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Simone MedeirosMaria Cecília Luiz(organizadoras)

Pobreza, Desigualdades e EducaçãoVolume II

São Carlos, 2020

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© 2020, dos autores

Universidade Federal de São Carlos – UFSCarReitoraWanda Aparecida Machado HoffmannVice-ReitorWalter Libardi

SEaD – Secretaria Geral de Educação a Distância – UFSCarSecretária de Educação a Distância Marilde Terezinha Prado Santos

SupervisãoClarissa BengtsonDouglas Henrique Perez Pino

Revisão LinguísticaLetícia Moreira ClaresPaula Sayuri Yanagiwara

Editoração EletrônicaBruno Prado Santos

CapaJéssica Veloso Morito

ColaboradoresClarissa Galvão BengtsonJoana Darc de Castro RibeiroRoseli Zen Cerny

Apoio TécnicoEliciano Pinheiro da Silva

Comissão CientíficaKarine Nunes de Moraes – Universidade Federal de GoiásMarcos Macedo Fernandes Caron – Universidade Federal de Mato GrossoOdorico Ferreira – Universidade Federal de Mato GrossoCélia Regina Teixeira – Universidade Federal da ParaíbaJoelina Souza Menezes – Universidade Federal de SergipeMaria Cecília Luiz – Universidade Federal de São CarlosPriscila Tavares dos Santos – Universidade Federal FluminenseRolf Ribeiro de Souza – Universidade Federal Fluminense

ISBN 978-65-86891-06-5

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PREFÁCIO

Com grande orgulho e alegria prefaciamos a coletânea Pobreza, Desigual-dades e Educação volume 1, 2 e 3, afirmando-se de antemão, que os textos que compõem a coletânea abordam com seriedade a temática e, em cada um dos seus três volumes, o leitor(a) vai se surpreender com a riqueza, inten-sidade e profundidade que, com certeza, produzirão impressões e aprecia-ções distintas.

Intenciona-se, nesta obra, superar dogmas e conceitos predefinidos sobre pobreza, desigualdades e educação, com a proposta de analisar o tema na perspectiva da diversidade e da possibilidade de contribuir com aspectos pluridimensionais. Compreende-se que nesta coletânea existe um olhar diverso, plural – tão característico de um país como o Brasil, com di-mensões continentais –, mas ao mesmo tempo, traz aspectos em comuns, com referenciais que se aproximam do problema, utilizando abordagens que descrevem os estados federativos brasileiros participantes.

Ao verificar a realidade social, com quadros preocupantes – agravando--se com o passar dos anos –, os temas tratados são atuais e desafiadores, com reflexões sobre o que será dos alunos (crianças e jovens) brasilei-ros que estão em situação de pobreza ou extrema pobreza? Como os(as) educadores(as) têm enfrentado a pobreza na escola?

A leitura desta coletânea proporcionará ao(à) leitor(a) um conhecimento inacabado, no sentido de contrariar a ideia de "pergunte e responderemos", devido à certeza de que muito ainda se deve refletir sobre o assunto.

Deixamos registrado, neste espaço, que segundo a Agência Brasil1, pesquisas feitas pelo SIS – Síntese de Indicadores Sociais –, divulgada pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), no final de 2019, no que se refere à

1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/extrema-pobreza-e-desigualdade-crescem--ha-4-anos-revela-pesquisa

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pobreza monetária, a de renda, o Brasil teve o pior quadro dos últimos qua-tro anos. Foram contabilizadas 13,5 milhões de pessoas, em 2018, vivendo com até 145 reais, representando 6,5% do total da população brasileira, com o indicativo de 72% serem pessoas pretas ou pardas.

Fica evidente que qualquer recuperação econômica não é igualitária para os diversos segmentos sociais e isso nos leva a pensar: como a educa-ção tem refletido sobre esta situação? Ou, como ela pode fazê-lo? Por isso, no decorrer da leitura, perguntamos mais do que damos respostas, o que nos faz pensar na urgência de mais estudos e pesquisas na área.

Esta coletânea, também, tem a finalidade de documentar o que foi a Ini-ciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) em suas dimensões estruturais, pois, teve um diferencial, além de oferecer formação continuada em cursos de especialização e aperfeiçoamento, possibilitou o desenvol-vimento de pesquisas acadêmicas. Neste contexto, esta mobilização, que começa com a extinta Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), hoje denominada Secretaria de Modalida-des Especializadas de Educação do Ministério da Educação (MEC), orga-nizou várias ações em parceria com as Instituições Federais de Educação Superior (IFES) e obteve mais de 26 pesquisas acadêmicas, com presença e articulação de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), a partir de 4.000, e de Trabalhos Finais de Curso (TFC), a partir de 6.000.

Os três volumes da coletânea são divididos em: Volume 1, que tem o foco maior em sintetizar a implantação do Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS), com parceria de quinze Universidades Federais que iniciaram o projeto, além de reflexões sobre o processo de formação continuada (Curso de Especialização EPDS). O Volume 2 enfatiza os resulta-dos das pesquisas elaboradas no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social; e, o Volume 3 aborda as produções elaboradas no âm-bito dos Cursos de especialização do EPDS, especificamente dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), considerando as relações estabelecidas com o Programa Bolsa Família (PBF) e com as temáticas indígena, quilombola, educação para as relações etnicorraciais, campo, educação especial, juven-tude, EJA, alfabetização e educação em direitos humanos.

Ao refletirmos sobre essas temáticas tão desafiadoras, evidentemente nos preocupamos muito mais com a questão da fome e do abandono, do que com notas escolares de estudantes pobres. No entanto, a ausência de qualidade no ensino e na aprendizagem se tornou um dos principais efeitos

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da pobreza no Brasil, pois não tem como evitarmos esta ligação direta entre a educação e a situação socioeconômica. Um dilema que nos faz buscar soluções que não podem ser negligenciadas.

As crianças e jovens brasileiros ficam dentro da escola entorno de quatro a cinco horas diárias, sendo que 70% deles frequentam escolas públicas, e estas são regidas por políticas públicas diferentes que resultaram em dis-crepâncias entre os currículos de várias instituições. Por isso, levando em conta que a palavra "prefácio" em latim, significa "dito (fatio) antes (prae)", finalizamos este prefácio com uma frase do Herbert de Souza, o sociólogo Betinho, que tanto se empenhou para erradicar a fome no Brasil:

Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar con-denado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas, e estão sendo assassinadas.

Ao transpormos "crianças abondadas nas ruas" por estudantes pobres abandonados à própria sorte nas escolas públicas, segundo o autor, a omis-são é crime. Com essa reflexão sobre o compromisso de cada brasileiro(a) que está envolvido(a) direta ou indiretamente com a educação e a situação de pobreza e desigualdades de estudantes pobres, desejamos uma excelen-te leitura a todos e todas.

Simone Medeiros

Maria Cecília Luiz

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SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1 O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na educação escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13Ana Cristina Serafim da Silva

2 Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa Família (PBF) no Mato Grosso do Sul . . . . . . . . . . . . . . . . .27Ana Carolina Pontes CostaDaiani Damm Tonetto RiednerSuellen Maria Monteiro Rosa MarcosHemilly Santos de Arruda

3 A educação dos pobres em questão: políticas e práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49Itamar Mendes da SilvaCaroline Falco Fernandes ValpassosDulcinea Campos Silva

4 Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas percepções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71Eliana Andrade da SilvaKilza Fernanda Moreira de ViveirosMoisés Domingos SobrinhoRosângela Alves de Oliveira

5 A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95Marli Alcântara Ferreira Morais

6 Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios com polos do CEEPDS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 Maria Aparecida Milanez CavalcanteCélio Chaves Eduardo FilhoJosélia Saraiva e Silva

7 Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em Melgaço, na Ilha do Marajó . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161Aline FurtadoMarilena Loureiro da Silva

8 Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres nos cursos de Filosofia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189Doracy Dias Aguiar de CarvalhoRoberto Fransciso de CarvalhoElizamara Josiene da Silva

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9 Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos impostos pela realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221Adir Valdemar GarciaJaime HillesheimTânia Regina Krüger

10 Limites e possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades educacionais em Salvador-BA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247Maria Izabel RibeiroSelma Cristina SilvaThaís GoldsteinEmília SantosHenari LimaKelly SilvaTaiane Santos

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Apresentação | 9

Apresentação

Este livro, Pobreza, Desigualdades e Educação – Volume 2, é o segundo de uma coletânea de três livros, que procura refletir sobre educação, pobreza e desigualdade social com perspectivas no Programa Bolsa Família (PBF). Nesta obra, enfatizam-se os resultados das pesquisas elaboradas pelas Uni-versidades Federais participantes, no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social.

A seção 1, O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na educação escolar, escrita por Ana Cristina Serafim da Silva, visa caracterizar o trabalho infanto-juvenil em oficinas me-cânicas e lava a jato e a relação desse trabalho com a escola. Trata-se de dados com alto número de crianças e principalmente adolescentes nesse tipo de atividade, além de permitir conhecer o acesso, a defasagem, a per-manência e a desistência destes jovens à escola.

A seção 2, Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa Família (PBF) no Mato Grosso do Sul, es-crita por Ana Carolina Pontes Costa, Daiani Damm Tonetto Riedner, Suellen Maria Monteiro Rosa Marcos e Hemilly Santos de Arruda, teve como objetivo apresentar a dimensão das potencialidades e fragilidades do programa a partir da visão dos professores que lecionam em cidades e escolas com alta concentração de beneficiários do PBF.

A seção 3, A educação dos pobres em questão: políticas e práticas, escrita por Itamar Mendes da Silva, Caroline Falco Fernandes Valpassos e Dulcinea Campos Silva objetivou socializar as discussões e reflexões sobre o tema, produzido no âmbito da pesquisa intitulada Políticas e práticas de Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Espírito Santo.

Na seção 4, Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas percepções, escrita por Eliana Andrade da Silva,

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10 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Kilza Fernanda Moreira de Viveiros, Moisés Domingos Sobrinho e Rosângela Alves de Oliveira, apresentam-se os resultados gerais da pesquisa realizada ao longo do curso, a qual teve como objetivo principal entender como os cursistas constroem e compartilham suas representações sociais sobre o objeto simbólico pobreza e como essas "verdades" de senso comum orien-tam suas práticas em relação ao fenômeno da pobreza e das desigualdades sociais.

A seção 5, A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão, escrita por Marli Alcântara Ferreira Mo-rais, apresenta o resultado da pesquisa "Modos de Vidas e Processos de Trabalho dos usuários do Programa Bolsa Família, no Maranhão" (2014-2015), com foco no conhecimento dos modos de vida e perspectivas pessoais, pro-fissionais e de futuro de alunos de escolas públicas em situação de pobreza ou de extrema pobreza.

Na seção 6, Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios com polos do CEEPDS, escrita Maria Aparecida Milanez Cavalcante, Célio Chaves Eduardo Filho e Josélia Saraiva e Silva refere-se a uma pesquisa com levantamento de indicadores sociais de municípios-polos no Estado do Piauí. Verifica-se, em visão panorâmica, a situação social das populações desses municípios para objetivar análises mais qualitativas referentes à representação social de pobreza partilhada pelos discentes do curso de especialização.

A seção 7, Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em Melgaço, na Ilha do Marajó, escrita por Aline Furtado e Marilena Loureiro da Silva decorre sobre a pesquisa realizada, com objetivo de verificar a contribuição do Programa Bolsa Família nos resulta-dos de aprovação/evasão escolar no município de Melgaço.

Na Seção 8, Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres nos cursos de Filosofia e Teatro da Univer-sidade Federal do Tocantins (UFT) apresentada pelos autores Doracy Dias Aguiar de Carvalho, Roberto Francisco de Carvalho e Elizamara Josiene da Silva, trata do resulta de uma pesquisa teórico-empírica intitulada "A per-manência dos estudantes nos cursos de Teatro e Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Palmas: o papel da política de assis-tência estudantil", realizada em 2016. O foco esteve em analisar os aspectos da política de assistência estudantil que potencializam e/ou dificultam a

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Apresentação | 11

permanência de estudantes pobres nos cursos de Artes/Teatro e Filosofia da UFT.

A seção 9, Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos impostos pela realidade, apresentada pelos autores Adir Valdemar Garcia, Jaime Hillesheim e Tânia Regina Krüger, teve como objetivo analisar as concepções de educação, pobreza e desigual-dade social e as proposições relacionadas a essas questões apresentadas pelos governos federal, do estado de Santa Catarina e de municípios dessa unidade federativa, em documentos de gestão e planejamento elaborados entre os anos de 2003 e 2015, verificando como essas concepções e propo-sições se materializam no cotidiano escolar.

Na seção 10, a última do livro, Limites e possibilidades do Programa Bol-sa Família: uma discussão sobre as condicionalidades educacionais em Salva-dor/BA, escrita pelas autoras Maria Izabel Ribeiro; Selma Cristina Silva; Thaís Goldstein; Emília Santos; Henari Lima; Kelly Silva; Taiane Santos, finalizam-se as seções deste Volume 2. No texto, foram analisados os indicadores sociais construídos a partir da base de dados secundários do Sistema de Informa-ções do Data Social, a saber: o Data CAD e o Data COM, com perspectiva de vislumbrar as condições de garantia ao acesso à educação e à saúde em função das condicionalidades, no estado da Bahia.

Foi extremante edificante organizar este livro com temas tão importan-tes e atuais, além de serem bem conduzidos pelos seus autores. Desejamos a você uma ótima leitura!

Simone Medeiros

Maria Cecília Luiz

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O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na educação escolarAna Cristina Serafim da Silva

Este capítulo visa caracterizar o trabalho infanto-juvenil em oficinas mecâ-nicas e lava a jato e a relação desse trabalho com a escola. Trata de uma temática importante, dado o alto número de crianças e principalmente adolescentes nesse tipo de atividade, além de permitir conhecer o acesso desses jovens à escola, a defasagem, a permanência e a desistência.

Conforme pontua Arroyo (2015), o trabalho infanto-juvenil tem trazido várias interrogações e desafios para as políticas educativas, a gestão esco-lar e o currículo. Segundo o autor, as políticas educacionais, ao ignorarem o trabalho infanto-juvenil, ignoram também o "mal viver" e sobreviver dos seus educandos, sobretudo o direito ao viver como humanos, que antecede o direito a aprender.

O trabalho infantil não é fato novo na história da humanidade, mas ganha evidência a partir da Revolução Industrial. Com o aparecimento do comércio e da indústria, estabeleceu-se uma nova divisão de trabalho, simplificando tarefas, criando hierarquias, modificando funções, reservando espaços para aqueles que não tinham formação. Essas condições acabaram por favorecer a incorporação de crianças em diversos setores da produção (ARIÈS, 1995; DEL PRIORE, 2007).

No Brasil, esse contexto de inserção de crianças e adolescentes no tra-balho precoce também não é um fenômeno da contemporaneidade. Desde a época das Grandes Navegações, crianças e adolescentes eram recruta-das para serem "grumetes" e "pajens", ficando expostos também a abusos

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sexuais de marujos e/ou outros tripulantes, sofrendo privações alimentares e sendo submetidos a trabalhos perigosos e exaustivos (RAMOS, 2007).

Durante o regime escravista, as crianças negras tinham uma infância que ia até os oito anos, assumindo várias funções laborais, e já sendo considera-das adultas aos 14 anos (GÓES; FLORENTINO, 2009). Ao fim desse regime, com a vinda de imigrantes para o Brasil e o grande êxodo rural, houve um aumento no número de crianças e adolescentes nas grandes cidades. Várias iniciativas surgiram para a preparação da mão de obra infanto-juvenil. O trabalho era visto como um dos meios mais eficazes para a reintegração da criança na sociedade (SANTOS, 2009).

As crianças e os adolescentes foram empregados tanto nas indústrias como na agricultura, entendidos como mais rentáveis, devido aos baixos salários, e mais "dóceis", sendo de fácil controle. Além do trabalho ser visto como antídoto contra a marginalidade, dava uma profissão e uma formação a esses sujeitos. Essas foram medidas adotadas pelo Estado para a integra-ção de crianças e adolescentes na sociedade, e isso se deu em decorrência desses sujeito serem considerados ameaçadores à ordem vigente (RIZZINI; PILLOTTI, 2009).

Várias propostas e políticas de formação colocavam o trabalho como a solução para as classes populares, desde a Roda dos Expostos, Casa de Educandos e Artífices, institutos, escolas profissionais e patronatos agrícolas até escolas corretivas do período republicano e Escolas de Aprendizes Ar-tífices (RIZZINI; PILLOTTI, 2009). Esse processo continua durante os séculos XX e XXI com a presença de crianças e adolescentes pobres exercendo al-guma atividade de trabalho, inclusive em situações degradantes, perigosas e penosas.

A partir da Constituição Federal de 1988, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990)), cujo objetivo é efetivar a garantia dos direitos das crianças e dos adolescen-tes. Contém nos seus artigos, entre outros pontos, a proibição do trabalho infanto-juvenil e a proteção ao trabalhador adolescente, determinando a forma de atuação das instituições que fazem parte da rede de proteção na prevenção e em casos de violação dos direitos desses sujeitos.

Mesmo com a promulgação do ECA representando um avanço na le-gislação, ele não é suficiente para proteger os direitos das crianças e dos adolescentes no que se refere, por exemplo, à inserção precoce no traba-lho. De acordo com os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de

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O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 15

Domicílio – Pnad (IBGE, 2015), no Brasil, 2,7 milhões de crianças e adolescen-tes com idades entre 5 e 17 anos estão em situação de trabalho, 2 milhões entre 14 e 17 anos, com 68% do total em atividades não agrícolas.

No Tocantins, 21.278 crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos estão ocupados. O Estado teve a maior redução da região Norte no número de crianças e adolescentes em situação de trabalho: em 2004, ti-nha 60.172, e alcançou redução de 65% para 2015. Há um destaque para as atividades de comércio e reparação (entre elas, as atividades em oficinas mecânicas e lava a jato), com 31,4% do total de crianças e adolescentes que estão exercendo alguma atividade, a maior taxa da região Norte e uma das maiores do Brasil.

Neste capítulo, utilizamos a concepção de trabalho infantil do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI ([S.d.]), a saber:

Refere-se às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crian-ças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemen-te da sua condição ocupacional. Para efeitos de proteção ao adolescente trabalhador, será considerado todo trabalho desempenhado por pessoa com idade entre 16 e 18 anos e, na condição de aprendiz, de 14 a 18 anos, conforme definido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.

Uma das causas da incorporação de crianças pelo mercado tem sido a precarização das relações de trabalho, aliada ao mito do trabalho como valor ético e moral, "formativo", "escola da vida", que torna o homem "mais digno" e como prevenção da marginalidade (ALBERTO et al., 2010; RIZZINI; PILLOTTI, 2009; SANTOS, 2009). Ele nunca é considerado um deformador da infância.

As longas jornadas de trabalho, as ferramentas, os utensílios e o próprio maquinário inadequado à idade comprometeram o desenvolvimento sadio de crianças e elevaram o índice de mortalidade, conforme atestam relatos ao longo da história (ALBERTO et al., 2010; MOURA, 2009; RIZZINI; PILLOTTI, 2009; SILVA; FERREIRA, 2014). A sociedade, influenciada por esses motivos, associa o "não trabalho" à "marginalidade" e à "delinquência", corrobo-rando a ideia de que o trabalho é o formador por excelência de crianças e adolescentes das camadas populares.

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Esse tipo de pensamento implica práticas sociais que tornam invisível o trabalho infanto-juvenil, especificamente em oficinas mecânicas e lava a jato, levando-se a crer que esse é um tipo de trabalho mais "brando", não exploratório e que não causa consequência alguma para as crianças e os adolescentes que desenvolvem essas atividades. Acredita-se, assim, que esse é um trabalho que prepara para a vida.

Observando as causas, percebe-se que o fator pobreza não é exclusivo, responsável por si só pela entrada de crianças no mercado de trabalho, mas é o fator preponderante. Segundo o Ipea (2010), é mais elevado o número de crianças e adolescentes trabalhadores cujas famílias são pobres, negras e de áreas rurais. Nos grupos sociais mais vulneráveis, é cerca de quatro vezes mais provável que crianças e adolescentes estejam em situação de trabalho.

Segundo Arroyo (2015, p. 30), o trabalho infanto-juvenil "está onde está a condição mais exploradora do trabalho humano", e convive com os índices constantes de sobrevivência e pobreza familiar. A constância desse trabalho anda junto do mesmo padrão capitalista, classista, racista e sexista do traba-lho que perdura e cada vez mais se sofistica.

Além disso, a situação de trabalho infanto-juvenil em que se encontra um número significativo de crianças e adolescentes em todo o mundo traz implicações que refletem não só na dimensão mais visível, como a predispo-sição para fadiga, enfermidades e acidentes de trabalho (FORASTIERI, 1997), baixo nível de escolaridade, uma vez que no processo de escolarização des-ses sujeitos são comuns histórias de reprovação, repetência e defasagem escolar (ALBERTO et al., 2010; CERVINI; BURGER, 1991; REDE PETECA, 2017; RIZZINI; COLS, 1996; SILVA; PEREIRA, 2014), mas também na dimensão laten-te da subjetividade, pois se constitui como uma categoria de trabalho que imprime exclusão e sofrimento, principalmente no anonimato da informali-dade (ALBERTO, 2002).

As consequências físicas e biológicas do trabalho sobre a criança po-dem ser classificadas segundo o tipo de trabalho que ela exerce. O trabalho penoso provoca estresse, danos físicos e prejuízos mentais; o trabalho insa-lubre provoca doenças e intoxicações; e o trabalho perigoso pode ocasionar acidentes ou danos à vida da criança ou do adolescente trabalhador. Exem-plos de lugares insalubres e perigosos são minas, ambientes frios, úmidos ou com calor excessivo, galerias de esgotos, matadouros, curtumes, locais com desprendimento de poeira e resíduos como os de algodão e cerâmi-ca. As ruas, carvoarias, pedreiras, lavouras e batedeiras de sisal, o corte de

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O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato no Tocantins e seus impactos na... | 17

cana-de-açúcar e os depósitos de lixo são também exemplos de trabalho infantil perigoso, penoso e insalubre (ALBERTO et al., 2010).

O trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato é outro exemplo desses trabalhos considerados penosos, insalubres e perigosos, sendo um fato bastante comum na sociedade brasileira, principalmente nas cidades cortadas por BR. De acordo com Dias e Araújo (2013), o comércio (comércio, reparação de serviços automotores e motocicletas) é a segunda grande atividade em que está ocupada boa parte da mão de obra infanto-ju-venil na região Norte, chegando a 15,9% dos que exercem alguma atividade.

O contato com substâncias químicas como óleo diesel, lubrificante, gra-xa e gasolina traz sérios riscos à saúde dessas crianças e adolescentes. A relação de riscos de acidentes nesse ramo de atividade é extensa, incluindo desde cortes com ferramentas até acidentes de trânsito durante teste de ve-ículos, bem como quedas relacionadas a condições de pisos, acidentes com máquinas manuais motorizadas, queda de materiais sobre o corpo, aciden-tes com equipamentos para elevação de veículos, queimaduras por contato com superfícies aquecidas, incêndios ou explosões associados ao manuseio de gasolina, ferimentos causados por ar ou água sob pressão, lesões ocula-res por corpo estranho, eletrocussão, entre outros (BINDER et al., 2013).

Nos lava a jato, também há vários agentes nocivos à saúde. O primeiro agente insalubre é a umidade. O uso contínuo e prolongado da água se transforma em uma situação perigosa na medida em que a umidade é o ambiente preferido de fungos e bactérias. Dessa forma, a criança e o ado-lescente que trabalham nesse tipo de ambiente estão mais sujeitos a de-senvolverem problemas de saúde. Outro fator prejudicial à saúde presente na atividade de lavagem de veículos é a utilização de produtos químicos: os shampoos, silicones, desengraxantes e óleos usados na lavagem e limpeza dos automóveis contêm em suas composições substâncias químicas prejudi-ciais à saúde, e os jovens ainda não têm um organismo tão resistente quanto o de um adulto, por isso o contato constante com esses químicos é muito mais danoso em um organismo em desenvolvimento do que em um adulto (FERNANDES, 2011).

A Constituição brasileira (BRASIL, 1988) prevê a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer traba-lho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (art. 7º, inciso XXXIII). Contrariando esse princípio legal, há um número

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cada vez maior de oficinas mecânicas e lava a jato que utilizam a mão de obra infanto-juvenil.

Entre uma série de consequências sociais indesejáveis do trabalho infan-til, a mais grave é o prejuízo que o trabalho causa à educação escolar das crianças (ALBERTO et al., 2010; ARROYO, 2015; SILVA; FERREIRA, 2014), dado que as inovações tecnológicas têm requerido um novo tipo de trabalhador. Assim, a escola acaba tendo uma importância muito maior para o desenvol-vimento cognitivo das crianças do que em outros tempos.

O nível de escolaridade e a qualidade do ensino constituem-se pré--requisitos para a entrada no seletivo mercado de trabalho (ALBERTO et al., 2010). Desse modo, não se pode admitir que lugar de criança seja no trabalho. Ao contrário, lugar de criança é na escola, com uma educação de qualidade.

É nesse contexto que a política de erradicação do trabalho infantil está centralizada, o que significa que qualquer ação que tenha como objetivos o combate e a eliminação do trabalho infantil deve ter essa meta inscrita em seu horizonte. A escola desempenha um papel importante na futura capa-citação, na socialização e na abertura de horizontes dos jovens, enquanto a família desempenha um papel vital na estruturação psíquica e afetiva, na formação do caráter e dos valores de uma pessoa.

A partir de uma perspectiva sócio-histórica, a intervenção pedagógica realizada pela escola é de extrema importância na construção dos processos psicológicos dos sujeitos. É, sobretudo, a escola, cuja função é a instrução deliberada, que vai ativar seu desenvolvimento. Nesse sentido, a sistemati-zação presente na escola cria estruturas, a interação e a orientação entre os sujeitos nesse ambiente, promovendo o desenvolvimento mental (ALBERTO et al., 2010).

Para Arroyo (2015), o reconhecimento da infância e do trabalho na infân-cia pela escola poderia ajudar a entender de maneira mais pedagógica, mais humana e justa realidades tão preocupantes como a evasão, o absenteísmo e o desinteresse pelos estudos. Ainda conforme o autor, avançar na compre-ensão da tensa e complexa exploração da força de trabalho infanto-juvenil, da contribuição para a renda familiar para sobreviver e do processo de es-colarização indicaria caminhos para entender os percursos escolares de vida e trabalho de tantas crianças e adolescentes, estigmatizados como lentos, desinteressados e sem hábitos de estudo, que, socializados nos valores do

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trabalho, são segregados nas escolas como "sem valores do trabalho" (AR-ROYO, 2015, p. 26).

No campo dos direitos humanos, houve inegavelmente um avanço no século XX, por meio de novas convenções que especificaram os direitos a serem protegidos como resposta a violações que passaram a ser supervi-sionadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) dentro dos Estados. Apesar desses avanços, a efetivação dos direitos humanos ainda se dá de forma lenta, principalmente se considerarmos o quadro da sociedade bra-sileira, que se caracteriza por desigualdades, exclusão econômica e social, de modo que as políticas públicas priorizaram os direitos civis e políticos em detrimento dos direitos econômicos, sociais e coletivos.

Assim, a legislação brasileira sobre o trabalho infanto-juvenil tem como premissa a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, ga-rantindo seus direitos com prioridade absoluta (BRASIL, 1990). O Brasil é signatário dos principais atos referentes à temática, destacando-se a Decla-ração sobre os Direitos da Criança (1923), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Segunda Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Declaração de Viena (1993) e a Convenção n. 132 e n. 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A legislação nacional a respeito do assunto orienta-se pelos princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988. No seu art. 227, determina que são deveres da família, da sociedade e do Estado:

Assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Já o art. 7º, inciso XXXIII (alterado pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998 (BRASIL, 1998)), estabelece a idade mínima de 16 anos para o ingresso no mercado de trabalho, exceto na condição de aprendiz, possível a partir dos 14 anos. A determinação de idade limite para admissão ao trabalho, segundo estipulado pela OIT, busca preservar a permanência e a continuidade do jovem no processo escolar, bem como estimular a cultura, o lazer e a preservação dos vínculos familiares.

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Nesse sentido, a importância de abordar essa problemática está relacio-nada à necessidade de apresentar contribuições empíricas sobre a relação do trabalho infanto-juvenil com o desenvolvimento desse sujeito e com o processo de escolarização de crianças e adolescentes, especialmente em termos de sua subjetividade como atores sociais que trabalham e estudam, e, igualmente, como alunos.

Metodologia

Para o desenvolvimento da pesquisa aqui discutida, primeiramente se fez uma territorialização na cidade de Tocantinópolis (TO) para a identifi-cação de oficinas mecânicas e lava a jato. Posteriormente, houve contato com os trabalhadores precoces, e, em seguida, aplicação de questionário aos sujeitos que se encontravam em situação de trabalho nesses ambientes. As questões versavam sobre dados sociodemográficos, família, atividade de trabalho, escolaridade, riscos e perspectivas de futuro.

Após a aplicação do questionário, fez-se sua leitura e releitura para cuidadosa identificação e correção dos possíveis erros e categorização das respostas. Para a análise dos dados, utilizou-se o SPSS, um software para contagem de frequências e percentuais. Foi feita, então, a construção de um banco de dados para o tratamento destes.

Resultado e discussão

Foram identificadas 20 oficinas mecânicas e 5 lava a jato na cidade de Tocantinópolis quando da realização da pesquisa, e, desse total, 4 oficinas mecânicas e 1 lava a jato continham crianças e adolescentes exercendo ativi-dade. Foram entrevistadas 10 crianças e adolescentes, 50% delas trabalhan-do em oficinas mecânicas e 50% em lava a jato. A faixa etária desses sujeitos variava entre 11 e 17 anos, mas a idade predominante na pesquisa foi de 17 anos, totalizando 60% dos entrevistados.

De acordo com a Constituição Federal e o ECA (BRASIL, 1988, 1990), a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz, quando o trabalho é permitido, este não pode ser noturno, perigoso ou insalubre, e não deve prejudicar a frequência ou o rendimento escolar do adolescente. No entanto, dos 10 sujeitos entrevistados, nenhum estava legalmente empregado e todos se-guiam sendo explorados sem a proteção que está prevista na Constituição,

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no ECA e na Lei do Aprendiz – Lei n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2000).

Na pesquisa, houve unanimidade na questão do sexo e da zona em que vivem: todos os entrevistados são do sexo masculino e vivem na zona urba-na. No que se refere à etnia, a maioria se identifica como negro. Tais dados também são corroborados por outras pesquisas relacionadas à predominân-cia do sexo masculino nos serviços de comércio e reparação (ALBERTO et al., 2010; ARROYO, 2015; DIAS; ARAÚJO, 2013), bem como à predominância de crianças e adolescentes negros exercendo alguma atividade de trabalho (ALBERTO et al., 2010; ARROYO, 2015; DIAS; ARAÚJO, 2013; SILVA; FERREI-RA, 2014).

Foram feitas também perguntas sobre os pais e as mães desses sujeitos. Registrou-se que 50% deles têm pais que trabalham, entre outras profissões, como pedreiros (um total de 40% dos entrevistados). Em relação às mães, 60% responderam que elas também trabalham, 33,3% como domésticas e 33,3% em serviços gerais (limpeza).

Nota-se que há uma predominância de mães que trabalham. Esse dado se explica devido ao fato de 50% dos entrevistados responderem que não moram com o pai ou não o conhecem. A maioria dos entrevistados respon-deu que suas famílias vivem com uma renda mensal de um salário e meio a dois salários. Tais dados também são encontrados nas pesquisas de Alberto et al. (2010), Arroyo (2015) e Silva e Ferreira (2014).

No que se refere às atividades realizadas pelos entrevistados, 50% traba-lhavam lavando, enxugando e encerando carros. Os outros 50% faziam troca de óleo de veículos, troca e remenda de pneus e revisão de veículos. Segun-do Binder et al. (2013), esse tipo de atividade traz graves prejuízos à saúde desses sujeitos, havendo presença de uma série de riscos físicos, biológicos, químicos, ergonômicos, psicológicos e sociais (ALBERTO et al., 2010).

Com a pele ainda em processo de desenvolvimento, o contato com substâncias corrosivas faz com que crianças e adolescentes sejam menos resistentes a intoxicações. O ambiente muitas vezes úmido e insalubre tam-bém provoca doenças nesses sujeitos (ALBERTO et al., 2010; BINDER et al., 2013; FERNANDES, 2011).

Outra questão preocupante é o grande risco de acidentes de trabalho que incide sobre crianças e adolescentes que trabalham. Segundo Brito (2017), com base em informações advindas do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, desde 2007, quase 40 mil

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crianças e adolescentes se acidentaram enquanto exerciam alguma ativida-de de trabalho, mais da metade com ocorrências classificadas como graves – incluindo amputação de membros superiores e/ou inferiores e até mesmo morte.

Quando perguntados sobre o que mais gostavam no trabalho, grande parte dos sujeitos afirmou não gostar de nada no seu serviço. Ao identificar a atividade de que mais gostavam, 60% responderam que era o mais fácil de se fazer no seu trabalho. Com relação ao que menos gostavam de fazer, 33, 3% responderam que é lavar carros, pois é o mais difícil de fazer para a maioria (57,1%).

A metade deles afirma sentir cansaço/exaustão após um dia de trabalho e alívio por acabar o trabalho. Quando perguntados sobre o porquê de não gostar da atividade, a maioria dos sujeitos disse que "só o dono da ofici-na ganha dinheiro, o serviço é feito de graça", "dá muito trabalho", "fico sem tempo de me divertir", "é muito chato". Tais falas revelam, entre outros aspectos, que o trabalho infanto-juvenil é inadequado para o completo de-senvolvimento desses sujeitos, cujos sonhos, aprendizagem, brincadeiras e proteção são substituídos por uma rotina de responsabilidade, expondo-os a diversos riscos, violando os seus direitos mais elementares.

Entre os entrevistados, 90% trabalham para um patrão e 80% ganham dinheiro pelo seu serviço, dados corroborados por pesquisa desenvolvida pelo FNPETI ([S.d.]), que aponta que boa parte das crianças e dos adoles-centes que exercem atividade não recebem dinheiro. Seu turno de trabalho, por unanimidade, é o diurno, e metade deles respondeu que em suas horas vagas sai com os amigos ou fica em casa.

No que diz respeito à escolaridade, grande parte dos sujeitos entrevis-tados estava estudando, embora 30% deles estivessem fora da escola. Um dado que se sobressaiu foi que 70% deles já foram reprovados na escola. Artes e Carvalho (2010) destacam que o trabalho infanto-juvenil tem sido considerado o principal responsável pelo mau desempenho desses sujeitos.

Vários autores (ALBERTO et al., 2010; ARROYO, 2015; ARTES; CARVA-LHO, 2010; SILVA; PEREIRA, 2014) corroboram esse ponto, demonstrando, por exemplo, que as crianças e os adolescentes que trabalham sofrem uma defasagem escolar que pode chegar a nove anos. O cansaço físico devido a longas jornadas de trabalho compromete o estudo desses sujeitos, dificul-tando também a aprendizagem da escrita e da leitura (ALBERTO et al., 2010).

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Alguns dos aspectos que se destacam são o despreparo e o desconhe-cimento da escola para atender a essas crianças e adolescentes em situação de trabalho. Para Arroyo (2015), reconhecer o trabalho da criança e do ado-lescente leva o sistema educacional a pesquisar sobre a sua persistência e diminuição. O autor questiona até que ponto a escola se contrapõe às velhas e persistentes formas de exploração da mão de obra infanto-juvenil. A partir do momento em que esse fenômeno passa a ser reconhecido pelo sistema educacional, é possível questionar os processos, a cultura segregadora e reprovadora das escolas, de quem têm sido vítimas crianças e adolescentes trabalhadores.

A grande maioria dos sujeitos entrevistados (90%) respondeu que suas famílias participam de algum programa de assistência do governo, o que demonstra a imensa pobreza que grande parte da população vive. São esses sujeitos que, desde a infância, são condenados a sobreviver do trabalho, terão negados os seus direitos porque reprovam na escola, não terão direito ao diploma porque precisam trabalhar, e assim por diante. De acordo com Arroyo (2015), esses mesmos sujeitos não terão direito a entrar no mercado de trabalho, pois foram condenados desde a infância a sobreviver nessa rela-ção trabalho-estudo e, dada essa condição, pela lógica segregadora escolar, que só reprova.

Conclusões

A pesquisa em debate indica que o trabalho infanto-juvenil em oficinas mecânicas e lava a jato é realizado na sua totalidade por meninos negros com idade entre 14 e 17 anos, que pertencem a famílias de classe baixa e que têm pouco incentivo à educação. Outro detalhe importante observado tem relação com os tipos de atividades exercidos nesse trabalho, que levam a um cansaço físico do corpo e ao contato com substâncias tóxicas, o que contribui para o desgaste físico e psicológico, causando sérios danos a esses sujeitos.

Outro aspecto que prevaleceu nos dados foi a defasagem escolar da maioria dos sujeitos entrevistados, o que leva a questionamentos: até que ponto a escola está preparada para receber esses sujeitos? Qual o compro-misso social da escola? Como ignorar essas vivências do trabalho infanto--juvenil na agenda escolar? Há um contingente de crianças e adolescentes

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trabalhadores que, ao entrarem na vida adulta, permanecerão na mesma precariedade e pobreza de sua infância.

O que se nota atualmente é que a política de educação até garante o acesso de crianças e adolescentes à escola, por meio da matrícula, mas não a permanência e a conclusão de todas as fases do ensino no tempo correto. Nem mesmo a política de assistência tem sido eficaz no que concerne às famílias, para que tenham uma renda que as sustente, ou seja, a rede, for-mada pelas instituições responsáveis pelo atendimento e pela proteção dos direitos, não tem funcionado adequadamente, e os direitos das crianças e dos adolescentes continuam cotidianamente sendo violados.

Por fim, percebe-se que há uma continuação, um círculo vicioso na pre-cariedade e na exploração do trabalho que vai da infância à vida adulta. Conforme pontuado por Arroyo (2015), são histórias anunciadas da explo-ração do trabalho adulto pelo capital, por isso não é possível erradicar/eli-minar o trabalho infanto-juvenil sem que se possa superar a exploração do trabalho adulto.

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Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa Família (PBF) no Mato Grosso do SulAna Carolina Pontes CostaDaiani Damm Tonetto RiednerSuellen Maria Monteiro Rosa MarcosHemilly Santos de Arruda

A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) aceitou o desafio pro-posto pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), e, por meio da iniciativa Educação, Pobreza e Desigual-dade Social (2014-2017), realizou entre 2015 e 2017 uma pesquisa institucio-nal intitulada Educação, pobreza e desigualdade social: alguns indicadores do contexto sul-mato-grossense. Essa pesquisa teve como objetivos:

• mapear o perfil dos estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) nos contextos empobrecidos da região sul-mato-grossense nos municípios e escolas com o maior número de beneficiários do referido programa;

• verificar as condições físicas (infraestrutura dos prédios) das escolas de educação básica localizadas nos contextos empobrecidos dos municí-pios selecionados e que atendem ao maior número de estudantes bene-ficiários do PBF;

• identificar as potencialidades e fragilidades do PBF a partir do olhar de famílias beneficiadas, professores e gestores;

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• identificar o nível de interferência dos benefícios do PBF na vida escolar de crianças e adolescentes a partir do olhar de famílias beneficiadas, professores e gestores;

• investigar os motivos de baixa frequência dos beneficiários do PBF dos municípios com maior número de famílias beneficiárias do estado de Mato Grosso do Sul, a partir dos relatórios do Sistema Presença de 2014 e 2015.

Neste capítulo, trazemos especificamente a dimensão das potencia-lidades e fragilidades do programa a partir da visão dos professores que lecionam em cidades e escolas com alta concentração de beneficiários do PBF. Para a seleção dos municípios do estado do Mato Grosso do Sul pes-quisados, tomamos como base os dados do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2014, 2015) relativos ao número total de habi-tantes por município em 2014, cruzados com os dados contidos na base Data Social sobre o número de beneficiários do PBF do mesmo ano.

A partir desse exercício, selecionamos oito municípios que apresentam um índice superior a 40% da população inscrita/beneficiária do PBF e ainda abrigam em seu território populações assentadas, quilombolas, indígenas e/ou ribeirinhas, sendo eles: Antônio João, Coronel Sapucaia, Japorã, Miranda, Nioaque e Tacuru. Cabe destacar a inclusão do município de Corumbá, que, apesar de ter número de beneficiários do PBF inferior ao critério estabeleci-do, congrega em seu território todas as populações citadas anteriormente.

Dentro dos municípios selecionados, buscamos aquelas escolas com maior índice de beneficiários do PBF, totalizando 18 instituições (duas por município). Destas, selecionamos um professor aleatoriamente para a reali-zação da entrevista.

Para discutir essa pesquisa, num primeiro momento, trazemos uma bre-ve contextualização do PBF, bem como a ênfase para a condicionalidade da educação. Em seguida, fazemos considerações sobre a descrição dos indicadores do PBF no Mato Grosso do Sul em relação a 2018. Propomos, então, análises das falas dos professores sobre o programa e, em seguida, as considerações finais.

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O Programa Bolsa Família

Em 2003, o governo brasileiro lançou o Programa Bolsa Família (PBF), que objetivou garantir a superação da pobreza1 e da pobreza extrema por meio da transferência de renda mensal às famílias em situação de vulnerabilidade e pobreza no país. O programa transfere, atualmente, um recurso mensal a 14 milhões2 de famílias, que, em contrapartida, precisam obrigatoriamente matricular os filhos de 4 a 17 anos nas escolas de educação básica e garantir frequência escolar acima de 85% para alunos de 6 a 15 anos e de 75% para alunos de 16 a 17 anos, além de outras condicionalidades.

Ainda em relação ao PBF, a legislação prevê como seus objetivos:

I - promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social;

II - combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;

III - estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situa-ção de pobreza e extrema pobreza;

IV - combater a pobreza; e

V - promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder Público (BRASIL, 2004b).

O recebimento do benefício pelas famílias está condicionado a algumas exigências feitas pelo poder público. Mais especificamente, o programa impõe condicionalidades às famílias que têm na sua composição crianças, adolescentes e gestantes, uma vez que os demais, que apresentam renda per capita que os caracterizem como pobres ou extremamente pobres, precisam estar cadastrados no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico)3 e fazer o acompanhamento pela Assistência Social do município periodicamente.

1 Para o governo brasileiro, as famílias extremamente pobres são aquelas que têm renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa (BRASIL, 2018) e as famílias pobres são as com renda mensal entre R$ 89,01 e R$ 178,00 por pessoa.

2 Portal da Transparência: 8442 – Transferência de Renda Diretamente às Famílias em Condição de Pobreza e Extrema Pobreza (Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004 (BRASIL, 2004a)) – Valor/2017: R$ 26.565.145.475,00.

3 O CadÚnico é um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda a ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal voltados ao aten-dimento desse público (BRASIL, 2007, art. 2º).

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São vários os autores que contestam essas condicionalidades. Schwartz-man (2009), por exemplo, defende que programas como o Bolsa Família não deveriam ter condicionalidades, mas, sim, apenas garantir a transferência de renda àqueles que se encontram em situação de pobreza, uma vez que essas condicionalidades não estão articuladas a uma política educacional de melhoria da qualidade de ensino:

[...] é equivocada a ideia de que os problemas da educação brasileira são de demanda. Todas as pesquisas mostram que a população valoriza muito a educação, e de fato a permanência das pessoas nas escolas vem aumentando ano a ano, independentemente da existência ou não de bolsa escola ou subsídio semelhante. Os problemas da educação estão do lado da oferta – a má qualidade das escolas públicas, os problemas de recrutamento e formação de professores, a ignorância em relação aos métodos de ensino mais apropriados etc. O mesmo pode ser dito em relação à saúde. Havendo boas escolas e serviços de saúde acessíveis, a população naturalmente buscará estes serviços (SCHWARTZMAN, 2009, p. 3).

É intenso o debate sobre a imposição das condicionalidades, que tipi-camente questiona a efetividade e os desdobramentos dessa "contraparti-da" dos beneficiários. Nessa perspectiva, a discussão mostra que a própria concepção da condição para romper com o ciclo intergeracional da pobreza não estaria levando em conta as dificuldades que as famílias mais pobres podem ter para acessar os serviços públicos que garantem o recebimento do benefício.

Carnelossi e Bernardes (2014) apontam que

A vinculação entre transferência de renda e frequência escolar reflete a concepção simplista que as políticas públicas envolvidas no PBF pos-suem da problemática da pobreza e da educação no país, bem como do entendimento limitado da intersetorialidade posta nas políticas sociais envolvidas no programa (Saúde, Educação e Assistência Social) (CARNE-LOSSI; BERNARDES, 2017, p. 302).

Além do questionamento quanto à simplificação da pobreza implicada na exigência da condicionalidade, Zimmermann (2006) analisa o fato de o PBF não ser baseado na concepção de direitos, uma vez que o acesso ao benefício não é garantido de forma incondicional aos portadores de um di-reito. Em outros termos, o PBF não garante o acesso irrestrito aos recursos

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porque existe um limite para a quantidade de famílias a serem beneficiadas em cada município. Nesse sentido, para o autor, "[...]o programa deve re-considerar suas concepções acerca da imposição de condicionalidades e de obrigações aos beneficiários, pois a titularidade de um direito jamais deve ser condicionada." (ZIMMERMANN, 2006, p. 152).

De acordo com o manual do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, as regulamentações legais sobre as condicionalidades se configuram em formas de:

I- estimular as famílias beneficiárias a exercer o seu direito de acesso às políticas públicas de saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das condições de vida da população;

II- identificar as vulnerabilidades sociais que afetam e impedem o acesso das famílias beneficiárias aos serviços públicos a que têm direito, por meio de monitoramento do seu cumprimento, cabendo às diversas esfe-ras de governo garantir o acesso pleno aos serviços públicos de saúde, educação e assistência social [...] (BRASIL, 2014, p. 5).

As famílias em situação de descumprimento estão sujeitas aos efeitos estabelecidos nos regulamentos do programa. Esses efeitos são gradativos e podem variar conforme o histórico de descumprimento da família – adver-tência, bloqueio, suspensão ou cancelamento do benefício.

Ainda de acordo com Zimmermann (2006, p. 152),

O estado não deve punir e, em hipótese alguma, excluir os beneficiá-rios do programa, quando do não cumprimento das condicionalidades estabelecidas e/ou impostas. Dever-se-ia responsabilizar os municípios, estados e outros organismos governamentais pelo não cumprimento de sua obrigação em garantir o acesso aos direitos atualmente impostos com condicionalidades.

O benefício pago a cada família varia de acordo com a renda familiar mensal por pessoa e o número de crianças e adolescentes de até 15 anos, gestantes, nutrizes e jovens de 16 e 17 anos. O valor final destinado às fa-mílias varia de acordo com a composição familiar, não podendo ultrapassar o limite de até cinco benefícios variáveis e de até dois benefícios variáveis vinculados ao adolescente para cada família (BRASIL, 2016).

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Os valores são atualizados periodicamente e atualmente são da seguinte ordem:

• Benefício Básico: R$ 89,00.

• Benefício Variável: R$ 41,00.

• Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ): R$ 48,00.

• Benefício para a Superação da Extrema Pobreza (BSP): calculado caso a caso, de modo que se receba um valor para que a renda mensal da família supere os R$ 89,00 por pessoa.

Os recursos destinados às famílias pobres e extremamente pobres de-vem atender, principalmente, duas condicionalidades: da educação e da saúde. Daremos ênfase para a condicionalidade da educação.

A condicionalidade da educação

No que diz respeito ao acompanhamento da condicionalidade da educa-ção, o manual do usuário para o sistema de acompanhamento da frequência escolar do Programa Bolsa Família (BRASIL, 2011) permite identificar os ob-jetivos implícitos à exigência da frequência escolar dos alunos beneficiários:

O acompanhamento da frequência escolar das crianças e adolescentes beneficiários do Programa Bolsa Família tem, dentre outros, os seguintes objetivos:

- Garantir às crianças e adolescentes, cujas famílias recebem esse benefí-cio, o acesso ao direito básico que é a educação;

- Proporcionar condições mínimas necessárias para a permanência das crianças e adolescentes na escola;

- Criar condições para que as famílias entendam o valor da educação como meio para superar as condições da pobreza;

- Colocar a questão da escolarização no bojo de uma política social que busca a emancipação das famílias que se encontram em situação de vul-nerabilidade e risco socioeconômico;

- Construir a consciência e a convicção nas famílias de que a escolarização constitui forte componente para a quebra da reprodução intergeracional da pobreza;

- Enfim, contribuir com essa medida no combate à evasão escolar (BRA-SIL, 2011).

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Em relação a esses objetivos, nota-se, em primeiro lugar, que a obriga-toriedade da frequência escolar visa garantir a materialização do direito à educação, assegurado na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), na Lei de Diretrizes e Bases – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) – e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990). Nessa perspectiva, enfatiza a responsabilidade do Estado na oferta das mo-dalidades e etapas de ensino que os beneficiários precisam acessar para cumprir a condicionalidade.

O programa, ao impor a obrigatoriedade de no mínimo 85% de frequ-ência escolar de crianças e adolescentes das famílias beneficiárias a partir dos seis anos de idade, passa a exigir destes uma frequência superior à da-queles que não são beneficiários, que é de 75%, conforme previsto na Lei n. 9.394/1996.

A Portaria Interministerial n. 3.789, de 17 de novembro de 2004 (BRASIL, 2004c), estabeleceu as atribuições e normas para o cumprimento da con-dicionalidade da frequência escolar no PBF. Nesse documento, indicou os entes federados responsáveis por cada etapa e responsabilizou o Ministério da Educação (MEC) por manter o funcionamento do sistema de frequência escolar, disponibilizando-o para estados e municípios.

Assim, o governo federal criou em 2006, por meio do MEC, o Sistema de Acompanhamento da Frequência Escolar do Programa Bolsa Família (Siste-ma Presença)4.

Inicialmente, em 2004, a coleta da frequência escolar era feita por meio de sistema operacional disponibilizado pela Caixa Econômica Federal, que era e ainda é o agente pagador do benefício financeiro do PBF. Em 2006, o MEC construiu e disponibilizou aos estados e municípios o novo sistema de acompanhamento da frequência escolar do PBF, o Sistema Presença. O novo sistema caracteriza-se pela fácil operacionalização e dispensa o uso de aplicativos, uma vez que foi construído em plataforma web. Entre as inovações apresentadas, destaque para o acatamento dos registros em tempo real (on-line) e pela possibilidade que se abriu em descentralizar o registro das informações até a unidade escolar, com a criação do perfil "operador diretor de escola". O Sistema Presença pos-sui mais de 22 mil usuários cadastrados em todo o país (CURRALERO et al., 2010, p. 163, grifo nosso).

4 Nos anos anteriores (2004 e 2005), a frequência escolar foi monitorada pela Caixa Eco-nômica Federal.

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O Sistema Presença, entendido como ferramenta de acompanhamento e monitoramento da frequência escolar, tem como objetivo agregar infor-mações dos beneficiários do PBF, sendo possível gerar relatórios não só com percentuais de frequência/falta, mas também sobre os motivos da baixa frequência/evasão escolar. O controle da frequência é preenchido pelas es-colas e encaminhado aos gestores municipais do programa, que o analisam para fins de advertência ou bloqueio do benefício, dependendo do grau da irregularidade.

Nessa direção, a Nota Técnica Conjunta n. 02/2013 – SECADI/MEC/SENARC/MDS estabeleceu estratégias de fortalecimento da educação no Programa Bolsa Família, e uma delas foi a avaliação do acompanhamento da frequência escolar, a cada bimestre, por meio de diferentes meios (le-vantamento de informações a partir de instrumentos de avaliação, reuniões técnicas presenciais, web conferências, visitas in loco etc.).

São cinco períodos de coleta por ano. Nessas ocasiões, os operado-res municipais monitoram as escolas para garantir a coleta dos dados relativos à frequência escolar dos estudantes beneficiários. Quando se observa baixa frequência às aulas, é necessário indicar o motivo relacio-nado em uma tabela previamente estabelecida, que menciona motivos propriamente educacionais, como desinteresse pelos estudos ou violên-cia/discriminação no ambiente escolar, motivos socioeconômicos, como trajetória de rua, trabalho infantil, necessidade de cuidar de familiares, entre outros (CURRALERO et al., 2010, p. 164).

De modo geral, o Sistema Presença permite o acompanhamento e a com-preensão dos motivos da não frequência escolar de crianças e adolescentes. A tabela de motivos de baixa frequência apresenta questões referentes a tratamento de saúde do aluno, doença ou óbito na família, dificuldade de deslocamento para a escola, suspensão escolar, conclusão do Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos (EJA) semipresencial, gravidez, situação de rua, participação em jogos estudantis, negligência dos pais ou responsáveis, trabalho infantil, discriminação, preconceito, bullying, violência, exploração sexual, ausência às aulas por respeito a questões culturais, étnicas ou religio-sas, trabalho do jovem, desinteresse ou desmotivação pelos estudos, aban-dono escolar ou desistência, questões sociais, educacionais e/ou familiares, envolvimento com drogas ou atos infracionais, violência doméstica.

Segundo Curralero et al. (2010), outro ponto do debate sobre o PBF e suas condicionalidades coloca que estas são utilizadas como um estímulo

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Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 35

para os processos de escolarização das crianças em situação de pobreza e pobreza extrema, dadas as desigualdades educacionais que o Brasil enfren-ta. Dessa forma, para Santos Junior (2012), o acompanhamento sistemático da frequência escolar poderia garantir um processo de escolarização sem interrupções, bem como maiores e melhores oportunidades de acesso aos insumos educacionais, o que viria a contribuir para a diminuição dos indica-dores de desigualdades educacionais. Nas suas palavras,

O Sistema Presença permitiu uma focalização das políticas públicas para crianças e adolescentes, cujas pobreza e extrema pobreza tenham cons-tituído, mesmo com o recebimento de renda, limitação da frequência escolar. Ações que intervenham nas situações de fragilidade social, per-mitindo que a escola realize a gestão da pobreza em ações específicas e o acompanhamento das situações de baixa frequência dos beneficiários do Programa Bolsa Família, são o nível de focalização que o Sistema Pre-sença permite às instituições escolares (SANTOS JÚNIOR, 2012, p. 151).

Oliveira (2015, p. 13.779) também apoia a condicionalidade do PBF que envolve a frequência escolar, mas discute os limites que apenas a frequência pode ter na melhoria da aprendizagem. Segundo o autor,

A condicionalidade de educação é compreendida como uma forma de intervir no ciclo da pobreza da população no longo prazo. Entretanto, partimos do pressuposto de que o "sucesso" escolar não depende in-variavelmente apenas da maior presença do aluno em sala de aula. Isso porque maior inserção no sistema escolar não equivale necessariamente a melhorias no que tange à aprendizagem dos alunos, tampouco à conti-nuidade da trajetória escolar destes.

Nessa mesma direção, outros estudos também vêm apontando que a condicionalidade da frequência não garante uma educação de qualidade aos alunos pobres. De acordo com Oliveira e Duarte (2005, p. 293-294):

Apesar de esses programas, no Brasil, estarem diretamente associados à educação, este aspecto tem sido traduzido somente na cobrança da frequência às aulas, o que pode ser eficaz no sentido de retirar as crianças das ruas, pelo menos por um período do dia, mas não altera o quadro de pobreza das futuras gerações, via educação. [...] Essa perspectiva de atendimento de Programas do tipo Bolsa Escola Federal e, atualmente, Bolsa Família possui um impacto limitado, tanto pelo valor das bolsas quanto pelos critérios de acesso e permanência, e veio de alguma forma responder às recomendações contidas nas propostas de reformas de

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Estado, veiculadas pelos organismos internacionais para os países em desenvolvimento, que recomendavam medidas emergenciais e compen-satórias de proteção social às vítimas do ajuste estrutural inevitável.

No contexto do PBF, à escola está destinado o papel preponderante da gestão da pobreza, pela responsabilidade que passa a ter de informar e jus-tificar a quebra das condicionalidades do programa, além de mediar esses processos e realizar intervenções, quando necessário. O Sistema Presença (gerido pela escola) é uma ferramenta para isso, já que, a partir dos motivos alegados para justificar a baixa frequência, aponta as áreas que necessitam de políticas de focalização, podendo contribuir para atender aos objetivos do PBF.

Os indicadores do PBF no Mato Grosso do Sul

Localizado na região Centro-Oeste, o Mato Grosso do Sul faz fronteira com os estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, além de países como Bolívia e Paraguai. Tem 79 municípios e uma população estimada em 2.713.147 habitantes5, totalizando uma média de 20% da popu-lação como beneficiária do PBF.

No estado, o PBF atendeu em 2018 um total de 406.859 famílias inscritas no CadÚnico6. Dessas famílias, 95.671 tinham renda per capita familiar de até R$ 85,00, 56.885 entre R$ 85,01 e R$ 154,00, 88.218 entre R$ 154,00 e meio salário mínimo e 130.342 acima de meio salário mínimo7.

O programa beneficiou, no mês de março de 2018, 128.804 famílias, re-presentando uma cobertura de 93,1 % da estimativa de famílias pobres no estado. As famílias recebem benefícios com valor médio de R$ 167,38, e o valor total transferido pelo governo federal em benefícios às famílias atendi-das alcançou R$ 21.558.647,00 ao mês.

Em relação às condicionalidades, o acompanhamento da frequência escolar, com base no bimestre de novembro de 2017, atingiu o percentual de 93,8% para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, o que equivale a

5 IBGE. Diretoria de Pesquisas - DPE - Coordenação de População e Indicadores Socias - COPIS.

6 O Cadastro Único reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa renda – aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa.

7 Relatórios de Informações Sociais - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/2016.

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Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 37

117.251 alunos acompanhados em relação ao público no perfil equivalente a 124.993. Para os jovens entre 16 e 17 anos, o percentual atingido foi de 78,2%, resultando em 19.577 jovens acompanhados de um total de 25.032.

Já o acompanhamento da saúde das famílias, na vigência de dezembro de 2017, atingiu 69,7%, percentual equivalente a 73.801 famílias de um to-tal de 105.814 que compunham o público no perfil para acompanhamento da área de saúde do estado. Uma característica específica do estado é a configuração étnica, que abrange povos indígenas, quilombolas, povos das águas, assentados, entre outros, conforme pode ser visto na Tabela 1:

Tabela 1 – Famílias atendidas segundo a origem étnica no Mato Grosso do Sul

Origem Étnica Cadastradas no CadÚnico Beneficiárias %

Atendida

Famílias Quilombolas 577 212 36,74

Famílias Indígenas 16.901 12.644 74,81

Famílias de Pescadores Artesanais 843 465 55,16

Famílias Ribeirinhas 677 395 58,34

Famílias Assentadas da Reforma Agrária 11.982 4.456 37,18

Famílias Acampadas 11.336 2.150 18,96

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018.

Na Tabela 1, é possível perceber que o Mato Grosso do Sul tem particu-laridades populacionais que, muitas vezes, não são encontradas em outros estados. As famílias indígenas e ribeirinhas são amplamente atendidas pelo PBF.

Já o Gráfico 1 indica a quantidade de famílias cadastradas no CadÚnico no estado, ou seja, o quantitativo de famílias de baixa renda, que têm renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou renda mensal total de até três salários mínimos, famílias com renda maior que três salários mínimos, desde que o cadastramento esteja vinculado à inclusão em programas so-ciais nas três esferas do governo, e pessoas que vivem em situação de rua – sozinhas ou com a família.

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Gráfico 1 – Famílias inscritas no CadÚnico no Mato Grosso do Sul entre 2007 e 2016

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de famílias beneficiárias atendidas pelo PBF entre 2005 e 2016 obtidos no site do Data Social.

Nesse sentido, verificamos um progressivo aumento do número de famí-lias até 2014 com essas características de faixa de renda, o que pode ser ex-plicado tanto pelo real aumento de famílias nesse perfil quanto pela amplia-ção do cadastro das famílias, provocada pelo acesso a diversos programas sociais apenas por aqueles cidadãos que estiverem inscritos no CadÚnico (PBF; Minha Casa, Minha Vida; Tarifa Social de Energia Elétrica; Benefício de Prestação Continuada (BPC), entre outros).

A quantidade de famílias beneficiárias atendidas ao longo dos anos no estado mostra, por exemplo, um progressivo aumento de famílias atendidas ano a ano, com um decréscimo de aproximadamente 11 mil famílias entre 2015 e 2016, como pode ser observado no Gráfico 2:

Os Gráficos 1 e 2 não são conclusivos quanto ao aumento ou à dimi-nuição das famílias com faixa de renda que as caracterize como pobres ou extremamente pobres, mas sinalizam uma retração no acesso aos benefícios sociais de transferência de renda do PBF. Em 2016 (março), por exemplo, com um total de 139.191 famílias beneficiárias, tinha-se uma cobertura de 100,6% em relação à estimativa de famílias pobres no Mato Grosso do Sul. Já em 2018, as 128.804 famílias beneficiárias representam uma cobertura de apenas 93,1% da estimativa de famílias pobres no estado.

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Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 39

Gráfico 2 – Famílias beneficiárias do PBF no Mato Grosso do Sul entre 2005 e 2016

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de famílias beneficiárias atendidas pelo PBF entre 2005 e 2016 obtidos no site do Data Social.

O Quadro 1 mostra a configuração e a cobertura dos benefícios em mar-ço de 2018:

Quadro 1 – Famílias beneficiárias do PBF no Mato Grosso do Sul por tipo de benefício

Tipo de Benefício Quantidade

Benefício Básico 97.827

Benefícios Variáveis 213.601

Benefício Variável Jovem - BVJ 22.402

Benefício Variável Nutriz - BVN 3.749

Benefício Variável Gestante - BVG 4.472

Benefício de Superação da Extrema Pobreza - BSP 41.361

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018.

A relação entre faixa etária e condicionalidade da educação está apre-sentada no Quadro 2 e mostra que, na última coleta realizada em novembro de 2017, na faixa etária entre 6 a 15 anos, 6.657 crianças e adolescentes e 2.135 jovens na faixa etária de 16 a 17 anos não conseguiram atingir a meta de frequência de 85%.

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40 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Quadro 2 – Acompanhamento da condicionalidade da educação do PBF no Mato Grosso do Sul

Resultados do Acompanhamento Quantidade

Total de beneficiários acompanhados pela educação (6 a 15 anos) 117.251

Total de beneficiários acompanhados pela educação (16 a 17 anos) 19.577

Total de beneficiários acompanhados com frequência acima da exigida (6 a 15 anos - 85%) 110.594

Total de beneficiários acompanhados com frequência abaixo da exigida (6 a 15 anos - 85%) 6.657

Total de beneficiários com frequência acima da exigida (16 a 17 anos - 75%) 17.442

Total de Beneficiários com frequência abaixo da exigida (16 a 17 anos - 75%) 2.135

Total de beneficiários sem informação de frequência escolar (6 a 15 anos) 7.742

Total de beneficiários sem informação de frequência escolar (16 a 17 anos) 5.455

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018, referente a última coleta de 2017.

O não atendimento pelos beneficiários das condicionalidades de saúde e/ou educação previstas no PBF ocasionou, no final de 2017, 1.111 advertên-cias, 431 bloqueios, 303 suspensões e o cancelamento definitivo de 2 bene-fícios, conforme apontado no Quadro 3:

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Educação, pobreza e desigualdade social: a percepção dos professores sobre o Programa Bolsa... | 41

Quadro 3 – Famílias beneficiárias do PBF no Mato Grosso do Sul por tipo de benefício

Total de efeitos por descumprimento das condicionalidades (PBF saúde e educação) (sem BVJ)  Quantidade

Total de advertências 3.257

Total de bloqueios 1.323

Total de suspensões -

Total de cancelamentos 7

Total de efeitos por descumprimento de condicionalidades (BVJ)(16 e 17 anos) 1.847

Total de advertências 1.111

Total de bloqueios 431

Total de suspensões 303

Total de cancelamentos 2

Fonte: Relatórios de Informações Sociais - Bolsa Família e Cadastro Único Jan/2018, referente a última coleta de 2017.

As percepções dos professores sobre o PBF

As questões elaboradas no roteiro de entrevista procuraram obter infor-mações sobre os seguintes itens: a) a caracterização dos professores quanto a idade e sexo; b) o PBF como um direito ou uma assistência; c) pontos posi-tivos e negativos do PBF; d) a percepção sobre alterações na vida da família após o PBF; e) maiores suprimentos do PBF; f) preconceitos manifestados em relação aos bolsistas do PBF; g) conhecimento das condicionalidades; h) avaliação do aluno bolsista além da frequência e as expectativas escolares em relação aos alunos beneficiários do PBF.

Entre os 18 professores entrevistados, 9 são do sexo feminino e 9 são do sexo masculino, com idades que variam entre 24 a 58 anos. Por questões de sigilo e identificação dos sujeitos da pesquisa, foram utilizados códigos para que fosse possível o trabalho com uma quantidade significativa de sujeitos.

Quando perguntados sobre o PBF ser um direito ou um "favor" que o governo faz para as famílias mais pobres, alguns professores (7 deles) afirma-ram que a bolsa recebida é um direito do cidadão. No entanto, a maioria (11) discordou dessa opinião, entendendo que a bolsa é de cunho assistencial:

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É um projeto de assistencialismo, né, seria um auxílio mesmo. No meu entendimento, é uma ajuda mesmo em relação ao contexto nosso da nova classe pertencente, acho que é uma ajuda (CS/P4).

Eu acho que é um favor. Porque deveria melhorar a educação e gerar mais trabalho para que a pessoa possa ganhar o dinheiro dela com mais dignidade, trabalhar e conseguir o dinheiro dela (AJ/AM2).

Bom, dependendo do ponto de vista, ele chega a ser um favor, pela condição da família, pelo sistema de receber abaixo da renda, sendo um ciclo vicioso, ele faz com que a família não tenha a ruptura de procurar o melhor para poder ficar na condição que o governo oferece, isso em par-tes é bom porque há famílias que realmente precisam desse empenho, dessa ajuda, porém outras famílias por questões sociais não entendem que elas devem procurar melhorias para sair dessa condição [...] (DIB/P2/8).

Nos relatos acima, podemos observar que os profissionais atrelam muito o programa a um cunho assistencial, por não o enxergarem como um direi-to social e ligado a políticas públicas que objetivam assegurar o direito à cidadania. Conforme estabelecido no art. 6º da Constituição Federal: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materni-dade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constitui-ção" (BRASIL, 1988).

Além disso, notamos que, desse ponto de vista, incide sobre a popula-ção empobrecida a responsabilidade da superação da pobreza por "conta própria". É perceptível nessas falas a necessidade de atrelar as ações do PBF àquelas que promovem qualificação profissional e geração de emprego, para que as famílias tenham condições objetivas de superação da pobreza, e não mais a necessidade do recebimento do benefício.

Em contrapartida, outros educadores acreditam que o programa é um direito da população e que é dever do Estado atenuar a pobreza, devido às desigualdades existentes:

Eu acho que é um direito das famílias receber todo mês, por causa das suas necessidades (T/UAK17).

No meu ponto de vista, é um direito que elas têm de receber todos os meses, porque a gente vê que as pessoas, principalmente em nosso município, que é pequeno, carente, necessitam dessa bolsa família para

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comprar até alimento. Não vou dizer que vão comprar só material para as crianças, mas vão usar até mesmo para alimentação (J/JA9).

Conforme observamos em determinadas falas, alguns professores ainda têm a visão de que o PBF é apenas um auxílio, e não um direito. Entretanto, vale pontuar que todo indivíduo tem direito, segundo a Constituição Federal (BRASIL, 1988), a saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, ou seja, a condi-ções mínimas de sobrevivência, cabendo ao governo criar políticas públicas para garantir o direito à população que se encontra em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade. O assistencialismo, por sua vez, refere a caridade por parte do governo, e não a obrigação.

Alguns professores acreditam que o ponto positivo do programa é o auxílio à sobrevivência da família, sendo um meio de adquirir materiais bási-cos como roupas, sapatos, alimentos e materiais escolares, enquanto outros acreditam na diminuição da evasão escolar e no êxito nos estudos, uma vez que uma de suas condicionalidades é a frequência.

Ponto positivo: ele ajuda realmente aquelas famílias necessitadas. Tem aluno que chega na escola, às vezes antes do programa, sem nenhum tipo de material. Eu mesmo, quando estudava (não tinha o programa), via colegas meus necessitados e eu tinha que dar, como meu pai era professor, lápis, borracha, caderno, então esse é um ponto positivo, né [...] (C/CP).

Ah, um ponto positivo é que ajuda aqueles que mais necessitam, né? Tem uns que realmente precisam. Como deficiência, acho que deveria cobrar rendimento, e não só a presença (M/C).

O último fragmento revela um desejo do professor de ver atrelado ao recebimento do PBF o rendimento escolar do aluno. Essa demanda foi re-corrente na fala dos professores, já que eles acreditam na fragilidade da cobrança da frequência escolar.

No que diz respeito aos pontos negativos, a maioria dos professores acha que há falhas quanto à seleção dos beneficiários do PBF e à fiscaliza-ção, pois acreditam que as condicionalidades do programa devem ir além da frequência escolar, buscando um rendimento desses alunos na escola. Outros acreditam que o valor do benefício é muito baixo e que, por isso, acaba não suprindo as necessidades básicas da família, e uma minoria não vê pontos negativos no programa.

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Deficiência: acho que deveria cobrar rendimento, e não só a presença (M/C).

Deficiência: acho que a principal é a fiscalização, né, desse programa, fiscalizar o projeto, a bolsa família, no gasto, principalmente se realmente está ajudando a família (CS/p2).

Sobre as alterações na vida da família após o PBF, a maioria (13) dos pro-fessores acredita que de fato houve mudanças e auxílio na estrutura familiar dos beneficiários, pois houve atendimento às necessidades básicas, ascen-são econômica, permanência das crianças na escola, tirando as mesmas da rua e capacitando-as em progressão dos estudos. Os demais professores afirmaram não haver mudança nenhuma na vida dessas pessoas.

Ah, dá para a gente perceber que a criança se preocupa mais em vir para a escola, os pais estão mais presentes na escola, porque muitas vezes, por mais que seja uma renda baixa e tal, há muitas famílias carentes que precisam disso. A gente vê que antes as crianças não vinham, não tinham um calçado para usar, às vezes não tinham uma alimentação mais ade-quada, e hoje em dia já é diferente. A gente vê que as crianças já vêm mais vestidas para a escola, com calçado e tal [...] (P/Dr MS).

Acredito que sim, né, a gente vê com clareza a pessoa mudar um pouco de hábito, de alimentação, de vestuário, essas coisas. Ela tenta usar um pouco mais do que na comunidade a gente não tem, principalmente, ela tenta buscar um pouco mais de melhorias de vida no dia a dia dela, né (AJ/ET).

Quanto ao dinheiro repassado aos beneficiários do PBF, a maioria dos profissionais da educação (12) afirmou que ajuda nas condições escolares das crianças. Por mais que o valor seja muito baixo, ainda assim percebem que os pais fazem um investimento escolar com o recurso. Outros professo-res tiveram uma visão mais pessimista, alegando que o valor repassado às famílias pelo programa não ajuda nas condições escolares, pois não viram mudança no âmbito escolar dessas crianças.

Sim, porque até mesmo o aluno passa a ter... não é um valor considerá-vel, não é um valor que ele vá suprir todas as necessidades, porém ele passa a vir com um chinelo melhor, um tênis melhor, que muitas vezes até mesmo a gente tinha que doar, a gente fazia um brechó ali, trazia, os colegas traziam e a gente doava para eles... Uma melhora. Eu acho que uns 70% sim, porque, como eles vivem na região nossa aqui da escola, uma região muito violenta, então há ainda influência, o meio influencia e

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muitos vão muito pela influência de amigos, colegas que estão no mun-do aí perdidos na violência, nas drogas (C/CP).

Não, nessa escola não, não consigo identificar (C/DB).

Como sabemos que muitos beneficiários sofrem preconceito por faze-rem parte desse programa, foi perguntado aos profissionais de educação o que eles acham a respeito disso. Dos 18 professores entrevistados, 15 não veem atitudes preconceituosas tanto da parte dos próprios professores quanto dos demais alunos, e três deles veem no cotidiano escolar atitudes preconceituosas com os beneficiários. A avaliação dos alunos acontece de forma igual para todos, sejam eles beneficiários ou não.

Não, eles interagem normalmente, não tem diferença nenhuma (AJ/AM).

Olha, eu acho que não existe aqui, pelo menos aqui na escola, essa di-ferenciação, porque os alunos não sabem quem recebe ou quem não recebe (T/C).

Quanto ao conhecimento das condicionalidades, a maioria dos profes-sores se restringe apenas à frequência escolar e ao acompanhamento da saúde da família, e uma minoria diz que, além da frequência, há a presença dos responsáveis na escola e a renda abaixo de um salário mínimo.

Olha, elas têm que cuidar para o filho não faltar às aulas e frequente-mente ou mensalmente, não sei, têm que levar essas crianças para pesar, têm que estar com a carteira de vacinação em dia. Eu sei bem dessas aí porque toda vez que tem eles veem aqui na escola, deixam os bilhe-tinhos, as crianças avisam hoje, as mães avisam "tenho que pegar meu filho mais cedo porque é dia de pesar, pôr as vacinas em dia". Se elas dão conta eu não sei, mas que elas procuram cumprir, elas procuram... pelo menos com os alunos, com as crianças que estudam aqui, eu vejo essa preocupação das mães [...] (DIB/F/p1).

É a questão da frequência escolar, da saúde e da vacinação, parece... vacina de prevenção [...] (P/Dr MS).

Olha, a única obrigação que eu sei é que eles têm de mandar a criança para a escola. Agora, se existe outra obrigação, eu não conheço (T/C).

Eu não tenho certeza de todas as obrigações, principalmente da obri-gação escolar com os filhos, com o andamento escolar dos seus filhos, até na aprendizagem. Até ajuda, mas a gente vê que são poucos que se interessam (CS/FSR p1).

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Há um desconhecimento dos professores sobre os reais objetivos do PBF, como também das suas condicionalidades. Percebemos que em algu-mas falas ainda há o entendimento de que, além da frequência escolar, os alunos precisam tirar boas notas para continuar recebendo o benefício.

Por fim, foi perguntado aos professores sobre as expectativas escolares em relação aos alunos beneficiários do PBF. De modo geral, eles acreditam na progressão dos estudos, na capacitação profissional e que todos têm as mesmas capacidades cognitivas e terão sucesso, cabendo ao esforço indivi-dual a possibilidade da ascensão social por meio da escola.

Percebe-se que não houve mais muita evasão escolar, a progressão dos estudos do Ensino Fundamental para o Ensino Médio e uma inserção dos alunos no Ensino Superior têm números bastante significativos. Então esse programa ajudou bastante em relação a isso, né, porque as crianças não tiveram que trabalhar mais, não tiveram que abandonar a escola, então em relação ao sucesso foi bastante positivo. E como hoje a gente já tem outros projetos também fora da bolsa família, também da faculdade, acho que o aprimoramento desses programas seria bom para a mobilidade social dos alunos (CS/p2).

Reflexões sobre o percurso

O Programa Bolsa Família irá completar 15 anos de existência, período em que beneficiou quase 14 milhões de famílias e 50 milhões de pessoas. Se, por um lado, verificamos que o programa tem garantido os mínimos direitos sociais para as famílias, por outro, verificamos ainda que uma expressiva par-cela da população brasileira, mesmo depois de tantos anos, permanece nas faixas menos favoráveis de renda.

No Mato Grosso do Sul, essas constatações se agravam pelos grupos ét-nicos específicos, como indígenas e quilombolas, que, embora amplamente cobertos pelo programa, ainda continuam marginalizados e excluídos não só do acesso material que os caracteriza como pobres e extremamente pobres, mas também dos acessos às políticas públicas que poderiam ser uma chan-ce para a superação da pobreza.

A pesquisa com professores que recebem um contingente expressivo de beneficiários do PBF nos mostrou uma visão ainda preconceituosa so-bre o recebimento dos recursos, bem como um desconhecimento sobre os objetivos e as condicionalidades do programa por parte dos professores.

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Nas falas, ainda perdura a crença de que os beneficiários necessitam de um maior "esforço individual" para não precisarem mais recorrer aos recursos provenientes do programa. Em contrapartida, também é perceptível o reco-nhecimento de que os recursos oriundos do PBF conseguem alterar signifi-cativamente a vida das famílias e de que esses recursos são revertidos em insumos escolares por elas.

Nessa direção, tornam-se ainda mais necessárias ações como as propos-tas pela iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social, visando sensibi-lizar os profissionais da educação básica, e outros envolvidos com políticas sociais que estabelecem relações com a educação, para a necessidade de romper com práticas que reforçam a condição de pobreza e reproduzem as desigualdades sociais.

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A educação dos pobres em questão: políticas e práticasItamar Mendes da SilvaCaroline Falco Fernandes ValpassosDulcinea Campos Silva

O que coloca os seres humanos da ilha das flores depois dos porcos na prioridade da escolha de alimentos é o fato de não terem dinheiro nem dono. (FURTADO, 1989)

A temática educação, pobreza e desigualdade social está longe de re-presentar um problema apenas na atualidade, pois suas raízes históricas são remotas. Mas dela podemos nos aproximar não somente pela imprescindível via histórica como também pelo debate teórico-prático produzido no âmbito de investigação e análise crítica da realidade. Neste capítulo, pretendemos socializar uma discussão da temática e reflexões produzidas no âmbito da pesquisa intitulada Políticas e práticas de Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Espírito Santo.

Discutir tais questões no Brasil e, especialmente, no Espírito Santo re-quer colocar as problemáticas da pobreza e da fome que lhe faz par como fundantes do debate, pois suas materialidades e concretudes condicionam as políticas educacionais tanto de acesso democrático/universal quanto de permanência com qualidade socialmente referenciada. Há, ainda, questões como justiça social e eficiência/eficácia que perpassam as políticas de trans-ferência de renda e têm seus contornos no processo educacional impac-tados pelas exigências da sobrevivência que o acesso a alimento, abrigo, saúde e ao trabalho enseja.

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As perguntas que parecem emergir desse processo são: compreende-mos que os direitos humanos primários/básicos referidos são imprescindí-veis para o crescimento do nível de civilização de todos os humanos? As po-líticas de transferência de renda criadas serão capazes de promover justiça social? Que exigências de eficiência e eficácia das políticas de transferência de renda podem ser aceitas no âmbito social e dos governos sem que, com isso, perca-se o sentido de combate à desigualdade social e à fome, de pro-moção da dignidade do ser humano e de humanização?

A busca por refletir sobre elementos teóricos e práticos envolvidos nos questionamentos apresentados requer admitir, afirmamos, que: a) a fome, a pobreza extrema e a miséria representam a nossa degradação como huma-nidade – a barbárie; b) as políticas de combate à desigualdade, à fome e à miséria distribuem gêneros, serviços ou dinheiro, mas são pouco bem-su-cedidas nos aspectos educativos envolvidos, ou seja, promover cidadania e consciência ético-política – humanizar.

Tal entendimento orientou as pesquisas no âmbito do curso Educação, Pobreza e Desigualdade Social, especialmente a pesquisa-formação (JE-SUS, 2008) vinculada ao curso e que contou com a participação de todos os cursistas, pois focou suas produções em coletas e no desenvolvimento de atividades de reflexão-ação, projetos de intervenção e monografias. Foram desenvolvidas pesquisas em três eixos principais1: 1) Educação, Pobreza e Desigualdade Social: contextos e relações; 2) Intersetorialidade e inclusão escolar; e 3) Avaliação e impactos do Programa Bolsa Família (PBF) nos mu-nicípios e nas escolas. As relações encontradas nos eixos indicam que há questões paradoxais envolvidas no estabelecimento das políticas a favor da redução da pobreza e trazem em seus resultados elementos que corrobo-ram dialeticamente a complexidade apontada.

Em face do exposto, nosso objetivo é refletir sobre as principais questões levantadas nas investigações realizadas a partir dos eixos explicitados. Essa reflexão se fará considerando os seguintes elementos: global, local, direito, justiça social, eficiência e eficácia das políticas.

Após esta introdução, o primeiro tópico discute os conceitos que con-sideramos imprescindíveis na compreensão da relação entre desigualdade social e pobreza, tendo como pressupostos historicidade, contradições,

1 O trabalho com esses eixos contou com a participação das alunas bolsistas de Inicia-ção Científica (PIBIC) Lohana Reblin de Oliveira, Bruna dos Santos Sena e Nina Soares Rocha.

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natureza global e local dos fenômenos, bem como das políticas que visam combatê-las. Na sequência, o tópico educação, pobreza e desigualdade so-cial: contextos e relações traz argumentos para a compreensão do papel da educação formal nesse processo, problematizando a própria constituição da política educacional.

Em seguida, são abordados aspectos da inclusão escolar e perspectiva intersetorial envolvidos nos programas de combate à pobreza, com base na indagação de como a concretude da pobreza se faz presente nas políticas, nos entendimentos e nas relações, na escola e em sala de aula. O último tópico, repercussões do EPDS nos municípios e escolas, traz considerações sobre o contexto de elaboração, execução e avaliação da política poder ser um divisor de águas entre o sucesso ou o insucesso do PBF e possibilidades de alteração da vida das pessoas que vivem e trabalham com a pobreza e as que vivem na pobreza.

Desigualdade social e pobreza

A luta pela sobrevivência e manutenção da vida humana ao longo da história explica muito daquilo que nos constitui como indivíduos e humani-dade. As características humanas gestadas e alteradas historicamente fize-ram da garantia do provimento de insumos básicos como alimento e abrigo um empreendimento mais coletivo conforme o menor domínio humano da natureza. À medida que a construção de instrumentos e o desenvolvi-mento tecnológico diminuem a dependência das condições da "natureza virgem", diminuem também as ações coletivas de garantia das condições de sobrevivência.

A escassez e a fartura que eram coletivas vão, ao longo do tempo, tor-nando-se individuais, uma vez que dependentes do lugar social e do acesso de cada um aos bens produzidos socialmente. A fome, como expressão da escassez, passa a não representar mais um problema ou uma preocupação de todos, mas de parcela social ou grupo familiar e de cada indivíduo por ela atingido.

É a lei do mais forte e do mais capaz que vai selecionando quem vive e quem morre. Àqueles sem condições de obter o mínimo necessário para garantir sua sobrevivência e de seu grupo familiar restam a fome, a indigên-cia e/ou encontrar algum consolo na benemerência de poucos abastados

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dispostos a dividir parcela do que lhe sobra praticando a caridade (ENGELS, 1980 [1884]).

Entretanto, na primeira metade do século XX, a humanidade não consi-dera claramente a fome como um problema ético-político, mas infortúnio de pessoas, famílias e grupos sociais. Dessa forma, a fome também não consta sistematicamente nos programas e políticas do Estado, havendo apenas ini-ciativas de benevolência de "primeiras damas" mais relacionadas ao poder local e às instituições de filantropia religiosas ou seculares. É nesse contexto que as contribuições de Josué de Castro se colocam primeiramente para o Brasil e depois para o mundo a partir da Organização das Nações Uni-das (ONU), especialmente com a criação da FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), em 1945.

Corrobora nossa afirmação o fato de que, transcorrido mais de meio século XX, ainda se tem um altíssimo contingente populacional vivendo na extrema pobreza. Em 1970, para uma população mundial de 3,69 bilhões de habitantes, contabilizavam-se "[...] 2,2 bilhões na extrema pobreza [...]" ou 60,2% do total (ALVES, 2017). Em 2017, passadas quase cinco décadas, a fome diminuiu significativamente, mas ainda se contabilizam 705 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza demarcada pela renda diária correspondente a US$ 1,90 (um dólar e noventa centavos).

Esse quantitativo populacional, que representa aproximadamente 10% da população mundial, encontra-se mais concentrado nos continentes asi-ático, com destaque para a Índia, e africano, especialmente a África sub-saariana. Entretanto, a extrema pobreza é fenômeno global e se apresenta com dramaticidade também na América Latina, que contabiliza cerca de 61 milhões de extremamente pobres.

No Brasil, são as contribuições de Josué de Castro nos estudos que de-senvolveu acerca da "geografia da fome" que pautam o debate em torno da necessidade de buscar formas de enfrentar a pobreza. O caráter ético--político de sua obra e seu engajamento no questionamento e no combate à desigualdade são destacados por Solange Argenta (2015, p. 30) ao apresen-tar as palavras do pesquisador sobre sua trajetória e obra: "Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens contra outros homens". Assim como Engels (1980 [1884]), Josué de Castro compreende a fome como resultado das ações humanas na apropriação e na distribuição das riquezas.

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Ao colocar a fome como problema da humanidade, o autor alcançou reconhecimento internacional, tendo sido indicado para receber o prêmio Nobel por três vezes: em 1954 (medicina), 1963 e 1970 (paz). Tal reconheci-mento internacional não o livrou de ser exilado pelo golpe civil-militar de 1964, do que se conclui que, para as elites brasileiras, a fome, a pobreza e a extrema pobreza são temas indesejáveis.

No afã de defender seus privilégios, essa elite se mostra intolerante tam-bém com Paulo Freire (1921-1997), outro brasileiro reconhecido mundialmen-te por sua obra que indica como necessário superar a pobreza material e humana para construir um país livre, justo e democrático. Freire será exilado no contexto do golpe civil-militar de 1964 por ousar alfabetizar e defender os pobres. Em sua Pedagogia do Oprimido irá propor um processo de luta pela restituição aos pobres e oprimidos de sua "humanidade roubada", também corroborando Engels (1980 [1884]).

Ao se colocar do lado dos "condenados da terra", aqueles que tiveram a "humanidade roubada" pela opressão a que foram historicamente sub-metidos, vai advogar uma "ética universal do ser humano" que passa pelo respeito à vida, à dignidade e ao acesso aos bens materiais e espirituais que possibilitam sermos cada vez mais humanos, superando as condições de existência opressoras. Assim como Paulo Freire, Josué de Castro se co-loca a favor da mudança do sistema injusto que cria, de um lado, pessoas exageradamente ricas e, de outro lado, pessoas exageradamente pobres, que convivem com a fome em seu dia a dia.

As pesquisas de Josué de Castro sobre a fome no Brasil o levaram a produzir um quadro da realidade brasileira que se constitui como eloquente denúncia também da subnutrição. Nenhuma região brasileira fica de fora do "espectro" da fome, o que nos conclama a refletir sobre o desenvolvimento brasileiro, a distribuição da riqueza produzida e a desigualdade social.

Nesse contexto de debate sobre o Brasil, a constituição de seu povo, sua gente, e sua desigual distribuição de riqueza e subdesenvolvimento, cria-se, em 1955, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), que passa a reunir expressivo conjunto de intelectuais, como Hélio Jaguaribe, Nelson Werne-ck Sodré, Antônio Cândido e Álvaro Vieira Pinto, entre outros, e defender para o Brasil o desenvolvimentismo com o Estado assumindo papel indutor (WANDERLEY, 2016). Esse entendimento de que cabe ao Estado papel im-portante no desenvolvimento será uma ideia bastante debatida e levada a

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termo, em alguma medida, no governo de Juscelino Kubitschek e nos que se seguiram até o golpe de 1964.

Ao final da ditadura civil-militar (1964-1985), o governo que se estabelece por eleição indireta no congresso nacional, em conjunto com esse mesmo congresso e com a anuência do judiciário, atribui aos parlamentares elei-tos em 1986 (deputados e senadores) e aos senadores com mandato em vigência a responsabilidade constituinte de elaborar uma nova constituição para o Brasil. Nesse processo constituinte, algumas ideias defendidas por intelectuais2 ligados ao extinto Iseb (extinto dois dias após o golpe de 1º de abril de 1964) e por colabores como Gilberto Freyre e Celso Furtado, proi-bidas durante o período ditatorial, foram retomadas, especialmente o papel indutor do Estado, definido na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) como promotor de justiça e bem-estar a seus cidadãos já em seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Na-cional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem pre-conceitos [...] (BRASIL, 1988, grifos nossos).

A Constituição de 1988 irá representar um novo pacto social e colocar as questões sociais e da cidadania em lugar de destaque. Nela se constata a assunção de que o direito à vida e à vida digna, de "bem-estar", constitui--se elemento fundante do "Estado Democrático" e passa pela garantia de direitos sociais como alimentação, abrigo/moradia, educação, trabalho, transporte, lazer, segurança, previdência social etc. Esses são requisitos fundamentais da cidadania para a construção de uma sociedade em que o "bem-estar, [...] a igualdade e a justiça" (BRASIL, 1988) sejam valores preva-lentes e para que não haja fome e miséria.

A partir desse cenário e de suas influências para a concretização do com-promisso assumido, o Estado brasileiro passa a buscar construir políticas públicas que lhe deem consequência, concretude e eficácia. As primeiras políticas de combate à pobreza passam por ações pouco estruturadas, pre-midas por seu caráter emergencial e marcadas pelo assistencialismo, como a distribuição de alimentos (cestas básicas) e a criação de frentes de trabalho

2 Alguns autores afirmarão que as primeiras obras de Paulo Freire apresentam certa sim-patia pelo nacional-desenvolvimentismo proposto pelo Iseb.

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nas regiões mais pobres do país (periferias dos grandes centros e zonas de seca prolongada). Suas fragilidades e contradições são logo percebidas e novas políticas são propostas influenciadas por esse contexto (BALL, 2011).

O processo histórico das políticas indica na sequência a criação, por meio de lei, de políticas de Estado, o que demarca um novo estágio no cuidado com a justiça social e a criação do bem-estar social, mas ainda não se trata de políticas explicitamente redistributivas e de combate à pobreza e à fome. As políticas criadas são de dois tipos: a) protetivas da infância e da adolescência, da velhice, do consumidor etc.; b) promotoras de direitos sociais – saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) como direito universal; educação, com o reconhecimento da educação básica como direi-to; assistência social, com a criação do Sistema Único de Assistência Social (Suas) etc.

Tais modificações nas políticas mostram, para além de sua historicida-de, que as condições objetivas e subjetivas de sua produção se relacionam muito diretamente com as transformações experienciadas pela sociedade, pois o período pós-constituição de 1988 se caracteriza como de ampliação da vivência democrática. Assim, o que podemos inicialmente demarcar é que cada momento histórico gesta políticas em acordo com a vida social, econômica, cultural e ético-política, conforme afirma Stephen Ball (2011). Percebemos também na construção e na organização das políticas um mo-vimento de crescimento da sistematização/formalização que as torna, como políticas de Estado, mais duradouras e menos suscetíveis às intempéries das mudanças de orientação ideológica dos governos.

As constatações apresentadas indicam não só a correlação das políticas com o tempo, o espaço e a vida do país, mas também de seus municípios e estados federados. Os exemplos mobilizados nos incitam a concluir que o combate à pobreza não se faz somente com distribuição direta de dinhei-ro ou de víveres aos que precisam, mas também e principalmente com a ampliação de direitos de cidadania que, por sua vez, ampliam o acesso à riqueza produzida socialmente.

Assim, oferecer cobertura vacinal, pré-natal ou remédios de uso contí-nuo é uma forma de combate a um dos subprodutos da pobreza, que é a falta de saúde. O exemplo serve também para a Assistência Social com o Suas. Esses casos efetivados por meio de um SUS ou Suas compatibilizam três níveis de responsabilidade, gestão e execução de política: o macro, da federação, o meso, das unidades federadas, e o micro, do poder local.

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Nessa esteira, encontra-se também o ocupar um lugar de decisão acerca do que se ensina na escola, embora com grau diferente de apelo vital, pois a educação impacta a vida menos no curtíssimo prazo e mais no médio e no longo prazo. Ainda quanto ao exemplo da educação, é importante destacar que esta tem sido associada a outras políticas de promoção de direitos e de ampliação de acesso a bens da cidadania como saúde e assistência social, indicando para a busca de integração, intersecção e interdependência de políticas com vistas à compreensão de que a cidadania é uma totalidade e a divisão em setores é apenas didática, e não objetiva e concreta.

Essa compreensão parece remeter as políticas a outro estágio, indican-do sua historicidade, as contradições e os descaminhos de seu contexto de influência (BALL, 2011), que, no caso brasileiro, é o do neoliberalismo3. Neri (2017) nos ajuda a corroborar essa ideia de que o papel do Estado é fundamental para o combate à fome e à pobreza ao analisar os efeitos da crise gerada no processo de impeachment (golpe) expressos nos índices de aumento da pobreza na ordem de 33% entre "o final de 2014 até o final de 2017", quando se constata a existência de 6,27 milhões de novos pobres. Entretanto, indica que, no momento atual, não foram criadas novas ações políticas para deter o avanço da pobreza: "No bojo da crise de 1999, gesta-mos e depois parimos o Bolsa Escola federal; em meio às agruras da crise de 2003, nasceu o Bolsa Família. Na atual crise, desaprendemos lições básicas." (NERI, 2017, p. 6).

Dessa forma, é fundamental que as análises da educação, nosso obje-to neste texto, coloquem-se também em contexto histórico e na esteira da compreensão do contraditório movimento de constituição e, às vezes, aper-feiçoamento nas políticas a partir de seu "contexto de influência". Porém, é importante não nos deixarmos enganar pelo entendimento de que em de-terminado ciclo as políticas serão sempre progressivas, pois poderemos ter

3 É importante destacar que o neoliberalismo brasileiro não tem, nesse momento e mesmo hoje, o mesmo alcance dos modelos implantados em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, como descreve David Harvey (2008) em seu livro intitulado O Ne-oliberalismo: história e implicações. Entretanto, as resistências para a implantação de seu modelo mais radical com a instituição completa do Estado Mínimo, felizmente para os mais pobres, tem sido o debate entre as duas principais correntes de pensamento político brasileiro: uma liderada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) que defende um modelo de adequação mais forte aos princípios de mercado, com o fim de limites para atuação da chamada livre iniciativa, e outra liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que defende a manutenção dos serviços básicos garantidos pela constituição sob o controle do Estado.

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ciclos regressivos, como os dados e as análises destacadas por Neri (2017) nos ajudam a concluir, nos quais direitos historicamente adquiridos na luta social são retirados e/ou diminuídos pela instituição de novos critérios restri-tivos, gerando exclusão de parte dos que a eles tinham acesso.

Advogamos que tais processos são desumanizantes (FREIRE, 2014 [1970]), pois fazem toda a humanidade sofrer com as consequências da indigência dos que passam a ser desatendidos no contexto restritivo do alcance das políticas. A título de exemplo, podemos citar os processos de criação e im-plementação de políticas regressivas neoliberais, que, privatizando serviços caracterizados como básicos direitos de cidadania, lhes restringem a oferta, submetendo-os à lógica do lucro travestido de eficiência e eficácia.

A aprovação da Emenda Constitucional n. 95, de 16 de dezembro de 2016 (BRASIL, 2016), que promove a diminuição dos recursos para educação, saúde e assistência social, e as políticas de currículo produzidas na Reforma do Ensino Médio e na edição da Base Nacional Curricular Comum (Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017a)) apontam essa direção de provocar as redes públicas a buscarem ajuda na filantropia, no voluntariado e no financiamento privado para a manutenção do serviço público, que é direito subjetivo de cidadania. Há ainda a privatização do currículo por meio da aquisição de "pacotes" curriculares apostilados, de modo que empresas vendam o material didático, serviços de formação continuada dos professo-res para atuar com a proposta e até mesmo gerenciem escolas.

Educação, pobreza e desigualdade social: contextos e relações

Para avançar no debate substantivo acerca do processo político que en-volve a pobreza na dimensão dialética entre direito, justiça social e eficiência/eficácia da política, é necessário assumir como realidade concreta o Estado, constitucionalmente assegurado como democrático de direito e baseado em uma democracia representativa, que tem por suposto um regime político do Estado capitalista. Há, então, que se reconhecer historicamente o caráter do regime político em voga, assim como seus determinantes e entrelaça-mentos mediadores em relação aos níveis de Estado e do governo, pressu-pondo, assim, as outras formas políticas que, em certas condições históri-cas, esse Estado pode assumir (DEMIER; GONÇALVES, 2017). Isso implica, obviamente, um exercício reflexivo não a partir dos pressupostos teóricos, mas, sim, das necessidades práticas e objetivas da classe trabalhadora que,

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conforme a abordagem deste capítulo, refere os sujeitos que se encontram em situação de pobreza e de extrema pobreza.

A educação como alternativa entre o tratamento social da pobreza e de seus correlatos, ancorado numa visão guiada pelos valores de justiça social e de solidariedade e seu tratamento educacional para as parcelas mais afe-tadas pela pobreza e extrema pobreza, concentra-se nos programas que emergem sob a égide da parceria público/privado, sob o primado do mer-cado e da gestão empresarial. Respaldados por uma falsificação ecumênica da globalização a despeito do enriquecimento coletivo, com o aumento de produção em larga escala de grãos e do enriquecimento por meio de dé-cadas de industrialização, esses programas escondem a grave contradição social que envolve tanto a sociedade brasileira quanto as disparidades so-ciais vertiginosas e a pobreza de massa, que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da pobreza.

Nesse contexto, a educação acaba por contribuir para a manutenção da pobreza e da desigualdade social, pela sua falta de qualidade, derivada da improdutividade da educação no âmbito das práticas pedagógicas e da gestão das instituições escolares. Em busca da justiça social, a eficácia e a eficiência da educação surgem vinculadas à democratização da esco-la subordinada a uma reforma administrativa, orientada para a garantia da qualidade.

Conforme salientado por Sander (1995), a eficiência é conceituada como critério econômico com capacidade administrativa de produzir mais com menos, ou seja, o máximo de resultados com o mínimo possível de recursos, enquanto o conceito de eficácia tem como critério a capacidade administra-tiva para alcançar as metas estabelecidas. Para o autor, são critérios de di-mensão instrumental reocupados com a conquista dos objetivos intrínsecos, vinculados, especificamente, aos aspectos pedagógicos da educação. Nas palavras de Sander (1995, p. 67), eficiência e eficácia, embora distinguíveis, são "[...] dimensões dialeticamente articuladas de um paradigma abrangente e superador de administração da educação".

Desse modo, as políticas neoliberais para a educação buscam construir um mercado, por meio do crescimento da participação do terceiro setor e de instâncias privadas na execução de políticas em favor do atendimento ao direito à educação, cujos pressupostos são competência, produtividade, competitividade, esforço individual e meritocracia. Os critérios da eficácia e da eficiência passam a ser privilegiados como princípios reguladores dos

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resultados esperados, por meio da instituição de um novo modelo gerencial que incorpora em sua forma uma nova ótica de qualidade.

A reforma gerencial na educação "[...] caracteriza-se pela busca da efi-ciência, pela redução e pelo controle dos gastos e serviços públicos, bem como pela demanda da melhor qualidade e pela descentralização adminis-trativa, concedendo-se, assim, maior autonomia a agências e departamen-tos" (CASTRO, 2007, p. 124). Nesse sentido, para aumentar a eficiência e a eficácia, a gestão focaliza o produto em detrimento do processo, exigindo dos gestores habilidades e criatividades para encontrar novas soluções para alcançar os resultados propostos.

No conjunto das reformas educacionais, conforme assevera Ferreira (2014), observa-se a ocorrência de uma naturalização da utilização dos recur-sos públicos nos espaços privados, com a justificativa de resolver a herança social de desigualdade social, étnica, racial etc. Como exemplo, a autora cita o "[...] movimento político-empresarial Todos pela Educação" (FERREIRA, 2014, p. 144), e, na discussão, traz à baila uma questão de ordem ética do compromisso do Estado de erradicação da pobreza, repassando para a es-fera privada parte de uma responsabilidade que é sua de encaminhamento da questão social, numa sociedade profundamente desigual e estremecida por mudanças institucionais a partir da demanda do mercado.

Apesar de a escolarização trazer consigo todas essas questões vincula-das, paradoxalmente representa possibilidades de alteração social. Pode se constituir em mecanismo agregador de processos de justiça social, a depen-der de como é conduzida, em termos de currículo, gestão e organização. É preciso, pois, compreender o papel contraditório da educação formal nesse processo, inclusive no que se refere à própria efetivação da política que visa garantir o direito à educação.

No período de discussões e elaboração da Constituição Federal de 1988, o acesso à educação escolar no Brasil ainda era precário. Para se ter uma dimensão do período, a taxa líquida de escolarização da faixa etária de 7 a 14 anos era de 83%, ou seja, havia mais de 5 milhões de crianças e adolescentes fora da escola. Além do acesso precário, as taxas de conclusão também se constituíam como fator de exclusão, pois, a título de exemplo, do total de ingressantes na 1ª série em 1979, apenas 36% concluíram a 4ª série e 13% concluíram o 1º grau em 1986 (INEP, 1994).

O enfoque dado na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), portanto, foi o de ampliar o acesso à educação escolar de toda a sociedade, buscando

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construir políticas de inclusão dos 17% marginalizados do processo inicial de escolarização. Como exemplo de política de garantia de direito à educação, temos a edição da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990), que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este passa a prever di-reitos e responsabilizar o Estado, conforme a divisão de competências pelos "entes federados", e os mandatários municipais (nível local), estaduais (nível meso) e federal (nível macro) pela oferta de educação, exigindo também da família sua contribuição com o zelo para a manutenção dos filhos na escola com a garantia da frequência.

Entretanto, a ampliação do direito e a construção de mecanismos para assegurar a eficácia da política criada trouxeram tensões e não foram sufi-cientes para atingir seus propósitos. A contradição da política é, numa pers-pectiva de inclusão, ser efetiva na diminuição do número de analfabetos e na ampliação de matrícula. Noutra perspectiva, constata-se paradoxalmente a exclusão, já que sua efetivação concreta no nível micro da escola não con-seguiu oferecer a esse contingente populacional que ingressou no sistema uma educação adequada às necessidades quer de construção de cidadania, quer de preparação para o mundo do trabalho, finalidades da educação afirmadas no texto da política – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996).

As definições de conhecimento válido, do que se ensina, do modo como se ensina e de quem pode ensinar na escola são baseadas numa perspectiva universalista, cujos modelos e perspectivas são oriundas de grupos domi-nantes que impõem uma cultura escolar a partir de suas próprias referências. Dito de outra forma: o currículo é expressão do poder de classe no sistema capitalista, e os conhecimentos que se relacionam com a visão de mundo e os modos de viver e projetar o futuro que podem interessar aos pobres que entram na escola no processo de democratização do acesso não o compõem.

Essa cultura escolar, que tem sua origem em um determinado momento histórico, acaba por se naturalizar, transformando-se em um modelo a--histórico, configurando-se um mundo à parte, como espaço asséptico, imune a conflitos e debates. Nele, a cultura dominante é propagada e reproduzida como "alta cultura", a cultura a ser aprendida por todos os cidadãos. E as consequências desse modelo de escola acabam sendo a exclusão e a discriminação dos grupos sociais que não se encaixam nes-se perfil de cidadão: os negros, os povos indígenas, os camponeses, os pobres, os marginalizados de nossa sociedade (EPDS, 2016, módulo II).

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Sob esse prisma, os problemas que surgem no interior da escola, de-correntes da inadequação do sistema e da atuação pedagógica relativa à diversidade de culturas dessas minorias4, quase exclusivamente pobres, pas-sam a ser vistos como desvios, perturbações, como algo a ser corrigido para que a escola tenha a mesma "qualidade" que tinha antes de os pobres a ela terem acesso. Essa contradição, a pedagógica, manifestada na inadequação do currículo e que repercute na qualidade e, como dito anteriormente, na capacidade de o sistema cumprir suas finalidades, parece se constituir como um dos grandes obstáculos para a política de garantia do direito universal à educação.

Os estudos produzidos pelos cursistas do Educação, Pobreza e Desi-gualdade Social (EPDS) sobre as realidades das escolas, seja como desenvol-vimento de atividades de reflexão-ação ou monografias e projetos de inter-venção, parecem corroborar as análises teóricas realizadas. Como exemplo, podemos indicar alguns objetivos de projetos de intervenção que versaram sobre direitos humanos: "Promover a cidadania [...] protegendo a criança e o adolescente que vivem em situação de pobreza, de risco e exclusão social."; "Garantir o ensino da Declaração Universal dos Direitos Humanos [...]."; "Sen-sibilizar alunos, professores, funcionários e suas famílias sobre a realidade do preconceito que existe em relação à pobreza [...]."; "[...] construir momentos de diálogos/formação e trocas de experiências entre pais e filhos e, des-sa forma, contribuir para a diminuição da violência, a melhoria da saúde e do bem-estar da família e o acesso aos serviços sociais, e contribuir para o combate à pobreza, que envolve a violência, a falta de saúde e fere o bem--estar da família."; " Reconhecer os estigmas atrelados a alunos e pais que recebem Bolsa Família."; "Analisar os aspectos da problemática do fracasso escolar, tanto do corpo discente como do corpo docente e de toda a equi-pe escolar."; "Reconhecer as dificuldades de escolarização das crianças das classes populares."; "Praticar conquistas sociais e políticas garantidas pela Declaração dos Direitos Humanos em busca de minimizarmos o fracasso escolar.".

Nos excertos, é possível constatar diferentes níveis de compreensão so-bre as repercussões do ingresso dos mais pobres na escola, mas em vários

4 Pessoas negras, indígenas, pobres, mulheres etc. são grupos socialmente considerados "minorias". Assim como são discriminados e excluídos na escola, isso também ocorre a tais grupos em outros âmbitos da vida social, principalmente com relação à garantia de direitos e ao acesso a estes (EPDS, 2016, módulo III).

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deles fica claro o baixo nível de aceitação deles por professores e outros estudantes. Portanto, o caminho da inclusão parece ainda longo e cheio de contradições.

Adicionalmente, podemos concluir que abordar o direito à educação escolar é muito mais complexo do que aparenta e se relaciona a variáveis que não unicamente o acesso (matrícula), passando necessariamente pelo debate da inclusão da camada mais pobre da sociedade (SPOSITO, 1984). O acesso, contudo, é condição sine qua non do processo inicial de inclusão e se constitui como uma das condicionalidades do PBF.

Essa inclusão deve ser efetivada no interior de cada escola, ressaltando--se a necessidade de criar possibilidades de incluir os pobres e extremamen-te pobres no exercício da cidadania. A cidadania é um direito preconizado na constituição e vivê-la requer também que toda a cidade (município) se preocupe em ser inclusiva.

Inclusão escolar e perspectiva intersetorial

O PBF visa contribuir para o combate à pobreza e à desigualdade no Brasil, promovendo o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social, combatendo a fome e promovendo a segurança alimentar e nutricional, estimulando também a emancipação sus-tentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza, entre outros objetivos (BRASIL, 2004a). Para isso, une os procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do governo fede-ral, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Educação (Bolsa Escola), do Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde (Bolsa Alimentação), do Programa Auxílio-Gás e do Cadastramento Único do Go-verno Federal (BRASIL, 2004).

O programa atua também com condicionalidades para sua efetivação, de acordo com os próprios objetivos indicados. Essas condicionalidades são compromissos acordados entre as famílias e o poder público nas áreas de saúde e educação para a superação da pobreza. O recebimento do benefí-cio está relacionado ao cumprimento das condicionalidades, entre as quais a vinculada ao acesso à educação que é a exigência da frequência escolar mensal mínima de 85% de crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos e da frequência escolar mensal mínima de 75% de estudantes entre 16 e 17 anos.

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"Por meio das condicionalidades, o governo federal consegue identificar as famílias que estão com dificuldade de acessar os serviços de educação e saúde. Nesses casos, elas passam a receber atenção prioritária da assistên-cia social para que os problemas sejam solucionados." (MDS, 2017, s/p).

Contudo, o estabelecimento de condicionalidades traz elementos con-traditórios do ponto de vista da própria concepção da política criada e, portanto, do acesso à educação escolar como condicionalidade. Compre-endemos que essa exigência ainda carrega certo preconceito com o pobre e a pobreza, por um lado, e certo "messianismo" esclarecido e autoritário em relação a essa população, por outro, pois os sujeitos agentes do PBF indicam saber o que "é melhor" para aquela pessoa que se encontra em vulnerabilidade social.

Aposta-se nas possibilidades de processos de distribuição de renda do tipo PBF se constituírem como fundamentais para que os direitos sociais e humanos básicos da cidadania, previstos na Constituição de 1988, sejam ga-rantidos para todos os brasileiros, de modo que a questão da desigualdade seja inicialmente colocada em debate. Nesse âmbito, é importante identifi-car e compreender como, e se, esse processo de inclusão social vem sendo possibilitado pela atuação da educação como política pública macro e como política efetivada na microesfera das relações entre os sujeitos, isto é, como a concretude da abstrata pobreza se concretiza nas políticas, entendimentos e relação, na escola e em sala de aula.

Algumas questões foram basilares no âmbito da investigação dos eixos: como a escola pensa, pedagogicamente, as necessidades dos alunos, alunas e famílias pobres? Qual o limite para que a necessária diferenciação não ex-clua mais do que inclua? A inclusão dos alunos e alunas via PBF é vista como direito ou como benesse? Como é abordada a existência da camada mais pobre da sociedade no interior da escola? Há articulação entre a escola/educação e outras áreas? Que tipo de articulação? Como essas articulações são compreendidas? Em suma, quais as necessidades desse grupo compre-endidas como da esfera escolar?

A primeira consideração refere-se à pouca associação encontrada entre a ideia de inclusão e desigualdade social. Os cursistas, de modo geral, asso-ciaram a palavra inclusão apenas à perspectiva da inclusão das pessoas com alguma necessidade especial de atendimento. Dada a tamanha importância que a escola e os cursos de Pedagogia assumiram em prol da temática, cer-ta associação era esperada. Contudo, após o desenvolvimento de toda a

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temática do curso EPDS, a pouca associação entre as ideais de inclusão e igualdade/desigualdade social mostra certa fragilidade quanto ao desenvol-vimento do assunto.

Quando se aprofunda a questão de como lidar com os estudantes be-neficiários do PBF no contexto escolar, há dois grandes grupos possíveis de análise: os que apontam perspectivas externas à escola e os que apontam perspectivas internas. Nesse ponto, temos que considerar que entre os cur-sistas havia tanto os que atuam em níveis gestores do PBF quanto aqueles que atuam na escola e/ou junto à escola, o que pode auxiliar na compreen-são dessas duas perspectivas.

A primeira traz uma vinculação entre a perspectiva de intersetorialidade e o acesso a serviços. Não houve a identificação da intersetorialidade como um processo de responsabilização conjunta de vários setores, mas apenas como situações de parcerias (realização de atividades pontuais, ações pon-tuais) e apoio aos problemas mais crônicos (boa relação, respostas rápidas às demandas "problemáticas"). Poucos cursistas pontuaram a inexistência de responsabilidades institucionais, o que significa que atribuem à interse-torialidade as possibilidades de inclusão sem, contudo, ter uma definição ou reflexão mais aprofundada do assunto, ou consideram que é necessário apenas o suporte de outros setores sociais quanto ao serviço para que a inclusão se efetive.

A segunda, a da categoria "atividades que promovem a mudança na condição do sujeito", mapeia as considerações sobre as mudanças possíveis. Ficou evidente a ideia de atividades e projetos como pressupostos ou pos-sibilidades de mudança. Tudo indica, segundo os relatos, que, independen-temente da perspectiva de atuação, as ações tendem a garantir a mudança, ou seja, a emancipação dos sujeitos. Quando analisada a categoria "emanci-pação", constatou-se que não foi discutido o que os cursistas compreendem como tal.

Outro dado relevante é em relação às abordagens desenvolvidas nas monografias. Pelos seus títulos, é possível observar que há enfoques dife-renciados sobre o processo de inclusão escolar, o que é similar à gama de perspectivas apontadas nos excertos analisados. Ademais, a perspectiva inclusiva dos estudantes do PBF, ou seja, dos estudantes pobres, vem sem-pre acompanhada de outra forma de exclusão, corroborando a dimensão de que essa população vive à margem de uma sociedade justa, na medida em que vivencia exclusões múltiplas.

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Assim, a abordagem dessa condicionalidade adquire centralidade na discussão de questões vinculadas ao acesso à educação e às possibilidades de alteração do quadro social via diminuição da pobreza e da desigualdade no contexto da garantia do direito à educação. É preciso, então, atentar-se sobre as estratégias de inclusão escolar desenvolvidas nas instituições para além da garantia do acesso à instituição.

Repercussões do EPDS nos municípios e escolas: um olhar avaliativo

O curso EPDS foi destinado aos sujeitos agentes do PBF, por isso ex-plicitar suas possíveis repercussões nos municípios e nas escolas significa estabelecer diálogos com esses sujeitos, suas concepções e ações, e nos remete ao campo da avaliação, mais especificamente à avaliação de políticas ou programas. Cabe envidar esforços para responder à seguinte pergunta: em que circunstâncias uma política5 poderá ser considerada exitosa?

Responder a essa questão requer, em primeiro lugar, levar em considera-ção que a definição do êxito de algo tem relação direta com os propósitos e os compromissos assumidos. No que se refere à política, é necessário levan-tar e analisar crítica e sistematicamente desde seu contexto de produção, objetivos, financiamento, implementação até sua eficácia e efetividade social (BELLONI; MAGALHÃES; SOUZA, 2007). Em outras palavras, é uma ação ava-liativa da política que se constitui.

A pesquisa aqui discutida tem incidência direta e indireta no programa educacional – curso EPDS –, que buscou qualificar os sujeitos agentes do PBF, e nas realidades representadas pelas escolas e pelos municípios. Os municípios podem, nesse caso, ser considerados como realidade de nível meso, pois o curso e mesmo a política são ações federais, de nível macro.

Afirmamos que, para identificar as possíveis influências que o EPDS pode produzir e/ou produziu em concepções, formas de organização e práticas desenvolvidas no âmbito da escola e dos municípios relacionadas à pobreza, somente podemos contar com indícios. Para buscar explicitá-los, lançamos mão de suas expressões (verbalizações) presentes nas escritas das atividades de reflexão-ação que se constituíram como fontes da pesquisa desenvolvida.

5 O termo política é utilizado como sinônimo de programa (WORTHEN; SANDERS; FIT-ZPATRICK, 2004).

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Nesse caminho, nos encontramos com indícios de um processo de cons-tituição dos sujeitos agentes (cursistas) como autores, imprescindível para a ação autônoma no âmbito do fazer pedagógico (FREIRE, 1996). É o que nos parece explicitar a fala de uma cursista se referindo à entrevista desenvol-vida com as famílias como atividade do curso: "Este trabalho foi um marco desafiador e divisor de águas em minha vida profissional". A razão do desafio foi a insegurança quanto ao que iria encontrar nos locais de moradia dos mais pobres, enquanto a consciência se deu pelo fato de passar a entender o quanto não conhecia da realidade dos estudantes com os quais trabalhava a tanto tempo.

É importante chamar atenção para a indicação da significância dada pelo cursista ao desenvolvimento da atividade de buscar informações junto às famílias pobres beneficiárias do PBF, sobretudo para colocar conceitos e certezas em xeque: "Diante da entrevista realizada, pude perceber a ausência de uma visão mais crítica sobre o programa por parte da família entrevistada.".

Nesse caso específico, a referência é ao fato de que a família via no PBF uma dádiva e não um direito à proteção social e à garantia do bem-estar anunciado pela Constituição (BRASIL, 1988) em seu preâmbulo. Parece que se pode identificar uma mudança de nível de consciência sobre a questão mediatizada pela realidade encontrada pelo mundo, como diz Paulo Freire (2014 [1970]).

É possível questionar ainda se não seria esse o processo de superação do nível de consciência apontado por Freire (1996) – da consciência ingênua à consciência crítica. A esse respeito e corroborando as análises, vejamos a próxima fala de um cursista:

O Programa Bolsa família possibilitou e ainda luta para tirar as famílias da extrema miséria, de modo que essas famílias têm como comer, vestir e ter dignidade humana. Hoje eu vejo o miserável saindo da miséria ex-trema, mas não podemos dizer que a vida dessas pessoas é confortável, podemos dizer que deixou de ser miserável. Precisamos de mais políticas sociais para efetivá-las, tirando-as do papel, e uma responsabilidade efe-tiva do estado (grifos nossos).

Vale retomar que o contexto de influência da política, especialmente as práticas de sua efetivação, tem nas visões de senso comum difundidas pela mídia forte ancoragem e ajudam a constituir as crenças e os valores também dos sujeitos agentes EPDS (cursistas). Assim, quando há cursistas afirmando

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que conhecer os sujeitos concretos beneficiários do PBF em sua casa mudou a perspectiva que tinham seja para acolhê-los, seja para criticar sua visão sobre o PBF ou mesmo a própria, concluímos que o EPDS ajuda a consti-tuir novas relações desses sujeitos com os pobres. Isso porque questionar conceitos e valores de que o PBF é "esmola", de que a pessoa que aceita receber o PBF é "parasita" da sociedade, "vagabundo", ou de que o PBF é a salvação dos pobres etc. difundidos na sociedade não é pouca coisa, mesmo que se esteja no início do processo.

A recuperação da humanidade roubada, como afirma Paulo Freire, é um processo longo que se coloca cheio de obstáculos. Não se trata apenas da incompreensão ou do pouco comprometimento de educadores e demais trabalhadores sociais com a situação da pobreza que desenvolvem proces-sos de culpabilização do pobre por sua situação de pobreza e até indigência, mas também das descontinuidades das políticas governamentais que ferem a dignidade desses humanos, que, apesar de protegidos pela Constituição Federal, continuam fragilizados dependendo da ação responsável ou não do governante de plantão.

Um olhar avaliativo para as escolas indica também perspectivas de mu-danças, ainda iniciais, pelas ações desses sujeitos que adquirem uma cons-ciência cada vez mais crítica. Algumas indicações disso estão nos projetos de intervenção que foram montados por grupos de uma mesma escola, pretendendo, como afirmado nos objetivos de um desses projetos que foca os direitos humanos e que tomamos aqui com caráter ilustrativo, transformar a realidade local:

Criar um espaço, dentro da escola, junto aos profissionais, alunos e suas famílias para discutir e propor estratégias de enfrentamento para os pro-blemas e consequências causadas pelas situações de pobreza e violação dos direitos humanos, bem como ampliar o olhar dos envolvidos acerca da temática, de modo que aquela comunidade escolar seja agente trans-formadora na comunidade da qual faz parte (grifos nossos).

Também foram desenvolvidos projetos como o indicado envolvendo a escola e até grupos de escolas de uma mesma região, envolvendo profissio-nais de escolas diferentes e em conjunto com outros trabalhadores sociais, como assistentes sociais do posto de saúde próximo ou do Centro de Refe-rência Especializado de Assistência Social (Creas). Nos casos de envolvimen-to de profissionais de áreas diferentes, fica explícita a geração de articulação

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num movimento metodológico que vai da concretude da prática política do local para o global, com ganhos do trabalho integrado para o município, pois se evitam a dispersão de recursos e a ampliação da vivência cidadã, repercutindo diretamente no sujeito beneficiário do PBF pela melhoria da atenção e contraditoriamente pela ampliação da eficácia do controle sobre seus agentes.

Entretanto, a prática de uma política como a de formação de quadros para atuar com PBF no âmbito da educação requer maturação e decantação. No momento, tais exemplos ainda não expressam tendências consolidadas, e esse processo deve ser hoje mais valorizado pelo aprendizado de fazer coletivo e pedagógico, que cria e possibilita quaisquer outros resultados. Sobre esse ponto, afirma Dias Sobrinho (2000, p. 195):

Por isso, muitas vezes os mais importantes resultados dessa avaliação não estão obrigatoriamente nos seus relatórios finais, nem são muito facilmente percebidos e descritíveis, mas podem estar nos efeitos de caráter educativo e político que o próprio processo engendra, notada-mente no fortalecimento da consciência pedagógica e de envolvimento institucional.

Considerações finais

As análises permitem concluir que os operadores e gestores do PBF envolvidos no processo do curso EPDS passam a entendê-lo como ação inovadora que busca a redução da pobreza e da pobreza extrema, além de combater a fome. Mudando um pouco suas concepções iniciais, passam a entender que o PBF significa também possibilidade de construção de alter-nativas de geração de renda e de acesso a serviços públicos.

Dessa perspectiva, entendem que a escola pode desempenhar papel importante no processo de promoção da cidadania dos sujeitos agentes beneficiários do programa. Apostam, esperançosamente, nas ações de co-laboração intersetoriais coordenadas e envolvendo a assistência social e na oferta de qualificação para o trabalho, indicando que têm produzido efeitos positivos.

Ao demonstrar seus aprofundamentos de compreensão, os cursistas destacam e corroboram falas dos beneficiários do PBF que indicam vicissi-tudes no programa, ao explicitarem, por exemplo, o entendimento de que

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cuidar de seus cidadãos é dever do Estado brasileiro e de que o recebi-mento do benefício é um direito, e não benesse governamental. Entretanto, indicam e problematizam nas condicionalidades do PBF o que entendem se constituir contradição entre humanização, justiça social e educação, de um lado, e eficácia, valorização do mérito e controle da cidadania, de outro.

Por fim, as ações no âmbito do curso colocadas em evidência pela pesqui-sa discutida indicam que a educação dos filhos dos pobres e extremamente pobres continua a representar desafios, conforme a literatura especializada nos apresenta, embora os sujeitos agentes já detectem, entendemos, sinais de mudança.

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Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas percepçõesEliana Andrade da SilvaKilza Fernanda Moreira de ViveirosMoisés Domingos SobrinhoRosângela Alves de Oliveira

Educação, Pobreza e Desigualdade Social é uma iniciativa no âmbito do Ministério da Educação (MEC) vinculada à Secretaria de Educação Conti-nuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). Trata-se de uma ação articulada aos sistemas de ensino que implementa políticas educacionais nas áreas de alfabetização, diversidade e inclusão, tendo as universidades públicas federais como instâncias executoras.

A Secadi iniciou em 2013 um processo de construção coletiva do pro-grama nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Para isso, cons-tituiu uma coordenação geral do programa composta pela Secadi e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Núcleo Multiprojetos de Tecnologia Educacional (Nute). Na oportunidade, foi criado também um Co-mitê Científico-Pedagógico que elaborou uma primeira proposta, submeti-da posteriormente à discussão nas universidades participantes do projeto.

O referido programa se justifica pela constatação de que no Brasil tra-dicionalmente não há diálogo entre as políticas sociais, o pensamento edu-cacional e a formação dos profissionais que atuam na educação básica em contexto de pobreza e de pobreza extrema. Outro fator que justificou a re-alização de tal programa foi o cenário da época que apontava para a quase

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totalidade da universalização do acesso à educação básica e o impacto da política de Transferência de Renda na referida área:

96,7% das crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos – faixa etária corres-pondente ao ensino fundamental – frequentaram a escola naquele ano, representando um número aproximado de 28,2 milhões de estudantes. Embora 3,3% de meninas e meninos ainda estejam fora da escola, é ine-gável o significativo avanço em termos de acesso educação. Tal avanço foi possível com a implementação de políticas educacionais e políticas sociais articuladas à educação, a exemplo do Programa Bolsa Família com o sistema de condicionalidades à educação, à saúde e à assistência social (BRASIL, 2014, p. 14).

Na tentativa de enfrentar os desafios postos pela realidade, a iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social se constituiu em torno de três dimensões: 1) Formação continuada, concretizada por meio da implementa-ção do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social; 2) Apoio à pesquisa sobre as relações entre educação, pobreza e desigual-dade social; e 3) Apoio à produção do conhecimento.

Prioritariamente, a referida iniciativa atende à qualificação das demandas de gestores e gestoras, professores e professoras da rede de educação bási-ca pública, gestores do Programa Bolsa Família (PBF) e profissionais do cam-po da assistência social. Esse processo formativo se insere no contexto da Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica e da Rede Nacional de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, e sua organização prioriza o ensino, a pesquisa e a divulgação de conhecimentos.

O projeto inicial aspirava alcançar 30 universidades – 15 em primeira eta-pa e posteriormente as demais. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)1 executora, em primeira etapa, foi submetida ao edital para participação por meio do Comitê de Formação Continuada (Confor), vincu-lado à Pró-Reitoria de Pós-graduação.

Assim, a iniciativa buscou estimular, principalmente junto aos profissio-nais envolvidos com escolas públicas e nas políticas de assistência, a reflexão acerca da pobreza e da pobreza extrema vividas em nove polos de Educação

1 Na UFRN, foi criado um grupo composto de representantes da gestão do projeto na universidade, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/RN) e da Coordenação do Programa Bolsa Família da Secretaria da Educação e da Cultura (SEEC/RN).

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a Distância (EaD) da UFRN, de modo que se buscou contemplar estrategica-mente todos os municípios do estado do Rio Grande do Norte envolvidos com ela, a saber: Natal, Parnamirim, Macau, Santa Cruz, Caraúbas, Currais Novos, Caicó, Martins e Grossos. Efetivou, portanto, sua intervenção nessa realidade social por meio da educação, ao oferecer um curso de especiali-zação a distância2 para 400 educadores, e de uma pesquisa científica que buscou conhecer as representações sociais dos cursistas acerca do objeto representacional pobreza.

Nesse sentido, expomos no presente capítulo os resultados gerais da pesquisa realizada ao longo do curso, a qual teve como objetivo principal entender como os cursistas constroem e compartilham suas representações sociais sobre o objeto simbólico pobreza e como essas "verdades" de senso comum orientam suas práticas em relação ao fenômeno da pobreza e das desigualdades sociais. Para tanto, e considerando os limites do espaço des-ta publicação, estruturamos a exposição da seguinte forma: a) contextualiza-ção da pesquisa; b) fundamentos teórico-metodológicos da investigação; c) campo de observação e perfil sociográfico dos cursistas; d) estado da arte acerca da pobreza; e) concepções de pobreza encontradas na pesquisa; f) considerações finais.

Aspectos teórico-metodológicos da pesquisa

Em se tratando dos aportes teórico-metodológicos da pesquisa em discussão, destacamos a Teoria das Representações Sociais. Para Moscovici (1978, p. 26), as representações sociais constituem "[...] uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comporta-mentos e de comunicação entre indivíduos".

Nesse sentido, elas orientam os indivíduos na apreensão e na interpre-tação do mundo e na organização das suas condutas e formas de comuni-cação. Dessa forma, toda representação social é a leitura particular de um objeto, realizada por um sujeito (individual ou coletivo), a partir de crenças, valores e informações que ele compartilha na cultura na qual se situa.

2 A UFRN, ao longo de aproximadamente 18 meses, realizou o curso Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (modalidade a distância) com 358 trabalhos defendidos (trabalhos concluídos na modalidade de artigo), apresentando um índice aproximado de 10% de cursistas desistentes e evadidos ao longo do processo de formação.

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Do ponto de vista que nos interessa aqui, é importante destacar que Moscovici (1978) considera as representações sociais como sistemas de pre-concepções, de imagens e valores, detentoras de uma significação cultural própria e sobrevivendo independentemente das experiências individuais, nos sendo impostas sem o nosso consentimento, portanto de forma não necessariamente consciente. Daí a importância de conhecermos como os cursistas constroem e compartilham as "suas verdades" (representações sociais) sobre o objeto pobreza e como essas "verdades" de senso comum naturalizam o fenômeno da pobreza e, o mais importante do ponto de vista de uma psicossociologia voltada para a intervenção, orientam suas práticas em relação a ele.

Assim, associada à teoria das representações sociais, a pesquisa se an-corou na teoria complementar do núcleo central formulada por Abric (1994, 2000). A teoria do núcleo central é considerada uma teoria complementar à das representações sociais e parte da hipótese de que a organização do conteúdo de uma representação social apresenta uma característica parti-cular, pois os elementos que o compõem são não apenas hierarquizados, mas também organizados em torno de um núcleo constituído de um ou mais elementos, que dão significado à representação.

Em torno desse núcleo, situam-se os elementos periféricos explicitado-res das especificidades dos indivíduos que compartilham um mesmo sentido atribuído a determinado objeto. No caso da pesquisa aqui debatida, entre os elementos imagéticos mais compartilhados pelos cursistas a respeito do objeto pobreza encontram-se "fome", "miséria" e "sofrimento". Esses ele-mentos são descontextualizados, em relação, por exemplo, à multidimensio-nalidade da produção do fenômeno, reorganizados em uma nova estrutura de conjunto, e deles são retidas apenas certas qualidades icônicas, passan-do a gozar de uma considerável autonomia em relação ao objeto original. Por essa razão, entre as funções exercidas pelos elementos do núcleo central está a de resistir às ressignificações que eventualmente surjam a partir da incorporação de novas informações e situações vividas pelos sujeitos.

Campo de observação e caracterização do universo da pesquisa

De acordo com as orientações nacionais da Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social, a população investigada se constituiu dos cursistas vinculados ao curso, residentes em vários municípios do estado. A

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Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 75

coleta dos dados da TALP foi realizada de uma só vez durante a aula inaugu-ral ocorrida em 28 de agosto de 2015. Foram entregues 377 questionários, número correspondente ao total de presentes (embora houvesse 400 matri-culados), mas somente 301 preencheram o instrumento.

Os dados indicam que o grupo pesquisado é composto majoritariamen-te de profissionais da área de Serviço Social (42%), seguidos de profissionais da área da Educação (26%). No entanto, também foram identificados profis-sionais com formação em Nutrição, Psicologia, licenciados em Geografia, em Letras, em Matemática, em História, em Ciências Biológicas e ainda cientis-tas agrários, cientistas sociais e gestores públicos, embora em percentuais muito baixos.

De modo geral, todos atuam no contexto da pobreza e da desigualdade social. Os profissionais da área de Serviço Social atuam na implementação de políticas e programas de assistência social, tais como o Bolsa Família, atuando igualmente em espaços ocupacionais como o Centro de Referência em Assistência Social (Cras) ou o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), enquanto os da área de Educação atuam direta-mente nas escolas públicas e se defrontam com as expressões da pobreza em seu cotidiano de trabalho, por meio do contato direto com os alunos que se encontram nessa condição.

O perfil do grupo indica também que todos se graduaram durante a dé-cada de 2000 e que o curso de Especialização em Educação, Pobreza e De-sigualdade social tem sido, para a grande maioria, a primeira oportunidade de pós-graduação. As razões para cursar a referida especialização, conforme explicitado nas "cartas de intenções", documento requerido quando da ins-crição no curso, estão ligadas diretamente à atuação profissional e puderam ser agrupadas em duas categorias básicas: 1) Melhorar a atuação seja na docência, seja na implementação de políticas e programas de assistência social; 2) Contribuir para a melhoria das condições de vida dos beneficiários de programas e políticas de educação e assistência social.

Vale destacar, ao tomar as cartas como uma fonte de dados visando caracterizar a população, que estas são um documento escrito com a finali-dade de convencer os avaliadores das "intenções" do candidato, portanto com forte teor retórico. A análise do seu conteúdo, por isso mesmo, exige um rigor epistemológico mais acurado, quando, por exemplo, são estas confrontadas com outras fontes de dados. Além dessas justificativas, os can-didatos alegaram também o interesse em "aprimorar-se intelectualmente",

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"dar continuidade aos estudos", especialmente no aprofundamento de co-nhecimentos sobre educação, pobreza, desigualdades e políticas públicas (exatamente o que oferta a proposta do curso).

A estrutura dos conteúdos representacionais sobre o objeto simbólico pobreza

Apresentamos, a seguir, o resultado das análises dos dados feitas a partir da utilização da Técnica de Associação Livre de Palavras. Os dados relativos às evocações e coletados por meio do questionário de associação livre foram inicialmente organizados em um arquivo criado no Excel e depois submetidos ao processamento do software EVOC 2005. Em outro arquivo, desta vez no Word, foram organizados apenas os textos das justificativas dadas às palavras consideradas mais importantes, visando submetê-las à análise categorial de conteúdo, conforme orientam, entre outros, autores como Bauer e Gaskell (2002) e Franco (2005).

O questionário, como já dito, foi entregue aos 377 cursistas (dos 400 ma-triculados) presentes na aula inaugural, mas apenas 301 documentos foram devolvidos. Destes, 25 não preencheram as condições para o tratamento e a análise pelo EVOC, o que resultou no total de 276 questionários válidos.

Os cursistas que responderam ao questionário foram distribuídos pe-los polos e respectivos municípios aos quais estavam vinculados até aquele momento (Tabela 1). Neles, realizam-se os encontros entre os "tutores pre-senciais" e os alunos.

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Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 77

Tabela 1 – Distribuição dos questionários respondidos por polo/turma

Polo/turma n. %

Caicó 37 12%

Caraúbas 26 9%

Currais Novos 25 8%

Grossos 13 4%

Macau 15 5%

Martins 24 8%

Natal 1 33 11%

Natal 2 38 13%

Natal 3 35 12%

Nova Cruz 33 11%

Parnamirim 22 7%

Total 301 100%

Fonte: dados obtidos por meio do questionário da TALP e das fichas de identificação dos cursistas.

No cômputo geral, foram evocadas 1032 palavras, sendo 324 diferentes, correspondendo a 31,4% do total. Observamos, ainda, que 217 palavras fo-ram evocadas uma única vez, o equivalente a 21% do total, ou seja, quase um quarto das evocações foi de palavras usadas uma única vez, indicando a diversidade de formas de se referir ao objeto simbólico pobreza. Isso, por sua vez, está relacionado à heterogeneidade da composição da população – origem social, formação profissional, distribuição geográfica e inserção em diferentes sistemas culturais representados pelos municípios e regiões do estado e visões ideológicas em relação ao fenômeno da pobreza, como se verá na análise das justificativas dadas às evocações consideradas as mais importantes.

Análise das justificativas dadas à palavra considerada a mais importante

Na terceira fase do questionário, solicita-se que o sujeito escreva uma justificativa para a palavra considerada a mais importante. Trata-se, portan-to, de uma etapa na qual se pede a produção de um discurso de caráter

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mais racionalizado e retórico sobre o objeto. Dessa forma, foram constitu-ídas categorias referentes aos sentidos atribuídos aos elementos centrais "desigualdade" e "exclusão".

A partir dessa análise, pôde-se inferir que a estruturação das evocações aponta para os seguintes resultados: a) a existência de discursos sobre o objeto que indicam uma leitura deste de caráter científico, não fazendo, portanto, parte do que Moscovici (1978) denomina representações sociais; b) a existência de produções discursivas que indicam a presença de repre-sentações de caráter ideológico, e, por conseguinte, uma variação do senso comum; c) uma representação social tal como conceitua a teoria. Antes de darmos exemplos desses resultados, algumas considerações de caráter epistemológico precisam ser feitas.

Sá (1996) apresenta as quatro propriedades relativas às cognições cen-trais: valor simbólico, poder associativo, saliência e forte conexidade na es-trutura. As duas primeiras são qualitativas, ditadas pela Teoria das Represen-tações Sociais; as duas últimas são quantitativas e decorrem das anteriores.

O valor simbólico reside no fato de o elemento central manter com o objeto da representação uma estreita relação, não podendo ser dissociado dele. Do contrário, o objeto representado perderia de todo a sua significa-ção. O poder associativo refere-se à sua forte relação com os demais ele-mentos da representação. Já a saliência é resultante das duas características anteriores. Assim, desigualdade e exclusão são sentidos estreitamente vin-culados ao objeto pobreza, daí seu peso simbólico e valor associativo com os demais elementos que emergem do processo de associação de palavras e figuram nos quadrantes.

Outro princípio a considerar: o núcleo central é sempre composto de um ou alguns elementos que dão visibilidade ao resultado do trabalho coletivo para objetivar o objeto representado, isto é, dar-lhe uma existência concreta para o grupo, e ancorá-lo, isto é, atribuir-lhe um sentido que o torne familiar – dois processos fundamentais na construção de uma representação social.

Esclarecendo: o processo de objetivação, para Moscovici (1978), está relacionado à construção da face imagética da representação, ou seja, ao processo pelo qual o que é abstrato passa a assumir uma "presença" quase tangível para os sujeitos. O conceito abstrato de pobreza, nesse caso, é ob-jetivado como fome, miséria, necessidade, por exemplo, pois temos outros sentidos a explorar com a análise mais ampla do banco de dados, como faremos ao longo da apresentação dos resultados.

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O mesmo acontece com a ancoragem, processo por meio do qual o desconhecido torna-se familiar porque passa a ser significado com base nos referentes culturais, históricos e identitários do grupo. Na pesquisa em tela, a ancoragem do objeto representacional pobreza efetiva-se em desigualda-de e exclusão, ou ainda em injustiça e vulnerabilidade.

É necessário enfatizar que Moscovici (1978) alerta para não separarmos esses dois processos, principais responsáveis pela estruturação da repre-sentação social dada pelos componentes figura/significado, tão interligados como se fossem as duas faces de uma moeda. Inútil, então, perguntar quem vem antes ou depois.

Com base no que dissemos acima sobre os resultados das análises das justificativas, no primeiro caso, encontramos discursos sobre o objeto que fazem referência a uma explicação de caráter científico, portanto não se con-fundido com as representações do objeto que expressam um conhecimento "ingênuo" e meramente descritivo dele ou que o reduzem ao econômico, às políticas públicas ou ainda à educação como saída redentora, como se apresenta a seguir:

Vivemos em uma sociedade capitalista, nesse tipo de modo de produção a renda que é socialmente produzida não é distribuída coletivamente, ou seja, é privada, causando cada vez mais as desigualdades sociais. A pobreza, portanto, é produzida e reproduzida socialmente, causando nessa população cada vez mais vulnerabilidade e risco social. Mas a pobreza não é apenas ausência ou dificuldade de acesso aos direitos; é também e, principalmente, ausência de possibilidades de enfrentamento às questões sociais que são reflexos desse modo de produção (Natal III).

A desigualdade gerada pelo modo de produção capitalista se agrava mais com o Estado mínimo, caracterizado pela ausência de políticas públicas que atendam aos direitos básicos do cidadão, gerando a falta de acesso destes aos direitos sociais legalmente instituídos, porém não efetivados, agravando a pobreza e a extrema pobreza em nossa socieda-de (Parnamirim).

No segundo caso, o das representações ideológicas, a face icônica do objeto (pobreza) materializa-se na forma pela qual é percebido, isto é, arti-culando conhecimentos de base econômica, política e educacional e dando--lhes uma conotação crítico-ideológica. A estrutura da representação pode ser ilustrada como se segue:

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Desigualdades/desigualdades sociais (econômica e educacional)

Má distribuição de renda/falta de educação

O estado da arte acerca do fenômeno pobreza

Para a análise das articulações entre educação, pobreza e desigualdade social, foco do nosso estudo, faz-se necessário apresentar o contexto no qual se insere a investigação, por compreendermos que a pobreza e a desi-gualdade social se expressam nas práticas pedagógicas dos(as) profissionais envolvidos(as) na Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade So-cial no Rio Grande do Norte.

Em virtude das expressões cada vez mais agudas da pobreza, o debate sobre as formas de enfrentá-la se amplia no Brasil, sobretudo no contexto de crise econômica. Na realidade brasileira, os dados apontam a existência de uma brutal desigualdade social e econômica, pois os 10% considerados mais ricos detêm 75% da riqueza total, enquanto os 90% mais pobres ficam com apenas 25% da riqueza produzida. Esses dados acompanham um movi-mento mais geral de concentração de renda e riqueza na América Latina, já que é constatado que mais de 40% da população é pobre e 15% a 20% dela são considerados indigentes.

O Rio Grande do Norte é um estado que se insere predominantemente na região do semiárido brasileiro, e, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2011, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE) em setembro de 2012, apresenta o maior número de desempregados do Nordeste, com 9,6%. Ocupa o segundo lugar no país, perdendo apenas para o Amapá, com 12,9%. O índice de concentração de renda no estado demonstra que 1,7% da população recebem mais de 20 salários mínimos, enquanto 55% sobrevivem com até dois salários mínimos.

Por outro lado, o Rio Grande do Norte tem a maior renda média do Nor-deste. Os potiguares recebem um salário médio de R$ 1.034, e, segundo o estudo, a economia potiguar é sustentada pelo setor de gás e petróleo e pelo funcionalismo público. Diante desse cenário, podemos inferir que o fenômeno da pobreza se faz presente na realidade norte-rio-grandense e segue uma tendência mais geral observada tanto no Brasil como em alguns países latino-americanos.

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Em termos históricos, a pobreza se constitui como fenômeno persistente na sociedade brasileira, a qual experimentou distintos processos políticos, econômicos e sociais, mas não conseguiu superar essa problemática que se atualiza e, ao mesmo tempo, recupera traços do passado. Nesse sentido,

[...] a pobreza contemporânea arma um novo campo de questões ao transbordar dos lugares nos quais esteve configurada "desde sempre": nas franjas do mercado de trabalho, no submundo da economia informal, nos confins do mundo rural, num Nordeste de pesada herança oligárqui-ca, em tudo o mais, enfim, que fornecia (e ainda fornece) as evidências da lógica excludente própria das circunstâncias históricas que presidiram a entrada do país no mundo capitalista (TELLES, 2013, p. 16).

Dessa forma, a pobreza pode ser compreendida como um fenômeno que engloba renda limitada, exclusão e subalternidade. Para efeito da pes-quisa Educação, Pobreza e Desigualdade Social, partimos da hipótese de que o fenômeno da pobreza se expressa de inúmeras formas e, no âmbito da educação, demonstra particularidades ao criar um contexto desafiador para o desenvolvimento das práticas pedagógicas.

Diante desse cenário, os profissionais que atuam nos contextos de pobre-za precisam avançar no conhecimento do lugar social de origem dos sujeitos que compõem o público das ações de transferência de renda, especialmente no âmbito escolar. É, portanto, diante desse contexto que a iniciativa Educa-ção, Pobreza e Desigualdade Social e a pesquisa As representações sociais dos cursistas acerca da pobreza se realizam: um contexto caracterizado por desigualdades sociais crescentes, cujas marcas se expressam na vida das classes populares as quais vivenciam uma série de adversidades.

O referido contexto não atinge apenas os denominados pobres, mas também é experimentado de maneira distinta pelos profissionais que atuam em tais situações (assistentes sociais, educadores, entre outros), tendo em vista que o fenômeno da pobreza gera uma série de demandas e desafios para esses profissionais. Por essa razão, o entendimento do fenômeno da pobreza, de seus efeitos, suas expressões e estratégias de enfrentamento se constitui como tarefa necessária para impulsionar a atuação desses sujeitos.

Na conjuntura brasileira contemporânea, os estudos acerca da pobreza têm sido ampliados nas últimas décadas. O fenômeno da pobreza se cons-titui como preocupação de diversas áreas de saber, como a Economia, a Educação, o Serviço Social, entre outras profissões que têm dedicado consi-derável espaço para discussões sobre o fenômeno.

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Em uma perspectiva tradicional, a pobreza tem sido concebida como ca-rência de renda e como óbice ao desenvolvimento, devendo ser erradicada e combatida. Nessa perspectiva, sua mensuração estava ligada sobretudo à renda per capta dos indivíduos ou famílias e sua capacidade de consumo. No entanto, a análise do fenômeno da pobreza demanda a articulação de diversos fatores que extrapolam a renda individual e o poder de consumo das unidades familiares.

Nesse sentido, partimos do pressuposto de que o entendimento da temática requer uma abordagem multifatorial. Em termos analíticos, enten-demos que a pobreza não se reduz a privações materiais e pode ser consi-derada uma categoria multidimensional. Recorremos aqui às reflexões de Yasbeck (2012), que inicia suas análises afirmando que a pobreza se revela como uma face do descarte de mão de obra, fenômeno resultante das for-mas de expansão da economia capitalista.

Ainda segundo Carmelita Yasbeck (2012, 2012, p. 318), o fenômeno da pobreza se constitui como

[...] uma experiência de desqualificação dos pobres por suas crenças, seu modo de expressar-se e seu comportamento social, sinais das "qualida-des negativas", em que o pobre não sofre apenas "privações materiais", mas também desqualificação social, alcançando o plano espiritual, moral e político dos indivíduos submetidos aos problemas de sobrevivência.

No que se refere às concepções de pobreza, uma interessante sistema-tização pode ser encontrada em Siqueira (2013), conforme podemos ver no Quadro 1:

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Quadro 1 – Tendências sobre a concepção de pobreza e principais autores

Tendência Concepção Principais autores

Pobreza/necessida-des e carência

Pobreza e sua dimensão econômica expressa através da carência. O pobre é visto como necessitado ou carente.

Aldaíza Sposati

Pobreza/subalternidade/exclusão

Vinculação da pobreza com subalter-nidade. Supõe relações de desigual-dade entre dominantes/subalternos.

Carmelita Yasbeck

Pobreza e o popular

Pobreza é entendida como popular. Já o pobre se revela como uma parte do povo. Inclui também a ideia de ação dos assistentes sociais junto às classes oprimidas.

Maria Ozanira Silva

Pobreza e cidadania invertida

Põe como central a relação pobreza e cidadania, na qual comparece o conceito de cidadania em Marshal. Cidadania como como conjunto de direitos. Portanto a falta de direitos revela uma "não cidadania".

Sônia Fleury

Pobreza/risco/vulnerabilidade

Advinda das áreas de geografia, urbanismo, demografia e saúde. Con-cepção que vincula a pobreza com contextos de risco e vulnerabilidade social. O pobre é, nessa concepção, alguém em desvantagem social.

Robert Castel, Boaventura de Souza Santos e Antonny Giddens. Elaborações do Banco Mundial e Cepal têm defendido essa visão.Incluída na política Nacio-nal de Assistência Social

Pobreza/ausência de poder

Pobreza compreendida como ausência de poder ou fragilidade. Assim, o empoderamento seria uma alternativa para resolução de proble-mas sociais.

Deepa Narayan, Boaventu-ra de Souza Santos, Vicente Faleiros

Pobreza/oportunidades e capacidades

A pobreza como privação de capaci-dades básicas.

Amartya Sem

Pobreza/lei geral da acumulação

Pobreza articulada à desigualdade social de forma que se constituem como fenômenos gerados pelo capi-talismo que se explicam por meio da Lei Geral da acumulação.

Karl Marx

Fonte: SIQUEIRA, 2013.

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A partir dessa sistematização, podemos assinalar que há várias concep-ções do fenômeno da pobreza e que entre as citadas visões há consensos e dissensos. Um campo de consensos pode ser identificado entre as concep-ções de Marx, Sposati, Yasbeck e Silva, as quais partem de análises estrutu-rais e econômicas. Outro campo de aproximação se encontra entre as visões de Fleury, Robert Castel, Boaventura de Souza Santos e Antonny Giddens, Amartya Sen, Deepa Narayan, Boaventura de Souza Santos, Vicente Faleiros.

Esse conjunto de concepções tem em comum uma ênfase nos processos culturais e políticos em suas análises. De maneira global, há entre esses dois grupos de concepções uma polarização que põe, de um lado, análises de cariz econômica, e, de outro, análises que privilegiam as dimensões política e cultural.

Malgradas as diferenças teóricas entre esses grupos de autores e suas concepções, identificamos por meio da pesquisa que no cotidiano dos cur-sistas (entrevistados) essas visões se fundam, criando um "mix" de concep-ções que influenciam os profissionais e que se expressam em suas ações diárias. Essas concepções de pobreza são um demarcador relevante para a atuação desses profissionais, tendo em vista que majoritariamente atuam com segmentos pauperizados da sociedade.

Concepções de pobreza encontradas na pesquisa

Os dados extraídos a partir das justificativas dos entrevistados revelam as influências das matrizes teóricas nos discursos sobre a concepção de po-breza. Assim, uma primeira aproximação com os dados revela uma tendên-cia de que a pobreza esteja associada à questão das oportunidades. Nessa linha de raciocínio, os cursistas interpretam que a pobreza se desenvolve ou se manifesta tendo em vista a falta de oportunidades para os pobres.

Essa tendência foi identificada com maior intensidade na região metro-politana de Natal. Em termos teóricos, a perspectiva das oportunidades tem seus desdobramentos teóricos advindos das elaborações de Amartya Sen (2010). Em sua acepção, a pobreza está ligada à falta de oportunidades. "Po-breza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a opor-tunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico." (SEN, 2010, p. 17).

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Outra tendência que a pesquisa revela é situar a pobreza como priva-ção, que comparece associada a elementos como condições mínimas para manter um indivíduo vivo, tais como alimentação e demais direitos sociais como educação, moradia, habitação. A associação de pobreza e privação é analisada por Sen (2010). Para o autor, o desenvolvimento é visto como expansão das liberdades substantivas. Nesse sentido, o desenvolvimento "[...] requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza, tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância excessiva de Estados repressivos." (SEN, 2010, p. 16).

Assim, as justificativas das palavras evocadas revelam a existência de concepções nas quais a pobreza está relacionada às condições básicas-bio-lógicas de sobrevivência, tais como a alimentação, já que a pobreza aparece, em alguns casos, associada à fome. No entanto, também comparece na pes-quisa a perspectiva de que há elementos básicos, mas não biológicos, que são necessários à existência dos indivíduos.

Temos uma síntese desses discursos no Quadro 2.

Nesses dados, identificamos que não há concepções puras, mas, sim, a combinação de distintas matrizes teóricas que se apresentam nos discursos dos entrevistados, provenientes especialmente das visões de Sonia Fleury nas suas análises sobre a "cidadania invertida" ou "condição de não cida-dania", quando os entrevistados articulam a pobreza à falta de garantias sociais mínimas que torna os pobres "não cidadãos". Identificamos também a presença das análises realizadas por Aldaisa Sposati acerca das carências e necessidades dos indivíduos, a partir da noção de mínimos sociais e das reflexões sobre as necessidades sociais que podem ser classificadas como necessidades básicas e necessidades radicais (com base nas análises de Ag-nes Heller), bem como a discussão da privação de capacidades a partir das análises de Amartya Sen (2010).

Identificamos ainda a noção de pobreza como geradora de vulnera-bilidades sociais e risco social presente no conteúdo de algumas políticas sociais, como é o caso da assistência social. As matrizes intelectuais dessa concepção estão ancoradas sobretudo nas propostas do Banco Mundial.

Um aspecto importante é que na pesquisa comparecem diversas con-cepções sobre os pobres. Nesse caso, identificamos a presença das análises de Aldaiza Sposati na identificação do pobre como carente, conforme os dados expostos no Quadro 3:

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Quadro 2 – Pobreza e condições básicas

Polo/Questionário Discurso

(Natal 3/320) Falta de oportunidades, porque essa condição limita o sujeito a diversas perspectivas: ir, vir, dinheiro limitado necessário para a prioridade alimentação, por exemplo, condições insalubres de vida, a questão alimentar abaixo do necessário para o ser huma-no, e essas condições subumanas fazem com que as doenças físicas e psicológicas se instalem. E, por fim, falta de políticas públicas efetivas que tragam resultados positivos

(Natal 2/268) O acesso a serviços, renda, programas, benefícios, oportunida-des etc. garante uma maior possibilidade de melhoria da quali-dade de vida. A população em geral podendo acessar direitos básicos de sobrevivência e mínimos sociais abrirá caminhos para…

(Natal 2/280) Pobreza é ausência de mínimos necessários que garantam a dignidade humana. Essa ausência se caracteriza como exclusão, negação e violação de direitos humanos, que atingem crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos. A pobreza caracteriza-se pela falta tanto na dimensão econômica como na condição de cidadão, sujeito de direitos.

(Natal 2/252) Desemprego. Porque a falta de trabalho está condicionada à falta de alimento, moradia, às condições de vida e ao sofrimen-to, e sem isso a pessoa está submetida a uma situação precária de desigualdade social.

Fonte: elaboração própria.

Quadro 3 – Definição de pobres

Definição de pobreSem voz e sem vez Pouco esclarecido sobre seus direitosPrivado de direitos Pouco educadoVulnerável Sem conhecimentosDiscriminado Sem oportunidadesDesamparado ExcluídoQue não tem vez/direitos África no BrasilClasses menos favorecidas Camadas menos favorecidasCarente/mais carentes Classe média baixa/classes popularesDesfavorecido Privado de direitosMarginalizado Os que não (em contraponto dos que têm)

Fonte: elaboração própria.

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Diante desses dados, podemos afirmar que se apresenta nas falas a ideia de que o pobre é um sujeito que se encontra em situação de desvantagem social, ficando implícito que não é reconhecido como um cidadão portador de direitos. Em algumas entrevistas, fica explícita a ideia de que os pobres, por vezes, são responsáveis pela sua condição de pobreza.

Assim, a pesquisa mostra uma tendência de culpabilização do indivíduo pela sua condição de pobreza. Nessa visão, a pobreza seria resultado de alguns fatores de responsabilidade do indivíduo. No entanto, uma entrevis-ta se destaca ao apontar a responsabilidade do Estado quanto à reprodu-ção da pobreza, bem como seu dever na provisão de condições sociais de enfrentá-la.

No Quadro 4, vemos um apanhado desses discursos:

Quadro 4 – Pobreza e culpabilização do indivíduo

Polo/Questionário Discurso(Natal 3/272) Exclusão – acredito que essa palavra seria a mais importante,

pois, além de a sociedade excluir as próprias pessoas que vivem nessa área de pobreza, elas mesmas se excluem. Não é preciso que outros o façam, excluindo-se as oportunidades não irão surgir.

(Natal 1/239 ) Entre as palavras abordadas, escolhi exclusão, pois acredito que a pobreza se insere dentro de um contexto de negações de uma política efetiva que contemple a promoção de direitos humanos fundamentais. Nesse sentido, a palavra exclusão representa essa falta de engajamento e mobilização para uma política de ruptura da desigualdade social.

(Natal 3/312) Desinformação – a escolha dessa palavra acontece porque parte da miséria que assola a nossa sociedade se dá por motivo de desconhecimento de seus direitos embasados na Constituição e garantidos também por meio das políticas públicas existentes.

(Parnamirim/389) Se uma pessoa não tem uma meta, um sonho que a leve a pensar nas suas "perspectivas de vida", ela ficará presa a limites pequenos. Não evolui, vive presa no mesmo lugar, es-perando "milagres" para sobreviver à margem da sociedade "privilegiada".

Fonte: elaboração própria.

Outra tendência identificada na pesquisa é a de conceituar a pobreza como uma condição histórica e estrutural do capitalismo e, portanto, insu-perável. Esse dado revela uma tendência de naturalização do fenômeno da pobreza, que aparece como uma condição contra a qual não há saídas. Esse

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tipo de dado deve ser problematizado, tendo em vista a falta de críticas dos entrevistados a essa situação, o que indica também uma atitude passiva e tolerante quanto ao contexto de pobreza (Quadro 5).

Quadro 5 – Pobreza como uma condição histórica e estrutural

Polo/Questionário Discurso(Natal 1/204) A sociedade mundial atravessa constantes mudanças, que

determinam certas consequências a todos os indivíduos globais. Como vivemos num intenso domínio social – o modo de produção capitalista – que é extremamente injusto, antagônico e produtor das maiores desigualdades sociais no século XXI, ou seja, determina a condição de pobreza e/ou pobreza extrema, e justifica a minha escolha pela palavra injustiça.

(Natal 1/231) Historicamente, o Brasil é um país marcado pela má distribuição de renda, de modo simples, porém menos importante, temos muitos vivendo em péssimas condições de vida e uma pequena minoria que vive em condições abundantes. Temos um país com uma dívida social difícil de saldar, porque em tudo que se volta para as classes populares se percebe um atraso, a exemplo disso podemos destacar a Reforma Agrária, a Abolição da Escravidão, entre outros. Enfim, a má distribuição de renda perpassa as outras questões elencadas.

(Natal 1/218) A pobreza é uma condição ou situação de necessidade da lógica capitalista, pois organiza os indivíduos de uma socie-dade na perspectiva de geração e manutenção da riqueza. Necessidade também no sentido de carências diversas (cidadania, educação, material), desenvolvimento.

(Natal 1/205) Considero vulnerabilidade a palavra mais importante devido ao grande número de brasileiros que vivem em situação de vulnerabilidade social. Tal estado (condição) faz com que parte da sociedade brasileira viva sem o mínimo considerável de dignidade humana.

Fonte: elaboração própria.

Se predominam as concepções de que a pobreza é um fenômeno his-tórico, estrutural e intransponível, foi possível identificar paralelamente a presença, ainda que pouco expressiva, de concepções que afirmam a pos-sibilidade de superar a pobreza, bem como de que há estratégias para seu enfrentamento (Quadro 6).

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Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte: a pesquisa e suas... | 89

Quadro 6 – Superação e enfrentamento da pobreza

Polo/Questionário Discurso(Natal 3/322) A pobreza é um estado que tem vários fatores que

contribuem para que se permaneça nele. Porém, o mais importante é acreditar que ele pode ser superado, e, para tanto, é preciso o desejo de mudá-lo.

(Natal 3/319) Atualmente, vivemos numa sociedade em que cada vez mais cresce a vulnerabilidade social, e isso ocorre devido à falta de políticas públicas efetivas. Para o seu enfrenta-mento, é necessário que haja uma ampliação do sistema educacional, o que seria um começo e tanto.

(Natal 1/208) Porque através da educação a condição de pobreza pode ser mutável. É papel do professor desenvolver compe-tências e habilidades que permitam ao educando, que também é um cidadão, transformar seu quadro social.

(Natal 1/214) Diante do atual cenário mundial, em que há por parte da sociedade a naturalização das diversas formas de violações de direitos humanos e sociais, faz-se necessária a reflexão diária sobre nossas intenções profissionais, principalmente no que tange ao nosso comprometimento em formular estratégias de enfrentamento da pobreza no Brasil.

Fonte: elaboração própria.

Um aspecto que se fez presente na visão dos cursistas foi associar a edu-cação como estratégia de resolução da pobreza, ressaltando um pretenso potencial da educação como elemento de transformação social (Quadro 7).

Por fim, fizemos algumas reflexões acerca dessas informações. Seria pos-sível uma resposta ao complexo fenômeno da pobreza por meio de ações apenas no campo da educação? As condições atuais das políticas educa-cionais, sobretudo aquelas voltadas para a população mais pobre, seriam capazes de retirar os pobres de sua condição?

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Quadro 7 – Educação como estratégia de resolução da pobreza

Polo/Questionário Discurso(Natal 2/253) A desigualdade é produto da inexistência de políticas

votadas à educação com ênfase no desenvolvimento social, que tem também como fonte social a estabilidade no contexto em tela. O emprego e a renda são consequência desse recorte. Por isso, a educação ainda é ferramenta dis-ponível para combater essa desigualdade que assola nossa sociedade.

(Natal 1/226) Na minha opinião, a pobreza existe devido a exclusões dos direitos básicos e de informação, de modo que os excluídos se tornam a grande maioria da população.

(Natal 3/303) A falta de acesso à educação básica, para mim, é conside-rada a mais importante, por ser por meio do conhecimento que conseguimos ser capazes de alcançar uma qualidade de vida digna e adquirirmos conhecimentos sobre nossos direitos e deveres como cidadãos.

(Natal 3/302 ) A pobreza pode ser considerada miséria, carência de recur-sos mínimos para sobrevivência de milhões de pessoas que vivem em condição de miserabilidade, que são excluídas da sociedade. A educação é um dos instrumentos mais importantes para minimizar os efeitos da pobreza, sendo necessária a articulação de diversos atores e políticas, de modo a atenuar essa desigualdade e promover a inclusão social.

Fonte: elaboração própria.

Esses dados se aproximam da realidade identificada por Yannoulas, Assis e Ferreira (2012) no estudo das conexões entre educação formal e po-breza. Os dados obtidos pelos autores corroboram as informações por nós expostas no Quadro 7, no qual a educação aparece como meio de mudança na condição social, como estratégia de superação da pobreza e como forma de combater a desigualdade social.

A educação aparece com uma característica redentora sem considerar as condições da população pobre, tampouco explicitar os desafios da po-lítica de educação pública no Brasil (sucateamento, poucos recursos etc.). Defendemos a ideia de que a educação não pode ser compreendida dentro de uma oposição em que ora é concebida como estratégia de rompimento da desigualdade, ora como ação que aprofunda a mesma desigualdade. Consideramos que educação não é sinônimo de escolaridade, e que esta última não se configura em mecanismo direto de mobilidade social e como fator de transformação social.

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Considerações finais

A trajetória da pesquisa aqui discutida foi realizada considerando dos objetivos essenciais: 1) Conhecer o perfil sociográfico da população matri-culada na Especialização Pobreza e Desigualdade Social no Rio Grande do Norte; 2) Conhecer os conteúdos discursivos (opiniões, imagens, percep-ções, conceitos) utilizados por essa população para explicar o fenômeno da pobreza.

No que se refere ao primeiro objetivo, foi possível identificar que o uni-verso dos entrevistados é composto de um grupo heterogêneo formado por profissionais de Serviço Social e da área de Educação. Estes se encontram atuando nos contextos de pobreza, seja por meio da política de educação, seja pela política de assistência social.

Os profissionais desafiados pelas circunstâncias geradas pela pobre-za e desigualdade social buscaram, por meio do curso de especialização, aprimorar seus conhecimentos e melhorar sua atuação. Daí concluímos que a atuação em determinados contextos de ampliação da pobreza e da de-sigualdade social desafia os profissionais em termos teóricos, bem como gera grandes desafios no tocante às formas de intervenção nos referidos contextos.

Em se tratando do segundo objetivo, a pesquisa destacou os principais discursos expressos pelos entrevistados quanto ao fenômeno da pobreza. Assim, foram identificadas as seguintes tendências: a) a pobreza está rela-cionada às condições básicas-biológicas de sobrevivência (alimentação, já que a pobreza aparece, em alguns casos, associada à fome); b) a culpabili-zação do indivíduo por sua condição de pobreza; c) a pobreza como uma condição histórica e estrutural do capitalismo e, portanto, insuperável; d) a possibilidade de superar a pobreza, bem como a existência de estratégias para seu enfrentamento; e) a educação como estratégia de resolução da pobreza, ressaltando um pretenso potencial da educação como elemento de transformação social.

A pesquisa ainda identificou distintas concepções sobre o pobre, as quais demonstram falta de consenso sobre as definições de pobre e neces-sidade de aprofundamento teórico para desvendar o contexto da pobreza e sua reprodução social. Diante dessas tendências, o estudo demonstra o quão complexo é o fenômeno da pobreza e que a imersão dos profissionais em tal contexto requer momentos de formação e aprofundamentos, para que eles enxerguem a direção de suas ações e como suas concepções se

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expressam em ações concretas e geram impactos na vida dos usuários dos serviços públicos de assistência social e educação, sujeitos classificados pe-los poder público como "beneficiários" de programas de transferência de renda e de programas de educação.

Concordamos com Yannoulas, Assis e Ferreira (2012) ao afirmarmos que a pobreza e a educação poderiam se constituir como um campo específico de reflexão. No entanto, defendemos que a pobreza seja vista como fenô-meno multidimensional gerada por inúmeros fatores, de modo que o aspec-to econômico seja considerado, mas associado a elementos como cultura, política, classes, gênero, raca/etnia etc. Para tanto, um permanente diálogo entre as áreas de saber e as profissões é condição de relevo para desvendar e enfrentar o fenômeno da pobreza com resultados mais concretos.

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no MaranhãoMarli Alcântara Ferreira Morais

Este relato apresenta o resultado da pesquisa "Modos de Vida e Processos Pedagógicos na Relação Educação, Pobreza e Desigualdade Social", como atividade do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social – CEEPDS (2015 a 2017). Como um desdobramento da pesquisa "Mo-dos de Vidas e Processos de Trabalho dos usuários do Programa Bolsa Famí-lia, no Maranhão" (2014-2015), a sua construção e desenvolvimento buscou atender as diretrizes nacionais1 postas para a Iniciativa EPDS nas 15 Institui-ções Federais de Ensino Superior (Ifes)2 que ofertaram a especialização de-limitando o estudo, na particularidade do Maranhão, para o conhecimento

1 As diretrizes nacionais foram criadas para nortear as pesquisas acadêmicas desenvolvi-das pelas Ifes que materializaram a Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social – Iniciativa EPDS. Em sua primeira etapa, esta materialização contemplou "[...] particular-mente o Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Educação, Pobreza e Desigualdade Social, desenvolvido em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC), por meio da Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania e da Coordenação Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar/CGAIE, com colaboração do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)" (BRASIL, 2015).

2 As Ifes que participaram da oferta do Curso foram as seguintes: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universida-de Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Tocantins (UFTO),

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dos modos de vida e perspectivas pessoais, profissionais e de futuro dos alunos de escolas públicas em situação de pobreza ou de extrema pobreza.

As diretrizes gerais foram elaboradas com a finalidade de induzir a arti-culação entre ensino, pesquisa e extensão no contexto universitário, garan-tindo uma unidade em relação à perspectiva de aproximação dos estudos teóricos realizados na Especialização com contextos sociais empobrecidos, como uma oportunidade de reeducar e radicalizar o olhar tanto dos cur-sistas, como das instituições formadoras dos profissionais, "[...] sinalizando perspectivas de enfrentamento e alteração das circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza" (BRASIL, 2015). Em síntese, as diretrizes contemplavam o desenvolvimento de estudos que possibilitassem: i) a compreensão das di-ferentes percepções sobre o movimento de (des)construção da cidadania de parcelas da sociedade que, historicamente, sofreram a negação de direitos humanos básicos, tais como educação, alimentação, trabalho, moradia, se-gurança, lazer, dentre outros; ii) contemplassem a análise das ações desen-volvidas pelos órgãos públicos responsáveis por levar a efeito programas e projetos incumbidos de viabilizar respostas ao desafio de superar as diversas formas de negação da cidadania que ainda afligem um grande contingente da população do país; iii) pesquisar sobre como se efetiva a condicionalidade do Programa Bolsa Família (PBF) na Educação em locais empobrecidos, con-siderando a intersetorialidade com as áreas da Assistência Social e da Saúde; iv) conhecer as realidades locais empobrecidas em sua relação com o global, pesquisando sobre a sua formação e seu desenvolvimento nos municípios, nas micro e macrorregiões onde se inserem; e v) identificar e analisar como os seguintes aspectos se transversalizam no currículo escolar – as formas de trabalho, as mudanças nos processos de trabalho, o avanço da tecnologia e a cultura local na sua relação com as transformações micro e macro.

Atentos às diretrizes estabelecidas, desenvolvemos a pesquisa "Modos de Vida e Processos Pedagógicos na Relação Educação, Pobreza e Desigual-dade Social", focando nos modos de vida de crianças e adolescentes em situação de pobreza e de pobreza extrema, com o objetivo de dar voz às crianças e adolescentes sob a condicionalidade do PBF na Educação3 em

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Universidade Federal do Paraná (UFPR).

3 O assunto da condicionalidade do PFB na Educação é veiculado no portal do MEC no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/component/content/article/194-secretarias-112877938/secad-educacao-continuada-223369541/17451-acom-

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relação às suas formas de pensar, sentir e agir, principalmente no espaço escolar, na sua relação com a pobreza e com a desigualdade social.

O estudo foi vinculado à Linha de Pesquisa Modos de Vida e Processos Pedagógicos na relação Educação, Pobreza e Desigualdade Social, do Grupo de Pesquisas e Estudos sobre Tempo, Trabalho, Identidade e Serviço Social (GPETISS), responsável pela execução do CEEPDS na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). A Universidade, assim, como as demais Ifes envolvidas na Iniciativa EPDS, ao desenvolver o projeto de pesquisa, de âmbito local, foi orientada a respeitar as competências e experiências das pesquisadoras e pesquisadores envolvidos, além de permitir construir uma visão nacional da abrangência do trabalho.

Outro aspecto relevante foi com relação à articulação das reflexões te-óricas com os contextos escolares e sociais empobrecidos que sinalizassem perspectivas de enfrentamento e alteração das circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza, cuja centralidade da pesquisa estaria na ampliação e no aprofundamento do conhecimento da realidade, sobretudo no que se re-fere: a) ao perfil do alunado, do corpo dos profissionais da Educação Básica e das famílias que compõem a comunidade escolar de unidades de ensino em contextos empobrecidos e suas trajetórias; b) às práticas pedagógicas e sua relação com os contextos empobrecidos; c) às condições materiais e humanas das escolas e seu "lugar" em contextos empobrecidos; d) às di-versas estratégias de inclusão de um processo escolar de qualidade e das pessoas nos processos que se desenvolvem no campo educacional; e) aos processos de planejamento e gestão, entre outros relevantes; e f) quanto aos impactos sociais e suas representações, ocasionados pela pobreza e pela extrema pobreza, bem como quanto às abordagens históricas sobre o desencadeamento dessa realidade local/regional no Brasil.

O formato do CEEPDS/UFMA propiciou que a pesquisa caminhasse junto aos conteúdos dos módulos, reafirmando o objetivo de conhecer e analisar as relações entre educação, pobreza e desigualdade social e promo-vendo reflexões e discussões sobre as vivências de crianças e adolescentes em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza, em relações sociais e políticas injustas. Seu desenho também permitiu confrontar essas vivências com as visões predominantes nas Políticas Educacionais, na gestão da Edu-cação e no contexto escolar da Educação Básica, visando promover a práxis

panhamento-da-frequencia-escolar-de-criancas-e-jovens-em-vulnerabilidade-condi-cionalidade-em-educacao-do-programa-bolsa-familia-pbf-novo.

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em torno de princípios político-ético-emancipatórios, assentados no direito à vida, à igualdade e à diversidade (BRASIL, 2014).

Como pressuposto, considerou-se indispensável que os cursistas do CEEPDS participassem desse processo de pesquisa como sujeitos na pro-dução de conhecimento. Para tanto, foi preciso assegurar meios para incitar o envolvimento, de fato, em todas as etapas formativas, até a realização do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), síntese do resultado dos estudos, pesquisas e análises. O fato de termos alunos de diversas áreas do conhe-cimento e com olhares para além das políticas de educação proporcionou uma visão das problemáticas destacadas sob variadas percepções, o que enriqueceu o acervo analítico e o alcance dos objetivos. Portanto, o refe-rencial adotado nas pesquisas dos cursistas foi estruturado de acordo com as perspectivas de cada pesquisador-cursista, de modo que os resultados foram apresentados em seminários e artigos, incluindo o próprio TCC.

Conforme destacado no Projeto Político-Pedagógico (PPP) do Curso (MARANHÃO, 2014), a construção de saberes em sua relação com a prática, sob uma perspectiva interdisciplinar, é perpassada por dimensões técnico--políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas; quanto à interdis-ciplinaridade, é esta que traz novas exigências teóricas e práticas para os profissionais das várias áreas de saber, quer seja quando têm de dividir o mesmo objeto, quer seja nas relações interpessoais que estabelecem em seus espaços de atuação, permitindo continuamente a ampliação de conhe-cimento e a reflexão sobre como fazer. Assim, a construção de novas possibi-lidades para pensar e agir exige, de partida, que a busca metodológica pela unidade teoria – prática seja o elemento central de preocupação, na medida em que é preciso conhecer mais e problematizar a questão para qualificar o como fazer.

No presente relato, muito mais do que apresentar os resultados das questões que nortearam a pesquisa, compartilhamos as experiências, os desafios e as oportunidades criadas a partir do desafio de articular, em um curso de especialização a distância, o ensino, a pesquisa e a extensão. Ti-vemos acesso direto às salas de aulas em cerca de setenta escolas públicas do estado do Maranhão, possibilitando não só a realização da pesquisa se-guindo as diretrizes nacionais propostas, mas também nossa aproximação das formas de pensar, sentir e agir das crianças e adolescentes que ousaram expressar seus sonhos – muitas vezes cerceados pela situação de pobreza e extrema pobreza ou até mesmo pela vigilância de alguns professores que

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 99

temiam que os alunos "falassem o que não devia". Não temos a pretensão de generalizar as conclusões apresentadas, mas sim de compartilhar uma experiência que ultrapassou os muros da Universidade e radicalizou o olhar de mais de cinco mil pessoas que, de alguma forma, foram perpassadas por essa ação de ensino, pesquisa e extensão.

A forma de exposição segue, portanto: os primeiros movimentos de aproximação com o tema (seguindo as diretrizes nacionais); a delimitação da pesquisa a partir da participação dos cursistas como pesquisadores e o olhar que possuem sobre as formas de pensar, sentir e agir das crianças e adolescentes; o percurso metodológico, com destaque para as atividades de reflexão-ação propostas ao longo dos módulos (com destaque para as oficinas de "Sonhos e Educação Financeira"); e os resultados, em termos quantitativos e qualitativos, incluindo a análise da equipe de pesquisadores e dos cursistas em um total de 258 artigos de conclusão de curso.

A pesquisa nos primeiros passos do CEEPDS/UFMA

Especificamente no Maranhão, o CEEPDS foi executado pelo Grupo de Pesquisas e Estudos Sobre Tempo, Trabalho, Identidade e Serviço Social (GPETISS), do Departamento de Serviço Social da UFMA. A especialização, voltada para profissionais da Educação Básica e para quem se articulasse com a Educação a partir das condicionalidades postas pelo PBF no Mara-nhão, iniciou com 400 cursistas, concentrados em 16 turmas em 12 municí-pios: São Luís, Pinheiro, Serrano do Maranhão, Barreirinhas, Santa Inês, Ba-cabal, Grajaú, Colinas, Codó, São Bernardo, Imperatriz e Balsas. Os cursistas pertenciam a 150 municípios, distribuídos nas 21 microrregiões do estado.

Dentre seus objetivos, seguindo o PPP Nacional (MARANHÃO, 2014), o Curso visava o desenvolvimento de práticas político-pedagógicas que con-tribuíssem para a transformação das condições de vivência da pobreza e da extrema pobreza de crianças e adolescentes e que, consequentemente, promovessem condições objetivas para viabilizar um justo e digno viver de-finido socialmente. Nesse sentido, os conteúdos trabalhados nos módulos do Curso propunham a análise de conhecimentos científicos sobre: a po-breza e as desigualdades sociais em suas relações com questões étnicas, raciais, de gênero e de espaço; a constituição dos direitos civis, políticos e sociais, caracterizados de modo amplo como "direitos humanos"; a rela-ção da pobreza, das desigualdades sociais e dos direitos humanos com as

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políticas educacionais e outras políticas sociais voltadas para a alteração do quadro de pobreza e pobreza extrema no Brasil; e o papel social da escola, seu currículo, suas práticas e as implicações em relação à manutenção ou à transformação da condição de pobreza de crianças, adolescentes e jovens (BRASIL, 2015).

Ao iniciar as primeiras reuniões acerca do projeto de pesquisa, enten-demos que a apreensão destes conhecimentos não poderia se dar distante da realidade dos municípios e das escolas e, principalmente, teria de dar voz às crianças e adolescentes pobres das escolas públicas do Maranhão. O conhecimento teórico sobre as condições de pobreza e extrema pobreza é base e condição necessária para pensar em mudar uma realidade, mas não é suficiente para a superação de práticas que reforçam tais condições. Neste sentido, com perspectiva e metodologias diferenciadas, o CEEPDS trouxe, além do aporte teórico, atividades de reflexão-ação em cada um dos cinco módulos, voltadas para o conhecimento das realidades das famílias, dos problemas nas escolas e para o fomento de iniciativas voltadas para a alteração das condições de pobreza e extrema pobreza.

Ao pensar o projeto de pesquisa, nos debruçamos sobre esse material de estudo dos módulos, assistindo os vídeos que tratam da realidade da pobreza e repensando as atividades de reflexão-ação para adequar as dife-rentes realidades. As primeiras apreensões apontaram que a pobreza não deixa de existir no momento em que as crianças e adolescentes entram na escola, e os efeitos de tal fenômeno social se manifestam de maneira con-tundente nos espaços de educação, produzindo tensões de diversas ordens nas formas tradicionais de organização e funcionamento da escola regular e na busca da qualidade da educação pública. Quanto ao reconhecimento da pobreza, tomamos o pensamento de Arroyo (2014) para mostrar a sua presença marcante nas escolas públicas.

É necessário perceber que a pobreza nos cerca: ela persiste dentro das escolas, nos noticiários e em diversos estudos sociais. Nas salas de aula, essa realidade fica evidenciada pelos corpos famintos e empobrecidos de milhões de crianças e adolescentes que chegam às escolas, as quais são, em muitos casos, igualmente pobres (ARROYO, 2014, p. 07).

Entretanto, como destaca o autor, a pobreza é observada pelos diferen-tes agentes sociais somente pelo viés educacional, exacerbando a questão dos valores:

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 101

A imagem dos(as) pobres como ausentes de valores também é reforçada pela mídia, ao mostrar a pobreza associada à violência e a crimes como consumo e venda de drogas, furtos e roubos. Mesmo as políticas públi-cas e os programas socioeducativos podem, muitas vezes, carregar uma intenção corretiva e moralizadora, que apela para a educação moral em valores nas escolas. A pobreza, assim, acaba sendo vista somente pelo viés educacional, ficando mascarada toda a sua complexidade como questão social, política e econômica. Essas representações são uma forma irresponsável de jogar para as escolas e seus(suas) mestres(as) a solução de um problema produzido nesses contextos sociais, políticos e econômicos, ou seja, muito além do ambiente escolar (ARROYO, 2014, p. 10).

Concordando com o pensamento do autor, reafirmamos a constatação de que as representações sociais têm um peso considerável sobre as repre-sentações pedagógicas, no espaço das escolas, o que nos levou a direcionar a pesquisa para o espaço escolar. Como destaca Arroyo (2014, p. 11), "[...] é aconselhável dedicar dias de estudo e de oficinas para aprofundar a reflexão sobre como as escolas, os currículos e o material didático representam os es-tudantes pobres, suas famílias e comunidades". A conclusão do autor acerca das atuais representações sociais não deixa dúvidas sobre a necessidade de fomentar reflexões teóricas acerca da pobreza e dos alunos pobres.

De outro lado, é tarefa árdua para as escolas e seus(suas) gestores(as) não se deixarem contaminar por essas representações sociais dos(as) pobres. Difícil não ver crianças, adolescentes e jovens pobres como seres destitu-ídos de valores, preguiçosos, sem dedicação ao estudo, indisciplinados e até violentos. As representações sociais pesam sobre as representações pedagógicas (ARROYO, 2014, p. 11).

Como uma espécie de direção-geral, fundamentamos nossa pesquisa sob o entendimento de que crianças e adolescentes participam desse pro-cesso de forma ativa e intensa, num constante processo de enfrentamento, descobertas e modificações nas suas formas de pensar, sentir e agir. Nesse sentido, nos termos de Araújo (2015), a representação da infância e ado-lescência é relativa, ou seja, não é possível analisar todos os indivíduos sob o mesmo referencial. Seu entendimento é uma construção que perpassa a história da humanidade, no qual determinados contextos históricos, sociais e culturais produzem diferentes maneiras de olhar esta fase da vida. A autora destaca que

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há muitas formulações teóricas acerca das formas de pensar, sentir e agir do ser humano. A depender do tipo de abordagem e dos objetivos a que se propõe o estudo da temática perpassa diferentes abordagens, desde o campo da psicologia (incluindo a psicologia social), até os estudos na área antropológica e sociológica, por exemplo (ARAÚJO, 2015, p. 03).

Nessa perspectiva, desenvolvemos a pesquisa com um enfoque pluralis-ta, considerando a diversidade de formação dos pesquisadores, no qual se incluiu todos os cursistas. Com relação às questões norteadoras, partimos de algumas indagações, tais como:

Quais os impactos do aumento de alunos em situação de pobreza nas escolas públicas?

As escolas tradicionais alteraram seus tempos e espaços, assim como seus processos pedagógicos, para atender públicos específicos (filhos de pais analfabetos que não conseguem dar suporte nas tarefas para casa, indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc.) visando contribuir efetivamente para o rompimento do ciclo da pobreza intergeracional?

Os conteúdos curriculares e as avaliações consideraram esses novos su-jeitos na escola, contribuindo para seu sucesso escolar e, se o fazem, de que maneira o fazem?

Quais relações se estabelecem entre educação, pobreza e desigual-dade social, tendo como foco as escolas que se situam em contextos empobrecidos?

Geralmente, as pesquisas que envolvem crianças e adolescentes tendem a escolher o público adulto para buscar respostas às suas questões median-te justificativas que, certamente, são válidas. Porém, os estudos preliminares e as nossas convicções teóricas apontaram para a necessidade de que os cursistas deveriam ter essas crianças e adolescentes como sujeitos das suas pesquisas, certamente com a condução do seu olhar "adulto". Para isso, to-das as pesquisas dos cursistas tiveram, como tema gerador, identificar as formas de pensar, sentir e agir dessas crianças e adolescentes em relação aos seus atuais modos de vida e suas perspectivas pessoais e profissionais.

Dessa forma, sempre em atenção às diretrizes nacionais adotadas para a pesquisa, levamos cada cursista a pensar nas seguintes questões:

Quem são as crianças e adolescentes sob a condicionalidade da educa-ção e o que pensam sobre essa condição?

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 103

Quais são as formas de pensar, sentir e agir das crianças e adolescentes diante dos processos pedagógicos que lhes são impostos nas escolas?

Que vínculos estes sujeitos constroem a partir desses processos?

Quais práticas profissionais (incluindo a gestão) podem ser desenvolvidas para fortalecer o desejo e o interesse em estudar?

Quais são os sonhos dessas crianças e adolescentes?

Como os processos pedagógicos, articulados às disciplinas, podem contribuir para que estas crianças e adolescentes possam sonhar, olhar em volta, entender os problemas individuais e coletivos e vê-los como oportunidade para agir?

O Curso, através de conteúdos curriculares, se materializou em cinco módulos que visavam o aprofundamento de temáticas relevantes para a compreensão cada vez mais ampliada da realidade – entendimento este que direcionou, de fato, a proposta de pesquisa, possibilitando que cada cursista seguisse um plano de trabalho e desenvolvesse seu projeto a partir da realidade à qual estivesse vinculado.

O resultado dos questionários operacionalizados com os cursistas ainda no período da seleção e matrícula e a socialização das atividades de reflexão--ação dos módulos Introdutório e Módulo I tanto no ambiente virtual quanto nos encontros presenciais indicaram que as escolas não alteraram suas práti-cas para atender as necessidades de crianças e adolescentes que estão sob a condicionalidade do PBF na Educação. De um modo geral, apontou-se a precariedade da educação pública nos municípios do Maranhão, com a presença de escolas sem laboratórios de informática ou com laboratórios funcionando indevidamente, escolas de taipa, salas multisseriadas (no Ensi-no Fundamental), defasagem idade/série e processos pedagógicos que em nada contribuem para o rompimento do ciclo da pobreza entre as gerações.

Observe-se, a seguir, o depoimento de um dos cursistas, com destaque para os problemas levantados a partir da atividade de reflexão-ação do Mó-dulo I.

Ao visitar a escola escolhida para realizar a pesquisa, foi possível relacionar inúmeros problemas relatados através do gestor e de vários professores. A escola, considerada como a maior de todas as escolas do município, passa por problemas de difícil solução, segundo os profissionais que ali exercem suas funções. Quando a gestora foi abordada, descreveu que um dos maiores problemas enfrentado por ela é a questão da

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infraestrutura da escola, depois menciona o acompanhamento familiar e a leitura como base para a aprendizagem. Em relação aos professores, estes citaram a estrutura da escola e outros como: climatização, distorção idade/série, despreparo dos professores para trabalhar com alunos que tem necessidades educacionais especiais, onde dizem [sic] que recebe-ram número bastante acentuado de alunos nessas condições. Quanto aos motivos que levam à evasão e baixa frequência, a gestora apontou transporte escolar, acompanhamento familiar; e quanto aos professores, estes consideram problemas de saúde, falta de interesses dos alunos, contribuição negativa em relação aos pais (Fragmento de investigação – reflexão-ação de cursista do CEEPDS/UFMA).

Dentre os problemas apresentados no contexto da escola, ganhou des-taque a baixa frequência dos alunos. No depoimento a seguir, os motivos são evidenciados.

São alguns dos fatores que, ao longo do acompanhamento do Pro-grama Bolsa Família no âmbito educacional, foram relacionados como responsáveis pela baixa frequência: tratamento de doença e de atenção à saúde do aluno; negligência dos pais ou responsáveis; desinteresse/desmotivação pelos estudos; abandono escolar/desistência (Fragmento de investigação – reflexão-ação de cursista do CEEPDS/UFMA).

De acordo com a análise de mais um cursista, os problemas que mais acontecem na escola, relacionando-os à violação da declaração dos direitos humanos na escola, e os motivos que levam os alunos a ter baixa frequência ou a evadir a escola podem ser entendidos a partir da seguinte explicação:

O que mais se verifica no âmbito da escola pública, em geral, relacionado com a violação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), são comportamentos derivados de uma desmotivação intensa, provoca-da, em grande parte, pelo déficit de aprendizagem escolar. Isso se deve, em grande escala, à má qualidade do ensino público. Por exemplo, há alunos que saem de suas casas para irem à escola, mas preferem desviar o caminho e vão jogar futebol, para o que são bem mais motivados; há alunos que sofrem violência em casa e que são rejeitados também tanto em casa como na escola, o que lhes causa também grande desmo-tivação. Sendo assim, os projetos e conteúdos pedagógicos deveriam vislumbrar uma educação integral do aluno, mas isso não se observa. A compreensão do fracasso escolar envolve três dimensões: a motiva-ção, a aprendizagem e o comportamento. O que se vê nas escolas são abordagens isoladas acerca dessas dimensões. A escola acusa à família o problema de comportamento do aluno. Diz que ele não quer aprender;

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prefere jogar bola ou conversar com os amigos. O estudante pode es-tar com dificuldades de aprendizagem e por essa razão desmotiva-se e, como forma de autodefesa, parte para um comportamento antisso-cial. Por outro lado, mesmo havendo dificuldade de aprendizagem, há aquela desmotivação pelo tipo de vida que aquele aluno leva, ou seja, a existência de uma pobreza avassaladora. E isso leva também a um comportamento revoltante por parte do aluno. Por isso, a escola, e seus gestores, precisam compreender as necessidades do aluno a partir do referido tripé. E o que se verifica nas escolas públicas é um não aten-dimento a essas necessidades. Não há conteúdos e práticas escolares que motivam tais alunos, expandindo suas personalidades, fazendo-lhes desconhecer quem o são e o que podem ser e fazer. Sendo assim, o resultado será a baixa frequência e a evasão escolar (Fragmento de inves-tigação – reflexão-ação de cursista do CEEPDS/UFMA).

Diante de tais reflexões – e já com a proposta da pesquisa em proces-so de finalização –, entendemos que estudos mais aproximados deveriam acontecer junto às escolas e, mais especificamente, junto às crianças e ado-lescentes dos níveis de Ensino Fundamental e Médio, identificando suas for-mas de pensar, sentir e agir em relação a sua condição atual e ao seu futuro.

O amadurecimento da pesquisa no CEEPDS/UFMA: modos de vida das famílias e formas de pensar, sentir e agir das crianças e adolescentes

A pesquisa em destaque foi um desdobramento do projeto "Modos de Vida e Processos de Trabalho dos usuários do Programa Bolsa Família, no Maranhão", que tinha como objetivo analisar as formas contemporâneas de viver, pensar, sentir, agir e se expressar de usuários do Programa Bolsa Família no estado maranhense compreendendo os seus modos de vida e de trabalho, as contradições, as lutas e os desafios. Contemplado, na sua execução, com quatro bolsas PIBIC/UFMA/CNPq/FAPEMA4 e alinhado com o desenvolvimento da especialização, o projeto teve como objeto a identi-ficação e análise de diferentes maneiras de vida e trabalho das famílias de crianças e jovens em situação de pobreza inseridos no PBF, na perspecti-va de apreender as especificidades das formas de pensar, sentir, agir e se

4 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica/Universidade Federal do Ma-ranhão/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão.

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expressar desses sujeitos, considerando os diferentes processos de trabalho sob a lógica do capital, na particularidade do estado do Maranhão.

Como é destacado no PPP Nacional (BRASIL, 2014), uma das finalidades do Programa é induzir a articulação entre ensino, pesquisa e extensão, no contexto universitário, sobre a relação entre pobreza e desigualdade social e suas repercussões para a formação educacional de crianças e jovens em si-tuação de pobreza. Propunha-se a promover reflexões e discussões sobre as vivências dos sujeitos em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza, na perspectiva de fortalecer a política educacional e o sistema de proteção social, como parte das estratégias dos Ministérios da Educação (MEC) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

A partir dos quatro planos de trabalho desenvolvidos por alunos de gra-duação em Nutrição e Serviço Social da UFMA envolvendo adolescentes sob a condicionalidade da Educação, assim como famílias que têm crianças e adolescentes na escola, os resultados parciais indicaram importantes ques-tões que nos direcionaram para atividades específicas de extensão, a serem desenvolvidas pelos cursistas do CEEPDS com a participação de alunos de diferentes graduações, de universidades públicas e privadas. Descrevemos, a seguir, alguns resultados destas investigações.

No plano de trabalho intitulado "CONTRADIÇÕES, LUTAS E DESAFIOS que permeiam os modos de vida dos adolescentes, beneficiários do pro-grama Bolsa Família, estudantes de escola pública no Maranhão", a bolsista Oliveira (2015) destacou que cada uma das cidades pesquisadas apresen-tou especificidades e que, no entanto, elas evidenciam a eminente força do capital na feição do comércio, do turismo e do descaso com a educação pública. Assim, os resultados se mostraram diferenciados ao ratificar hete-rogêneas condições de adolescências existentes em um mesmo contexto de estado social: a pobreza. As percepções dos adolescentes sobre essa condição foram semelhantes: em média, 50% dos entrevistados disseram que ser pobre é não ter o que precisa, significa sofrimento e salário insufi-ciente para viver; contudo, mais de 90% veem, no estudo, um modo de agir, o único meio de superar a pobreza e a desigualdade social. Na forma de sentir desses sujeitos, percebe-se a seguinte contradição: nos lugares onde estão, não são vistos, sentem-se invisíveis. Na relação com a cidade em que residem, o cotidiano os exclui. Já na maneira de pensar, a luta é entendida através de representações associadas à coragem e ao desejo de mudança. As concepções sobre os desafios configuram um jeito de ver o dia a dia, em

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que notam as dificuldades enfrentadas e, de uma maneira bem particular, as demonstram. Assim, concluiu-se que, no Maranhão, não existe adolescên-cia, mas adolescências, com sujeitos ligados a um território especifico, com costumes e condições socioeconômicas diferentes, e que demandas de es-tudos precisam ser realizados para embasar políticas públicas direcionadas para a juventude e programas sociais que desconstruam o senso comum que estigmatiza o adolescente pobre.

O outro plano, voltado para as "FORMAS DE PENSAR E SENTIR dos adolescentes sob a condicionalidade da educação no Programa Bolsa Fa-mília", desenvolvido pela graduanda Pereira (2015), apontou para a relação estreita que os adolescentes fizeram entre o seu futuro e o significado da escola na sua vida. Muitos relataram que a escola representava o seu próprio futuro, pois estavam ali para "aprender", para "se formar" e "melhorar de vida". Assim, de acordo com as respostas, eles, em sua maioria, afirmaram ir para a escola com o objetivo de construir bases para a organização de uma vida diferente, para projetar aquilo que desejam ser e ter. Essas vontades conectam-se, majoritariamente, à ideia de alcançar a inserção em um curso de ensino superior e acumular recursos financeiros.

Os outros dois planos se voltaram para pesquisas com as famílias. O pla-no sobre "A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E DA VIDA PRIVADA das fa-mílias usuárias do Programa Bolsa Família, no Maranhão", desenvolvido pela bolsista Morais (2015), revelou que os modos de vida de diversas famílias usuárias do PBF são permeados por dificuldades em relação ao acesso ao emprego, à renda e a uma educação e saúde de qualidade. Foi possível per-ceber que todas elas almejam sair da linha da pobreza, ressaltando-se a luta das mães para que seus filhos entrem em uma "boa faculdade" e rompam com o ciclo da pobreza contínua entre as gerações. O Maranhão, apesar de estar em processo acelerado de desenvolvimento econômico, ainda está en-tre os estados mais pobres do Brasil, com reduzidos investimentos governa-mentais na área da Educação e sem o alcance de universidades públicas em todos os municípios, quer seja nas modalidades presenciais, semipresenciais ou a distância. Além de ações na perspectiva de solucionar esses problemas, as famílias apontaram a urgência de combater a corrupção e o estimular a efetivação de políticas de emprego e de renda que, em conjunto com o PBF, contribuam para que os beneficiários possam, realmente, sair da linha da pobreza. Quanto à erradicação da pobreza nesses municípios, segundo as famílias, é algo que só pode ser alcançado pelo comprometimento, tanto

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por parte do governo quanto pela sociedade em enfrentar a grande desi-gualdade na distribuição do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios. Sem essas mudanças, a maioria das famílias não quer/não pode deixar de receber o benefício, pois o dinheiro, na maioria das vezes, já está destinado a algo, e essas pessoas sabem que conseguir um emprego é incerto, já que não só não há oferta suficiente, como também não têm "estudo" para todos, como relataram os entrevistados.

No plano "TEMPOS DE TRABALHO, DESCANSO E LAZER no cotidia-no das famílias usuárias do Programa Bolsa Família", a aluna de graduação Pinho (2015), a partir de recorte específico, buscou uma aproximação dos estudos teóricos ao contexto social em que vivem as famílias empobrecidas, bem como aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social. A pesquisadora percebeu, no discurso dos usuários do PBF, que o lazer está condicionado à apropriação mercantil do tempo livre por parte do capital; para a maioria, o lazer está condicionado ao consumo, enquanto o descanso, às vezes, torna-se inexistente devido às responsabilidades do trabalho, da casa e dos filhos. Destacou-se, ainda, que outra questão polêmica se refere a estereótipos, impregnados de senso comum, que afirmam que as famílias "se acomodam" e "deixam de trabalhar por causa do Bolsa Família". No que tange ao perfil das famílias beneficiadas pelo Programa, os resultados obtidos mostraram exatamente o contrário dessa visão de mundo estigma-tizada que boa parte da população comunga ser a verdadeira. Constatou-se, segundo declaração das próprias famílias, que só a renda do Bolsa Família não é suficiente para manter as despesas de casa, sendo o trabalho uma ati-vidade necessária para garantir o sustento familiar e arcar com os custos de alimentação, material escolar, medicamentos, entre outros. Nesse sentido cabe pontuar, aqui, que este benefício é apenas um aparato social perso-nificado em renda complementar que serve, por um determinado período de tempo, como auxílio para as famílias que não têm renda fixa e vivem em condições precárias de sobrevivência. Dessa forma, observa-se que, por ne-cessidade de subsistência e por falta de oportunidades dignas e igualitárias que visem o bem-estar de todos (e não apenas de uma pequena parcela da população), os indivíduos desprovidos e alocados como exército de reserva nesse mercado altamente competitivo e excludente, submetem-se a condi-ções precárias e alienantes de trabalho que, muitas vezes, provocam até mes-mo o adoecimento. Por sua vez, essas condições inconstantes de trabalho também lhes roubam o tempo de descanso, essencial para reestruturação

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das forças físicas e psicológicas destes trabalhadores que, algumas vezes, atuam como se fossem seres humanos de ferro.

Além desses estudos, desenvolvidos no Módulo I, os cursistas, a partir de um roteiro estabelecido, realizaram entrevistas com famílias que tinham alunos em escolas públicas. Os resultados caminham na mesma direção dos resultados da pesquisa parcial sobre os modos de vida e processos de traba-lho das famílias usuárias do Programa Bolsa Família. A maioria dos homens e mulheres dessas famílias, que chegam a ter até 15 filhos, apesar de demons-trarem maior preocupação com a frequência escolar dos filhos do que com o aprendizado, desejam que eles tenham um futuro diferente, principalmente quanto às condições de trabalho. As famílias sentem dificuldades em man-ter a disciplina sobre os adolescentes, que faltam ou largam a escola por motivos diversos (desde acompanhar os pais no trabalho, não ter realizado as tarefas escolares, gravidez, envolvimento com drogas, necessidade de trabalhar, dentre outros). Quanto aos adolescentes que estão frequentando a escola, estes se sentem inseguros quanto ao futuro.

Ao socializar os resultados das entrevistas nos 16 polos/municípios do Curso, identificamos que, apesar das particularidades de cada família nos diferentes municípios, todas trabalham em atividades informais para garantir o seu sustento, ressaltando-se a importância do benefício do Bolsa Família como renda "certa", que possibilita a ida e a permanência dos filhos na esco-la. Os dois depoimentos a seguir, oriundos de famílias diferentes e colhidos nas pesquisas dos cursistas, ilustram esta lógica.

É a principal renda, pois o dinheiro da bolsa família é maior do que meu marido ganha na roça. Às vezes, quando aparece, ele faz uma diária para outras pessoas, pagam R$ 35,00. Eu compro mercearia (alimentação, produtos de limpeza e higiene), roupas e calçados para meus filhos, para mim mesmo, só quando dar. Também compro remédios (Fragmento de Entrevista – famílias com alunos beneficiários do PBF).

Eles comem de tudo, se der pedra, eles comem, mas, aqui, a gente come muita caça (tatu, cutia e outros). Eles têm feijão e arroz todo dia, e na escola tem um lanche, de vez em quando, mas tem (Fragmento de Entre-vista – famílias com alunos beneficiários do PBF).

Quando discutimos, coletivamente, as socializações das entrevistas nos municípios, constatamos um grande diferencial da atual geração com a geração de seus pais/responsáveis: se estes, em sua maioria, são analfa-betos, as crianças e jovens já não o são e, apesar da insegurança (pessoal e

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intelectual), sonham com um futuro diferente (montar um negócio, ter um emprego formal, fazer uma faculdade). Os pais entrevistados também so-nham com um futuro melhor.

O que eu quero para meus filhos quando crescer, eu quero que eles se formem, sejam pessoas boas, não precisa ser nenhum doutor, só não quero que roubem, que virem assassinos, pois o mundo tá cheio disso, eles precisam ser pessoas boas, porque eu crio eles sozinha, e todo dia, falo: meus filhos estudem, sejam homens direitos e moça de família, e eu também quero que eles cuidem de mim quando eu tiver velha, porque estou aqui cuidando deles agora mas, na frente, eu que vou precisar ser cuidada por eles (Fragmento de Entrevista – famílias com alunos benefi-ciários do PBF).

No Brasil, de um total de 6.574.789 de habitantes,5 no ano de 2014, 973.526 famílias receberam o benefício do Programa no Maranhão (BRASIL, 2015). Conforme levantamento realizado por Pereira (2015), o Relatório de In-formações Sociais Bolsa Família e Cadastro Único aponta que, no Maranhão,

[...] 950.350 beneficiários do PBF, entre a faixa etária de 6 a 15 anos, foram acompanhados na condicionalidade da educação no estado [...] 17.678 tiveram frequência escolar abaixo da exigida, e 127.228 não possuem informações acerca da sua frequência escolar [...] dos adolescentes de 16 e 17 anos, 62.214 alunos acompanhados, dos quais 7.431 tiveram frequência escolar abaixo do número exigido, que é de 75%. O total de beneficiários sem informação sobre sua frequência escolar, entre os alunos de 16 e 17 anos, segundo os últimos dados colhidos, é de 35.137 (BRASIL, 2015).

Conforme destaca a pesquisadora, o número de alunos com frequência escolar abaixo de 85% e 75% – índice número estipulado como mínimo para estes adolescentes –, é pouco significativo no estado do Maranhão. É o que demonstram os gráficos a seguir.

5 Informações retiradas do último Censo do IBGE, da guia IBGE – Estados, disponíveis no seguinte endereço: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?lang=&sigla=ma.

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Gráfico 1 – Resultado do acompanhamento na condicionalidade da educação no PBF no Maranhão (Alunos de 6 a 15 anos)

Fonte: MDS (BRASIL, mar. 2015).

Gráfico 2 – Resultado do acompanhamento na condicionalidade da educação no PBF no Maranhão (alunos de 16 e 17 anos)

Fonte: MDS (BRASIL, mar. 2015).

A pesquisa de Pereira (2015) buscou analisar, junto aos adolescentes, qual "[...] o sentido desta condicionalidade dentro do PBF e em como este sucesso, traduzido em forma de números, repercute na forma como estes adolescentes encaram o significado de sua ida à escola". A pesquisadora utilizou o pensamento de Bourdieu (2007) para fazer referência ao sistema de ensino que

[...] por vezes, não leva em consideração as diferenças relacionadas à origem social de cada aluno. O ensino formal, ao priorizar determina-dos conteúdos – já familiares para aqueles que detêm o capital cultural

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legitimado6 – estaria reforçando as desigualdades sociais, econômicas e culturais já existentes e não o contrário. Este sistema de ensino, portanto, funcionaria de forma estruturada e estruturante, (re)produzindo certos conhecimentos tidos de maior importância. Nesse sentido, a ascensão social e a superação da condição de pobreza (descolada da sua perspec-tiva unilateral, aquela baseada exclusivamente na renda familiar) desses indivíduos dificilmente se realizariam com o aumento da frequência es-colar (PIRES, 2013, p. xx).

As conclusões de Pereira (2015) ressaltam que os alunos, inseridos nessa rede de informações, assimilam ideias e concepções que contribuem para sua forma de pensar, sentir e perceber o mundo ao seu redor. Segundo a autora, as formas de pensar e sentir do ser humano colaboram para a construção e organização de seu caráter social e histórico, contribuindo igualmente para a edificação de sua consciência, seus modos de vida e seus processos de trabalho em determinada sociedade e época. Nessa perspectiva, de acordo com Gonçalves (1994, p. 13), "[...] o homem vive em um determinado contex-to social com o qual interage de forma dinâmica, pois, ao mesmo tempo em que atua na realidade, modificando-a, esta atua sobre ele, influenciando e, até podemos dizer, direcionando suas formas de pensar, sentir e agir".

Como destaca o PPP do Curso (EPDS, 2014), em 2010, 96,7% das crianças e adolescentes entre seis e 14 anos – faixa etária correspondente ao Ensino Fundamental – frequentaram a escola naquele ano, representando um nú-mero aproximado de 28,2 milhões de estudantes. Embora 3,3% de meninas e meninos ainda esteja fora da escola, é inegável o significativo avanço em termos de acesso à educação.

Tal progresso foi possível com a implementação de políticas educacio-nais e políticas sociais articuladas à educação, a exemplo do Programa Bolsa Família, com o sistema de condicionalidades à Educação e à Saúde.7 Sobre

6 O capital cultural, de acordo com Bourdieu (2007), relaciona-se diretamente ao acú-mulo de saberes adquiridos ao longo da vida, alguns legitimados perante a sociedade e outros não. É o habitus de cada indivíduo, ou seja, sua herança cultural, materializa-da em suas crenças, práticas, posturas, gostos etc. Ademais, o capital cultural pode apresentar-se de forma objetivada (refletindo-se em títulos, diplomas, obras de artes etc.) ou não. Para o aprofundamento desta discussão, recomenda-se a leitura do livro A Economia das Trocas Simbólicas, de Pierre Bourdieu, especialmente do capítulo "Re-produção Cultural e Reprodução Social".

7 Para o recebimento do benefício do Programa Bolsa Família, os sujeitos participantes se comprometem a cumprir algumas condições, cujo objetivo é responsabilizar as famílias pelo compromisso assumido e o poder público pela oferta dos serviços. Na área da Saúde,

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esse aspecto, o resultado de nossas pesquisas apontam que as "[...] condi-cionalidades são assim propostas como estratégia visando o rompimento do ciclo de transmissão intergeracional da pobreza no longo prazo. A justi-ficativa para a existência da condicionalidade de educação, nesses termos, funciona devido à estreita relação entre rendimentos e escolaridade" (OLI-VEIRA, 2015, p. 2).8 Essa estreita relação traz novos desafios à escola e às famílias.

Os resultados das primeiras entrevistas realizadas pelos cursistas do CE-EPDS/UFMA com as famílias que tem filhos sob a condicionalidade da edu-cação, há uma maior preocupação com a frequência/recebimento do bene-fício do que com o conhecimento adquirido na escola. Estudos qualitativos realizados por Brandão et al. (2013) nas cinco regiões do Brasil chegaram as mesmas conclusões.

A pesquisa desenvolvida nessa primeira etapa, acompanhando os três primeiros módulos do CEEPDS/UFMA, contribuiu tanto para que os pesqui-sadores quanto para que os participantes revissem sua forma de olhar para a questão da pobreza e da educação no Maranhão, pois durante as conver-sas e entrevistas com moradores de diversos municípios foi perceptível "a vontade de fazer a diferença" para mudar a realidade, que foi despertada, neles, pelos pesquisadores. O trabalho também proporcionou aprendizado acerca da realidade enfrentada pelos usuários do PBF e, além desses resulta-dos, trouxe uma demanda para aprofundar os estudos com as crianças e os adolescentes das escolas públicas, considerando os processos pedagógicos desses espaços e sem perder de vista as diretrizes definidas para a pesquisa específica que contemplasse a relação entre educação, pobreza e desigual-dade social.

as crianças menores de sete anos devem estar com o calendário de vacinação e com o acompanhamento do seu crescimento e desenvolvimento em dia; mulheres grávidas en-tre 14 e 44 anos devem fazer acompanhamento pré-natal. Na área da Educação, crianças e adolescentes entre seis e 15 anos devem ter frequência escolar mensal de 85%, e jovens entre 16 e 17 anos devem ter frequência de 75%. Na área da assistência social, crianças e adolescentes de até 15 anos em risco ou retirados do trabalho infantil devem participar de serviços socioeducativos com frequência mensal de 85%. Com informações do MDS, disponíveis no seguinte endereço: http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2018/janeiro/beneficiarios-do-bolsa-familia-devem-informar-mudanca-de-escola-dos-filhos.

8 A íntegra do referido trabalho está disponível no seguinte endereço: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo4/a-condicionalidade-de-educacao-do--programa-bolsa-familia-um-dialogo-sobre-limites-e-possibilidades.pdf.

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A articulação entre ensino, pesquisa e extensão

A pesquisa no CEEPDS/UFMA se desenvolveu em duas vertentes: a pri-meira, sob a responsabilidade de duas pesquisadoras (das áreas da Assis-tência Social e da Pedagogia), focou na coleta de dados junto às secretarias municipais de educação, escolas e gestores; a segunda contou com a pes-quisa de todos os cursistas que foram direcionados a investigar as formas de pensar, sentir e agir de crianças e adolescentes de escolas públicas do Maranhão, sob a condicionalidade da Educação. Assim, o maior desafio posto para a equipe de pesquisadores do CEEPDS/UFMA se constituiu em articular os resultados obtidos na investigação junto aos gestores com as falas e ações das crianças e adolescentes nas escolas públicas do Maranhão. O propósito do estudo, para além de realizar reflexões teóricas acerca dos contextos escolares e sociais empobrecidos, buscou sinalizar perspectivas de enfrentamento e alteração das circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza para essas crianças e adolescentes. Dessa forma, buscamos con-tribuir para a reeducação e radicalização do olhar também das instituições formadoras de profissionais sobre as crianças, adolescentes e jovens em situação de pobreza e de pobreza extrema;

De natureza qualitativa e apoiada em dados quantitativos, a pesquisa incorporou as investigações dos cursistas da especialização nas 21 micror-regiões do estado do Maranhão. A pesquisa se atrelou à extensão, com o desenvolvimento de oficinas com foco nos sonhos e na educação financeira dos sujeitos, contando com a participação de alunos da graduação.

Pensadas como espaços de vivências, estas oficinas levaram os cursistas a experimentarem, junto com crianças ou adolescentes, a expressão de seus modos de pensar, sentir e agir diante de propostas pedagógicas que foca-ram sobre seus desejos e suas perspectivas de realização. Além dessa base prática da pesquisa, todos os cursistas contribuíram para a elaboração de um mapeamento da situação de pobreza e da desigualdade social em seus municípios, realizando entrevistas com as famílias e levantando os principais problemas das escolas. Os aspectos e procedimentos metodológicos para a apreensão dessa realidade foram definidos ao longo dos módulos do Curso até culminar na delimitação de seus temas de pesquisa, etapa que se deu antes do início do processo de orientação dos TCCs.

Os cursistas pesquisaram, ainda, o perfil do alunado e dados relacio-nados à escola e aos fatores estruturantes dos municípios aos quais se vinculam quanto aos seguintes aspectos: a composição histórico-cultural e

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suas peculiaridades; a situação geofísica e ambiental; os ciclos econômicos e as formas de geração de renda; a questão da segurança alimentar nos municípios; e o contexto político e suas implicações inscritas na dinâmica da marcha histórica da população do município. A partir de um dos planos de trabalho especificados, cada cursista desenvolveu seu subprojeto de pesquisa, delimitando o tema de acordo com o seu interesse/sua área de atuação, considerando os aspectos e as questões elencadas neste projeto. Outras atividades também contribuíram para esse processo e constituíram fonte de dados para os pesquisadores do CEEPDS. Tivemos a criação do memorial – texto que o cursista elaborava ao final de cada módulo, a partir das reflexões estabelecidas e das atividades realizadas, com suas impres-sões sobre a experiência vivenciada no processo formativo, destacando, as dificuldades, as dúvidas, os desafios, avanços, momentos difíceis etc., e no qual podia registrar seus sentimentos, as reflexões estabelecidas, as histó-rias vividas, bem como os avanços, descobertas e inquietações observadas ao longo do caminho –, além de elementos de pesquisa bibliográfica (como fichamentos de leituras dos módulos e de outras obras da revisão de litera-tura relacionadas ao tema de sua pesquisa), de pesquisa de campo (observa-ções de sua prática nas oficinas, resultados de entrevistas, estudos de casos, reflexões etc.) e demais elementos que contribuíram para sua formação no Curso, vislumbrando a formulação e o desenvolvimento de seu projeto de pesquisa ao longo dos módulos, base para a elaboração do TCC.

Assim, a partir das diretrizes da pesquisa, os cursistas deram início às pesquisas no Módulo III, buscando desenvolver seus planos de trabalho em-basados em uma das temáticas propostas, articulando-os com a realidade regional. Quanto ao percurso metodológico, a realização de cada subpro-jeto seguiu as orientações definidas nas diretrizes nacionais (BRASIL, 2015), mediados pela combinação de métodos e dados qualitativos e quantitati-vos – o que alguns autores denominam triangulação entre métodos (FLICK, 2009) ou multimétodos com foco (GUBA; LINCON, 1994).

A base da pesquisa dos cursistas foi construída por ocasião da I Ação de Ensino/Pesquisa/Extensão – CEEPDS/UFMA, com o tema "de Santo Amaro Para Santo Amaro: uma experiência-piloto/GPETISS", que teve como objeti-vo principal realizar a primeira etapa da pesquisa na dinâmica de atividades extensionistas, possibilitando que dez cursistas e quatro alunos de gradua-ção, envolvidos na pesquisa, tivessem acesso à realidade de um município pobre, mas cheio de potencialidades.

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(A) (B)

Figura 1 – (A) Casa de Taipa e (B) Dunas - Lençóis Maranhenses

Fonte: Autora, pesquisa de campo.

Dados do Censo Educacional 2012 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)9 informam que Santo Amaro do Maranhão possui 14 docentes, 49 escolas e 639 alunos no nível pré-escolar de ensino; no Fundamental, são 206 professores, 51 escolas e 2.968 alunos; no Ensino Médio, o município possui apenas uma escola, com 40 professores e 270 alunos.

As dez oficinas foram realizadas no Centro de Ensino Manoel Dias de Sousa nos períodos da manhã e da tarde. Na ocasião realizou-se, ainda, uma avaliação nutricional dos alunos, com a parceria do curso de Nutrição da UFMA ao mesmo tempo em que o Serviço Social da Indústria (Sesi) ministra-va um curso para mulheres beneficiárias do PBF e que estava ocorrendo pela primeira vez no município.

Figura 2 – Fachada do Centro de Ensino Manoel Dias de Sousa, em Santo Amaro do MaranhãoFonte: Autora, pesquisa de campo.

9 Informações retiradas do último Censo do IBGE, da guia IBGE – Cidades, disponíveis no seguinte endereço eletrônico: http://cod.ibge.gov.br/1FHF.

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 117

(A) (B)

Figura 3 – (A) e (B) Registro do dia de atividades

Fonte: Autora, pesquisa de campo.

Durante as atividades os cursistas tiveram a oportunidade de investigar os modos de vida das crianças e adolescentes em relação à moradia, formas de trabalho, acesso à escola, dentre outros aspectos. Os estudantes relata-ram que seus pais trabalhavam como pedreiros ou em comércios, restauran-tes e pousadas de Santo Amaro do Maranhão. Em relação ao futuro, uma menina e um menino afirmaram que gostariam de ser professores. Outro ga-roto disse querer trabalhar na Marinha do Brasil e outro almejava ser policial. Quando questionados sobre onde gostariam de exercer essas profissões, a maioria respondeu: "Aqui!".

Figura 4 – Oficina de pintura

Fonte: Autora, pesquisa de campo.

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Figura 5 – Pintura livre

Fonte: Autora, pesquisa de campo.

Ao incentivar as potencialidades educativas, econômico-produtivas, so-cioculturais e estético-expressivas dos jovens santamarenses na perspectiva do turismo sustentável, foi possível operar com os questionários e entrevistas sobre os seus modos de vida e processos pedagógicos diante da realidade de pobreza à qual estavam submetidos. Os resultados dessa experiência piloto subsidiaram o processo investigativo dos cursistas a partir do Módulo III do CEEPDS/UFMA.

As ações de pesquisa e de extensão em Santo Amaro possibilitaram o desenvolvimento de atividades na perspectiva de uma maior aproximação dos cursistas e alunos de graduação com a realidade do município e com os modos de vida de crianças e adolescentes locais, além de proporcionarem competências para sua formação cidadã e pessoal. Para os cursistas CEE-PDS, foi uma oportunidade para materializar o que vinham estudando nos conteúdos, desenvolvendo suas atividades de pesquisa no movimento de reflexão-ação-reflexão, envolvendo-os com práticas político-pedagógicas que lhes permitiram apreender formas de pensar, sentir e agir de crianças e adolescentes quando se pensa no futuro pessoal e profissional.

As ações de pesquisa e extensão com crianças enfatizaram a temática "Sonhos e Educação Financeira", com a realização de cursos e eventos de formação explorando aspectos indicados por cada cursista na realidade das escolas, a partir de suas pesquisas nos módulos anteriores. Tais práticas se voltaram para a compreensão, análise e intervenção sobre os modos de vida de crianças e adolescentes de seis a 17 anos, com frequência escolar

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 119

acompanhada no âmbito do PBF na Educação; as atividades foram desen-volvidas em todos os municípios do Maranhão onde nossos cursistas mora-vam ou trabalhavam, em escolas públicas estaduais e municipais.

O desenvolvimento de habilidades de apreensão crítica e criativa da re-alidade empírica e conceitual das formas de pensar, sentir e agir do público de crianças e adolescentes envolvido no projeto se deu através das ativida-des de formação-pesquisa-ação nas escolas onde os cursistas trabalhavam ou se vinculavam como pesquisadores.

Neste sentido, a ação de articulação do tríplice universo do curso nos convocou, também, para que pensássemos acerca da apreensão de novas expressões de saberes. Com o olhar subjetivo em direção à integração das potencialidades do território, buscamos fomentar ações inovadoras, com práticas que apontassem alternativas e produzissem novas realidades, ali-cerçadas na sua identidade, que contribuíssem para a qualidade de vida dos alunos das escolas públicas, estimulando suas competências e habilidades na perspectiva do crescimento e de seu desenvolvimento integral (corporal, mental e social).

Para tanto, foi na compreensão das necessidades essenciais e na sedi-mentação do sentimento de pertencimento territorial que se tornou possível consolidar a caminhada dos cursistas do CEEPDS nos percurso de pesquisa diante das múltiplas linguagens presentes na escola, as quais suscitaram múltiplos olhares e múltiplos fazeres. Dessa forma, foram colocadas em mo-vimento todas as forças para que

[...] os cursistas do CEEPDS desenvolvessem ou se envolvessem com iniciativas voltadas para o combate à pobreza e à desigualdade social. As atividades de pesquisa ao longo dos módulos e as oficinas nas escolas se expressam como prática daquilo que se constitui como reflexão teórica a partir da realidade em um processo que se retroalimenta em todas as suas fases: realidade – realidade refletida – ação sobre a realidade – rea-lidade transformada (PPP, 2015, p. 2).

Ações educativas devem caminhar juntas para que as reflexões se ex-pressem nas mudanças. Entendemos, portanto, que as pesquisas devem estabelecer relações de parceria nos locais, buscando fortalecer as comuni-dades e refletindo, de forma mais aprofundada, sobre o alcance de políticas sociais – sobretudo pensando se estas políticas constituem alternativas con-cretas para a população, tendo em vista o desenvolvimento dos municípios. Ao mergulhar em sua própria realidade, os pesquisadores devem extrair e

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problematizar o conhecido, dar visibilidade ao desconhecido para poder compreendê-lo e influenciar a trajetória dos destinos de seu locus. Dessa forma, levamos os cursistas a se sentirem aptos para construir e propor ações relativas à educação, voltadas a sua realidade, agregando a comunidade como forma de potencializar o caráter sustentável do município. No relatório de pesquisa uma das cursistas é possível depreender esta significação:

O objetivo das oficinas é identificar, inicialmente, os modos de vida e o perfil social dos estudantes, bem como nos aproximarmos da realidade escolar, entendendo a instituição como elemento fundamental na forma-ção dos alunos e capaz de influenciar na dinâmica socioambiental, e apta a contribuir com o desenvolvimento de determinada localidade (VIEIRA, 2016, p. 6).

Recortes das pesquisas dos cursistas

Nos TCCs dos 258 cursistas do CEEPDS encontramos dados oriundos da realidade de cerca de 100 municípios e 70 escolas, cujos objetos de pes-quisa se relacionaram com a realidade de crianças e adolescentes pobres. A riqueza dos dados nos TCCs, embora com diferenciações em relação à pers-pectiva teórica adotada e ao percurso metodológico escolhido, possibilitam um amplo conhecimento das questões apontadas nas diretrizes nacionais, incluindo aspectos relevantes acerca do município, da gestão e do cotidiano dos alunos em uma sala de aula. Por isso mesmo optamos por apresentar três desses resultados sem um tratamento compilatório, uma vez que teremos a publicação dos referidos trabalhos em nossos Cadernos CEEPDS/UFMA.

Alfabetização no Ensino Fundamental em uma escola municipal em Açailândia-MA. Por Raimunda Leila Martins de Sousa, sob a orientação de Thaísa Bueno

Para conhecer melhor as aprendizagens das crianças e as capacidades a serem desenvolvidas no 1o ano do Ensino Fundamental foram realizadas, neste trabalho, atividades em sala de aula a partir das temáticas exploradas nas três oficinas do Curso de Extensão da UFMA. A primeira oficina aconte-ceu no dia 8 de julho de 2016, no turno matutino, com a temática "Os sonhos e as formas de pensar, sentir e agir das crianças sob a condicionalidade da educação", com o propósito de ouvir e motivar as crianças a imaginarem e

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 121

expressarem verbalmente seus sonhos. As segunda e terceira oficinas ocor-reram no dia 18 de agosto de 2016, também no turno matutino, abordando as temáticas: "A qualidade de vida e o consumo inteligente" e "Construindo riquezas: a minha e a do outro", possibilitando aos alunos, durante as rodas de conversas, reflexões sobre a função do dinheiro, a compra, a troca, bem como o meu valor e o valor do outro. Foram momentos oportunos para dis-cussões, intervenções, questionamentos e aprendizagens junto às crianças.

Figura 6 – Registros das oficinas realizadas na Escola

Fonte: Melo (2016).

No decorrer das oficinas observou-se a participação e o envolvimento dos estudantes com as atividades, tornando possível analisar os saberes e conhecimentos das crianças no que tange aos níveis de escrita, de apropria-ção do sistema de leitura e de compreensão textual, de forma interdiscipli-nar, envolvendo operações matemáticas.

No Quadro 1, a seguir, são apresentados os níveis de aprendizagem dos 31 alunos do 1o ano "B" (turno matutino, 2016) da escola em estudo. Para a pesquisa foram eleitos oito critérios de análise, quais sejam:

1. capacidade de ler palavras ou textos de gêneros e temáticas variadas;2. capacidade de escrever palavras em diferentes estruturas silábicas, aten-

to para algumas convenções ortográficas;3. capacidade de compreender textos orais de gênero, temáticas e voca-

bulários familiares;4. capacidade de produzir pequeno texto, argumentando e compreenden-

do a sua função social;

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5. conhecer a hipótese de escrita em que os alunos se encontram: Pré-Si-lábica (PS); Silábica Sem Valor Sonoro (SSVS); Silábica Com Valor Sonoro (SCVS); Silábica Alfabética (Salfa) e/ou Alfabética (Alfa);

6. capacidade de compreender a função social dos números, bem como a noção de espaços e de medidas de comprimento utilizando vocabulário pertinente nos jogos, nas brincadeiras e nas diversas situações nas quais ela se faz necessária;

7. resolver situações problema que envolvem as noções de adição, subtra-ção, multiplicação e divisão;

8. capacidade de compreender a função social do dinheiro.

Pretendeu-se, com a análise desses indicativos, fazer uma reflexão e, sobretudo, contribuir para a construção de novos caminhos à prática de al-fabetização. O estudo não quis ser uma crítica à prática existente, mas sim se apresentar como uma colaboração na busca de melhorias para o processo educacional das crianças.

Mediante a análise dos dados da pesquisa, os resultados apontaram ren-dimentos bastante satisfatórios nas três capacidades exploradas envolvendo matemática, alfabetização e letramento. Observa-se que o critério 1, sobre a leitura de palavras, e o critério 5, que diz respeito às hipóteses de escrita, assinalaram rendimentos bastante significativos tendo como base o ano de escolaridade e as capacidades desenvolvidas.

Ao findar as leituras dos referenciais examinados – e, mais que isso, ao cruzá-los com dados de pesquisas nacionais e, depois, com as informações levantadas neste estudo –, pode-se dizer que a alfabetização, cujo conceito é tão complexo e envolve diferentes concepções, tem se mostrado, efeti-vamente, um processo permanente e, substancialmente, coletivo. Os bons índices de aprendizagem encontrados no 1o ano do Ensino Fundamental da escola municipal analisada em Açailândia são o resultado concreto disso: uma soma de ações e esforços que envolvem a escola como instituição, a professora como a figura central na condução do processo, o aluno no seu esforço individual de querer aprender e os pais, familiares e/ou responsáveis, engajados na busca de uma formação mais completa para suas filhas e filhos.

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 123

Quadro 1 – Resultados das oficinas

No CONHECIMENTOS/CAPACIDADES %

01 Capacidade de ler palavras ou textos de gêneros e temáti-cas variadas

85% Sim12% Parcial3% Não

02 Capacidade de escrever palavras em diferentes estruturas silábicas, atento para algumas convenções ortográficas

78% Sim13% Parcial9% Não

03 Capacidade de compreender textos orais de gênero, temá-ticas e vocabulários familiares

75% Sim16% Parcial9% Não

04 Capacidade de produzir pequeno texto, argumentando e compreendendo a sua função social

55% Sim32% Parcial13% Não

05

Conhecer a hipótese de escrita em que os alunos/as se encontram: Pré-Silábica (PS); Silábica Sem Valor Sonoro (SSVS); Silábica Com Valor Sonoro (SCVS); Silábica Alfabéti-ca (Salfa) e/ou Alfabética (Alfa)

85% Alfa6% Salfa6% SCVS3% PS

06

Capacidade de compreender a função social dos números, bem como a noção de espaços e de medidas de compri-mento utilizando vocabulário pertinente nos jogos, nas brincadeiras e nas diversas situações nas quais ela se faz necessária

91% Sim6% Parcial3% Não

07 Resolver situações problema que envolvem as noções de adição, subtração, multiplicação e divisão

85% Sim9% Parcial6% Não

08 Capacidade de compreender a função social do dinheiro97% Sim0% Parcial3% Não

Fonte: a autora (2016).

Muito se fala e se divulga na imprensa sobre as péssimas condições da educação básica pública no país, mais ainda sobre os baixos rendimentos e índices alcançados no Maranhão, sempre na ponta das piores condições de desenvolvimento dentre os estados do Brasil. Longe de ignorar essa re-alidade, esse estudo apenas pondera que é possível mudar, em parte, essa realidade quando há o engajamento de seus atores. Em outras palavras, essa pesquisa mostra que é possível pensar numa educação com bons resultados de aprendizagens mesmo diante desse cenário. Certamente, reconhecemos a necessidade de melhorias e incentivos em vários aspectos, mas ao ana-lisar esta escola em particular, percebeu-se que boa parte deles foge da

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competência dos professores e equipe e diz respeito muito mais a políticas públicas de investimento. No âmbito de uma Educação mais colaborativa, a pesquisa permite afirmar que o campo da alfabetização na perspectiva do letramento envolve as múltiplas linguagens.

Não se trata de um conhecimento meramente instrumental, mas da construção de conhecimentos de forma permanente. Nesse sentido, o estu-do levantou questões sobre organização pedagógica da escola, aprendiza-gem das crianças, práticas de ensino e formação continuada de professores, entre outros condicionantes que envolvem toda a dinâmica do trabalho de alfabetizar. Por fim, a pesquisa se apresenta como um primeiro olhar sobre essa realidade, com a esperança voltada para uma educação mais inclusiva e coletiva, articulada a sua função social, envolvendo ações de planejamento, dimensões do currículo, acompanhamento e monitoramento das aprendiza-gens, pois a partir dessa visão todos contribuirão na perspectiva de alcançar bons resultados de aprendizagens para a transformação da realidade no processo de cuidar e educar as crianças.

A contribuição da escola para o futuro social, cultural e econômico na visão dos discentes da escola municipal de São Bernardo. Por Jaciene Machado, sob a orientação de Ana Catarina Alves Coutinho

O interesse pelo tema se deu a partir da primeira oficina, denomina-da "Sonhos de Criança" e fomentada durante o Módulo III do CEEPDS. Foi nesse contato com os alunos que surgiu a vontade de saber como a es-cola pode contribuir para o futuro social, cultural e econômico dos alunos da maior escola pública municipal de São Bernardo-MA, uma vez que é no Ensino Fundamental que as crianças estão construindo sua bagagem cida-dã, conhecendo o novo e formando suas opiniões. Estão na faixa etária do aprendizado, da formação de pensamentos e de descobrimento enquanto indivíduos participantes do meio social. Busca-se compreender como os alunos entendem e veem a escola enquanto instituição que contribui para a construção do futuro deles como cidadãos ativos na sociedade. Além disso, considera-se importante a realização de pesquisas deste cunho por reforça-rem a contribuição da escola enquanto formadora de indivíduos e opiniões.

Em relação à metodologia adotada, a pesquisa tem abordagem qualitati-va, de cunho descritivo-exploratório. Para a coleta de dados foram utilizadas duas etapas: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Na primeira etapa, foram mobilizados autores como Arroyo (2015), Pinzani (2015), Rego

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 125

(2015), Mendonça (2015), Leite (2015), entre outros, pelo embasamento teó-rico fornecido à pesquisa e pelo longo período de leitura durante o Curso. A pesquisa bibliográfica "[...] consiste no exame desse manancial, para le-vantamento e análise do que já se produziu sobre determinado assunto que assumimos como tema de pesquisa científica" (RUIZ, 2011, p. 58), conforme realizado neste trabalho. Na segunda parte, deu-se a pesquisa de campo, a partir da qual se fez contato com o local e com os indivíduos pesquisados, com observações sobre como funciona a dinâmica do ambiente escolar e com acesso à opinião dos discentes. As observações seguiram um roteiro pré-elaborado, detalhado a seguir. Por outro lado, foram feitas anotações pessoais de forma aleatória, conforme o acontecimento dos fatos. Além das observações e anotações pessoais aplicou-se, com os alunos, uma atividade que pertencia à oficina que fez parte do programa da especialização. Nessa oficina foram coletados dados sob a forma de fotos, produções de textos, desenhos e entrevistas informais. Para a interpretação dos dados reunidos nesta coleta foi utilizado o método de análise de conteúdo, de acordo com o que prevê Bardin (2009). Neste caso, a análise não reside apenas no texto escrito, mas também nas falas, no conhecimento implícito à comunicação humana.

Foram obedecidas, assim, três etapas: 1) a de pré-análise – que objetiva uma leitura flutuante do material coletado, transcrevendo-o; 2) a de explo-ração do material – em que o material coletado foi selecionado consideran-do o objetivo da pesquisa, realizando-se uma organização sob a forma de quadros, tabelas etc., que facilite a interpretação; e 3) a de tratamento dos dados – de interpretação das informações, fazendo descobertas e buscando responder as questões da pesquisa.

A pesquisa foi realizada com 28 alunos, com idades entre 10 e 14 anos, sendo 19 do sexo masculino e nove do sexo feminino, todos da turma do 6o ano D de uma escola do município de São Bernardo-MA, no turno matutino. No geral, a investigação deu-se sob a forma de observação do ambiente escolar, dos alunos e das atividades respondidas nas oficinas aplicadas com os discentes. A escola localiza-se centrada em área comercial e funciona nos três períodos do dia, e sua escolha decorreu do fato de ser a maior institui-ção de Ensino Fundamental II (do 6o ao 9o ano) do município, além do fato de abranger tanto alunos da sede municipal quanto dos povoados vizinhos. Já a escolha pela turma de 6o ano se justifica por ser a era em que os alunos estão em fase de descoberta do novo: é o ano em que estão entrando para

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o Ensino Fundamental, ou seja, um nível maior, no qual estão começando a planejar suas vidas e o que querem ser quando crescer.

Sabe-se que se faz necessário reconhecer a bagagem de aprendizado que o indivíduo carrega – e que vai além da educação escolar. Todo indiví-duo traz consigo uma educação familiar, cultural, religiosa, étnica, que pre-cisa ser respeitada e vista como Educação. E essa bagagem que o indivíduo carrega influencia no seu aprendizado escolar, nas suas escolhas, nos seus sonhos, na sua visão de mundo e no seu futuro.

• Descrição do campo de pesquisa – a estrutura da escola é de alvenaria. Há 15 salas de aulas em funcionamento, uma sala para professores, uma secretaria, um auditório, uma sala de leitura, uma cantina, uma sala de apoio pedagógico, dois bebedouros e sete banheiros (dentre estes, dois são adaptados para pessoas com necessidades especiais). A instituição apresenta uma boa estrutura, com corredores que dão acesso às salas (estas possuem ventiladores); na cantina há duas geladeiras e um freezer. A respeito da higienização do ambiente escolar, vale ressaltar que este se encontra em boas condições (os funcionários procuram manter a es-cola sempre limpa). Ademais, estão à disposição recursos audiovisuais tais como caixa de som, DVD, datashow, impressora, computadores e televisão. Com relação à situação pedagógica, citam-se alguns pontos: o plano anual é elaborado pelos professores juntamente com a Diretora e a Coordenadora Pedagógica, assim como o plano mensal; ocorre, ainda, a elaboração das avaliações antes de sua aplicação em sala, e a escola adota o estilo simulado ao final de cada bimestre. A escolha do livro didático é feita pela qualidade do material e conforme a indicação dos professores – apesar de que prevalece a escolha da secretaria municipal de educação. Possui regimento interno e projeto político-pedagógico; a avaliação do trabalho é feita durante todo o processo de ensino, de modo que há um acompanhamento da gestora com os professores e alunos, e os encontros para planejamento de aulas são realizados men-salmente. Conforme observado informalmente, a relação entre escola e família se dá em um espaço democrático, visto que a mesma incentiva a participação dos pais nas reuniões e o envolvimento destes nas ativida-des escolares. Apesar de não existir participação assídua dos pais, eles sempre são chamados quando há algum tipo de advertência dirigida aos filhos. O ideal seria que houvesse um maior acompanhamento por parte dos pais com os discentes, pois existem muitos casos em que os

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A pesquisa no Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social no Maranhão | 127

responsáveis só aparecem de ano em ano, quando fazem a matrícula, a rematrícula ou para assinar boletim – sendo que, em alguns casos, os pais nem isso fazem, e acabam por pedir para algum parente desempe-nhar o papel que lhes cabem.

• Resultados obtidos com a pesquisa – conforme observado, os alunos pesquisados veem a escola como uma extensão do ambiente familiar: ela é o local onde passam a maior quantidade de tempo de suas vidas depois de suas próprias casas; é o espaço onde constroem relações de amizade, tanto com colegas de aula como professores e demais funcio-nários, ou seja, existe um vínculo que vai além do aprendizado dos livros. Assim disse uma aluna: "Eu gosto tanto dessa escola que dá vontade de morar aqui" (Margarida, 10 anos). É perceptível que, para os alunos, a escola é realmente um sinônimo de habitação. Observa-se que a institui-ção escolar é um dos ambientes onde os discentes possuem liberdade para demonstrar o que pensam, o que sentem e o que querem para seu futuro, conforme afirma Barbosa (2004). Com relação aos sonhos dos alunos e a importância disso, o resultado obtido pode ser conferido no Quadro 2 a seguir.

Com os dados obtidos foi possível observar que muitos dos alunos co-locaram como elemento central de seus sonhos a natureza, justificando que ela é muito importante para as pessoas. Seguindo este mesmo conceito, ou-tros alunos afirmaram que querem ser jogadores de futebol porque sempre gostaram de jogar bola e querem ganhar muito dinheiro. Já outros discentes têm como sonho ter um carro, para que possam passear e levar a família junto. Nota-se que os alunos possuem sonhos distintos, e os citados foram os que mais se destacaram. A própria escola, inclusive, é um elemento que está presente nas respostas.

Com os dados obtidos foi possível observar que muitos dos alunos co-locaram como elemento central de seus sonhos a natureza, justificando que ela é muito importante para as pessoas. Seguindo este mesmo conceito, ou-tros alunos afirmaram que querem ser jogadores de futebol porque sempre gostaram de jogar bola e querem ganhar muito dinheiro. Já outros discentes têm como sonho ter um carro, para que possam passear e levar a família junto. Nota-se que os alunos possuem sonhos distintos, e os citados foram os que mais se destacaram. A própria escola, inclusive, é um elemento que está presente nas respostas.

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Quadro 2 – Sonhos de criança.

Frequência do sonho mencionado

Sonho Importância do sonho

Muito

Natureza "Porque ela é muito importante para as pessoas"

Ter um carro "Porque quero viajar nele com minha família"

Ser jogador de futebol

"Porque sempre gostei de jogar futebol e quero ganhar dinheiro"

Moderado

Ser advogado "Porque vai ser meu trabalho e vou ganhar dinheiro"

Ser professora "Porque estudar é muito importante"

Ter uma casa "Porque é a coisa mais importante na vida de uma pessoa"

Ser cantor "Porque quero ter uma carreira profissional"

Baixo

Ser fazendeiro "Porque quero ser dono de gado"

Ser bombeiro "Porque salvam vidas"

Ter um paredão "Para fazer festa"

Goku "Porque foi com esse desenho que eu fiz uma amizade muito importante"

Ser dentista e ajudar as pessoas

"Porque quero ajudar os necessitados e dar um lar"

Ser pediatra "Porque eles cuidam das pessoas"

Ser médica "Porque é tão ruim ficar doente, eles cuidam das pessoas"

Fonte: a autora (2017).

O que faz essas crianças sonharem com ser jogador de futebol, ter um carro ou acreditarem que a natureza é algo muito importante para a vida das pessoas? Em que a escola contribuiu para que elas pudessem ter esses sonhos? Como a escola pode influenciar a vida dessas crianças a ponto de interferir no futuro delas, seja no âmbito social, cultural ou econômico?

Sabemos que a família exerce influência no ambiente escolar, assim como a escola exerce influência na vida do ser humano. Essas crianças não escolheram determinados sonhos por acaso, mas sim porque eles fa-zem parte, em alguma medida, de suas vivências, estão presentes no seu dia a dia. Quem escolheu "ser jogador de futebol" não o fez somente por-que gosta de jogar bola, mas também porque deseja poder ter uma vida

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financeiramente melhor e, consequentemente, ajudar seus familiares. Assim como é o caso dos demais sonhos citados no Quadro: todos trazem consigo uma bagagem de sentidos, de significados e de emoções que pertencem, de modo singular, a cada aluno que participou da oficina. A escola enquanto instituição que contribui para a formação e para a educação do indivíduo possui, então, um papel fundamental de referência nas escolhas tomadas por eles. Os alunos acabam se identificando com determinada matéria, com determinado professor, com funcionários em geral, enfim, com determinado assunto que foi abordado em aula X, Y ou Z e que terminam interferindo, de alguma forma, em suas escolhas. E assim eles acabam escolhendo opções para o futuro, relacionando-o com algo com que eles se identificaram na escola: as crianças procuram meios de conquistar seus objetivos através da educação escolar e em parceria com a educação como um todo.

Por fim, pode-se observar, com o resultado obtido, que os sonhos dos alunos variam de profissões a bens materiais e que, dentre as profissões cita-das, somente as meninas escolheram ser professora, ser médica, ser dentista e ser pediatra. Os meninos preferiram artefatos materiais e profissões diver-sas – alguns escolheram profissões porque se identificam com elas ou acham bonito a forma com que são exercidas, já outros somente porque querem ter uma boa renda financeira. Houve, ainda, aqueles que se preocupassem com ajudar o próximo ou, simplesmente, ter uma casa para morar com sua família. Mas todos, sem exceção, demonstraram possuir vontade de cres-cer através do estudo, uma vez que, em diálogo informal, a sala como um todo mostrou saber que, para se alcançar um objetivo, é necessário estudo e planejamento.

A escolarização como meio de emancipação social de afrodescendentes. Por Maria Sonia Silva, sob a orientação de Ana Cristina Teixeira Brito Carvalho

A partir dos estudos dos módulos do CEEPDS/UFMA – os quais promo-veram reflexões sobre pobreza, educação e direitos humanos de diferentes grupos étnicos que compõem o Brasil (dentre eles os afrodescendentes) vinculadas à experiência de sala de aula como professora de História – per-cebeu-se que, para muitos alunos afrodescendentes, não está claro o papel da escolarização em suas vidas, de modo que as observações levantadas a partir das oficinas de Sonhos e Educação Financeira foram decisivas para a escolha desse tema de investigação científica.

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Esse estudo se justifica partindo do pressuposto de que a escola deve ser um espaço de práticas emancipatórias para que os afrodescendentes atuem na sociedade com competência e dignidade, contribuindo para que esse grupo étnico tenha consciência de seu direito social de bem-estar eco-nômico e de desenvolvimento de suas competências e habilidades.

Não foram encontrados registros de pesquisas relacionadas a essa te-mática no município de Balsas-MA – fato que também pode ser considerado como um motivador desse estudo, tendo em vista que a investigação pode contribuir para o enriquecimento da educação local, da intelectualidade e da ciência. Quanto mais pesquisas sobre a escolarização dos afrodescen-dentes forem realizadas, mais a educação estará próxima do que propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos10 ao promover, justamente, um trabalho educacional com qualidade e equidade.

O Brasil é o segundo maior país com população negra do mundo, ficando atrás somente da Nigéria. Ao longo de sua história, conseguiu produzir um quadro de extrema desigualdade entre afrodescendentes e brancos. Neste sentido, de acordo com Mendonça (2016), é imprescindível que a escola seja um local onde os alunos possam adquirir consciência de si mesmos como sujeitos de direitos, bem como possam tê-los assegurados. Mas é preciso que as instituições de ensino também tenham iniciativas que promovam o enfrentamento da violação dos direitos humanos. Diante disso questiona-se: Como crianças e adolescentes afrodescendentes do 6o do Ensino Funda-mental das séries finais da rede pública municipal de Balsas projetam seus sonhos de emancipação social?

O público-alvo escolhido para essa investigação constituiu-se de 21 crianças e adolescentes, com idade entre 10 e 16 anos, todos alunos de 6o

do Ensino Fundamental – Séries finais de uma escola municipal da cidade. Foram utilizados, na técnica de coleta de dados, um questionário com ques-tões fechadas e abertas, permitindo aos participantes dissertar sobre o que estava sendo perguntado, e uma observação não participante das oficinas de Sonhos e Educação Financeira.

Neste sentido pretendeu-se, por meio dessa investigação, conhecer as formas de pensar e agir de uma turma de crianças e adolescentes afro-descendentes de 6o ano do Ensino Fundamental das séries finais de uma

10 Disponíveis no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013--pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file. Acesso em: 10 dez. 2019.

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unidade de ensino da rede pública municipal de Balsas frente à formação escolar, com vistas à emancipação social. Objetivou-se, ainda, identificar os motivos que levam os afrodescendentes a frequentar a escola e também descrever como esses jovens utilizam os conhecimentos produzidos na es-cola para projetar seus sonhos de emancipação social.

• Alguns resultados da pesquisa de campo – dos entrevistados, 52% estão na idade ideal para a série em que se encontram e 48% estão com idade defasada. Apesar de a maioria estar na idade adequada, é preocupante a quantidade de alunos com distorção idade-série. Essa situação pode ser desencadeada por três fatores principais, quais sejam: 1) a repetên-cia; 2) a entrada tardia na escola; e 3) o abandono e retorno do aluno evadido. A distorção idade-série representa um grave problema da Edu-cação no Brasil, conforme demonstram informações sobre o tempo de conclusão dos diferentes níveis educacionais. Consequência das eleva-das taxas de repetência, a distorção idade-série também é apontada em pesquisas nacionais e internacionais como um dos principais problemas da educação brasileira. Durante a observação foi possível observar que o estudante em atraso escolar tem desempenho inferior aos alunos que estão em séries adequadas à idade.Para a obtenção de dados a respeito da pobreza na escola, os alunos responderam a seguinte pergunta: Você recebe proventos do Programa Bolsa Família [PBF]? Observou-se que mais da metade da população entrevistada está na linha da pobreza, pois recebe o benefício do PBF. Trata-se de um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza no país. Faz parte do Plano Brasil Sem Miséria, do MDS, que tem como foco de atuação brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 85,00 mensais, fa-mílias com renda mensal de até R$ 85,00 por pessoa, que não tenham gestantes, crianças ou adolescentes e famílias com renda mensal de R$ 85,01 a R$ 170,00 por pessoa, que tenham gestantes, crianças ou adoles-centes. Essa situação reforça a importância da Educação na vida dessas crianças e adolescentes afrodescendentes no enfrentamento da pobre-za e na realização dos sonhos de emancipação social.

Para obtenção de dados a respeito do sentido da escola para a vida do aluno afrodescendente, foi questionado o seguinte: Por que você vai à escola? A pesquisa revelou que 47% dos entrevistados têm a es-cola como meio que favorece a realização de sonhos e de um futuro

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melhoramento de vida; 24% disseram não entender a função social da escola, pois vão somente para passar de ano; 19% afirmaram ir para cum-prir ordens dos pais e 5% afirmaram ir à escola simplesmente para ouvir a professora – neste dado notam-se a passividade dos sujeitos diante do que é trabalhado na escola e a falta de perspectiva de um futuro melhor. Os 5% restantes vão à escola para receber proventos do PBF – neste último dado, nota-se que o programa de combate à pobreza e de incen-tivo à permanência do aluno na escola não tem sido fator determinante para o ingresso e a permanência dos alunos afrodescendentes na escola. Conhecer as formas de pensar e agir de crianças e adolescentes afrodes-cendentes frente à formação escolar com vistas à emancipação social significa oportunizar momentos de reflexão sobre o importante papel da escolarização na vida do cidadão: é uma possibilidade de produzir me-lhorias no ensino-aprendizagem, no sentido de promover uma educação com equidade e qualidade.

• Referências culturais, econômicas e educacionais – a pesquisa mostrou, no geral, que as crianças e adolescentes entrevistados se identificam com sua etnia (preto, pardo ou branco); isso mostra que, na escola, a diversidade étnico-cultural dos alunos está sendo valorizada. Eles se reconhecem e se orgulham como pessoas pertencentes as suas etnias. Ademais, há uma quantidade expressiva de alunos com distorção idade--série, ou seja, de alunos que não estão cursando o ano de acordo com a idade própria (são alunos repetentes). Este é um dado preocupante, pois a repetência representa o fracasso do sistema de ensino. Em todos os países há alunos que se destacam e alunos com dificuldades de aprendi-zagem. A equipe escolar (diretor, coordenador pedagógico e professo-res), juntamente com o poder público, devem garantir que esses alunos avancem. As dificuldades devem ser superadas durante o ano para evitar a repetência e, se mesmo assim não for possível corrigir as falhas, outra alternativa é que o próprio governo garanta a inclusão de alunos com distorção idade-série na modalidade de Educação de Jovens, Adultos e Idosos (Ejai). Mas de nada adianta inseri-los nesta modalidade de ensino se não forem trabalhadas, com precisão, as dificuldades apresentadas de modo que sejam capazes de conquistar sua emancipação social. A maioria das crianças e adolescentes afrodescendentes do grupo pesqui-sado são condicionados ao PBF, ou seja, estão na linha da pobreza ou da extrema pobreza. É preciso lembrar que o Programa é uma ajuda de

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custo para que as famílias se mantenham no presente, e não deve fazer parte do futuro porque essas crianças e adolescentes afrodescendentes, que estão sob a condicionalidade do benefício, devem se estruturar por meio da Educação para serem inseridas no mercado de trabalho e con-quistarem, então, autonomia financeira e bem-estar social.

De acordo com a pesquisa, crianças e adolescentes afrodescendentes vão à escola principalmente para realizar o sonho de ter uma profissão e um futuro melhor; elegem principalmente profissões que exigem formação acadêmica, mas não possuem o hábito de planejar suas ações. A formação escolar por si só não é garantia de emancipação social: é um norte para que crianças e adolescentes afrodescendentes se reconheçam como cidadãos de direitos e deveres. É preciso que a escola desenvolva sua capabilidade, ou seja, sua capacidade de tomar decisões, de decidir livremente sobre suas vidas, de exercer uma determinada profissão e participar ativamente na vida política do seu país. Ficou claro que as crianças e adolescentes afrodes-cendentes entrevistados não sabem utilizar conhecimentos produzidos na escola para planejar o futuro. A escola – um espaço de vida – deve formar para a cidadania e para que o aluno conquiste sua emancipação social. De nada adianta ensinar tantos conteúdos em diversas disciplinas se o aluno não souber aplicar estes conhecimentos para melhorar a sua vida, a sua rela-ção com o próximo, para indignar-se com situações de desrespeito humano, para exigir o cumprimento de leis, enfim, para agir a todo tempo e em todo lugar dentro dos preceitos de respeito e dignidade do ser humano.

Contudo, apesar das limitações da pesquisa, foram encontradas infor-mações valiosas e que poderão servir de parâmetro para que sejam arti-culados novos procedimentos metodológicos no trabalho com o empreen-dedorismo na escola ou, pelo menos, características empreendedoras nas escolas, pois analisar a teoria e a prática é priorizar a elevação da qualidade do trabalho realizado nas unidades de ensino para melhorar a ação pedagó-gica e, consequentemente, a qualidade de vida de crianças e adolescentes afrodescendentes.

Com um toque de final

A pesquisa no âmbito do CEEPDS/UFMA foi conduzida metodologica-mente pela articulação entre ensino, pesquisa e extensão, o que dificulta qualquer apresentação de resultados lineares como respostas às questões

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norteadoras, lançadas por ocasião da elaboração do PPP do Curso e da definição de suas diretrizes nacionais. Sem negar a importância de um fio condutor para a realização de uma pesquisa, tivemos pesquisas diversas no CEEPDS, desenvolvidas nos e com os módulos do Curso. Como vimos ao longo da exposição deste capítulo, o nosso olhar de pesquisadoras, a partir do lugar da Coordenação, e o olhar de todos os envolvidos na realização do Curso (supervisores, formadores, pesquisadores, tutores, graduandos, parceiros, dentre outros) se entrecruzaram com o olhar dos cursistas ao vi-venciar atividades de reflexão-ação no desenvolvimento dos módulos, o que direcionou a temática de pesquisa geral para os modos de vida das crianças e adolescentes do PBF na Educação, no espaço das escolas públicas. Além do objetivo de compreender e analisar modos de vida na pobreza ou extre-ma pobreza das famílias beneficiárias do Programa, nosso trabalho buscou se atentar para as formas de pensar, sentir e agir dessas crianças e ado-lescentes, trazendo a lume o desafio de identificar e potencializar as boas práticas pessoais e profissionais, principalmente no espaço da escola. Nas atividades de reflexão-ação realizadas no Curso, a exemplo das oficinas de Sonhos e Educação Financeira, entendeu-se que um bom ponto de partida seria acreditar na potência dos sonhos dessas crianças e adolescentes que, mesmo em situação de pobreza ou de pobreza extrema, almejam um futuro de prosperidade, em todos os sentidos do termo.

Estar na escola, portanto, significa que eles já galgaram o primeiro de-grau; já permanecer na escola depende, dentre tantos outros fatores, da sua vida pessoal, da sua "força de vontade" (e da vontade de muitas outras pessoas com as quais convivem), da gestão escolar e de políticas públicas. É um esforço conjunto da sociedade. Mas com a escuta atenta para as formas de pensar dessas crianças e adolescentes, os sentimentos, a "vontade" de permanecer na escola e de pensar o que vai ser quando crescer são aspectos que impulsionam ações e trazem resultados para suas vidas.

Diversas teorias e práticas em relação ao desejo de contribuir para a mu-dança de vida de crianças e adolescentes pobres e de enfrentar a pobreza podem se aproximar ou se distanciar desta forma de pensar que conduziu o CEEPDS/UFMA, mas todas geram sentimentos de maior ou menor empatia com essa causa que impulsiona o agir, seja ele individual ou coletivo. Quan-do trouxemos a temática da Aula Inaugural, "O Tempo e o Lugar da Riqueza Afetiva nas escolas públicas para crianças e adolescentes do Programa Bolsa Família na Educação", nos desafiamos a realizar o Curso como sujeitos ditos

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racionais, cientes da importância dessa afetividade plenamente articulada à razão. A leitura dos conteúdos dos módulos, os vídeos e as atividades de reflexão-ação radicalizaram os modos de pensar, de sentir e de agir dos cur-sistas e de todos os envolvidos no Curso em relação à pobreza e à extrema pobreza em que vivem essas crianças e adolescentes e em relação à im-portância do PBF para que estes sujeitos entrem e permaneçam na escola. Entretanto, ao tentar materializar essa experiência no processo de pesquisa, atendendo as diretrizes para a elaboração dos TCCs, nos deparamos com velhas práticas que só contribuem para o desconhecimento e para a ma-nutenção da pobreza nas escolas de muitos municípios do Maranhão. Isso incluiu até mesmo a rejeição em ouvir as crianças, "porque dá trabalho" e as tentativas de fazer breves relatos de atividades práticas sem articulá-los com os autores estudados no Curso, desconsiderando a importância da funda-mentação teórica na relação entre teoria e prática.

Este foi um dos maiores desafios do CEEPDS/UFMA: o de nos manter-mos firmes e fiéis à proposta do Curso, cuja marca maior foi a sensibilidade expressa em cada módulo – o que, pela via do ensino, pesquisa e extensão, possibilitou muito mais do que levantar dados coletados para a produção e socialização de conhecimento. Efetivamente, tais ações mudaram a forma de pensar, de sentir e de agir de todas as mais de cinco mil pessoas que foram tocadas por esse grande projeto. Assim, muito mais do que a intenção de generalizar quaisquer resultados de pesquisa, essa publicação tem a inten-ção de servir de interlocução entre crianças e adolescentes e sociedade em geral, ou seja: nos abrimos para novas atividades de reflexão-ação, em que a pesquisa acadêmica caminha sem buscar o seu lugar no podium, mas sim para articular a vida em sociedade.

ReferênciasARAÚJO, M. S. S. As formas de pensar, sentir e agir de crianças e adolescentes de escolas públicas do maranhão, sob a condicionalidade da educação: ponderações a partir das ferramentas analíti-cas de Pierre Bourdieu. Módulo V, texto de apoio. São Luís, 2015.

ARROYO, M. G. Pobreza, Desigualdades e Educação. Módulo Introdutório (2014). Disponível em: http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos/pdf/intro.pdf. Acesso em: jan. de 2020.

CONSEPE. Resolução nº 1198, de 06/11/2014. Curso de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social.

MARANHÃO. Projeto político pedagógico de curso de pós-graduação lato sensu – especialização Educação, pobreza e desigualdade social. Universidade Federal do Maranhão. 2015.

PROJETO DE PESQUISA. Modos de vida e processos pedagógicos na relação educação, pobreza e desigualdade social no Maranhão. São Luís, 2015.

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Links Consultadoshttp://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/perguntas_e_respostas/Per-guntasFrequentesSCFV_032017.pdf>.

http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo4/a-condicionalidade-de-educacao-do--programa-bolsa-familia-um-dialogo-sobre-limites-e-possibilidades.pdf.

http://cod.ibge.gov.br/1FHF

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Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios com polos do CEEPDSMaria Aparecida Milanez CavalcanteCélio Chaves Eduardo FilhoJosélia Saraiva e Silva

No período de 2015 a 2016 a Universidade Federal do Piauí (UFPI) ofertou, na modalidade de educação a distância, o Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social (CEEPDS), tendo como polos os municípios de Floriano, Parnaíba e Teresina. A pesquisa aqui relatada refere-se ao le-vantamento de indicadores sociais desses municípios-polos no estado do Piauí. Nossa intenção era verificar, em visão panorâmica, a situação social das populações desses municípios para objetivar análises mais qualitativas referentes à representação social de pobreza partilhada pelos discentes do Curso. Os indicadores utilizados apresentam dados de informação do ano de 2010 e, em comparação com as médias do Brasil e do Piauí, versam sobre os seguintes indicadores: população e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); renda per capita; crianças em famílias com vulnerabilidade de renda; população matriculada em escolas; crianças em vulnerabilidade e fora da escola; escolaridade de mães chefes de família com filhos menores; escolari-zação da população com 18 anos ou mais trabalhando; e taxa da população desocupada. Esses indicadores visam caracterizar os municípios referidos quanto à pobreza e desigualdade social nos aspectos de renda, educação e trabalho. Além desses, também são apresentados dados referentes à

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cobertura da proteção social básica: o Cadastro Único (CadÚnico) e o Pro-grama Bolsa Família (PBF).

Floriano está localizado na mesorregião sudoeste do Piauí. Faz divisa ao norte com o município de Amarante e o estado do Maranhão, ao sul com Itaueira e Flores do Piauí, a leste com Francisco Ayres, Nazaré do Piauí e São João dos Peixes, e a oeste com o município de Jerumenha. A vegetação pre-dominante é o cerrado, com presença de caatinga. Sua economia se destaca pela exportação de óleo e amêndoa de babaçu, algodão em pluma, arroz e milho. Na pecuária, destacam-se as produções de aves, bovinos e ovinos. Atualmente sofre influência econômica, social e política do agronegócio por sua localização no cerrado piauiense, onde é intensa a produção de grãos (soja e milho) para exportação. Ademais, o município possui referência em Educação com a presença de polos educacionais de nível superior (CEPRO, 2013a).

O município de Parnaíba, localizado na mesorregião norte, faz divisa a leste com os municípios de Luís Correia, a oeste com Araioses-MA, ao sul com Buriti dos Lopes e Cocal, e ao norte com o Oceano Atlântico e com Ilha Grande. A vegetação predominante é de mangue, restingas e caatinga arbustiva. Sua principal atividade econômica é a exportação de cera de car-naúba, óleo de babaçu, gordura de coco, folha de jaborandi, castanha de caju, algodão e couro. O município dispõe, ainda, de indústrias de produtos alimentícios e de perfumaria, tais como Vegeflora, Cooperativa Delta, Leite Longá, Cobrasil, Q-Odor Reciclagem, Curtume Romao, Q-Odor e PVP S/A. O setor hoteleiro também se destaca devido à intensa atividade turística no litoral piauiense. Também possui destaque a economia de pesca de base comunitária e cooperativa (CEPRO, 2013b).

Teresina, capital do estado do Piauí, está localizada na mesorregião Centro-Norte. Faz divisa ao norte com os municípios de União e José de Freitas; ao sul com Nazária, Monsenhor Gil e Palmeirais, a leste com Altos e Demerval Lobão e a oeste com Timon-MA. Apresenta vegetação de floresta decidual secundária mista, babaçual e campo cerrado. Sua economia tem destaque nos setores do comércio (artesanato, shoppings, supermercados, mercados etc.) e de serviços (educação, saúde, transporte etc.). Na agricul-tura, destacam-se os cultivos de cana-de-açúcar, mandioca, coco-da-baía e laranja. Na pecuária, a relevância é na produção de aves, bovinos e suínos (CEPRO, 2013c).

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Para a caracterização dos municípios em termos de renda, educação e longevidade foram utilizados dados produzidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil). Sobre esses dados, Guima-rães e Jannuzzi (2005) afirmam que

desde 1990, sob a liderança pioneira do economista paquistanês Mah-bub ul Haq e com base no enfoque de capacidades e titularidades de Amartya Sen, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vem publicando relatórios anuais sobre as diversas dimensões do "desenvolvimento humano". Para avaliar a evolução das condições de vida, o Relatório do Desenvolvimento Humano traz anualmente o cál-culo do IDH, que permite comparar, através do tempo, a situação relativa dos países segundo as três dimensões mais elementares do "desenvol-vimento humano". O IDH é um índice que busca mensurar o nível de desenvolvimento de um país da perspectiva mais ampla do que a simples relação entre o Produto Interno Bruto e a população. Para tanto, incor-pora as dimensões longevidade e educação, combinadas mediante um procedimento aritmético simples (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p. 75).

A respeito do conceito de desenvolvimento humano, o uso dos indica-dores PNUD o enfatiza numa perspectiva da produção humana como obje-tivos finais, em que as pessoas são beneficiárias do desenvolvimento, com enfoque para além das necessidades básicas, já que se centra mais na pro-visão de bens básicos do que no tema das possibilidades de escolha. Sobre as desvantagens desses indicadores, Guimarães e Jannuzzi (2005) têm criti-cado a forma como os indicadores vêm sendo utilizados – como mera ope-racionalização dos índices, sem uma aplicação conceitual do fenômeno –, além da tendência da reificação do caráter ideológico e político de inserção na análise de políticas públicas. Outra crítica ao uso de indicadores sociais é o fato de serem dados gerais e homogêneos, onde não há consideração das dimensões particulares dos diferentes lugares sociais, políticos e culturais. Por outro lado, os autores afirmam que índices econômicos e sociais são acessíveis em quase todos os países do mundo, possibilitando, portanto, a comparação dos níveis de desenvolvimento humano entre os países e a consequente elaboração do "ranking mundial de desenvolvimento humano" (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p. 76).

Aqui, o conceito será utilizado com o Índice de Desenvolvimento Huma-no Municipal (IDH-M) para caracterizar os municípios estudados quanto às condições sociais, econômicas e educacionais vividas. Sabe-se das limita-ções dos indicadores em apresentar as particularidades da realidade vivida

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pela população; porém, tem-se o objetivo de subsidiar questões para etapas posteriores da pesquisa quanto ao trabalho social com famílias, realizado por profissionais da Política de Assistência Social, no enfrentamento da po-breza. Assim, os autores definem o IDH-M como

uma versão, para os municípios, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvida, metodologicamente, pela Fundação João Pinheiro e pelo IPEA para o estudo pioneiro sobre o desenvolvimento humano nos municípios mineiros em 1996. O Índice foi calculado para Unidades da Federação, Grandes Regiões e Brasil, mas não é comparável ao IDH, mes-mo quando esses dois índices se referem à mesma unidade geográfica e ao mesmo ano. Entretanto, ambos os índices sintetizam as mesmas três dimensões (Renda, Educação e Longevidade), e as principais adaptações foram feitas nos indicadores de Renda e de Educação, com o propósito de que os indicadores envolvidos refletissem, com mais precisão, o de-senvolvimento humano da população efetivamente residente em cada município (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p. 80).

Na construção da dimensão de Renda– sendo o cálculo da renda a mé-dia da renda per capita de cada indivíduo residente no município – o IDH-M é alvo de críticas por não considerar a família como "unidade de consumo dos indivíduos" e por

não contemplar indicadores do nível de desigualdade da distribuição da renda e de aferição da proporção de pessoas e/ou famílias situadas abaixo de determinado nível de renda (proporção de famílias pobres ou indigentes, por exemplo), fundamental para o planejamento de progra-mas voltados para maiores carências (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2005, p. 81).

Quanto à dimensão Educação, o IDH-M utiliza a taxa bruta da frequ-ência escolar, considerado pelos autores um indicador mais precário que o número médio de anos estudados – sendo que este estima a escolaridade média da população e, assim, caracteriza melhor a situação educacional. Já a dimensão de Longevidade utiliza apenas um indicador (qual seja, o de es-perança de vida ao nascer) para aferir as condições de saúde e salubridade existentes no município.

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A pobreza expressa pela exclusão do mundo do trabalho e da geração de renda

A Tabela a seguir apresenta dados referentes à população total, à den-sidade demográfica e ao IDH1 para o Brasil e para o Piauí – no caso, o IDH--M2 para os municípios de Floriano, Parnaíba e Teresina. Observamos que, dentre os locais estudados, Floriano é o que possui menor população total e menor densidade demográfica, o que pode ser caracterizado dentro dos pequenos municípios do estado. Parnaíba, com 334,51 hab./km² e Teresina, com 584,94 hab./km² representam os municípios com maior contingente po-pulacional, caracterizando maior urbanização espacial. Quanto ao IDH-M, Parnaíba possui a menor taxa (0,687) em relação à Floriano (0,7) e Teresina (0,751).

1 Desde 2010, quando o Relatório de Desenvolvimento Humano completou 20 anos, novas metodologias foram incorporadas para o cálculo do IDH. Atualmente, os três pilares que constituem o IDH (saúde, educação e renda) são mensurados da seguinte forma: uma vida longa e saudável (saúde) é medida pela expectativa de vida; o acesso ao conhecimento (educação) é medido pela média de anos de educação de adultos, que é o número médio de anos de educação recebidos durante a vida por pessoas a partir de 25 anos, e pela expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar, que é o número total de anos de escolaridade que uma criança na idade de iniciar a vida escolar pode esperar receber se os padrões prevalecentes de taxas de matrículas específicas por idade permanecerem os mesmos durante a vida da criança; já o padrão de vida (renda) é medido pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, expressa em poder de paridade de compra (PPP) constante, em dólar, tendo 2005 como ano de referência. Quanto mais próximo de 1, melhor o IDH, e quanto mais próximo de 0, pior o IDH (PNUD, 2010).

2 O IDH-M brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e renda –, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de indicadores nacionais. Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores levados em conta no IDH-M são mais adequados para avaliar o desen-volvimento dos municípios brasileiros. O IDH-M é um índice composto que agrega três das mais importantes dimensões do desenvolvimento humano: a oportunidade de viver uma vida longa e saudável, de ter acesso ao conhecimento e de ter um padrão de vida que garanta as necessidades básicas, representadas pela saúde, pela educação e pela renda (PNUD, 2010).

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Tabela 1 – Indicadores populacionais e IDH (2010)

Indicadores cen-sitários (2010) BRASIL Piauí Floriano Parnaíba Teresina

População total 190.755.799 3.118.360 57.690 145.705 814.230

Densidade demo-gráfica (hab./km²) 22,43 12,40 16,92 334,51 584,94

IDH 0,727 0,646 0,7 0,687 0,751

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do IBGE (2010).

Além dos dados apresentados, é importante destacar a quantidade populacional das zonas rural e urbana dos municípios: em Floriano, a popu-lação residente rural é de 7.720 pessoas (13,38%), e a parte residente urbana é de 49.970 pessoas (86,62%); em Parnaíba, a população residente rural é de 8.820 pessoas (6,05%), e a parte residente urbana é de 137.485 pessoas (94,35%); já em Teresina, a parte residente rural é de 46.673 pessoas (5,73%) e a residente urbana é de 767.557 pessoas (94,24%). No Piauí, a população rural é de 1.607.401 pessoas (34,23%), e a população urbana é de 2.050.959 pessoas (65,77%). Observa-se, neste sentido, que os três municípios, se com-parados à porcentagem populacional rural e urbana do estado, expressam o intenso processo de deslocamento populacional da zona rural para urbana, superando até mesmo o indicado na porcentagem piauiense. Tais deslo-camentos intensificam o processo de urbanização, o que tem gerado uma constituição de zonas periféricas empobrecidas, que demandam serviços, estruturas habitacional e de saneamento e acesso à direitos fundamentais, tais como educação, saúde, transporte etc.

Sobre a população de dez anos ou mais de idade por condição de atividade nos municípios pesquisados, observa-se que a capital Teresina se destaca na porcentagem da População Economicamente Ativa (PEA) – 407.816 (ou 66,39%) indivíduos ocupados, enquanto que Floriano e Parnaíba possuem índices de 54,69% e 51,46%, respectivamente. Essa maior taxa de atividade em Teresina se deve à maior concentração de serviços e merca-dos, em que as possibilidades de criação de vínculo empregatício formal e informal também se tornam maiores. Mesmo com uma taxa de ocupação maior do que a dos outros municípios, ainda se observa, como característica marcante, a informalidade nas atividades: apenas 25,95% dos indivíduos são

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empregados com carteira de trabalho assinada, e na informalidade; 14,17% são empregados, mas sem carteira de trabalho assinada, e 12,38% trabalham por conta própria. Ainda nesta condição, observam-se diferenças de gênero com relação ao sexo: a taxa de ocupação economicamente ativa é maior entre a população masculina nos três municípios: em Floriano, são 55,74% homens e 44,26% mulheres; em Parnaíba, são 57,53% homens e 42,47% mu-lheres; em Teresina, são 53,09% homens e 46,91% mulheres. Entre os não economicamente ativos, a desproporção de gênero entre os indivíduos de-socupados é ainda maior. É o que ilustra a Tabela a seguir.

Tabela 2 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por condição de atividade na semana de referência e sexo (Floriano, Parnaíba e Teresina)

Município

Tota

l

Hom

ens

Mul

here

s

Condição de atividade na semana de referência e sexo

Economicamente ativas

Não economicamente ativas

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

FlorianoΣ 49.033 22.880 26.153 26.818 14.948 11.870 22.215 7.932 14.283

% 100 46,66 53,34 100 55,74 44,26 100 35,71 64,29

ParnaíbaΣ 122.757 58.004 64.753 63.174 36.342 26.832 59.583 21.662 37.921

% 100 47,25 52,75 100 57,53 42,47 100 36,36 63,64

TeresinaΣ 614.314 319.761 294.553 407.816 216.516 191.310 286.323 103.245 183.078

% 100 52,05 47,95 100 53,09 46,91 100 36,06 63,94

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2011).

O Gráfico 1, apresentado a seguir, traz a taxa da população desocupada por faixa etária,3 no intervalo de 15 a 29 anos de idade – período considera-do, pelas políticas públicas, como aquele que caracteriza a juventude,4 sen-do o jovem um ator social que busca projetos de vida de autonomia, renda e trabalho. A entrada da população jovem no mercado de trabalho também

3 Percentual da PEA por faixa etária que estava desocupada, ou seja, que não estava ocupada na semana anterior à data do Censo, mas havia procurado trabalho ao longo do mês anterior à data dessa pesquisa.

4 A Lei 12.852, de 5 de agosto de 2013 – que promulga o Estatuto da Juventude – consi-dera jovens as pessoas entre 15 e 29 anos de idade. Seu artigo 14 afirma o seguinte: "O jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado e com proteção social" (BRASIL, 2013).

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pode modificar as estruturas de renda, de dependência e de autonomia en-tre os membros da família.

Observa-se que há maior desproporção, entre os municípios, na taxa de desocupação entre 15 e 17 anos de idade – período em que o jovem se pre-para para entrar no mercado de trabalho e construir projetos de autonomia aliados a projetos educacionais. O município de Floriano apresenta a menor taxa de desocupação (8,43%) nesta faixa etária, enquanto que Teresina traz a maior taxa (37,93%), se comparada às médias nacional e estadual (24,19% e 17,27%, respectivamente). Essas taxas podem sofrer influência da predomi-nância do fator educacional – permanência exclusiva na escola – em relação à busca do primeiro emprego.

Na faixa etária de 18 a 24 anos de idade, Parnaíba (24,02%) e Teresina (21,62%) possuem taxas de desocupação superiores às médias nacional e estadual (15,07% e 17,15%, respectivamente), enquanto que Floriano tem elevada taxa de desocupação (14,29%) se comparada à faixa etária anterior, mas mantém taxa inferior às médias nacional e estadual. Dentre os municí-pios, Teresina se destaca na diminuição da taxa de desocupação (16,31%), entre os dois intervalos etários analisados anteriormente; enquanto Parna-íba apresenta aumento na taxa de desocupação (4,02%). Observa-se que a incorporação de mão de obra ao mercado se intensifica no município de Teresina, enquanto que nos demais ocorre uma desaceleração, provocando o aumento de desocupados na faixa etária em que o ingresso no mercado de trabalho é desejado e esperado. Nestes pequenos municípios, o proces-so de deslocamento para grandes centros urbanos se intensifica devido à falta de oportunidades de emprego e renda no local de pertencimento, e geralmente o acesso ao trabalho em outros locais são precários e mal remu-nerados, considerando o nível de escolaridade que os indivíduos possuem.

Na faixa etária entre 25 e 29 anos de idade observa-se a diminuição pela metade na taxa de desocupação nos municípios de Teresina e Parnaíba (11,16% e 12,56%, respectivamente), porém mantém-se a taxa superior às médias nacional e estadual. Já o município de Floriano sofre queda de taxa (8,42%) equiparando-se à média nacional (8,77%). No Gráfico 1 observa-se forte parcela da PEA em condição de desocupação nos intervalos etários estudados, expressando condições de vulnerabilidade populacional quanto ao acesso ao mercado de trabalho (formal e informal) e, por consequência, ausência de renda, também impactando nos rendimentos familiares. Além

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Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 145

disso, trata-se da população jovem que, estruturalmente, tem projetos de autonomia não concretizados.

Gráfico 1 – Distribuição da população desocupada por faixa etária nos municípios de Floriano, Parnaíba e Teresina

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

O Gráfico 2 apresenta a relação da taxa da PEA ocupada com 18 anos ou mais com a escolaridade atingida. Aqui, observa-se que a população, nos diferentes territórios estudados, apresenta, em média, baixo grau de escola-ridade, com apenas Ensino Fundamental completo. Teresina (68,98%) e Flo-riano (62,61%) apresentam taxa de ocupação com baixa escolaridade (Ensino Fundamental completo) superior às médias nacional e estadual (62,29% e 48,54%, respectivamente). Quanto à taxa de ocupados com escolaridade em nível superior, esta se apresenta com menor expressão, sendo as de Floriano (11,79%) e Parnaíba (10,77%) inferiores à média nacional (13,19%). No entanto, se comparados à média do Piauí (9,6%), observa-se o destaque desses dois municípios, principalmente se considerada a existência de políticas educa-cionais de nível superior, com a presença de centros universitários públicos e privados nos municípios. Disso, conclui-se que a baixa escolaridade, prin-cipalmente com formação técnica e especializada, impacta diretamente nos mercados de trabalho ocupados, geralmente precários (formal e infor-mal), com baixa remuneração e com poucas perspectivas de mobilidades ocupacionais.

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Os setores do comércio e de serviços são os mais ocupados, respectiva-mente, em Floriano (23,11% e 40,00%), Parnaíba (24,02% e 46,56%) e Teresina (20,45% e 55,22%), todos superiores às médias nacionais (15,38% e 44,29%, respectivamente). Os setores com menor taxa de ocupação são os do extrati-vismo mineral e o da indústria de transformação. É importante destacar que, além do impacto na reprodução material das famílias, a baixa escolaridade de seus membros e dos(as) chefes de família implica na redução do capital humano e simbólico, necessário para a diminuição das desigualdades sociais e da pobreza. O Gráfico a seguir mostra a porcentagem de ocupados com 18 anos ou mais por escolaridade.

Gráfico 2 – Porcentagem de ocupados com 18 anos ou mais (por escolaridade)

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

A pobreza expressa na renda familiar e na baixa escolaridade da população

O Gráfico 3 mostra a porcentagem populacional com matrícula na escola, no intervalo etário entre zero e 24 anos de idade. Este busca compreender como a Educação está presente na vida da população, considerando-a um

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dos fatores usados no cálculo do IDH. No Gráfico em comento, é importan-te observar duas questões: i) a deficiência das populações de zero a cinco anos de idade e de 18 a 24 anos de idade com matrículas na escola; e ii) a concentração de matrículas no intervalo etário entre 5 e 17 anos de idade. É importante ressaltar a importância do PBF para o acesso e a permanência de crianças e adolescentes nas escolas, uma vez que o recebimento do be-nefício exige da família a contrapartida (ou condicionalidade) de frequência escolar mínima.

O primeiro intervalo se refere aos anos iniciais de ingressos das crianças no ambiente escolar, tanto para a socialização, quanto para o atendimento às necessidades da família que possuem ocupação no mercado de trabalho. Essas estimativas também podem estar associadas às debilidades de oferta de creches públicas. O segundo intervalo etário corresponde ao período de ingresso no ensino superior, em que o acesso ainda se mostra não democrá-tico, mesmo com políticas afirmativas, tal como a Lei 12.711/2012, popular-mente conhecida como Lei de Cotas para o Ensino Superior.5

Quanto à concentração no intervalo etário de 5 a 17 anos, observa-se que o grau de estudo varia entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, o que justifica a ocupação em postos de trabalho precarizados ou a desocu-pação de grande parcela da população. Soma-se a isso a estimativa de anos de estudo, ou seja, o cálculo aproximado que a geração de uma criança que ingressa na escola terá quando completar 18 anos de idade é de 9,54 anos de estudo no Brasil (PNUD, 2010), sendo que o projeto educacional será in-terrompido antes de acessar o Ensino Superior.

Do Gráfico 3 ainda é possível extrair que, no intervalo entre 15 e 17 anos, há o início da queda no número de matrículas – em média 10% para todos os territórios analisados, comparados aos dois intervalos etários anteriores. Essa faixa etária corresponde ao momento em que os jovens são interpela-dos pelas necessidades de consumo e pelo ingresso precoce no mercado de trabalho, sem permanência na escola.

Em números percentuais, as taxas de população de zero a cinco anos de idade na escola em Floriano (36%) e Parnaíba (41%) são mais baixas que as

5 BRASIL. Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universida-des federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível superior e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 ago. 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 10 dez. 2019.

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taxas nacional (43,15%) e estadual (44,16%). Já o município de Teresina (51%) apresenta uma taxa superior – trata-se da capital do estado, onde há maior concentração de serviço público. A população de 18 a 24 anos de idade na escola apresenta os seguintes índices: Brasil (30,64%); Piauí (36,41%); Floriano (47,41%); Parnaíba (37,17%); Teresina (43,35%). Os três municípios analisados possuem oferta de Ensino Superior público e privado, o que contribui para que as taxas de matrícula na idade correspondente ao ingresso neste nível sejam mais elevadas que as médias nacional e estadual.

A seguir, o Gráfico 3 mostra a população com matrículas na escola tendo, como referência, o ano de 2010.

Gráfico 3 – Distribuição do número de matrículas por município estudado de acordo com a faixa etária e comparação com Brasil e PiauíFonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

A família, nas suas mais diversas configurações, constitui-se como um espaço altamente complexo. É construída e reconstruída histórica e coti-dianamente, através das relações e negociações que estabelece entre seus membros e entre ela e outras esferas da sociedade, tais como o Estado,

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o trabalho e o mercado. Reconhece-se, também, que além da sua capaci-dade de produção de subjetividades, a família também é uma unidade de cuidado e de redistribuição interna de recursos (MIOTO, 2010, p. 6). Ela é considerada, no âmbito das políticas públicas, como o "espaço privilegiado e insubstituível de proteção social e socialização primárias, provedoras de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e prote-gida" (BRASIL, 2005).

Com relação às famílias em vulnerabilidade social, com baixa renda e, em parte, desfiliadas do mercado de trabalho – tanto pelas crises estrutural e cíclica do capital, quanto pelas desigualdades de acesso à Educação, delas decorrentes –, ampliam-se as expressões da questão social e as demandas para o Estado. Porém, com a reestruturação da produção e o aumento do desemprego a partir da década de 1980, a questão social e a política social são deslocadas do âmbito do Estado de Bem-Estar Social e se tornam status de políticas neoliberais e de responsabilização das famílias. Aqui, a política social assume formas focalizadas e compensatórias no Brasil e na América Latina, tendo como objetivo central o alívio da pobreza e da extrema po-breza, especialmente com transferências de renda diretamente às famílias pauperizadas.

A Tabela 3 apresenta a situação de vulnerabilidade social quanto à renda nos espaços rural e urbano dos municípios pesquisados. No levantamento, foram consideradas famílias em vulnerabilidade de renda – ou seja, aquelas que possuem até ½ salário mínimo per capita –6 e as famílias sem rendi-mento. Observa-se que as famílias em condição de extrema pobreza e em condição de pobreza estão concentradas nas zonas urbanas dos municípios, com as seguintes taxas: Floriano (91,2%); Parnaíba (92,7%); Teresina (95,1%). Também há uma parcela significativa de famílias sem rendimento na zona urbana, assim representada: Floriano (298 famílias/27,54%); Parnaíba (1.334

6 As políticas de transferência de renda no Brasil estabelecem critérios baseados na renda per capita para acesso aos benefícios estabelecidos nos programas sociais. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) estabelece ¼ do salário mínimo per capita da família para beneficiar pessoas com deficiência ou idosos a partir de 65 anos que não possuam condições de prover suas necessidades nem de tê-las providas por sua família. O PBF estabelece a soma da renda per capita familiar em até R$ 77,00 para considerar "família em situação de extrema pobreza" e entre R$ 77,01 e R$ 154 para "famílias em situação de pobreza". Para o CadÚnico (cadastro para acesso aos programas do gover-no federal), consideram-se "famílias de baixa renda" aquelas que possuem ½ salário mínimo mensal per capita integrante da mesma ou aquelas em que a renda total mensal é de até três salários mínimos.

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famílias/34,46%); Teresina (5.897 famílias/34,53%), das famílias em extrema pobreza. Quanto à zona rural, as taxas dos municípios aparecem assim repre-sentas: Floriano (63 famílias/60,58%); Parnaíba (145 famílias/43,05%); Teresina (269 famílias/30,71%) – sendo que, nos dois primeiros, há maior concentração de famílias sem rendimento na totalidade de famílias em vulnerabilidade de renda aqui definida.

Além do fator renda aqui empregado, para caracterizar o quantitativo de famílias em situação de pobreza é importante destacar o fator família monoparental feminina uma vez que há parcela significativa nesta análise, além de ser um fator que constitui maior empobrecimento e novos desafios para as políticas sociais. Como coloca Teixeira (2013),

o Estado deve proteger as famílias das fragilidades, evitando a dissolução de seus vínculos decorrentes das transformações que afetam as famílias e as vulnerabilizam, como as famílias monoparentais femininas e sua re-lação com a pobreza. A vida familiar se torna mais arriscada em face da feminização da pobreza e da pauperização das famílias monoparentais, cabendo ao Estado fortalecê-las enquanto unidades familiares, sem des-criminalização ou sobrecarga de responsabilidades, minimizando suas funções de reprodução, com a oferta de uma rede de serviços básicos, protetivos, preventivos, como modo eficaz de evitar o rompimento com os vínculos familiares (TEIXEIRA, 2013, p. 114).

Esse fenômeno de feminilização e pauperização das famílias, junto aos processos de urbanização, representam impactos significativos na vida das famílias em vulnerabilidade social dos municípios aqui estudados, sendo a totalidade das famílias monoparentais femininas:7 Floriano (833 famílias/70,23%), Parnaíba (2.622 famílias/59,16%) e Teresina (11.991 famí-lias/66,79%). Entre as famílias monoparentais femininas em vulnerabilidade de renda, destacam-se as que não possuem nenhuma renda, assim repre-sentadas: Floriano (287 famílias/34,45%), Parnaíba (1.173 famílias/44,73%) e Teresina (5.081 famílias/42,37%).

Para Carvalho e Almeida (2003), o fenômeno de pauperização das fa-mílias de classes populares depende de alguns fatores: i) da fase do ciclo familiar; ii) do número e característica de seus componentes (conforme sexo, idade, instrução e nível de qualificação, entre outros); e iii) de sua proposição nos grupos domésticos (chefe, cônjuge e filhos, principalmente em razão

7 O IBGE a define como mulher sem cônjuge e com filhos.

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Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 151

da prevalência da família nuclear no Brasil), à qual estão associados papéis definidos socialmente. Famílias com filhos mais novos ou chefiadas por mu-lheres têm altas probabilidades de serem pobres ou muito pobres. A Tabela 3, a seguir, apresenta dados sobre famílias de rendimento nominal mensal familiar per capita (em salários).

Tabela 3 – Famílias conviventes residentes em domicílios particulares por classe de rendimento nominal mensal

Famílias de rendimento nominal mensal familiar per capita (em salários mínimos)

Município

Zona rural Zona urbana

Total Até ¼

Mais de ¼ até ½

Sem rendi-mento

Total Até ¼Mais de ¼ até ½

Sem rendi-mento

FlorianoFreq. 104 23 18 63 1082 304 480 298

% 100 22,12 17,31 60,58 100 28,10 44,36 27,54

ParnaíbaFreq. 322 125 52 145 4.110 1.386 1.390 1.334

% 100 38,82 16,15 45,03 100 33,72 33,82 32,46

TeresinaFreq. 876 312 295 269 17.076 3.953 7.226 5.897

% 100 35,62 33,68 30,71 100 23,15 42,32 34,53

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2011).

Legenda: Freq. = Frequência.

Observa-se, a seguir, o comportamento das taxas relacionadas à renda per capita dos municípios estudados, nos seguintes critérios: total, dos po-bres e dos extremamente pobres.8

8 Renda per capita: razão entre o somatório da renda de todos os indivíduos residentes em domicílios particulares permanentes e o número total desses indivíduos. Valores em reais de 01 de agosto de 2010. Renda per capita dos pobres: média de renda do-miciliar per capita das pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 140,00 mensais, segundo valores de agosto de 2010. O universo de indivíduos é limita-do àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes. Renda per capita dos extremamente pobres: média de renda domiciliar per capita das pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 70,00 mensais, segundo valores de agosto de 2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes.

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Gráfico 4 – Distribuição da população dos municípios pesquisados por nível de renda

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

Do Gráfico 4 infere-se a extrema desigualdade social existente no Bra-sil quando se observa o comportamento das linhas no gráfico, expresso na comparação da renda per capita nacional, estadual e municipal, com a renda dos pobres e dos extremamente pobres. Observa-se que a desigualdade social se eleva com o processo de urbanização, ou seja, em nível de Brasil (R$ 793,87) e Teresina (R$ 757,57), as diferenças entre renda per capita e ren-da per capita dos pobres (R$ 75,19) e dos extremamente pobres (R$ 31,66) são maiores do que nos municípios menores, como em Floriano: per capita (R$ 536,30), per capita de pobres (R$ 83,11) e per capita de extremamente pobres (R$ 32,06 reais). Já Parnaíba apresenta as seguintes taxas: per capita (R$ 479,58); per capita de pobres (R$ 87,89) e per capita de extremamente pobres (R$ 38,21).

O Gráfico 5, que expressa crianças em famílias com vulnerabilidade de renda, possibilita conhecer a realidade, por indicadores, da dimensão de desenvolvimento social e desigualdades, bem como a dimensão percentual de crianças que são excluídas do processo social de desenvolvimento pela grave escassez econômica familiar e de direitos a que estão sujeitas – com-prometendo, desta forma, o futuro de projetos geracionais e o desenvolvi-mento social, promovendo a perpetuação da pobreza.

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Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 153

Do Gráfico é possível inferir que as famílias em situação de pobreza e ex-trema pobreza possuem crianças como o maior grupo etário, o que agrava ainda mais a condição social vivida, uma vez que são dependentes e ainda não estão aptas a gerar renda para suas famílias. Ademais, necessitam de atenção em saúde, educação, lazer, cuidados, além de alimentação adequa-da para o crescimento saudável e de integração à sociedade.

Essa expressão da questão social se apresenta de forma semelhante nas esferas estudadas (nacional, estadual e municipal), como expressam as linhas do Gráfico 5, porém com algumas diferenças de intensidade. Por exemplo, observadas as taxas estadual, do Piauí e do município de Parnaíba, tem-se que o agravamento, tanto de famílias quanto de crianças, é superior às demais médias.

A mortalidade infantil como principal agravamento da situação de po-breza vivida pelas famílias expressa a exclusão completa dos direitos huma-nos – neste caso, o direito à vida, pela ausência das condições básicas de sobrevivência tais como alimentação e assistência médica, o que provoca desnutrição e morte – imagens das mais terríveis em termos de perda de humanização, de aumento da desigualdade social e de morte precoce.

Gráfico 5 – Distribuição do número de crianças em famílias com vulnerabilidade de rendaFonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

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A pobreza expressa na negação do direito à Educação e da sucessão geracional da condição social vivida

O Gráfico 6, que representa crianças em vulnerabilidade social e fora da escola, permite inferir que há maior concentração de crianças pobres e extremamente pobres na faixa etária entre zero e cinco anos de idade fora da escola, o que significa dizer que estas não possuem acompanhamento e nem estão sob cuidados em creches para que seus responsáveis possam ingressar no mercado de trabalho e criar possibilidades de superação da po-breza. Nota-se, também, que o cuidado das crianças tem peso ainda maior sobre as mulheres, marcadas por condições de desigualdade de gênero, desencadeando em pouca autonomia e privação dos espaços públicos, de modo que lhes são atribuídos, como papéis sociais, apenas a maternidade e os cuidados da vida doméstica.

Novamente, a perpetuação geracional da pobreza se apresenta no Grá-fico, expresso na porcentagem das três esferas estudadas de crianças em domicílio em que ninguém tem Ensino Fundamental completo. Mesmo que os índices de acesso e permanência na Educação Básica tenham aumentado com o PBF, como expressa a linha de crianças na faixa etária entre seis e 14 anos de idade matriculados na escola, o acompanhamento educacional e de projetos futuros no interior da família é desencontrado pelo (ainda) re-manescente analfabetismo no país. Portanto, é necessária a ampliação de políticas públicas que identifiquem cada uma das razões que impedem a superação da pobreza, no sentido de ampliar ações que compreendam a família como composta de sujeitos com diferentes faixas etárias, necessi-dades, projetos, visões de mundo e, também, que os adultos não estejam limitados ao desemprego e às relações precárias de trabalho, de modo que o projeto educacional se afirme proporcionando resultados significados na escolarização desse segmento.

Outro aspecto a ser reforçado na discussão sobre as relações entre educação, pobreza e desigualdade social é o gênero. As mulheres pobres e extremamente pobres, na condição de chefes de família, são as que mais têm sofrido o peso da escassez e da exclusão de cidadania. O número famí-lias monoparentais femininas têm aumentado significativamente, tanto pelo aumento de divórcios quanto pela negação da paternidade e da partilha de responsabilidades na reprodução social de crianças e adolescentes. Esse formato de família tem carregado, ademais, o peso da classe social a que

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pertence – geralmente pobre e extremamente pobre, de chefes com baixa escolaridade e possuindo, como única renda mensal, os benefícios do PBF.

Gráfico 6 – Distribuição do número de crianças fora da escola por município estudado

Fonte: PNUD/Atlas Brasil (2010).

A Tabela 4 apresenta a porcentagem de mães chefes de família sem En-sino Fundamental e com filho menor, comparada à porcentagem total de mães chefes de família e de mães chefes de família com filho menor, nas três esferas estudadas. Observa-se que a Educação ainda é uma barreira a ser vencida para a superação da pobreza, uma vez que há porcentagem elevada de mães chefes de família, com baixa escolaridade, dificultando o enfrenta-mento do problema geracional da pobreza, das dificuldades de acompanha-mento eficiente das propostas curriculares exigidas pela escola, bem como da necessidade de sensibilização da escola para esse contexto familiar.

Quando essa condição familiar é comparada com mães chefes de famí-lia com filho menor, o percentual eleva-se ao dobro, tornando a expressão da questão social ainda mais desafiadora para as políticas públicas, pois a superação da condição de pobreza deve ser pensada em pelo menos duas gerações.

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A taxa média de mães chefes de família sem Ensino Fundamental e com filho menor, no total de mães chefes de família, tem maior expressão em nível estadual (com 20,81%), sendo as taxas dos municípios estudados assim representadas: Floriano (14,96%); Parnaíba (16,69%); Teresina (14,76%) – todas menores que a taxa nacional, que é de 17, 23%. Já a porcentagem de mães chefes de família sem Fundamental e com filho menor, no total de mães chefes de família e com filho menor, representa quase a metade do grupo mães chefes de família e com filho menor.

Tabela 4 – Distribuição de mães chefes de família sem Ensino Fundamental e com filho menor

% de mães chefes de família sem Fundamental e com filho menor, no total de mães chefes de família

% de mães chefes de família sem Fundamental e com filho menor, no total de mães chefes e com filho menor

BRASIL 17,23 43,19

Piauí 20,81 54,43

Floriano-PI 14,96 42,08

Parnaíba-PI 16,69 45,54

Teresina-PI 14,76 37,84

Fonte: PNUD/Atlas Brasil, 2010.

No âmbito da política social brasileira, a pobreza assistida intensificou-se em 2003 com a criação do PBF a partir de um conjunto de ações voltadas para o enfretamento da fome e das situações de pobreza e de extrema pobreza vivenciadas por milhões de famílias no Brasil. O PBF é gerenciado nacional-mente pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em parceria com os estados e municípios, e hoje atende aproximadamente 14 milhões de famílias em todo o país.

Todos os beneficiários do programa estão inscritos no CadÚnico para programas sociais do governo federal. Cada município é responsável pelo cadastramento e atualização dos dados dos usuários presentes no Cadas-tro, e o benefício financeiro é concedido para famílias extremamente pobres (com renda mensal de até R$ 77,00 por pessoa) e pobres (com renda mensal de R$ 77,00 a R$ 154,00 por pessoa), variando segundo a faixa de renda e composição de cada núcleo familiar (BRASIL, 2015).

O principal objetivo do Programa é a superação da pobreza através da transferência direta de renda, aliada ao acesso das famílias a serviços de

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Educação, Saúde e Assistência Social por meio do sistema de condiciona-lidades e da coordenação de ações com outros programas e serviços no âmbito dos governos federal, estadual e municipal, com participação de toda a sociedade.

No estado de Piauí, o total de famílias inscritas no CadÚnico em março de 2016 era de 690.233. O PBF beneficiou, no mês de maio de 2016, 452.832 famílias, representando uma cobertura de 114,0% da estimativa de famílias pobres no estado. No município de Floriano, o total de famílias inscritas no Cadastro em março de 2016 era de 9.314. O PBF beneficiou, no mês de maio de 2016, 4.708 famílias, representando uma cobertura de 91,0% da estima-tiva de famílias pobres no município. No município de Parnaíba, o total de famílias inscritas no Cadastro Único em março de 2016 era de 21.759. O PBF beneficiou, no mês de maio de 2016, 11.276 famílias, representando uma cobertura de 75,9% da estimativa de famílias pobres no município. Já no mu-nicípio Teresina, o total de famílias inscritas no Cadastro em março de 2016 era de 110.889. O PBF beneficiou, no mês de maio de 2016, 63.120 famílias, representando uma cobertura de 98,2% da estimativa de famílias pobres no município (BRASIL, 2015a; 2015b; 2015c).

Mesmo com essa cobertura na totalidade das transferências de renda mencionadas anteriormente em relação à totalidade da população em situ-ação de extrema pobreza, observa-se que o PBF ainda encontra uma série de desafios devido à (ainda) frágil articulação das três esferas do governo e da articulação dessas esferas com a sociedade civil. Há dificuldade na arti-culação entre a transferência de renda e o acesso e a qualidade dos serviços ofertados. Há, também, a limitação do programa em definir a pobreza como um fenômeno que é determinado apenas pela questão da renda das famílias atendidas.

Assim, para além dos dados sobre beneficiários do PBF com relação à situação de pobreza e de extrema pobreza, Educação e Saúde são elemen-tos importantes para compreender como essa estratégia de transferência de renda têm criado sentidos e significados para a atuação de profissionais na Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

Considerações finais

A pobreza, enquanto fenômeno social multidimensional, é expressa por diferentes fatores que implicam na condição social vivida por grupos sociais,

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consideradas as dimensões de classe, geracional, gênero, raça/etnia, lugar vivido e exclusão social.

A dimensão de classe se expressa: na extrema desigualdade social do Brasil – ou seja, na propriedade privada e na desigual distribuição da rique-za socialmente produzida –, com repercussões na formação de grupos de baixa renda familiar que possuem o mínimo via programas de transferência de renda; no desemprego ou na informalidade empregatícia; nas inserções precárias e com baixa remuneração no mercado de trabalho associadas. Ademais, políticas públicas mínimas apenas aliviam as necessidades da po-pulação pobre, desvelando a escassez de serviços públicos de educação, saúde, cultura, lazer etc. para os diferentes grupos etários.

A dimensão geracional da pobreza se expressa pela reprodução da condição social ao longo das histórias familiares, dos espaços vividos e da ampliação da desigualdade social, sobretudo quando os sujeitos em vul-nerabilidade social não são assistidos em suas particularidades etárias, de gênero e de mundo vivido. O direito à Educação é o principal entrave para a superação da pobreza geracional em um país com remanescências e per-manências de analfabetismo e quando a escola, por questões estruturais, profissionais e pedagógicas, não consegue alcançar o território em que se localiza e nem identificar potencialidades locais de amortecimento de ne-cessidades sociais, dos sofrimentos, das violências institucionais e sociais, enfim, da organização coletiva para a construção do autorreconhecimento e das lutas por direitos.

A dimensão de gênero da pobreza é marcador importante para o en-tendimento deste fenômeno tanto pelo crescente aumento de famílias mo-noparentais femininas, em que as chefes de família possuem pouca escola-ridade, são desempregadas ou se encontram em condições subalternas de trabalho e possuem filhos menores, o que exige mais acompanhamento – já que não se pode contar com sua força de trabalho. Também recai, aqui, a responsabilidade de administrar a vida doméstica e as condicionalidades postas pelo PBF.

Por fim, a dimensão mais aviltante de pobreza se caracteriza pela total exclusão social: exclusão da cidadania quando se tem fome, quando não se tem moradia, nem acesso à educação e cultura, quando até mesmo o direito de ir e vir é cessado. Essa é a condição que toma proporções urbanas e rurais em termos de escassez dos direitos sociais.

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Educação, pobreza e desigualdade social: indicadores de vulnerabilidade social dos municípios... | 159

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em Melgaço, na Ilha do MarajóAline FurtadoMarilena Loureiro da Silva

O presente capítulo se relaciona com a problematização acerca de como o Programa Bolsa Família (PBF) impacta nos resultados de aprovação/evasão escolar, e como este auxilia na minimização da pobreza, a partir do cenário do município de Melgaço, no arquipélago do Marajó – local que, de acordo com os dados do Censo de 2010 do IBGE, possui o pior Índice de Desen-volvimento Humano (IDH) do país; um município pobre, onde a população se mantém basicamente dos recursos da transferência de renda. Nesse sen-tido, a pesquisa buscou verificar o seguinte: Que contribuição o Programa Bolsa Família ofereceu para os resultados de aprovação/evasão escolar no município de Melgaço?

Com a intenção de responder ao problema de pesquisa, estabeleceu-se como objetivo geral analisar se o PBF impactou no resultado de aprova-ção/evasão escolar e como este programa social auxiliou na minimização da pobreza no município de Melgaço. Como objetivos específicos, foram determinados os seguintes: i) analisar a relação do PBF com a frequência, o acesso e a permanência escolar; ii) evidenciar a percepção dos bolsistas que participam do PBF; e iii) investigar se o PBF impacta na economia do município de Melgaço, na Ilha do Marajó, Amazônia Paraense.

O caminho metodológico adotou os requisitos da pesquisa qualitati-va e quantitativa, que para Marshall e Rossman (1989) se relacionam com

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questões e problemas que vêm de observações no mundo real, mediante dilemas e questões. Podemos considerar, então, que a abordagem adotada nos oportuniza entender que as ações podem ser mais bem-compreendidas quando são observadas em seu ambiente habitual de ocorrência (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 44).

Na fase inicial da pesquisa foram realizados estudos bibliográficos a partir de materiais diversos sobre o assunto, tais como livros, artigos, dis-sertações, teses, revistas e sites da internet. No decorrer da pesquisa fez-se uso da coleta de dados gerados no local de origem, de análise documental e bibliográfica, além da pesquisa de campo, com a realização de entrevistas semiestruturadas e com aplicação de questionários. Foram definidos como sujeitos da pesquisa: o Secretário de Educação do município de Melgaço; a Diretora de Ensino vinculada à Secretaria Municipal de Educação de Mel-gaço; três professores, sendo um do meio rural e os outros dois do centro urbano; dois diretores escolares, sendo um da zona rural e uma do centro urbano; e uma representante da Secretaria de Trabalho e Promoção Social do município.

O levantamento bibliográfico – realizado por meio de documentos tais como livros, periódicos, artigos científicos, dissertações, teses, documentos oficiais e, ainda, de material pedagógico veiculado no Curso de Especializa-ção Educação, Pobreza e Desigualdade Social (CEEPDS), ofertado pelo Mi-nistério da Educação (MEC) – serviu como base para a concepção do campo analítico e para as reflexões teóricas do estudo proposto.

O presente capítulo se organiza em quatro seções, assim definidas: na primeira, de caráter introdutório, são apresentados o problema de pesquisa, a questão norteadora, os objetivos do estudo e a metodologia adotada. Na segunda seção, apresenta-se uma breve revisão teórica dos conceitos de pobreza e de desigualdade social. A terceira seção se refere à análise dos dados coletados, baseada nas entrevistas realizadas com os professores, alunos e comunidade sobre como percebem o PBF e sobre a melhoria da educação e a redução da pobreza. Na quarta e última seção são apresenta-das algumas aproximações conclusivas.

Um olhar teórico sobre pobreza e desigualdade social

Nesta seção, pretende-se delinear algumas concepções para pobreza e desigualdade social, presentes atualmente em grande parte do mundo, pois

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 163

inerentes a qualquer forma de estruturação social e ocorrendo, por vezes, no entendimento (diferente) de acumulação de bens materiais aos sujeitos de uma sociedade.

A pobreza é um fenômeno que pode ser analisado por meio de diferen-tes concepções. Para Altimir (1981), a explicação teórica deste fenômeno se dá em dois campos. No primeiro, se caracteriza a pobreza nos esquemas valorativos conservadores, em que ela é vista como acumulação dos efeitos de imperfeições inerentes ao funcionamento de um sistema socioeconômi-co e de um estilo de desenvolvimento, sendo reduzida a dados estatísticos. Na segunda explicação, a pobreza se manifesta em um esquema valorativo igualitarista e participativo, cujo centro do processo de desenvolvimento é ocupado pela satisfação das necessidades humanas, materiais, psicológicas e políticas, sendo considerada urgente a satisfação das necessidades bási-cas, o que exigiria combinar redistribuição com crescimento.

Em uma abordagem mais estrutural, a concepção de pobreza pode ser definida de forma que os pobres podem ser parcial ou definitivamente des-cartados do mercado de trabalho por possuírem renda instável, não possuí-rem poder e por lhes faltar instrução, o que lhes impede a promoção social, que os condena a viver num quadro cultural no limite da exclusão (PAUGAM, 1993, p. 21). No sistema capitalista de produção, a força de trabalho é o fator essencial para a expansão do capital, e "acumular capital é, portanto, aumentar o proletariado" (MARX, 1980, p. 714).

No que se refere à teoria de paradigma da resistência dos pobres, que se baseia nas teorias do micro poder de Michel Foucault e na política da cultura neogramsciana (1980-1990), afirma-se que há resistência onde está o poder, e mesmo que não se tenha uma ação coletiva, pode surgir a possibilidade de luta – isso pode ocorrer inclusive na Educação, em especial na educação popular. Bayat (2000) critica a indefinição conceitual desta teoria e questiona a possibilidade dos pobres resistirem sempre. Para isso, admite como base o estudo de Scott (1986), em que se apresenta o caráter impreciso desta teoria para ações coletivas já que a resistência é construída como um ato político intencional.

Bayat (1990) formula a teoria de política da rua, que tem por objetivo reto-mar as infrações praticadas de forma ilegal por trabalhadores informais que, para sua sobrevivência, ocupam espaços públicos como meio de assegurar seu trabalho – são os camelôs e ambulantes, por exemplo. Quando ameaça-das pelas autoridades políticas ou econômicas, estas práticas se organizam

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em resistência, ou por manifestações ou reação coletiva; no entanto, segun-do o autor, este "não-movimento não é capaz de transformações políticas mais abrangentes e mesmo não é este seu objetivo" (BAYAT, 2000, p. 553). Todavia, poderá tornar-se um ator político na medida em que é "mobilizado em bases coletivas, e suas lutas são articuladas a movimentos sociais mais amplos e a organizações da sociedade civil" (op. cit., p. 554).

A noção de pobreza também é frequentemente relacionada com o con-ceito de cidadania, na medida em que a pobreza é vista como ausência de direito e, nesse sentido, embora não se dissocie do campo econômico, a pobreza é situada predominantemente no campo político (TELLES, 1992).

A abordagem teórica que alicerça este trabalho se fundamenta na concepção de Amartya Kumar Sen, economista indiano e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998 que se empenhou no conhecimento sobre questões de cunho público, tendo como substrato para seu estudo o economista Kenneth Arrow (considerado um dos fundadores da moderna economia neoclássica). Contudo, o pensamento de Sen (2000) tem como abordagem a noção de capacidades (capability).

Para o autor, cada ser humano possui conjuntos de capacidades que são seus condutores de funcionamento, ou seja, "o estilo de vida de cada um". Sendo assim, portanto, ao se privar este indivíduo do que Sen (2000) trata como capacidades – capacidade de ser, de ter e de poder – se limita e se perde a liberdade pessoal. Como forma de enfrentamento para esta liberdade, o autor afirma que serviços sociais e fatores econômicos (saúde, educação e emprego) são importantes para uma legítima oportunidade de enfrentamento – o que nos remete a ponderar que, para Sen (2000), a po-breza é a privação de capacidades básicas que não somente tem a ver com a baixa renda econômica; evidentemente que a falta de renda, por si só, reflete na economia do país e dificulta, igualmente, a conversão da renda em funcionamentos socialmente adequados.

A concepção assumida neste trabalho indica a necessidade de proble-matizar o motivo do desenvolvimento enquanto divisão de recursos para desígnios com alcance de realização com valores individuais ou coletivos já que, para as capacidades humanas, a pobreza é relativa à riqueza e já que, por exemplo, um pobre desempregado, que recebe benefício/auxílio do governo, mesmo que sadio, apresenta uma privação menor que a de um rico acometido por uma grave doença. Este exemplo foi mencionado

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 165

porque as áreas de Saúde, Educação e Desenvolvimento, para Sen (2000), se inter-relacionam. O autor afirma que

o fato de que a educação e os cuidados de saúde podem ser produtivos a ponto de aumentarem o crescimento econômico reforça o argumento para conferir maior ênfase a esses arranjos sociais em economias pouco devolvidas (SEN, 2000, p. xx).

Porém, como alerta Sen (2000), a redução da pobreza medida pela renda não pode ser o único objetivo de políticas de combate à pobreza – esta, por sua vez, não pode ser circunscrita somente pela renda e querer justificar socialmente que os investimentos aplicados em serviços sociais são meios para a redução de tal, isso é confundir os fins com os meios (SEN, 2000, p. 114). A pobreza, segundo o autor, precisa ser entendida como uma privação da vida, mas estes indivíduos acometidos de tal privação possuem liberdade e capacidade humana para sua superação. No entanto, o aumento dessas capacidades aliado à expansão de produtividades pode ajudar na aquisição de renda, fazendo com que se diminuam as privações humanas. Uma abor-dagem de concepção multidimensional do desenvolvimento é vital para Sen (2000), já que a ampliação e o acesso ao mercado favorecem a oportunidade social; a visão de diferentes vias distributivas asseguram o acesso a bens públicos por parte da população carente e, ainda, os subsídios/transferên-cias de renda visam o auxílio de aprimoramento das capacidades básicas, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança social.

A concepção de desenvolvimento como liberdade considera três aspectos:

1. em uma perspectiva liberal, a expansão de liberdades não valoriza somente uma vida rica economicamente, mas também possibilita que pessoas sejam socialmente mais plenas, que interajam no e influenciem o mundo em que vivem – por exemplo, em uma discussão pública, em que se expandem capacidades básicas de todos os envolvidos, o que possibilita direitos democráticos e faz com que as "necessidades" sejam melhor conceituadas em suas variadas dimensões (e não reduzidas à questão da renda pessoal, familiar ou coletiva);

2. a partir de uma visão crítica do social, mesmo em países financeiramente ricos, alguns de seus cidadãos sofrem desvantagens nos serviços básicos de atendimento, como saúde, educação e emprego;

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3. com base em dados históricos acerca da democracia e das privações sociais, em países democráticos de direito não há registros de epidemia de fome já que as competências políticas assumem medidas preventivas em relação à fome e as suas causas, visando a continuidade do poder político adquirido.

Sen (2000) usa a abordagem das capacidades: a capacidade de ser, ao se referir ao desenvolvimento do indivíduo enquanto cidadão a partir do seu acesso a serviços básicos como saúde, educação e moradia; a capacidade de ter, que está ligada à capacidade de ser já que é preciso ser cidadão para ter a capacidade de consumo, de melhor emprego e, assim, ter renda para adquirir seus bens; e a capacidade de poder, quando já se conseguiu atingir as duas capacidades anteriores e, assim, se consegue acessar espaços de participação que necessariamente perpassam a Educação. Essas capacida-des são formas de compreender a injustiça social. No entanto, estas não são claras, de forma específica, como anseia a justiça social, de modo que o referido autor desenvolve sua argumentação com críticas implícitas ao IDH: embora este argumento tenha contribuído com ideias para compor tal índice, o pensador afirma que é necessária a existência de diversos elemen-tos para a tomada de decisão mais concreta. Seriam eles, por exemplo: a liberdade, a capacidade, os recursos, a felicidade e a igualdade – critérios a serem considerados, que um sistema predeterminado não incorpora como valores e elementos e, que, portanto, não se traduzem em um resultado úni-co e hierárquico em uma mesma sociedade.

Relações entre educação, pobreza e desigualdade social

A pobreza não é somente a insuficiência de renda, a incapacidade de gerar recursos ou a dificuldade para alcançar níveis mínimos de qualidade de vida como, por exemplo, a nutrição, a saúde, a alimentação, a moradia entre outros. Ela também é caracterizada pela ausência de recursos para a satisfação de necessidades básicas, como direitos educativos, morais, so-ciais, políticos, tecnológicos e ambientais, o que dificulta o desenvolvimento social e humano. A desigualdade social se manifesta, fundamentalmente, pela desigualdade econômica, isto é, quando poucos indivíduos são deten-tores de muitos recursos econômicos e muitos cidadãos vivem com quase nada – o que se caracteriza como uma má distribuição de renda e como uma falta de investimentos em políticas sociais.

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 167

É importante reconhecer a pobreza e as desigualdades, portanto, como componentes de uma questão social, uma questão política e um problema de Estado: um objeto de políticas públicas estatais capazes de alterar essa realidade. Mais do que visualizar que as escolas estão repletas de crianças pobres, é fundamental ponderar se este espaço tem competência de romper o paradigma que marginaliza os pobres, se é possível repensar os currículos e o exercício das práticas educacionais e sua sensibilidade para as questões da pobreza e suas vivências.

O ambiente escolar precisa romper com a visão individualista que exalta os que conseguem resultados positivos e rotula como fracassados aqueles que não obtêm êxito, assim como precisa fortalecer positivamente as polí-ticas sociais que garantam os direitos humanos sociais e o usufruto destes direitos em condições de igualdade para que todos, sem exceção, tenham uma vida digna, com garantia e proteção do Estado de Direito na garantia de educação, saúde, moradia, segurança, alimentação, trabalho, dentre ou-tros, não mais admitindo que os programas que asseguram esses direitos legítimos sejam conceituados como um desestímulo ao esforço de cada indivíduo.

A falta de oportunidade à instrução escolar institui um círculo vicioso encenado pela pobreza e pela falta de educação, já que os indivíduos têm a necessidade de ajudar a família e, para isso, precisam trabalhar; sem escola-rização e qualificações adequadas, não conseguem ingressar de forma aces-sível no mundo do trabalho de modo que lhes sejam fornecidas condições reais de melhoria de vida, o que pode provocar, além da exclusão econô-mica, uma restrição política e social, fazendo com que esses sujeitos sejam marginalizados e, com pouca capacidade de serem vistos e ouvidos, mesmo em um Estado Democrático – que pressupõe condições sociais, culturais, políticas e econômicas iguais para todos os cidadãos –, sejam apagados.

Desta forma, os pobres resistem sem direitos, em especial sem o direito de serem ouvidos. Ademais, não se emprega o "direito ao respeito", que determina o direito civil de cidadania, o que nos remete à obra Les pauvres [Os pobres], em que Georg Simmel (1906) faz referência ao fato de os pobres somente serem reconhecidos pelo Estado na condição de "assistidos", e nunca como sujeitos dotados de vontade própria, o que possibilita (e gera) uma violência simbólica1 (BRASIL, 2015).

1 Pierre Bourdieu, sociólogo francês, elaborou o conceito que descreve o processo em que são impostos valores culturais da cultura dominante ao indivíduo de forma

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168 | Pobreza, Desigualdades e Educação - Volume II

Assim, são geradas consequências negativas para a escolarização des-tes indivíduos desprovidos economicamente na medida em que, tradicio-nalmente, as instituições escolares não priorizam a garantia do direito ao conhecimento, de modo a auxiliar na emancipação de um ciclo vicioso da pobreza, mas tendem a reproduzir a moralização da classe dominante que, a todo custo, tenta empregar para a sociedade a incapacidade intelectual dos pobres.

O Programa Bolsa Família no Brasil e no Marajó/Melgaço

O Programa Bolsa Família (PBF)

O PBF foi criado pela Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004,2 tendo sido regulamentado pelo Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 20043 como uma reformulação e ampliação do extinto Programa Bolsa Escola, criado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e que abrangia em torno de 5,1 milhões de famílias. A partir da reforma e expansão, o número de bolsistas passou para aproximadamente 12,4 milhões, o que garantiu a transferência direta de renda do governo para famílias pobres e de extrema pobreza. Den-tre os objetivos do Bolsa Escola evidenciava-se o combate à pobreza e à ex-trema miséria, de modo que estes sujeitos conseguissem superar situações de vulnerabilidade e outras formas de privação de suas famílias, assim como promover a segurança alimentar e nutricional e o acesso à rede de serviços públicos de Saúde, Educação e Assistência Social, criando possibilidades de emancipação sustentada dos grupos familiares e do desenvolvimento local.

Neste sentido, o PBF é uma política pública que veio para assegurar o direito ao desenvolvimento. Conforme indica Sposati (2010, p. 289), um de

arbitrária, naturalizando-a. Seus efeitos têm caráter desenvolvido muito mais de forma psicológica.

2 BRASIL. Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família, altera a Lei no 10.689, de 13 de junho de 2003, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 jan. 2004. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2004/lei-10836-9-janeiro-2004-490604-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 10 dez. 2019.

3 BRASIL. Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004. Regulamenta a Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 2004. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2004/lei-10836-9-janeiro-2004-490604-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 10 dez. 2019.

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 169

seus efeitos mais importantes foi dar visibilidade ao número de famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza na sociedade brasileira. A invisibilidade tem subentendida em si o esforço da sociedade autoritária brasileira (CHAUÍ, 2000) em não reconhecer o indivíduo pobre como sujeito de direitos (REGO; PINZANI, 2013).

O Programa atribui requisitos em forma de compromisso, no qual estão abrigadas as áreas da Educação, da Saúde e da Assistência Social. Referi-dos requisitos precisam ser efetivados para a manutenção do recebimento mensal e para a continuidade no Programa. Na Educação, a frequência es-colar mínima deve ser de 85% para crianças e adolescentes entre seis e 15 anos e de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos; na Saúde, deve haver o acompanhamento do calendário vacinal e do crescimento e desenvolvimen-to para crianças menores de sete anos e o pré-natal de gestantes e acom-panhamento de nutrizes4 na faixa etária dos 14 aos 44 anos; na Assistência Social, deve haver uma frequência mínima de 85% da carga horária relativa a serviços socioeducativos para crianças e adolescentes de até 15 anos em risco ou retirados do trabalho infantil.

O PBF visa, dentre seus propósitos, estimular a integração e a oferta de outras políticas públicas sociais, em especial que atendam as famílias bolsistas. Estes propósitos são desenvolvidos por meio de ações em progra-mas complementares e que, em articulação com o Programa, têm como alvo contribuir para a diminuição de vulnerabilidade social em que essas famílias se encontram, promovendo sua inclusão social. Dentre alguns programas complementares articulados com o PBF estão os Programas Luz para Todos, Brasil Alfabetizado (PBA) e Projovem (ID Jovem). É possível constatar que o PBF visa enfrentar a pobreza em curto prazo quando oferece alívio ime-diato para a fome e para a privação de renda e, em longo prazo, o acesso à educação e aos serviços da saúde por meio de condicionalidades fixadas pelo Programa, com vistas à promoção de melhores oportunidades de qua-lificação e consequente inserção futura no mercado de trabalho, gerando renda sem precisar de transferência direta do governo e rompendo, portan-to, com um ciclo vicioso (o de que "a pobreza é transmitida de geração em geração" e de que "nada poder ser feito, pois se você é filho de pobre e vai continuar sendo pobre", de que "seu filho e as outras gerações serão pobres também"). Isso se deve, talvez, ao acesso reduzido ao conhecimento e à es-colaridade, o que causa, também, grande disparidade entre ricos e pobres.

4 Responsáveis por amamentar ou nutrir os filhos.

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O Programa Bolsa Família em Melgaço

Caracterização da pesquisa: locus da pesquisa (município de Melgaço) – aspectos histórico e físico-geográfico

Melgaço é um município brasileiro localizado no Estado do Pará, no Arquipélago de Ilhas do Marajó. Possui uma área de 6.774,069 km2 e uma po-pulação estimada em 26.652 habitantes em 2016 (IBGE, 2016). A maior parte da população reside na zona rural do município, onde a oferta de serviços básicos, como saúde e educação, ainda é reduzida. No entanto, o centro ur-bano também sofre com a falta de investimentos – ao andar pela cidade, por exemplo, observam-se, nas esquinas, depósitos de lixo e canais de esgoto corrente em frente às casas.

Figura 1 – Localização geográfica do município de Melgaço, no estado do Pará

Fonte: IBGE.

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 171

Figura 2 – Frente da cidade de Melgaço, no Pará

Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PRO-GRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO.

Figura 3 – Estrada de saída do Porto Moconha em Melgaço-PA

Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PRO-GRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO.

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Figura 4 – Pátio Central da E.M.E.F. "José Maria Rodrigues Viegas Junior" em Mel-gaço-PA

Fonte: Blog Marajó Notícias.

Observou-se, pelos resultados da pesquisa de campo realizada, a im-portância para a economia local atribuída ao Programa, visto que a dinâmica do comércio varejista e a própria cidade muda em época de recebimento dos benefícios do Programa. Segundo Brasilino (2006, p. 8), os municípios mais pobres acabam recebendo mais recursos do PBF do que o próprio repasse tributário. Ao dissertar sobre pobreza, é habitual presumir que se trabalhe com a questão de renda e, tão logo, de sua privação, tendo uma visão limitada de tal mazela social. Ao se tratar do PBF não é diferente, pois o que mais se veicula nos meios de comunicação nacional são os pontos a serem melhorados pelo Programa, como afirma Weissheimer (2006):

[...] desde seu lançamento o programa não teve, por parte da mídia bra-sileira, uma cobertura preocupada em constatar se essas janelas estavam de fato, se abrindo. A maior parte das matérias tratou de destacar irregu-laridades na execução do programa [...] O impacto do programa sobre o seu público-alvo recebeu bem menos destaque. [...] Oportunidades para a população pobre. Essa é uma boa síntese do espírito do Programa Bolsa Família (WEISSHEIMER, 2006, p. 47).

Em junho de 2008, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) realizou uma pesquisa nacional sobre a repercussão do PBF na se-gurança alimentar e nutricional das famílias bolsistas e traçou um perfil dos titulares do programa, assim composto:

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 173

• 94% são mulheres;

• 64% são pretos ou pardos;

• 85% dos titulares estão na faixa etária entre 15 e 49 anos;

• 78% das famílias residem em área urbana e 22% em áreas rurais, sendo que a maior concentração das famílias em áreas rurais está no Nordeste (50%);

• 81% dos titulares sabem ler e escrever, sendo que 56% estudaram até o Ensino Fundamental.

A pesquisa revelou, ainda, que no uso dos recursos disponibilizados pelo Programa entre os bolsistas pesquisados, 87% dos titulares investe em alimentação. No Nordeste, a porcentagem é de 91% e, no Sul, de 73%. A pesquisa indica, portanto, que o objetivo de garantir a segurança alimentar e combater a fome, em especial nas regiões mais necessitadas, está sendo possibilitado, focando nas necessidades mais urgentes.

Em relação ao estado do Pará, em consulta ao portal oficial do PBF,5 os números indicam que 143 cidades paraenses recebem o benefício do Bolsa Família, e 10.077.871 pagamentos já foram realizados no estado, totalizan-do um investimento de aproximadamente R$ 1.866.725.493,00. Em Melga-ço, foram realizados 38.569 pagamentos – o equivalente a um total de R$ 10.685.079,00. Os dados são atualizados mensalmente, conforme o repasse de informações das prefeituras.

Os dados referentes ao município de Melgaço no ano-exercício de 2015 são organizados na Tabela 1 a seguir.

Apesar de o Programa sofrer críticas, a priori, por levar em considera-ção a pobreza relacionada à renda, esta definição por si só não consegue explicar todo o encadeamento de apoio que o Programa proporciona ao indivíduo. É bem verdade que o PBF possui, como núcleo central, o atendi-mento às famílias que se encontram em situação de pobreza e de extrema pobreza e, assim, acaba por não atingir os indivíduos que estão no limite da pobreza por conta da diversidade econômica. Ao nos determos no municí-pio de Melgaço, o limite de inclusão ao acesso das famílias no Programa, por conta da cota estabelecida para cada município, impossibilita a inserção

5 Os dados disponibilizados são referentes ao ano-exercício de 2015. Um quadro atu-alizado das informações do município está disponível no seguinte endereço: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamilia/relatorio-completo.html. Acesso em: 10 dez. 2019.

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de novas famílias, mesmo que elas sejam extremamente vulneráveis e, por-tanto, portadoras desse direito. Assim, elas acabam sendo excluídas – o que demonstra a fragilidade do Programa nesse aspecto, pois não se assegura o acesso ao benefício a todos os indivíduos, já que existe uma limitação da quantidade de famílias a serem beneficiadas em cada município.

Tabela 1 – Histórico detalhado de pagamentos do Programa Bolsa Família realizados no município de Melgaço em 2015

Mês e ano Total de pagamentos Valor destinado

Janeiro/2015 3.563 pagamentos R$ 989.495,00

Fevereiro/2015 3.570 pagamentos R$ 992.201,00

Março/2015 3.564 pagamentos R$ 990.846,00

Abril/2015 3.497 pagamentos R$ 975.265,00

Maio/2015 3.500 pagamentos R$ 977.236,00

Junho/2015 3.449 pagamentos R$ 967.184,00

Julho/2015 3.448 pagamentos R$ 965.144,00

Agosto/2015 3.436 pagamentos R$ 954.792,00

Setembro/2015 3.368 pagamentos R$ 939.945,00

Outubro/2015 3.614 pagamentos R$ 975.793,00

Novembro/2015 3.560 pagamentos R$ 957.178,00

Total de pagamentos: 38.569

Valor total em reais: R$ 10.685.079,00

Fonte: elaboração própria, com base nos dados disponibilizados no Portal do MDS.

No ano de 2013 foi amplamente divulgado o ranking do IDH dos municí-pios brasileiros, e Melgaço ficou em última posição, com IDH-M de 0,418 em 2010 – um índice muito baixo que, na classificação, fica entre 0 e 0,499. São medidas as dimensões de longevidade, com índice de 0,776, de renda, com índice de 0,454, e de educação, com índice de 0,207.

O Quadro 1 a seguir demonstra a evolução do município segundo os componentes de renda, pobreza e desigualdade social.

A partir da análise dos dados de coleta, percebe-se a evolução e me-lhora na renda per capita, na diminuição da porcentagem de pobres e de extremamente pobres (apesar de não superar a média do ano de 1991, de modo que vale considerar que a população naquela época era menor). No entanto, houve o aumento do Índice de Gini, o que significa que há concen-tração de renda.

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 175

Quadro 1 – O município de Melgaço-PA segundo os componentes de renda, pobreza e desigualdade social

Renda, pobreza e desigualdade – Município de Melgaço-PA

1991 2000 2010

Renda per capita (em R$) 110,92 100,22 135,21

% de extremamente pobres 42,19 48,70 43,92

% de pobres 81,49 78,64 73,43

Índice de Gini 0,48 0,46 0,55

Fonte: PNUD, Ipea e FJP.

O Quadro 2 a seguir é um demonstrativo da evolução do município se-gundo os componentes do IDH-M.

Quadro 2 – O município de Melgaço-PA segundo os componentes de análise do IDH-M

IDH-M e seus componentes – Município de Melgaço-PA

IDH-M e componentes 1991 2000 2010

IDH-M Educação 0,024 0,065 0,207

% de indivíduos com 18 anos ou mais com Ensino Fundamental completo 1,80 5,03 12,34

% de indivíduos de cinco a seis anos na escola 7,63 19,26 58,68

% de indivíduos de 11 a 13 anos nos anos finais do Ensino Fundamental (regular seriado) ou com Fundamental completo

1,88 5,89 35,83

% de indivíduos de 15 a 17 anos com Ensino Fundamental completo 0,91 3,12 6,89

% de indivíduos de 18 a 20 anos com Ensino Médio completo 0,64 1,38 5,63

IDH-M Longevidade 0,547 0,665 0,776

Esperança de vida ao nascer 57,84 64,87 71,57

IDH-M Renda 0,423 0,406 0,454

Renda per capita (em R$) 110,92 100,22 135,21

Fonte: PNUD, Ipea e FJP.

Vale destacar a mudança de índices e a evolução no ano de 2010 quan-do, apesar do baixíssimo IDH-M, talvez por conta dos programas sociais, o

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acesso e a permanência nos espaços escolares de ensino, obteve-se uma maior longevidade e uma maior renda.

Análise e tratamento dos dados

Para a análise de conteúdo foram utilizadas as contribuições de Bardin (1977), Chizzotti (2006) e Gomes (2013). Desta forma, foram empregadas como alicerce as etapas descritas por Bardin (1977, p. 90-115), a saber: a) pré--análise; b) exploração do material; e c) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

O primeiro momento (de pré-análise) consistiu na seleção dos documen-tos aplicados e na transcrição das entrevistas realizadas com os bolsistas do Programa, com alguns professores/diretores de escolas e, ainda, com alguns representantes da Secretaria Municipal de Educação de Melgaço – dentre eles o próprio Secretário Municipal de Educação. Este momento inicial tam-bém previu a pré-análise de anotações e observações da pesquisa in loco, que almejava a busca por elementos de maior frequência.

O segundo momento (de exploração do material) se reservou à siste-matização, codificação e enumeração dos dados, visando a obtenção da frequência das categorias e subcategorias de análise. Apresentou-se, assim, uma categorização pertinente, que fosse significativa em relação ao conteú-do dos materiais analisados, constituindo-se numa reprodução adequada e pertinente destes dados.

Finalmente, na terceira e última etapa adotada (de tratamento dos resul-tados, com inferência e interpretação) foi feito o agrupamento de categorias, tendo como pilares de pesquisa as seguintes assertivas:

1. o Programa Bolsa Família e a permanência na escola;2. o Programa Bolsa Família e a permanência na escola são capazes de

contribuir para o enfretamento da pobreza e da desigualdade social.

Para a realização das tarefas desta etapa foram adotadas observações simples, visando uma melhor contextualização do locus de investigação por meio das entrevistas semiestruturadas, a partir das quais buscou-se conte-údo empírico para análise, coletado de um total de 15 entrevistados, asim figurados: E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11, E12, E13, E14 e E15.

No momento de acesso ao campo e de contato inicial com os entre-vistados, adotamos as sugestões de Minayo (2007, p. 66-68) no sentido de

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 177

explicar aos sujeitos a importância de sua participação, bem como o objeti-vo e a importância da pesquisa, enfatizando a seriedade e o compromisso acadêmico de nosso estudo – sempre de forma amigável, na tentativa de estabelecer a harmonia e a desinibição no momento das entrevistas.Expli-camos, então, como as entrevistas aconteceriam e dispomos a leitura do roteiro deixando claro que poderia surgir a necessidade de que novos ques-tionamentos fossem feitos, dependendo das respostas que fossem dadas às perguntas.

Feita a coleta de dados, foram dados os primeiros passos referentes à análise do conteúdo, originando as categorias empíricas – estas, em conso-nância com o referencial teórico adotado para a pesquisa.

Os sujeitos da pesquisa: o perfil dos entrevistados

Quadro 3 – Perfil dos entrevistados

Pseudônimo Sexo Relação com o Programa Bolsa Família

E1 F Representante da Secretaria Municipal de Trabalho e Promo-ção Social

E2 M Secretário Municipal de Educação de Melgaço

E3 F Diretora de Ensino da Secretaria Municipal de Educação de Melgaço

E4 M Bolsista do Programa

E5 F Bolsista do Programa

E6 M Bolsista do Programa

E7 M Bolsista do Programa

E8 F Bolsista do Programa

E9 F Bolsista do Programa

E10 F Bolsista do Programa

E11 F Diretora de Escola

E12 M Professor

E13 F Professora

E14 F Professora

E15 F Diretora de escola

Fonte: elaboração própria.

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O Quadro 3 oferece uma visão geral dos participantes da pesquisa. É possível perceber que os entrevistados são heterogêneos no que concerne ao sexo: dez entrevistados são do sexo feminino (F), o que representa um universo de 67%, e cinco são do sexo masculino (M)– uma amostragem de 33% do total de entrevistados.

É possivel verificar, ainda, que três dos entrevistados estão ligados à ges-tão do município, cinco participantes integram a educação formal de ensino (sendo um deles vinculado ao meio rural e os demais ligados à zona urbana de Melgaço) e sete são bolsistas do PBF, com características peculiares – por exemplo, na quantidade de filhos, que varia entre dois e sete dependentes.

A fim de contextualizar as falas do sujeitos – ou seja, promover uma aná-lise sob a ótica da amplitude da pesquisa – o conteúdo das entrevistas foi interpretado. São apresentados, a seguir, trechos de falas dos sujeitos da pesquisa, com o intuito de enriquecer a compreensão do objeto de estudo dessa investigação. As categorias de análise desenvolvidas a partir das cate-gorias empíricas, relacionadas no Quadro 4, são descritas junto dos critérios de análise para as entrevistas realizadas.

Quadro 4 – Critérios de análise das entrevistas

CATEGORIAS ANALÍTICAS CRITÉRIOS DE ANÁLISE

I) O Programa Bolsa Família e a permanência na escola

Qual concepção os entrevistados têm sobre a importância do PBF e o combate à pobreza?

Quais benefícios o Programa impacta na realidade local?

A escola contribui para a transformação da realidade das populações em situação de pobreza? Como?

II) O Programa Bolsa Família e a permanência na escola são capazes de contribuir para o enfretamento da pobreza e da desigualdade social

A teoria (currículo) se relaciona com as práticas pedagógicas contextualizadas na realidade local?

A frequência escolar (condicionalidade do programa) contribui para o rendimento dos alunos?

Como as questões sociais são discutidas no ambiente escolar?

Fonte: elaboração própria.

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Educação e pobreza na Amazônia Paraense: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em... | 179

A categorias empíricas apontadas a partir das falas dos sujeitos pesqui-sados se encadearam como desdobramento das categorias analíticas e são expostas no Quadro a seguir.

Quadro 5 – Categorias empíricas

CATEGORIAS EMPÍRICAS CRITÉRIOS DE ANÁLISE

Pobreza

Qual a importância do programa social no combate a minimização da pobreza?

De que modo a escola e a família contribuem para o enfrentamen-to da pobreza?

Transferência de renda

Qual é a sua avaliação acerca da transferência de renda realizada pelo Programa?

O que precisa ser melhorado no Programa?

Quais contribuições são possíveis a partir desta transferência?

Evasão escolar

Quais são as características dos alunos que permanecem na escola?

Quais motivos levam à evasão?

A frequência escolar significa desempenho satisfatório?

Fonte: elaboração própria.

As categorias analíticas, segundo Minayo (2004), são aquelas que retêm as relações sociais fundamentais e podem ser consideradas balizas para o conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais.

Análise das categorias

Deu-se início às análises do material coletado com base nos estudos teóricos realizados. Evidenciou-se, a partir das respostas obtidas, a unanimi-dade de aceitação positiva que o PBF estabelece para a realidade do muni-cípio em questão, visto que é importante ressaltar o nível de dificuldade que impacta Melgaço: o local sofre em relação à geração de emprego e renda, mesmo que o Programa analisado não dê conta de garantir cidadania e uni-versalização dos direitos sociais, já que não se adota a concepção universal de acesso a todos que necessitam do Programa para garantir pelo menos uma alimentação de qualidade por conta do acesso limitado de inserção

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neste. Alguns autores afirmam que países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, não conseguem desenvolver políticas públicas sociais de for-ma universal pois, se fossem baseados em um direito legítimo, todos que se enquadrassem nos critérios de seleção deveriam ter a possibilidade de exigir esse direito, inclusive pela via judicial.

A partir da análise dos dados foi possível perceber que o PBF favorece e estimula condições para o desenvolvimento das liberdades, conforme nos esclarece Sen (2000), já que as capacidades desenvolvidas podem influenciar no apoio público a partir do fornecimento de serviços básicos, como saúde e educação. Tais capacidades refletem de forma dinâmica na sociedade, pois se uma determinada política pública contribui com o desenvolvimento de capacidades humanas, por outro lado, capacidades humanas como a par-ticipação, por exemplo, poderão influenciar a definição de novas políticas públicas.

Na categoria analítica acerca da pobreza, a nossa percepção em relação aos dados coletados é a de que o PBF é considerado, para o município, o mais importante mecanismo de enfrentamento da pobreza, pois é o que permite a dinamização da economia e o que garante uma vida com menos miséria para aquelas pessoas, em especial as que estão na zona rural. São os benefícios recebidos por meio do poder público que garantem às famílias com maior carência alimentar o acesso à alimentação de forma mais prolon-gada, mesmo com recursos escassos e de forma compensatória. A pobreza neste município nos remete à análise de Grossi (2001, p. xx): "a renda das famílias aparece como uma variável de seleção fazendo com que os mais pobres nem mesmo procurem fazer valer os seus direitos" – sujeitos estes que, muitas vezes, só têm acesso a direitos básicos, como saúde e educação, por conta das condicionalidades estabelecidas pelo Programa.

Isso se reflete na fala do entrevistado E5 quando questionado sobre se o PBF lhe parecia importante para o combate à pobreza e se este contri-buía com a permanência dos estudantes na escola. As respostas foram as seguintes:

E5: Sim, porque na nossa comunidade quando não está na época do açaí é nossa única renda do mês.

E5: Sim, contribui porque se nossos filhos não vai [sic] para a escola a gente não recebe a bolsa, mas não é só por isso, é para a educação deles, né?

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As falas reafirmam não só a importância da renda financeira destinada pelo Programa, mas também a garantia de acesso e permanência de crian-ças e adolescentes na escola, distantes do trabalho infantil; mais ainda, ela reflete a execução de utilização de um serviço público, de direito garantido, com acesso à educação formal. O Programa não busca somente o alívio da pobreza de forma imediata, mesmo que direcionado à classe mais necessi-tada e sem contemplar a todos que precisam dele: ele proporciona um cres-cimento sustentável dos indivíduos que dele participam, possibilitando uma oportunidade de saída para a situação vivida por eles, mesmo que a longo prazo. São as articulações que as políticas sociais devem buscar, conforme anuncia Cohn (1995):

As políticas sociais devem buscar articulação entre as ações de curto prazo e de caráter mais imediatista, focalizada naqueles grupos identifi-cados como os mais despossuídos, e aquelas de longo prazo, de caráter permanente, universalizantes, voltadas para a equidade do acesso dos cidadãos aos direitos sociais, independentemente do nível de renda e da inserção no mercado de trabalho (COHN, 1995, p. 6).

Na categoria analítica que aborda a transferência de renda, o Programa garante às famílias a liberdade de aplicação do dinheiro por eles recebido, desde que cumpram as condicionalidades estabelecidas – compromisso este de contrapartida da família. Tal transferência não é isolada e se associa a outras ações e programas desenvolvidos pelo governo, que visa à geração de renda, à alfabetização e à liberação de microcréditos, servindo, ainda, como reparação de direitos, garantindo renda aos quilombolas e indígenas, por exemplo, mesmo que estes não tenham filhos. Sendo assim, o adequado cumprimento das condicionalidades (compromisso da família) pode garantir aos bolsistas o acesso a políticas sociais, que são de direito do cidadão, de modo que, a longo prazo, as famílias tenham mais chances de superar suas situações de pobreza.

É fato que o Programa recebe críticas em pontos que precisam ser melhorados – por exemplo, o critério de análise para distribuição, focalizada nas famílias a partir da renda e da composição dos familiares, fazendo distinção de seleção dos indivíduos que podem ser escolhidos, sendo estabelecido como critério um sujeito ser mais pobre do que o outro, não considerando os que estão no limite tênue da precariedade e esquecendo os direitos de cidadania e universalidade, que devem servir como princípio para uma política pública já que o direito humano tem, como base, o fato

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de um indivíduo existir, ou seja, sua condição humana – não a partir da imposição de condicionalidades ou de contrapartidas. A transferência de renda vinculada à Educação é potencializada ao ser capaz de amenizar a pobreza, a curto prazo, e reduzir a reprodução da pobreza de forma integral a longo prazo, envolvendo a família, e não somente mais um indivíduo.

A partir desse ponto de vista, portanto, o Estado não deveria punir ou excluir os bolsistas do Programa quando do não cumprimento das condicio-nalidades estabelecidas, apesar de que 100% dos bolsistas entrevistados concordam com elas e ressaltam, como um dos pontos positivos, o acesso e a permanência escolar das crianças e jovens contemplados. Os profes-sores e diretores que compuseram a pesquisa também afirmaram, em sua totalidade, que a garantia da permanência escolar está diretamente ligada ao Programa já que, segundo eles, os pais não teriam condições de manter seus menores na escola, mesmo que pública, pois estes ajudariam na com-posição da renda familiar, de alguma forma, já que o custo da oportunidade para as famílias pobres mandarem seus filhos para a escola é muito elevado devido à diminuição da (já reduzida) renda familiar. Então, um Programa que garanta uma renda fixa mensal a partir da ida e permanência dessas crianças na escola é de grande valia, e acaba sendo um mecanismo adotado para o rompimento da mazela social aqui exposta.

A questão da frequência escolar, por si só, não garante o bom rendimen-to ou o avanço dos estudantes: é necessária uma melhor avaliação neste quesito – apesar de que Programa impõe o acompanhamento para famílias que apresentam frequência escolar inferior ao mínimo exigido, por meio de trabalhos socioeducativos e encontros sistemáticos com as famílias, geral-mente promovidos no âmbito da política pública de Assistência Social. Des-sa forma, portanto, a escola é provocada a exercer seu papel de inclusão, ultrapassando seus limites físicos e incentivando a autonomia do cidadão na superação da condição que lhes é posta.

O Programa, ao se relacionar com a Educação e com a frequência esco-lar, visa estabelecer uma "aparente" nova relação entre educação e pobreza, de modo que a pobreza, para a geração futura, passa a ser uma questão de meritocracia, permanecendo nesta condição o indivíduo que não faz a sua parte, ou seja, aquele que não cumpre as exigências das condicionalidades dos programas sociais. Sabemos, de fato, que condicionar o aluno a estar presente em sala de aula não significa, consequentemente, um desempenho escolar favorável, pois o Programa, por si só, não se alinha a uma perspectiva

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que considere as especificidades das políticas educativas e que esteja cen-trada na análise pedagógica e, mais ainda, em sua dimensão pedagógico--didática. A condicionalidade da Educação no Programa, ao ignorar esse princípio básico, acaba por substituir a função pedagógica da Educação pela função social. Sendo assim, os princípios a partir dos quais o Progra-ma funciona são, de certa forma, equivocados, já que estes são pensados como relações contratuais, e não como direitos da cidadania – em que o ônus pelo cumprimento das condicionalidades acaba por incidir na família, e não no Poder Público, que se encontra incapaz de atender as demandas pelos serviços.

A contribuição pedagógica da escola precisa ser mais bem-tratada pelo PBF, de forma que o recebimento do benefício não esteja diretamente (e somente) ligado à frequência escolar já que, após a saída do Programa, em pouco contribuirá nas condições de vida desses alunos. Como dito ante-riormente, é preciso "viver a escola", fazer parte de sua dinâmica, de sua transformação, e não somente "estar na escola" de forma que não interajam, que não participem dos processos de tomada de decisão ou que não par-ticipem das aulas de forma crítica e dinâmica. É preciso, portanto, fomentar estímulos para que o professor também promova momentos de interação.

Na categoria referente à evasão escolar, encontramos similaridades e contradições. As similaridades presentes destacam que a permanência na escola está intimamente ligada ao recebimento da bolsa, que os alunos que não evadem a escola são os que recebem o recurso financeiro e que há maior interesse dos responsáveis em manter o aluno que recebe o dinheiro. Isso nos mostra que a realidade social brasileira em relação à frequência mínima vinculada à transferência de renda é muito mais interessante do que construção de conhecimento, a formação humana e a proteção social, e que a frequência só é atingida por conta da condicionalidade estabelecida pelo Programa.

Esta dinâmica se reflete, claramente, no desempenho desses alunos no universo de oito participantes ligados à gestão do município e à edu-cação formal (professores/diretores): 62% dos entrevistados afirmaram que a frequência escolar se reflete em bons resultados de avaliação demons-trados por crianças e jovens, como explanaram os entrevistados E2 e E12, respectivamente:

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E2: Sim, por causa da obrigatoriedade do Programa [...] o aluno na escola aprende e depois do Bolsa Família nosso rendimento anual e aprovação aumentou muito, mas isso só ocorre se tiver acompanhamento, e isso aqui ocorre rigorosamente.

38% dos entrevistados remanescentes afirmaram que a frequência es-colar não assegura bons resultados na avaliação dos alunos bolsistas, como podemos identificar nos relatos do entrevistado E13:

E13: Tem aluno que não consegue se desenvolver, mesmo vindo todos os dias, muito por causa do ambiente em casa, né? Uns chegam na esco-la e dormem, outros vêm para brincar.

A partir da análise das respostas obtidas verificou-se que a responsa-bilidade atribuída à Educação e à escola nem sempre tem a ver com espe-cificidades educacionais – aliás, se atribui à educação um poder extremo, capaz de resolver problemas de cunho social que não lhe competem, como aborda Cury (2002, p. 169): não se deve exigir da escola o que não é dela, sendo necessária a superação da sua "concepção salvadora, redentora e equalizadora". É preciso romper com a visão de que a escola e a educação "tudo podem resolver" mesmo ser ter o mínimo de condições para isso.

Considerações conclusivas

Questões sociais que envolvem pobreza e desigualdade social são mui-to latentes e presentes no município estudado. A imersão teórica realizada permitiu uma análise crítica das respostas coletadas ao alicerçar as análises na concepção de Sen (2000). A partir de seu livro, Desenvolvimento como Liberdade, concordou-se com a perspectiva tratada como desenvolvimento a partir de capacidades e identificou-se que o PBF contém traços desta con-cepção, já que permite que o bolsista conquiste a capacidade de ser a partir do acesso aos serviços básicos como saúde e educação (e que são, conco-mitantemente, condicionalidades de permanência no Programa), a capaci-dade de ter quando, ao receber o valor referente ao benefício, o indivíduo consegue adquirir bens materiais e alimentos (ou seja, viver sua cidadania, movimentando a economia local) e, ainda, a capacidade de poder ao ingres-sar em espaços de participação e de tomadas de decisão, manifestando--se, aí, a capacidade de ser e, enfim, de se sentir cidadão. Apresenta-se ao indivíduo, assim, uma nova possibilidade de vida e de valorização para a vida

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que pretende escolher, indicando um novo foco no que se refere à pobreza, não mais só vinculada à renda, mas com possíveis condições de vida e de liberdade.

Em relação aos entrevistados, percebeu-se a homogeneidade de res-postas positivas no que diz respeito à importância do Programa para o combate à pobreza, em especial do município de Melgaço por conta de não haver o desenvolvimento de outra espécie de geração de renda e de perspectiva de trabalho para que seus cidadãos garantam a sua alimentação e, mais ainda, para que enfrentem as condições de desigualdade, já que a agricultura, em sua maioria, é de subsistência para aqueles que residem na zona rural. Especificamente quanto ao enfretamento da pobreza a partir de programas sociais, os bolsistas afirmaram desconhecer outro tipo de pro-grama social, talvez por falta de conhecimento ou por conta da mídia, que divulga de forma mais maciça que o Bolsa Família é o Programa destinado para esse enfretamento e combate.

Logo no início do Programa, ele foi visto como um grande e inovador es-forço para tratar e combater a pobreza, afigurado como um apelo silencioso dos pobres já que a contrapartida dos bolsistas era, de fato, "simples" – nas pastas da Educação e da Saúde são exigidas a permanência das crianças na escola e a regularidade de vacinas. Começaram a surgir, então, as críticas ao Programa ao se propagar a ideia de que se perderia o controle de nata-lidade por conta de que os bolsistas se sentiriam estimulados a "gerar mais filhos para poder receber mais recursos". No entanto, durante nossa pes-quisa, esta fala não esteve presente e tampouco foi percebida nas escutas realizadas no município.

100% dos entrevistados afirmaram que o Programa garante a perma-nência na escola, o que impacta diretamente na frequência escolar, mas não impacta na qualidade do desempenho escolar de forma satisfatória já que a escola, sozinha, não é capaz de garantir tal execução: é necessário o acompanhamento dos pais, como explanaram três entrevistados ligados diretamente à escola. É preciso, ainda, que escola e família caminhem na mesma direção, afinal ambas têm o mesmo objetivo, qual seja, promover a construção social do ser humano. Para tal, é importante que cada um faça a sua parte e obtenha êxito ao fazê-lo, ou seja: se faz necessário um trabalho coletivo de ações, processos e influências que possam intervir no desenvol-vimento humano dos indivíduos e seus grupos – um processo de Educação,

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em sua essência, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais.

Apesar deste impacto no desempenho ainda não ser visualizado, não há a garantia de que, daqui a algum tempo, essa realidade se transforme. De todos os modos talvez seja possível, com o acesso frequente à Educação e com o estímulo adequado partindo dos responsáveis e professores (a partir de aulas dinâmicas e atrativas, por exemplo), operar a mudança esperada.

Mesmo diante do fato de o Programa ainda não ter tido êxito total no que se refere ao desempenho escolar e à realidade, há algo de diferente no que diz respeito ao auxílio na minimização da pobreza no município em foco. Os bolsistas que participam do PBF são sujeitos que, antes, viviam em situa-ção de pobreza e extrema pobreza e que, atualmente, conseguem assegurar uma qualidade de vida melhor – avanço que possivelmente não teriam caso não recebessem tal recurso. Além disso, seus filhos não teriam acesso à edu-cação, pois precisariam contribuir com a renda familiar.

A transferência de renda por intermédio de programas sociais como o Bolsa Família, por exemplo, pode refletir uma progressão no campo das políticas públicas sociais, que visam ao enfrentamento da pobreza e da de-sigualdade social no Brasil. Já para o pensamento neoliberal, o avanço das políticas sociais significa um obstáculo na acumulação de capital e, também, um dos responsáveis pela crise que a sociedade enfrenta.

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Política nacional de assistência estudantil: contribuição para a permanência de alunos pobres nos cursos de Filosofia e Teatro da Universidade Federal do Tocantins (UFT)Doracy Dias Aguiar de CarvalhoRoberto Fransciso de CarvalhoElizamara Josiene da Silva

O estudo em tela resulta de uma pesquisa teórico-empírica intitulada "A per-manência dos estudantes nos cursos de Teatro e Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Palmas: o papel da política de assis-tência estudantil", realizada em 2016. De modo geral, este capítulo explicita e analisa aspectos da política de assistência estudantil que potencializam e/ou dificultam a permanência de estudantes pobres nos cursos de Artes/Teatro e Filosofia da Universidade. O estudo procurou entender, do modo mais específico, a perspectiva da política de assistência estudantil presente nos documentos institucionais da UFT, apreendendo a percepção dos for-muladores e executores da política de assistência estudantil da instituição e a contribuição da referida política nos cursos mencionados e revelando aspectos a ela relacionados que potencializam ou dificultam a permanência destes estudantes nos cursos em questão.

Utilizou-se, como metodologia, os estudos de caráter bibliográfico e do-cumental, abrangendo o conjunto normativo institucional e nacional, além da pesquisa de campo, realizada por meio da utilização de questionários envolvendo os formuladores da política de assistência estudantil da UFT, os estudantes/usuários desta política e seus executores no âmbito dos cursos de licenciatura em Filosofia e em Teatro e dos setores de Serviço Social e de apoio psicopedagógico.

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A concepção de política de assistência estudantil no Brasil: o caso do PNAES

A discussão sobre política de assistência estudantil brasileira situa-se nos contextos de luta pela democratização do acesso à educação superior e de busca pela garantia de condições de permanência dos estudantes das camadas populares nestes espaços, no âmbito do debate sobre o acesso a bens materiais e culturais socialmente produzidos em sentido amplo, opera-cionalizados pelo Estado na sociedade capitalista contemporânea.

O Estado tem papel fundamental no processo de produção e repro-dução do capital e, na passagem do século XX para o XXI, na qualidade de sistema de comando político abrangente do capital, o Estado moder-no "é, ao mesmo tempo, o pré-requisito necessário da transformação das unidades inicialmente fragmentadas do capital em um sistema viável, e o quadro geral para a completa articulação e manutenção deste último como sistema global" (MÉSZÁROS, 2006, p. 124-125). Sendo assim, o Estado deve ser entendido como parte constitutiva e permanentemente sustentadora da própria base material do capital, pois "ele contribui de modo significativo não apenas para a formação e a consolidação de todas as grandes estruturas reprodutivas da sociedade, mas também para o seu funcionamento ininter-rupto" (op. cit., p. 125)

O Estado – que não está acima do capitalismo, mas é parte constitutiva e constituinte deste –, em qualquer concepção, é uma das mediações de segunda ordem da maior importância no processo de desenvolvimento da sociedade capitalista (MÉSZÁROS, 2006) pois funciona como um corretivo dos desajustes que dificultam a reprodução do capital e, ao mesmo tempo, como impulsionador do seu desenvolvimento. Assim, as políticas educa-cionais em geral, incluídas as de Ensino Superior, precisam ser entendidas nessa primeira década do século XXI no contexto das diversas colorações desse Estado.

No âmbito da sociedade capitalista, o processo de produção e reprodu-ção tem assumido, de forma tensionada, perspectivas diversas de governo, em que ora o mercado é o principal regulador dos processos sociais, ora o Estado assume maior protagonismo. Nesse sentido, no período entre a Segunda Guerra Mundial e a primeira metade da década de 1970, o Estado assumiu a tendência liberal de cunho socializante ao lançar mão da doutrina keynesiana – que, ao contrário da teoria liberal clássica, defendia a interven-ção estatal como forma de reativar a produção e retomar as taxas de lucros

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(HARVEY, 2008). Ao final da década de 1970, em resposta à grande crise do capitalismo, o liberalismo conservador e elitista de Friedrich August von Hayek passa a se evidenciar sob uma "nova" roupagem – agora chamado neoliberalismo de mercado ou apenas neoliberalismo. De acordo com Libâ-neo, Oliveira e Toschi (2003), o neoliberalismo teorizado por von Hayek

não significa o fim do novo liberalismo, social-liberalismo, de Keynes e Dewey, ou mesmo uma negação de todos os fundamentos do liberalismo clássico, e sim uma nova, grande e complexa rearticulação do liberalis-mo, imposta pela nova ordem econômica e política mundial (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 86).

Acerca do neoliberalismo podemos dizer que, no Brasil, na primeira década do século XXI houve, em alguns aspectos, mudança na atuação do governo no que se refere à retomada do papel do Estado quanto ao desenvolvimento de algumas políticas sociais públicas de caráter inclusivo. A exemplo disso é possível mencionar as políticas educacionais relativas à educação superior pública que, em grande medida, objetivam assegurar a chamada inclusão social, por meio do ingresso diferenciado a partir de cotas sociais e étnico-raciais, o que tem sido objeto de críticas de muitos estudio-sos.1 As políticas de assistência estudantil – objeto da presente discussão – exemplificam algumas das referidas mudanças no âmbito universitário na perspectiva da garantia do acesso e da permanência das camadas popula-res nesses espaços – as quais ficaram, por muito tempo, impossibilitadas de acessar a universidade pública, sobretudo em cursos considerados elitiza-dos ou "de maior prestígio".

Juntamente com a luta pela educação superior no Brasil estava posta a demanda por condições de permanência e assistência aos estudantes po-bres, oriundos da classe trabalhadora. Os registros históricos acerca das lu-tas desse segmento no âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) datam da década de 1980, conforme indica o Fórum Nacional de Pró--Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace). Entretanto, de acordo com Costa (2010), foi em 1928 que ocorreu a primeira manifestação de apoio do Estado brasileiro aos universitários que estudavam em Paris por

1 Conferir, a esse respeito, entre outros, os seguintes autores: Oliveira (2000), Silva Junior e Sguissardi (2001; 2006), Neves (2006), Carvalho (2006), Léda (2007) e Léda e Mancebo (2009).

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meio da inauguração da Casa do Estudante Brasileiro, destinada a auxiliar os discentes que enfrentavam dificuldades de permanência na capital francesa.

Nessa mesma linha, a chamada Reforma Francisco Campos efetivou-se por uma série de decretos relacionados à educação brasileira (ROMANELLI, 2002). No âmbito da educação superior, a reforma se deu por meio do De-creto 19.851/1931, que propôs medidas de providência e beneficência ex-tensivas aos corpos discentes dos institutos universitários. Referido Decreto estabeleceu, ainda, que em tais medidas – de caráter socioeconômico mas, também, meritocrático – seriam incluídas "bolsas de estudo, destinadas a amparar estudantes reconhecidamente pobres, que se recomendem, pela sua aplicação e inteligência, ao auxílio instituído" (BRASIL, 1931).

No texto constitucional de 1934, o artigo 157, parágrafo 2o, estabeleceu a garantia de "auxílio a alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de estudos, assistência alimentar, dentária e para vilegiaturas" (BRASIL, 1934). Por sua vez, a Constituição de 1946 assegurou, no artigo 172, que "cada sistema de ensino terá, obrigatoriamente, serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados, condi-ções de eficiência escolar" (BRASIL, 1946). Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 4.024/1961) tratou a Assistência Social Escolar como uma incumbência dos sistemas de ensino e estabeleceu, respectiva-mente, nos artigos 90 e 91, que

em cooperação com outros órgãos ou não, incumbe aos sistemas de en-sino, técnica e administrativamente, prover, bem como orientar, fiscalizar e estimular os serviços de assistência social, médico-odontológico e de enfermagem aos alunos.

A assistência social escolar será prestada nas escolas, sob a orientação dos respectivos diretores, através de serviços que atendam ao tratamento dos casos individuais, à aplicação de técnicas de grupo e à organização social da comunidade (BRASIL, 1961, grifo nosso).

Referida Lei, apesar de evidenciar a necessidade de assistir aos estudan-tes pobres da escola pública, concebe a assistência social numa perspectiva particularista, emergencial e individualizada – contrária, portanto, à ideia da universalidade. A assistência estudantil foi concebida nessa mesma direção na Constituição de 1967, sendo que nesta foi adicionado apenas o direito à igualdade de oportunidades educativas.

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Já na Constituição Federal de 1988 a educação avançou do ponto do vista de sua concepção e garantia estatal, passando a ser concebida como "direito de todos e dever do Estado e da família" e assegurou, dentre outros princípios, em seu artigo 206, inciso I, que o ensino seja ministrado com base na "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola" (BRASIL, 1988).

Entretanto, a despeito dos avanços de 1988, a destinação específica de parte do fundo público para a assistência estudantil das Ifes só foi mate-rializada em 2007, como resultado da luta empreendida pelos estudantes e pelo Fonaprace, o que ocorreu de modo articulado com a expansão das vagas nas Ifes por meio do Plano de Reestruturação das Universidades Fe-derais (Reuni). Nesse context, pôde-se verificar, por parte da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (An-difes), a intensificação da defesa de condições de acesso e permanência na educação superior para os estudantes socioeconomicamente vulneráveis ao conceber a educação como "um bem público e o conhecimento como um patrimônio social" (ANDIFES, 2007, p. 2). A Andifes entende que as desigual-dades socioeconômicas são reproduzidas, em grande medida, no ambiente universitário, e envolvem parte significativa dos estudantes, o que resulta em evasão e retenção por estarem relacionadas a aspectos fundamentais da vida estudantil, tais como moradia, alimentação, manutenção, meios de transporte, saúde e rendimento acadêmico. Neste sentido, foi com o pro-pósito de desenvolver, articuladamente, ações assistenciais direcionadas à permanência estudantil, visando melhorar o rendimento acadêmico e evitar a evasão estudantil, que a Andifes elaborou o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).2

Sobre a evasão estudantil, é importante destacar que esta constitui um fenômeno complexo e multifatorial, conforme apontado pela Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras, uma iniciativa da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educa-ção (SESu/MEC) de 1997. Segundo a referida Comissão, existem três tipos de evasão, relacionados à desvinculação do curso, da instituição e do sistema. Segundo Dias, et al. (2010), os motivos que levam à evasão são diversos e se dividem em fatores "internos e externos". Os fatores internos se relacionam

2 Executado no âmbito do MEC, como finalidade ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal. Nesse Decreto o MEC adota a mesma perspectiva de política estudantil defendida pela Andifes. (BRASIL, 2010).

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ao curso e à instituição, enquanto que os externos dizem respeito a proble-mas de cunho pessoal, relacionados ao estudante. Referem-se aos fatores internos questões ligadas: à infraestrutura – que diz respeito ao espaço físi-co, como a ausência ou carência de laboratórios, bibliotecas, equipamentos etc.; ao corpo docente – que envolve a falta de interação entre estudantes e professores, além de apoio psicopedagógico; à estrutura curricular/ao turno do curso; e a programas de permanência. Já os fatores externos abrangem: a decisão equivocada e precoce em relação à escolha do curso; o curso como segunda opção e com baixa concorrência; as dificuldades escolares relativas à formação básica de qualidade, que contribuem para reprovações mais frequentes, atrasos e, consequentemente, desmotivação em relação ao curso; a insatisfação com o curso e com a futura profissão; as razões so-cioeconômicas ligadas a dificuldades financeiras, por exemplo, a conciliação entre estudo e trabalho; a distância entre residência e universidade, o que dificulta o custeio do transporte; e problemas de caráter pessoal: falecimen-to de familiar, doença, nascimento de filhos e dedicação ao casamento (DIAS et al., 2010).

Com a finalidade de contribuir com a permanência estudantil foi insti-tuído, em 2007, pelo governo federal, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), por meio da Portaria Normativa no 39, de 12 de dezembro de 2007, regulamentado em 19 de julho 2010 pelo Decreto 7.234/2010.3 Sua implementação envolve a participação de profissionais de áreas diversas, como assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, nutricionistas, dentre ou-tros, por meio de equipes multidisciplinares cujas competências e contribui-ções são imprescindíveis para o atendimento das demandas do segmento estudantil na educação superior.

Desde 2010 a Andifes e o Fonaprace têm levantado indicadores que nor-teiam os principais programas de permanência estudantil nas Ifes. Tais indi-cadores abrangem: a) Migração/Moradia; b) Alimentação; c) Manutenção e Trabalho; d) Meio de Transporte; e) Saúde; f) Acesso à Biblioteca; g) Acesso à Cultura, ao Esporte e ao Lazer; h) Conhecimento Básico de Informática; i) Domínio de Língua Estrangeira e; j) Movimentos Sociais.

3 O Plano explicita: princípios; objetivos e metas; áreas estratégicas; investimento; neces-sidade de pessoal; e acompanhamento. No Portal do Ministério da Educação (MEC) há um texto de apresentação sobre ele, disponível seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/pnaes.

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O Quadro 1 evidencia o número de estudantes atendidos no âmbito do Pnaes no ano de 2011 e demonstra uma significativa variação quanto aos indicadores explicitados em 2011 em relação aos dados levantados nos anos de 1997 e 2004, anteriores à existência do Pnaes.

Quadro 1 – Quantitativo de estudantes atendidos pela política de assistência estu-dantil brasileira no âmbito do Pnaes

ITENS PESQUISADOS 1997 2004 2011

a) Migração/Moradia

Estudantes que se deslocam de seu contexto familiar ao ingressarem na universidade

34,79% 30,5% 65,15%

Os estudantes que não residem com os pais/cônjuges ou em casas mantidas pelas famílias e que pertencem às categorias C, D e E

12,34% 12,4% 47,61%

Defasagem existente entre a demanda potencial e a demanda atendida pelas moradias estudantis

9,94% 7,5%Sem dados

b) Alimentação

Estudantes que frequentam o restaurante universitário como necessidade básica

19,10% 24,7% 15,03%

c) Manutenção e Trabalho

Estudantes que exercem atividades não acadêmicas remuneradas

42% 35,4% 37,63%

Estudantes que exercem atividades acadêmicas remuneradas 16,83% 19,10% 32,68%

d) Meios de Transporte

Estudantes que utilizam transporte coletivo 60,60% 59,9% 56,56%

e) Saúde

Estudantes que utilizam os serviços de saúde pública 27,22% 37% 41,68%

Estudantes com menos de vinte anos 21,41% 23,8%

73,7% (menos de 23 anos)

Estudantes que são acometidos por dificuldades emocionais no início do curso

Sem dados

39,5% 43%

Estudantes que apresentam necessidades significativas ou crise emocional durante o último ano do curso

Sem dados

39,95% 47,7%

f) Acesso à Biblioteca

Estudantes que utilizam as bibliotecas para consulta acadêmica 79,9% 65,4%Sem dados

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Estudantes que buscam atividades relacionadas a lazer e cultura

11,25% 17,2% 2/3

g) Acesso à Cultura, ao Esporte e ao Lazer

Estudantes que leram de um a seis livros por ano 46,7% 62,4%Sem dados

Estudantes que praticam frequentemente ou sempre ativida-des físicas ou esportivas

86% 34% 59,45%

Estudantes que têm como única fonte de informação o telejornal

55,13% 51,1% 20%

h) Conhecimento Básico de Informática

Estudantes que têm conhecimento em informática 22,85% 43,9% 99,28%

i) Domínio de língua estrangeira

Estudantes que dominam língua estrangeira 30,2% 37,1% 63,76%

j) Movimentos Sociais

Estudantes que participam de movimentos sociais 58% * 4,5%

Estudantes que participam de movimentos religiosos 24,67% 24,8%Sem dados

Estudantes que participam de movimentos estudantis 11,14% 7% 5,8%

Estudantes que participam de atividades político-partidárias 7,97% 5,1%Sem dados

Fonte: sistematização própria, a partir de dados oferecidos pela Andifes (2011).

Para fazer frente à demanda diagnosticada no âmbito do Pnaes, o go-verno federal tem dispendido recursos em uma perspectiva crescente (mas ainda insuficiente) para atender os estudantes menos favorecidos socioeco-nomicamente e assegurar sua permanência e formação. O Quadro 2 expli-cita o volume de recursos destinados nacionalmente ao Pnaes, que saltou de 125,3 milhões em 2008 para 742,7 milhões em 2014, demonstrando uma significativa expansão de recursos. No entanto, o investimento ainda está aquém das demandas apresentadas pelos estudantes, conforme discutire-mos posteriormente.

Quadro 2 – Recursos investidos no Pnaes, anualmente, pelo governo brasileiro

Ano Recurso

2008 125,3 milhões

2009 203,8 milhões

2010 304 milhões

Quadro 1 – Continuação...

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2011 395 milhões

2012 500 milhões

2013 603,8 milhões

2014 742,7 milhões

Fonte: elaboração própria, a partir de dados oferecidos pelo MEC (2015).

De acordo com a Andifes, a participação dos estudantes nos programas de permanência é responsável pela melhoria significativa do rendimento acadêmico destes sujeitos, haja vista os resultados de pesquisas realizadas pela referida Associação. Por essa razão, faz-se necessário compreender as políticas que geram e orientam estes programas, a fim de elucidar seus im-pactos contextualizando-os com a realidade da UFT, particularmente, aos cursos que são objeto de análise da presente pesquisa.

Assistência estudantil na UFT a partir do Pnaes: o caso dos cursos de licenciaturas em Filosofia e em Teatro

Assim como as demais Ifes brasileiras, a UFT implementa o Pnaes, que tem por finalidade "ampliar as condições de permanência dos jovens na edu-cação superior pública federal" (BRASIL, 2010, p. 1) Como forma de garantir a permanência do estudante, "a UFT/Campus de Palmas tem desenvolvido um conjunto de programas e serviços de assistência e apoio ao aluno" (UFT, s/d, p. 1). No Campus mencionado, os principais setores de apoio aos estudantes são: o de Apoio Psicopedagógico (APP)4 e o de Serviço Social. O primeiro "tem como principal objetivo oferecer apoio pedagógico e psicológico aos alunos dos cursos de graduação do Campus de Palmas" (UFT, s/d, p. 3), e desenvolve ações tal como o projeto acolhimento, organizado e executado em conjunto com o Setor de Serviço Social e outros setores e que acontece na primeira semana de cada semestre letivo. Por meio desse projeto são disponibilizadas informações importantes sobre a instituição e os serviços de apoio ao estudante. O APP também oferece oficinas voltadas a reflexões em grupo acerca das habilidades acadêmicas, palestras com temas voltados à trajetória acadêmica do universitário e atendimento individual (de apoio pedagógico e/ou psicológico, conforme a demanda do aluno e mediante

4 A nomenclatura do setor em questão foi alterada, em 2016, passando a denominar-se Apoio ao Estudo e à Carreira (Apec).

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agendamento) (UFT, s/d, p. 3). Já o Serviço Social é responsável por "desen-volver ações vinculadas a diversos programas de acesso e permanência" e atua na "identificação, atendimento e acompanhamento das demandas so-ciais dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica" (UFT, s/d, p. 17). Dentre as ações/programas desenvolvidos pelo Serviço Social/Campus de Palmas, estão: a) o de Auxílio Permanência, que consiste em uma bolsa no valor de R$ 400,00; o Auxílio Alimentação, que trata da isenção total ou parcial do pagamento da refeição no restaurante universitário; o Auxílio Saúde, que subsidia o tratamento dos estudantes na área de Saúde Mental e consiste no repasse mensal de R$ 350,00 para custear despesas com médicos ou psicólogos ou, ainda, para comprar medicamentos de uso controlado; e o Programa de Apoio à Participação de Discentes em Eventos, que subsidia, financeiramente, a participação dos estudantes em eventos acadêmicos, político-acadêmicos, científicos e culturais, de abrangência lo-cal/institucional, regional e nacional. Tais ações/programas se destinam aos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com exceção deste último, que atende, também, estudantes com renda su-perior à estabelecida pelo Decreto 7.234/2010. Além dos programas imple-mentados, o Setor de Serviço Social oferta o plantão social, que diz respeito às etapas de acolhimento, análise e encaminhamento (interno e externo) das demandas socioeconômicas dos estudantes da UFT (UFT, s/d, p. 17).

A UFT tem recebido um volume significativo de recursos provenien-tes do Pnaes, contabilizando, inicialmente, em 2009, um montante de R$ 3.357.936,92 e chegando, em 2015, a R$ 8.381.287,40, conforme demonstra o Quadro 3.

Quadro 3 – Recursos investidos no Pnaes/Ano – UFT

AnoRECURSO INVESTIDO

Assistência financeira (custeio) Investimento (capital)

2009 R$ 3.357.936,92 ---

2010 R$ 2.294.586,00 ---

2011 R$ 2.100.000,00 R$ 3.000.000,00

2012 R$ 3.135.593,00 R$ 3.000.000,00

2013 R$ 3.767.609,00 R$ 3.200.985,00

2014 R$ 3.074.712,00 R$ 5.648.479,00

2015 R$ 8.381.287,40 ---

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Fonte: elaboração própria, a partir dos dados oferecidos pela UFT (2016).

Por falta de informações institucionais sistematizadas não foi possível apurar, fidedignamente, o quantitativo de estudantes atendidos na UFT no Campus de Palmas, nem mesmo nos cursos de licenciatura em Filosofia e em Teatro, objeto do presente estudo.

A assistência estudantil da UFT: a percepção de formuladores, executores e estudantes/usuários

Os dados a seguir têm por base a pesquisa realizada por Silva (2016) coletados junto aos formuladores da política de assistência estudantil no âmbito da gestão da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proest) da UFT e da Direção do Campus de Palmas,5 aos executores diretos das referidas políticas (Setores de Serviço Social, de Apoio Psicopedagógico e Coordena-ções dos Cursos de Filosofia e de Teatro)6 e aos 28 estudantes/usuários das políticas de assistência estudantil.7

A assistência estudantil da UFT: a percepção de formuladores

Tendo presente a discussão anterior sobre a inclusão das camadas popu-lares nas Ifes operacionalizada pelo Estado brasileiro, o estudo questionou se os programas desenvolvidos no âmbito do Pnaes/UFT têm atendido às necessidades da Universidade tendo por objetivo explicitar a concepção dos gestores e formuladores acerca da política de assistência estudantil praticada pelo governo federal. As respostas dos formuladores foram di-vergentes: o F1 afirmou que tais programas não atendem às necessidades da universidade pois, "após a lei de cotas, a demanda se ampliou a um nível que os recursos não conseguiram acompanhar", enquanto que o F2 afirmou o contrário.

Ao serem questionados se a Política de Assistência Estudantil adotada pela UFT atende às necessidades dos seus alunos, o F1 respondeu que "em parte. Ainda não conseguimos trabalhar todas as áreas estratégicas do

5 Os formuladores/gestores das políticas de assistência estudantil da UFT (vinculados à Proest) e do Campus de Palmas serão denominados, respectivamente, F1 e F2.

6 Os quatro setores, denominados executores das políticas estudantis, receberão as seguintes designações: E1, E2, E3 e E4.

7 Os estudantes/usuários das referidas políticas serão denominados com designações que irão de EU1 a EU28.

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Pnaes pela insuficiência orçamentária e de recursos humanos". O F2, no en-tanto, afirmou que não atende e acrescentou que "não existe diagnóstico e acompanhamento" de tal política.

O estudo buscou evidenciar, também, em que medida a Política de As-sistência Estudantil da UFT atende às necessidades dos estudantes socioe-conomicamente vulneráveis, conforme as áreas estratégicas do Pnaes, a fim de identificar o grau de atendimento/de (in)satisfação no âmbito de cada área. Dois formuladores/gestores divergiram em relação a algumas áreas e convergiram quanto a outras. No que tange à moradia estudantil, para o F1, esta é insatisfatória e atende apenas em parte, enquanto para F2 não aten-de. Quanto à alimentação é satisfatório para o F1, pois atende totalmente. Já para o F2, atende apenas em parte. Em relação ao Transporte, também houve discordância: F1 respondeu que atende em parte e é insatisfatório; F2, entretanto, afirmou que não atende. Sobre os indicadores de assistência à Saúde, inclusão digital e creche, as respostas de F1 e F2 convergiram, e ambos responderam que a Universidade não atende nessas áreas. No tocan-te ao apoio psicopedagógico, as respostas foram diferentes: F1 afirmou que atende em parte e de forma insatisfatória; F2, entretanto, afirmou que não atende. No que se refere ao auxílio à participação em eventos, houve con-vergência nas respostas: ambos (F1 e F2) responderam que o grau de atendi-mento é satisfatório, pois atende totalmente. Também houve concordância quanto às áreas referentes ao auxílio permanência e aos auxílios emergen-ciais: F1 e F2 afirmaram que, nesse âmbito, o atendimento é insatisfatório, pois apenas parte das necessidades são atendidas. F1 acrescentou, ainda, que a área relativa ao apoio às atividades esportivas é atendida apenas em parte, portanto, de modo insatisfatório.

Em relação aos recursos orçamentários e financeiros destinados à UFT, buscamos verificar se estes são suficientes para a implementação dos pro-gramas referentes à política de assistência estudantil. F1 e F2 discordaram a esse respeito. Para o primeiro, são insuficientes pois, com o advento da Lei de Cotas, houve uma expansão da demanda e os recursos não foram ampliados na mesma proporção, enquanto que F2 compreende o contrário.

Ao serem questionados se os recursos do Pnaes se destinam exclusi-vamente aos programas de permanência, ambos responderam que sim. F1 acrescentou que

F1: [...] o Pnaes é bastante claro quando orienta as Ifes a trabalharem as ações de assistência estudantil de forma multidisciplinar. Aliando as

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atividades de ensino com outras pró-reitorias, sempre garantimos que as questões econômica e social sejam pré-requisitos para a participação nas atividades.

Sobre a existência de equipes multiprofissionais para atender os estu-dantes, conforme previsto pelo Pnaes, F1 e F2 afirmaram que estas não exis-tem em todos os campi e assim justificaram a inexistência, respectivamente:

F1: Pela falta de concursos suficientes, e ainda, pela alta demanda em termos de funcionários administrativos nos campi, que ainda impede a priorização da abertura de vagas, quando disponíveis, para profissionais específicos que trabalhem com a assistência ao estudante.

F2: O governo federal implantou a política e não garantiu todas as con-dições – pessoal e de orçamento – às Ifes.

Buscamos averiguar, também, o grau de importância dos programas de assistência estudantil para os alunos. Quanto à moradia e alimentação, F1 e F2 entendem que são "muito importantes" e "importantes", respectivamen-te. Em relação ao transporte, à assistência à saúde e ao apoio psicopeda-gógico, F1 os considera importantes; F2, entretanto, não opinou a respeito. Inclusão digital, creche e auxílio à participação em eventos foram âmbitos considerados importantes pelos dois respondentes. Quanto ao Programa Auxílio Permanência, este é considerado "muito importante" para F1 e "importante" para F2. No tocante ao Programa de Esportes, apenas F1 se manifestou, informando que o considera importante.

No que concerne aos critérios utilizados para definição das prioridades a serem atendidas pelo Pnaes, F1 e F2 responderam, igualmente, que tal definição ocorre por meio de assembleias e seminários envolvendo a co-munidade estudantil. No espaço destinado a acréscimos e considerações, somente F2 se manifestou, argumentando que

F2: [...] a política deve existir porque ainda não foi implantada. Falta diagnóstico do que é necessário para efetivar a política, faltam recursos humanos para implantar a política. Se faz necessário o acompanhamento dos beneficiados para saber a efetivação dos gastos.

A percepção dos executores da assistência estudantil na UFT

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Os executores da política em questão foram questionados sobre a im-portância atribuída aos programas de assistência estudantil. Eles apontaram, conforme os propósitos do Pnaes, respectivamente, a seguinte ordem: 1o) permitir que alunos com famílias de baixa renda frequentem a universidade; 2o) garantir a permanência do aluno, diminuindo a evasão escolar; 3o) manter alto o desempenho acadêmico dos alunos; 4o) criar espaços de sociabiliza-ção fora da sala de aula; e 5o) fazer com que os alunos tenham mais recursos financeiros para outros gastos pessoais, como acesso ao lazer e cultura.

Quando solicitados a avaliarem a política de assistência estudantil da UFT no tocante à permanência e ao sucesso acadêmico do estudante, entre cinco respostas disponíveis – muito bom, bom, regular, ruim e muito ruim –, os quatro respondentes avaliaram tal política como "regular". Quanto a essa questão, E1, E3 e E4 argumentaram, respectivamente, o seguinte:

E1: Falta uma política de moradia estudantil adequada e atenção à saúde mais abrangente. O recurso destinado a cada estudante é bem pequeno.

E3: Não possui suficiente transparência que permita avaliar lucidamente.

E4: A Universidade ainda necessita avançar no que tange ao planejamento e priorização dos alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômi-ca. Enquanto se atende alunos que não cumprem os critérios de renda estabelecidos pelo Pnaes, alunos com perfil de vulnerabilidade deixam de ser atendidos nos processos seletivos em razão do limitado número de bolsas ofertadas.

Sobre os programas de assistência estudantil em funcionamento no mo-mento da realização da pesquisa, as respostas foram as seguintes:

• Moradia: não funcionam (E1 e E4); funcionam (E2 e E3).

• Auxílio Alimentação (Restaurante Universitário [RU]), Apoio Psicopeda-gógico, Auxílio à Participação em Eventos e Auxílio Permanência: segun-do os quatro entrevistados, estes setores estão em funcionamento.

• Assistência à Saúde: E1 e E4 afirmaram que estão funcionando, em pro-cesso de implantação; E2 e E3 desconhecem.

• Auxílio Transporte: E1 e E4 afirmaram que não funciona; E2 afirmou que sim e E3 desconhece.

• Inclusão Digital e Creche: E1 e E4 responderam que não estão funcio-nando; E2 e E3 não têm conhecimento a respeito.

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• Auxílios Emergenciais: E1 e E4 afirmaram que estão em funcionamento; E2 não respondeu e E3 afirmou desconhecer.8

Acerca da ordem de importância e de prioridade que os programas de assistência estudantil deveriam ter, os executores apontaram, em primeiro lugar: os Auxílios Permanência e Alimentação, o Apoio Psicopedagógico e a Moradia Estudantil. Em segundo lugar ficou o Transporte, seguido, em terceiro lugar, do programa de Creche. Em quarto lugar, foram apontados os programas de Assistência à Saúde, os Auxílios Emergenciais e a Inclusão Digital e, por último, em quinto lugar, foi indicado o Programa de Auxílio à Participação em Eventos.

Buscamos verificar em que medida a política de assistência estudantil atende às necessidades dos estudantes desfavorecidos socioeconomica-mente, conforme as áreas/indicadores estratégicos estabelecidos pelo Pna-es: moradia estudantil; alimentação; transporte; assistência à saúde; inclusão digital; creche; apoio psicopedagógico; auxílio à participação em eventos; e auxílio permanência. Em geral, a maioria dos respondentes (58%) apontou que o conjunto dos programas oferecidos pela UFT é insatisfatório para o atendimento aos estudantes. Para outra parte (26%), inexiste o atendimento para a maioria das áreas do Pnaes; e um número menor de respondentes (16%) afirmou ser satisfatório o atendimento, pois todos os estudantes em situação de vulnerabilidade social são atendidos.

No que se refere à avaliação da gestão da Proest da UFT em relação à política de assistência estudantil, três respondentes avaliaram como re-gular e um como ruim. A esse respeito, três participantes argumentaram o seguinte:

E1: Muito recurso para participação em eventos. Moradia estudantil inci-piente, falta transparência dos recursos financeiros. Falta informatização dos processos. Muito politizada.

E3: Deveria ampliar as políticas de permanência; praticamente não te-mos como avaliar pois não conhecemos com suficiente clareza a natureza da política.

E4: Não há planejamento participativo e os fluxos são alterados cons-tantemente conforme as situações se apresentam. Na maioria das vezes

8 O Auxílio Moradia foi implantado pela UFT em 2017 e consiste no valor de R$ 330,00, pago semestralmente aos estudantes, conforme perfil socioeconômico e disponibilida-de orçamentária.

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a Proest não anuncia formalmente as mudanças ao Campus, gerando transtorno aos estudantes.

Sobre a gestão do campus de Palmas em relação à política de assis-tência estudantil, três respondentes avaliaram como "regular" e um como "ruim". Todos apresentaram argumentos:

E1: O envolvimento do campus se limita a situações de urgência.

E2: Precisa ampliar o atendimento e realizar o mapeamento da real ne-cessidade da assistência estudantil.

E3: Se é uma política, como ocorre esse processo político? Quais os fun-damentos sociológicos da assistência estudantil? Os egressos do Ensino Médio conhecem alguma "política" de assistência?

E4: Devido à forma de gestão da Proest o Campus tem dificuldades em traçar um fluxo e definir estratégias de atuação contínua nesse âmbito, isso atrapalha o andamento do trabalho e, muitas vezes, confunde o alu-no quanto aos procedimentos a serem seguidos.

Quando questionados se o valor do Auxílio Permanência (de R$ 400,00) seria suficiente para custear as despesas dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica e garantir sua permanência e sucesso aca-dêmico, todos responderam que é insuficiente.

E1: O estudante que não pode contar com ajuda de familiares necessita de moradia, alimentação, transporte, comprar remédios, roupas, material escolar e cópias, precisa também de esporte e lazer.

E2: Esse valor está defasado em relação ao custo de vida em Palmas.

E3: Não é suficiente, é paliativo, mas, em regiões interioranas faz uma diferença maior em relação às capitais. Não deveria ser auxílio, mas ga-rantia de permanência.

E4: Boa parte dos alunos moram [sic] de aluguel, pagam [sic] transporte e despesas relativas aos cursos. Esse valor não custeia sequer o pagamen-to do aluguel, que é caro em Palmas, portanto, é insuficiente para custear despesas básicas e assim, garantir a permanência, com qualidade.

No tocante aos aspectos da política de assistência estudantil que faci-litam ou dificultam a permanência dos estudantes em seus cursos, apenas três participantes responderam, apontando como aspectos facilitadores os programas de Auxílio Alimentação, de Auxílio Permanência e de Apoio

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Psicopedagógico (E1 e E4). E3 argumentou que a política "modifica a cultu-ra entranhada nas elites brasileiras que pensam que a universidade federal deve ser para as classes A e B; ensina aos professores universitários o tama-nho do nosso abismo social (em tese)". Sobre os aspectos dificultosos, E1 elencou: a morosidade no processo; a insuficiência de recursos e equipes e espaços de trabalho e de atendimento ao aluno inadequados; a ausência de projetos que fomentem o esporte e a cultura na assistência; e a falta de editais de fluxo contínuo e programas de nivelamento da aprendizagem. E3 apontou os seguintes: pouco controle social; inexistência de programas de permanência no Ensino Médio como fundamento para uma política social mais ampla; não divulgação dos editais nas escolas públicas; e pouca trans-parência dos programas para os colegiados de curso da UFT. Já E4 indicou: a exigência excessiva de cumprimento de carga horária9 aos alunos do Pro-grama Auxílio Permanência; e um número de bolsas insuficiente em relação à demanda pelo Auxílio Permanência, o que implica na descontinuidade do pagamento do auxílio para muitos estudantes em razão da alta e crescente demanda, que é desproporcional ao número de auxílios ofertados.

Ao fazerem suas considerações sobre a política de assistência estudantil e seus impactos para a permanência dos estudantes/usuários, E1 afirmou que "a questão do acolhimento de alunos indígenas, estrangeiros e oriun-dos de escola pública (nivelamento) ainda é pouco discutida". Para E3, "a política não pensa o transporte do aluno; não garante a permanência e a conclusão do curso; não é vinculada diretamente aos bens culturais e sociais; e o esclarecimento docente sobre o papel social do professor na mobilidade social é relativo". E4 acrescentou, ademais, que

E4: [...] a UFT está em processo de discussão e elaboração da política de assistência estudantil. Esse é um aspecto fundamental e que necessita da participação da comunidade acadêmica, em especial dos estudantes e dos profissionais que nela atuam. É imprescindível definir conceitos, critérios e diretrizes claras sobre os programas ofertados, buscando articulá-los com o ensino, a pesquisa e a extensão. Isso é importante para evitar a fragmentação e o improviso que tem ocorrido na UFT, bem como assegurar que os objetivos do Pnaes sejam efetivamente alcançados.

Em geral, na compreensão dos formuladores e executores das políticas estudantis da UFT, embora existam recursos advindos do Pnaes (BRASIL,

9 A exigência de carga horária do referido Programa foi extinta em 2017.

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2010) para a manutenção dos estudantes na universidade, a sua efetividade fica a desejar em virtude da realização de uma política de assistência estu-dantil fragmentada e, em grande medida, improvisada.

A percepção dos executores da política de assistência estudantil da UFT sinaliza, em geral, por um lado, a importância da assistência estudantil para a permanência e formação dos estudantes. Por outro, evidencia a inexistência, a insuficiência e a fragilidade de alguns programas, apontando para a neces-sidade da ampliação destas ações, visando o maior acesso estudantil. Indica, também, a imprescindibilidade de estruturação da política em questão no tocante à oferta de uma estrutura institucional compatível com as deman-das do segmento estudantil e com as exigências por condições de trabalho dos profissionais,10 nos termos propostos pelo Pnaes, além do repensar ins-titucional acerca da concepção de assistência no sentido de ultrapassar a perspectiva focada nas necessidades meramente materiais e evoluir para o atendimento das necessidades humanas dos estudantes de forma integral, como defende Pereira (2006). Para a autora, o suprimento das necessidades materiais é uma das importantes dimensões da existência humana; entretan-to, não é suficiente, pois tal existência não diz respeito apenas ao consumo de mercadorias, mas inclui, dentre outras, as necessidades fisiológicas, afe-tivas e de participação social.

Com base nos estudos de Lirddiard (1999) e de Doyal e Gough (1991), Pereira (2006) afirma que é possível identificar dois tipos de necessidades básicas em qualquer sociedade e em qualquer cultura, o que lhes confere caráter objetivo e universal. A primeira é a necessidade de sobrevivência física e a segunda refere-se à necessidade de autonomia – esta última in-dispensável para os processos de participação e de escolhas genuinamente informadas. Ambas as necessidades devem ser simultaneamente satisfeitas pois, do contrário, "as pessoas ficarão impedidas de definir valores e crenças e de perseguir quaisquer fins humano-sociais" (PEREIRA, 2006, p. 73), visto que todas as forças humanas se moldam e se desenvolvem socialmente, e é por meio do desenvolvimento dessas forças que as pessoas podem satisfa-zer suas necessidades coletivas. Assim, "[...] homens e mulheres devem estar livres não só da escravidão, mas da ignorância, da enfermidade, da falta de

10 A política de assistência estudantil da UFT foi aprovada em 2017; contudo, em alguns campi, as equipes multiprofissionais estão incompletas e, no caso de Palmas, ainda que a composição mínima (assistentes sociais, psicólogos e pedagogos) esteja garantida, estes profissionais atuam em espaços físicos diferentes e distantes geograficamente.

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trabalho, do desabrigo, que também constituem limites intoleráveis à sua autonomia" (op. cit., p. 73).

A assistência estudantil trata-se de uma política que possui uma particu-laridade institucional: ela se inscreve e se desenvolve institucionalmente no âmbito da educação superior e serve como elo entre a Assistência Social e a Educação (PEREIRA; SOUZA, 2017). De acordo com as autoras,

embora a política educacional não esteja incluída no Sistema de Se-guridade Social previsto pela Constituição Federal vigente (o que é criticável), ela é uma política social pública importante que, em tese, teria o papel de fortalecer as demais políticas sociais e de ser fortalecida por estas, inclusive pela Assistência Social. Daí a importância das reflexões e dos debates sobre a intersetorialidade das políticas sociais, atualmente intensificados (PEREIRA; SOUZA, 2017, p. 64).

A Assistência Social distingue-se qualitativamente das políticas sociais ditas setoriais, pois possui como particularidade o fato de ser intersetorial, visto que intervém e se desenvolve no âmbito das políticas setoriais, uma vez que "o escopo da assistência é o social, e não um aspecto desse social, o que equivale a afirmar que nesse escopo cabem todos os recortes ou ‘se-tores’ das outras políticas, já que ele é por natureza amplo, interdisciplinar e intersetorial" (op. cit., p. 64-65). Sendo assim, de acordo com as autoras, a Assistência Social transita quase que de forma automática pelo interior das demais políticas setoriais, "ora desmentindo a pureza setorial que al-gumas querem burocraticamente instituir, ora, ao contrário, fortalecendo o empenho de outras para concretizar a sua vocação, sempre interditada, de ser universal" (PEREIRA; SOUZA, 2017, p. 64). Desse modo, "a Assistência Social, por ter natureza intersetorial é, por excelência, a política social com propensão inerente de criar interfaces favoráveis à universalização das polí-ticas ditas setoriais" (op. cit., p. 64).

Ainda que do ponto de vista formal a assistência social tenha o papel de favorecer a universalização das políticas setoriais (PEREIRA, 2006; PEREI-RA; SOUZA, 2017), ao discutirem a política social no Brasil contemporâneo, Behring e Boschetti (2008) afirmam que, apesar das conquistas de 1988 e da ascensão das lutas democráticas e dos movimentos sociais – que anuncia-ram uma importante reforma democrática do estado brasileiro e da políti-ca social –, muitas contratendências se interpuseram a essa possibilidade. Desse modo, os anos da década de 1990 até os dias atuais têm sido de "contrarreforma do Estado" e de "obstaculização e/ou redirecionamento

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das conquistas de 1988, num contexto em que foram derruídas até aquelas condições políticas por meio da expansão do desemprego e da violência" (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 147).

A configuração dos padrões universalistas e redistributivos de proteção social foi fortemente tensionada: pelas estratégias de extração dos su-perlucros, em que se incluem as tendências de contração dos encargos sociais e previdenciários; pela supercapitalização, com a privatização explícita e induzida de setores de utilidade pública em que se incluem saúde, educação e previdência; e pelo desprezo burguês para com o pacto social dos anos de crescimento, configurando um ambiente ideo-lógico individualista, consumista e hedonista ao extremo. Tudo isso num contexto em que as forças de resistência se encontram fragmentadas, particularmente o movimento dos trabalhadores, em função do desem-prego, da precarização e flexibilização das relações de trabalho e dos direitos (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 155-156).

A possibilidade de construção de um sistema de proteção social no Bra-sil, previsto na Constituição Federal, não se materializou e, a despeito do princípio da universalidade que pauta a seguridade social, no que se refere à Assistência Social, e do entendimento de que se trata de um direito a ser assegurado aos que dela necessitarem, "[...] a seletividade e a distribuição na prestação dos serviços apontam para a possibilidade de instituir benefí-cios orientados pela ‘discriminação positiva’" (op. cit., p. 157), e não se trata apenas dos direitos assistenciais, mas também "pode tornar seletivos os be-nefícios das políticas de saúde e de assistência social numa clara tensão com o princípio da universalidade" (op. cit., p. 157).

A partir do exposto pelas autoras, percebe-se a imprescindibilidade da intensificação do debate e da luta pela universalização da assistência social/estudantil no âmbito da educação superior e da ampliação das áreas propos-tas pelo Pnaes e demandadas pelos estudantes. Para tanto, é indispensável que as Ifes sejam capazes de assegurar não apenas a sobrevivência biológica dos beneficiários da assistência estudantil, mas, para além desse aspecto, que elas possam contribuir com o processo de formação cidadã do segmen-to estudantil na perspectiva de auxiliar na construção de sua autonomia, o que pressupõe a garantia da participação dos estudantes no processo de definição, implementação e avaliação da referida política – requisito essen-cial à garantia do direito à educação superior pública.

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A despeito das lacunas e desafios existentes no âmbito da assistência estudantil das Ifes, Libâneo, Oliveira e Toschi (2003) afirmam que, ainda que a política de assistência estudantil atualmente implementada nas Ifes e a ação do Estado sejam deficientes, numa perspectiva social elas apresentam resultados positivos (embora pontuais e parciais) para os estudantes que dela necessitam, no sentido de buscar assegurar o acesso e a permanência destes sujeitos nas instituições de ensino superior federais.

A assistência estudantil da UFT: a percepção dos estudantes/usuários

Para conhecer o perfil dos estudantes pesquisados, o estudo buscou identificar as seguintes características: idade, sexo, estado civil, local de residência e ocupação em relação ao mercado de trabalho. Dos 28 parti-cipantes, apenas 24 informaram a idade. Destes, 18 possuem entre 21 e 29 anos e seis possuem entre 31 e 51 anos. 14 são do sexo feminino e 14 do sexo masculino. 27 têm residência em Palmas e um em Porto Nacional-TO. Quan-to ao estado civil, quatro são casados e 24 são solteiros. Sobre a condição de trabalho, 19 participantes apenas estudam e nove trabalham durante o dia; destes, quatro estão há mais de dois anos e meio exercendo tais atividades.

Sobre a origem da escola onde cursaram o Ensino Médio, 24 informaram ser oriundos da escola pública e quatro estudaram na condição de bolsista em escola particular. Durante o Ensino Médio, 16 alunos exerciam atividades laborais e 12 não trabalhavam.

No tocante à renda bruta familiar antes do ingresso na UFT, 27estudantes foram respondentes. Destes, oito famílias possuíam renda bruta de até um salário-mínimo; 14 recebiam entre dois e três salários-mínimos; três famílias de quatro a seis salários-mínimos; e dois de sete a nove salários-mínimos. A condição atual da renda das famílias classifica-se da seguinte forma: 12 famílias possuem renda bruta até um salário-mínimo; 11 famílias entre dois e três salários-mínimos; três famílias de quatro a seis salários-mínimos; e duas de sete a nove salários-mínimos.

Quanto ao grau de escolaridade no ato do ingresso nos cursos de li-cenciatura pesquisados, dos 16 alunos que responderam, seis possuíam somente o Ensino Médio, dois já haviam concluído graduação e seis haviam cursado parcialmente o Ensino Superior.

Ao serem questionados se conhecem os setores que formulam e exe-cutam tal política na UFT, dez estudantes afirmaram que sim e 18 alegaram desconhecimento. Quando solicitados a apontar os setores formuladores e

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executores da referida política, as respostas foram: o Setor de Serviço Social (três respondentes), a Proest e a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) (um respondentes); a Proest (dois respondentes); a Proest e o Serviço Social (qua-tro respondentes); o Serviço Social, a Direção do Campus e o Proest (um res-pondente); Programas Auxílio Permanência, Alimentação e Transporte (um respondente); um entrevistado desconhece, um conhece, mas nem todos os setores e catorze alegaram ausência de conhecimento.

Dos programas ofertados pela UFT e conhecidos pelos estudantes de Teatro e Filosofia do Campus UFT/Palmas, o de alimentação (mediante o RU) está em primeiro lugar, seguido pelo de moradia estudantil. Em terceiro lugar aparecem os Auxílios Permanência, à Participação em Eventos, Trans-porte, Emergenciais e o Apoio Psicopedagógico. Em últimos lugares foram indicados os programas de Inclusão Digital, de Assistência à Saúde e de Creche, respectivamente.

Quando questionados acerca de quais programas já foram ou são be-neficiados no momento: quatro responderam que participam da Moradia Estudantil; 17 recebem Auxílio Alimentação, nove recebem Auxílio Trans-porte para eventos;11 cinco recebem Auxílio Permanência; e três contam com Auxílio à Participação em Eventos. Quanto à participação anterior: dez respondentes afirmaram ter utilizado benefícios do Auxílio Alimentação; seis do Auxílio Transporte; cinco do Auxílio Permanência; quatro do Auxílio à Participação em Eventos; três do Apoio Psicopedagógico; e um do Progra-ma Auxílio Emergencial.12

Sobre dificuldades de acompanhar as aulas no seu respectivo curso, 19 alunos respondentes negaram tê-las, ao passo que dez responderam sim, elas existem. Quanto ao apoio recebido para superar tais dificuldades, 17 não responderam e quatro informaram não terem recebido nenhum apoio. Outros quatro estudantes informaram que "ofereceram monitoria apenas no curso de Estética" (EU21); que "deveria existir monitoria que identificasse

11 A UFT não possui, ainda, um Programa de Auxílio Transporte para locomoção do aluno entre residência/universidade/residência. Estes respondentes provavelmente se referi-ram ao Programa de Apoio à Participação em Eventos, que está em funcionamento na instituição.

12 O Programa de Auxílio Emergencial trata-se de uma forma de ingresso diferenciada nos Programas Auxílio Alimentação e Permanência. Tal ingresso ocorre em caráter emergencial, com a dispensa de edital, mas mediante comprovação de vulnerabilidade socioeconômica. O estudante recebe um auxílio financeiro no valor de R$ 400,00 por um período de, aproximadamente, três meses.

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e necessidade de assistência a esses estudantes" (EU22); que "alguns dos professores os apoiaram" (EU25); que "somente [recebeu] apoio moral dos colegas" (EU27); e que "não tive nenhum tipo de ajuda da assistência social, também não sabia como procurar ajuda, sorte minha que superei, pois mui-tos dos meus colegas não teriam desistido do curso se tivessem tido algum tipo de apoio dado pela universidade" (EU28).

Os alunos também avaliaram os programas de assistência estudantil dos quais já foram beneficiários ou dos quais usufruem atualmente. Na opinião de 10 estudantes, os programas são bons; 14 avaliaram como regulares e quatro como ruins. 17 alunos não justificaram suas respostas e, dentre os que responderam, cinco avaliaram positivamente as ações:

EU14: Há planos de se continuar o curso apesar de algumas dificuldades que o aluno possa estar.

EU11: Os programas dos quais me beneficiei foram aplicados de maneira correta.

EU4: RU, muito bom.

EU9: Gosto bastante do RU e costumo jantar no mesmo todas as noites.

EU8: O Ônibus 913 ser gratuito diminui minhas despesas.

Outros seis alunos apontaram alguns pontos negativos:

EU2: A Bolsa Permanência atrasou para cair.

EU4: Moradia estudantil, muito ruim.

EU21: Atende parcialmente às necessidades dos estudantes.

EU24: Atende, mas tem muitas falhas.

EU26: As pessoas que mais necessitam das bolsas não conseguem ter acesso aos auxílios. Quando eu precisei, não fui atendida.

EU27: Sei que são muito bons, mas eu tenho tido apoio do restaurante e do coletivo. É muito difícil para conseguir uma bolsa e tem um processo muito lento, muitos acabam desistindo.

13 O Ônibus 9 a que se refere o estudante trata-se de uma linha ofertada pelo transporte público municipal que isenta os estudantes da UFT do pagamento de tarifa. Referido Ônibus liga o Campus de Palmas a uma estação de transporte no centro da cidade, que faz a integração com outras linhas de ônibus. Trata-se de uma conquista do movimento estudantil da UFT por meio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade.

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Referindo-se aos critérios de avaliação e seleção dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, dos 28 usuários assistência es-tudantil que participaram da pesquisa, 15 responderam que não conhecem tais critérios e 13 afirmaram conhecer; entretanto, alguns destes não acham corretos os critérios de seleção utilizados pelo Campus de Palmas. Dentre os 11 alunos que justificaram as respostas, três alegaram desconhecer os critérios e programas, e outros três afirmaram que são burocráticos. Outros respondentes destacaram o seguinte:

EU2: Há casos de alunos que trabalham e ganham a bolsa.

EU4: Vulnerabilidade social vai além de questão econômica e a assistên-cia social só usa isto.

EU8: Conheço casos de alunos em vulnerabilidade financeira que já ten-taram por mais de duas vezes e não foram selecionados para o Auxílio Permanência.

EU14: Não descriminam pessoas e são abrangentes, mas poderiam ado-tar outros critérios como moradia e tempo de desemprego.

EU15: Deveria visitar as casas.

EU22: Deveria melhorar em variados aspectos.

Sobre a contribuição dos programas de assistência estudantil para a permanência dos estudantes, 16 respondentes afirmaram que contribuem muito, sete afirmaram que contribui pouco, quatro disseram que não contri-buem em nada e um não respondeu. Dos 28 alunos, a maioria entende que os programas mencionados contribuem para a permanência nos estudos. Eis algumas das razões:

EU2: Não possuir família no Estado.

EU7: Poder almoçar no campus, dada a distância da cidade.

EU9: O RU contribui muito, é a salvação porque as lanchonetes são péssimas.

EU10: Numa cidade como Palmas uma bolsa de 400 mal dá para sobreviver.

EU11: Contribui de maneira mediana.

EU13: Sem tais programas o estudante vulnerável social e economica-mente não teria como se manter.

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EU21 e EU22: [a bolsa contribui para custeio de gastos com] [...] alimen-tação aos finais de semana, compra de medicamentos, xerox, água e energia, transporte, aluguel.

Na opinião de 20 estudantes, a política de assistência estudantil da UFT não atende às necessidades dos alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, enquanto que oito afirmaram que sim, atende. 15 alunos não responderam a essa questão e, dentre os 13 que responderam, alguns aspectos foram apontados: moradia precária; falta de merenda no RU; baixo valor do Auxílio Permanência; melhor avaliação da necessidade dos alunos; mais proximidade dos estudantes; o não atendimento, por parte da UFT, de todas as necessidades dos alunos; poucos programas – alguns não existem, a exemplo da moradia; poucos recursos financeiros; falta de acompanha-mento e divulgação dos programas; e foco no econômico, secundarizando outras questões, a exemplo do aspecto psicológico.

Ao serem questionados se o valor do Auxílio Permanência (de R$ 400,00) é suficiente para sua manutenção na universidade, cinco responderam que sim, 22 que não e um não se manifestou. Dentre os que afirmaram ser insufi-ciente, alguns justificaram suas respostas: para cinco dos estudantes, o custo de vida em Palmas é alto; outros três alegaram a necessidade de pagar água, energia, material de higiene pessoal e comprar café da manhã. Quanto à ampliação do valor da bolsa, foram sugeridos: R$ 600,00 (EU9, EU11 e EU27); R$ 700,00 (EU15, EU16 e EU25); R$ 750,00 (EU24 e EU28); R$ 800,00 (EU26); R$ 900,00 (EU22); e R$ 1.000,00 (EU17). Dois alunos argumentaram o seguinte: "no meu primeiro ano de curso precisei trabalhar, mesmo recebendo bolsa, porém, meu rendimento acadêmico foi péssimo. Reprovei em três discipli-nas no mesmo semestre" (EU10); "[o valor] garante a sua permanência mas sem um rendimento superior, pois, para tanto, seria preciso uma bolsa de estudos adicional" (EU14).

Quando perguntados se estudariam na UFT sem os programas de assis-tência estudantil, nove responderam sim, 12 afirmaram que não e quatro não souberam responder. 14 alunos não justificaram suas respostas, enquanto que os demais argumentaram o seguinte:

EU2: Não sei, pois meus pais me ajudam um pouco. Porém, não compre-endem que o valor da bolsa não é suficiente e não me ajudam quando estou com a bolsa.

EU3: Sim, porém com dificuldades financeiras.

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EU4: Não sou de Palmas, deixei amigos familiares, cultura, cidade, é muito sofrido pra mim, o que compensa é o dinheiro que economizo.

EU8: Sem o estágio, RU e gratuidade no Ônibus 9, não seria possível.

EU9: No fim das contas estudaria, mas faria falta com toda certeza.

EU10: A vida longe de casa é difícil, ainda mais numa cidade em que não oferece oportunidade de trabalho.

EU11: No meu caso conseguia sim estudar, uma vez que não me encon-tro em vulnerabilidade social, sou monitora bolsista, esse auxílio ajuda bastante, mas eu conseguiria permanecer sim na UFT sem o mesmo.

EU13: Não teria como me manter financeiramente.

EU17: Com muitas dificuldades, mas eu desistiria do meu curso.

EU21: [...] não tenho como me manter e manter os estudos, como xerox, livros etc.

EU22: Estudar e trabalhar, não daria conta.

EU23: Não, por que eu não tenho renda.

EU27: Porque emprego está muito difícil de achar.

Os dados da pesquisa indicam que a política de assistência estudantil implementada pelo Estado brasileiro com foco no Pnaes (ANDIFES, 2007; 2011; BRASIL, 2010) é fundamental para a inclusão social – de forma mais consistente, integral e democrática – dos estudantes pobres, advindos da classe trabalhadora, na universidade pública brasileira. Nesse sentido, é evi-dente a importância que tem o Estado Social no desenvolvimento de sua população, em geral e, especificamente, da camada socioeconomicamente menos favorecida (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003; PEREIRA, 2006; HAR-VEY, 2008).

Com base na presente pesquisa, é possível afirmar que estamos distan-tes das condições para a universalização do acesso ao ensino universitário com qualidade socialmente referenciada, incluindo as camadas menos favo-recidas economicamente. De fato, com o fortalecimento da lógica de Estado em que a regulação mercantil secundariza a perspectiva de regulação social (MÉSZÁROS, 2016) estamos vivenciando, na passagem do século XX para o XXI, um retrocesso do processo de inclusão social universitária em uma perspectiva democrática.

Depreende-se, do estudo em tela, a necessidade da criação de meca-nismos de gestão democrática institucional, abrangendo: planejamento que

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explicite um adequado diagnóstico das necessidades estudantis; definição de prioridades; utilização dos recursos; e avaliação que garanta a efetiva participação dos estudantes/usuários e trabalhadores no monitoramento, visando a contínua adequação da referida política às demandas e necessi-dades de seu público-alvo. É importante ressaltar, a partir de Pereira (2006), que o atendimento ou a priorização das necessidades materiais e a disponi-bilização de recursos não são suficientes para a permanência e a formação de qualidade dos estudantes pois não resolvem, por si só, a equação relativa à democratização da universidade pública e à formação para a cidadania.

Para além do financiamento, é necessário instituir um processo de con-trole social efetivo no âmbito do Pnaes e que assegure, concretamente, a participação estudantil, uma vez que trata-se de um programa de abrangên-cia nacional, de caráter público, inclusivo e cujos avanços e fortalecimento dependem da participação estudantil. Como parte da formação estudantil, a participação política desse segmento nos espaços de luta pela garantia de direitos – neste caso, pela assistência estudantil como condição para ga-rantir o direito à educação – tenciona a dinâmica institucional e as relações existentes entre a universidade, seus atores e os governantes na perspectiva da garantia de formação com qualidade dos segmentos empobrecidos.

Pelo explicitado no presente estudo é possível depreender – embora compreendendo que a política de assistência estudantil brasileira e a polí-tica da UFT são entendidas como importantes no processo de inclusão na universidade –, conforme o conjunto de necessidades apresentadas pelos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica da Universida-de, que tais políticas são insuficientes para a promoção de um processo de ampla democratização da cultura e do conhecimento em geral. Na medida em que o Estado opta pela regulação social via mercado, a democratização e políticas sociais, tais como as educacionais, são minimizadas e introduzidas como paliativos amortecedores das fragilidades sociais e, no caso da assis-tência social/estudantil, esta passa a ser implementada a partir de mecanis-mos de intensa seletividade.

Considerações finais

Neste capítulo, procuramos explicitar a compreensão que existe sobre a política de assistência estudantil na UFT buscando apreender, da referida po-lítica, os aspectos potencializadores e dificultadores acerca da permanência

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dos estudantes nos cursos de Artes/Teatro e de Filosofia da UFT/Campus de Palmas.

O estudo realizado possibilitou compreender, de acordo com o referen-cial adotado, que a efetivação de políticas sociais no Brasil – ainda que estas tenham sido asseguradas formalmente na Constituição de 1988 – constitui um desafio a ser enfrentado na sociedade brasileira, marcada pelas mudan-ças ocorridas nas últimas décadas do século XX e início do século XXI no âmbito da Ciência e nos modelos de produção e de Estado. Tais mudanças têm, como consequência, a implementação de sucessivas contrarreformas (BEHRING; BOSCHETTI, 2008) que afetam profunda e negativamente as políticas sociais e a sua materialização. Na linha do que apontam as auto-ras, pode-se acrescentar a Emenda Constitucional 095/2016, que congelou investimentos nas políticas sociais públicas, dentre elas as de Educação, o que, inevitavelmente ampliará as dificuldades de manutenção das Ifes e de permanência dos estudantes pobres oriundos das classes populares, a despeito do previsto no Decreto 7.234/2010, que regulamenta a assistência estudantil nestas Instituições.

O estudo evidenciou que a política de assistência estudantil da UFT e dos cursos estudados têm impactos significativos para a permanência dos estudantes nos estudos. Em geral, os formuladores, executores e estudantes concordam que, embora um grande volume de recursos tenha abastecido a UFT via Pnaes, a política de assistência estudantil tem sido deficitária, pois não atende satisfatoriamente à crescente demanda de estudantes com perfil de vulnerabilidade social, o que tem implicado em demanda reprimida por assistência e em prejuízo à permanência estudantil.

Os dados da pesquisa demonstraram, de um lado, que os participan-tes reconhecem a importância dos programas de assistência estudantil para a permanência e o êxito acadêmico do estudante. Tais programas, em geral, foram avaliados como favorecedores da inclusão e da permanência dos segmentos desfavorecidos social e economicamente na Universidade, conforme apontaram os estudantes, em sua maioria, ao afirmarem que não teriam condições de estudar e nem de concluir seus cursos sem a existên-cia dos referidos programas. Por outro lado, os participantes mencionaram, em geral, aspectos negativos relacionados à referida política e que neces-sitam ser melhorados, tais como: a falta de equipes multidisciplinares e de adequado espaço de trabalho; a ausência de normativas, critérios e fluxos institucionais claros; a falta de mais transparência na gestão dos recursos

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financeiros do Pnaes; a desarticulação dos programas de assistência; a falta de planejamento participativo; a insuficiência dos recursos financeiros; a falta de controle e acompanhamento dos estudantes assistidos; e a insuficiência do valor do Auxílio Permanência.

Chamou a atenção o fato de que a maioria dos alunos desconhece os setores responsáveis pela formulação da política de assistência estudantil na Universidade, assim como alguns executores indicaram a existência de programas que inexistem no Campus, como o "Programa de Creche". Tal desconhecimento apresenta indícios da pouca abertura à participação da comunidade acadêmica – neste caso, dos próprios usuários (estudantes) no processo de planejamento e avaliação da assistência estudantil. O grau de desconhecimento dos alunos coaduna com a fala de alguns executores quanto à forma de gestão da Proes do Campus de Palmas, que vem se li-mitando a atender, em grande parte, situações emergenciais por falta de planejamento institucional nesse âmbito.

Outro aspecto que merece destaque refere-se à condição de renda das famílias dos estudantes pesquisados. À época do ingresso do aluno no cur-so, oito famílias recebiam até um salário-mínimo; esse número, entretanto, cresceu e, atualmente, 12 famílias possuem essa média de renda. Contra-ditoriamente, decresceu o número de famílias que ganhavam entre três e quatro salários-mínimos, passando de 14 (no ato do ingresso no curso) para 11 (atualmente). Estes dados reforçam a tese de que é necessário ampliar recursos da assistência estudantil, visto que a demanda por assistência tem aumentado em razão das políticas de inclusão, bem como em razão da atual condição econômica do país que ora desfavorece, profundamente, as políti-cas educacionais públicas, como tem acontecido com a educação superior.

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Educação, pobreza e desigualdade social: das proposições formais aos questionamentos impostos pela realidadeAdir Valdemar GarciaJaime HillesheimTânia Regina Krüger

Introdução

A pesquisa, cujos resultados ora apresentamos, é fruto do trabalho de-senvolvido no âmbito da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (IEPDS) da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, do Ministério da Educação (Secadi/MEC), a partir do Programa Nacional Educação, Pobreza e Desigualdade Social (PNEPDS), assumido pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2014 e concluído em 2017.1

A pesquisa teve por objetivo geral analisar as concepções de educa-ção, pobreza e desigualdade social e as proposições relacionadas a essas questões apresentadas pelos governos federal, do estado de Santa Cata-rina e de municípios dessa unidade federativa, em documentos de gestão e planejamento elaborados entre os anos de 2003 e 2015, verificando como essas concepções e proposições se materializam no cotidiano escolar. Propusemos esta pesquisa por entendermos que a problematização das concepções de pobreza e desigualdade social, bem como das proposições de enfrentamento dessas realidades, é fundamental para a compreensão posterior das relações estabelecidas no interior da escola no que tange às vivências dos sujeitos em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza.

1 O PNEPDS foi financiado pela Secadi/MEC.

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A análise dos documentos possibilitou o tratamento de uma série de questões afetas à relação educação/pobreza/desigualdade social. Dados os limites deste capítulo e a amplitude da pesquisa desenvolvida, apresenta-mos apenas alguns aspectos que julgamos mais importantes, bem como al-gumas análises, com o objetivo de provocar reflexões em torno da temática.2

Na perspectiva de darmos conta desse desafio, o presente texto está organizado em três partes: 1) Aspectos metodológicos da pesquisa; 2) Edu-cação, pobreza e desigualdade social nos documentos de planejamento e gestão; 3) Considerações finais.

Aspectos metodológicos da pesquisa

Trata-se de uma pesquisa quantitativa e qualitativa quanto à abordagem, básica quanto à natureza (MINAYO, 2014), exploratória e descritiva quanto aos objetivos, bibliográfica e documental quanto aos procedimentos (GIL, 2008).

A perspectiva teórico-metodológica que norteou a pesquisa implicou um processo de construção de um conhecimento novo sobre a realidade es-tudada com vistas a vislumbrar ações que possam transformar essa mesma realidade. Isso exigiu que as relações entre educação, pobreza e desigualda-de social fossem consideradas como fenômenos construídos historicamente, analisados a partir da manifestação dessas relações na realidade concreta, evidenciando suas contradições, interesses e ideologias envolvidas, numa perspectiva de totalidade. Tal abordagem do objeto impôs aos pesquisado-res, no processo de sua apreensão, a consideração dos elementos estrutu-rais que dão dinâmica à realidade social, política e econômica brasileira, no contexto da ordem capitalista.

A opção pelo período que compreende os anos de 2003 a 2015 ocor-reu em razão da ampliação das políticas sociais voltadas para o combate à pobreza e diminuição da desigualdade social, expressa na concretização de diversos programas sociais, especialmente do Programa Bolsa Família (PBF).

A amostra foi composta de documentos das seguintes esferas, conside-rando o período definido: a) âmbito federal – três Planos Plurianuais (PPA), dois Planos Nacionais de Educação (PNE) e um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), duas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN); b) âmbito es-tadual – três PPA, dois Planos Estaduais de Educação (PEE) e duas Propostas

2 Análises mais detalhadas sobre o objeto da pesquisa foram publicadas em outros arti-gos e capítulos de livro que serão referenciados no decorrer deste texto.

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Curriculares Estaduais (PCE); c) âmbito municipal – 48 PPA, 14 Planos Muni-cipais de Educação (PME), oito Diretrizes Curriculares (DC) ou documentos equivalentes; d) âmbito escolar – Projetos Político-Pedagógicos das escolas selecionadas. Para a definição dos 12 municípios3 que compuseram a amos-tra, selecionamos dois de cada uma das seis mesorregiões catarinenses: a) o de maior porte populacional; b) o de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).4 Mapeados os municípios, localizamos neles as escolas com maior número de beneficiários do PBF matriculados em 2015.5 Das 12 escolas selecionadas, foram analisados 11 PPP, visto que a escola do município de Joinville não disponibilizou o documento. Cabe indicar que não localizamos PPP elaborados com data anterior ao ano de 2013. Ao total, foram analisados 85 documentos.

O acesso aos documentos deu-se pela consulta aos sites oficiais dos governos e escolas. Nos casos em que não foram encontrados nesses sites, a exemplo de alguns dos documentos municipais, especialmente os PPA e PPP das escolas, foram encaminhados ofícios, solicitando-os. Para reforçar o pedido, também foram feitos contatos telefônicos. Outra estratégia utilizada para acessar os PPA municipais foi solicitar os documentos ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC). Quanto ao aspecto bibliográ-fico, foi feito um estudo com vistas a apreender as principais perspectivas de autores clássicos e contemporâneos sobre as categorias teóricas centrais re-lativas à proposta investigativa, quais sejam: educação, pobreza e desigual-dade social, considerando a formação e o desenvolvimento sócio-histórico do Brasil, bem como a conjuntura brasileira e catarinense no lapso temporal

3 Os municípios selecionados foram: Alfredo Wagner, Blumenau, Calmon, Chapecó, Cri-ciúma, Florianópolis, Imaruí, Joinville, Lages, Timbó Grande e Vitor Meireles.

4 Optamos por utilizar o critério de maior população em virtude da representatividade do município no contexto do Estado. Já em relação ao IDH, sua utilização justifica-se por ser um indicador referenciado por órgãos oficiais, estando relacionado com a questão da pobreza e da desigualdade social.

5 As escolas selecionadas foram: Escola Básica Passo da Limeira (Alfredo Wagner), Es-cola de Educação Básica Governador Celso Ramos (Blumenau), Escola Municipal João Carneiro (Calmon), Escola de Educação Básica Profa. Otília Ulysséa Ungaretti (Cerro Ne-gro), Escola Parque Cidadã Cyro Sosnosky (Chapecó), Bairro da Juventude dos Padres Rogacionistas – Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Paulo Petruzzellis (Crici-úma), Instituto Estadual de Educação (Florianópolis), Escola de Ensino Fund. Municipal Prefeito Portinho Bittencourt (Imaruí), Escola Municipal Prefeito Nilson Wilson Bender (Joinville), Escola de Educação Básica Zulmira Auta da Silva (Lages), Escola Municipal de Educação Básica Gleidis Rodrigues (Timbó Grande) e Escola Municipal Serra da Abelha (Vitor Meireles).

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supracitado. Essa primeira etapa permitiu aos pesquisadores conhecer o estado da arte com relação aos estudos sobre o objeto, bem como norteou a análise dos documentos para que neles fossem identificadas as concep-ções teóricas explícitas ou implícitas nas proposições governamentais e na perspectiva de sujeitos envolvidos com tais políticas, especialmente com a política de educação.

Educação, pobreza e desigualdade social nos documentos de gestão

Neste item, apresentamos as concepções de educação, pobreza e desi-gualdade social constantes no conjunto de documentos analisados. Come-çamos pelos documentos de gestão afetos à área da educação, passando, depois, a tratar dos PPA das três esferas de governo e, por último, dos PPP das escolas selecionadas.

Educação, pobreza e desigualdade social: nos Planos Nacionais de Educação, nos Planos de Educação do estado de Santa Catarina e de municípios desse ente federado, nas Diretrizes Curriculares nacionais, estaduais e municipais de educação ou documentos equivalentes (2003-2015)

Da análise dos PNE,6 dos PEE, dos PME, das DCN, das PC ou documen-tos similares, elaborados em âmbito federal, estadual e municipal, é possível verificar que, em termos da estruturação destes, há uma significativa varia-ção. Salvo os planos nacionais de educação, que apresentam semelhanças na organização de suas metas, estratégias e objetivos, os demais, além de não serem elaborados a partir de uma organização semelhante, não obe-decem a alguma periodicidade, fato que, certamente, deve mudar, em par-ticular quanto aos planos de educação que, instituídos por lei e induzidos pela lógica adotada em âmbito nacional, deverão ser decenais. Somente com relação a estes, tanto no Estado quanto nos municípios, a partir de 2014/2015, observamos a adoção de uma mesma diretriz de elaboração, em que constam: "diagnóstico" da realidade socioeconômica, política e cultu-ral, definição de metas, estratégias e objetivos. No entanto, o processo de

6 Uma análise mais detalhada dos PNE consta em Garcia e Hillesheim (2017).

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pesquisa evidenciou a carência de indicadores de avaliação e de monitora-mento em todos os planos de educação, assim como nos demais documen-tos analisados.

Apesar do esforço para a elaboração dos planos municipais de educa-ção para o decênio (até 2025), constatamos que, não raramente, alguns mu-nicípios reproduziram o conteúdo dos planos de outros, apenas adequando algumas metas e situando minimamente a realidade local, o que pouco sub-sidia a definição das metas, estratégias e objetivos propostos.

No conjunto de documentos supracitados, é possível identificar, impli-citamente, concepções diferenciadas de educação, embora todas conver-gentes, tendo em vista o contexto e as estruturas sociais existentes. Uma primeira concepção-síntese de educação a situa no campo dos direitos sociais, formalmente reconhecida como dever do Estado, da família e de toda a sociedade. Dada a sua essencialidade, tanto do ponto de vista so-cioeconômico como cultural, a educação é entendida como constitutiva dos direitos humanos fundamentais e, nesse sentido, indispensável para o enfrentamento da pobreza e da desigualdade social, bem como para a ga-rantia do "exercício da cidadania".

Uma segunda ideia-síntese, presente no conjunto dos documentos, vincula a educação como mediação para a promoção do desenvolvimento econômico, o que pressupõe sua contribuição para a qualificação da força de trabalho com vistas a potencializar a inserção, especialmente dos jovens trabalhadores, no mercado de trabalho, em consonância com as exigências desse mercado.

A despeito de não encontrarmos, claramente, nos documentos em aná-lise, concepções de educação, podemos dizer que esta é tratada generica-mente como atividade que se processa no interior dos sistemas formais de ensino, nos diferentes níveis de formação, o que encobre ou nega a edu-cação como processo que se materializa nas relações sociais, em todas as dimensões da vida, determinadas pelas condições estruturais e históricas de cada sociedade.7 Ainda que com incidência muito reduzida, em alguns documentos, encontramos menção às perspectivas histórico-cultural,

7 Apenas em uma passagem muito pontual, encontramos, nas DCN de 2013, a seguinte afirmação: "A educação é, pois, processo e prática que se concretizam nas relações sociais que transcendem o espaço e o tempo escolares, tendo em vista os diferentes sujeitos que a demandam. Educação consiste, portanto, no processo de socialização da cultura da vida, no qual se constroem, se mantêm e se transformam saberes, conhe-cimentos e valores" (BRASIL, 2013, p. 16). O problema é que, numa análise mais ampla

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sociointeracionista e construtivista de educação, em particular nas diretrizes curriculares municipais ou documentos equivalentes.8

Ao buscarmos, nos documentos, a relação entre educação, pobreza e desigualdade social, verificamos que a primeira é sempre tomada como uma possibilidade de ascensão social para aqueles que se encontram em situa-ções mais precarizadas de vida e de trabalho. Nesse sentido, a pobreza e a desigualdade social podem ser superadas, e a educação tem, nesse intento de toda sociedade democrática, uma inquestionável contribuição. Para além dessa ênfase à importância da educação, também é destacada a necessi-dade de articulação entre as diferentes políticas públicas, especialmente entre as políticas de educação, saúde, trabalho e assistência social. Porém, não são desenvolvidas análises que superem o mero reconhecimento da existência quase que "natural" desses fenômenos, o que os desvincula das determinações sociais que os geram e os reproduzem, particularmente na sociabilidade regida pelo capital. As condições de pobreza, comumente, são denominadas como situações de "vulnerabilidade social", de "carência", de "pauperização", de "baixa renda", de "miséria", que atingem segmentos sociais "menos favorecidos". Já a desigualdade social, nem sempre relacio-nada à pobreza, aparece, nos documentos, expressa pelas desigualdades educacionais, especialmente aquelas que afetam segmentos específicos, tais como pessoas com deficiência, povos indígenas, negros e estudantes residentes no campo, e as condições desses segmentos para ter acesso ao ensino fundamental, médio, técnico-profissional, superior e em nível de pós-graduação.

Nos documentos mais atuais, no que tange à articulação da política de educação com outras políticas, percebe-se a definição de metas e estraté-gias de acompanhamento e monitoramento do acesso e permanência, na escola, de estudantes oriundos de famílias beneficiárias de programas de transferência de renda, a exemplo do Programa Bolsa Família (PBF), bem como de outras relacionadas à prevenção da violência e à promoção do que, em geral, é denominado de respeito à pluralidade.

Além disso, toda a análise da realidade da educação brasileira bem como os caminhos a serem seguidos para fazer avançar os indicadores dessa

das propostas constantes dessas mesmas diretrizes, essa concepção fica esvaziada na medida em que as preocupações são canalizadas para a educação formal, escolar.

8 Uma análise mais detalhada sobre os documentos municipais encontra-se em Garcia, Hillesheim e Krüger (2017a).

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política (educação) são relacionados às possibilidades financeiras do Estado nacional9 e às estratégias de gestão adotadas que, como se sabe, pautadas numa perspectiva de "contrarreformas", são orientadas por pressupostos gerenciais. Esses aspectos ficam mais evidentes no Plano de Desenvolvimen-to da Educação (PDE), de 2007, sob o auspício da modernização da gestão, por meio da definição de metas e indicadores de avaliação que passaram a nortear a destinação de recursos.

O horizonte definido por todos os documentos nacionais (objetivos e metas) estavam condicionados, invariavelmente, à elevação dos padrões de desenvolvimento econômico, que, especialmente no PDE e no PNE de 2014-2024, seria decorrente de um "círculo virtuoso", questão que também aparece nos PPA do período analisado, como posto adiante. Assim, no PNE supracitado, foram fixados os percentuais de investimento em educação em relação ao PIB, de modo a aplicar, até o quinto ano de sua execução, o per-centual de 7% e, até o final do decênio (2024), o percentual de 10% do PIB.10 Essa definição foi replicada pelo Estado e municípios que compuseram a amostra desta pesquisa. Em paralelo à definição das metas estabelecidas no atual PNE, envolvendo erradicação do analfabetismo, universalização do acesso escolar, qualidade de ensino, formação humanística e para o tra-balho, entre outras questões, é defendida a possibilidade, pela mediação da educação, de supressão da pobreza e da desigualdade social, aspecto presente também nas DCN analisadas, nas quais é afirmado que a educação deve contribuir com a erradicação desses fenômenos, com vistas a construir uma maior equidade social. Nessa direção, as DCN apontam para a neces-sidade de políticas "reparadoras" a serem implementadas paralelamente às de caráter universal (BRASIL, 2013).

Assim, o debate em torno da universalização dos direitos – ainda que sejam admitidos os limites impostos pela dinâmica da democracia burguesa – aparece associado ao da equidade. No entanto, se considerarmos que, em todo o período e em todos os documentos, a focalização das ações para o atendimento das demandas de determinados segmentos está presente, há que se questionar a efetividade dessas propostas na redução da pobreza

9 No PNE (2001-2010) foi afirmado que o financiamento da educação era concebido como uma obrigação do Estado e não visto como um problema, pois se tratava de dar concre-tude a um direito (BRASIL, 2001).

10 Esses percentuais, tendo em vista as medidas de ajustes fiscais e a promulgação da Emenda Constitucional no 95, de 15 de dezembro de 2016, que prevê a fixação de teto para os gastos públicos, certamente, não serão observados.

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e da desigualdade social. Os limites dessas proposições, pensamos, estão relacionados ao fato de que elas não são capazes de tensionar as estrutu-ras que engendram os processos geradores da pobreza e da desigualdade social.

Por tratar-se de instrumentos de gestão elaborados para conduzir pro-jetos de interesse do capital, no contexto de uma economia periférica e dependente, não poderíamos esperar uma perspectiva que apontasse para o rompimento dos processos legitimadores dessa sociabilidade. Assim, quando muito, as propostas para a educação nacional – entendida, aqui, restritamente no âmbito do ensino escolar e dos sistemas coexistentes no país – pautam-se nos ideários burgueses da emancipação política.11 Apenas no texto das DCN (BRASIL, 2013) é feita menção formal à questão das dife-renças de classe como aspecto da realidade a ser considerada, e, no texto da Proposta Curricular do Estado (2005-2014), encontramos o entendimento do ser humano como aquele que tem, no trabalho (relação homem e natu-reza), sua autoatividade. Ainda, nesse último documento, é afirmado que os seres humanos são determinados pelas condições objetivas da história que encontram, mas, ao mesmo tempo, são capazes de transformá-las (SANTA CATARINA, 2005). A despeito dessa perspectiva crítica, ambos os docu-mentos, assim como todos os demais, acabam por conceber a pobreza e a desigualdade social como "problemas" ou "disfuncionalidades" passíveis de serem enfrentadas a partir de políticas "inclusivas", que contribuam para a "conquista da cidadania", dentre as quais a educação ganha prestígio.12

Em síntese, da análise dos documentos, consideramos que três aspectos aparecem como eixos norteadores de cada um deles, na relação educação,

11 No texto da atual Proposta Curricular do estado de Santa Catarina, ao se discutirem a educação básica e formação integral, é asseverado que "como concepção de formação e como projeto educacional forma parte da histórica luta pela emancipação humana" (SANTA CATARINA, 2014). No entanto, analisada no conjunto, percebe-se que a expres-são não é usada a partir de uma perspectiva crítico-dialética, na qual a emancipação humana só pode ser alcançada com a supressão da propriedade privada e extinção da sociedade de classes.

12 Ainda, com relação a todos os documentos, merece destaque a ênfase dada às ações de enfrentamento aos processos geradores das desigualdades étnico-raciais. No en-tanto, os debates em torno das questões da igualdade de gênero foram minorados por um discurso mais genérico de defesa da cidadania, aspecto notório no PNE 2014-2024, mas que se repetiu no âmbito estadual e foi motivo de conflitos e da decisão de não incorporação desse debate no âmbito dos planos municipais de educação e também nas diretrizes curriculares ou documentos similares dos entes federados pesquisados.

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pobreza e desigualdade social, todos relacionados dialeticamente entre si. São eles: a defesa de uma educação inclusiva, o entendimento da educação como condição sine qua non para o exercício da cidadania e a necessária vinculação entre educação e mercado de trabalho.

Educação, pobreza e desigualdade social nos PPA federais, do estado de Santa Catarina e municípios desse ente federativo

Neste tópico, apresentamos os elementos que possibilitam ter uma no-ção de como a educação, a pobreza e a desigualdade social são tratadas nos PPA federais, do estado de Santa Catarina e municípios desse ente federati-vo que compuseram a população pesquisada.

Como documentos que guiam as ações governamentais, esperávamos que expressassem, de maneira clara, o que os governos, nas três esferas, pro-põem, com base em diagnósticos e avaliações, relacionados entre si, mesmo considerando a autonomia de cada esfera. No entanto, isso não ocorre, prin-cipalmente com relação aos municípios. Os PPA federais e do Estado são mais estruturados e robustos no que tange ao diagnóstico da realidade nos aspectos econômicos, políticos e sociais. Porém, os documentos municipais, quando encontrados,13 mostraram-se restritos e muito pouco elucidativos em relação às propostas de governo, apresentando alguns diagnósticos em seus anexos quando da apresentação dos programas de governo. Com rela-ção a propostas de avaliação e monitoramento, não encontramos elementos nos documentos das três esferas. No caso da proposição de ações interse-toriais, verificamos que isso ocorreu no âmbito federal em maior medida, principalmente no PPA 2012-2015, e, em menor medida, nos PPA do estado de Santa Catarina. No caso dos municípios, a intersetorialidade não aparece.

Os PPA das esferas federal e estadual trazem anexos às suas leis de instituição elementos que possibilitam apreender a leitura que os governos fazem da dinâmica social. Neles, fica clara a compreensão de uma sociedade que pode resolver seus problemas, inclusive aqueles que consideramos de ordem estrutural. Essa perspectiva demonstra que as soluções de "proble-mas" como a pobreza, a desigualdade social,14 o desrespeito aos direitos

13 Tivemos muitas dificuldades para encontrar os PPA municipais, principalmente seus anexos.

14 Uma análise mais detalhada quanto às concepções e proposições de enfrentamento à pobreza nos PPA do estado de Santa Catarina encontra-se em Garcia, Hillesheim e Krüger (2017b).

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humanos e as discriminações dependem apenas da vontade do governo e da sociedade civil. Ou seja, as ações governamentais e o comportamen-to da própria população, respeitando a ordem vigente, seriam suficientes para que a sociedade resolvesse tais "problemas". Há, portanto, a crença de que esses fenômenos possam ser resolvidos no âmbito da ordem social do capital, mesmo que, em alguns momentos, possamos verificar a alusão a questões decorrentes dessa própria ordem, como no caso das crises eco-nômicas, conforme encontramos no PPA 2012-2015 do governo federal, e no caso dos ajustes econômicos, geralmente implementados em momentos de crise, conforme mencionado no PPA 2008-2011 do estado de Santa Catarina.

Fica muito clara, principalmente nos três PPA federais e, de modo mais marcante, no PPA 2012-2015 do governo do estado de Santa Catarina, uma "priorização da área social". No PPA 2012-2015, do governo federal, é apresentado um balanço do período anterior, afirmando que é possível vislumbrar, para as próximas décadas, "um país que elegeu um projeto de desenvolvimento inclusivo com políticas públicas de transferência de renda, intensificação da extensão e do alcance dos programas sociais e constantes aumentos reais do salário mínimo" (BRASIL, 2011, p. 15). Esse projeto eviden-cia as características do "social-desenvolvimentismo", perspectiva aponta-da por alguns autores como norteadora dos governos petistas (CASTELO, 2012). No documento, é destacada a importância do Estado, numa crítica ao modelo neoliberal que vigorou na década de 1990, reforçando a importância de a construção do "futuro" ocorrer de forma conjunta com as empresas e a população. Aqui, o governo assume que "indicou a necessidade e revelou a possibilidade de nosso desenvolvimento econômico e social ser orienta-do, antes de tudo, pela inclusão social, elegendo o combate às formas mais extremas da pobreza em nosso país como ação prioritária" (BRASIL, 2011, p. 17). Cabe lembrar que a estratégia proposta para o enfrentamento da pobreza e da desigualdade social tem como pressuposto o estabelecimento e manutenção de um círculo virtuoso de crescimento econômico como nos dois PPA anteriores.

Para o governo federal, de acordo com o que consta no PPA 2004-2007, a estabilidade macroeconômica não era apenas uma condição inicial, mas elemento fundamental para um projeto de desenvolvimento sustentável. A política macroeconômica não poderia ser frágil e vulnerável a choques ex-ternos, pois isso implicaria crises, inviabilizando a continuidade do desenvol-vimento e prejudicando a melhoria da distribuição de renda. A estabilidade

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econômica era foco central para a estratégia de longo prazo. A proposição para tal era iniciar um processo de crescimento pela expansão do mercado de consumo de massa baseado na incorporação progressiva das famílias trabalhadoras ao mercado consumidor. Essa dinâmica permitiria que os ganhos de produtividade gerassem excedentes que poderiam se traduzir em maiores rendimentos das famílias em razão da redução nos preços dos bens e serviços de consumo de massa, da elevação salarial e da elevação da arrecadação fiscal, que poderia, por sua vez, ser destinada a gastos sociais.

Essa proposição repete-se nos dois outros PPA federais analisados e re-força a perspectiva de necessidade de um "círculo virtuoso da economia". A incorporação das famílias no mercado consumidor dar-se-ia pela via do financiamento, estratégia que acabou tendo como consequência um pro-cesso de endividamento das famílias trabalhadoras por meio da expansão do crédito, atendendo aos interesses do capital financeiro, haja vista que o acesso aos bens de consumo não poderia ser garantido, exclusivamente, pela elevação do poder de compra dos salários, ainda que este tenha efeti-vamente aumentado nos governos petistas.

No entanto, o governo federal reconhece, no PPA 2004-2007, que a transmissão de produtividade a rendimentos do trabalhador não se daria sem políticas de emprego, de "inclusão social" e de redistribuição de renda. Também reconhece que, mesmo em situações de rápido crescimento, há a tendência de criação insuficiente de empregos, resultado da incorporação, por parte dos setores modernos, de menos "mão de obra" e de mais tecno-logia, ficando a transmissão de produtividade a rendimentos dos trabalha-dores restrita a uma pequena parcela mais qualificada. Por isso, as políticas de "inclusão social" e de redução das desigualdades eram consideradas, pelo governo, não só fundamentais para o estabelecimento da justiça social, mas também indispensáveis à operação do modelo de consumo de massa, visto que viabilizam o consumo popular, ao mesmo tempo que diminuem a pressão da oferta de "mão de obra" sobre o mercado de trabalho, o que favorece a transmissão dos aumentos de produtividade aos salários.

Mesmo que o governo federal, em seus PPA, apresente um diagnóstico promissor da economia, algumas medidas econômicas adotadas acabam im-pedindo ou limitando a realização de seus propósitos. Por exemplo, ao tratar do item "Setor Público", no PPA 2008-2011, o governo afirma que a política fiscal seria guiada por uma meta de superávit primário anual de 3,8% do PIB. Entendemos que essa orientação impediu o alcance dos próprios objetivos

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dos programas propostos pelo governo em relação à promoção da justiça social por meio de ações de enfrentamento da pobreza e da desigualdade social. Isso porque, invariavelmente, o superávit primário implica a redução de investimentos em políticas sociais de interesse da classe trabalhadora, especialmente dos seus estratos mais pobres.

Como dito anteriormente, os PPA municipais não apresentam deta-lhamento no que tange à sua compreensão da ordem social. Contudo, os poucos elementos encontrados nas descrições dos programas mostram um alinhamento de perspectiva com as esferas federal e estadual, no sentido da manutenção da ordem estabelecida. Entendemos que, dados a realidade social do capital e o papel do Estado nessa ordem, isso não poderia ser diferente.

Feitas essas considerações mais gerais sobre os documentos em comen-to, passamos, agora, a apresentar a concepção de educação presente nos PPA das três esferas de governo. De modo geral, a educação é alçada à condição de política por excelência, responsável pela formação do cidadão e pela qualificação da força de trabalho, tratada como "mão de obra" neces-sária ao mercado. Sua importância é ressaltada no PPA 2008-2011 do governo federal, a partir da construção do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Novamente, aqui, verificamos uma articulação com o conteúdo dos documentos de gestão da área da educação apresentados anteriormente.

A educação, nos documentos das três esferas de governo, é tratada a partir da sua dimensão universal, ou seja, como política voltada para toda a sociedade, seja na sua dimensão escolar, seja na dimensão de formação ge-ral para a vida, mas também como estratégia voltada para minorar a situação de desvantagem das populações empobrecidas, nesse caso, principalmente relacionada à inclusão produtiva. Também aparece como forma de reduzir "as desigualdades étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, geracio-nal, regional e cultural no espaço escolar" (BRASIL, 2008, Anexo I, p. 165), como no caso do programa Educação para a Diversidade e Cidadania.

Mas a importância da educação não se restringe, nos PPA analisados, à oferta da política. O PPA 2004-2007 do governo federal descreve o cenário educacional e afirma a sua precariedade. O que essa avaliação demons-tra é que, mesmo depois de oito anos de governo com essa intenção, os problemas continuam graves. Mesmo que se possa assumir uma eventual universalização da educação básica, mesmo que se considerem os dados de frequência escolar, garantidos, principalmente, pela condicionalidade

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imposta aos beneficiários do PBF, os problemas de qualidade da educação básica continuam escandalosos.

No caso da qualidade, tanto nos PPA federais como nos do estado de Santa Catarina, para além dos aspectos relacionados ao financiamento, à estrutura física, aos currículos, aparece a necessidade de uma política de valorização do magistério. Mesmo que possamos concordar com os ar-gumentos de que algumas medidas foram dirigidas nesse sentido, como o estabelecimento de um piso salarial para os profissionais da Educação Básica, temos presenciado os desmontes dos planos de cargos e salários, a precarização cada vez maior do trabalho, o uso intensivo da figura de pro-fessores/as admitidos/as em caráter temporário, dentre outros problemas, o que demonstra que a intenção, nesse sentido, também não passa de mera retórica.15

No que diz respeito à concepção de pobreza, também não encontra-mos, no conjunto dos PPA analisados, qualquer reflexão direta que indicasse claramente como ela é compreendida. No entanto, da mesma forma que ocorreu com relação à concepção de educação, podemos inferir tal concep-ção a partir da forma como ela aparece no contexto dos documentos, bem como a partir dos programas mais diretamente relacionados às populações empobrecidas. Nesse sentido, podemos afirmar que a pobreza é, em pri-meiro plano, tomada como "falta", nesse caso, falta de recursos materiais para a manutenção da vida, expressando, de modo mais evidente, sua di-mensão econômica, mas também como ausência da condição de cidada-nia, evidenciando sua dimensão política.16 Não sem motivo, os programas mais específicos voltados para a atenção às populações empobrecidas, em especial o PBF,17 referem-se à garantia de direitos e ao "empoderamento" necessário para a participação social.

15 De acordo com o Censo Escolar de 2015, no estado Santa Catarina, o número de pro-fessores/as efetivos/as era de 36.177 e de temporários/as era de 32.008 (307 na esfera federal, 13.964 na esfera estadual e 18.670 na esfera municipal) (INEP, 2015).

16 Garcia (2012) propôs essa categorização quando analisou a pobreza a partir da perspec-tiva social-democrata.

17 Em relação ao PBF, cabe destacar que o valor estabelecido para configurar uma pessoa como pobre está aquém da linha de pobreza de $ 1,90, mais usada internacionalmente, e muito mais longe do valor de $ 5,5, estabelecido pelo Banco Mundial para países de nível médio-alto de desenvolvimento, como os da América Latina. O PBF considera como extremamente pobres os que têm renda mensal per capita de até R$ 89,00 e como pobres, R$178,00. Esses valores foram estabelecidos pelo Decreto no 9.396, de 30 de maio de 2018. Considerando a linha de pobreza de U$ 1,90 e o valor do dólar

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Verificamos nos PPA federais e também nos estaduais uma significativa preocupação com a pobreza e com a desigualdade social, principalmente relacionada às desigualdades regionais. Considerando essa realidade, os programas sociais e de construção da cidadania são apresentados como absolutamente necessários. Ao Estado é atribuído um papel decisivo no projeto de desenvolvimento, devendo atuar "como condutor do desenvol-vimento social e regional e como indutor do crescimento econômico" (BRA-SIL, 2004, Anexo I, p. 5). Essa perspectiva representa o papel que autores social-democratas atribuem ao Estado, a exemplo de Dupas (1999).

Uma das ações propostas pelo governo federal para lidar com a pobreza e com a desigualdade social, conforme o PPA 2004-2007, era a de superar a escassez de financiamento. A definição do papel condutor do Estado con-templou, assim, estratégias que pudessem promover alguma distribuição de renda para os estratos populacionais mais pobres, viabilizada, contudo, por dentro do circuito financeiro, resultando no endividamento das famílias, como posto anteriormente.

A estratégia de desenvolvimento de longo prazo, apresentada no PPA 2004-2007 do governo federal, implicaria a necessidade de uma economia forte, capaz de enfrentar as crises. A economia precisaria expandir, e, para tal, a estratégia apresentada tinha, segundo o governo, "sólida base macro-econômica e aderência à realidade do País" (BRASIL, 2004, Anexo I, p. 5), valorizando a estabilidade e políticas adequadas de estímulo à produtivida-de e à competitividade. Essa era a estratégia, por excelência, para garantir a dinâmica de expansão da economia, evitando uma série de desequilíbrios que pudessem reverter essa expansão. O que verificamos é que a política macroeconômica adotada significou a continuidade da programática dos governos anteriores e privilegiou a estabilidade econômica em detrimen-to de mudanças que pudessem iniciar um processo de reversão da eleva-da concentração da riqueza no país, fato determinante para enfrentar os fenômenos da pobreza e da desigualdade social. Isso não significa entender que a pobreza e a desigualdade social possam ser resolvidas no âmbito do capitalismo, mas que outras medidas poderiam, pelo menos, levar a uma situação em que aqueles que detêm a maior parcela da riqueza pudessem

em maio de 2018 (R$ 3,63), mês em que o Decreto foi publicado, teríamos que pobre é quem tem uma renda mensal de até R$ 207. Ou seja, a linha de pobreza adotada pelo governo federal em maio de 2018 estava R$ 29,00 abaixo do limite, já absurdo, de U$ 1,90 e muito longe do valor de U$ 5,5, que não é tão menos absurdo.

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suportar perdas com vistas a garantir uma melhor distribuição, algo sempre tão propalado por diferentes governos. Sabemos que se a pobreza e a desi-gualdade social diminuíram no lapso temporal definido pela pesquisa, pelo menos estatisticamente, considerando as linhas de pobreza adotadas, foi em razão de uma penalização da classe média do país.18

Se considerarmos as causas da pobreza constantes nos documentos federais e estaduais, vemos que a mais destacada é a ausência de um pro-cesso de desenvolvimento sustentável que pudesse garantir, como meta prioritária, a empregabilidade. Nesse sentido, o estabelecimento de um círculo virtuoso da economia era fundamental, como já assinalamos. Assim, o processo de melhoria da economia, conforme defendia o governo fede-ral, principalmente a partir do que é posto nos PPA 2004-2007 e 2008-2011, dar-se-ia por meio da ampliação de um mercado de consumo de massa, indispensável para que tal círculo virtuoso se desenvolvesse de forma contí-nua e sustentável. Nesse caso, a solução da pobreza, em boa medida, está ligada à garantia de emprego, que está sempre atrelada à ampliação da escolaridade e à formação de uma "mão de obra" qualificada tecnicamente, por isso a importância dada ao ensino técnico e tecnológico, principalmente nos documentos do governo federal. Portanto, o emprego é tomado como a forma mais efetiva para a saída da pobreza.

Nesse sentido, a perspectiva de que os usuários das políticas de as-sistência social precisam ser inseridos no mercado de trabalho para que possam romper com a "dependência" da proteção estatal está sempre presente nos documentos analisados. Contudo, as proposições nesse sen-tido desconsideram as condições objetivas de vida desses trabalhadores, bem como o perfil deles, que não atende às necessidades do mercado de trabalho, estabelecendo um descompasso entre as iniciativas e as possibi-lidades de inserção. Também cabe novamente considerar que, mesmo os

18 Dados da Oxfam Brasil, publicados em 2017, no relatório "A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras", mostram que, em 2017, o 1% mais rico da popu-lação mundial possuía a mesma riqueza que os outros 99%, e apenas oito bilionários possuíam o mesmo que a metade mais pobre da população no planeta. No Brasil, entre 1988 e 2015 ocorreu uma redução da parcela da população abaixo da linha da pobreza, de 37% para menos de 10%. Ao mesmo tempo, a concentração de renda no topo se manteve estável. No início de 2017, os seis maiores bilionários do país, juntos, possuíam riqueza equivalente à da metade mais pobre da população (OXFAM, 2017).

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trabalhadores com formação, estão sempre sujeitos ao desemprego, como mostra a realidade, dispensando, aqui, grandes considerações.19

Mas, como elemento fundamental para a concretização desse merca-do de consumo de massa, os programas sociais de distribuição de renda também ganham centralidade, dado que uma parcela da população estava à margem do consumo de bens e serviços. Portanto, programas como o PBF, para além da intenção inicial de livrar milhões de brasileiros/as da fome, também visavam e visam a ampliar a participação dessa população no mer-cado de consumo, não apenas pelo direito de consumir para viver, mas para dinamizar a própria economia.

A distribuição de renda proposta pela via do PBF está fortemente associada à leitura de que não bastaria matar a fome dos/as pobres. Era necessário romper a tendência de a pobreza se manter, mesmo com esse auxílio. Nesse sentido, as condicionalidades impostas para o recebimento do benefício, segundo o discurso governista, têm como função romper o caráter intergeracional da pobreza.

Outro aspecto importante a destacar é a culpabilização da pobreza, apesar de todo o discurso em favor da sua diminuição/erradicação. Esse aspecto fica bastante visível nos PPA 2004-2007 e 2008-2011 do estado de Santa Catarina, mais especificamente quando o governo trata do tema "agri-cultura". Nesse particular, encontramos, nos documentos, uma relação entre a saída das pessoas da área rural e o aumento da pobreza nas áreas urbanas. Há a compreensão de que a baixa qualidade de vida no meio rural leva ao abandono do campo e ao aumento da pobreza nas cidades, elevando a in-segurança da população e a criminalidade. Mesmo que seja admitido que o êxodo rural ocorra pela baixa qualidade de vida no meio rural, o governo apresenta uma visão que nega a relação dialética entre cidade e campo no processo de reprodução das relações capitalistas de produção. Também nega que a saída do campo não se dá apenas pela baixa qualidade de vida, mas pelo processo de expulsão dos pequenos agricultores pela agroindús-tria, setor de grande influência na política econômica catarinense. Os lati-fúndios têm aumentado no Brasil, e a reforma agrária é mais uma retórica

19 No âmbito do governo federal, o PAC foi o programa diretamente relacionado à ex-pansão do emprego. O que se viu foi que, a partir do terceiro mandato petista, esse programa sofreu cortes substanciais, o que demonstra que o fato de o país poder, em algum momento, dinamizar sua economia não significa que isso possa ser feito de modo contínuo e sustentável. Na realidade, o país passou a conviver com o maior nível de desemprego desde que esse índice passou a ser calculado.

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governamental. À medida que atribui o aumento da violência aos que saem do campo, o governo condena duplamente essa população: por não enfren-tar os determinantes do êxodo e também ao criminalizá-la.

Os discursos voltados para o desenvolvimento da "condição cidadã" também aparecem nos momentos em que os governos das três esferas se referem à pobreza e à desigualdade social. Nesse caso, é desenhada uma perspectiva de que é necessário "incluir" os "excluídos".

De todo modo, o registro dessa perspectiva, nos documentos em aná-lise, reafirma o projeto norteador das ações dos governos petistas, assim como dos governos do estado de Santa Catarina e dos municípios que com-puseram a amostra da pesquisa, em que a "inclusão" ganharia materialida-de, por um lado, pela ampliação do acesso ao consumo interno, ainda que por crescentes processos de endividamento das famílias trabalhadoras, e, por outro, pela ampliação em limites provisoriamente toleráveis de progra-mas sociais. Nessa direção, defender a tese da "inclusão" implica, necessa-riamente, reconhecer a possibilidade de um capitalismo "mais humano" ou "mais igualitário".

Educação, pobreza e desigualdade social nos Projetos Político-Pedagógicos das escolas selecionadas

Neste tópico, apresentamos as compreensões de educação, pobreza e desigualdade social que constam em Projetos Político-Pedagógicos de escolas catarinenses.20 Lembramos que as escolas foram selecionadas, em cada município que compôs a amostra de pesquisa, pelo número de estu-dantes beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF), ou seja, foram escolhi-das aquelas com maior número de beneficiários.

Cabe destacar, aqui, que a elaboração do "Projeto Pedagógico" das escolas está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei no 9.394, de 1996), quando trata da gestão democrática. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais, aparece com a denominação "Projeto Político-Pedagógico". No âmbito do estado de Santa Catarina, a elaboração e a execução do PPP são definidas como competência das unidades de ensino, prevista na Lei no 170, de 1998, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Educação.

20 Sobre a análise dos PPP, objetos da pesquisa, ver também Garcia, Hillesheim e Krüger (2018).

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O PPP é um instrumento de gestão da escola. Como tal, não pode ser apenas um instrumental voltado à organização dos processos burocráticos. Ele deve considerar, em especial, a sua dimensão social, ou seja, deve ex-pressar as visões de mundo, sociedade e ser humano que a escola preten-de. Portanto, tem de considerar a realidade em que a escola está inserida, em especial a realidade da comunidade. Para Veiga (2001, p. 62), "o projeto pedagógico da escola, ao se identificar com a comunidade local, busca al-ternativas que imprimam dimensão política e social à ação pedagógica".21

Feitas essas considerações iniciais e mirando alcançar os objetivos da pesquisa, problematizamos, diante da amplitude das informações contidas nos PPP selecionados, alguns aspectos que julgamos mais centrais a partir de quatro eixos de análise: a) abordagens sobre a realidade que tratem da condição social, econômica e política do município e da comunidade onde a escola está inserida; b) base teórica que dá sustentação ao PPP; c) papel da educação e da escola; d) concepções de pobreza e de desigualdade social. Ao final, pretendemos fazer algumas considerações objetivando avaliar se os demais documentos de gestão tratados induziram, de alguma forma, o que é proposto nos PPP.

No que tange à descrição da realidade em que a escola está inserida, a ampla maioria dos PPP analisados não apresenta um diagnóstico mais apurado sobre a condição do município, muito menos da comunidade. As informações encontradas, predominantemente, estão relacionadas ao histó-rico do município, da escola, e, em alguns casos, há poucos dados sobre a realidade da comunidade e dos/as alunos/as, a exemplo do que verificamos no PPP da Escola Municipal João Carneiro, do município de Calmon, que informa que seus/suas estudantes são, em grande maioria, de baixa renda e que boa parte é de beneficiários do PBF. Ao fazer isso, no entanto, repro-duz uma visão na qual se vislumbra uma relação automática entre pobreza e comportamentos adversos aos socialmente esperados. Nos termos usados no documento:

21 Apesar de a indissociabilidade das dimensões política e pedagógica não ser mencio-nada na grande maioria dos PPP analisados, foi possível identificá-la nos documentos. Também cabe informar que todos os PPP indicam que a construção se deu de modo democrático, com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar, res-pondendo ao que prevê a LDB de 1996. Os processos garantidores dessa participação, contudo, não são relatados minimamente.

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quando se observa o modo como as crianças vivem em casa acreditamos que a educação que elas demonstram na escola é reflexo do que vivem. Alguns alunos apresentam comportamento inadequado para a convivên-cia com os demais (ESCOLA MUNICIPAL JOÃO CARNEIRO, 2014, p. 8-9).

Essa concepção pode transformar a escola num espaço no qual se re-produzem os processos de discriminação aos filhos dos trabalhadores pela condição de pobreza, em vez de esses processos serem confrontados com a realidade social que os engendra.

Outro aspecto que chama a atenção é a concepção de que os segmen-tos pobres são desprovidos ou têm "falta" de cultura, negando ou igno-rando que esta tem como conteúdo os modos de vida. No PPP da unidade escolar do município de Lages, por exemplo, é asseverado que

[o] nível de escolaridade dos pais é baixo, restringindo-se às primeiras séries do ensino fundamental ou menos. Isso caracteriza os alunos da es-cola como provindos de lares carentes econômica, cultural e socialmente (ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA ZULMIRA AUTA DA SILVA, 2016, p. 7-8).

O PPP da Escola Parque Cidadã Cyro Sosnosky também apresenta da-dos sobre o nível de escolaridade dos pais/mães dos/as estudantes, como ocorre no PPP da Escola de Educação Básica Zulmira Auta da Silva, de Lages (que, além disso, informa que boa parte dos alunos/as frequenta uma insti-tuição de assistência de caráter religioso). O mesmo se dá no PPP da Escola Municipal de Educação Básica Gleidis Rodrigues, de Timbó Grande, e no PPP da Escola Municipal Serra da Abelha, de Vitor Meirelles.

Ainda que de maneira genérica, os PPP apontam realidades locais mar-cadas pelas condições de pobreza às quais estão submetidos/as os/as es-tudantes e suas famílias. Nem sempre, contudo, os elementos estruturais geradores dessas condições são apontados. Ao contrário, algumas análises sobre a dinâmica da sociedade apontam para a necessidade de processos adaptativos dos indivíduos às estruturas existentes, na medida em que é entendido que "[a]s vidas e os lugares são diferentes, mas o modo como cada ser deve se adaptar a esse meio, para viver em harmonia com os seus semelhantes, fará a diferença das relações" (BAIRRO DA JUVENTUDE DOS PADRES ROGACIONISTAS, 2015/2016, p. 9-10). Nessa mesma unidade de en-sino, do município de Criciúma, consta referência à concentração de riqueza existente na cidade. Contudo, em seu PPP, é considerado que "isso não é

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um fato isolado se considerarmos que a maior parte da humanidade almeja dominar o processo econômico" (BAIRRO DA JUVENTUDE DOS PADRES ROGACIONISTAS, 2015/2016, p. 15). Ora, conforme a perspectiva de análise assumida nesta pesquisa, a maior parte da humanidade que deve desejar o domínio do processo econômico é constituída pelos trabalhadores, mas para socializar a riqueza e não para reiterar a sua concentração.

Com relação aos diagnósticos muito restritos, podemos nos perguntar: como atuar em uma realidade de que se tem pouca informação? Podemos imaginar que aqueles que atuam na escola têm conhecimento dessa reali-dade, mas trazer dados mais robustos para os PPP poderia, efetivamente, colaborar para uma melhor compreensão das vivências de alunos/as.

No que tange às bases teóricas que dão sustentação aos PPP, podemos afirmar que todos assumem uma perspectiva minimamente progressista, pautada em pressupostos social-democratas, como a participação, a demo-cracia, a igualdade, o direito a uma vida digna, a uma sociedade justa que ofereça oportunidades iguais para todos.

Nessa direção, a educação escolar é compreendida como essencial para que ocorram processos de democratização da sociedade por meio da par-ticipação de cidadãos mais capazes de promover as mudanças necessárias para o enfrentamento e até a superação da desigualdade social. De todo modo, parece haver uma tendência a enfatizar a contribuição da educação na preservação da ordem social vigente. Portanto, podemos até dizer que há uma crítica à sociedade do capital, entendida como passível de controle e transformação, dentro da sua própria lógica. No entanto, não encontramos alguma postura anticapitalista norteando as propostas pedagógicas.

No caso do PPP da escola Cyro Sosnosky, de Chapecó, constam como fundamentos teóricos o materialismo histórico dialético, de Marx e Engels, a teoria sócio-histórica ou histórico-cultural, cujo precursor é Vygotsky, a pedagogia histórico-crítica de Saviani e, ainda, a respectiva didática dessa pedagogia desenvolvida por Gasparin. Em termos pedagógicos, a perspec-tiva vygotskyana é a mais mencionada, o que reflete uma crítica, pelo menos do ponto de vista formal, diante da realidade social. No entanto, os marcos teóricos são apresentados sem que sejam feitas reflexões sobre o significa-do de adotá-los e as necessárias consequências dessa adoção. Tudo fica no âmbito da constituição de sujeitos críticos, criativos e que devem exercer a sua cidadania. Ao fim e ao cabo, isso representa o desenvolvimento de valores e comportamentos que convirjam para a integração social.

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No que tange ao papel da educação e da escola, a totalidade dos PPP apresenta a formação do cidadão como o principal objetivo. Cabe à escola formar o cidadão, e cabe a este transformar a sociedade. Essa ênfase dada à formação para a cidadania como o papel principal da educação e da escola ressoa o discurso encontrado nos demais documentos de gestão analisados anteriormente. Outro papel atribuído à educação e à escola, que aparece apenas em dois dos PPP, diz respeito à formação da força de trabalho, o que implicaria a inclusão produtiva, respondendo às demandas do mercado de trabalho.

Não encontramos, nos PPP, alguma reflexão em torno da pobreza e da desigualdade social de modo específico, apesar das abordagens em torno de uma sociedade desigual que deve ser transformada. Aliás, os termos "po-bre", "pobreza" e "desigualdade social" não aparecem na ampla maioria dos PPP. Encontramos menção ao termo "extrema pobreza" apenas no PPP da Escola Bairro da Juventude dos Padres Rogacionistas, quando é feita refe-rência à situação do município, comparando a condição dos grupos sociais. No PPP da Escola de Educação Básica Profa. Otília Ulysséa Ungaretti, de Alfredo Wagner, encontramos menção aos termos "desigualdade" e "de-sigualdade social" quando são apresentadas as concepções de sociedade e de mundo, bem como quando trata do papel da escola. No caso do PPP da Escola Municipal João Carneiro, do município de Calmon, aparece uma menção à "desigualdade local", dando a entender que se trata da desigual-dade social existente no município. No PPP do Instituto Estadual de Edu-cação de Florianópolis, o termo "desigualdades sociais" aparece apenas quando da apresentação da concepção de homem. E no caso do PPP da Escola Municipal de Educação Básica Gleidis Rodrigues, de Timbó Grande, o termo "desigualdades sociais" aparece quando da apresentação da visão de mundo, e o termo "desigualdades", quando da apresentação da visão de homem.

Chama muito a atenção o fato de os termos "pobre" e "pobreza" não se-rem utilizados nos PPP, principalmente porque selecionamos as escolas com o maior número de beneficiários do PBF por município. Aliás, a referência ao PBF é feita apenas em dois PPP: no caso da Escola Municipal João Carneiro, do município de Calmon, que faz referência aos/às estudantes beneficiários do PBF matriculados, entendendo que o comportamento que têm na escola decorre da condição de precariedade em que vivem; e no caso da Escola Parque Cidadã Cyro Sosnosky, que faz referência aos beneficiários do PBF

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apenas quando descreve a realidade socioeconômica das famílias dos/as estudantes.

Para concluir, podemos afirmar que, se há alguma indução dos demais documentos de gestão analisados sobre os PPP, esta é centrada no papel da educação e da escola e numa crítica a respeito da sociedade no que tange às "injustiças sociais". Não é sem motivo que o discurso da cidadania é tão forte também nos PPP. Esse discurso tem o mesmo apelo nos demais docu-mentos. Chamou a atenção o fato de o outro papel atribuído à educação, ou seja, o de formar e qualificar a força de trabalho para o mercado, de modo evidente, dirigido, nos PPA e nos Planos de Educação federais e estaduais, para as populações empobrecidas na forma de inclusão produtiva, não ser destacado nos PPP, aparecendo apenas em dois deles. Essa baixa menção a esse papel da escola deve ser relativizada, haja vista que a maioria das escolas cujos PPP foram analisados oferece ensino até o nono ano. Também cabe destacar que a vinculação da educação à formação para o mercado de trabalho é tomada, socialmente, como um pressuposto, o que pode levar a sua não explicitação.

A pobreza e a desigualdade social, aspectos tão destacados nos demais documentos de gestão, com exceção dos PPA municipais, são praticamente ignorados nos PPP, ficando implícitos nas críticas feitas à "ordem social in-justa". Mais sério ainda é a quase inexistência de menção ao PBF. Isso efeti-vamente mostra que o debate sobre a pobreza e a desigualdade social está ausente nas escolas, reforçando o que foi constatado quando da proposição da IEPDS por parte da Secadi/MEC. Como pensar numa outra perspectiva social, mesmo que dentro da própria ordem, se categorias centrais para questioná-la acabam sendo ignoradas? Como falar da necessidade de uma "sociedade justa", ignorando a expressão cabal das injustiças?

Considerações finais

A análise do conjunto de documentos que compuseram a amostra da pesquisa permite-nos fazer algumas sínteses a respeito das concepções e proposições relativas à educação, à pobreza e à desigualdade social.

Antes, contudo, cabe destacar o fato de os documentos, mais especi-ficamente os do âmbito municipal, não cumprirem, efetivamente, a função à qual se destinam, ou seja, de expressar de modo claro e detalhado as propostas de governo. Entendemos que isso seja expressão da cultura

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política do país, na qual predomina a rotatividade dos gestores municipais, os acordos políticos temporários e de conveniência, a pouca prioridade de estruturação das equipes técnicas de planejamento e coordenação, fa-zendo com que os reconhecimentos técnico e político desses documentos de planejamento e gestão sejam reduzidos ao âmbito formal. Não temos ainda uma cultura de administração pública de base social, possibilitando que haja a efetiva participação da sociedade no planejamento, bem como a possibilidade de acompanhamento e avaliação do que é planejado e do que é implementado. Ao contrário, considerando a forma dos documentos municipais encontrados, entendemos que não possibilitam nem mesmo aos governos que sejam tomados como um efetivo instrumento de gestão. Isto evidencia a carência do Estado brasileiro de realizar a administração pública com planos e políticas de planejamento e gestão que tenham sustentação nas necessidades da população.

A concepção de educação predominante nos documentos analisados é que esta se constitui em um direito social a ser garantido pelo Estado, pela família e pela sociedade. Ela compõe os direitos humanos fundamentais, sendo, portanto, indispensável para a conquista e a garantia da cidadania. Por isso, a educação formal/escolar é apresentada como uma importante estratégia para a redução da pobreza e da desigualdade social e como o meio, por excelência, para a ascensão social.

Outra ideia predominante no conjunto dos documentos concebe a edu-cação como mediação para a promoção do desenvolvimento econômico e formação para o trabalho. A lógica impressa nessa ideia é que uma so-ciedade educada e qualificada é o elemento fundamental para a garantia de um processo de desenvolvimento econômico sustentável. Afinal, a baixa escolaridade e qualificação dos/as trabalhadores/as brasileiros/as são apon-tadas como causas dos altos índices de desemprego. Principalmente nos documentos do governo federal, há uma grande defesa do ensino técnico e tecnológico, e o emprego é tomado como a forma mais efetiva para a saída da pobreza. Ademais, a vinculação da educação à formação para o mercado de trabalho é um pressuposto assumido socialmente, principalmente quan-do são apontadas as alternativas para a superação da condição de pobreza.

A pobreza e a desigualdade social são tomadas nos diferentes documen-tos analisados como fenômenos que podem e devem ser resolvidos. Para tanto, um conjunto de propostas é apresentado, mas, como já apontado, restrito e subjugado à própria dinâmica da ordem social do capital, ou seja,

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nenhuma das proposições coloca essa ordem em xeque. Ao considerarmos que, no período analisado, os governos eram do Partido dos Trabalhadores, era de se esperar que pelo menos as proposições considerassem reformas que onerassem mais aqueles segmentos mais abastados, mas, ao contrário, o que se viu foi a continuidade de processos caracterizados por retrocessos em termos de direitos e garantias conquistados a duras penas pela classe trabalhadora. Mesmo que os programas de transferência de renda tenham resistido no período, seus limites são evidentes.

A história mais recente mostra que a perspectiva de manutenção de um círculo virtuoso da economia não se manteve. As taxas de desemprego aumentaram substancialmente, e, com isso, cresceu o número de pobres, e a desigualdade social ampliou-se, confirmando as análises de incontrolabi-lidade do capital (MÉSZÁROS, 2002). A educação, alçada à estratégia por excelência para o rompimento do círculo da pobreza, não tem cumprido o papel a ela atribuído. Pelo contrário, a despeito da baixa qualidade da educação brasileira, mesmo aqueles/as que conseguem alcançar patamares mais altos de formação e qualificação enfrentam o desemprego ou se sub-metem a trabalhos cada vez mais precarizados.

Há que se advertir, contudo, que os documentos analisados são instru-mentos de planejamento e gestão elaborados para dar consecução à ordem estabelecida. Portanto, não poderíamos esperar que apontassem para o rompimento dos processos legitimadores dessa sociabilidade. A despeito desses limites, esperávamos que o peso da conta cobrada pelo capital não fosse tão perversamente jogado apenas sobre a classe trabalhadora, como sempre o foi. Afinal, se há algo na ordem do capital que os governos po-dem efetivamente fazer, quando há uma preocupação real de combate à pobreza e à desigualdade social, é não penalizar aqueles/as que têm sido historicamente penalizados. É necessário destacar que não cabe ao Estado do capital encaminhar a revolução com vistas à construção de outra ordem social, visto ser ele parte constitutiva da própria ordem. No entanto, a des-peito de todo o discurso voltado para a construção de uma sociedade "mais justa", apesar da efetivação de programas voltados ao aplacamento da mi-séria, a exemplo do PBF, apesar das diversas políticas encaminhadas para atender aos/as considerados/as "excluídos/as", o Brasil continua tendo uma grande parcela da sua população vivendo em condições de pobreza. Esse fenômeno, na sua condição de efeito e determinante da acumulação capi-talista (SOTO, 2003), tem aumentado no mundo inteiro, a despeito da sua

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diminuição no passado recente. Nesse sentido, a realidade tem mostrado que, nessa ordem, a pobreza não pode ser combatida de modo sustentável, muito menos erradicada. A crença no desenvolvimento econômico como forma de diminuição da desigualdade social também se constitui falaciosa, conforme nos mostra Netto (2007).

Os documentos de planejamento e gestão governamentais apontam para a possibilidade de construção de uma sociabilidade "mais justa", dando efetividade à cidadania. Esse discurso, mesmo que pautado no re-conhecimento dos direitos humanos, em especial dos sociais, não deixa de se pautar, também, na meritocracia. Isso repercute de modo contundente na forma como as escolas apresentam suas concepções de ser humano e de mundo. Por outro lado, a realidade fática mostra o quanto esse discurso pode ser desconstruído em virtude da sua desconexão com as condições objetivas vividas por grandes contingentes de famílias trabalhadoras.

Essa realidade, ainda que possa gerar desânimo (o que pode nos levar ao imobilismo), mostra a necessidade de continuarmos lutando por uma so-ciedade menos injusta, bem como reforça o fato de que as ações dos que defendem uma educação pública, laica, de qualidade e socialmente referen-ciada devem estar voltadas à construção de uma ordem distinta da atual, em que a emancipação humana possa se concretizar.

ReferênciasBAIRRO DA JUVENTUDE DOS PADRES ROGACIONISTAS - ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PADRE PAULO PETRUZZELLIS. Projeto Político-Pedagógico. Criciúma, 2015/2016. (Enviado aos autores por e-mail).

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Limites e possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades educacionais em Salvador-BAMaria Izabel RibeiroSelma Cristina SilvaThaís GoldsteinEmília SantosHenari LimaKelly SilvaTaiane Santos

Introdução

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de ren-da condicionada, que faz parte do Plano Brasil sem Miséria, implementado com o intuito de combater a pobreza e a desigualdade no país em dois mo-mentos: primeiramente, via transferência de recursos financeiros às famílias; e, em longo prazo, enfrentando os mecanismos de (re)produção da pobreza, por meio de suas condicionalidades (PIRES, 2013; RIBEIRO; JESUS, 2016).

O PBF é destinado às famílias em situação de pobreza ou extrema po-breza. Em 2016, foram classificadas como em situação de pobreza famílias com renda per capita entre R$ 85,01 e R$ 170,00 mensais e em situação de extrema pobreza famílias com renda per capita até R$ 85,00.

Para o recebimento do benefício, as famílias devem cumprir um conjun-to de condicionalidades que abrangem o campo da educação, da saúde

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e da assistência social. No tocante à educação, o PBF possui as seguintes condicionalidades: as crianças e adolescentes de 6 a 17 anos devem estar matriculadas na escola e a frequência mensal mínima deve ser de 85% para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos.

Entre pesquisadores e agentes públicos não há consenso acerca da imposição de condicionalidades no PBF. Os que defendem a existência de condicionalidades, geralmente se apoiando na Teoria do Capital Humano1, entendem que o acesso à educação e à saúde proporciona um aumento do capital humano às crianças, aos adolescentes e jovens beneficiados, de modo que, ao se tornarem adultos, passarão a ter mais chances de encontrar uma melhor colocação no mercado de trabalho, podendo, assim, romper com a condição de pobreza (PIRES, 2013). Há também os que postulam que a obrigatoriedade da matrícula e de uma alta frequência escolar constitui uma importante estratégia de combate ao trabalho infantil, tendo em vista que a renda recebida pela família beneficiada resultaria numa redução da pressão sobre a criança ou o adolescente para entrar de forma precoce no mercado de trabalho (AMARAL; MONTEIRO, 2013; RIBEIRO; JESUS, 2016).

Os críticos às condicionalidades do PBF alegam que a assistência aos cidadãos é um direito básico, logo, não deve estar condicionada a nenhuma contrapartida ou compromisso por parte dos beneficiados. Em relação às condicionalidades na área educacional, autores inspirados no pensamento de Gramsci (2000) e Bourdieu (2007) demonstram que, na nossa sociedade, a escola tem se constituído como um espaço de reprodução e legitimação das desigualdades sociais. Segundo essa linha do pensamento social crítico, a matrícula e a frequência escolar não são suficientes para se romper com os mecanismos de transmissão da pobreza, conforme previsto no desenho do PBF (PIRES, 2013).

Dentre a produção bibliográfica sobre os efeitos das condicionalidades educacionais do Programa Bolsa Família na vida dos discentes beneficiados, destacamos o estudo feito por Craveiro e Ximenes (2013). Sobre isso, os au-tores afirmam que

1 Esta teoria origina-se na década de 1950, e Theodore W. Schultz, professor de Econo-mia da Universidade de Chicago, é considerado um de seus principais formuladores. Para Schultz, o trabalho humano qualificado por meio da educação gera produtividade econômica. Assim, aplicada ao campo educacional, a ideia de capital humano levou a uma concepção tecnicista sobre o ensino e a organização da educação, difundindo a ideia de que a educação tem um “valor econômico” considerado essencial para o desenvolvimento.

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Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 249

a condicionalidade da educação [do PBF] contribuiu para reduzir em 36% a porcentagem de crianças de 6 a 16 anos que não frequentavam a escola, passando de 8,4% para 5,4%; ii) a redução de 40% da parcela de crianças de 6 a 10 anos de idade fora da escola, e redução de 30% para as faixas etárias de 11 a 16 anos; iii) a constatação de que a condicionalidade em educação foi responsável pela queda de cerca de um terço da proporção de crianças entre 11 e 16 anos de idade com até um ano de escolaridade fora da escola; e iv) a redução de 40% da proporção de meninos de 6 a 16 anos de idade que não frequentavam a escola. No caso das meninas, a redução foi de 30% (CRAVEIRO; XIMENES, 2013, p. 116).

Assim, para os referidos autores, a condicionalidade produziu um efei-to positivo na diminuição das desigualdades educacionais, uma vez que há uma redução na taxa de abandono escolar de estudantes pertencentes às famílias beneficiadas.

Partindo do debate sobre o PBF e as estratégias de enfrentamento da pobreza, apresentaremos resultados da primeira fase da pesquisa intitulada "Educação, pobreza e desigualdade social: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em Salvador-Bahia". O texto é composto de três partes, além da introdução e das considerações finais. Na primeira, apresentamos a pes-quisa em tela, destacando seus objetivos e metodologia. Em seguida, faze-mos uma breve discussão sobre as desigualdades sociais e educacionais na cidade de Salvador. Por fim, discutimos os indicadores sociais construídos a partir da base de dados secundários do Sistema de Informações, o Data So-cial, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (MDS), atualmente Ministério do Desenvolvimento Social.

Apresentando a pesquisa: objetivo e as etapas de um processo

A pesquisa intitulada "Educação, pobreza e desigualdade social: um estudo sobre o Programa Bolsa Família em Salvador-Bahia" é uma das ações da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS), de-senvolvida pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced/UFBA). Trata-se de uma pesquisa ampla (também chamada de pro-jeto guarda-chuva)2, que abriga dois subprojetos articulados, quais sejam:

2 O projeto guarda-chuva envolve os seguintes objetivos principais: a) traçar o perfil so-cioeconômico e a situação educacional de estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família na cidade de Salvador-BA; b) refletir sobre as implicações da condicionalidade educacional sobre as experiências de escolarização de estudantes provenientes de

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i) "Educação, pobreza e desigualdades sociais: um estudo da relação entre as condicionalidades do Programa Bolsa Família e a situação educacional das famílias beneficiadas em Salvador-BA"; ii) "O Programa Bolsa Família e o processo de escolarização de estudantes beneficiários: um estudo de caso".3

Neste artigo, nosso foco principal são os resultados do primeiro sub-projeto, iniciado em fevereiro de 2016 e finalizado em dezembro de 2017, o qual objetivou construir um conjunto de indicadores sociais sobre educação, pobreza e desigualdades sociais, com o intuito de traçar o perfil socioeco-nômico e a situação educacional dos beneficiários do PBF no município de Salvador-BA.

O indicador social constitui-se como um elemento de ligação entre con-ceitos abstratos ou teorias e as manifestações empíricas dos objetos estuda-dos. Ao definir o termo indicador social, Jannuzzi (2002) diz que ele é

uma medida em geral quantitativa, dotada de significado social subs-tantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou pro-gramático (para a formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão ocorrendo na mesma (JANNUZZI, 2002, p. 55).

O indicador social pode ser classificado como simples, quando resulta de uma estatística específica referente a uma dimensão determinada da realidade social, ou como composto, configurando indicadores sintéticos construídos a partir da junção de mais de um indicador simples (JANNU-ZZI, 2002). A análise do conjunto de indicadores simples construídos na pesquisa permitiu-nos estabelecer correlações entre a situação educacional

famílias beneficiárias, especialmente em termos de frequência escolar, aprendizado, participação da família na vida escolar etc. Integram a equipe da pesquisa três profes-soras orientadoras (Maria Izabel Souza Ribeiro, Selma Cristina Silva de Jesus e Thaís Seltzer Goldstein) e quatro estudantes de graduação (Emília Soraia Dias Santos, Henari Macedo Oliveira Lima, Kelly Cristina Rêgo Silva e Taiane Lopes dos Santos), bolsistas do Programa Permanecer/UFBA e do Pibic/UFBA – Edição 2016-2017 (primeiro subprojeto) e Edição 2017-2018 (segundo subprojeto).

3 O segundo subprojeto envolve os seguintes objetivos: a) refletir sobre as relações entre as condicionalidades do PBF e as experiências educacionais de crianças e jovens bene-ficiados pelo Programa por meio do olhar de professores/as da rede pública de ensino de Salvador e Região Metropolitana; b) compreender o processo de acompanhamento da frequência escolar de beneficiários e suas implicações na rotina escolar.

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de estudantes beneficiados pelo PBF e o perfil das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza em Salvador, no período de 2007 a 2016.

Neste estudo, o conjunto de indicadores sociais foi elaborado a partir dos dados secundários do Sistema de Informações, Data Social, do Ministé-rio do Desenvolvimento Social (MDS). Essa plataforma digital disponibiliza indicadores voltados para elaboração de diagnósticos atualizados e monito-ramento das políticas e programas do MDS, além de fornecer informações de contexto social, demográfico e econômico de municípios, estados, regi-ões e do Brasil (BRASIL, 2016).

Essa plataforma digital possui seis conjuntos temáticos de indicadores: Data SED – principais dados e indicadores da área social, econômica e de-mográfica; Data CAD – dados do Cadastro Único para Programas Sociais e do Programa Bolsa Família; Data CON – dados sobre as condicionalidades de Educação e Saúde de beneficiários do Programa Bolsa Família; Data SAN – dados sobre contexto e programas de Segurança Alimentar e Nutricional; Data SUAS – dados sobre equipamentos, recursos humanos e serviços da Assistência Social; e Data INC – dados sobre mercado de trabalho e ações em Inclusão Produtiva. Na pesquisa em tela, analisamos os dados dispo-níveis em dois conjuntos temáticos, a saber, Data CAD e Data CON, que versam sobre o Programa Bolsa Família e suas condicionalidades.

A seguir, apresentamos um quadro com a síntese dos indicadores traba-lhados na pesquisa.

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Quadro 1 - Indicadores da pesquisa.

Sistema de Informações do MDS

Indicadores da pesquisa

Data CAD

Quantidade de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais e com renda per capita familiar de até 1/2 salário mínimo.Quantidade de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.Valores de repasse do Programa Bolsa Família.

Características dos domicílios das famílias cadastradas no Cadastro Único e das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.

Benefício médio mensal por família do Programa Bolsa Família.

Benefícios do Programa Bolsa Família.

Perfil das pessoas inscritas no Cadastro Único por sexo, idade, cor/raça.

Perfil dos beneficiários do Programa Bolsa Família por sexo, idade e cor/raça.

Data CON

Acompanhamento da frequência escolar de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos (com frequência escolar igual ou superior a 85% e inferior a 85% e não acompanhados nas condicionalidades de educação).

Acompanhamento da frequência escolar de crianças e adoles-centes de 6 a 17 anos (com frequência escolar igual ou superior e com frequência inferior ao percentual exigido).

Acompanhamento da frequência escolar de jovens de 16 a 17 anos (com frequência escolar inferior a 75%).

     

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017.

Esses indicadores serão objeto de análise na terceira seção deste texto. Contudo, antes de analisá-los, faz-se necessário refletir, ainda que breve-mente, sobre as desigualdades sociais e educacionais na cidade de Salvador e sua Região Metropolitana.

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O caso do PBF e de suas condicionalidades educacionais em Salvador-BA

Nesta seção apresentamos a análise do conjunto temático dos indicado-res trabalhados na plataforma pesquisada – o Data CAD e o Data CON. Por meio desses indicadores sociais, buscamos problematizar a relação entre as condicionalidades do PBF e a situação educacional dos estudantes de famílias beneficiadas que moram em Salvador-BA. Antes, faremos uma breve reflexão sobre especificidades desse município, capital do estado da Bahia.

Indicadores das desigualdades sociais e educacionais em Salvador e Região Metropolitana

A Região Metropolitana (RM) de Salvador é composta de 13 municípios, distribuídos em uma área de 4.354 km: Camaçari, Candeias, Dias D’Ávila, Ita-parica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, Salvador, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Vera Cruz.

De acordo com o Censo Demográfico do IBGE realizado em 2010, Salva-dor possuía mais de 2,6 milhões de habitantes. Desse total, 79,4% declara-ram-se como pretos ou pardos (negros) (IBGE, 2010). Atualmente, estima-se que a população residente de Salvador esteja em torno de 3 milhões.

Silva (2016), embasado na metodologia desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles e nos dados do censo demográfico, afirma que a estrutura urbana de Salvador consubstancia dois modelos espaciais. De um lado, há o “modelo centro-periferia”, típico de sociedades marcadas por altos índices de desigualdade social, em que a distância entre as classes sociais é visível também na divisão do espaço. Neste modelo, conforme o autor, os pobres estão localizados em áreas periféricas e precárias. Ao mesmo tempo, é pos-sível verificar em Salvador outro modelo, de “heterogeneidade e fragmen-tação”, caracterizado pela existência de favelas e comunidades populares situadas em áreas nobres da cidade. Para Silva (2016), a proximidade espacial não necessariamente resulta em apropriação dos benefícios e serviços exis-tentes nessas áreas nobres pela população que vive em situação de pobreza e reside nas proximidades: são territórios hierarquizados socialmente. Sobre a estrutura urbana de Salvador, o autor afirma:

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a capital baiana é uma cidade muito heterogênea, dividida na maior parte do seu território entre vastas áreas marcadas pela precariedade, pela pobreza e pela segregação, e algumas ilhas de riqueza e moderni-dade (ainda que, muitas vezes, com a presença de comunidades pobres), algumas vezes fragmentada, mas nem por isso menos distante. Nela, as intervenções urbanas, associadas à realização de investimentos seletivos públicos e privados, foram decisivas na produção do seu espaço urbano, marcado pela desigualdade e discrepância (SILVA, 2016, p. 111).

Carvalho (2008) e Silva (2016) argumentam que Salvador possui três veto-res de expansão urbana, que se constituíram a partir do seu centro histórico colonial: a orla marítima norte, o “miolo” (centro geográfico) e o subúrbio ferroviário. O primeiro vetor constitui-se na área nobre e valorizada da cida-de, que concentra as melhores ofertas de serviços e benefícios e, portanto, é o local de moradia por excelência da população com maior nível de renda. O segundo vetor, designado de miolo, situado no centro da cidade, apresenta menor disponibilidade de serviços e concentra os segmentos de menor ren-da das classes médias e camadas populares. Por fim, o subúrbio ferroviário é caracterizado pela carência de serviços e benefícios, sendo uma das áreas mais problemáticas de Salvador em termos de infraestrutura urbana – é tam-bém onde se concentra boa parte da população pobre da cidade.

Ao analisar a estrutura sócio-ocupacional de Salvador e sua Região Me-tropolitana, Carvalho (2008) classifica sua população economicamente ativa em quatro grupos ocupacionais: i) existe um grupo reduzido, com maior nível de renda, composto dos grandes empresários locais, dirigentes dos setores público e privado e também dos profissionais autônomos ou assalariados de nível superior, e esse grupo concentra-se principalmente na Orla Atlân-tica, área nobre com direitos urbanos mais consolidados; ii) tem-se também os setores dos médios e pequenos empresários, juntamente a um número grande de trabalhadores do setor de serviços e assalariados da indústria; iii) há ainda, em menor proporção, os trabalhadores na agropecuária, que se concentram nos municípios menos desenvolvidos da Região Metropolitana de Salvador; iv) por fim, temos um contingente expressivo de trabalhadores vivenciando situações de subemprego ou desemprego.

Em fevereiro de 2018, conforme aponta a Pesquisa de Emprego e Desem-prego (PED),4 a taxa de desemprego na Região Metropolitana de Salvador

4 A PED é uma pesquisa domiciliar realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) “no Distrito Federal e nas Regiões Metropolitanas

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era de 25,5%, ou seja, 510 mil pessoas residentes em Salvador e sua Região Metropolitana encontravam-se desempregadas. Já entre os ocupados do setor privado, a pesquisa revela que, no período de janeiro/2017 a feverei-ro/2018, houve uma redução de 3% no número de assalariados com carteira assinada (ou seja, menos 22 mil empregos registrados em carteira de traba-lho). Ao mesmo tempo, os dados da PED revelam que houve um aumento de 18,4% (mais de 18 mil pessoas) no contingente de trabalhadores sem registro em carteira e de 24% no número de trabalhadores autônomos (BAHIA, 2018).

Ao analisar os indicadores de pobreza e indigência5 com base no Censo de 2000, Carvalho (2008) afirma que os pobres e indigentes da cidade de Sal-vador representam 30,9% da população. Segundo Oliveira (2017), em 2010, na capital baiana, aproximadamente 27% das famílias (sobre)viviam com uma renda mensal inferior a um salário mínimo. Essas famílias pobres estão locali-zadas, fundamentalmente, nas áreas periféricas da cidade de Salvador, onde o acesso a serviços e direitos urbanos é significativamente restrito.

No tocante às oportunidades educacionais em Salvador, destacamos dois aspectos analisados por Carvalho (2008): i) o analfabetismo funcional é baixo no centro de Salvador e na Orla Atlântica, porém, no vetor designado pela autora como Miolo e nas franjas da cidade, a frequência do analfabetis-mo funcional aumenta, chegando a atingir o índice de 30% em alguns bairros mais populares, como Nordeste de Amaralina e Bairro da Paz; ii) embora a frequência ao ensino fundamental esteja praticamente universalizada, ela é menor nas favelas ou comunidades populares localizadas no Miolo e nas franjas de Salvador.

Em relação às desigualdades intrametropolitanas, Carvalho (2008) de-monstra que há uma grande diferenciação no atendimento educacional às crianças, revelada por meio dos números relativos à distorção série-idade na população de 7 a 14 anos,

de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e mais recentemente For-taleza, constituindo o Sistema PED. O apoio financeiro e o reconhecimento institucional da PED como parte integrante do Sistema Público de Emprego, por parte do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foram inestimáveis na consolidação deste novo sistema de produção estatística”. Para mais informações, acesse o site <https://www.dieese.org.br/analiseped/ped.html>.

5 O indicador de pobreza e indigência agrupa aqueles com renda familiar per capita abaixo de ¼ do salário mínimo (CARVALHO, 2008).

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Se, em Salvador, 26,96% das crianças, na faixa dos 7-14 anos, e 38,56%, na faixa dos 10-14, apresentavam mais de um ano de atraso escolar, em 2000, em Madre de Deus esses números correspondiam a 30,54% e 45,03%; em Lauro de Freitas, a 32% e 46,48%; em Camaçari, a 32,28% e 46,75%; em Simões Filho, a 32,89% e 47,97%; em Dias D’Ávila, a 33,53% e 48,61%; em São Francisco do Conde, a 34,4% e 52,61%; em Candeias, a 35,69% e 49,23%; em Itaparica, a 36,32% e 53,5%; por fim, na situação mais desfa-vorável, encontrava-se Vera Cruz, com taxas de, respectivamente, 40,98% e 59,52%. E se 43,69% das crianças, entre 10-14 anos, tinham menos de quatro anos de estudo em Salvador, no ano 2000, esse percentual se elevava para 49,26% em São Francisco do Conde, 49,85% em Camaçari, 51,02% em Dias D’Ávila, 51,06% em Madre de Deus, 51,77% em Simões Filho, 52,13% em Candeias, 52,38% em Lauro de Freitas, 55,17% em Vera Cruz e 55,53% em Itaparica (CARVALHO, 2008, p. 125).

Já nas áreas nobres de Salvador, como Barra, Pituba, Graça, Jardim Api-pema etc., a adequação entre série-idade é superior a 80% (CARVALHO, 2008).

Perfil das famílias beneficiadas pelo PBF

A seguir, faremos uma discussão sobre o perfil das famílias beneficiadas pelo PBF, enfocando as famílias brasileiras, as famílias que moram na Bahia e as que moram na capital, Salvador. Os indicadores utilizados estão presen-tes do Cadastro Único (Data CAD), e nosso recorte compreende o período de aproximadamente uma década: de 2007 a 2016.

O Cadastro Único é a porta de entrada para vários Programas Sociais do Governo Federal, tais como: Bolsa Família, Tarifa Social de Energia Elétrica, Minha Casa Minha Vida. Quando uma família se registra no Cadastro Único, ela não está automaticamente cadastrada no PBF, uma vez que o principal critério para o cadastramento nesse programa é a renda per capita: as que têm a menor renda entram primeiro no Programa.

No período de 2007 a 2016, o número de famílias inscritas no Cadastro Único no país passou de 16,8 milhões para cerca de 27 milhões. Tal aumento também se verifica no estado da Bahia e na cidade de Salvador, sendo coe-rente com um dado de contexto: o agravamento da crise econômica no país, especialmente a partir de 2014. Em 2016, o montante computado de pessoas desempregadas chegou a 12,3 milhões, segundo dados da Pesquisa Nacio-nal por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE). A região Nordeste concentra o maior número de famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas

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Sociais, sendo o Bolsa Família o programa de maior abrangência. A Bahia, que é um estado populoso, com cerca de 15,2 milhões de habitantes (IBGE, 2010), possui índices de pobreza acima da média nacional. A partir de 2008, houve um aumento do número de famílias baianas inscritas no PBF, ao passo que no resto do país o número se manteve estável (média de 14 milhões), não se observando alterações significativas no número de beneficiários no Brasil no período de 2007 a 2016.

Em relação aos valores do repasse do PBF, dados levantados no Sistema de Informações do MDS demonstram que a média do valor mensal dos be-nefícios do PBF em 2016, na cidade de Salvador, foi de R$ 137,64, o que equi-vale a 15,64% do valor do salário mínimo, no mesmo ano. Para se ter ideia do que isso representa, o custo da cesta básica na capital baiana era de R$ 355,15 (DIEESE, 2016). Já o valor médio mensal do benefício do PBF recebido no estado da Bahia foi de R$ 162,28, não chegando a 20% do salário mínimo. Os dados ainda apontam para o fato de que Salvador está abaixo da média nacional e da média baiana, aprofundando a insuficiência do valor, uma vez que o custo de vida na capital é maior que no interior do estado. Quando se observa o valor médio recebido por família e o valor médio da cesta básica, nota-se que o benefício representa um valor equivalente a um terço do valor da cesta básica, que por sua vez representa 40,36% do salário mínimo. Vale lembrar que o salário mínimo real não cobre as necessidades básicas de uma família composta, em média, de dois adultos e duas crianças. Segundo o Dieese (2016), para poder custear as necessidades básicas mensais familia-res, sem imprevistos, seria necessário que os cidadãos brasileiros recebes-sem o valor de R$ 3.856,23 (dados de dezembro de 2015).

Tabela 1 - Benefício médio mensal por família do PBF, 2015-2016.

Localidade AnoBenefício médio

mensal por família do PBF (R$)

Salário mínimo% do benefício em relação ao salário mínimo

BRASIL 2015 163,06 R$ 778,00 20,96BAHIA 2015 164,68 R$ 778,00 21,17SALVADOR 2015 139,12 R$ 778,00 17,88 BRASIL 2016 161,26 R$ 880,00 18,33BAHIA 2016 162,28 R$ 880,00 18,44SALVADOR 2016 137,64 R$ 880,00 15,64

Fonte: elaborada pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados do MDS.

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Esses números demonstram o quão baixo é o valor médio recebido por famílias beneficiárias do Programa, ao contrário do que sugerem setores políticos conservadores neoliberais, para os quais a redução de gastos do Estado com programas sociais justificaria sua suspensão, levando o país a um suposto crescimento econômico6.

O curioso é que, para esses mesmos grupos, tal justificativa só seja utili-zada quando o benefício se destina às camadas pobres e miseráveis. Quando está em jogo a discussão sobre a pertinência da manutenção de privilégios mantidos com dinheiro público para segmentos com salários 10, 15, 20 vezes maiores que o mínimo (de parlamentares, membros do judiciário, oficiais das forças armadas etc.), aí vale gastar. É como se uns merecessem ter mais e outros menos. Ou, ainda, uns merecem ter, outros não. Quando o assunto é auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-educação ou pensões vitalícias que direcionam dinheiro público a alguns grupos privilegiados, tudo parece es-tar dentro da moralidade política e da possibilidade técnica.

O PBF é uma política focalizada nas pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, que busca atenuar os impactos dessa situação, em geral acompanhada de violação de direitos e impedimentos de acesso e perma-nência em serviços públicos historicamente sucateados pelos governos. O discurso neoliberal oculta suas contradições e seu anti-igualitarismo recor-rendo a argumentos falaciosos, como a meritocracia. Ora, sendo esta uma ideologia que simplifica fenômenos complexos e multifatoriais, reduzindo-os a questões meramente individuais (como esforço, inteligência, empreende-dorismo), parece lógico responsabilizar o sujeito por seu fracasso ou suces-so, bem como por sua condição de pobreza ou riqueza. Nessa perspectiva, a dimensão social e política de produção da riqueza e da pobreza é posta de lado. Direitos básicos são vistos como favores e privilégios, ganhando uma roupagem moralizante: é como se a preguiça e a ignorância – e não as injustiças sociais históricas – é que fossem as responsáveis pela pobreza e pela miséria da maioria. Ignoram que a vida concreta das pessoas é afetada, dia após dia, por descasos políticos e violências (inclusive do Estado) que alcançam suas casas, suas refeições, sua saúde física e psíquica, a educa-ção dos filhos, os laços sociais e sonhos de futuro. Impedimentos abissais colocam-se no cotidiano de pessoas em situação de pobreza, e o anseio de justiça e de ascensão social revela-se, por vezes, secundário a outro ainda mais básico e imediato: sobreviver.

6 Sobre essa discussão, ver Silva et al. (2017).

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O PBF é composto de diferentes benefícios, variando o valor que os beneficiários recebem conforme sua modalidade – há o benefício básico, o benefício variável e o benefício variável vinculado ao adolescente (BVJ). Assim, o valor do benefício para as famílias varia de acordo com o número de gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes de até 15 anos de idade e jovens de 16 e 17 anos. O limite máximo na composição do valor conforme o quantitativo de integrantes na família é: 1 benefício básico + 5 benefícios variáveis + 2 BVJ.

Gráfico 1 - Benefícios do Programa Bolsa Família, Salvador, 2015.

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados do MDS.

De acordo com o Gráfico 1, o percentual referente às variáveis para crian-ças de 0 a 6 anos é de 17%, enquanto 27% referem-se às variáveis para ado-lescentes de 7 a 15 anos. Isso sugere que existem mais famílias com adoles-centes do que com crianças de 0 a 6 anos, dado que refuta a crença de que o PBF estimularia o ócio, impulsionaria a gravidez das mulheres supostamente interessadas no aumento do valor recebido (que é pago de acordo com o número de filhos de até 17 anos), entre outros argumentos que buscam fragi-lizar o Programa e desrespeitam seus beneficiários, pessoas historicamente marginalizadas e mal atendidas pelas políticas públicas. Tanto é assim que a quantidade de benefícios destinados a gestantes em Salvador, em 2015, representa menos de 1% do total de benefícios. Muito embora não tenha efetuado mudanças no sentido de universalizar direitos sociais, o PBF amplia consideravelmente o número de benefícios pagos de 2011 a 2013, porém, um dado preocupante é que vem sofrendo uma queda em nível nacional

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desde então. Apesar de atenuar a pobreza por meio da erradicação da fome e da promoção da consciência dos direitos sociais e cidadania, esse declínio sugere que, ao invés de o PBF efetivar a seguridade social como um direito, esta foi sendo enfraquecida. Como afirma Cohn (2013), é imperativo o cui-dado para que o Programa não se transforme em uma “gigantesca folha de pagamento, cada vez rodada de modo mais sofisticado, mas que perde a di-mensão de uma construção social, e assim se esvazia” (COHN, 2013, p. 463).

A tomada de consciência de direito e cidadania tem muito a ver com a criação do Cadastro Único, que representa, em relação ao PBF, uma mudan-ça de paradigma no que diz respeito aos programas sociais. Seguramente, o avanço e o aperfeiçoamento operacional nos cadastros e a descentralização do Estado foram, por excelência, os maiores responsáveis pela expansão do PBF. Outra consequência desse aperfeiçoamento operacional foi garan-tir uma maior autonomia dos beneficiários. Desde seu surgimento, já foram criados sistemas, tecnologias e unidades apenas para tratar de assuntos re-lacionados ao Programa, o que propiciou a ele um maior grau de institucio-nalização capilarizada, agregando-lhe um caráter de “quase direito”, devido à importância que assume aos seus usuários.

Essa maior institucionalidade ocorre sob a racionalidade de uma área já constituída enquanto saber e prática (o campo da assistência social), que, no entanto, se confronta com uma cultura política própria, marcada fortemente pela herança do assistencialismo. O que nos importa aqui é o fato de que o conteúdo da cidadania que qualquer programa ou política social transmite aos seus beneficiários e usuários é realizado fun-damentalmente por meio da prática de seus profissionais, e, portanto, de suas instituições. Neste ponto específico, a diversidade brasileira dos municípios e das culturas políticas locais acaba por representar um obstá-culo que vem sendo suplantado gradativamente pela gestão nacional do PBF para que ele não perca seu traço original de buscar, via transferência condicionada de renda, a autonomização dos sujeitos sociais enquanto portadores de direitos (COHN, 2013, p. 459).

Na prática, isso significa que o dinheiro é transferido diretamente para a conta do indivíduo, e este, de posse do seu cartão magnético, faz uso dessa renda da melhor maneira que lhe convém. Não é um “vale” para comprar isso ou aquilo de forma predeterminada, mas uma possibilidade de os beneficiários terem alguma margem de manobra e escolha, ainda que limitada, em suas práticas de consumo. Com a criação de programas e se-cretarias próprias para o PBF, buscou-se suplantar seu caráter meramente

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assistencialista, permitindo que os governos pudessem, ao menos em tese, acompanhar mais de perto as famílias em termos da realidade de suas re-sidências, da identificação de cada membro da família, sua escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outros elementos.

Com relação às características dos domicílios por tipo de iluminação, das famílias cadastradas no Cadastro Único e beneficiárias do PBF, no Brasil, em 2016, quase 22 milhões de domicílios tinham iluminação elétrica com medidor próprio, enquanto 1,5 bilhão compartilhavam energia com o me-didor comunitário e quase 2,5 bilhões de domicílios sequer tinham ilumi-nação elétrica, sendo iluminados por querosene, gás e vela. Em Salvador, aproximadamente 48 mil residências não têm eletricidade, e 64 mil possuem eletricidade com medidor comunitário.

No que tange ao abastecimento de água, 6,4 milhões são os domicílios sem abastecimento no país. Em Salvador, aproximadamente 1.300 casas de famílias inscritas no Cadastro Único não eram beneficiadas pela rede geral de abastecimento, em 2016. Esses dados mostram um retrato da desigual-dade brasileira: milhares de famílias não têm acesso à água encanada em suas casas, abastecendo-se por meio de poços, nascentes e cisternas que não recebem tratamento adequado para o consumo. Registra-se que essas mesmas famílias não têm rede de esgoto; portanto, a água que consomem tende a estar contaminada, causando diversas doenças, como cólera, vermi-noses, infecções etc.

Sobre o perfil das pessoas inscritas no Cadastro Único, os resultados apontaram que em Salvador, no ano de 2016, 37% eram do sexo masculino e 63% do feminino, assemelhando-se aos dados da Bahia e do Brasil, em que aproximadamente 56% das pessoas inscritas eram mulheres.

Os resultados encontrados em relação à categoria cor/raça em Salvador no ano de 2015 apontam o maior percentual de pessoas negras (94,53%), reunindo as que se declararam pretas (1.128.402) e pardas (6.405.459). O Grá-fico 2 apresenta os percentuais das respostas relativas a essa categoria.

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Gráfico 2 - Perfil das pessoas inscritas no Cadastro Único por cor/raça, Salvador, 2015.

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados do MDS.

Quanto ao número de beneficiários cadastrados especificamente no PBF, em 2015, 95% dos beneficiários se declararam negros. Grande parte da população da capital baiana é de ancestralidade africana, sendo Salvador inclusive considerada a cidade mais negra fora do continente africano. Tam-bém chama atenção o aumento da quantidade de beneficiários indígenas, principalmente em Salvador. Também se notou que a única categoria em que houve um aumento, com cerca de 730 beneficiários do PBF, entre 2014 e 2015, foi a de cor/raça amarela.

Podemos ver no gráfico a seguir o caso específico de Salvador no ano de 2015.

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Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 263

Gráfico 3 - Perfil dos beneficiários do Programa Bolsa Família por raça, Salvador, 2015.

Fonte: elaborado pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados do MDS.

A maneira como os dados das categorias raça e gênero se cruzam chama a atenção para o fato de que as mulheres beneficiárias são também negras. Frente a esses resultados, é possível perceber que o perfil dos cidadãos em vulnerabilidade social e/ou que recebem o Bolsa Família é composto, em sua maioria, de mulheres negras, fato que demonstra que a igualdade de gênero e a democracia racial estão longe de serem realidades consolidadas. Nesse sentido, apontam as discussões sobre interseccionalidade: precon-ceitos raciais, de classe e gênero (entre outros, relacionados à orientação sexual, identidade de gênero, fisionomia etc.) tendem a se sobrepor e acen-tuar os impactos da humilhação social vivida por essas pessoas. De maneira gritante, é intenso o contraste na condição de vida dos que desfrutam de privilégios de raça, cor/etnia, gênero e classe, em relação aos que vivem na pele a discriminação por conta dessas mesmas questões: a maioria da população.

As informações referentes às idades das pessoas inscritas no Cadastro Único não estavam disponíveis na plataforma Data CAD do site do MDS. Assim, não foi possível explicitar os dados dessa categoria para composição do perfil.

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As condicionalidades educacionais do PBF: reflexões sobre o acompanhamento da frequência escolar

Considerando que o PBF tem por objetivo intervir e produzir mudanças, em longo prazo, nos condicionantes da reprodução da pobreza, uma das suas principais condicionalidades refere-se à educação. As condicionalida-des na área de educação são: i) matrícula das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos na escola; ii) frequência mínima de 85% da carga horária escolar mensal para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e 75% para jovens de 16 e 17 anos; iii) obrigatoriedade de informar ao gestor do PBF qualquer mudança de escola.

Conforme consta no site do MDS, o trabalho de gestão das condicio-nalidades do PBF envolve parceria entre os três níveis de governo: fede-ral, estadual e municipal. Com relação à condicionalidade da educação, os municípios têm a responsabilidade de realizar o acompanhamento e de coletar e registrar os resultados da frequência escolar no Sistema de Acompanhamento das Condicionalidades (Sicon) do MDS. O registro do acompanhamento da frequência escolar de estudantes entre 6 e 17 anos, provenientes de famílias beneficiárias do PBF, é realizado cinco vezes ao ano, bimestralmente, por meio do Sistema Presença/MEC, conforme calendário operacional.

Em relação à coleta da frequência escolar dos estudantes do PBF, Cra-veiro e Ximenes (2013) indicam três pontos como relevantes para aprimorar as etapas subsequentes da coleta:

1) buscar a efetivação do direito à educação para todos, mediante a avaliação dos beneficiários que se encontram em situação de “não lo-calizados”, adotando forte ação intersetorial nos três níveis de governo para identificação daqueles que de fato estão “fora da escola”;

2) avaliar intersetorialmente os registros de ocorrências de “baixa fre-quência”, desistência, abandono e evasão escolar, mobilizando a rede de proteção ao escolar quando se detectarem motivos que sinalizam violação de direitos;

3) fortalecer a rede de parceiros e contribuir para o aprimoramento da ação – a alta rotatividade dos técnicos municipais responsáveis pelo acompanhamento sinaliza para a necessidade de um estratégico progra-ma de formação continuada (CRAVEIRO; XIMENES, 2013, p. 113-114).

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Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 265

A exigência da permanência na escola tem como argumento o direito à educação. Contudo, a baixa frequência, o abandono temporário ou mesmo a evasão escolar são fatores que nos levam a pensar que os desafios edu-cacionais estão para muito além do acesso e da permanência dos alunos na escola, bem como a conclusão de todas as etapas. Existem vários fatores que comprometem a trajetória e o rendimento escolar dos estudantes, para além do esforço deles.

Silveira, Campolina e Van Horn (2013, p. 322) afirmam que “o Programa reforça a frequência escolar dos jovens de 15 a 17 anos, período da vida no qual se amplia consideravelmente a entrada deles no mercado de trabalho, por meio da combinação escola-trabalho”. Assim, há um efeito positivo na frequência escolar dos beneficiários comparados aos não beneficiários, ape-sar de muitas vezes terem que enfrentar a difícil distribuição do tempo entre o trabalho e a escola.

Nesse mesmo sentido, Araújo, Ribeiro e Neder (2010), com base na Pnad, concluem que o programa “não teve impactos significativos sobre a propor-ção de crianças, adolescentes, meninos e meninas que apenas trabalham ou trabalham e estudam” e afirmam, ainda, que o Programa “eleva a frequên-cia escolar, mas não contribui para o combate ao trabalho infanto-juvenil” (ARAÚJO, RIBEIRO; NEDER, 2010, p. 1).

Na discussão realizada por Craveiro e Ximenes (2013), sobre rendimento e movimento escolar de estudantes do PBF e demais alunos da rede públi-ca, a partir de resultados do censo escolar de 2012, percebe-se que varia o número total de estudantes com até 15 anos concluintes do ensino funda-mental regular, variando também essa média nas diferentes regiões do país.

Embora o resultado nacional seja um pouco inferior dos estudantes do PBF frente aos demais estudantes da rede pública (75,6% contra 79,4%), nas regiões mais pobres do Brasil, com maior concentração do Bolsa Fa-mília, os resultados são favoráveis aos estudantes do PBF. Destaque para os resultados na região Nordeste, onde 71,3% dos estudantes do Bolsa Família conseguem terminar o ensino fundamental até os 15 anos, contra 64% dos demais estudantes da rede pública (CRAVEIRO; XIMENES, 2013, p. 116).

Existem fatores de risco para a permanência dos alunos com baixo desempenho escolar, os quais podem resultar em repetência e distorções idade-série. O abandono escolar é um sério problema em todos os esta-dos brasileiros, agravando-se conforme aumentam a faixa etária e o nível

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de ensino. Oliveira e Soares (2013) indicam que alunos que cumprem a condicionalidade da frequência escolar reduzem em até 40% as chances de repetência em relação aos que não a cumprem.

A Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010, que define as Dire-trizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (BRASIL, 2010), ressalta a responsabilidade do Estado, da família e da sociedade em “ga-rantir a democratização do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão com sucesso das crianças, dos jovens e adultos na instituição educacional”. Entretanto, no cotidiano escolar, acompanhamos a produção da exclusão e do fracasso escolar. Fracasso que, segundo Patto (2015), deve ser compre-endido como “parte integrante da vida na escola e esta como expressão das formas que a vida assume na sociedade que a inclui” (PATTO, 2015, p. 173). Tal fenômeno é a expressão do coletivo, de uma realidade contextualizada social, cultural e historicamente construída, sendo resultante da síntese de múltiplos fatores constituídos dialeticamente.

A questão do fracasso escolar, como tão bem já demonstrou Patto (2015), é histórica, multifatorial e tem suas raízes em uma sociedade desigual, atravessada por opressões e governada por grupos oligárquicos que jamais se preocuparam efetivamente em criar políticas para valorizar o trabalho do professor, ampliar o repertório intelectual dos alunos e fomentar neles o espírito crítico e cidadão. Contrariamente, o discurso hegemônico passa ao largo dos descasos políticos históricos dos governos para com a educação pública. Quando o assunto é a evasão ou repetência, por exemplo, o senso comum prefere enfocar as supostas incapacidades ou dificuldades indivi-duais dos alunos, a indagar a qualidade do ensino e a realidade concreta das escolas públicas. É importante estarmos atentos ao cotidiano escolar sucateado pelo poder público, lugar onde muitas vezes se naturalizam a hu-milhação e o não aprender. Nesse cotidiano, ocorrem práticas de exclusão, segregação e desinteresse pedagógico. A desigualdade social que assola o país, sem ser combatida por um conjunto de ações sociais e políticas públicas, aparece em fenômenos como o analfabetismo, o desemprego, o subemprego, a desnutrição, a falta de moradia própria, a ausência de sane-amento básico etc. Segundo Craveiro e Ximenes,

O insucesso na trajetória escolar pode acarretar também menor acesso a direitos básicos, acabando por reproduzir o ciclo de pobreza da ge-ração anterior. A educação exerce, certamente, papel fundamental no rompimento deste ciclo à medida que consegue assegurar aos sujeitos

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de direitos uma educação de qualidade social com aprendizagens signi-ficativas. Para a conquista desta qualidade socialmente referenciada, a assiduidade nas atividades escolares é condição fundamental (CRAVEI-RO; XIMENES, 2013, p. 110).

Segundo os autores, o acompanhamento da frequência escolar como condicionalidade do Programa tem se apresentado eficaz em seu propósito. Os estudantes beneficiários têm apresentado uma menor taxa de abando-no escolar, tanto no ensino fundamental como no ensino médio. Destacam, ainda, que

a permanência na escola (formação de um “hábito escolar”) e a re-gularidade elevada de frequência às aulas contribuem para reduzir as diferenças nas taxas de aprovação dos estudantes do PBF contra os demais da rede pública no ensino fundamental (CRAVEIRO; XIMENES, 2013, p. 120).

Como já destacado anteriormente, há uma discussão em torno das condicionalidades do PBF que envolve desde sua defesa até sua crítica. A pesquisa aqui apresentada reconhece seus impactos positivos, mas, ao mes-mo tempo, problematiza a imposição das condicionalidades como possível reforçadora da ideia falaciosa de que o acesso à saúde e à educação escolar seria mera contrapartida de um programa social, ao invés de direitos sociais básicos que independem do Programa Social. No caso específico da condi-cionalidade da educação, compreendemos que a matrícula e a frequência à escola não são suficientes para a ruptura dos mecanismos de perpetuação da pobreza e (re)produção de desigualdades.

Embora as condições de acesso à educação e à saúde pareçam estar garantidas em função das condicionalidades, é urgente problematizar a pre-cariedade desses serviços. O campo da educação, por exemplo, carece de investimentos e parcerias intergovernamentais (locais e federais), estando aquém de assegurar a equidade no acesso a esse direito. Ainda existem problemas profundos a serem superados, tanto de ordem estrutural quanto política. Mas, certamente, um passo foi dado na direção de se buscar zelar pelos direitos humanos mais básicos e fundamentais. O comprometimento de políticas sociais precisa, portanto, fazer parte das agendas não apenas de governos federais, mas estaduais e municipais também.

Na perspectiva de traçar o perfil e refletir sobre a situação educacional dos beneficiários do PBF no município de Salvador-BA, na pesquisa realizada

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foram construídos indicadores sociais a partir do banco de dados do Data CON, tendo como base o último bimestre do ano de 2015. No levantamento foi possível identificar dados relacionados ao total de crianças e adolescen-tes de 6 a 17 anos, público da educação, e a quantidade de acompanhados e não acompanhados na frequência escolar.

De acordo com as informações disponíveis, no ano de 2015, em Salva-dor-BA, o total de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos que compunha o público da educação era o equivalente a 148.332 estudantes, dos quais 79% eram acompanhados na frequência escolar. Desses estudantes acompanha-dos, 96,9% cumpriam a condicionalidade, ou seja, tinham frequência igual ou superior a 85% (Figura 1). No caso de jovens de 16 e 17 anos, o total que compunha o público da educação era equivalente a quase 41 mil estudantes. Desse total, 80,7% eram acompanhados na frequência escolar. Destes, 97,4% tinham frequência igual ou superior a 75% (Figura 2).

Figura 1. Acompanhamento da frequência escolar de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos público da educação, Salvador, 2015.

Fonte: elaborada pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados do MDS.

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Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 269

Figura 2. Acompanhamento da frequência escolar de jovens de 16 e 17 anos público da educação, Salvador, 2015.

Fonte: elaborada pela equipe da pesquisa EPDS – UFBA/Faced – 2017, com base nos dados do MDS.

Chama-nos a atenção que, do total de crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e de jovens de 16 e 17 anos (189.220), no ano de 2015, Salvador-BA apresentou percentual de 79,4% de estudantes acompanhados na frequên-cia escolar e 20,6% de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos sem acompa-nhamento. Do total sem acompanhamento da frequência (39.063), 55,8% não foram localizados e 44,2% não possuíam informações sobre frequência. Em comparação com os percentuais do estado da Bahia (12%) e do Brasil (11%), Salvador possui um percentual significativo de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não acompanhados na condicionalidade de educação.

O registro de não acompanhados nas condicionalidades de educação é formado a partir da soma da quantidade de beneficiários de 6 a 17 anos não localizados no acompanhamento da frequência escolar com a quantidade de beneficiários na faixa etária localizados nas escolas, mas sem informação de frequência escolar. Os estudantes registrados como não localizados, se-gundo o MDS (BRASIL, 2016), seriam aqueles que não tiveram informações escolares identificadas no Sistema Presença. Conforme o MDS, essa situação pode indicar apenas que o estudante mudou de escola, mas ainda não hou-ve registro dessa mudança. Todavia, essa situação de aluno não localizado pode indicar algo mais alarmante, que é o fato de o beneficiário estar fora da escola.

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Para Salvador-BA, como capital de um dos principais estados da região Nordeste, consideramos esses dados expressivos, pois retratam a necessi-dade de implementação de políticas públicas que garantam o acesso e a permanência dos estudantes na escola e também a conclusão com sucesso, como é estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (BRASIL, 2010).

Sobre a questão da frequência escolar, algumas indagações são per-tinentes: De que maneira é realizado o acompanhamento da frequência escolar? Quais são as dificuldades na gestão do acompanhamento? Se é responsabilidade da escola, como é feito esse registro? Qual a dificuldade enfrentada pela escola para o acompanhamento? Apenas com um esforço amplo de todos os setores da gestão municipal envolvidos no Programa será possível identificar as causas dessa situação e atuar sobre elas, a fim de redu-zir o número de beneficiários sem informação da frequência escolar.

Como um dos principais objetivos das condicionalidades é identificar situações de agravamento de vulnerabilidades vivenciadas pelas famílias, a falta de informação sobre a frequência escolar e a inadequação dos registros relacionados à baixa frequência podem encobrir a realidade concreta vivida pelas famílias. Isso faz com que o poder público não tenha informação sobre um beneficiário que está fora da escola ou uma família que está passando por uma situação que a impede de acessar serviços tão importantes como os de educação. Ter acesso a informações corretas é o primeiro passo para a gestão intersetorial de condicionalidades traçar um plano em conjunto com os atores sociais envolvidos na gestão do PBF para aprimorar a oferta de serviços públicos às famílias beneficiárias.

Se, de um lado, há o entendimento de que o PBF tem contribuído para o aumento da frequência escolar, de outro, é pertinente considerar as condi-ções nas quais o processo de escolarização se concretiza. Assim, para além de obrigar as famílias a matricularem seus filhos na escola e exigir a frequ-ência, essas famílias precisariam ter garantidos não apenas o acesso, mas também a permanência e a qualidade dos serviços ofertados à população, em condição de oportunidades iguais para todos. Entretanto, a escola atual ainda não pressupõe o lugar de equidade. Ela tem sido um espaço de pa-dronização e fatalmente da naturalização de fenômenos sociais, ignorando, sobretudo, os efeitos deles. De acordo com Tunes e Pedroza,

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Há, assim, na sociedade, de um lado, o movimento pela inclusão e a obrigatoriedade de escolarização definida em lei; do outro, há a escola promovendo os mecanismos excludentes socialmente aceitos e histo-ricamente perpetuados. A inclusão, seja escolar ou de qualquer outra ordem, está, pois, imersa na lógica da exclusão (TUNES: PEDROZA, 2011, p. 15).

Com isso, pretende-se enfatizar uma discussão apresentada por Viégas (2002), na qual a exclusão é pensada não apenas em termos de uma exclusão da escola, mas também uma exclusão na escola. Ora, de que adianta incluir crianças pobres e marginalizadas na escola se dentro dela seguem ocorren-do práticas de exclusão e segregação?

Vale ainda ressaltar que a ausência de articulação do PBF com outros programas que poderiam complementá-lo coloca-o solitário na tentativa de romper uma organização social injusta e desigual. Isso, por conseguinte, torna o PBF insuficiente para responder a expectativas que vão além da ate-nuação da pobreza estrutural.

Considerações finais

A pobreza no Brasil é fruto de uma história social e política marcada por disputas, injustiças e desigualdades, assumindo contornos dramáticos desde a escravidão, no período colonial. Após muitas lutas, algumas con-quistas foram alcançadas, e, sem dúvida, o caminho trilhado permitiu que houvesse, nos dias de hoje, maior visibilidade pública para o absurdo da fome, da miséria, da extrema pobreza e até mesmo do papel do Estado nes-sa (re)produção, o que rendeu a proposição de algumas políticas afirmativas importantes, promotoras de avanços no terreno dos direitos humanos. Em relação ao combate à pobreza, o PBF tem cumprido um papel notável em um curto prazo: tirou muitas famílias do mapa da fome.

O PBF é alvo de muitas críticas, o que poderia ser positivo no sentido de aprimorá-lo. No entanto, as mais comuns carregam consigo alocuções conservadoras que apontam para o perigo de um paternalismo populista de Estado, que estaria “dando o peixe ao invés de ensinar a pescar”, como diz o dito popular, e assim produzindo acomodações por parte de seus beneficiá-rios. Embora as condicionalidades atreladas a ele tenham a intenção de am-pliar seu efeito imediatista de alívio da pobreza, pensada em termos mone-tários, para que de fato venha a garantir o acesso aos direitos fundamentais

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do cidadão, seria necessário um arranjo complexo de políticas focadas nos direitos universais garantidos pela Constituição Federal de 1988, muitos dos quais existentes somente no papel.

Diferentemente de políticas que buscam assegurar universalização dos direitos, há algumas políticas públicas que acabam sendo mais focadas e minimalistas. O PBF tem caráter de política focalizada. Embora essa não seja a política ideal, é por meio dela que os governos recentes buscaram enfren-tar a pobreza e, em especial, a fome, sabendo serem frutos de um processo histórico perverso, que defende a lógica meritocrática em meio a contextos de desigualdades abissais, produtoras de exclusão. Ainda que represente um valor muito baixo, o PBF permitiu aos seus beneficiários ter garantida ao menos uma refeição básica por dia, lembrando que essa área representa o maior dispêndio de benefícios ofertados.

É urgente desnaturalizar a pobreza e problematizar os fatores que con-correm para sua produção, inclusive aqueles presentes em políticas mera-mente assistencialistas (sem conexão com um projeto emancipatório), pois isso simplifica por demais o problema. A pobreza e a desigualdade social são elementos estruturais do sistema capitalista; assim, seu enfrentamento leva--nos à conclusão de que o próprio sistema capitalista precisa ser superado.

A partir das análises dos dados e leituras, constatamos que o PBF cum-pre seu papel enquanto política social focalizada nas famílias pobres, tendo possibilitado a atenuação da situação de pobreza e extrema pobreza de uma parcela significativa da população – via transferência de renda. Além disso, teve efeitos positivos na frequência escolar dos beneficiários. Todavia, na pesquisa empreendida, se por um lado evidenciamos aspectos positivos do PBF na frequência escolar dos seus beneficiários, por outro, verificamos a necessidade de políticas públicas voltadas para a qualidade da educação ofertada nas escolas públicas aos filhos de famílias em situação de pobreza. Logo, pode-se dizer que o PBF não foi suficientemente fortalecido e aprimo-rado a ponto de garantir a transformação da vida social e financeira de seus beneficiários.

O valor médio mensal recebido pelos beneficiários do PBF revela ainda que o investimento financeiro do programa é significativamente inferior aos lucros e riquezas acumuladas por grandes empresas privadas, muitas vezes isentadas pelos governos de pagar impostos. Assim, não se pode dizer que houve uma alteração da desigualdade social. Até porque, se a acumulação

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de capital é o grande motor do capitalismo, as formas de acumulação foram diversamente ampliadas na sua versão neoliberal.

Por fim, cabe reiterar que a educação pública no Brasil foi historicamente sucateada por sucessivos descasos de políticas governamentais, prejudican-do especialmente a escolarização de crianças e adolescentes das classes po-pulares. As oportunidades educacionais são distribuídas de forma desigual em função da origem social das crianças e jovens; marcadores sociais como classe social, raça/etnia e gênero podem facilitar ou dificultar o processo de escolarização. Nesse sentido, cabe relativizar: se de um lado a condi-cionalidade relativa à educação leva ao aumento do número de matrículas e frequências dos estudantes beneficiários na escola, por outro, não incide necessariamente sobre a qualidade da educação pública ofertada. Em ou-tras palavras, embora as condições de acesso à educação e à saúde sejam garantidas em função das condicionalidades, é urgente problematizar as condições de permanência e uso desses espaços e serviços públicos, da-dos a precariedade em que se encontram e o descaso político de inúmeros governos.

Assim, conclui-se que é preciso repensar o PBF visando sua ampliação e uma articulação amadurecida com outras políticas públicas. Para além de exigir das famílias que seus filhos frequentem a escola, é preciso repensá--lo, encarando a tarefa educacional também do ponto de vista qualitativo, visando a melhoria efetiva das condições em que ocorre a escolarização de tantas crianças, adolescentes e jovens de nosso país.

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Limites e Possibilidades do Programa Bolsa Família: uma discussão sobre as condicionalidades... | 275

do tempo entre escola e trabalho de crianças e adolescentes de 10 a 18 anos. In: CAMPELLO, T.; NERI, M. C. (Orgs.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania Brasília: Ipea, 2013. p. 305-326.

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Sobre os autores

Simone Medeiros · Prefácio · MEC

Doutora em Educação, na linha Estado, Políticas e História da Educação, pela UFG (2012). Mestre em Educação, na área de confluência Tecnologias na Educação, pela UnB (2003). Especialista em Educação a Distância, CEAD/UnB (2007). Especialista em Educação e Desenvolvimento, UnB (1998). Li-cenciada em Letras pela UFRN (1994). Atuou como professora da Educação Básica da Secretaria Estadual do RN, e, no Ministério da Educação, desde 1997, vem atuando na formulação, acompanhamento e avaliação de políticas de formação dos profissionais da educação básica, sobretudo, em proces-sos formativos por meio da EAD. Principais áreas de atuação: Coordenadora Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar, na SECADI/MEC (2013-2019), Coordenadora Geral de Formação e Capacitação em EAD, SEED/MEC (2008-2009) e Coordenadora Geral de Articulação Institucional em EAD, SEED/MEC (2005). De 2013 a 2019 atuou como Coordenadora Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar, na Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania (SECADI/MEC), sendo responsável pelo acompanhamento da condicionalidade da educação do Programa Bolsa Família e pela concepção e implantação da Iniciativa Educação, Pobreza e Desigualdade Social, que articula formação continuada, apoio à pesquisa acadêmica e difusão de conhecimento. Atualmente, na Semesp/MEC, é res-ponsável pela área da educação do Bolsa Família. [[email protected]]

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Maria Cecília Luiz · Prefácio · UFSCAR

Doutora em Educação Escolar, pela Universidade Estadual de São Pau-lo – UNESP/Araraquara (2004), bolsista CAPES. Mestre em Educação, pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (1999), bolsista CAPES. Licen-ciada em Pedagogia pela UFSCar (1987). Atua como professora associada na UFSCar, no Departamento de Educação. Professora credenciada do Progra-ma de Pós-graduação em Educação PPGE/UFSCar, orientando mestrado e doutorado. Coordena o Grupo de Pesquisa em Educação, Subjetividade e Cultura (GEPESC – https://gepesc.ufscar.br/) com foco em três pesquisas: Programa de mentoria e cooperação em gestão escolar (2019/2020); Violên-cias e as perspectivas de estudantes do Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio: experimentações em ateliês (2018/2019); e Efeitos da pobreza e desigualdade social nas escolas do estado de São Paulo: análises quantita-tivas e qualitativas (2018/2019). [[email protected]]

Ana Cristina Serafim da Silva · Capítulo 1 · UFT

Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba, UFPB. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba, UFPB. Professora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Tocan-tins, UFT. Coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Infância e Adolescência, GEPIA. Atua nas temáticas: Trabalho infantojuvenil, Violência sexual contra crianças e adolescentes, Rede de proteção dos direitos das crianças e adolescentes, Psicologia sócio-histórica, Atuação da psicologia no contexto do SUAS. [[email protected]]

Ana Carolina Pontes Costa · Capítulo 2 · UFMS

Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RIO . Professora adjunta da Universidade Federal de Mato

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Grosso do Sul - UFMS. Líder do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e Desempenho Escolar (GPEDE). [[email protected]]

Daiani Damm Tonetto Riedner · Capítulo 2 · UFMS

Pedagoga. Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educa-ção da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Líder do Grupo de Pesquisa em Educação, Tecnologias e Formação Docentes (Edutec/UFMS). [[email protected]]

Suellen Maria Monteiro Rosa Marcos · Capítulo 2 · UFMS

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal. Professora da Rede Municipal de Ensino de Co-rumbá/MS. Pesquisadoras do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e Desempenho Escolar (GPEDE). [[email protected]]

Hemilly Santos de Arruda · Capítulo 2 · UFMS

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal. Professora concursada da Rede Municipal de Ensino de Corumbá/MS. Pesquisadoras do Grupo de Pesquisa em Pobreza, Educação e Desempenho Escolar (GPEDE). [[email protected]]

Itamar Mendes da Silva · Capítulo 3 · UFES

Professor Associado do Departamento de Teorias e Práticas Educacio-nais do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo Ufes atuando na graduação e pós graduação. Formado em pedagogia e filosofia, é mestre e doutor em educação (Currículo) pela PUC/SP e Pós-doutor em Políticas, Educação, Formação e Sociedade pela Universidade Federal Flu-minense. É diretor Estadual da Seção Espírito Santo da Anpae (Gestão 2019 2021) Líder do Grupo de Pesquisa: Gestão, Trabalho e Avaliação Educacional – Getae; Vice Coordenador do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo – Lagebes; membro do Grupo de Estudos e Pesquisas

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Paulo Freire GEPPF. Foi professor na educação básica; Diretor do Depar-tamento de Apoio Acadêmico (2012 – 2016) e Diretor do Departamento de Desenvolvimento Pedagógico (2016 – 2018) da Pró reitoria de Graduação da Ufes; Conselheiro Estadual de Educação do Espírito Santo (2012 - 2015). [[email protected]]

Caroline Falco Fernandes Valpassos · Capítulo 3 · UFES

Pós-doutorado em Política Social na Universidade de Brasília (UNB). Dou-tora em Educação pela Universidade de São Paulo e mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. É pedagoga pela Universidade Federal do Espírito Santo. Consultora na área da Infância, parentalidade e educação. Foi diretora da Associação Nacional de Política e Administração da Educação, sessão Espírito Santo (Gestão 2017-2019). Atuou na Gestão pública municipal como professora da Educação Infantil, dos Anos iniciais do Ensino Fundamental, e como Técnica de Planejamento da Prefeitura Mu-nicipal de Vitória. Foi Gerente de Informação e Avaliação Educacional na Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo. [[email protected]]

Dulcinea Campos Silva · Capítulo 3 · UFES

Possui graduação em pedagogia. Mestrado e Doutorado em Educa-ção pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Centro de Educação e do Curso de Licenciatura em Educação do Campo no Campus Goiabeiras. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa de Leitura e Escrita do Espírito Santo (Nepales); do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo (Lagebes). Grupo de Estudos e Pesquisas da Educação do Campo (Gepeces) e Membro do Comitê Estadual de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces). [[email protected]]

Eliana Andrade da Silva · Capítulo 4 · UFRN

Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1999), mestrado em Serviço Social pela Universidade Fe-deral de Pernambuco (2002) e doutorado em serviço social pela UFPE (2008).

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Realizou estagio doutoral na Universidade Nova de Lisboa (2006) e estudos na Fundazione Instituto Gramsci- Roma (2006). Realizou recentemente está-gio de Pós-doutorado em Ciências Sociais pela UFCG (2019). Atualmente é professora associada do departamento de serviço social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência de docência e pesquisa na área de Serviço Social, com ênfase em Fundamentos do Serviço Social. Tem realizado estudos sobre os seguintes temas: Estudos do pensamento de Antonio Gramsci, Questão Agrária, Assistência Técnica e Extensão Rural. [[email protected]]

Kilza Fernanda Moreira de Viveiros · Capítulo 4 · UFRN

Possui doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Gran-de do Norte e mestrado em Pedagogia Profissional pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (1999). Atualmente é docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Educação, História e Política da Educação Infantil, Fundamentos da Educação e Pedagogia Social. Coordena o Grupo de Pesquisa Educação, Pobreza e Desigualdade Social da UFRN. Atua na docência do curso de Pedagogia e desenvolve pesquisa na área de fundamentos da educação, História da educação e práticas sócio-culturais. [[email protected]]

Moisés Domingos Sobrinho · Capítulo 4 · UFRN

Doutor em Sociologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de Valencia (Espanha). Professor vincula-do ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. Foi visitante no Departamento de Didática das Ciências Experimentais da Universidade de Valencia e consultor externo do Projeto de Pesquisa "Las marginaciones per-sonales y la utilidad del saber escolar", do mesmo Departamento. [[email protected]]

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Rosângela Alves de Oliveira · Capítulo 4 · UFRN

Possui graduação em servico social pela Universidade Federal da Paraíba (1987), mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2004) e doutorado em Sociologia – Kssel Universität (2008). Atualmente é efetivo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em Serviço Social e Politica Social, atuando principalmente nos seguintes temas: economia solidária, desenvolvimento sustentável, serviço social, mulheres, familias monoparentais e incubadora. [[email protected]]

Marli Alcântara Ferreira Morais · Capítulo 5 · UFMA

Doutora em Políticas Públicas (UFMA). Professora aposentada do De-partamento de Serviço Social, coordenou a implantaçõ e execução da Ini-ciativa EPDS/UFMA no estado do Maranhao, em parceria com a UNDIME e a Coordenação Estadual do Programa Bolsa Familia na Educação/SEDUC. [[email protected]]

Maria Aparecida Milanez Cavalcante · Capítulo 6 · UFPI

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí – UFPI (2019). Mestra em Sociologia pela UFPI (2014). Graduada em Serviço Social pela UFPI (2011). Atualmente bolsista de doutorado pelo Programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. [[email protected]]

Célio Chaves Eduardo Filho · Capítulo 6 · UFPI

Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Es-pecialista em Saúde Mental. Atua na área de Assistência Social e Direitos Hu-manos. Atualmente exerce a função de Analista de Políticas Públicas Sociais na Prefeitura de Sobral – Ceará. [[email protected]]

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Josélia Saraiva e Silva · Capítulo 6 · UFPI

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Nor-te. Professora Associada do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Federal do Piauí. Docente do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFPI. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Ensino de Geografia(NUPEG). [[email protected]]

Aline da Paixão Furtado · Capítulo 7 · UFPA

Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Fede-ral do Pará (UFPA). Mestra em Políticas Públicas de Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação (PPGED/UFPA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). [[email protected]]

Marilena Loureiro da Silva · Capítulo 7 · UFPA

Pós-doutoranda em Educação Ambiental e Justiça Climática conduzida pelo GPEA/PPGE/UFMT (2019), Doutora em Desenvolvimento Sustentável (2005). Professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos NAEA/UFPA e Coordenadora do Grupo de Estudos em Educação, Cultura e meio Ambien-te – GEAM/NAEA/UFPA. Atua na área de Educação, Gestão e Planejamento da Educação e Desenvolvimento, Educação Ambiental, Educação e Sus-tentabilidade Regional, Planejamento e Gestão para a Sustentabilidade do Desenvolvimento. [[email protected]]

Doracy Dias Aguiar de Carvalho · Capítulo 8 · UFT

Doutoranda em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Assistente Social da UFT. Membro dos grupos de Estudo e Pesquisa: Práxis Socioeducativa e Cultural (UFT); Democracia, Sociedade Civil e Serviço Social (GEPEDSS – UnB) e Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação, Desigualdade Social e Políticas Públicas (NEPED – UFT). [[email protected]]

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Roberto Fransciso de Carvalho · Capítulo 8 · UFT

PhD em Políticas Públicas e Formação Humana (Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ); Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Professor Associado da Universidade Federal do To-cantins (UFT)/Campus Universitário de Palmas – Cursos de Filosofia e Teatro; Membro do corpo docente do Mestrado Profissional em Educação da UFT (PPPGE); Pesquisador na área de Política/Gestão Educacional e Currículo, vinculado ao Grupo de Estudo e Pesquisa Práxis Socioeducativa e Cultural (Líder) e Grupo de Pesquisa em Educação, Políticas Públicas e Desigualda-des Sociais (GEPEDS) e Rede Universitas/Br. [[email protected]]

Elizamara Josiene da Silva · Capítulo 8 · UFT

Curso de Licenciatura em Filosofia, UFT – Campus de Palmas; Desen-volveu Pesquisa PIBIC/CNPq. Desistiu do Curso de Filosofia e Ingressou no Curso de Engenharia Civil/UFT. [[email protected]]

Adir Valdemar Garcia · Capítulo 9 · UFSC

Doutor em Sociologia Política (2005) pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Pós-Doutorado em Política Social (2018) pela Universidade de Brasília – UnB. Professor do Departamento de Estudos Especializados em Educação da UFSC. Coordena o Grupo de Pesquisa Educação, Pobreza e Desigualdade Social da UFSC. [[email protected]]

Jaime Hillesheim · Capítulo 9 · UFSC

Doutor em Serviço Social (2015) pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UFSC. Pós-doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS – 2017/2018). Professor do Departamento de Serviço Social da Uni-versidade Federal de Santa Catarina. [[email protected]]

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Tânia Regina Krüger · Capítulo 9 · UFSC

Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Pós-Doutorado em Ciências Sociais pelo Centro de Estudos Sociais – CES – Universidade de Coimbra (2018). Docente Associada dos cursos de graduação e pós-graduação do Departamento de Serviço Social da Univer-sidade Federal de Santa Catarina. [[email protected]]

Maria Izabel Ribeiro · Capítulo 10 · UFBA

Graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado e Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da UFBA com Doutoramento Sanduíche em Ciências da Educação na Universidade do Porto, Portugal. Professora da Faculdade de Educação da UFBA. Pesqui-sadora do Grupo de Pesquisa EPIS – Educação, Política, Indivíduo e Socie-dade: leituras a partir da Pedagogia, da Psicologia e da Filosofia. Membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. [[email protected]]

Selma Cristina Silva · Capítulo 10 · UFBA

Licenciatura em Ciências Sociais e Bacharelado em Sociologia pela Uni-versidade Federal da Bahia (UFBA). Doutora em Ciências Sociais pelo Pro-grama de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFBA. Realizou Doutorado Sanduíche na École des Hautes Édutes en Sciences Sociales, em Paris/Fran-ça. Pós-doutorado em sociologia e bolsista do Programa Nacional de Pós--doutorado da Capes na UFBA. Professora da Faculdade de Educação da UFBA. Professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da UFBA. [[email protected]]

Thaís Goldstein · Capítulo 10 · UFBA

Graduação em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP – USP). Aprimoramento em Saúde Mental Multiprofissional (CAPS – PIDA/US). Mestre em Antropologia pela Faculdade de Filosofia e

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Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Psicolo-gia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo IP-USP. Professora da Fa-culdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED – UFBA). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa EPIS: Educação, Política, Indivíduo e So-ciedade: leituras a partir da Pedagogia, da Psicologia e da Filosofia. Membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. [[email protected]]

Emília Santos · Capítulo 10 · UFBA

Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia. Especia-lização em andamento em Psicopedagogia e Educação Especial pela Facul-dade Venda Nova do Imigrante (FAVENI). [[email protected]]

Henari Lima · Capítulo 10 · UFBA

Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades pela Universidade Fede-ral da Bahia. Graduação em Pedagogia em andamento pela Universidade Federal da Bahia. [[email protected]]

Kelly Silva · Capítulo 10 · UFBA

Graduação em Geografia pela Universidade Federal da Bahia. [[email protected]]

Taiane Santos · Capítulo 10 · UFBA

Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia. Especia-lização em Psicopedagogia Institucional pelo Centro de Estudos Avançados em Pós Graduação e Pesquisa, CESAP. Especialização em andamento em Al-fabetização e Letramento nas séries iniciais e na EJA pelo Centro de Estudos Avançados em Pós Graduação e Pesquisa, CESAP. [[email protected]]