essenciais para que haja a possibilidade do contraditório, ou seja, as condições mínimas e essências para a formação e o desenvolvimento de um cidadão mais crítico e atuante no meio em que vive.

Dessa forma, sob o ponto de vista da importância das políticas públi-cas, coloca-se em foco, nesta seção, o programa federal de distribuição de renda conhecido como Bolsa Família. Este programa foi criado por meio da medida provisória no 132, de 20 de outubro de 2003, evoluindo para a Lei no

10.836, de 9 de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004, destinando-se às ações de transferência de renda por meio de alguns condicionantes. Trata-se de um benefício financeiro às famílias que se encontram em situação de pobreza e de extrema pobreza do país.

Segundo o artigo 3o da Lei no 10.836,

A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento, no que couber, de condicionalidades relativas ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde, à frequência escolar de 85%

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(oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em regulamento (BRASIL, 2004, p. 5).

Observa-se que, dentre os condicionantes presentes no Art. 3o, a fre-quência escolar de 85% em estabelecimentos de ensino regular representa um avanço para aqueles pais, oriundos de famílias de baixa renda, que viam como remotas as chances de frequência regular de seus filhos no sistema de ensino público.

Nesse ponto, em que se colocam frente a frente os dois elementos-cha-ves desta temática, a pobreza e o acesso à educação – e todos os benefícios que advém dele –, parte-se para uma tentativa de identificar de que forma o programa vem contribuindo para a saída das famílias da situação de vulne-rabilidade, bem como possibilitando a frequência regular na escola pública de estudantes de baixa renda.

É com o intuito de colocar essa vulnerabilidade típica da pobreza e ex-trema pobreza em evidência que se recorreu à análise de parte dos trabalhos do EPDS, alvo de atividade reflexiva por parte dos discentes e que tinham como resultado a apresentação de um Plano de Ação, cujo objetivo era o de intervir na realidade, isto é, promover a mudança do status quo.

Assim, iniciemos as análises da presente seção, a partir dos relatos do discente A, que realizou uma pesquisa com uma família beneficiária do PBF composta de dois adultos e três crianças. Segundo o discente, a família encontra-se em situação de pobreza, e, entre os adultos, um não trabalha e o outro realiza trabalho informal, não havendo contribuição previdenciária. A característica primordial destacada pelo discente, em relação à família ana-lisada, está no fato de sua estrutura ser fragilizada, bem como de o capital cultural inerente a ela se sobressair a vários discursos existentes, tais como o de cidadão crítico e consciente, de escola como ambiente de "salvação" ou de transformação social etc. Ou seja, a falta de estrutura naquela que é conhecida como a "célula da sociedade" é o que se destaca,

O que pude ver é que é uma família conturbada, com um histórico mar-cado por acontecimentos tristes, como os fatos por ele narrados, como o de sua ex-esposa, [...] em que, de acordo com o entrevistado, ela vendia os móveis e utensílios de casa [...], deixava a sua filha de 8 anos, na época com uns 4 anos, e os gêmeos com 2 anos, hoje com 6 anos, para vender salgados nas ruas [...]. E que esse foi o motivo da separação, seguindo de três tentativas de retirar a vida das crianças, e que ela, quando separada de sua família, retornando à casa de seus pais adotivos, exigia dinheiro

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[...] e que em um determinado dia seus pais não tinham dinheiro para lhe dar, assim ela os matou com um machado, e que hoje está presa pagando a pena do crime cometido.

O seu pai, que também era separado de sua mãe, já falecido, também haviam cometido um crime, ele estava morando com uma companheira, a qual havia retirado a sua vida com uma arma branca. Também tendo sido recluso em razão do crime. Ele era alcoólatra e agredia a sua família (mãe, irmão, irmãs e ele mesmo), tendo abandonado depois de alguns anos de agressão a sua mãe (Discente A).

Observa-se com o relato do discente que os problemas por que passam muitas famílias em condição de vulnerabilidade extrapolam o discurso aca-dêmico ou pedagógico ou mesmo a "receita" muitas vezes já pronta para a diminuição da desigualdade social, da pobreza e, enfim, para o surgimento de uma sociedade mais justa. A questão vai muito além disso, trata-se de compreender a sociedade não como uma redoma fechada, mas em seu con-texto amplo, interligado a outros elementos externos.

Os acontecimentos que marcaram a família em questão não impediram, segundo relatos, que as crianças frequentassem a escola, uma vez que está condicionado o benefício do PBF a isso. Entretanto, tal histórico provocou restrições e mudanças de hábitos no convívio social que dificilmente não afetam o desempenho escolar.

Para o discente A, a pesquisa in loco possibilitou a análise do PBF por dentro, ou seja, para ele, a política de distribuição direta de renda não é su-ficiente para atender as necessidades presentes no cotidiano de uma família beneficiária do programa. Há, portanto, a necessidade de um conjunto de profissionais a fim de possibilitar o acompanhamento eficaz dessas famílias, pois, conforme o relatado, os problemas enfrentados por famílias de baixa renda não se limitam às questões financeiras.

Partindo para o discente B, este entrevistou uma família beneficiária do PBF que, segundo ele, não possuía problemas graves, mas, como a grande maioria das famílias de baixa renda, faz transparecer as suas nuanças. No total, a família é composta de seis membros, sendo a mãe, que é o arrimo da família, um filho que já é casado e tem dois filhos menores de dois anos, a nora e uma filha de 15 anos. O filho não concluiu o Ensino Médio, e a filha faz o 9o ano do Ensino Fundamental. A renda da família não chega a um salário mínimo e é constituída integralmente de valores auferidos pelo PBF.

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O discente lança mão da teoria das capabilidades para enfatizar que, para solucionar os problemas relacionados à pobreza, não basta apenas investir em programas de distribuição de bens, mas em um conjunto de ações integradas. Segundo ele, o que chamou atenção em seu trabalho foi o contraste entre duas gerações: a mãe, de 60 anos, retornou aos estudos motivada pelo desejo de melhorar as condições de vida da sua família por meio da formação profissional, enquanto o filho, de 23 anos, abandonou os estudos, não demonstrando o desejo de retomá-los.

Destaca-se que a mudança das condições de vida dos membros da fa-mília, segundo eles próprios, está atrelada ao processo de educação, o que evidencia a importância dos educadores como sujeitos atuantes no percur-so, uma vez que, segundo Pinzani e Rego (2015),

é possível dizer que os educadores podem promover a liberdade de seus alunos, uma vez que podem, por intermédio da educação, aumentar seu conjunto de capabilidades – o que não deve ser confundido com um simples processo de capacitação: o que está em jogo, aqui, não são somente habilidades e saberes técnicos específicos, mas também um leque de opções para funcionamentos valiosos, como ser um cidadão ativo, elaborar autonomamente um plano de vida, escolher uma pro-fissão condizente aos próprios talentos e aos próprios desejos, etc. Em suma, a ideia do processo educativo como processo de emancipação se enriquece, assim, de mais uma dimensão (PINZANI; REGO, 2015, p. 31).

Verifica-se que o discurso do ser cidadão ativo, transformador da socie-dade em que vive esbarra cotidianamente nas condições de vida precárias em que as famílias-alvo do PBF estão inseridas. Como pensar em ser cidadão atuante, quando a necessidade de alimentação e de condições de higiene adequada fala mais alto? Como mudar o status quo em uma sociedade em que o capital cultural se sobrepõe? Capital cultural este ao qual muitas famí-lias populares têm obrigatória e injustamente de se ajustar.

Nesse sentido, o discente C buscou em sua atividade de reflexão com-preender qual a percepção da família analisada em relação ao PBF, bem como as principais mudanças ocorridas nas vidas dos familiares, as expecta-tivas de melhoria econômica e educacional, em relação à moradia, educação e ocupação profissional.

A família-alvo de estudo é composta de dois adultos, ou seja, os pais, e dois filhos (um menino e uma menina). Nenhum membro da família tra-balha com carteira assinada, sendo os vínculos de trabalho informais e sem

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nenhuma garantia: o do pai é garçom, a filha é manicure, e a mãe é benefici-ária do PBF e faxineira quando aparece algum trabalho.

O grau de instrução dos pais, analfabetos, demonstra as impossibilida-des e os reflexos de tal situação no percurso escolar dos filhos, uma vez que, segundo os pais, estes pararam de estudar em virtude da necessidade de trabalhar, bem como da falta de escolas na área em que residiam. Com relação aos filhos, um encontrava-se na escola, fazendo o 9o ano do Ensino Fundamental, e a filha conseguiu concluir o Ensino Médio por meio do Pro-natec, mas não prosseguiu seus estudos sob a mesma justificativa dos pais, a necessidade de trabalhar.

A renda da família é menos de um salário mínimo e é insuficiente para custear as despesas de casa, sendo a ajuda do governo mínima, não consti-tuindo uma garantia de sobrevivência para a família. O PBF, à luz da família pesquisada, e levando em consideração os aspectos indicados a seguir, pode ser assim relatado pelo discente ao entrevistar a mãe:

▪ em relação às possíveis melhorias promovidas pelo PBF e ao conceito de pobreza

Indagada sobre o que melhorou na sua vida e de sua família depois que passou a receber o Bolsa Família, a entrevistada declarou que este provocou muitas mudanças, principalmente em seu poder de comprar. Antes não tinha liberdade de comprar fiado, de chegar a um comércio e seu filho pedir um caderno e não ter com o que pagar. Ao mostrar que recebe o benefício ampliou a possibilidade de compra e crédito, uma vez que a renda fixa leva os comerciantes a depositarem confiança e estabe-lecer uma relação diferenciada para os beneficiários [...]. Em relação ao significado de pobreza, a beneficiária afirmou que é a pessoa não ter um emprego, não ter uma renda de nada, só depende de o que o marido trouxer para casa, é muito triste (Discente C).

▪ em relação às condicionalidades do PBF

ela demonstrou desconhecimento de algumas normas básicas do pro-grama, afirmando que a única exigência é manter seu filho na escola, o que ela acha muito bom, pois para ela é muito importante que o filho estude para ter uma melhor qualidade de vida (Discente C).

As constatações do discente acerca do PBF in loco demonstram que, se por um lado o programa se mostra insuficiente no que diz respeito ao suprimento das necessidades básicas, em se tratando de famílias pobres e

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de extrema pobreza, por outro, é um alívio sob o ponto de vista da perma-nência na escola. Entretanto, vale ressaltar que as condições adversas do convívio familiar não proporcionam ou possibilitam o alcance do potencial dos benefícios promovidos pelo sistema escolar, pois tais desajustes são le-vados para dentro da escola, impossibilitando o pleno desenvolvimento do educando.

Outro ponto de vista é dado pelo discente D, o qual expõe a sua percep-ção sobre outra família beneficiária do PBF, cuja característica marcante é a extrema pobreza e o grande número de seus membros. O discente enfatiza que a família analisada é composta de 13 pessoas, o pai, a mãe e filhos. To-dos vivem em uma casa cujo terreno é de outro proprietário, de chão batido, coberta com telhas e com paredes de taipa. Todos vivem em condições pre-cárias, em uma moradia sem nenhuma estrutura para acolher tantas pessoas. O pai trabalha em uma empresa situada no próprio povoado, recebe cerca de um salário mínimo, mas, em virtude dos constantes meses em que fica sem receber, a única fonte de renda passa a ser o benefício do PBF. Já com relação aos filhos, segundo relato da mãe, exposto pelo discente,

uns querem estudar, outros não. Uns sabem ler, outros não, mas seu desejo é vê-los com "os estudos terminados", declara, porque para ela terminar os estudos é concluir o Ensino Médio, mesmo seus filhos de-monstrando total desinteresse. Os que estão na idade de estudar estão na escola, mas há uns que já desistiram (Discente D).

Ainda segundo o discente, o que se faz transparecer é que a situação exposta está diretamente ligada à falta de estímulos e incentivos da própria família:

Não só pelos relatos colhidos, mas por ter presenciado a realidade e um estado de pobreza gritante, pode-se dizer que aquelas crianças não têm motivação nenhuma por parte da família para frequentar a escola e dar continuidade aos estudos (Discente D).

A família em questão, enfatiza o discente, vivencia o sofrimento a cada dia, é nítida a precariedade, a fome, a falta de produtos essenciais para a vida com dignidade, remédios etc. Somada à situação de penúria está a consciência familiar no que diz respeito ao próprio PBF, ou seja, de total desconhecimento. A questão resume-se em receber o benefício, comprar o essencial, o pão de cada dia para ir, assim, sobrevivendo. Questões teóricas

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sobre a importância dos seus direitos enquanto cidadãos estão fora de con-texto. A luta é pela sobrevivência.

Verifica-se, portanto, a partir dos diálogos dos discentes acerca do PBF e das percepções das famílias-alvo do programa, que muito ainda há por fazer e que muita coisa precisa ser revista, entre elas, a visão fechada sobre o beneficiário do PBF para além de um simples receptor de valores, mas de um ser social vítima de anos de desigualdade social e da pobreza, que vai além da escassez de recursos financeiros. Trata-se de corrigir anos de injustiças, pois a ausência de um olhar mais apurado sobre essa situação, bem como de ações eficazes por meio do poder público, faz com que problemas como a pobreza, seja ela extrema ou não, bem como a desigualdade social só aumentem e se perpetuem de geração a geração, pois, como se observou, muitos filhos de famílias pobres, que deixaram os estudos para trabalhar, nada mais fazem do que reproduzir os atos dos próprios pais que hoje de-pendem de políticas assistencialistas para não sucumbirem à escassez de insumos básicos à vida.

Conclusão

Este texto analisou a educação escolar e a sua relação com fenômenos presentes na sociedade brasileira, ou seja, a desigualdade social e a pobre-za, bem como a participação do Estado, por meio da aplicação de políti-cas públicas que objetivam atenuar a condição de vulnerabilidade em que se encontra grande parcela da população do país. No caso deste estudo, focou-se no PBF.

Partiu-se então do conceito de escola como instrumento conservador e de reprodução das desigualdades sociais, para em seguida refletir sobre as outras funções atribuídas a ela, isto é, a de entidade socializadora, capaz de inserir o homem na vida pública e no mercado de trabalho, bem como a de instrumento capaz de promover a qualidade de vida, sobretudo para as ca-madas mais sofridas da sociedade, por meio, é claro, da mudança estrutural da própria concepção e aplicação de educação.

Os relatos dos discentes do EPDS serviram para demonstrar o quão necessário é o apoio às famílias em condição de vulnerabilidade por parte do poder público. A transferência de renda por meio do PBF, vista a con-dição de penúria das famílias, torna-se necessária. Entretanto, verifica-se o cuidado em não centralizar a questão da vulnerabilidade ao fator financeiro,

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pois muitas famílias apresentam problemas estruturais que vão além do eco-nômico, demonstrando a necessidade de apoio de outras esferas do setor público.

Observou-se, portanto, o quão necessário é o rompimento com elemen-tos historicamente construídos e enraizados no seio da sociedade brasileira – como a desigualdade social, a sua reprodução e o seu efeito imediato, a pobreza –, como condição necessária para o surgimento de um cidadão crítico e consciente dos seus direitos e deveres, e não apenas receptor de políticas públicas assistencialistas. Um cidadão que possui a plena consciên-cia do que é cidadania, civil, política e socialmente falando.

Enfim, a implantação de uma efetiva política cultural, educacional e social voltada à formação de um cidadão crítico e consciente da sua participação como elemento de transformação do espaço em que vive é dependente de outras mudanças estruturais essenciais, cada vez mais urgentes.

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Direitos Humanos: o papel do Estado nas desigualdades sociais na concepção dos educadoresMarla Mayara Teixeira MouraMaria Oneide Lino da Silva

Introdução

O estudo realizado para identificar o papel do Estado no combate às desigualdades sociais e na conscientização dos direitos humanos, uma te-mática de relevância social, tendo em vista a importância do conhecimento dos direitos e deveres no Ensino Fundamental, emergiu do seguinte proble-ma: como os direitos humanos podem garantir ações de combate às desi-gualdades sociais entre crianças e adolescentes? Para tanto, apresentam-se algumas concepções para conhecer as principais características dos direitos humanos que asseguram a dignidade e cidadania das crianças e adoles-centes na escola, para conhecer as concepções dos educadores sobre o que são direitos humanos e compreender o papel do Estado no combate às desigualdades sociais. A metodologia utilizada baseia-se em um estudo bibliográfico fundamentado em autores como Benevides (2000, 2003, 2005), Candau (2008), Fachin (2009) e na pesquisa de campo a partir de observa-ções e de questionário, aplicado a quatro professoras que trabalham com crianças ou adolescentes na instituição pública Unidade Escolar Dr. José de Moura Fé, na zona urbana de Campinas do Piauí.

O presente artigo tem como finalidade identificar a concepção dos pro-fessores sobre de que forma os direitos humanos asseguram a dignidade de crianças e adolescentes no ambiente escolar, como também analisar qual a

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percepção dos professores em relação ao papel do Estado no combate às desigualdades sociais.

A educação, os Direitos Humanos e o papel do Estado nas desigualdades sociais

A Educação é a base fundamental para a garantia dos direitos huma-nos, visto que o Estado, como órgão regulador do sistema, deve contribuir para oportunizar junto aos diversos órgãos do Estado ações de combate às desigualdades sociais que se proliferam no meio educacional e social por muitas décadas. Dessa forma, a educação juntamente aos direitos humanos assegurados em nossa Constituição Federal desde 1988 vem afirmando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-do a todos o direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade inde-pendentemente de raça, condição social e religião.

Nessa perspectiva, a educação deve buscar desenvolver os alunos para uma realidade cotidiana, formando cidadãos preparados para enfrentar as diversidades, em busca de um mundo mais justo e igualitário, com uma nova relação entre a escola e a sociedade, mostrando que é possível romper com as diferenças entre escola e vida, com as experiências sociais e a aprendiza-gem vinda das salas de aula.

A legislação brasileira tem papel de conscientização dos direitos e deve-res dos cidadãos na sociedade. É preciso tratar de direitos humanos dentro das escolas, com os alunos de nível básico, para que tenham conhecimento das garantias conquistadas por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos direitos fundamentais, como a liberdade, igualdade e dig-nidade da pessoa humana, além daqueles estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os direitos humanos têm como finalidade combater a violação de direi-tos, assegurando a dignidade humana, a igualdade e liberdade. É com essa concepção de direitos humanos e da valorização da pessoa humana que se constrói uma sociedade mais igualitária, com cidadãos conscientes de que são portadores de direitos fundamentais e que esses direitos garantem condições mínimas de uma vida digna, para que seja preservado o desenvol-vimento emocional e cultural de cada cidadão.

Para Benevides (2014), direitos humanos são aqueles comuns a todos, sem distinção alguma de etnia, nacionalidade, sexo, classe social, nível de

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instrução, religião, opinião política, orientação sexual, ou de qualquer tipo de julgamento moral.

Ainda na visão de Benevides:

A Educação em Direitos Humanos é essencialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidarie-dade, da cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, a formação desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar e consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores essenciais citados – os quais devem se transformar em práticas (BENEVIDES, 2003, p. 309).

Na amplitude alcançada pelos direitos humanos, conquistam-se as di-mensões jurídicas, políticas, econômicas, social, cultural e educativa e a im-portância de cada uma dentro da sociedade para a construção dos valores humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), "conside-rando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo", em seu artigo 1o cita que "todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade".

Norberto Bobbio (1992) afirma que:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. [...] o que parece fundamental numa época histórica e numa determina-da civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas (BOBBIO, 1992, p. 87).

Os direitos fundamentais não surgiram todos de uma só vez, foram conquistados aos poucos por meio de um progresso no desenvolvimento cultural, para que fosse possível impetrar todas as garantias conquistadas.

Para Sime (1994), a educação em direitos humanos nasce da educação popular, afirmando ainda que houve mudanças significativas.

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A educação em direitos humanos nasce herdando da educação popular uma vocação explícita para construir um projeto histórico, uma vontade mobilizadora definida por uma opção orientada à mudança estrutural e ao compromisso com os setores populares. Isto marcará discrepâncias com visões educativas neutras e com outras que não compartem as mesmas opções. Nisto residia grande parte da energia ética e política de então que era partilhada por diferentes setores: propor uma socie-dade alternativa e uma maneira de construí-la. No entanto, esta imagem do projeto que se assumiu nos anos 70 e 80 hoje está profundamente questionada. Aconteceram mudanças muito importantes no país e no mundo, assim como no terreno propriamente pedagógico, que exigem uma revisão do projeto histórico (SIME, 1994, p. 88).

Quando assegura que a educação em direitos humanos nasce da edu-cação popular, significa que estes são observados e usados como fonte de entendimento para que possa construir uma sociedade alternativa, gerindo mudanças no comportamento das pessoas e, como consequência, um mun-do melhor.

Dignidade da pessoa humana

Para falarmos de dignidade da pessoa humana, precisamos ter convic-ção de que os direitos fundamentais assegurados pela legislação brasileira são de fato postos em prática. A dignidade humana deve ser colocada como principal ponto de educação em direitos humanos, pois por meio da digni-dade vem o respeito e a valorização da pessoa.

As garantias que o direito assegura têm o desafio de desenvolver pesso-as para a convivência pacífica e de maneira humanitária por meio do direito.

Benevides define dignidade como:

Aquele valor – sem preço! – que está encarnado em todo o ser humano. Direito que lhe confere o direito ao respeito e à segurança – contra a opressão, o medo e a necessidade – com todas as exigências que, atual etapa da humanidade, são cruciais para sua constante humanização (BE-NEVIDES, 2005, p. 12).

A democracia fortalece a cidadania por meio dos processos sociais, po-líticos e culturais no enfrentamento das desigualdades sociais.

Na opinião de Fachin, dignidade humana tem origem em um posiciona-mento ético:

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A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desen-volver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano (FACHIN, 2009).

A dignidade humana alcançada por meio da Ética é a base no desenvol-vimento humano para enfrentar as exclusões e o preconceito, minimizando os efeitos negativos dentro do ambiente escolar.

Direitos fundamentais

No artigo 5o da Constituição Federal de 1988, asseguram-se os direi-tos fundamentais, em que todos são considerados livres e dignos desde o nascimento.

Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...]

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (BRASIL, 1988).

Como Direito Fundamental e de total relevância dentro da sociedade em que vivemos, o Artigo 5o da CF/88 vem assegurar a liberdade, igualdade como garantias de humanização e fraternidade, tendo como função primor-dial a dignidade da pessoa humana. Mostra que todos nascemos livres e adquirimos direitos e deveres ao nascer.

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O papel do Estado

O Estado é norteador quando o assunto é igualdade e dignidade por conceder direitos individuais aos cidadãos, além de ser o mediador da so-ciedade e ter em sua competência o dever de ofertar ensino básico gratuito, entre outras responsabilidades.

Tem a responsabilidade da organização da estrutura educacional, assim como manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus siste-mas de ensino, conforme Art. 10, I.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNDH-3) mostra o real sentido do desenvolvimento humano, quando propõe inserir a comuni-dade como um todo na capacitação e participação dos principais envolvidos nos projetos sociais.

Alcançar o desenvolvimento com Direitos Humanos é capacitar as pessoas e as comunidades a exercerem a cidadania, com direitos e responsabi-lidades. É incorporar, nos projetos, a própria população brasileira, por meio de participação ativa nas decisões que afetam diretamente suas vidas. É assegurar a transparência dos grandes projetos de desenvolvi-mento econômico e mecanismos de compensação para a garantia dos Direitos Humanos das populações diretamente atingidas (BRASIL, 2010).

A CF/88 assegura o direito à educação visando o desenvolvimento e o preparo para a cidadania e qualificação profissional, como cita em seu artigo 205. Já o artigo 206 vem garantir a igualdade, a liberdade, o pluralismo de ideias, assim como a sua gratuidade para o ensino público.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (EC no 19/98 e EC no 53/2006) I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e priva-das de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (BRASIL, 1988).

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A escola

Com o complemento da Lei 11.525/2007, ressalta-se a importância da inclusão da educação em direitos para as crianças e adolescentes a partir do Ensino Fundamental:

Art. 1o O art. 32 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5o:

§5o O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conte-údo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático adequado (BRASIL, 2007).

Nota-se que a proposta é de garantir o conhecimento em direitos, para as crianças e adolescentes, haja vista sua importância no desenvolvimento humano.

Sobre o papel dos professores e de agentes sociais, afirma Rayo:

Os professores são uma peça-chave em um sistema democrático de educação preocupado com os direitos humanos, com a paz e com a de-mocracia, cuja função consiste em apresentar aos alunos a problemática mundial e demonstrar-lhes a importância que tem encontrar respostas satisfatórias para resolvê-la (RAYO, ano, p. 192)

Assim, fica claro que o papel do professor é essencial como desenvol-vedor de pessoas e formador de opiniões, com valor democrático e até conciliador na busca da paz e da democracia, fazendo com que o direito da liberdade de expressão seja utilizado pelos alunos, além de mostrar que os direitos humanos procuram garantir o fortalecimento do respeito e da liberdade para que todos tenham conhecimento amplo e possam buscar a efetivação dessas garantias.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 26, afirma que todas as pessoas têm direito à instrução gratuita, e o nível técnico pro-fissional é para ser acessível assim como o nível superior.

Artigo 26

§1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar

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será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito.

§2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

§3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos (ONU, 1948).

O desenvolvimento das crianças e adolescentes tem que ser respeitado, oferecendo direito do conhecimento à transformação social, fortalecendo o desenvolvimento humano e minimizando as desigualdades sociais e o pre-conceito, dando aos alunos uma educação justa e igualitária para que seja construída uma sociedade democrática.

O direito à educação

No Art. 22 da LDB/1996, esclarece-se que a Educação Básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indis-pensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (BRASIL, 1996).

O artigo citado tem como objetivo informar que, para exercer a cida-dania com dignidade, o espaço escolar deve ser um ambiente democrático que garanta o aprendizado, respeite a dignidade, igualdade, valorização das diferenças.

Para Benevides (2000), os direitos humanos são fundamentais, porque são indispensáveis para a vida com dignidade. Dessa forma, é imprescindível respeitar as diferenças, saber tratar de humanidade, cumprir com vigor as leis que asseguram os direitos fundamentais como busca de igualdade e justiça.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA garante-lhes o direito ao desenvolvimento:

Art. 3o A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamen-tais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento

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físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. [...]

Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adoles-cente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura (BRASIL, 1990).

Viabilizar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade para as crianças e adolescentes é possibilitar que o conhecimento em leis básicas mude a perspectiva das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

As desigualdades sociais

Falar de desigualdades sociais é antes de tudo admitir a violação dos di-reitos, pois o não cumprimento de direitos fundamentais deixa os cidadãos sem as garantias conquistadas com muita luta.

Mesmo com a criação de programas sociais, na tentativa de amenizar as desigualdades sociais, ainda vivenciamos momentos difíceis.

A implantação de programas sociais como Bolsa Família e Ação Brasil Carinhoso na busca por diminuir as desigualdades sociais é importante para as famílias beneficiárias, tendo em vista que os participantes dessas políticas públicas precisam obedecer a alguns critérios para receberem seus benefí-cios, como a frequência escolar das crianças e dos adolescentes, vacinação, entre outros critérios obrigatórios, e assim podem ter acesso aos serviços públicos básicos.

Quando se fala em garantias asseguradas por lei, assegura-se que exis-te uma saída para a obrigatoriedade do cumprimento. Não se pode deixar que sejam violados os direitos adquiridos, que as crianças e os adolescentes convivam com o descaso e a vulnerabilidade, para que seja almejada uma sociedade democrática, pois em uma democracia todos os direitos da pes-soa humana devem ser respeitados.

A Declaração e Programa de Ação de Viena afirma que

a pobreza extrema e a exclusão social constituem uma violação da dig-nidade humana e que são necessárias medidas urgentes para alcançar um melhor conhecimento sobre a pobreza extrema e as suas causas, in-cluindo as relacionadas com o problema do desenvolvimento, por forma

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a implementar os Direitos do homem dos mais pobres, a colocar um fim à pobreza extrema e à exclusão social e a promover o gozo dos frutos do Progresso social (DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA, 1993, p. 7).

A violação de direitos básicos das pessoas mais humildes é uma forma degradante que deixa vulnerável quem não tem conhecimento de seus direitos.

A cidadania

Para exercer a cidadania é necessário que se tenham conhecimento bási-co e senso crítico, que só é adquirido por meio do conhecimento.

A existência da cidadania como situação histórica supõe, necessariamen-te, um complexo de condições políticas, sociais, econômicas e culturais. Por exemplo, se uma sociedade não garante que todos os seus membros tenham as mesmas oportunidades de acesso ao bem-estar, à cultura e à educação em sentido amplo, tal sociedade apresenta déficits enormes de democratização de sua estrutura social e política. Isso contamina, de forma nociva, o convívio cívico do corpo social, pois o hábito de con-viver com a injustiça, o desrespeito e com a desigualdade torna todos os habitantes de uma nação embrutecidos e insensíveis à dor do outro (PINZANI; REGO, 2014, p. 9).

Quando Pinzani e Rego dizem que a injustiça, o desrespeito e a desi-gualdade embrutecem os cidadãos, eles mostram que ficam descréditos os direitos fundamentais, a fraternidade que os direitos humanos buscam, e os humanos tornam-se insensíveis com a dor do outro, ficando claro que a estrutura social não corresponde ao que deveria.

Só será possível ter uma educação e cidadania se houver justiça social, baseados em direitos humanos e nos valores da democracia e da ética.

Quando falamos em educação em direitos humanos falamos também em educação para a cidadania. É preciso entender aqui que as duas propostas andam muito juntas, mas não são sinônimos. Basta lembrar, por exemplo, que todos os projetos oficiais, do Ministério da Educação às Secretarias Municipais e Estaduais, afirmam que seu objetivo principal é a educação para a cidadania. No entanto, a concepção e as experiên-cias são tão diferentes, em função de prefeituras e de governos, que o conceito de cidadania foi se esgarçando, não se tem certeza de que se

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fala sobre o mesmo tema. É bastante comum a ideia de educação para cidadania ser entendida como se fosse meramente uma educação moral e cívica. Ou seja, como se fosse necessário e suficiente pregar o culto à pátria, seus símbolos, heróis e datas históricas, assim como fomentar um nacionalismo ora ingênuo ora agressivo, sem a percepção de que a nação não é um todo homogêneo, mas um todo heterogêneo, com conflitos, classes sociais, grupos e interesses diferenciados. (BENEVIDES, 2000, p. 28).

Relações dentro da escola devem ser justas, igualitárias e constantes, para mostrar aos alunos que a escola tem respeito pela formação dos valores humanos e incentivar o respeito às diferenças.

Análise e discussões dos dados

A coleta dos dados foi realizada no período de 10 a 20 de outubro do ano de 2016, em uma escola pública da rede estadual do município de Campinas do Piauí, onde foi aplicado um questionário a quatro professoras que atuam de 12 a 24 anos como docentes no Ensino Fundamental, são licenciados e possuem especialização na área da educação.

A opção pelo questionário deu-se por considerar que esse tipo de pesquisa seria o instrumento mais adequado. O questionário continha seis perguntas, todas abertas, e para preservar a identidade dos professores os nomeamos por números: Professor 1, Professor 2, Professor 3 e Professor 4.

Ao questionar qual a concepção que os professores possuem sobre di-reitos humanos, obteve-se o seguinte resultado:

São agrupamentos de princípios garantidores das normas e programas de ação que garantem e protegem os cidadãos contra violação e abuso contra a dignidade humana, por partes de agentes públicos e privados (Professora 1).

São os direitos conquistados pela sociedade, é o direito à liberdade, à igualdade, educação de qualidade, à saúde e ao trabalho, entre outros, que devem ser respeitados independentemente de cor, raça, religião ou outra condição (Professora 2).

É promover o respeito ao pleno desenvolvimento das capacidades e à desigualdade humana (Professora 3).

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Direito inerente ao ser humano, está acima do direito civil e demais mani-festações do direito relativo à posição que ocupa dentro do grupo social (Professora 4).

Podemos perceber, a partir das respostas dos sujeitos partícipes do estu-do, que a definição de direitos humanos dada por eles mostrou que conhe-cem o tema. As professoras 1 e 2 relatam de forma detalhada e aproximada da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual afirma que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, buscando promover dentro do ambiente escolar a importância da igualdade e da liberdade, para garantir a dignidade humana, e qualquer espaço de aprendizagem inicial é de grande relevância para a formação de cidadãos.

Já as professoras 3 e 4 desconhecem o conceito, descrevendo de forma mais superficial e equivocada, por exemplo, quando a professora 3 afirma que os direitos humanos "é promover o respeito ao pleno desenvolvimento das capacidades e à desigualdade humana", enquanto a professora 4 diz que está acima do direito civil, quando na verdade os direitos humanos as-seguram direitos civis.

Colaborando com as concepções de direitos humanos, Benevides (2000, p. 1) acrescenta que

a Educação em Direitos Humanos é essencialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivên-cia dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz.

Isso reforça a necessidade de oferecer cursos e programas de formação continuada para os professores, buscando uma melhor compreensão de di-reitos humanos no ambiente escolar.

Quando questionados se na instituição em que trabalham existe al-gum projeto de combate às desigualdades sociais, obtivemos o seguinte resultado:

Foi desenvolvido o projeto "Paz na Escola", onde houve a parceria do estado, onde trabalhamos exatamente esta questão da desigualdade so-cial e inclusão, os alunos desenvolveram belíssimos trabalhos, palestras, com manifesto da paz (Professora 1).

Não (Professora 2).

Não (Professora 3).

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Não (Professora 4).

Apenas uma professora relata o desenvolvimento de um projeto que teve como finalidade a promoção da paz dentro do espaço escolar, traba-lhando questões como as desigualdades sociais para que fossem possíveis a inclusão e o respeito, garantindo assim êxito no objetivo do trabalho desenvolvido.

Todas as outras afirmam não haver projetos de incentivo para o combate das desigualdades sociais atualmente. Isso vem mostrar o desconhecimento ou a falta da prática de um projeto na escola de forma articulada e inte-grada com todos os segmentos da escola, envolvendo principalmente os professores.

Dando ênfase ao projeto na escola de combate às desigualdades sociais, os estudos de Symonides (2003, p. 170) vêm discutindo que precisamos ain-da "avançar a educação para os direitos humanos, [pois] também avançarão as possibilidades de construirmos alternativas de desenvolvimento que va-lorizem a vida e a justiça".

Para saber se dentro da escola pesquisada existe alguma descriminação por parte dos alunos, foi questionado se, quando desenvolvem atividades em grupo, observam alguma ação no âmbito escolar. As respostas constam a seguir:

Sim, sempre há algumas situações, mas o manejo de certas práticas pe-dagógicas e a conversa conscientizadora sobre o respeito e a dignidade individual e coletiva são didáticas utilizadas para sanar essas situações constrangedoras (Professora 1).

Trabalho em seis turmas do Ensino Fundamental, e somente em uma noto discriminação, não por parte de raça, mas por classe social (Profes-sora 2).

Não, pois as crianças trazem uma fantasia e uma inocência lúdica do seu cotidiano (Professora 3).

Sim, existem algumas manifestações de exclusão, a mais evidente é cria-da pelos pais, escola que diz respeito à ligação histórica dos alunos, no início do período de escolarização, se mantém e não permitem a entrada de elementos novos e nem a migração para outros grupos (Professora 4).

Das quatro professoras, três responderam que sim, devido à classe so-cial ou até mesmo por já serem amigos desde a iniciação escolar, de forma

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que os alunos formam grupos fechados e não querem sair de sua zona de conforto. Apenas uma educadora afirma que não existe esta limitação, por trabalhar com o Fundamental de 1a a 4a série, em que ainda existe uma "ino-cência lúdica". Desta forma, nota-se a importância de trabalhar a igualdade e o respeito à dignidade humana nos primeiros anos escolares, para que estas crianças cresçam respeitando e acolhendo de forma igual.

Ao buscar saber ainda sobre a desigualdade social e se é possível asse-gurar a dignidade das crianças e adolescentes no ambiente escolar, pode-mos perceber que:

É difícil na totalidade, mas quando se trata do ambiente escolar sempre é trabalhada a questão da igualdade, mas quando parte para a sociedade a situação fica mais crítica, devido à exposição dessa clientela no seu meio de convivência (Professora 1).

Com certeza o direito à educação de qualidade é direito de todos, pro-curo sempre deixar isto bem claro (Professora 2).

É possível trabalhar o desenvolvimento com garantia de igualdade a todos, priorizando o essencial da criança e do adolescente de forma integral (Professora 3).

Sim, caso a escola perca a arrogância de ser, ou se portar, como instância niveladora. Precisamos cobrar o máximo do potencial de cada indivíduo dentro de suas condições e não deixar de cobrar por conta de fatores ex-ternos (econômicos). A figura do "coitadinho" em nada ajuda na garantia de dignidade (Professora 4).

São unânimes quando afirmam que é possível assegurar a dignidade destas crianças e adolescentes dentro do ambiente escolar, e, mesmo en-frentando muitas dificuldades, os professores buscam garantir o direito e conscientizar que todos são iguais em direitos e deveres.

Destaca-se a fala da Professora 4, que tem ideia crítica, quando cita a figura do coitadinho e diz que vitimizar não garante dignidade.

O Art. 5o da Constituição Federal de 1988 assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Na percepção das professoras é possível identificar o papel do Estado no combate às desigualdades sociais, e afirmaram que existem apesar de

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serem insuficientes ou inadequados para atender toda a demanda de pesso-as que ainda sofrem descriminação e preconceito, conforme a seguir:

Acredito que sim, embora um pouco ainda a desejar, mas são vistos pro-gramas sociais que almejam minimizar essas causas (Professora 1).

Não como deveria ser, mas é possível ver, como exemplo tem alguns programas que o governo oferece (Professora 2).

Fica cada vez mais difícil, pois o Estado deve promover e assegurar o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e qualquer outra forma de discriminação (Professora 3).

O Estado pouco trabalha nas comunidades pobres, mas é possível, sim, continuando com os programas de combate às desigualdades (Profes-sora 4).

Mesmo sendo o garantidor de todos os direitos conquistados pelos ci-dadãos, o Estado ainda deixa muito a desejar, mediante o que foi dito pelas professoras.

Na concepção de Arzabe (2008),

O Estado, na sua obrigação de dar a todas as pessoas acesso e meios de exercício dos direitos, e com especial ênfase dos direitos fundamen-tais expressos na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais de Proteção de Direitos Humanos, estabelece garantias constitucionais para esse acesso e exercício – especialmente o mandado de segurança e o habeas-corpus – , assim como desenvolve e implementa políticas públi-cas sociais e econômicas (ARZABE, 2008, s/p.).

Para Arzabe, os direitos fundamentais devem ser acessíveis como forma de conhecimento para que todos tenham como exigir seu cumprimento.

Ao se questionar se seria possível minimizar as desigualdades sociais dentro da escola, obtivemos as seguintes respostas:

Com a aproximação do professor e dos alunos, sendo aberta uma janela para inclusão (Professora 1).

Oferecendo educação de qualidade, equipando prédios que estão em decadência, empregando mais funcionários públicos, como vigia, zela-dores, entre outros, que não há na minha escola, transformar as escolas em tempo integral, para que os alunos possam passar mais tempo na escola (Professora 2).

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Tendo uma educação de qualidade e igualdade para todos, reduzindo o índice de pobreza, boas condições de vida, moradia, saúde e lazer (Professora 3).

Entendendo que a escola não é local de combater a desigualdade, mas sim de convívio com ela, quando a escola ouvir o pobre e aprender com ele, podemos desenvolver uma política educacional capaz de atender adequadamente a todas as classes sociais. Enquanto estivermos enfren-tando um inimigo que não conhecemos, continuaremos sendo vencidos por ele (Professora 4).

As professoras 2 e 3 citam a qualidade do ensino como um dos pontos fundamentais para minimizar as desigualdades, pois por meio da educação é possível mudar essa situação. As Professoras 1 e 4 têm visões semelhan-tes, acreditam na aproximação como forma de inclusão e de combate às desigualdades, como afirma a Professora 4: "desenvolver uma política edu-cacional capaz de atender adequadamente a todas as classes sociais". Com pontos de vista semelhantes, afirmam que oferecer educação de qualidade, boas estruturas físicas e condições igualitárias dentro de todas as escolas poderia ser um bom começo, mas é preciso promover políticas públicas de acordo com a realidade local, sendo efetivadas com mais facilidade, por te-rem sido desenvolvidas após as análises das peculiaridades.

Nessa perspectiva, de acordo com o Art. 214 da Constituição Federal, temos que:

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do País; VI – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (BRASIL, 1988).

A lei garante que a educação passará por análises a cada 10 anos, para a manutenção e implantação de métodos que gerem desenvolvimento, como a melhoria do ensino, devendo ser investido o proporcional aos recursos obtidos.

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Direitos Humanos: o papel do Estado nas desigualdades sociais na concepção dos educadores | 245

Considerações finais

No decorrer desta pesquisa, buscou-se uma reflexão sobre a importân-cia dos direitos humanos e o papel do Estado nas desigualdades sociais na concepção dos professores, sendo possível citar a extrema relevância da educação em direitos humanos para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, na formação de cidadãos informados e conscientes de seus direitos e deveres dentro da sociedade.

As informações obtidas permitiram identificar que, quando se tem infor-mação e conhecimento dos direitos fundamentais que garantem a dignida-de humana com igualdade e liberdade, é possível exercer a cidadania com dignidade e justiça social.

Desse modo, é necessária a participação do poder público no aperfeiço-amento dos professores quando implantar temas atuais e de especificação distinta de suas formações, assim como, em 2007, por lei complementar foi incluída no currículo do Ensino Fundamental a obrigatoriedade dos conteú-dos que tratem dos direitos das crianças e dos adolescentes, e os professo-res que lecionavam há mais de 10 anos não tiveram nem um aprimoramento ou mesmo conhecimento suficiente para ministrar aulas de direitos para as crianças e os adolescentes na referida escola.

É relevante o papel do Estado diante das desigualdades sociais, nas ga-rantias que a constituição oferece, a qual assegura, como atribuição do Es-tado, a educação de qualidade com igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, pluralismo de ideias e de concepções pe-dagógicas, e a gratuidade do ensino, conforme artigo 206. Por meio dessas garantias e do conhecimento destas é que cada cidadão pode reivindicar seus direitos com intuito de combater as desigualdades sociais.

Nessa perspectiva, os direitos humanos podem garantir ações de com-bate às desigualdades sociais entre crianças e adolescentes por meio da inclusão e do respeito no ambiente escolar, tendo a iniciação nas primeiras séries com a contribuição dos educadores e do Estado, cada um executando suas respectivas funções. Só assim será possível combater as desigualdades, com a ciência de que todos são iguais e livres.

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Percepção dos alunos do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social da Universidade Federal do Piauí sobre o Programa Bolsa FamíliaTarianna Lustosa SantosTerssando Lustosa SantosMárcia Milane Verçosa Rocha

Introdução

O curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) é um curso de formação continuada cujo público-alvo são os profes-sores da Educação Básica e demais profissionais envolvidos direta ou indi-retamente no atendimento de crianças, jovens, adolescentes e idosos em situação de pobreza e extrema pobreza.

Trata-se de curso de pós-graduação lato sensu realizado a distância, sendo ele vinculado ao Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigual-dade Social, e que na sua nuance pretende, dentre outras coisas, favorecer a radicalização do olhar e das ações desses profissionais sobre as crianças, jovens, adolescentes e idosos que se encontram em situação de pobreza e extrema pobreza.

De acordo com o Projeto Político-Pedagógico do curso (UFPI, 2014), a especialização em EPDS insere-se no contexto da Política Nacional de For-mação dos profissionais do magistério da Educação Básica e da Rede Nacio-nal de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação

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Básica Pública (Renafor), instituídas pelo Decreto no 6.755, de 29 de janeiro de 2009, e pela Portaria Ministerial no 1.328, de 23 de setembro de 2011. E, também, responde ao preconizado na Lei no 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE).

A sua oferta é de responsabilidade das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), sendo a Universidade Federal do Piauí (UFPI) a responsável pela sua operacionalização no estado do Piauí.

No âmbito da UFPI, foram ofertadas 400 vagas em três polos – Teresina, Floriano e Parnaíba –, no entanto, o curso atendeu a toda a população do estado e a municípios adjacentes de outros estados – Timon e Presidente Dutra, no Maranhão, e Natal, no Rio Grande do Norte (ver Figura 1).

O curso visa, além de formar profissionais da Educação Básica e outros envolvidos com políticas sociais que estabelecem relações com a educação em contextos empobrecidos, desenvolver práticas político-pedagógicas que possibilitem a "transformação das condições de vivência da pobreza e da extrema pobreza de crianças, adolescentes e jovens e, consequente-mente, promovam condições objetivas que viabilizem um justo e digno viver definido socialmente" (UFPI, 2014, p. 22).

Dentre os temas que são estudados no percorrer do curso, há os progra-mas sociais, como o Programa Bolsa Família (PBF). Notoriamente, os progra-mas sociais costumam não ser bem avaliados pela sociedade, em especial o PBF, sendo comumente classificados como esmola ou assistencialismo, e teriam como consequência uma acomodação dos beneficiários em relação ao trabalho.

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é analisar qual a percepção dos cursistas da pós-graduação lato sensu em EPDS da UFPI quanto ao Pro-grama Bolsa Família (PBF) em sua formação continuada. Ou seja, se a visão que os cursistas tinham sobre os programas sociais, em especial o PBF, ao ingressarem no curso permaneceu a mesma até o final do curso.

Nossa hipótese de trabalho é que essa percepção passou a ser positiva a partir do momento em que os cursistas, no decorrer do estudo dos módu-los e na prática com as atividades de reflexão, passaram a compreender de fato a importância do programa tanto para o contexto social quanto para o econômico.

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Figura 1 Cidades pertencentes ao EPDS divididas por polos.

Fonte: Coordenação EPDS da UFPI (2015).

Para alcançar o objetivo desta pesquisa, a metodologia utilizada foi a qualitativa, por meio da aplicação de questionário aos cursistas da pós--graduação lato sensu em EPDS da UFPI.

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Programas de transferência de renda

Os programas governamentais de transferência de renda e de inclusão produtiva são políticas públicas predominantes na região latino-americana.1 Essa predominância desses tipos de programas deve-se ao contexto políti-co, econômico e social em que a região está inserida.

A América Latina é uma região de história política, econômica e social muito específica, caracterizada por grande volatilidade econômica, instabili-dades institucionais e grandes mudanças nos modelos de desenvolvimento. Durante a década de 1980 e meados da década de 1990, os países latino--americanos vivenciaram um contexto de transformações políticas e econô-micas. Foi durante esse período que a maioria dos países latino-americanos abandonou seus regimes autoritários e se (re)democratizou, e, no aspecto econômico, muitos deles enfrentaram crises e instabilidades – com forte es-tagnação econômica, retração da produção, concentração de renda e rique-za, alta de preços, elevadas taxas de desemprego, deterioração nos salários reais dos trabalhadores, colapso do emprego formal e baixo crescimento econômico –, advindas do esgotamento do modelo de desenvolvimento e intervenção do Estado adotado pelos países da região (BRESSER-PEREIRA, 1991; HUNTINGTON, 1994).

Essas transformações econômicas produziram efeitos sociais impactan-tes, como o aumento do nível de pobreza. Foi nesse contexto que os gover-nos latino-americanos, como forma de combater a concentração de renda e riqueza, as elevadas taxas de desemprego e as desigualdades sociais, passaram a promover ações (políticas e sociais) voltadas especificamente para a redução dessas desigualdades. Assim, os programas governamentais de transferências de renda – e, mais recentemente, os programas condicio-nados – e os programas de inclusão produtiva ou políticas de emprego de inclusão social tornaram-se característica importante da região, mas essas políticas não chegam a constituir um estado de bem-estar social que abranja toda a população (AFONSO, 2007).

Os programas governamentais de transferências e de inclusão produtiva geralmente são direcionados a determinados grupos, cujos beneficiários

1 Os programas de transferência de renda "não [são] uma inovação latino-americana, uma vez que muitos países ricos já adotaram em larga escala, e ainda mantêm, programas que concedem subsídios, pessoais ou familiares, para famílias que vivem em condições econômicas inferiores a um determinado patamar de bem-estar social" (AFONSO 2007, 12).

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são sujeitos a critérios de elegibilidade e podem ser condicionados ou não, isto é, os indivíduos beneficiados assumem uma corresponsabilidade.

Segundo Afonso (2007), as formas e denominações dos programas de transferência de renda na região latino-americana são variadas, mas pos-suem dois fatos em comum. O primeiro fato é que constituem programas de motivação compensatória, e o segundo é que esses programas são coman-dados pela esfera central de governo.

Os programas governamentais brasileiros, inspirados como forma de proteção social, só foram criados e/ou consolidados nas últimas décadas. O primeiro programa dessa natureza a ganhar grandeza e consistência foi o Seguro-Desemprego, que, com a Constituição de 1988, ganhou uma fonte exclusiva, permanente e sólida de custeio: o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), provenientes de contribuição social paga por pessoas jurídicas. Ao longo da segunda metade dos anos 1990 é que o governo federal criou, de forma iso-lada, programas de transferências de renda para atender a objetivos especí-ficos de diferentes áreas sociais, incluindo educação e saúde, como as bolsas para as crianças retiradas do trabalho infantil e, depois, para qualquer crian-ça pobre que passasse a estudar. Antes do governo federal, alguns governos subnacionais tinham adotado programas dessa natureza, bastante focados e para um grupo bastante limitado de beneficiários (AFONSO, 2007).

Transferência de renda e o Programa Bolsa Família

Dentre os programas de transferência de renda criados pelo governo federal ao longo das últimas décadas, o PBF é o mais abrangente e englo-bou uma série de outros programas sociais.2 Foi criado em 2003, por meio da Lei no 10.836, de 09 de janeiro de 2004, regulamentado pelo Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004, alterado pelo Decreto no 8.232, de 30 de

2 Lei no 10.836/2004, art. 1o, parágrafo único: "O Programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transfe-rência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação – Bolsa Escola, instituído pela Lei no 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA, criado pela Lei no 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde – Bolsa Alimentação, instituído pela Medida Provisória no 2.206-1, de 6 de setem-bro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto no 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo  Decreto no 3.877, de 24 de julho de 2001 (BRASIL, 2004).

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abril de 2014, tendo como organismo responsável o Ministério de Desen-volvimento Social e Combate à Fome (MDS), como organismo executor a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc) e o Conselho Gestor do Programa Bolsa Família (CGPBF), e como fontes de financiamento o Governo Federal e o Banco Mundial. A gestão do Bolsa Família é descentralizada e compartilhada por União, estados, Distrito Federal e municípios.

O PBF protege o grupo familiar e contribui para o seu desenvolvimento, além de assegurar o direito humano à alimentação e de preservar vínculos e valores familiares. Possui três dimensões essenciais à superação da fome e da pobreza, conforme MDS (BRASIL, 2015): a) transferência direta de renda às famílias, que permite o alívio imediato da situação de pobreza; b) ampliação do acesso a serviços públicos que representam direitos básicos nas áreas de saúde, educação e assistência social, por meio das condicionalidades, con-tribuindo para que as famílias rompam o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza; c) coordenação com outras ações e com outros programas dos governos, nas suas três esferas, e da sociedade, de modo a apoiar as famílias para que superem a situação de vulnerabilidade e pobreza.

O PBF é um programa de transferência de renda condicionada, sendo as condicionalidades ligadas à educação e saúde: 

Art. 3o A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento, no que couber, de condicionalidades relativas ao exame pré-natal, ao acom-panhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde, à frequência escolar de 85% (oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em regulamento (BRASIL, 2004).

O Bolsa Família transfere renda diretamente às famílias extremamente pobres (com renda mensal de até R$ 77,00 por pessoa) e pobres (com ren-da mensal de R$ 77,01 a R$ 154,00 por pessoa), devidamente cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Os valores do Bolsa Família variam de acordo com a renda mensal de todas as pessoas da casa, idade, com o número filhos, de gestantes e de mulheres amamentando (BRASIL, 2014).

O Bolsa Família trabalha com quatro tipos de benefícios: o Benefício Básico; o Benefício Variável; o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ); e o Benefício para a Superação da Extrema Pobreza (BSP). A combina-ção desses benefícios faz com que cada família receba um valor diferente, a partir da renda mensal por pessoa e de sua composição (quantidade de

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membros, de gestantes, de nutrizes, de crianças e adolescentes de até 15 anos e jovens de 16 e 17 anos). O valor final será a soma de cada um dos be-nefícios, de acordo com a composição familiar. Deve-se observar, contudo, o limite de até cinco benefícios variáveis e de até dois benefícios variáveis vin-culados ao adolescente para cada família. A concessão de benefícios é feita com base nas informações do Cadastro Único. O processo é automatizado e prioriza famílias com menor renda (BRASIL, 2015).

Analisando dados do PBF, desde sua criação até 2015, observou-se uma evolução positiva dos recursos destinados ao programa (Ver Gráfico 1). Quanto à quantidade de famílias cadastradas, observando a série histó-rica, constatou-se um crescimento positivo com uma queda a partir de 2014 (Ver Gráfico 2). Quanto à quantidade de famílias cadastradas no CadÚnico, observou-se crescimento positivo até 2014, com queda em 2015 (Ver Gráfico 3). Quanto ao benefício médio mensal por família, em 2015, o valor caiu em relação aos anos anteriores (Ver Gráfico 4).

Gráfico 1 Evolução dos recursos do PBF, Brasil, 2004 a 2015.

Fonte: MDS, DataCad, (BRASIL, 2016a).

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Gráfico 2 Quantidade de famílias cadastradas no PBF, Brasil, 2004 2015.

Fonte: MDS, DataCad (BRASIL, 2016a).

Gráfico 3 Quantidade de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), Brasil, 2006 a 2015.

Fonte: MDS, DataCad (BRASIL, 2016a).

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Percepção dos alunos do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade... | 257

Gráfico 4 Benefício médio mensal por família do Programa Bolsa Família.

Fonte: MDS, DataCad (BRASIL, 2016a).

Observando dados de 2016 do PBF, este beneficiou, no mês de outubro de 2016, 13.948.141 famílias, que receberam benefícios com valor médio de R$ 181,98. O valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas alcançou R$ 2.538.278.030,00 no mês (Ver Tabela 1).

Tabela 1 Total de famílias beneficiárias e recursos financeiros pagos, em 2016.

Discriminação Valor (em reais) Mês de referência

Quantidade de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família   

13.948.141 10/2016

Valor total de recursos financeiros pagos em benefícios às famílias  

2.538.278.030,00 10/2016

Fonte: MDS, Relatório de informações Bolsa Família e Cadastro Único (BRASIL, 2016b).

Quanto aos tipos de benefícios do PBF, os valores pagos, em 2016, por tipo de benefício podem ser observados na Tabela 2.

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Tabela 2 Quantitativo por tipo de benefícios, em 2016.

Tipo de Benefício Valor (em reais) Mês de referência

Benefício Básico  12.290.404 10/2016

Benefícios Variáveis  20.253.460 10/2016

Benefício Variável Jovens 3.290.608 10/2016

Benefício Variável Nutriz 326.051 10/2016

Benefício Variável Gestante 233.411 10/2016

Benefício de Superação da Extrema Pobreza

5.513.615 10/2016

Fonte: MDS, Relatório de informações Bolsa Família e Cadastro Único (BRASIL, 2016b).

A distribuição das famílias cadastradas, em 2016, conforme a renda per capita mensal declarada, aponta 12.707.404 famílias com renda per capita familiar de até R$ 85,00; 4.152.311 com renda per capita familiar entre R$ 85,01 e R$ 70,00; 6.179.281 com renda per capita familiar entre R$ 170,01 e meio salário mínimo; 4.121.012 com renda per capita acima de meio salário mínimo (Ver Tabelas 3 e 4).

Tabela 3 Total de famílias cadastradas no CadÚnico, em 2016.

Famílias cadastradas Valor(em reais)

Mês de referência

Famílias cadastradas com renda per capita mensal de R$ 0,00 até R$ 85,00  12.707.404 06/2016

Famílias cadastradas com renda per capita mensal entre R$ 85,01 e R$ 170,00  4.152.311 06/2016

Famílias cadastradas com renda per capita mensal entre R$ 170,01 e meio salário mínimo

6.179.281 06/2016

Famílias cadastradas com renda per capita mensal acima de meio salário mínimo 4.121.012 06/2016

Total 27.160.008

Fonte: MDS, Relatório de informações Bolsa Família e Cadastro Único (BRASIL, 2016b).

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Tabela 4 Total de pessoas cadastradas no CadÚnico, em 2016.

Pessoas cadastradas Valor(em reais)

Mês de referência

Pessoas cadastradas em famílias com renda per capita mensal de R$ 0,00 até R$ 85,00

40.286.876 06/2016

Pessoas cadastradas em famílias com renda per capita mensal entre R$ 85,01 e 170,00

14.419.471 06/2016

Pessoas cadastradas em famílias com renda per capita mensal entre R$ 170,01 e meio salário mínimo

18.389.741 06/2016

Pessoas cadastradas em famílias com renda per capita mensal acima de meio salário mínimo

7.154.134 06/2016

Total 80.250.222

Fonte: MDS, Relatório de informações Bolsa Família e Cadastro Único (BRASIL, 2016b).

Em relação às condicionalidades, o acompanhamento da frequência es-colar, com base no bimestre finalizado em março de 2016, atingiu o percen-tual de 86,4%, para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, o que equivale a 11.869.360 alunos acompanhados em relação ao público de  13.736.626 alunos com perfil para acompanhamento. Para os jovens entre 16 e 17 anos (recebimento do Benefício Vinculado ao Adolescente – BVJ), o percentual de acompanhamento da frequência escolar exigida foi de 78,5%, resultando em 2.057.023 jovens acompanhados de um total de 2.622.002 jovens com perfil. Já o acompanhamento da saúde das famílias, na vigência até o mês de dezembro de 2015, atingiu 76,8%, percentual equivalente a 8.895.725 famílias de um total de 11.582.117 que compunham o público no perfil para acompa-nhamento da área de saúde (Ver Tabela 5).

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260 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

Tabela 5 Cumprimento das condicionalidades do PBF, 2015-2016.

Público acompanhamento Valor(em reais)

Mês de referência

Total de beneficiários com perfil educação (6 a 15 anos) 13.736.626 03/2016

Total de beneficiários com perfil educação (16 e 17 anos) 2.622.002 03/2016

Total de famílias com perfil saúde (com crianças de até 7 anos e mulheres de 14 a 44 anos) 11.582.117 12/2015

Resultados do acompanhamento

Total de beneficiários acompanhados pela educação (6 a 15 anos)   11.869.360 03/2016

Total de beneficiários acompanhados pela educação (16 a 17 anos)  2.057.023 03/2016

Total de beneficiários acompanhados com frequência acima da exigida (06 a 15 anos – 85%) 11.400.092 03/2016

Total de beneficiários acompanhados com frequência abaixo da exigida (06 a 15 anos – 85%) 469.268 03/2016

Total de beneficiários com frequência acima da exigida (16 a 17 anos – 75%) 1.813.694 03/2016

Total de beneficiários com frequência abaixo da exigida (16 a 17 anos – 75%) 243.329 03/2016

Total de beneficiários sem informação de frequência escolar (6 a 15 anos) 1.867.266 03/2016

Total de beneficiários sem informação de frequência escolar (16 a 17 anos) 564.979 03/2016

Total de famílias acompanhadas pela saúde 8.895.725 12/2015

Total de gestantes acompanhadas 246.442 12/2015

Total de gestantes com pré-natal em dia 244.760 12/2015

Total de crianças acompanhadas 5.425.411 12/2015

Total de crianças com vacinação em dia 5.378.847 12/2015

Total de crianças com dados nutricionais 4.559.539 12/2015

Total de famílias não acompanhadas pela saúde 2.686.392 12/2015

Fonte: MDS, Relatório de informações Bolsa Família e Cadastro Único (BRASIL, 2016b).

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Percepção dos alunos do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade... | 261

Metodologia e análise dos dados

O objetivo desta pesquisa é analisar qual a percepção dos cursistas do curso de pós-graduação lato sensu em EPDS da UFPI quanto ao Programa Bolsa Família (PBF). Ou seja, a visão que os cursistas tinham sobre os pro-gramas sociais, em especial o PBF, ao ingressarem no curso permaneceu a mesma ao término dele?

Nossa hipótese de trabalho é que essa percepção passou a ser positiva a partir do momento em que os cursistas, no decorrer do estudo dos módu-los e na prática com as atividades de reflexão, passaram a compreender de fato a importância do programa tanto para o contexto social quanto para o econômico.

Para alcançar o objetivo desta pesquisa a metodologia utilizada foi a qualitativa, por meio da aplicação de questionário aos cursistas da pós--graduação lato sensu em EPDS da UFPI. Os estudos de pesquisa qualitativa diferem entre si quanto ao método, à forma e aos objetivos. Godoy (1995, p. 62) ressalta a diversidade existente entre os trabalhos qualitativos e enu-mera um conjunto de características essenciais capazes de identificar uma pesquisa desse tipo, a saber: a) ambiente natural como fonte direta de da-dos e o pesquisador como instrumento fundamental; b) caráter descritivo; c) significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preocupação do investigador; e d) enfoque indutivo. As pesquisas qualitativas têm caráter exploratório: estimulam os entrevistados a pensar e falar livremente sobre algum tema, objeto ou conceito. Elas fazem emergir aspectos subjetivos, atingem motivações não explícitas, ou mesmo não conscientes, de forma espontânea. Com relação à amostra de uma pesquisa qualitativa, não há preocupação em projetar resultados para a população, e o número de en-trevistados geralmente é pequeno.

O questionário foi aplicado com dez cursistas do curso de pós-gradua-ção lato sensu em EPDS da UFPI. O questionário continha cinco questões:

a ) Você é beneficiário do Programa Bolsa Família?

b ) Antes de você ingressar na Pós-Graduação em Educação, Pobreza e De-sigualdade Social, qual era a sua visão acerca do Programa Bolsa Família?

c ) Diante da teoria estudada durante o curso de especialização em Educa-ção, Pobreza e Desigualdade Social, você colocou em prática algo visto na teoria? Explique.

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262 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume III

d ) Diante da teoria estudada ou da sua vivência, quais os pontos positivos e negativos que você considera sobre o Programa Bolsa Família?

e ) Após o término do curso, qual a sua análise sobre o Programa Bolsa Família?

Analisando os questionários aplicados, vimos que nenhum dos cursistas que responderam ao questionário é beneficiário do PBF.

Uma das críticas mais comuns aos programas de transferência de renda é a respeito do "efeito preguiça". Segundo esta crítica, um dos efeitos de conceder um benefício condicionado ao fato de uma família possuir uma renda baixa é que pode levar à acomodação e diminuição da oferta de tra-balho de seus membros (OLIVEIRA; SOARES, 2013). Quando questionados sobre essa temática, os cursistas responderam:

Já tive a fase de achar que era só assistencialismo, mas, trabalhando com famílias extremamente pobres, percebi que é importante para o alívio imediato da pobreza e de privação de alimentos. Muito embora presen-cie muito uso indevido do benefício, inclusive para custear uso de drogas (Cursista 1).

Minha visão antes de ter estudado o curso de Educação, Pobreza e Desigualdade Social do Programa Bolsa Família, que era apenas um programa que ia acomodar a população carente e pobre, porém, ao ter estudado mudei minha concepção a respeito do programa e das análises feitas pela população pobre que é beneficiada desse programa Bolsa, acho que minha concepção foi fundamental no reconhecimento da me-lhoria de vida que muitas pessoas e famílias tiveram com esse programa de atendimento à nação brasileira (Cursista 2).

Um benefício assistencialista, que contribuía apenas com o repasse de renda (Cursista 3).

Que era um programa desnecessário, meramente assistencialista (Cur-sista 4).

Eu já trabalhava na assistência social, mas ainda acreditava que muitas famílias se acomodavam em ter apenas o benefício e que o programa acostumava mal as pessoas (Cursista 5).

Que o PBF contribuía com a preguiça e acomodação dos beneficiários, que na minha concepção não queriam trabalhar e optavam por viver apenas do benefício (Cursista 6).

Antes de ingressar na pós a minha visão era de um programa que aju-dava a acomodar as pessoas e suas respectivas famílias. Não conseguia

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reconhecer claramente a importância de seu papel na urgência de carên-cias materiais destas famílias (Cursista 7).

Tinha uma visão assim meio confusa, mas hoje acho que é realmente um programa que beneficia as pessoas de baixa renda (Cursista 8).

É interessante como esse programa tem o poder de fazer muita família feliz, dando oportunidade e esperança a cada situação diferente, esse programa alavancou tantas famílias da situação de extrema pobreza, é um valor tão irrelevante, mas que traz pra casa de uma família grandes e necessárias contribuições pra uma alimentação básica no momento (Cursista 9).

A minha visão era bem superficial e de fato não compreendia o alcance do mesmo (Cursista 10).

Observa-se que a visão da maioria dos cursistas entrevistados, acerca do PBF, ao ingressarem no curso, era de que o programa era estritamente assis-tencialista, desnecessário e que contribuía para a acomodação dos benefi-ciados, o que corrobora as críticas, os mitos e polêmicas que surgiram sobre o programa desde sua criação, conforme apontado por Campello (2013).

Quando questionados sobre os pontos positivos e/ou negativos acerca do PBF, diante da teoria estudada durante o curso e/ou da sua vivência, os cursistas responderam:

Para as famílias que conseguem utilizar o benefício adequadamente, sem dúvidas, evita muitas situações de fome. Mas ainda faltam muitas estraté-gias para que sejam beneficiadas apenas as que necessitam. Os gestores ainda utilizam como instrumento de angariar votos. E, principalmente, os objetivos do programa e as condicionalidades ainda são colocados para a sociedade de forma muito distorcida, causando comentários pre-conceituosos entre profissionais que atuam com as famílias beneficiadas (Cursista 1).

Pontos positivos foi o conhecimento, as vivências dos trabalhos práticos, o reconhecimento de muitas realidades, as rodas de conversas com famílias, pais, alunos e comunidades a respeito do programa, a partici-pação da família e aluno na escola, nos conselhos tutelares e projetos de socialização e participação social, já os pontos negativos são a falta de conhecimento e importância que é dada ao Programa Bolsa Família e a visão que é repassada para a sociedade brasileira (Cursista 2).

Oportunidade de mudança de vida, oportunidade de geração de renda, acesso a direito como saúde e educação (Cursista 3).

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Pontos positivos: matrícula e frequência na escola, isso deve seguir co-brando dos pais ou responsáveis dos menores; melhora na qualidade de vida. Pontos negativos: fiscalização; operacionalização do programa, com famílias que não se enquadram e recebem (Cursista 4).

Positivos é que muitas famílias necessitam tanto de ter como colocar a comida na mesa e não possuem, e negativo é que muitos pensando erra-damente acreditam que é algo permanente e não buscam outros meios (Cursista 5).

Os pontos positivos se dão porque o benefício do Programa Bolsa Família ajudou muitas famílias a saírem da miséria e a autoestima das mulheres, que passaram a contar com essa renda para ajudar no sustento da família, e a frequência escolar dos alunos, devido ao programa só liberar dinheiro aos que frequentam a escola. Os pontos negativos são: a acomodação de algumas famílias que deixam oportunidades para ficar dependendo apenas do programa (Cursista 6).

Diante do que estudei os pontos positivos que considero são: o apoio financeiro direto que o programa possibilita, mesmo pouco; o acom-panhamento das condicionalidades, seja na área de educação, saúde e assistência social; e uma perspectiva de emancipação e empoderamento de algumas famílias lideradas por mulheres. Pontos negativos: a falta de fiscalização do Programa Bolsa Família junto às famílias que recebem in-devidamente o benefício, enquanto existe uma fila de famílias esperando a sua concessão; a falta de uma política organizada que estimulasse na prática por meio de cursos e capacitações a emancipação e o empreen-dedorismo nessas famílias (Cursista 7).

Pontos positivos: ajuda as famílias menos favorecidas; melhora a frequên-cia dos alunos na escola; contribui para alimentar melhor as famílias que não têm renda. Pontos negativos: comodismo de muitas famílias em não querer trabalhar por conta do Bolsa Família (Cursista 8).

Eu acredito que, diante de tantos entraves, esse programa tem seu lado positivo por trazer a vida social dessas famílias de volta, esse programa consegue buscar escolhas, mostrar caminhos diferentes a essas pessoas, tem família que garante o leite para seu filho, um alimento básico de suma importância através dele. No caso do ponto negativo, ainda existem famílias que levam esse programa para outros fins que não é agradável, como as compras de drogas e bebidas alcoólicas. Ainda pessoas que se acomodam tanto no programa que deixam as oportunidades de trabalho passar por não querer assinar carteira de trabalho, pois poderia perder seu benefício (Cursista 9).

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Percepção dos alunos do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade... | 265

O Programa Bolsa Família veio para trazer esperança àqueles que se en-contravam em situação de pobreza e pobreza extrema com possibilidade de vida digna, de continuidade nos estudos (Cursista 10).

Observando as respostas dos cursistas, os pontos positivos do PBF, apontados por eles, estão ligados ao cumprimento do objetivo a que o pro-grama se propõe, e os pontos negativos estão, sobretudo, ligados à falta de fiscalização no cumprimento das condicionalidades e falta de conhecimento, tanto da sociedade quanto do próprio beneficiário, acerca do real objetivo do programa, o que segundo os cursistas acaba provocando a formulação das críticas, dos mitos e polêmicas sobre o programa.

Quando questionados acerca de sua percepção sobre o PBF após o tér-mino do curso, os cursistas responderam:

Eu penso que a execução do programa deveria partir de uma discussão conjunta com os profissionais que trabalham na base: educadores, profis-sionais de saúde e assistência social. Eles vivenciam na prática o impacto do programa e construíram uma análise muito interessante. Há professo-res, por exemplo, que defendem que os pais beneficiados poderiam ser incentivados a realizarem trabalhos voluntários dentro das escolas dos filhos. O voluntariado é uma prática extremamente benéfica para a socie-dade e para quem o pratica. É preciso que os próprios beneficiários se empoderem sobre os objetivos do programa, para saberem se defender de comentários preconceituosos. Acredito que esclarecimentos sobre como investir o dinheiro poderiam aumentar os casos de êxito, quando as famílias chegam a devolver o cartão. Eu defendo o Bolsa Família, prin-cipalmente para casos de pobreza extrema, mas que haja um maior rigor na fiscalização, pois ainda há muitos casos de beneficiários sem perfil. E não entendo como funciona a autonomia dos municípios na gestão do programa, pois são casos de amplo conhecimento, principalmente em cidades pequenas. E também não entendo como funciona a punição em casos de fraudes. Desconheço qualquer ação do Estado nesse sentido. É um programa grandioso, mas, a despeito de todos os estudos acerca de seus impactos nas famílias pobres, ainda percebo falta de interesse político para que seja aperfeiçoado e mais bem utilizado por todos. Por isso ainda não vencemos os discursos preconceituoso e que defendem o cunho assistencialista do programa (Cursista 1).

É um programa que traz melhoria para muitas famílias, crianças e jovens que estão na zona de desigualdade social e fora da sala de aula, foi um grande crescimento de participação social e cultural de muitos indivíduos que não tinham oportunidade de inclusão social e cultural, o Bolsa Famí-lia foi e é uma melhoria para a sociedade brasileira, principalmente para

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aqueles que estão em zona de desigualdades, nas periferias, nas ruas e fora da escola e ambientes educativos e formativos (Cursista 2).

Que o mesmo não é apenas um repasse de renda, e principalmente pra região do Nordeste é uma geração de renda que traz mudanças signifi-cativas na vida da população (Cursista 3).

Hoje vejo o PBF como um programa de extrema necessidade para su-peração da pobreza e das desigualdades, tendo em vista que muitas famílias, antes do programa, não tinham a mínima condição de supera-ção da pobreza (Cursista 4).

É um meio de ajuda financeira que precisa ser revisto (Cursista 5).

O Programa Bolsa Família é um dos meios que contribuem para a dimi-nuição da miséria de famílias advindas de comunidades pobres, que não têm formação e estão desempregadas, vivendo de bicos. O recebimento de uma renda regular eleva a autoestima, sobretudo das mulheres, mas também tem seu lado negativo, que é a acomodação de muitas famí-lias que passam a contar somente com o auxílio para o seu sustento. Entretanto, algumas famílias investiram no aumento da renda, utilizando o benefício como um complemento. Depois do benefício a frequência dos alunos nas escolas aumentou, diminuindo assim o abandono escolar (Cursista 6).

Hoje, com o término do curso, posso reconhecer a grande importância deste programa em promover condições mínimas em possibilitar a aqui-sição de mínimos materiais na vida de milhões de famílias pobres em nosso país. Por meio dele também localizar onde estão estas famílias e como vivem. E ainda acordar para a necessidade de políticas públicas mais efetivas que realmente garantam a essas famílias cidadania, possi-bilitando condições de acesso a essas. O Programa Bolsa Família passa a ser visto como um grande aliado no planejamento de ações para os milhões de pobres presentes em todos os lugares e que necessitam de condições mínimas de vida para viver, pois vivem à margem da pobreza (Cursista 7).

É um programa que é muito favorável para as pessoas carentes, porém, precisa de mais vigilância para atender a quem realmente precisa (Cur-sista 8).

Que esse programa não pode acabar, ainda existem famílias carentes em todo o território brasileiro, que precisam de apoio social dos governan-tes e políticos, não é por causa de pessoas mal instruídas que famílias inocentes deverão pagar pelo mau uso. E que o governo federal está de parabéns pelo apoio e iniciativa (Cursista 9).

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Percepção dos alunos do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade... | 267

É um exemplo concreto da política social, da efetivação de um direito, direito a um mínimo de vida digna (Cursista 10).

Pelas respostas dos cursistas, percebe-se a mudança na opinião sobre o programa quando comparamos com as respostas deles sobre a sua percep-ção antes de ingressarem no curso. Assim, confirmamos nossa hipótese de que os cursistas passaram a ter uma percepção positiva sobre o PBF a partir do momento em que eles, no decorrer do estudo dos módulos e na prática com as atividades de reflexão, passaram a compreender de fato a impor-tância do programa tanto para o contexto social quanto para o econômico.

Considerações finais

O curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade So-cial foi um curso de extrema importância e que trouxe à tona uma temática atual, que sempre esteve presente no contexto social, político e econômico brasileiro, no entanto, pouco discutido dentro do ambiente educacional. Ou seja, a relação entre educação, escola, políticas educacionais, formação docente, currículos, teorias pedagógicas e o primeiro direito do ser humano a um digno e justo viver tem estado, em certa medida, ausente no pensa-mento educacional e nas suas políticas, bem como na formação de profis-sionais da Educação Básica e de outros(as) profissionais envolvidos(as) com políticas sociais que estabelecem relações com a educação em contextos empobrecidos.

O curso tem, portanto, um impacto social, provocando debates, refle-xões e proposição de ações, sobretudo no que se refere aos processos de educação envolvendo sujeitos que vivenciam a experiência da pobreza ou da extrema pobreza.

Dentre as variadas temáticas discutidas durante o curso, procurou-se demonstrar e desmistificar a ideia enraizada no senso comum da popula-ção acerca da estigmatização do termo pobreza, a qual é constantemente atrelada apenas à falta de poder econômico e ao prejulgamento contra os diversos programas sociais do governo federal.

Neste trabalho, discutimos e demonstramos a importância do curso para a desmistificação do prejulgamento quanto aos programas sociais, nes-te caso o Programa Bolsa Família. Os cursistas foram capazes de modificar

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seu prejulgamento sobre o referido programa e, ao término do curso, ter uma nova percepção sobre ele.

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Impactos sociais do Programa Bolsa Família no município de Apodi-RN no biênio 2013-2014Francisco Marciano de MoraisTerezinha Fernandes Gurgel

Introdução

O Programa Bolsa Família (PBF) vem se tornando um dos grandes res-ponsáveis pela inclusão social no Brasil, fato este reconhecido pela Orga-nização das Nações Unidas (ONU). São notórias as mudanças decorrentes ao longo dos 10 anos de sua existência no campo social, principalmente em cidades interioranas em que se concentram altos índices de pessoas em pobreza e extrema pobreza.

Justifica-se neste estudo a necessidade de aprofundar os conhecimen-tos acerca do PBF com ênfase nas alternativas desenvolvidas pela gestão do município de Apodi-RN, visto que a temática reflete na perspectiva da pro-moção e garantia dos direitos sociais das famílias inseridas. Toda pesquisa inicia-se com um problema ou uma interrogação para encontrar respostas a serem respondidas ao longo da pesquisa, e aqui está assim definida: quais impactos sociais o Programa Bolsa Família tem causado às famílias em vulne-rabilidade no município de Apodi-RN no biênio 2013/2014?

Esse questionamento surgiu do interesse em ampliar o debate pela te-mática a partir de reflexões despertadas durante os estudos realizados em cada módulo, durante a realização do curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social coordenado pela Universidade Federal do

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Rio Grande do Norte – UFRN, quando se buscou aprofundar os conhecimen-tos relativos à constituição do objeto desta pesquisa.

Foi com este propósito de ampliar o debate sobre o tema que se estabe-leceu como objetivo geral analisar os impactos enquanto dimensão social do Programa Bolsa Família no biênio 2013/2014, trazendo a importância deste como ferramenta de avanços sociais. Os objetivos específicos são necessá-rios para o alcance do objetivo geral, e são eles: a) realizar uma apreciação das alternativas executadas pela gestão do programa na perspectiva da pro-moção e garantia dos direitos sociais das famílias inseridas; e b) identificar os avanços sociais na vida das famílias beneficiadas pelo PBF.

Os procedimentos metodológicos do estudo, de natureza qualitativa, incluíram uma revisão bibliográfica, além de uma pesquisa de campo, para assim chegar aos resultados que se pretendiam atingir. Na revisão biblio-gráfica, aprofundaram-se estudos relacionados à pobreza no Brasil nas suas múltiplas dimensões e ao Programa Bolsa Família de acordo com sua histo-riografia, apontando os avanços e as dificuldades deste.

A pesquisa de campo teve como local de desenvolvimento o município de Apodi no estado do Rio Grande do Norte para identificação de infor-mações sobre os resultados acerca das ações adotadas pela equipe gesto-ra do PBF, no período citado. Ressalta-se que a cidade de Apodi-RN está localizada na mesorregião Oeste Potiguar da microrregião da Chapada do Apodi, com uma extensão territorial de 1.602,480 km². Segundo dados do IBGE (Censo 2010), há uma população de 34.763 habitantes, e destes 50,43% (17.531) residem na zona urbana e 49,57% (17.232) residem na zona rural.

A fundamentação teórica ancorou-se na análise dos resultados de estu-dos de alguns autores que discutem a eficácia do Programa Bolsa Família, como: Weissheimer (2006), Santana (2007), Cohn (2004), entre outros. Partin-do desses estudos, foi possível visualizar os efeitos que o programa disponi-biliza na vida das pessoas beneficiárias.

Na coleta de dados, adotou-se um questionário semiestruturado como documentação direta, e o público-alvo dessa investigação foram quatro pes-soas assim relacionadas: uma auxiliar administrativa, uma assistente social e duas mães beneficiárias do Programa Bolsa Família, que serviram de base para a análise dos impactos sociais do programa no período de 2013 a 2014.

O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: a primeira par-te do trabalho realizará uma reflexão teórica sobre a concepção de pobreza adotada para este estudo e um breve histórico do Programa Bolsa Família

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como ferramenta de avanços sociais. Na segunda parte, apresenta-se uma breve reflexão sobre a gestão do Programa Bolsa Família no município de Apodi, cujo objetivo é o de combate à pobreza, bem como sobre o modelo de gestão do Programa Bolsa Família. Na terceira parte, procura-se avançar analiticamente na discussão sobre as alternativas de gestão do programa em Apodi no biênio 2013/2014, além dos avanços sociais na vida das famílias beneficiadas, sendo apresentadas as estratégias de atuação para o enfren-tamento da pobreza. As referências são condutoras para o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa sobre o Programa Bolsa Família, dentre outros assuntos correlacionados à temática.

A pobreza no Brasil e as múltiplas dimensões

A definição da pobreza no Brasil é um reflexo do sistema capitalista ain-da enraizado na nossa cultura. Ao analisar os dados que se baseiam para o percentual de classes sociais, pode-se imaginar que é indispensável alguém sobreviver com uma renda estabelecida pelos critérios do programa criados pelo governo federal. No entanto, ser considerado de baixa renda não retira os direitos de ter uma vida digna, por meio da garantia dos serviços básicos que são instituídos. Enquanto isso, no Brasil ainda predomina a questão da pobreza que "não era concebida como um fenômeno estrutural da socieda-de brasileira e, consequentemente, políticas sociais voltadas para a popula-ção nessa condição não se desenvolveram" (SANTANA, 2007, p. 2).

De acordo com a Constituição Federal de 1988 (considerada como a Constituição Cidadã), permite-se que o sujeito exerça a sua cidadania por meio de uma participação mais ativa diante da sociedade, para que se torne um sujeito mais crítico diante do seu meio, fazendo com que tenha uma am-pliação nas discussões em relação às políticas públicas. A democracia está intimamente ligada à participação da população nas escolhas de represen-tantes políticos, que venham a atender os anseios da sociedade por meio de mudanças no sistema político, "do enfrentamento direto com o Estado que era cada vez mais ausente e incapaz de processar as suas demandas num sistema capitalista fechado e competitivo" (FRANÇA, 2015, p. 4).

E é nesse mesmo tempo que o tema voltado à pobreza e à miséria ga-nha espaço nos debates entre os governos, "construindo a possibilidade de desenvolver ações voltadas especificamente para a redução das desigual-dades sociais" (COHN, 2004). A desigualdade social gera e transmite vários

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fatores negativos que influenciam na personalidade do sujeito, por meio de baixo nível de confiança, baixo rendimento escolar, vulnerabilidade e depen-dência de drogas, levando até mesmo a casos de homicídio, dentre outros. Wilkinson e Pickett (2010, p. 29) enfatizam que a redução da "desigualdade é a melhor maneira de melhorar a qualidade do ambiente social e, como consequência, a real qualidade de vida para todos nós".

Frequentemente muitas crianças e adolescentes que vivem em situações desfavoráveis acabam deixando de frequentar o ambiente escolar para tra-balhar, juntamente a seus pais, para contribuir e auxiliar na renda da família. É fato que, a partir da revolução industrial, a estrutura familiar vem passando por várias transformações, havendo a necessidade de trabalhar para garantir o seu sustento e, com isso, ocasionando um distanciamento dos pais em relação aos filhos, visto que, historicamente, a mãe era responsável exclusi-vamente por cuidar das obrigações do lar e acompanhar o cotidiano escolar da criança.

Ressaltamos ainda que a permanência das crianças e adolescentes na escola não é tida como prioridade (mesmo que estejam amparados pela lei de garantia de direitos), e sim como um círculo vicioso do sistema vigente (capitalismo) que não permite que as políticas públicas e os direitos sejam exercidos e respeitados, uma vez que todas estas giram em torno da situ-ação econômica que sobrevivem por meio da exploração, exclusão social e desigualdade, originário a isso repercute no fracasso escolar. Percebe-se que a formação profissional deduz uma tendência tecnicista1 cuja principal preocupação é a de gerar lucro. Por esse motivo o Estado tende a renunciar a formação de cidadãos(ãs) críticos e reflexivos. Este processo de desinforma-ção generalizada, a indiferença política e cívica conduzem à transformação das pessoas em alvos fáceis para qualquer tipo de manipulação religiosa, ideológica, em especial a da demagogia política.

Diante desse estigma, ainda são predominantes neste país pessoas que se tornam excluídas de informações e atendimentos básicos necessários para terem uma melhor condição para sua sobrevivência. Consequentemente,

1 A Tendência Tecnicista de Ensino surgiu nos Estados Unidos na segunda metade do século XX, chegando ao Brasil entre as décadas de 1960 e 1970 – período da Ditadura Militar. Nessa concepção comportamentalista, acreditava-se que o homem é produto do meio e resultado das consequências das forças existentes em seu ambiente. A cons-ciência do homem é formada nas relações acidentais que ele estabelece com o meio ou controlada cientificamente por meio da educação, sendo possível prever os resultados de determinadas abordagens em relação ao homem/produto final.

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em busca de uma sociedade justa e igualitária como meio de integração so-cial e na igualdade em seus inúmeros fatores existenciais, o Programa Bolsa Família surge como mecanismo para amenizar a condição socioeconômica de milhares de brasileiros(as) que vivem e estão em situação de pobreza extrema em nosso país.

Histórico do Programa Bolsa Família como ferramenta de avanços sociais

Na atual realidade social brasileira, os programas socioassistencialistas de combate à pobreza e de ação social surgem para promover o acesso às políticas públicas destinadas às pessoas de classes econômicas de menor poder aquisitivo, em especial o PBF, que tem como principal objetivo facilitar a integração social por meio de suas ações beneficentes constituintes. Esse fato veio a se desenvolver no meio social depois da década de 1930, "a partir do governo de Getúlio Vargas, [em que] começou a surgir de modo mais concreto no país a ideia de construção de um Estado de bem-estar social, um projeto ainda inacabado" (WEISSHEIMER, 2006, p. 27).

Partindo dessa contextualização, os governos passaram a adotar políti-cas voltadas para as classes sociais menos favorecidas, e os pais passaram a ter mais preocupação com a melhoria de renda e consequentemente com a qualidade de vida das famílias mais pobres, ocasionando grandes trans-formações, como apresenta Weissheimer (2006, p. 27): "aprovação de leis importantes como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)". Dessa forma, os espaços de atendi-mento de ações sociais devem ser construídos com o intuito de promover o acesso efetivo e a transformação social da sociedade por meio das práticas monótonas das políticas públicas existentes.

O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) de-fine o Bolsa Família como "um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que visa melhorar as condições de vida das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza do Brasil" (BRASIL, 2015b, p. 8). O programa também está representado como uma ferramenta de avanços sociais para os entes federados no cumprimento do que está estabelecido no artigo 5o da Constituição, que determina ser dever do Estado a garantia de condições mínimas para o cidadão, tendo "maior controle da realidade social das famílias inseridas no programa" (CAMPELLO, 2013, p. 21).

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Conforme apresentou Craveiro e Ximenes (2013, p. 87), "O PBF é estru-turado a partir de três eixos", e estes visam garantir aos brasileiros os seus direitos adquiridos. O primeiro deles é a "transferência de renda que busca o alívio imediato da pobreza". O segundo eixo são as "condicionalidades" e se apresentam como uma alternativa de garantia de ações básicas do go-verno nas áreas de saúde, educação e assistência social. E por último o eixo das "ações complementares", que visa apresentar alternativas para que as famílias superem as suas vulnerabilidades. O benefício financeiro é calculado a partir dos valores da renda per capita da família e que este define a classe econômica. De acordo com o Manual de Gestão (BRASIL, 2015b), as famílias em extrema pobreza são aquelas com renda per capita igual ou inferior a R$ 85,00. Já as famílias na linha de pobreza são aquelas com renda por pessoa entre os valores R$ 85,01 e R$ 170,00.

Como já mencionado, a segunda dimensão são as condicionalidades (CRAVEIRO; XIMENES, 2013), que devem ser vistas como uma obrigatorie-dade da família beneficiada. Um compromisso assumido por cada um, de forma que os cidadãos se "beneficiem com os serviços básicos de saúde e educação na garantia assim do rompimento do ciclo da pobreza no país", uma vez que a disponibilidade dos serviços oportuniza os cidadãos a terem uma melhor qualidade de vida.

A terceira e última dimensão do Programa Bolsa Família pode ser pro-movida pelos governos federal, estaduais e municipais ou até mesmo pela sociedade civil em grupos organizados, na busca de quebrar o ciclo de po-breza no Brasil, ofertando oportunidades de outras políticas públicas para os beneficiários do programa e o desenvolvimento da sociedade, conforme expõe Cecchini (2013, p. 375). A autora ainda explica o terceiro eixo partindo da ideia de intersetorialidade, em que as ações complementares devem es-tar sempre interligadas nas áreas de diversos setores, e estes devem dividir as responsabilidades e ações para execução das políticas.

Nessa linha de oportunizar às famílias, o Ministério Desenvolvimento Social descreve que na cidade "fornece apoio a quem prefere trabalhar por conta própria, oferecendo o microcrédito produtivo orientado e incentivan-do os trabalhadores autônomos a se tornarem microempreendedores indi-viduais" (BRASIL, 2015). No campo, "oferece assistência técnica ao agricultor extremamente pobre, sementes de qualidade e recursos para aquisição de equipamentos e outros insumos" (BRASIL, 2015), além da disponibilidade de

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canais de comercializações dos produtos da agricultura familiar e alternati-vas de acesso à água para facilitar a produção.

A equipe de gestão do PBF em nível municipal é estruturada de acordo com as necessidades de atendimento, no entanto, conforme recomendação do MDS (BRASIL, 2015), deve existir uma estrutura mínima de pessoal no setor de Cadastro Único para exercer cada uma das seguintes atribuições: gestor municipal, que coordena toda a equipe; entrevistador, que realiza-rá a entrevista com as famílias, preenchendo as informações no formulário do Cadastro Único; supervisor de campo, que faz a conferência dos ca-dastros antes de encaminhar para digitação; supervisor de cadastro único, que recebe os cadastros e faz o controle de envio; assistente social, que faz o acompanhamento das famílias e identifica as que estão em situação de vulnerabilidade social; administrador de rede, que gerencia a rede de computadores; digitador, que envia as informações para a base eletrônica do Cadastro Único.

Além da equipe que está internamente ligada ao Cadastro Único, existem outros técnicos que coordenam os serviços de saúde, educação e assistência e contribuem para a execução das atividades exigidas nas con-dicionalidades, conforme o MDS (BRASIL, 2015). Na educação é necessário um técnico responsável pelo acompanhamento da frequência escolar das crianças, adolescentes e jovens beneficiários. Na saúde as atividades devem ser realizadas em parceria com a equipe de saúde da família para a coleta dos dados. Já na assistência social toda a equipe do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Centro de Referência Especializado de Assis-tência Social (Creas) também faz parte do trabalho intersetorial de gestão do Programa Bolsa Família.

Nota-se a importância do gestor municipal, indicado pelo prefeito, sen-do responsável pela execução das atividades do PBF, por ele ser o elo das informações, interligando governo estadual e federal, além de ser o coorde-nador de maior importância do município, responsável pelo planejamento e coordenação de todas as equipes técnicas envolvidas no programa. Se-gundo explica o MDS (BRASIL, 2015, p. 27): "O gestor do Programa Bolsa Família tem o papel de coordenar e articular as relações entre as secretarias municipais de assistência social, educação e saúde", além de ser interlocutor com o Fundo de Assistência Social para garantir uma boa execução dos gas-tos com os recursos do Índice de Gestão Descentralizada – IGD.

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A dificuldade na execução do programa justifica-se por duas causas: "problemas de atualização de cadastro e irregularidades envolvendo a es-fera local do poder público" (WEISSHEIMER, 2006, p. 36). As informações na atualização do Cadastro Único interferem no resultado do programa, uma vez que, quando não condizem com a realidade, podem permanecer pesso-as indevidas recebendo o benefício e impedir que famílias em vulnerabilida-de social ocupem vaga no Programa Bolsa Família.

A Gestão do Programa Bolsa Família no município de Apodi

De acordo com o Art. 8o da Lei de no 10.836, de 09 de janeiro de 2004, compete aos governos Federal, estaduais e municipais a gestão do Progra-ma Bolsa Família de forma descentralizada. Pois é por meio destes que serão traçados os objetivos e as metas estabelecidas pela equipe, possibilitando a sistematização e a concretização dos anseios e desejos da comunidade e ressaltando a intersetorialidade.

Conforme a necessidade específica dos municípios brasileiros, cada ges-tão deve adotar métodos eficazes para o bom andamento das atividades a serem executadas para atender as demandas emergentes. Essas ativida-des requerem atenção e responsabilidades, por parte do gestor, uma vez que por meio da análise pelo IGD, que fixa critérios para aumento desses recursos, o município adquire incentivos financeiros para a condução dos trabalhos para a eficácia e o gerenciamento das ações dos programas.

O cálculo do IGD é feito a partir de uma tabulação de dados oriundos das atividades realizadas pelas secretarias de assistência social, saúde e edu-cação, que devem trabalhar de forma descentralizada, porém, sem perder a ligação uma da outra. Os recursos são transferidos ao Fundo da assistência e devem ser aplicados "às atividades vinculadas à gestão do PBF e do Ca-dastro Único", como aquisição de equipamentos de informática, promoção de estratégias de fiscalização do programa, realização de atividades de ca-pacitação para as equipes de trabalho, assim como também para as famílias beneficiárias, melhora da infraestrutura de atendimento das famílias.

Para exercer as atividades com eficácia, os municípios e estados devem contar com equipe técnica capacitada. Conforme exigência do programa e explicitado no Manual de Gestão do Programa Bolsa Família (BRASIL, 2015b), são exigidos coordenadores, entrevistadores e assistentes sociais. O PBF do referido município, durante os anos de 2013 e 2014, apresentou

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algumas variantes que influenciaram de maneira positiva o atual contexto socioeconômico dos cidadãos que compõem o referido programa assisten-cialista. Isso vem demonstrar a eficiência com que foi desenvolvido nesse período de vigência.

Alternativas de gestão do PBF em Apodi no biênio 2013/2014

A partir de um estudo de campo, identificaram-se algumas informações que foram basilares nos resultados da pesquisa acerca das ações adotadas pela equipe gestora do PBF no referido período. Observou-se, como uma das mais relevantes para o sucesso no trabalho, a atualização permanente das informações dos beneficiários do Programa no Cadastro Único, uma vez que toda alteração familiar passou a ser informada ao município. Conforme estabelecido na legislação do PBF (BRASIL, 2015), "é obrigatória a atuali-zação dessas informações em no máximo a cada dois anos, para evitar o bloqueio do benefício".

Diariamente eram discutidas diversas temáticas abordando as diretrizes do programa, seguindo uma rotina preestabelecida pela equipe técnica do programa, com o intuito de esclarecer as respectivas dúvidas das famílias. Mediante o resultado dessa "roda de conversa", adotou-se um sistema de controle de denúncias em todas as unidades dos serviços da Secretaria Municipal de Assistência Social, onde foram disponibilizadas "caixinhas de denúncia", para que assim a sociedade pudesse contribuir com o trabalho de fiscalização do programa. Consequentemente, isso resultou na saída de várias famílias que estavam indevidamente no programa por apresentarem dados inverídicos no Cadastro Único, abrindo, assim, espaço para famílias em situações de vulnerabilidade participarem do programa.

Conforme apresentado no Manual de Gestão do Cadastro Único do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome: "é recomendá-vel que a entrevista aconteça no domicílio das famílias, o que garante mais fidedignidade às informações coletadas" (BRASIL, 2015, p. 27). A referida al-ternativa tem sido importante no intuito de buscar cumprir a recomendação do MDS, pois resulta na economia para as famílias, uma vez que, quando o município realiza a visita junto ao responsável, se evitam gastos com deslo-camento pelo usuário.

Com o cumprimento dessa ferramenta, a equipe passa a tomar conhe-cimento da realidade social das famílias inseridas no programa e de quais destas são assistidas com os serviços básicos garantidos pela legislação do

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PBF. Nesse sentido, a Caravana da Assistência Social foi uma significante al-ternativa adotada pela gestão do PBF nos anos de 2013 e 2014, uma vez que essa ação tinha como objetivo proporcionar aos beneficiários do programa a oportunidade de atendimento nas comunidades rurais. A cada dia, a equipe municipal deslocava-se para uma comunidade polo, principalmente as mais distantes, onde há dificuldades de acesso e os custos são elevados para o deslocamento até a unidade central.

Toda a infraestrutura foi montada para um melhor atendimento à popu-lação carente. Por se tratar de uma atividade ampla, a equipe trabalhava em parceria com os líderes comunitários de associações e agentes comunitários de saúde na busca ativa de novas famílias que ainda não estavam incluí-das no Cadastro Único para programas sociais, mesmo sendo público-alvo dos programas sociais. A Caravana da Assistência Social tinha um trabalho diário bastante intenso, e as ações desenvolvidas focavam as famílias bene-ficiárias do PBF, no sentido de promover um melhor atendimento a todos os beneficiários.

Avanços sociais na vida das famílias beneficiadas pelo PBF

A partir de um trabalho sistemático de informações coletadas, apre-sentamos alguns pontos que se destacaram como importantes avanços sociais nas famílias beneficiárias do PBF. Tomando como base as opiniões de uma amostra de dois membros da equipe do Programa Bolsa Família e duas responsáveis de famílias beneficiárias, no ano de 2013, notou-se que a equipe, ainda em adequações, buscava aprimorar as ações constantemente no intuito de garantir um melhor atendimento para os usuários, fato este considerado de relevância, pois os indevidos pediram voluntariamente o desligamento e oportunizaram, assim, que novas famílias as quais estavam na linha de pobreza e extrema pobreza passassem a ser beneficiadas do programa.

Foram realizadas perguntas a mães beneficiárias em suas respectivas residências, separadamente, das quais se obtiveram alguns depoimentos, como no caso da beneficiária "A", que revela: "fazia mais de três anos que esperava e não vinha meu Fome Zero, e só em 2013 que graças a Deus tem me servido muito". Mais adiante reconhece o trabalho de conscientização realizado pela equipe que facilitou sua entrada no programa, ao dizer: "os meninos sempre falavam nas palestras da secretaria, aí o povo pediu para sair e eu entrei".

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Conforme relatórios emitidos por meio do portal do MDS (2016), no ano de 2013, 9.586 famílias estavam cadastradas no município de Apodi com perfil de beneficiário do Bolsa Família. Destes, somente 5.322 recebiam o benefício, o equivalente a 55,51% do total. Com isso, nota-se um grande número de famílias que preenchem os requisitos do programa, porém, não são beneficiárias, um importante dado para a gestão municipal buscar alter-nativas a partir de ações complementares de forma que as famílias benefici-árias possam ter independência financeira e saiam do programa vagas aos que estão na espera. Em 2014 a realidade ainda continua, e notou-se que se encontravam cadastradas 9.853 famílias no perfil PBF, das quais somente 5.165 eram beneficiárias do programa, um equivalente a 52,42% do total, isto é, o percentual de famílias beneficiárias havia diminuído.

Isso demonstra as repercussões das atualizações cadastrais e a inclusão de novos beneficiários, assim como também o crescimento pessoal dos usu-ários, cujas falas, ao serem questionados sobre as alternativas adotadas pela gestão do PBF em Apodi nos anos de 2013 e 2014, demonstram que se têm ocasionado avanços sociais na vida das pessoas beneficiadas pelo progra-ma. É o caso do depoimento da assistente social, que assim se pronunciou: "Sim, quando o trabalho de condicionalidade entre Cras e Secretaria passa a ser realizado como é para ser, assegurando os direitos educacionais e de saúde, cobrando, conscientizando ao máximo, em dia e com as crianças na escola, evitando bloqueios de seus benefícios".

Com isso, nota-se a importância das condicionalidades como eixo norte-ador do programa para garantia dos direitos adquiridos de acesso à saúde e educação. A partir do trabalho de acompanhamento do Cras, passa-se a tomar conhecimento e a ofertar às famílias em situação de vulnerabilidade aquilo de que estão necessitando, como a vacina em dia das crianças, pois, conforme normativa do programa constante no Manual de Gestão (BRA-SIL, 2015b, p. 91) é necessário "manter atualizado o calendário de vacinação das crianças menores de sete anos", e como o descumprimento ocasiona o bloqueio do benefício às mães, estas devem levar as crianças para serem va-cinadas periodicamente, conforme calendário estabelecido pelo Ministério da Saúde.

O cumprimento das condicionalidades é muito importante para os be-neficiários. Esse fato foi destacado no depoimento da beneficiária "B": "acho que precisa mesmo dos meninos irem para a escola e se vacinar". Mais adian-te ela relata sua experiência, dizendo que já foi advertida e posteriormente

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teve o benefício bloqueado em virtude de seu filho adolescente ter deixado de frequentar a escola por uma semana. Segundo ela, "não sabia que meu filho faltando por motivo de doença eu ia ser bloqueada", porém, afirma que não foi até a escola comunicar a professora. Em virtude do descumprimento, a família passou a ser acompanhada pelo Cras e foi orientada sobre a im-portância da frequência escolar. Ainda completa dizendo que "serviu para a gente aqui aprender, agora os meninos não perdem um dia de aula. Falo para o mais novo que se faltar aula não recebe mais a bolsa escola". Com isso, notamos o quanto é importante o acompanhamento para a família.

Na pesquisa de campo, quando se questionou se o Programa Bolsa Família tem melhorado suas vidas, obtivemos o seguinte depoimento da be-neficiária "A": "O Bolsa Família mudou demais nossa vida, a gente vivia pas-sando necessidade, e depois do Bolsa, é pouco, mas é uma ajuda boa. Pago a energia, compro umas besteirinhas, roupas e os cadernos das meninas".

Na fala da entrevistada, percebe-se o quanto é importante o recebimen-to do referido benefício, principalmente nas famílias que estão em situação de vulnerabilidade social. Um destaque importante é que a contribuição financeira pode ser utilizada pelo responsável familiar para suprir as necessi-dades da família. "É deles a decisão de como utilizar os recursos recebidos [...] e sem a interferência de qualquer instância externa" (BRASIL, 2015b, p. 11).

A auxiliar administrativa interrogada apresenta a sua opinião acerca das ações adotadas pela gestão municipal do PBF no município de Apodi nos anos de 2013 e 2014, reconhecendo a "Caravana da Assistência" como a mais importante, pois para ela os "usuários recebiam todos os serviços da assistência social sem precisar se deslocar para a cidade, principalmente os que moram mais distante". No entanto, analisemos agora o depoimento da beneficiária "B" quando foi perguntada sobre tal questão: "Não acho que serviu para muita coisa, eu mesma fui lá e não fui atendida. Muita gente, e os computadores não pegavam internet, para mim era melhor ir mesmo para a cidade, lá já tem tudo pronto e resolvemos as coisas mais rápidas".

A insatisfação da entrevistada remete-nos ao que apresentou a assisten-te social quando questionada sobre os desafios enfrentados pela gestão. Ela considera que a realização da "Caravana da Assistência" é uma ação importante, porém, muito complicada de realizar, principalmente pelas difi-culdades encontradas em comunidades mais distantes: "o acesso à internet

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é complicado nesses locais, e nossos atendimentos em sua maioria são atra-vés de sistemas eletrônicos, e isso tem causado insatisfação aos usuários".

Uma das entrevistadas também faz importantes colocações sobre as "rodas de conversas" realizadas diariamente na Secretaria Municipal de De-senvolvimento e Assistência Social. Para ela, essa ação foi inédita e fica agra-decida pelo conhecimento obtido: "seis anos que sou do Bolsa Família e só em 2013 que conheci de verdade como ele funciona. Aprendi muitas coisas novas". A assistente social considera a ação o ponto-chave para uma boa gestão, e para ela "o momento de debate oportuniza às famílias a conhece-rem o programa". Outra vantagem é que "as pessoas passam a trabalhar em parceria com o município, fazendo denúncias das pessoas irregulares". A au-xiliar administrativa entrevistada afirma que, das atividades executadas nos anos de 2013, a roda de conversa é uma das mais importantes, pois "foi com a ajuda das conversas que várias famílias pediram desligamento voluntário do programa, e abriu oportunidade para outras pessoas".

As quatro pessoas entrevistadas foram instigadas a fazer uma avaliação da gestão municipal do Programa Bolsa Família em Apodi durante os anos de 2013 e 2014, e a média de avaliação foi de 8,3 numa escala de 0 a 10. Isso mostra que as ações adotadas nesse período obtiveram uma boa avaliação, apesar de ainda não obter a pontuação máxima. Para a assistente social, a falta de experiência por parte de algumas pessoas da equipe de certa forma dificultou os trabalhos no primeiro ano, porém, a partir do segundo estas passaram a exercer suas tarefas com mais eficiência. Por sua vez, a auxiliar administrativa reconhece que muito foi feito, mas "muita coisa ainda precisa ser feita para receber nota dez". As duas beneficiárias entrevistadas fizeram elogios para o trabalho da gestão, porém, uma delas acrescentou: "ainda precisam fazer um trabalho mais forte de investigação para combater as ir-regularidades que têm no programa. É inaceitável a quantidade de pessoas que ainda recebe o benefício de forma injusta".

Apesar de muitas ações desenvolvidas, percebe-se nas falas das entre-vistadas que ainda se precisa investir em políticas públicas, para que, assim como o PBF, outras ações sejam institucionalizadas de forma a colaborar com essa parcela da população que se encontra abaixo da linha da pobreza. No entanto, é preciso que os gestores formem equipes de trabalho bem motivadas, com pessoas críticas, que discutam, planejem e deliberem em conjunto ações voltadas para o desenvolvimento social e educacional das famílias carentes.

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Considerações finais

Ao término deste trabalho de pesquisa, pode-se concluir que este foi de grande relevância, no sentido de ampliar conhecimentos em relação ao Programa Bolsa Família e dar aprofundamento no entendimento desse pro-cesso, partindo do embasamento teórico abordado, fazendo a relação da teoria com a prática. O conteúdo obtido a partir dessa investigação apre-senta dados significativos sobre as ações adotadas pela gestão municipal do Programa Bolsa Família do município de Apodi no período de 2013 a 2014, sobre como essas atividades interferiram na vida social das pessoas que são beneficiárias e quais foram os avanços identificados. Percebe-se a importância do trabalho da equipe do município com a sociedade para, jun-tas, identificar as famílias em situação de vulnerabilidade social e incluí-las na base de dados do programa.

A partir de um trabalho de planejamento adotado pela equipe municipal de gestão do PBF, foi possível alcançar importantes resultados na avaliação pela população e principalmente a oportunidade de novas famílias em situ-ação de pobreza e extrema pobreza ingressarem no programa. No entanto, para que se tenha sucesso, é necessário o esforço e comprometimento da sociedade em geral no que se refere à consciência de si enquanto cidadão pelo exercício da democracia, e por meio do trabalho coletivo e participativo haverá a possibilidade de alcançar os objetivos pretendidos.

Nessa perspectiva, percebe-se que o resultado desta investigação foi satisfatório e oportunizou ampliar o conhecimento sobre a realidade das fa-mílias carentes, que necessitam de uma renda que ajude no orçamento, uma vez que as rendas por eles recebidas são incertas. Observa-se que a situação de pobreza vivida por uma parcela da sociedade é constrangedora. Situação que influi diretamente no perfil educacional e social de todos os membros da família. Portanto, por meio deste estudo, puderam ser fornecidos dados importantes acerca das famílias beneficiadas no Programa Bolsa Família em Apodi-RN, tendo como referência o período de 2013 e 2014, e espera-se que seus resultados sejam instigadores de outros estudos sobre a temática.

ReferênciasBRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Ministério das Comunicações, 1988.

______. Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 12 jan. 2004.

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Impactos sociais do Programa Bolsa Família no município de Apodi-RN no biênio 2013-2014 | 283

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Programa Bolsa Família: analisando sua contribuição no processo de aprendizagem de beneficiários da turma do 4o ano D da Escola Municipal José Nunes de FigueiredoKiarelly Cícero Martins da NóbregaDeyse Karla de Oliveira Martins

Introdução

Para a construção deste trabalho, instauramos um processo analítico e investigativo acerca do que envolve o Programa Bolsa Família – PBF, anali-sando sua contribuição no processo de aprendizagem dos seus beneficiários da turma do 4o ano D, da Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, no município de Ouro Branco, estado do Rio Grande do Norte.

Nesse sentido, procedemos com uma investigação acerca do processo de alfabetização e de como ele foi se desenvolvendo em relação ao quadro de analfabetismo de tantas crianças e adolescentes brasileiros.

Assim, buscamos trabalhar e discutir a experiência desenvolvida pela professora Gildete Medeiros, na turma do 4o ano D, da escola mencionada, como campo de pesquisa.

Para concretização desta pesquisa, adotamos os princípios da pesquisa bibliográfica, consultamos documentos e atas da escola, e, como instru-mento investigativo, elaboramos e aplicamos questionários com objetivos especificamente voltados para os pais, outro para os alunos e outro para a professora.

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Para realizarmos análise detalhada acerca da alfabetização, estudamos a Lei 11.274/2006, que trata do Ensino Fundamental de nove anos, e a articu-lação dos três anos iniciais do Ensino Fundamental, que constituem o ciclo da alfabetização e letramento, sem interrupção, inclusive com processo de avalição contínuo, cujos resultados são emitidos por meio de relatórios.

Conforme preconiza a Lei 11.274/2006, almejava-se um processo de alfa-betização orientado, ao longo de três anos, com foco em metas, com base nas quais a criança chegaria ao fim do último ano com as competências da leitura e da escrita desenvolvidas.

Em busca de compreender o contexto, analisamos também as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental de Nove Anos, aprovadas em 2010, com destaque para o Artigo 49:

O Ministério da Educação, em articulação com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, deverá encaminhar ao Conselho Nacional de Edu-cação, precedida de consulta pública nacional, proposta de expectativas de aprendizagem dos conhecimentos escolares que devem ser atingidos pelos alunos em diferentes estágios do Ensino Fundamental (art. 9, § 3o, desta Resolução) (BRASIL, 2013, p. 142).

Apesar da expectativa de que a criança deverá estar alfabetizada até o final do ciclo, tem-se observado que muitas chegam ao 4o ano do Ensi-no Fundamental não alfabetizadas, sem o domínio das operações básicas da matemática, ou seja, não desenvolveram os conhecimentos básicos ne-cessários para avançar em sua vida estudantil, fato que culmina em várias reprovações no 4o ano do Ensino Fundamental – quando o ensino passa a ser pautado pelo sistema seriado, com base na média das notas obtidas ao longo do ano letivo, caso o aluno não atinja a média, poderá fazer uma prova de recuperação, mas se não obtiver a média poderá ser reprovado e consequentemente retido na série.

Frente a esse contexto, buscamos também estudar as questões referen-tes às desigualdades sociais e sobre de que maneira este quadro interfere na vida e na aprendizagem de muitas crianças do nosso país. Assim, realizamos uma reflexão do processo de alfabetização das crianças, de como as desi-gualdades sociais e a pobreza se manifestam nas escolas e no rendimento do aluno em salas de aula.

Num segundo momento, passamos a discutir os múltiplos aspectos do campo empírico da nossa pesquisa, a Escola Municipal José Nunes de

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Figueiredo. Fizemos, portanto, uma caracterização da escola, do perfil dos professores, funcionários e alunos, e, por fim, escolhemos a turma do 4o ano D, da professora Gildete Medeiros. A escolha da professora Gildete Medei-ros para trabalhar com a turma deu-se em decorrência da experiência de seu trabalho pedagógico desenvolvido em salas multisseriadas na própria escola.

Após a realização do estudo bibliográfico e metodológico para definir o instrumento de coleta de dados, optamos pela aplicação de questionários com perguntas direcionadas especificamente aos pais, outro para as crian-ças, e outro com questões voltadas aos saberes pedagógicos e metodoló-gicos a ser respondido pela professora regente da turma. Nessa pesquisa, buscamos entender tanto questões relacionadas às estratégias utilizadas pela professora como também o processo de sondagem e a metodologia utilizada na realização do trabalho docente.

Outro aspecto da pesquisa diz respeito ao lugar social em que essas crianças e adolescentes vivem, às condições de acompanhamento familiar na vida escolar. Consequentemente, passamos a analisar, também, quantos alunos são beneficiários do Programa Bolsa Família e qual a relação do pro-grama para com a escola, a aprendizagem e o desenvolvimento da criança beneficiada.

Investigamos se as famílias beneficiárias tendem a ser mais comprometi-das que as demais ou se essa responsabilidade parte apenas do compromis-so para com a frequência do aluno, uma vez que frequentar a escola é condi-ção fundamental para a permanência no programa. Este estudo construiu-se de forma discursiva, dialética e coletiva, tendo em vista o entendimento e as ações institucionais, bem como as respostas da família aos apelos da escola e as necessidades e problemáticas das crianças.

Analisando o contexto da alfabetização, da repetência e da desigualdade social no Brasil

A escola tradicional trazia consigo um conjunto de metodologias e didá-ticas conforme as quais o professor era o agente reprodutor de conteúdos, de modo que a criança frequentava a escola para aprender a ler e escrever.

Sob essa ótica, não se levava em consideração que muitas crianças apresentavam dificuldades de aprendizagem e que as metodologias do professor deveriam também atender a esta criança, uma vez que a turma

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apresenta aspectos diferenciados. Assim sendo, os profissionais não bus-cavam detectar essas necessidades de aprendizagem, mas tratavam todos da mesma maneira, trabalhando de forma homogênea, e a aprendizagem acontecia para os que de fato conseguissem captar da forma que o profes-sor ensinasse.

A esse respeito, assevera Ferreiro (1999, p. 23):

Há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para es-crever as coisas inteligentes, divertidas ou importantes. Essas são as que terminam de alfabetizar-se na escola, mas começaram a alfabetizar-se muito antes através da possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. Há crianças que necessitam da escola para apro-priar-se da escrita.

O processo de alfabetização é uma junção de todos os espaços, ele-mentos e lugares em que a criança está inserida e que se transformam em aprendizagem, sendo importante que os professores se utilizem dessa gama de oportunidades de formulação de conteúdos que geram a matéria para ser trabalhada por eles em sala de aula. Conforme Leal, Albuquerque e Mo-rais (2007, p. 69-70):

A linguagem ocupa, assim, um papel central nas relações sociais vi-venciadas por crianças e adultos. Por meio da oralidade, as crianças participam de diferentes situações de interação social e aprendem sobre elas próprias, sobre a natureza e sobre a sociedade. Vivenciando tais situações, as crianças aprendem a falar muito cedo e, quando chegam ao ensino fundamental, salvo algumas exceções, já conseguem interagir com autonomia. Na escola, no entanto, aprendem a produzir textos orais mais formais e se deparam com outros que não são comuns no dia a dia de seus grupos familiares ou de sua comunidade. Na instituição escolar, portanto, elas ampliam suas capacidades de compreensão e produção de textos orais, o que favorece a convivência delas com uma variedade maior de contextos de interação e a sua reflexão sobre as diferenças entre essas situações e sobre os textos nelas produzidos.

Então, por que um número considerável de alunos não consegue apren-der a ler e a escrever nesse prazo considerado razoável? A relação esta-belecida entre professor e aluno, como também a sua proposta didática e pedagógica – muitas vezes tradicional, autoritária, fechada e inflexível – seria o motivo pelo fracasso desse aluno?

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O processo de avaliação dá-se por meio de relatórios que são construí-dos pelos professores semestralmente, delineando os processos de apren-dizagem dos alunos, seus avanços e suas dificuldades, com ênfase naqueles que necessitam ser trabalhados para que, ao final do ciclo, possam estar aptos a ingressar em outra etapa de sua formação. Nesse sentido, os PCN (BRASIL, 1997, p. 42) estabelecem que

a seriação inicial deu lugar ao ciclo básico com a duração de dois anos, tendo como objetivo propiciar maiores oportunidades de escolarização voltada para a alfabetização efetiva das crianças. As experiências, ain-da que tenham apresentado problemas estruturais e necessidades de ajustes da prática, acabaram por mostrar que a organização por ciclos contribui efetivamente para a superação dos problemas do desenvolvi-mento escolar. Tanto isso é verdade que, onde foram implantados, os ciclos se mantiveram, mesmo com mudanças de governantes. Os Parâ-metros Curriculares Nacionais adotam a proposta de estruturação por ciclos, pelo reconhecimento de que tal proposta permite compensar a pressão do tempo que é inerente à instituição escolar, tornando possível distribuir os conteúdos de forma mais adequada à natureza do proces-so de aprendizagem. Além disso, favorece uma apresentação menos parcelada do conhecimento e possibilita as aproximações sucessivas necessárias para que os alunos se apropriem dos complexos saberes que se intenciona transmitir.

Assim, o ciclo foi implantado como uma estratégia para diminuir os índi-ces de reprovação, repetência e evasão escolar nos primeiros anos do Ensino Fundamental, cabendo ao professor, nesse espaço de tempo, buscar cami-nhos para que seu trabalho seja desenvolvido de maneira que seus alunos avançassem em conhecimento e aprendizagem, chegando ao fim do 3o ano do Ensino Fundamental alfabetizados e dominando as operações básicas da matemática (adição, subtração, multiplicação e divisão).

Com a instituição do Ensino Fundamental em 9 anos, o ciclo de alfabe-tização passa a ser constituído pelos três anos iniciais, visando melhorar os índices de qualidade e desempenho dos alunos. O fato é que, mesmo com a criação e implantação dos ciclos de alfabetização, ao chegar ao quarto ano do Ensino Fundamental, alguns alunos acabam não adquirindo essas competências, terminando por serem reprovados na mesma série, às vezes por anos seguidos. Desse modo, a reprovação escolar vem sendo discuti-da ao longo dos anos, geralmente responsabilizando o professor pela não

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aprendizagem do seu aluno, embora tanto o aluno quanto o professor te-nham suas responsabilidades. Nesse sentido, assevera Paro:

a aprovação automática, apesar de seu valor intrínseco, não está imune a sua utilização com propósitos alheios à promoção da qualidade do ensi-no. A impressão negativa causada pelas altas estatísticas de reprovação e evasão escolar nos vários sistemas de ensino tem levado governantes im-populares a lançar mão de expedientes nada pedagógicos para provocar a queda dessas estatísticas, de modo a parecer que tais quedas tenham sido resultado de alguma melhoria na eficiência da escola (PARO, 2003).

Podemos ver que ao professor cabe a tarefa de motivar os alunos, des-pertando neles o interesse pela aprendizagem, uma vez que o aluno, ao passo que está inserido no contexto escolar, aprende e vivencia o que foi aprendido. Contudo, é necessário ter em mente que muitas vezes o pro-fessor não conhece a realidade familiar do seu aluno, o lugar onde mora, as condições financeiras da família, o acompanhamento que essa criança recebe em casa, entre outras variáveis pertinentes.

Desse modo, passamos a perceber que a questão de alfabetização engloba, de maneira consolidada, a condição social em que essa criança ou adolescente vive e de que forma as desigualdades sociais interferem na aprendizagem.

Com base em tais constatações, passamos a lançar nosso olhar a ques-tões relacionadas às desigualdades sociais e à pobreza, que, ao longo da nossa história, têm marcado a vida do cidadão de baixa renda com dor, per-das, sofrimento e marginalização, uma vez que os arranjos político-econômi-cos têm obrigado milhares de brasileiros a viverem com o mínimo necessário à sobrevivência.

Curiosamente, a pobreza que acomete o brasileiro não se deve à escas-sez de recursos, mas à desigualdade da distribuição de riquezas e recursos, ficando nosso país conhecido como um dos mais ricos do mundo, mas tam-bém com os maiores índices de desigualdade.

Há um vínculo entre analfabetismo, repetência e desigualdade social, de modo que crianças e adolescentes de camadas sociais menos favorecidas se encontram com níveis de aprendizagem baixíssimos, sendo esse um caso não apenas de uma única escola em especial, mas de tantas e tantas esco-las brasileiras. É necessário, pois, que busquemos proporcionar melhores condições de aprendizagem por meio de qualidade no serviço e acesso à

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alfabetização por meio de um trabalho metodológico que favoreça a apren-dizagem e possa, de maneira efetiva, reverter essa situação.

Desse modo, passamos a discorrer a respeito dessa problemática, por meio de uma pesquisa cujo campo de atuação é a Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, na cidade de Ouro Branco-RN, na turma do 4o ano D, da professora Gildete Medeiros, com o propósito de trazer à tona questões inteiramente relacionadas à nossa investigação.

Caracterizando a escola/campo de pesquisa

A Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, situada na Avenida José da Penha, no 211, bairro Centro, na cidade de Ouro Branco-RN, pertence à rede municipal de ensino.

Para atender ao propósito deste trabalho, tomou-se como objeto de aná-lise a turma do 4o ano D, uma vez que a própria equipe escolar adotou como estratégia de ensino observar e intervir na aprendizagem das 22 crianças que estão sob os cuidados da professora Gildete Medeiros. Esses 22 alunos foram reprovados de dois a cinco anos no 4o ano do Ensino Fundamental, e, consequentemente, encontram-se em distorção idade/série. Diante dessa realidade, por meio da aplicação dos questionários investigamos possíveis condicionantes dessa situação e por que ela tende a se repetir na vida esco-lar desses alunos.

Na escola em que realizamos nossa pesquisa, a atual gestão, juntamente à coordenação pedagógica e aos professores, ao realizarem atividades vol-tadas para sondagem e análise de aprendizagem dos alunos, constataram que eles necessitavam de uma atenção diferenciada nos aspectos didáticos e metodológicos.

Após esse trabalho, observou-se que, dos 82 alunos matriculados para as turmas de 4o ano da escola, 22 deles apresentavam nível de aprendiza-gem abaixo do esperado para o 4o ano. Alguns casos chamaram a atenção, especialmente aqueles que acumulavam cinco reprovações e ainda não es-tavam alfabetizados. O fato de não estarem alfabetizados dificulta todo o processo de aprendizagem.

Diante desse diagnóstico a equipe gestora avaliou que esses alunos precisavam de atividades didáticas e metodológicas voltadas para a alfa-betização e letramento, e a partir daí foram traçadas metas e estratégias de ensino que pudessem viabilizar a aprendizagem e ajudá-los a avançar. Uma

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delas foi constituir uma turma com crianças e adolescentes, objetivando a alfabetização e letramento desses alunos, considerando também o desen-volvimento de atividades pertinentes aos interesses da idade.

Os dados obtidos na sondagem inicial da turma resultaram no seguinte perfil: são 22 alunos, 15 do gênero masculino e sete do gênero feminino; 12 são alunos da zona rural, 10 da zona urbana. Desses 22 alunos, sete encon-tram-se no estado pré-silábico, três no silábico, cinco no silábico-alfabético, e apenas cinco estão, de fato, alfabetizados. Para cada um desses níveis de aprendizagem, existem seus conteúdos, competências e aptidões, de modo que essas informações contribuem de maneira significativa para servir de caminho a nossas próximas discussões.

No mesmo período, por meio de questionários de pesquisa, buscamos, a partir da análise dos dados, identificar, confirmar ou refutar possíveis hi-póteses a respeito do processo de ensino-aprendizagem e de que forma o contexto familiar tem influenciado na aprendizagem e no desenvolvimento desses alunos, bem como compreender qual o contexto familiar, a condição financeira e estrutural precária na qual eles vivem, que poderá ser fator de-terminante para a defasagem da aprendizagem.

Neste estudo, foram detectados a baixa escolaridade dos pais, o pouco ou inexistente estímulo e acompanhamento na realização das atividades escolares, alunos que ajudam a cuidar dos irmãos menores, que são respon-sáveis pelos afazeres domésticos ou trabalhos análogos, e estes são fatores que podem interferir no processo de aprendizagem.

Para entender melhor os benefícios à aprendizagem proporcionados aos beneficiários do Programa Bolsa Família na escola/campo de pesquisa, vamos fazer um breve histórico do surgimento do PBF e suas implicações no enfrentamento da pobreza, na valorização das matrizes culturais e na contri-buição histórica e social das classes menos favorecidas ao longo da história e estabelecer relação com o desenvolvimento da aprendizagem do aluno.

O Programa Bolsa Família e suas contribuições para a aprendizagem de seus beneficiários

No ano de 2003, o Programa Bolsa Família surge como resultado da jun-ção de quatro programas federais criados entre 2001 e 2002: o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), o Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado à educação (Bolsa Escola), o Programa de Auxílio Gás

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(PAG) e o Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado à saúde (Bolsa Alimentação).

A esse respeito, Costa e Lobo (2014, p. 7) afirmam:

Outra justificativa para essa reunião de programas sociais seria a melhoria nos mecanismos de fiscalização e transparência. Isso porque um cadastro único, concebido através do software elaborado pelo governo federal, dificultaria manipulações locais do programa, evitando que famílias vul-neráveis fossem aliciadas por autoridades locais em troca do benefício concedido pelo PBF, bem como que famílias fora da extrema pobreza pudessem ser irregularmente beneficiadas. A lei no 10.836/2004 dispõe sobre as regras de implantação, valores dos benefícios, famílias que serão contempladas e as condicionalidades do PBF. Com efeito, o PBF abarca famílias consideradas na extrema pobreza, e o critério adotado, desde 2009, é a renda per capita mensal igual ou inferior a R$ 70,00. O benefício a ser recebido varia de acordo com o número de crianças e adolescentes com até 17 anos e a presença de gestantes e nutrizes, variando de R$ 32,00 a R$ 306,00.

Passamos a discutir as relações existentes entre aprendizagem, pobreza, alfabetização e as contribuições do Programa Bolsa Família para com seus beneficiários, por meio de um trabalho que parte da análise da realidade, com estudo bibliográfico e também por meio de entrevistas e questionários aplicados com os beneficiários e suas famílias, buscando saber se houve uma mudança e melhoria de aprendizagem, uma vez que este programa fede-ral é de grande proporção e atendimento, abarcando milhões de famílias brasileiras.

Segundo Costa e Lobo (2014, p. 2):

O nível de desigualdade no País já é, desde 2004, o mais baixo das três últimas décadas. Um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA) mostra que a velocidade da queda da desigualdade no Brasil desde 2001 é superior ao ritmo verificado em países ricos, como os Estados Unidos, a Inglaterra ou a Suécia. Essas transformações não ocorreram apenas pela implementação dos programas de transferência de renda, mas admite-se seu papel fundamental, principalmente em estados localizados no Norte e Nordeste do Brasil. A política pública Bolsa Família, por exemplo, tem uma enorme relevância na redução da pobreza; enquanto fatores como a geração de empregos e valorização do salário mínimo pesam mais na redução da desigualdade social.

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As políticas sociais surgem para ir ao encontro das necessidades de de-senvolvimento, uma vez que a questão da pobreza ao longo dos séculos vem sendo discutida e trabalhada de modo a retirar pessoas da situação de extrema pobreza, para que possam ter condições de sobreviver com cida-dania e dignidade.

Desse modo, a educação ocupa lugar de destaque entre as políticas sociais, pois é a educação o caminho que direciona o desenvolvimento pes-soal, promovendo a emancipação do indivíduo. Buscando essa aproximação e estabelecendo um contato entre a teoria e a pratica, resolvemos, então, investigar a realidade dos alunos.

A turma selecionada para o estudo é regida pela professora Gildete da Silva Medeiros, graduada em pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), exercendo a docência há 23 anos. Lecionou 11 anos em escolas do campo, e, há 12 anos, leciona na escola pesquisada. Des-de 2016, a referida professora vem desenvolvendo um trabalho pedagógico na turma do 4o ano D.

Para uma melhor compreensão do percurso do trabalho desenvolvido na turma, questionamos a professora a respeito de aspectos cognitivos de seus estudantes, quanto ao desenvolvimento da leitura e escrita, bem como das quatro operações básicas da matemática. Assim descreve a professora Gildete Medeiros:

No início do ano letivo, foi feita uma sondagem para descobrir as hipó-teses de cada aluno sobre a língua escrita, com o objetivo de planejar as aulas, adequá-las de acordo com as necessidades de aprendizagem e fazer as intervenções apropriadas. Essa sondagem pode consistir, por exemplo, na escrita do próprio nome, pois alguns alunos só sabem escrever o seu primeiro nome, e outros liam apenas algumas palavras com sílabas simples; quanto às quatro operações matemáticas a maioria só sabia resolver adição e subtração sem reserva e escrever os números naturais. Portanto, não foi possível usar os livros didáticos destinados ao 4o ano. Foi preciso explorar conceitos matemáticos básicos relacionados à contagem. Pois sabemos que o sucesso da aprendizagem matemática depende, em grande parte, do desenvolvimento da habilidade de ler e compreender textos. E eles não obtiveram esse hábito em outras séries.

Diante desse quadro, realizaram-se a sondagem e aproximação da fa-mília, com o intuito de promover a integração com a realidade dos alunos e, a partir daí, traçar metodologias mais direcionadas às necessidades de

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aprendizagem dos alunos. Esse processo de sondagem deu-se por meio de atividades cujas estratégias pedagógicas foram assim descritas pela profes-sora Gildete:

Textos curtos, construídos com as chamadas famílias silábicas, ditados ou autoditados, material dourado, ábaco, jogos, o uso do cotidiano do ca-lendário, a produção da ficha bibliográfica de cada um com idades, data de nascimento, peso e a altura, por exemplo. Essas estratégias oferecem oportunidades desafiadoras e significativas para as propostas de leitura, escrita, ordenação e comparação de números.

No entanto, os pais e os responsáveis pelas crianças não têm uma partici-pação que se considere satisfatória. Quanto ao compromisso da professora em tratar de conteúdos que estejam relacionados ao cotidiano e à vivência da família, verificamos ainda que, dos 22 alunos matriculados na turma, 18 são beneficiários do Programa Bolsa Família. Nesse sentido, indagamos se os alunos cadastrados no programa apresentam melhor rendimento e veri-ficamos que não há uma diferença entre estes e os demais, ficando apenas nítidos a participação e o acompanhamento da família em relação à frequên-cia escolar, pois, uma vez que a escola informa no sistema que o aluno não participou das aulas, o benefício é bloqueado, quando a escola é, então, procurada imediatamente pelos pais e responsáveis dos alunos. Quanto à pobreza e à desigualdade entre os alunos da turma pesquisada, a professora Gildete respondeu:

Muitos deles passam necessidades, não têm o conforto que muitos alunos possuem. Então, fica difícil uma criança estudar com fome, sem ter quem ajude nas tarefas de casa, pois muitas dessas pessoas não são alfabetizadas, não têm como colocar em uma aula de reforço. Aqueles alunos que têm ajuda em casa são bem diferentes daqueles que não tem. Aí está a desigualdade no processo de aprendizagem.

Percebe-se, dessa maneira, que a professora é conhecedora da situação familiar dos seus alunos e que estabelece uma boa relação com as famílias dos alunos que atende. A estrutura familiar é bastante afetada pela desigual-dade social, e a aprendizagem da criança sofre esta interferência. A fome foi amenizada, mas ainda há um longo processo em busca de melhor qualidade de vida. Essa qualidade transfigura-se em melhores condições de aprendi-zagem e aquisição de saberes.

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Nesse percurso investigativo, a voz dos alunos é tão importante quanto a da escola e da família. Realizamos, então, a aplicação de um questionário, que nos apresentou os seguintes dados: todos os alunos já são repetentes na mesma série; ao chegarem à turma, não sabiam ler, escrever, só sabiam o seu primeiro nome; dos 21 alunos, apenas cinco vivem com os pais, cinco moram apenas com a mãe, dois moram com a tia, sete com os avós e dois com os irmãos mais velhos; vivem em famílias com dois a sete irmãos, com exceção apenas de um, que é filho único. Dos 22 alunos, dois são repetentes na mesma série há cinco anos; dois, há quatro anos; seis, há três anos; e 14, há dois anos seguidos.

Quanto à idade dos alunos, constatamos que varia entre 10 e 15 anos. Quanto ao local em que residem, dez deles estão na zona rural, e onze na zona urbana. No questionário abordamos, também, questões para identifi-car o que gostam na escola. Seis deles relataram que gostam das aulas da professora; quatro, da biblioteca; oito, da merenda escolar; três, da aula de reforço com a professora da sala multifuncional; e 11, do horário do intervalo e das brincadeiras no pátio.

Por meio dessa entrevista, procuramos uma maior inserção no contexto e no cotidiano da turma, como também analisar se as estruturas e metodolo-gias têm funcionado, para que as necessidades de aprendizagem dos alunos sejam atendidas. Elaboramos, portanto, outro questionário, visando com-preender a situação familiar, bem como o contexto em que a família vive.

Desse modo, tivemos um contato com os responsáveis pelas crianças e detectamos que a profissão dos pais é, em grande parte, a agricultura, serviços de pedreiros e serventes, e que uma parte estudou até a 4a serie, e a outra parte é analfabeta. As mães responsáveis são sete agricultoras, quatro artesãs, três aposentadas e sete donas de casa. Destas, quatro concluíram o Ensino Fundamental; duas, o Ensino Médio incompleto; uma está cursando o 7o período de Pedagogia; e as 15 restantes abandonaram seus estudos nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

A base da sustentação financeira das famílias dos alunos pesquisados beneficiários do Programa Bolsa Família provém de aposentadorias, da agri-cultura familiar e do artesanato. Além das aposentadorias, não há fonte de renda fixa por parte dos pais ou responsáveis. Com base nessas informa-ções, decidimos colher alguns depoimentos a respeito de como o Programa Bolsa Família contribuiu para melhorar a qualidade de vida da família. Segue o depoimento de um dos entrevistados:

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O programa contribui em vários sentidos na sustentabilidade da família, nas compras dos materiais didáticos dos nossos filhos, no momento que precisamos comprar algum remédio para algum tipo de doença. Foi a base de tudo, ao longo dos anos o Bolsa Família tem me ajudado muito em relação à alimentação, inclusive pagar as contas de água, luz e outras despesas (J. L. M., setembro de 1986).

Entre tantos relatos colhidos, esse sintetiza os demais. Na maioria dos depoimentos, as mães apresentam a questão da compra de materiais, far-damentos e outras despesas diárias, tendo o auxílio do programa como primordial para sanar essas necessidades.

Consequentemente, indagamos a respeito de como o programa con-tribuiu para a aprendizagem e permanência do aluno na escola. Para esse questionamento uma única resposta foi dada em todos os casos: as mães disseram que o programa se torna importante, pois se a criança ou adoles-cente perder uma aula há o bloqueio do benefício, e, dessa forma, a criança se sente responsável diretamente pelo sustento da família. A esse respeito, cumpre-nos citar que a criança não se sente motivada a ir para a escola, mas tão somente obrigada e responsável pela manutenção do benefício. Conhecemos assim, por meio desse processo de escuta e de aplicação de questionários, as condições familiares em que se encontram as crianças e adolescentes da referida turma.

Questionadas sobre o nível de aprendizagem de seus filhos, muitas não sabiam sequer se o filho sabia ler ou dominar as quatro operações mate-máticas. No entanto, reconhecem a importância do trabalho realizado pela professora da turma nesse ano de 2016, deixando evidente a aprendizagem de várias crianças, que há anos tentavam aprender a ler e escrever e que, nesse ano, tiveram considerável avanço. Por esse motivo, na reunião com os pais, professora e direção, para a avaliação do 3o bimestre de 2016, as mães solicitaram da escola que a professora pudesse acompanhar a turma no ano de 2017.

Vista a problemática que envolve o trabalho com as crianças e adoles-centes do 4o ano D da Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, per-guntamos ainda como se dava o acompanhamento dessas crianças em suas casas em relação às tarefas e às atividades da escola. O que foi comprovado é que essa é uma necessidade quase inexistente, já que o grau de escolari-dade dos parentes é muito baixo. Dentre as preocupações de familiares, em

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relato de uma avó de 75 anos que cuida de duas crianças da turma, chama--nos atenção o seguinte:

O meu maior cuidado é que aqueles meus netos não têm mãe nem pai, e eu e meu marido somos velhos. Vejo esse povo muito descansado, só pensa em jogos. Quero um futuro melhor para ele. Como eu não sei ler, é muito difícil eu acompanhar os deveres da escola, às vezes peço a um fi-lho meu para ajudar eles, mas ele é muito bruto, os meninos se afobam e deixam tudo de lado. Para mim, é muito difícil, pois mesmo não sabendo ler eu fico acompanhando, aí eu vejo que em relação ao ano passado ele melhorou muito. Vou a tudo na escola, é bom porque eu fico sabedora de tudo (M.F.S., maio de 1971).

O depoimento revela a realidade desta e de tantas outras famílias brasi-leiras que veem na educação uma saída emancipatória para seus filhos; mui-tas vezes incapacitados de ajudar e subsidiar seus filhos nessa luta, o apoio existe, o acompanhamento também, mas a estrutura familiar na maioria dos casos não tem contribuído para isso. A educação é, ainda, a saída para mui-tos, porém, são condicionados a assumir o lugar de seus pais na vida.

Indagada sobre a atual conjuntura da turma no período de quase fim de ano letivo, a professora revela o seguinte perfil: dos 21 alunos, 12 já liam e in-terpretavam textos, e os nove restantes avançaram, porém, encontravam-se ainda com muitas dificuldades de leitura, pois liam apenas palavras com síla-bas simples. Em relação aos conhecimentos matemáticos, 13 já dominavam as quatro operações matemáticas, e oito ainda estavam em um nível baixo, porém, ao fim do ano letivo, pelo menos 12 destes alunos foram aprovados para o 5o ano.

A pobreza e a exclusão são consequências da falta de oportunidades e de acesso à educação. Os programas existem, auxiliam, mas não são totalmente eficazes em suas metas, ajudam a matar a fome, porém, ainda é preciso pensar em uma maneira ativa real e consistente para diminuir a desigualdade social, o descaso e, principalmente, a pobreza da população brasileira.

Considerações finais

A elaboração e o delinear de um trabalho no qual realizamos um estu-do bibliográfico investigativo nasceu de uma inquietação da equipe escolar em discutir e analisar o processo de aprendizagem dos alunos beneficiários

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do Programa Bolsa Família na turma do 4o ano D da Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, em Ouro Branco-RN. Buscamos, a princípio, fazer uma reflexão a respeito dos processos de alfabetização, como também dos altos índices de reprovação no 4o ano do Ensino Fundamental. Assim, discutimos também questões referentes aos ciclos de alfabetização e às desigualdades sociais.

Tomamos por base essa turma como um espaço para realização de uma pesquisa na qual buscamos, também, entender como o Programa Bolsa Fa-mília contribuiu para a permanência e a melhoria do aprendizado dessas crianças e adolescentes beneficiários.

Observamos, em um primeiro momento, que a questão do analfabetis-mo é bastante séria, uma vez que existem crianças e adolescentes entre 10 e 15 anos de idade que não sabem escrever seu próprio nome, não dominam a leitura nem as quatro operações básicas da matemática. Nosso estudo levou-nos a perceber que há um alto índice de reprovação no 4o ano do Ensino Fundamental.

Nesse sentido, a turma do 4o ano D da Escola Municipal José Nunes de Figueiredo foi formada por 21 alunos, repetentes e analfabetos, como estratégia adotada pela gestão e equipe pedagógica para trabalhar as difi-culdades desses alunos e sistematizar o trabalho pedagógico com o intuito de superar suas dificuldades.

De acordo com nossa pesquisa, 96% dos alunos contemplados pelo Pro-grama Bolsa Família vivem em situações de pobreza, e a única fonte de ren-da da família está no auxílio do programa. Verificamos, ainda, que 50% são moradores de zona rural sem muito acesso e qualidade de vida, cujos pais ou responsáveis são em grande maioria analfabetos absolutos e funcionais, apenas sabem escrever seu nome.

Sem estrutura familiar e sem condições financeiras necessárias ao sus-tento da família, esse é o contexto das crianças e adolescentes da turma na qual realizamos nosso estudo. O Programa Bolsa Família realmente tem aju-dado muitas famílias a sair da situação de extrema pobreza, ajuda realmente a alimentar as famílias, a pagar água e luz e até mesmo a comprar material escolar e fardamento, mas, no tocante à aprendizagem e melhoria na qua-lidade da educação dos que são subsidiados, deixa muito a desejar, pois, quando questionamos os pais a respeito da contribuição do programa para com a educação, não resta dúvida de que a frequência escolar é o único as-pecto observado, não havendo uma real preocupação com a aprendizagem.

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Observa-se, então, que as famílias, em sua grande maioria, se preocu-pam com a presença da criança nas escolas, porém, quando o assunto são os níveis de aprendizagem de seus filhos, não há muito envolvimento. Realmen-te, quando as famílias são convidadas a participar de reuniões e momentos pedagógicos com a família, visando à desejada integração família-escola, a presença da família é mínima, mas quando há qualquer corte ou bloqueio do benefício a visita e procura pela escola é imediata.

Destacamos, ainda, o trabalho da professora titular da turma, que, no início do ano letivo de 2016, recebeu 22 alunos analfabetos funcionais, ten-do buscado estratégias metodológicas e ações que permitiram que um trabalho fosse desenvolvido de maneira bastante simples e com recursos materiais mínimos. Ainda assim, ao fazermos uma avaliação e sondagem desses alunos, tivemos a confirmação perceptível da transformação no que diz respeito à aprendizagem das crianças e adolescentes que são por ela acompanhados.

Observamos, também, que as ações e os conteúdos trabalhados eram questões simples e do dia a dia das crianças, da família e do contexto em que estão inseridas.

Por fim, a presente pesquisa cumpriu com seu objetivo de investigar a relação entre as dificuldades de aprendizagem, as taxas de reprovação e o contexto socioeconômico e familiar de alunos beneficiários do Programa Bolsa Família, de modo que conseguimos reconhecer as necessidades de aprendizagem dos alunos.

As questões de pobreza ainda são fortes em nosso país, os excluídos da história continuam vivendo em nossas cidades, distantes do olhar da igual-dade e da emancipação e da conquista da cidadania por meio do saber. Ma-ta-se a fome de muitos, mas não são dadas oportunidades reais para crescer e adquirir condições de sobrevivência por meio do saber emancipatório.

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Sentidos da pobreza em programas sociais do governo federalRaila Vanessa Alves de OliveiraOlivia Morais de Medeiros Neta

Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar qual a concepção de po-breza na Política de Assistência Social no Brasil do século XXI, especifica-mente no programa social Programa Bolsa Família e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.

Faz-se relevante perceber que a pobreza nos cerca, sendo visualizada no contexto das escolas, das políticas, dos programas sociais, como também em estudos sociais. Destarte, apesar da amplitude do tema, a pobreza pode ser visualizada como uma das manifestações da questão social e, dessa for-ma, como expressão das relações contemporâneas na sociedade, fixando a questão na seara de relações estabelecidas pelo padrão vigente do modelo de desenvolvimento capitalista, excludente e desigual, cabendo ressaltar que, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mais de 50 milhões de brasileiros são considerados pobres.

Nesses termos, o tema da concepção de pobreza na Política de Assistên-cia Social no Brasil do século XXI remete ao conceito de políticas públicas, que podem ser definidas como instrumentos utilizados pelo poder público as quais norteiam a mediação entre Estado e sociedade civil. Sua atuação pode ser visualizada, dentre outras formas, nas leis que regem nosso país e nos programas do governo federal.

Para o estudo da concepção de pobreza, faremos uso dos conceitos de pobreza, assistência social e programas sociais.

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Como metodologia para elaborar este estudo, contemplaram-se pes-quisas bibliográficas e documentais, salientando que se entende pesquisa como um processo no qual o pesquisador tem "uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inaca-bado e permanente", pois realiza uma atividade de aproximações sucessivas da realidade, e esta apresenta "uma carga histórica e reflete posições frente à realidade" (MINAYO, 1994, p. 23).

A pesquisa bibliográfica, no nosso caso, tem um caráter exploratório e descritivo. Conforme Gil (1994), este procedimento de pesquisa possibilita um amplo alcance de informações e permite a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo.

Assim, investigamos na política de assistência social como a pobreza é visualizada, cabendo salientar que o recorte será de alguns programas so-ciais, como Programa Bolsa Família e o Cadastro Único para análise de como estes definem os critérios de pobreza.

Posteriormente, são feitas as considerações finais sobre o estudo, con-cluindo a discussão ora realizada, explicitando que mesmo com os avanços no campo da legislação, como também na política de assistência social e programas sociais.

A pobreza e suas interfaces: uma abordagem conceitual

O Brasil é marcado historicamente por questões sociais que envolvem subalternidade, as desigualdades de distribuição de renda que reproduzem e reforçam a pobreza e as desigualdades sociais.

Inicialmente, sobre a pobreza, faz-se necessário reconhecê-la em sua complexidade e totalidade, abarcando suas produções e reproduções, e analisá-la de forma conjuntural, sem restringi-la a visões moralistas ou que venham a culpabilizar os indivíduos por estarem em situação de pobreza. É importante chamar a atenção para a questão das privações principalmente "materiais", que inibem a questão da dignidade humana, do acesso a direi-tos básicos.

A pobreza é socialmente produzida e reproduzida de forma "superficial" e é claramente marcada por uma concepção cada vez mais excludente, se-gregada, e por vezes longe da discussão política, econômica, crítica e social.

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É possível observar que a pobreza e as desigualdades sociais, de gênero e também de raça estão explicitamente associadas ao padrão de poder--dominação-subalternização vigente no modelo de sociedade atual, ou seja, o sistema capitalista, e isso é parte de uma longa construção sócio-histórica que vem desde os primórdios, da apropriação da riqueza nas mãos de pou-cos, da exploração, da exclusão e desigualdade resultantes desse processo.

Dessa forma, corroborando Miguel Arroyo (2013), enquanto não se dá a centralidade às carências materiais da pobreza e a associação desta como resultante do capitalismo, a tendência será reduzi-la a uma questão moral, à falta de valores. Yazbek (2012, p. 294) declara que "a pobreza tem sido parte construtiva da história do Brasil, assim como os sempre insuficientes recursos e serviços voltados para seu enfrentamento". Vale salientar que a dominação e a subalternidade sempre se fizeram presentes e refletem na (re)construção e nas interfaces que se apresentam a essa pobreza.

Rêgo e Pinzani (2013), por sua vez, complementam esta afirmação nos colocando que a pobreza é vista como uma "experiência devastadora", um fenômeno mais complexo e multifacetado que infere em várias outras di-mensões – não se limitando apenas à falta de renda.

Dentre essas dimensões, é visível perceber que o aspecto mais afetado pela desigualdade social e, ao mesmo tempo, que pode contribuir direta-mente para perpetuá-la ou não é a educação, enxergando-a como sinônimo de autonomia pessoal, econômica e social.

Destarte, conforme Yazbek (2012), a pobreza é parte de nossa experiên-cia diária, e os impactos destrutivos das transformações em andamento no capitalismo contemporâneo deixam suas marcas sobre a população empo-brecida: o desemprego, os empregados de modo precário, a fragilidade da saúde pública, o desconforto da moradia insalubre, a alimentação insuficien-te, a fome, a ignorância são sinais que muitas vezes anunciam os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados na sociedade.

Pertinente a isso, tornou-se evidente que não se pode definir quem é po-bre somente por causa da renda, a pobreza e seus reflexos vão além dessa definição/critério de renda, a pobreza apresenta-se de várias formas na vida da população.

A noção de pobreza é, portanto, ampla e supõe gradações e

uma concepção relativa, dada a pluralidade de situações que compor-ta. A pobreza vem sendo medida por meio de indicadores de renda e emprego, ao lado do usufruto de recursos sociais que interferem na

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determinação do padrão de vida, tais como saúde, educação, transporte, moradia, aposentadoria e pensões, entre outros. Os critérios, ainda que não homogêneos e marcados pela dimensão de renda, acabam por con-vergir na definição de que são pobres aqueles que, de modo temporário ou permanente, não têm acesso a um mínimo de bens e recursos, sendo, portanto, excluídos, em graus diferenciados, da riqueza social. Entre eles estão: os privados de meios de prover à sua própria subsistência e que não têm possibilidades de sobreviver sem ajuda; os trabalhadores assalariados ou por conta própria, que estão incluídos nas faixas mais baixas de renda; os desempregados e subempregados que fazem parte de uma vastíssima reserva de mão de obra que, possivelmente não será absorvida (YAZBEK, 2009, p. 7374).

A pobreza deve ser visualizada de forma a considerar todos os fatores e situações que a acentuam, como a negação dos direitos sociais, o não aces-so aos bens e serviços sociais, como condições dignas de moradia, trabalho, saúde, educação e outros.

O que se deve perceber é que de fato o conceito de pobreza é variado, podendo ser trabalhado de várias formas entre autores diferentes. Ao buscar o conceito de pobreza em alguns dicionários, por exemplo, pode-se encon-trar a definição do termo como "uma situação social e econômica caracte-rizada por uma carência marcada na satisfação das necessidades básicas".

Ou seja, é notório que o conceito de pobreza não é único e que a po-breza pode ser entendida de maneiras diferentes, sendo mais comum como carência de bens e serviços essenciais.

Políticas públicas como agente de transformação social

As políticas públicas podem ser definidas como instrumentos utilizados pelo poder público que norteiam a mediação entre Estado e sociedade civil. Sua atuação pode ser visualizada, dentre outras formas, nas leis que regem nosso país e nos programas do governo federal.

No dizer de Pereira (2008), política pública expressa, assim, a conversão de demandas e decisões privadas e estatais em decisões e ações públicas que afetam e comprometem a todos. Por isso, o termo "público" que a qua-lifica como política tem um intrínseco sentido de universalidade e totalidade.

De acordo com Teixeira (2002, p. 2), as políticas "devem ser considera-das também as ‘não ações’, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos".

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Elas têm por objetivo atender as demandas de classes que se encontram em vulnerabilidade social, promovendo assim a ampliação e a efetivação dos direitos de cada indivíduo, tornando-os capacitados para desenvolver ati-vidades diversas, por meio de programas de geração de emprego e renda, suprindo também outras necessidades no âmbito da educação, da saúde, da habitação, da assistência social, dentre outros.

Sua configuração é dinâmica, e nesse processo essas políticas podem refletir ou não o conjunto de interesses da sociedade, dependendo assim da mobilização desta enquanto classe. Essa mobilização social coletiva pode trazer, dentre outros benefícios, uma mudança no conteúdo e na metodo-logia dessas políticas públicas, desde que seus interesses sejam legítimos e atendam as necessidades existentes na conjuntura social.

Em sua formulação, atuação e em seu resultado final, as políticas públi-cas revelam uma atuação política e uma necessidade de mediação entre o poder que existe na esfera governamental e a classe menos favorecida. Como essas políticas são elaboradas por aqueles que estão atrelados ao regime político, são os seus representantes que definem quais necessidades serão atendidas por meio dessas ações, com que objetivo elas serão elabo-radas e qual o público-alvo.

Quando temos a presença da sociedade civil na elaboração e aprovação das políticas públicas, depara-se com uma política pública de fato, pois, de acordo com Teixeira (2000), embora sejam estatais, nem sempre uma polí-tica governamental é uma política pública. Dessa forma, entendemos que, para ser uma política pública, se faz necessária a participação da sociedade civil organizada no âmbito do debate acerca de que e para que cada política está sendo criada.1

A criação das políticas sociais dá-se no contexto de expansão do capi-talismo. Dessa forma, tendo em vista a mobilização da classe operária rumo ao enfrentamento dessa conjuntura social exploratória, o Estado percebe a necessidade de construir meios que amenizem os conflitos de interesse entre capital e proletariado.2 As políticas públicas criadas nesse contexto são

1 Essa participação da sociedade faz-se necessária pelo fato de que, para que essas polí-ticas públicas sejam criadas e alcancem seus objetivos, é preciso a liberação de dinheiro público por meio de isenções fiscais.

2 O Serviço Social, enquanto profissão que tem seu início atrelado a esse contexto media-dor entre burguesia e classe trabalhadora, insere-se no contexto do surgimento dessas políticas.

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fruto de reivindicações que visam atender as demandas de cada indivíduo enquanto ser social.

Ao analisar essa temática, percebe-se que o processo de formação, desenvolvimento e atuação dessas políticas apresenta em sua base um con-junto de necessidades humanas que, ao serem problematizadas, se transfor-mam em questão de direito. E é por intermédio dessa atuação que o poder público administra as questões sociais que surgem em diferentes segmentos societários.

Ressalta-se a importância de se considerarem alguns fatores que condi-cionam a eficácia na implementação das políticas públicas. Nessa perspec-tiva, pode-se apontar então a necessidade de se ter um cuidado quanto à influência de fatores externos de forma que estes não restrinjam esse pro-cesso. Deve existir, ainda, tempo e recurso disponível para essa implementa-ção, que por sua vez deve ser baseada e ajustada com o objetivo de mediar a causa de um determinado problema e o efeito da solução proposta.

O foco deve estar nos objetivos a serem atingidos, independentemente do tempo que perdure essa implementação. A comunicação e o consen-so entre os elementos participantes desse processo de implementação dos programas deve ser visível e priorizado, e os atores que exercem posi-ções de comando devem estar aptos a conquistar a subordinação de seus comandados.3

Nessa ótica, destacam-se ainda algumas variáveis importantes para de-finir o tipo de atuação que uma política pública pode exercer, no tocante a sua formulação e implementação na configuração social. Citam-se então alguns critérios utilizados, são eles: a) a natureza ou o grau de intervenção (se estrutural ou conjuntural); b) a abrangência dos benefícios para a população (universal, para um segmento apenas ou destinada a grupos sociais dentro de cada segmento); e c) o impacto que essas políticas públicas podem cau-sar na sociedade, inclusive no papel desta frente às relações sociais.

Devido à complexidade da realidade dos agentes públicos, esse proces-so de implementação encontra, muitas vezes, barreiras para sua efetivação. Muitas políticas elaboradas para benefício da população simplesmente não

3 Em seu texto, Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos, Maria das Graças Rua destaca, em nota, que as ideias compiladas por ela são junções de várias ideias de autores diversos que discorrem sobre políticas públicas. Segundo a autora, os fatores mencionados possuem importância significativa quando se trata de obter êxito na im-plementação das políticas públicas desenvolvidas para a sociedade..

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saem do papel, ficam estagnadas como consequência do engessamento do sistema.

Por fim, todas as discussões e conceituações acerca das políticas públi-cas colaboram para compreender o surgimento das políticas sociais, suas concepções sob a ótica crítica, bem como seu desenho atual no Brasil, sina-lizando como a pobreza é visualizada no contexto da política de assistência social.

Política social sob a luz da teoria crítica

Com o aprofundamento da questão social em suas múltiplas facetas, como forma intrínseca ao modelo de reprodução capitalista, a categoria política social assume grande evidência no cenário contemporâneo e nos debates acadêmicos que discutem suas conformações no campo das rela-ções entre Estado e sociedade.

Pode-se considerar a década de 1980 como marcante para o amadure-cimento da categoria profissional de Assistente Social com relação a essa temática, que se constitui como um dos objetos de trabalho da profissão, haja vista que nesse momento houve uma maior aproximação com a pers-pectiva marxista, com novas referências como Gramsci, abstraindo as fontes de interpretações enviesadas.

A política social é uma das constituintes do rol das políticas públicas, como estratégia interventiva do Estado voltada à sociedade no atendimento de demandas sociais coletivas, sendo dotada de sentido político e, assim, considerada campo de tensão entre as classes por apresentar conflitos de interesses, que coexistem como pano de fundo, assegurando a sua existên-cia como um processo complexo.

Nesse universo, destaca-se também a existência da categoria contra-dição, por ser campo de luta de classes (burguesia x classe trabalhadora) pela hegemonia de interesses diversos, em que o Estado busca mediar es-sas relações, dirimindo conflitos com concessões pontuais e focalistas que contribuem para a imposição da ordem e a manutenção do capital.

Segundo Pierson (1991 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 64), "as políticas sociais passam a ampliar a ideia de cidadania e desfocalizar suas ações, antes direcionadas apenas para a pobreza extrema". Em contraparti-da, Demo (2000, p. 9) teoriza que, "do ponto de vista do grupo dominante,

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política social tenderá a ser a tática de desmobilização e controle, enquanto do ponto de vista dos ‘desiguais’, assoma como contraposição".

Portanto, podemos perceber que a sua funcionalidade é múltipla e de-pende do ponto de vista do método que utilizamos para compreender as políticas sociais. Podemos concebê-la sob a luz de diversas teorias clássicas: funcionalista, em Durkheim, com os fatos sociais; idealista, de Marx Weber, com sua sociologia compreensiva; e marxista, em Karl Marx, com a perspec-tiva de totalidade. Para Lowy (1987 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 25), "as concepções da política social supõem sempre uma perspectiva teórico--metodológica, o que por seu turno tem relações com perspectivas políticas e visões sociais de mundo".

Isto porque não existe um padrão universal de política social que seja uniforme em todos os países, há que se respeitar a multiplicidade de de-terminantes que legitimam sua implantação em cada espaço, considerando aspectos econômicos, políticos e culturais.

Neste sentido, faz-se necessário o respaldo da concepção marxista, com relação ao método de interpretação, considerando a sociedade numa pers-pectiva dimensional de totalidade, que assome a análise dos fenômenos inseridos na realidade concreta. Um substrato importante é compreender a funcionalidade da política na sociedade burguesa.

Parafraseando Behring e Boschetti (2011), as políticas sociais não podem ser analisadas somente a partir de sua expressão imediata como fato social isolado. Ao contrário, devem ser situadas como expressão contraditória da realidade, que é a unidade dialética do fenômeno e da essência.

Os direitos sociais positivados no século XX, os quais têm forte relação com a implementação de políticas sociais com sentido de usufruto da cida-dania, na perspectiva neoliberal que atualmente rege as relações econômi-cas e sociais, tendem a desvalorizar maciçamente as conquistas da classe trabalhadora, que os beneficiaram depois de séculos de embates e pressões sociais, colocando as políticas sociais gerenciadas pelo Estado como um dis-pêndio de investimentos que estimulam círculos viciosos.

Prevalecem então, características comuns do neoliberalismo que es-tão em evidência no cenário interno das políticas públicas brasileiras, em particular as de cunho social. A saber, a privatização, a focalização e a des-centralização, e como exemplos concretos temos a saúde pública cada vez mais dependente de hospitais privados, e não como complementar, como preconiza a Constituição Federal de 1988, políticas sociais de transferência

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de renda que estão voltadas à pobreza extrema e que não emancipam as classes em vulnerabilidade e um jogo de empurra de responsabilidades en-tre as unidades federativas.

Esse caráter das políticas sociais brasileiras infelizmente tende a se afas-tar cada vez mais do que determina a Constituição Federal de 1988, conhe-cida como a constituição cidadã, alijando a perspectiva de construção de um padrão público de proteção universal que obedeça às determinações do Art. 194, no título da Ordem Social que trata da seguridade social como con-junto integrado de ações de iniciativa de Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social.

Este fato histórico determinou a ampliação da cidadania no país, ao mes-mo tempo em que, se considerarmos o gozo da cidadania orientado pelos conceitos de Marshall, é possível afirmar que esta cidadania tem um sentido restrito na medida em que os indivíduos não gozam, no bojo da sociedade, de direitos civis, políticos e sociais simultaneamente.

Pode-se mencionar como os primórdios das ações voltadas à área social o seguro social implementado por Otto Von Bismarck nos anos 1880, que fora uma inovação no âmbito das políticas sociais na Alemanha, representan-do um avanço da intervenção estatal no atendimento às necessidades hu-manas, contudo, para aqueles que fizessem parte do universo do trabalho. Este segmento subsidiou a implantação a posteriori da Previdência Social Brasileira, com base no seguro social contributivo que compõe o tripé da seguridade social, juntamente às políticas de saúde e de assistência social.

Do exposto, infere-se que também é oportuno desmistificar a ligação de políticas sociais com Welfare State, pois não são sinônimos. Muito antes de existirem os Estados de Bem-Estar, já havia políticas sociais voltadas para o controle dos pobres e da "vagabundagem", por exemplo, as velhas Leis dos Pobres (Poor Laws), na Inglaterra de 1834.

Contudo, essas ações eram desprovidas de qualquer noção de direitos ou cidadania, e sua continuidade permanece mesmo ao fim da fase de ins-piração Keynesiana que originou o Welfare State em meados do século XX como resposta do Estado para atenuar conflitos entre as classes na fase do capitalismo monopolista.

Das diversas categorias de bem-estar existentes, com sentido de bem--estar que inclui prestações de serviços associados ao trabalho formal, podemos destacar o ocupacional welfare, o qual, como diz Titmuss (1976

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apud PEREIRA, 2008, p. 184), expressa o desejo do sistema de manter (ou comprar) "boas relações humanas" no mercado de trabalho; mas, dada a sua crescente utilização, ele entrou em choque com os valores da política social de pós-guerra, ao produzir os seguintes efeitos: criação de privilégios entre os empregados e fragmentação da lealdade entre a classe trabalhadora, solapando, dessa forma, a possibilidade de a política social funcionar em benefício de todos.

Essa categoria de bem-estar associa-se a benefícios pautados no mérito e nos resultados de produtividade, o que se torna intrínseco apenas aos trabalhadores do mercado de trabalho formal e exclui os que se encontram fora deste, fazendo com que sofram privações as quais tendem a ser residu-almente atendidas pelo Estado ou pela solidariedade da sociedade civil, na personificação das Organizações Não Governamentais (ONGs).

Cabe destacar que, para muitos teóricos desta área, o Brasil não experi-mentou um Estado de Bem-Estar. Trata-se de uma visão, com base na crítica de como se configuram as políticas no país, com características focalistas, paliativas, pontuais, que baseadas em uma política de ajuste macroeconô-mica como o Neoliberalismo reduzem as necessidades humanas básicas a fatores biológicos e relativistas, negando a necessidade das políticas sociais.

Com essa caracterização, fica nítido que a política social no Brasil assu-me particularidades que subsumem as necessidades sociais de uma cole-tividade aos ditames da ordem econômica, que naturaliza a pobreza, que impõe como responsabilidade individual a ascensão na sociedade por sua própria capacidade. Paradoxo é entender como se dá essa ascensão, base-ada apenas na resiliência, sem condições de assegurar os mínimos sociais à manutenção de sua sobrevivência.

O Estado, nessa conjuntura, afasta-se cada vez mais de sua responsa-bilidade, atribuindo a outrem as suas funções sociais, à família, à sociedade civil e aos laços da comunidade de solidariedade, passando a atuar apenas em última instância, quando um destes falha, deixando à mercê o desenvol-vimento social do país. Ademais, não podemos desconsiderar que existe ainda a sua regulação neste âmbito, mas com uma ingerência nítida que foge à democracia e justiça social.

Concepção de pobreza na política de assistência social

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A assistência social é uma política pública não contributiva, sendo dever do Estado e direito de todo cidadão que dela necessitar. No tocante a esta política, como principais suportes da assistência social estão: a Constituição Federal (CF) de 1988, marco fundamental, que outorga as diretrizes para a gestão das políticas públicas; a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), de 1993, que determina os princípios, objetivos e diretrizes das ações; e a Política Nacional de Assistência Social (Pnas/2004), que, junto às políticas setoriais, considera as desigualdades socioterritoriais, visando seu enfren-tamento, a garantia dos mínimos sociais, o provimento de condições para atender a sociedade e a universalização dos direitos sociais.

Sob essa perspectiva, sinaliza como objetivo: prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; asse-gurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família e que garantam a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004b).

Assim, conforme a Pnas, o público usuário da Política de Assistência Social é composto de cidadãos e grupos que se encontram em situações de riscos e vulnerabilidades, como: perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de defi-ciências; exclusão pela pobreza e/ou no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferencia-das de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social.

Desse modo, a assistência social significa garantir a todos que dela ne-cessitam, e sem contribuição prévia, a provisão dessa proteção. Em conso-nância com o disposto na Loas, capítulo II, seção I, artigo 4o, a Política Nacio-nal de Assistência Social rege-se pelos seguintes princípios democráticos:

I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigên-cias de rentabilidade econômica;

II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

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III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e co-munitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos as-sistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (BRASIL, 1993).

Nesses termos, observa-se que, dentre o público usuário da assistência social, estão os excluídos pela situação de pobreza, e os princípios mencio-nados retratam reflexos dessa situação, valendo salientar que a pobreza se manifesta de diversas formas na vida do individuo, não somente na dimen-são econômica, mas em outras esferas e no não acesso aos direitos sociais básicos.

Assim, é sabido que a assistência social é Política de Seguridade Social não contributiva, como mencionado anteriormente, que provê os mínimos sociais, realizada por meio de um conjunto integrado de ações de inicia-tiva pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) promove o acesso à assistência social às famílias em situação de vulnerabilidade social, como prevê o grande avanço no âmbito da assistência social que é o Sistema Único de Assistência Social (Suas). Assim, articulada nas três esferas de go-verno, a estratégia de atuação está hierarquizada em dois eixos: a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial.

Pode-se perceber até aqui que a população em situação de pobreza, de vulnerabilidade e risco social é público-alvo da assistência social, porém, é notório que, embora a assistência seja a quem dela necessitar, na prática não é bem assim, que se trata da seleção da seleção dos pobres (ou os mais empobrecidos).

Os avanços na política pública trouxeram conquistas para o campo da intervenção na pobreza, seja pela concepção de proteção social como di-reito, de cunho universalista e de responsabilidade do Estado, seja porque a Constituição Federal de 1988 também traz como um dos objetivos funda-mentais da República Federativa a erradicação da pobreza, da marginaliza-ção e a redução das desigualdades sociais e regionais.

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Dentro da política de assistência social está o Cadastro Único para Pro-gramas Sociais do Governo Federal, disposto pelo Decreto no 6.135, de 26 de junho de 2007, cujo artigo 2º estabelece que se trata de um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, a ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do governo federal voltados ao atendimen-to desse público (BRASIL, 2007).

Desse modo, identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitin-do que o governo conheça a realidade socioeconômica destas, para poder incluí-las nos programas, serviços e benefícios sociais. No Cadastro Único são registradas informações como: características da residência, identifica-ção de cada pessoa, escolaridade, situação de moradia, trabalho e renda, entre outras informações.

Nesse sistema, são estabelecidos critérios para a família ter perfil ca-dastro único: possuir renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo; ou possuir renda familiar mensal de até três salários mínimos; ou ainda, conforme parágrafo § 1o, famílias com renda superior a que se refere o art. 4o, inciso II, desde que sua inclusão esteja vinculada à seleção ou ao acompanhamento de programas sociais implementados por quaisquer dos três entes da Federação.

Nota-se que o critério para que a família seja inserida no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal é a renda. O próprio sistema que tem como slogan conhecer para incluir restringe esse público por uma definição apenas "econômica", quando na realidade a pobreza está retrata-da em diversos outros aspectos da vida da população, como dos usuários da assistência social.

Atualmente, o Cadastro Único é o principal instrumento do Estado bra-sileiro para a seleção e a inclusão de famílias de baixa renda em programas federais, sendo utilizado obrigatoriamente para a concessão dos benefícios do Programa Bolsa Família, do Programa Minha Casa Minha Vida, da Tarifa Social de Energia Elétrica, entre outros. Ele funciona como uma porta de entrada para as famílias acessarem diversas políticas públicas, serviços e benefícios.

Dentro da assistência social, há o Programa Social do Governo Federal Bolsa Família, Lei Federal no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, regulamentado pelo Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004, que foi alterado recente-mente pelo Decreto no 8.794, de 29 de junho de 2016. Assim, é um programa

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de transferência direta de renda, direcionado às famílias em situação de po-breza e de extrema pobreza em todo o país, para que consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza.

O programa foi criado em outubro de 2003 e tem como objetivo comba-ter a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; combater a po-breza e outras formas de privação das famílias; e promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, saúde, educação, segurança alimentar e assistência social, buscando garantir a essas famílias o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde.

O programa define que famílias extremamente pobres são aquelas que têm renda mensal de até R$ 85,00 por pessoa, significando dizer que não é necessário ter criança no domicílio para poder receber o benefício. Já as famílias pobres são aquelas que têm renda mensal entre R$ 85,01 e R$ 170,00 por pessoa. Essas famílias pobres participam do programa desde que te-nham em sua composição gestantes e crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos.

Cabe ressaltar que as famílias devem cumprir compromissos (condicio-nalidades), que têm como objetivo reforçar o acesso à educação, à saúde e à assistência social. Essas condicionalidades atingem dimensões fundamen-tais na vida desses beneficiários, tendo em vista que muitos deles passam a se interessar mais pela frequência escolar das crianças e adolescentes, como também por saber se a vacinação está em dia, uma vez que isso pode impli-car o não recebimento do benefício do Bolsa Família.

Mais uma vez, chama-se atenção para o fato de que, conforme o artigo 18 do Decreto 5.209, de 17 de setembro de 2004, o Programa Bolsa Família atenderá as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, caracteri-zadas pela renda familiar mensal per capita de até R$ 170,00 e de R$ 85,00, respectivamente, sendo utilizada como critério de inserção a renda, ou seja, a pobreza novamente é condicionada ao critério de renda.

Isso é um ponto que merece atenção, uma vez que, embora seja um critério de inclusão, é claramente visível que essa "renda per capita" não é suficiente para definir se a família está em situação de pobreza ou extrema pobreza, tendo em vista que a concepção de pobreza é muito ampla.

Conforme informações extraídas do MDSA, especificamente do Relató-rio de Informações Sociais da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informa-ção (Sagi), no mês de setembro de 2016, existiam 27.745.078 famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, o que corresponde a 81.404.307

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pessoas cadastradas. A distribuição das famílias cadastradas conforme a renda per capita mensal declarada aponta: 12.313.630 com renda per capita familiar de até R$ 85,00 (famílias extremamente pobres); 4.061.011 com renda per capita familiar entre R$ 85,01 e R$ 70,00 (famílias pobres); 6.253.516 com renda per capita familiar entre R$ 170,01 e meio salário mínimo; 5.116.921 com renda per capita acima de meio salário mínimo.

De acordo com o Censo de 2010, tem-se uma estimativa de 20.094.955 famílias de baixa renda (Perfil Cadastro Único) e estimativa de 13.738.415 fa-mílias pobres (Perfil Bolsa Família).

Dessa forma, falar sobre pobreza é bastante complexo, principalmente do modo como ela se desvela no cotidiano e é utilizada pelos programas sociais como critério de inclusão. A pobreza expressa-se de várias formas, não somente na dimensão econômica, como também na dimensão política, porém, pode-se dizer que a pobreza se manifesta de forma acentuada na condição material, na situação de renda, desencadeando outros aspectos na vida dos indivíduos, e, não obstante, na atuação insuficiente do Estado, que contribui nesse processo.

Porém, embora a pobreza seja mais acentuada na dimensão econômica, ou na condição material, é preciso visualizar uma família, por exemplo, que tenha renda acima de R$ 170,00, mas que continua sendo pobre, ou seja, ela pode não ter acesso à educação, pode não ter uma alimentação básica e diversos outros fatores.

Cabe salientar que, de acordo com Silva (2011), o programa apresenta problemas estruturais relevantes que limitam a inclusão de segmentos po-bres e reduzem as possibilidades de impactos mais significativos sobre a redução dos índices de pobreza no país. Dentre os problemas estruturais está a adoção do critério apenas da renda para definição dos pobres e extre-mamente pobres. Esse critério, além de não considerar a dimensão multidi-mensional da pobreza, fixa para inclusão uma renda per capita familiar baixa, deixando de fora muitas famílias que vivenciam extremas dificuldades.

Não se trata somente de exclusão ou de pobreza, ou da seletividade da política de assistência social, mas, sim, de violações, mais especificamente a violação do Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que cita que

Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimenta-ção, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos

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serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua von-tade (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2009, p. 5).

Muitos dos direitos humanos são violados, e, apesar de a maioria deles estar positivada na Constituição Federal de 1988, ainda existe uma distância gritante da real efetivação destes. Como exemplo disso, pode-se citar o ar-tigo 23o da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que fala que "Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego" (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2009, p. 5). Isso per-mite perguntar: esses direitos têm sido garantidos?

As políticas de geração de emprego e renda são insuficientes e não con-seguem atender a população, e por muitas vezes, as pessoas se submetem às condições exploratórias, degradantes e indignas de trabalho. Ainda exis-tem muitas pessoas trabalhando em situações análogas ao trabalho escravo, chamado por alguns autores de trabalho escravo moderno.

A pobreza perpassa por vários âmbitos na vida dos usuários da assis-tência e da população como um todo: desemprego, situação de moradia, alimentação, educação, dentre outros. Destarte, é relevante que, mesmo com os avanços na política de assistência social, exista atenção para esses reflexos diários e que as políticas se aproximem desse público, de forma a atingir não somente os mais pobres, mas o público que dela necessitar, não enxergar o indivíduo como pobre ou não pobre, mas como cidadão, que deve ter seus direitos garantidos.

Considerações finais

A discussão ora realizada explicita que é de suma relevância compre-ender as políticas públicas, suas origens e a trajetória histórica até os dias atuais, identificar a forma como elas estão desenhadas na atual conjuntura econômica e social, bem como quais mudanças percorreram esse processo.

Evidencia-se que as prestações sociais do Estado são cada vez mais pre-cárias e assim reforçam a reprodução de desigualdades sociais. As classes subalternas não se emancipam sob a tutela do Estado, como teorizam mui-tas das políticas sociais em seus textos, e responsabiliza-se cada vez mais a

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família como instituição que deve suprir as necessidades do indivíduo e, em segundo plano, a sociedade civil.

A sociedade deve funcionar como representante do controle social e deve transformar suas necessidades em questões políticas que exerçam pressão social sobre as classes dominantes para assomar novas conquistas, pois, contribuindo em parceria com o Estado nesta rede de solidariedade, contribui-se diretamente para alijar os seus direitos duramente conquista-dos ao longo de uma trajetória histórica de lutas. É pertinente nesta discus-são utilizar a concepção crítica como um guia para desvelar e entender a conjuntura social, econômica e política e as contradições que atravessam a sociedade neste embate de classes, a qual o Estado apenas regula quando convêm, fortalecendo o capital e sua reprodução.

Desse modo, mesmo com os avanços no campo da legislação, como também na política de assistência social e programas sociais, ainda é neces-sário discutir a pobreza e seus reflexos em sua amplitude, enaltecendo que é preciso a articulação das políticas sociais, assim como o conhecimento acerca dos caminhos para o enfrentamento da pobreza.

Assim, é possível dizer que, embora as políticas públicas e em especial a política de assistência tenham como objetivo atender as necessidades sociais, elas sozinhas e da forma como têm sido efetivadas na contempora-neidade ainda não conseguem atender a população em situação de pobreza em sua magnitude.

Embora seja necessário considerar a conjuntura econômica e o sistema capitalista vigente, é preciso pensar que a pobreza está presente nos mais diversos espaços sociais e se expressando de formas diferente no cotidiano.

Destarte, pensar a pobreza e suas manifestações é fundamental, para que assim se possa avançar numa perspectiva de enfrentamento junto à atu-ação das políticas públicas, por exemplo, compreender que não somente a política de assistência tem como público os usuários pobres, mas também a política de educação, a política de saúde, de habitação, de emprego e demais.

É preciso avançar na perspectiva de universalização da política social (saúde, Educação e demais), buscando não restringir as políticas sociais à função de combate à pobreza, abandonando suas possibilidades na redu-ção das desigualdades sociais. É preciso superar a perspectiva que "atribui às políticas sociais um caráter minimalista, focalizado em situações de extre-ma pobreza, o que as esvazia de seu potencial universalizante e equânime".

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Desse modo, ao decorrer da discussão foi possível perceber que tanto o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal quanto o Pro-grama Bolsa Família "limitam-se" a definir situação de pobreza e extrema pobreza pelo critério de renda, porém, como já mencionando anteriormen-te, a pobreza e seus reflexos ultrapassam os critérios de renda e não pode ser encarada de uma forma paliativa ou imediata, mas ser vista de uma forma ampla e envolvendo os diversos atores sociais, uma vez que deve ser enfren-tada numa perspectiva de totalidade e como questão social das diversas searas e políticas.

É necessário despertar para a forma como a pobreza vem sendo visuali-zada dentro dos programas sociais, perceber que a renda é um fator dentre vários outros que perpassam uma família em situação de pobreza ou ex-trema pobreza. Indagar-se: O que tem sido feito? Apenas um benefício de transferência direta de renda tem sido suficiente para melhorar a situação dessas famílias?

As políticas, o Cadastro Único, o Programa Bolsa Família precisam abar-car o que essa situação de pobreza representa para esses usuários, compre-ender que é uma responsabilidade conjunta. Por fim, pensar a pobreza em todos os âmbitos, compreendê-la e vê-la como pertencente ao meio social é um avanço para se alcançar melhorias futuras, não somente no campo das políticas, mas também sendo trabalhada no contexto educacional, galgando mudanças numa perspectiva de transformação da realidade.

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Sobre os autores

Simone Medeiros · Prefácio · MEC

Doutora em Educação, na linha Estado, Políticas e História da Educação, pela UFG (2012). Mestre em Educação, na área de confluência Tecnologias na Educação, pela UnB (2003). Especialista em Educação a Distância, CEAD/UnB (2007). Especialista em Educação e Desenvolvimento, UnB (1998). Li-cenciada em Letras pela UFRN (1994). Atuou como professora da Educação Básica da Secretaria Estadual do RN, e, no Ministério da Educação, desde 1997, vem atuando na formulação, acompanhamento e avaliação de políticas de formação dos profissionais da educação básica, sobretudo, em proces-sos formativos por meio da EAD. Principais áreas de atuação: Coordenadora Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar, na SECADI/MEC (2013-2019), Coordenadora Geral de Formação e Capacitação em EAD, SEED/MEC (2008-2009) e Coordenadora Geral de Articulação Institucional em EAD, SEED/MEC (2005). De 2013 a 2019 atuou como Coordenadora Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar, na Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania (SECADI/MEC), sendo responsável pelo acompanhamento da condicionalidade da educação do Programa Bolsa Família e pela concepção e implantação da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social, que articula formação continuada, apoio à pesquisa acadêmica e difusão de conhecimento. Atualmente, na Semesp/MEC, é res-ponsável pela área da educação do Bolsa Família. [[email protected]]

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Maria Cecília Luiz · Prefácio · UFSCAR

Doutora em Educação Escolar, pela Universidade Estadual de São Pau-lo – UNESP/Araraquara (2004), bolsista CAPES. Mestre em Educação, pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (1999), bolsista CAPES. Licen-ciada em Pedagogia pela UFSCar (1987). Atua como professora associada na UFSCar, no Departamento de Educação. Professora credenciada do Progra-ma de Pós-graduação em Educação PPGE/UFSCar, orientando mestrado e doutorado. Coordena o Grupo de Pesquisa em Educação, Subjetividade e Cultura (GEPESC – https://gepesc.ufscar.br/) com foco em três pesquisas: Programa de mentoria e cooperação em gestão escolar (2019/2020); Violên-cias e as perspectivas de estudantes do Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio: experimentações em ateliês (2018/2019); e Efeitos da pobreza e desigualdade social nas escolas do estado de São Paulo: análises quantita-tivas e qualitativas (2018/2019). [[email protected]]

Vicente Monteiro da Silva Neto · Capítulo 1 · UFMA

Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Uni-versidade Federal do Maranhão; Engenheiro Civil graduado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão; Coordenador Mu-nicipal do Programa Bolsa Família; Avaliador Educacional Técnico pelo MEC no período de 2015 a 2019. [[email protected]]

Elaine Araújo Gheysens · Capítulo 1 · UFMA

Mestre em Linguística (precisamente em "Linguistique et interventions sociales", specialité "Diversité linguistique et culturelle") pela Universidade François Rabelais em Tours, França, especialização em "Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa" pela Universidade Estadual do Maranhão

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e é graduada em Letras (habilitada ao ensino das línguas portuguesa e fran-cesa) pela Universidade Federal do Maranhão. [[email protected]]

Maria Zilda Costa Cantanhede · Capítulo 2 · UFMA

Professora Especialista: Educação Pobreza e Desigualdade Social – UFMA; Língua Portuguesa e Linguistica; Educação do Campo – UEMA; Graduada em Letras e Filosofia; Atual Gestora Geral na Unidade Plena São Vicente Ferrer – IEMA; Membro fundadora e Secretária da Academia Mati-nhense, de Ciências, Artes e Letras, cadeira 19; Projetista; Revisora de textos Acadêmicos; Cronista; Articulista; Pesquisadora – FAPEMA, CNPq, Coor-denadora de Feiras e Mostra de Ciências – CNPq; Ex Secretária da Mulher Juventudes e Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, Matinha MA. [[email protected]]

Mauro Guterres Barbosa · Capítulo 2 · UFMA

Graduado em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Maranhão (2000), especialista em Estatística pela Universidade Estadual do Maranhão (2002), mestre em Educação em Ciências e Matemáticas pela Universidade Federal do Pará (2008). É professor Assistente da Universidade Estadual do Maranhão, onde iniciou sua carreira na docência superior em fevereiro de 2004, e professor da Secretaria de Estado da Educação do Ma-ranhão, atuando na Educação Básica desde fevereiro 2002, como professor de Matemática. É doutorando da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática onde desenvolve pesquisa na área de Educação Matemática, situado na linha de pesquisa Formação de Professores de Matemática, na qual tem dedicado especial atenção à formação inicial e continuada. [[email protected]]

Liliane de Fátima Rodrigues Castilho · Capítulo 4 · UFMG

Graduação em Pedagogia com Ênfase em Ensino Religioso – PUC-MG. Pós Graduação em Educação, Pobreza e Desigualdades Sociais – UFMG. Especialização em andamento: Metodologias Ativas da Educação PUC-MG.[[email protected]]

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Patricia Lúcia do Nascimento · Capítulo 5 · UFMS

Graduada em História e Pós-graduada em Educação, Pobreza e Desi-gualdade Social pela pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. [[email protected]]

Milene Bartolomei Silva · Capítulo 5 · UFMS

Professora Doutora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Professora do curso de Pedagogia da FAED/UFMS e do Programa de Pós Graduação em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro Oeste/UFMS. Coordenadora do grupo de estudos e pesquisa em Desenvolvimento humano e inclusão (GEPEDHI). [[email protected]]

Keila Rosa Teixeira da Silva Nogueira · Capítulo 6 · UFMS

Graduada em Letras/Inglês pela Anhanguera Uniderp e Pós-graduada em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela pela Universidade Fede-ral de Mato Grosso do Sul. [[email protected]]

Maria do Socorro Sales Felipe Bezerra · Capítulo 6 · UFMS

Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pedagoga pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atua como docente e docente-orientadora nos cursos de graduação em Pedagogia e de pós-graduação Lato Sensu, trabalhando os temas na área da política educacional: avaliação, financiamento, educação especial, gestão escolar e educacional. [[email protected]]

Penélope Dawkler Hiran de Moraes · Capítulo 7 · UFMS

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Psicologa da Prefeitura Municipal de Corumbá. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social. [[email protected]]

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Vanderleia Mussi · Capítulo 7 · UFMS

Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-quita Filho – UNESP – campus de Assis/SP. Professora Associada da Universi-dade Federal de Mato Grosso do Sul. Tem experiência na área de Educação, História e Direitos Humanos, com ênfase em etno-história, atuando princi-palmente nos seguintes campos de pesquisa e docência: Prática de Ensino em História, História Indígena; Educação para as Relações Étnico-Raciais; Ensino de História Indígena, Educação e Trabalho com povos tradicionais. [[email protected]]

Camila Belz Kruger · Capítulo 8 · UFPA

Psicóloga desde 2014, com especialização em Administração de Recur-sos Humanos, em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universida-de Federal do Pará. [[email protected]]

Sônia Eli Cabral Rodrigues · Capítulo 8 · UFPA

Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da (PPGED/UFPA 2014). Mestrado em Educação pelo PPGED/UFPA (2006). Especializa-ção em Serviço Social e Produção de Conhecimento na Região Amazônica (1999). Formada em Psicologia desde 1997 com Licenciatura Plena em Psico-logia pela Universidade Federal do Pará (1999). [[email protected]]

Jefferson João dos Santos Silva · Capítulo 9 · UFPA

Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela UFPA (2017), possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (1999), graduação em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2007) e especialização em Metodologia do Ensino da História e Geografia pelo IBPEX (2004). [[email protected]]

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Rosemildo dos Santos Lima · Capítulo 9 · UFPA

Mestre em Geografia pela UFPA, possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do Pará (2003); Especialização em Formação Docente na Amazônia, pela UFPA (2011. Atualmente é professor – Secretaria de Esta-do de Educação do Pará e professor – Primeiro Comando Aéreo Regional. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes temas: Geografia, Meio ambiente, Educação Ambiental, Formação de Professores. [[email protected]]

Wanessa Lorena de Sousa Miranda · Capítulo 10 · UFT

Especialista em Educação Pobreza e Desigualdade Social pela Univer-sidade Federal do Tocantins – UFT. 2018. Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do Tocantins (2015) e graduação em Pedagogia pela Faculdade Integrada de Araguatins (2017). Atualmente é professora de educação básica da Secretaria de Educação, Juventude e Esportes do To-cantins. [[email protected]]

Cleivane Peres dos Reis · Capítulo 10 · UFT

Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2015). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2002). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Viçosa (1999). Atual-mente é professora efetiva do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins e analista ministerial especializada em Educação do Ministério Público do Estado do Tocantins. É membro do Núcleo de Estudos e Pesqui-sas em Educação, Desigualdades Sociais e Políticas Públicas - NEPED/UFT. Tem trabalhos acerca de políticas públicas, legislação e financiamento da educação; direitos humanos de crianças e adolescentes, relações de gênero e intergeracionais, crianças e adolescentes em situação de risco; educação do campo, formação de lideranças para desenvolvimento rural sustentável; educação de jovens e adultos; educação e desigualdades sociais; educação não escolar. [[email protected]]

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Diva Nunes Rezendes · Capítulo 11 · UFT

Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Univer-sidade Federal do Tocantins – UFT (2018). Especialista em Administração Educacional pela Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO (1999). Li-cenciada em História pela Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS (1998). Professora efetiva da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino do Estado do Tocantins (2000) e atua como Coordenadora Estadual do Pro-grama Bolsa Família na Educação na Seduc-TO, em Palmas-TO, desde 2011. [[email protected]]

Juciley Evangelista Freire · Capítulo 11 · UFT

Doutora em educação, na linha de pesquisa Estado, Políticas e História da Educação, e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás – UFG. Professora Adjunta da Universidade Federal do Tocantins (UFT)/Cam-pus de Palmas. Atua no Curso de Pedagogia e no Programa Profissional de Pós-Graduação em Educação – PPPGE/UFT. Coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas – NEPED/UFT. [[email protected]]

Valdeana Oliveira dos Reis Sousa · Capítulo 12 · UFPI

Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universida-de Federal do Piauí, Especialização em Docência do Ensino Superior pelas FIJ. [[email protected]]

Marla Mayara Teixeira Moura · Capítulo 13 · UFPI

Especialista em Educação, pobreza e desigualdade social modalidade a distãncia pela UFPI, Bacharel em Direito pela UFPI. [[email protected]]

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Maria Oneide Lino da Silva · Capítulo 13 · UFPI

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí – UFPI (2018), Mestrado em Educação – UFPI (2012), Graduada em Pedagogia pela Univer-sidade Estadual do Piauí – UESPI (1997), Especialista em Docência Superior, Psicopedagogia e Pedagogia Escolar. Membro do GRUPEC – Grupo de Es-tudos e Pesquisa em Ensino e Formação de Professores de Ciências do (a) UFPI, tem ampla experiência como docente na Educação básica e superior, é professora Substituta da UFPI (2019) e Coordenadora do Curso de Pedago-gia da Faculdade de Ensino Superior do Piauí – FAESPI. [[email protected]]

Tarianna Lustosa Santos · Capítulo 14 · UFPI

Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (2016). Es-pecialista em Gestão Pública pela Universidade Católica Dom Bosco (2013). Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Piauí (2013) e em Tecnologia em Secretariado Executivo pelo Instituto Federal do Piauí (2008). Foi professora-tutora no curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social, modalidade a distância, na Universidade Fe-deral do Piauí. Atualmente servidora pública federal na Universidade Federal do Piauí, no cargo de Secretária Executiva, na Diretoria de Governança da Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento (PROPLAN). [[email protected]]

Terssando Lustosa Santos · Capítulo 14 · UFPI

Especialista em Matemática Financeira e Estatística pela Universidade Candido Mendes (2015). Bacharel em Estatística pela Universidade Federal do Piauí (2013). Foi professor substituto na Universidade Federal do Piauí, com lotação no Departamento de Estatística do Centro de Ciências da Na-tureza e professor-tutor no curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social, modalidade a distância na Universidade Federal do Piauí. Tem experiências na área de Probabilidade e Estatística. Atualmente é servidor público na Fundação Municipal de Saúde de Teresina. [[email protected]]

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Márcia Milane Verçosa Rocha · Capítulo 14 · UFPI

Mestranda em Educação na Universidade Federal do Piauí (2020). Pos-sui graduação em Pedagogia pelo Instituto de Ensino Superior Múltiplo (2013). Pós-graduada em Gestão Escolar pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Desenvolveu atividade como professora tutora e secretária do curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (UFPI).Tem experiência na área de Educação básica e superior. Atualmente desenvolvo atividade no apoio auxiliar administrativo na Coordenadoria de Avaliação e Estatística/Proplan na Universidade Federal do Piauí. [[email protected]]

Francisco Marciano de Morais · Capítulo 15 · UFRN

Graduado em pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (2015), Especialista em Educação Pobreza e Desigualdade Social. Pos-sui experiência em segurança no trabalho, instrutor sócio educativo. [[email protected]]

Terezinha Fernandes Gurgel · Capítulo 15 · UFRN

Mestre em educação pelo Programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, (2017), pós-graduada em Formação de Professores pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002) e Língua Portuguesa e Matemática numa Abordagem Transdisciplinar pela Universidade Aberta do Brasil (UAB), em 2010. Possui experiência como Supervisora Pedagógica, Tutora no curso de especialização em educação, Pobreza e desigualdade Social, professora nos segmentos do Educação Bá-sica e Superior. Atualmente exerce a função de Coordenadora Pedagógica na Unidade de Educação Infantil "Jardim de Infância Hugolino D’Oliveira" no Município de Caraúbas/RN. [[email protected]]

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Kiarelly Cícero Martins da Nóbrega · Capítulo 16 · UFRN

Graduado em História pelas faculdades integradas de Patos FIP. Espe-cialista em história do Brasil e Especialista em Educação, Pobreza e Desi-gualdade Social. Graduado em pedagogia pela universidade estadual vale do Acaraú UVA. Experiência na área de educação infantil como professor polivalente. Atuando também como professor de história, filosofia, socio-logia e economia do Rio Grande do Norte no ensino fundamental e médio. Atualmente atua como diretor da Escola Municipal José Nunes de Figuei-redo e professor no curso de pedagogia da universidade estadual vale do Acaraú no polo de caicó RN. [[email protected]]

Deyse Karla de Oliveira Martins · Capítulo 16 · UFRN

Graduada em Pedagogia pela UFRN; Possui Mestrado e Doutorado em Educação; Especialização pela Universidade Federal do Rio Grande do Nor-te – UFRN. Atualmente professora Adjunto I da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) no Campus Avançado Walter de Sá Leitão. Subcoordenadora da Educação de Jovens e Adultos na Secretaria da Educa-ção e da Cultura do RN - SUEJA/SEEC RN. Membro do Grupo de Pesquisa e Estudos em EJA GEPEJA/UERN; Atuou como Vice-Coordenadora da Espe-cialização em EJA no Campus de Paus dos Ferros/UERN. Tem experiência na área de Educação, com ênfase nos seguintes temas: Representações Sociais, Educação do Campo e Movimentos Sociais, Pedagogia Freinet, Processo de Alfabetização e Letramento, Educação de Jovens e Adultos. [[email protected]]

Raila Vanessa Alves de Oliveira · Capítulo 17 · UFRN

Especialista em Educação, Pobreza, e Desigualdade Social pela Univer-sidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Pós-graduada em Políticas Públicas de Atenção à Família pela Universidade Potiguar – UNP, Graduada em Serviço Social pela UNP. Perita credenciada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, com experiência na área de Assistência Social e Habi-tação. [[email protected]]

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Olivia Morais de Medeiros Neta · Capítulo 17 · UFRN

Possui doutorado em Educação, mestrado em História e graduação em História (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal do Rio Gran-de do Norte. É professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e atua como professora-orientadora no Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRN) e no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecno-logia do Rio Grande do Norte (IFRN). É defensora da escola pública e sócia da ANPUH, da SBHE e da ANPED. Editora da Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica (ISSN 1983-0408) e History of Education in Latin America – HistELA (ISSN 2596-0113). Tem experiência na área de Educação e História, com ênfase em história da educação, história e espaços, teoria e metodologia, historiografia e educação profissional. [[email protected]]