envelhecer e morrer

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Page 1: Envelhecer e Morrer

Envelhecer e Morrer:

Alguns Problemas Sociológicos

Os jovens muitas vezes têm dificuldade em se colocar no lugar dos mais velhos na experiência de envelhecer.

Não é fácil imaginar que nosso próprio corpo, tão cheio de frescor e muitas vezes de sensações agradáveis, pode ficar vagaroso, cansado e desajeitado.

Conscientemente ou inconscientemente, as pessoas resistem à idéia de seu próprio envelhecimento e morte tanto quanto possível.

A sensação “talvez eu fique velho um dia” pode estar inteiramente ausente. Tudo o que sobra é o gozo espontâneo de nossa própria superioridade, e do poder dos jovens em relação aos velhos.

Nas sociedades pré-industriais em que camponeses e lavradores formam o maior grupo ocupacional, quem lida com os que vão envelhecendo e com os moribundos é a família.

O atendimento físico dos médicos e o pessoal de enfermagem podem ser excelentes. Mas ao mesmo tempo a separação dos idosos da vida normal e sua reunião com estranhos significam solidão para o individuo.

Pode-se dizer que antes do século XX, ou talvez XIX, a maioria das pessoas morria na presença de outras apenas porque estavam menos acostumadas a viver e estar sós.

As sociedades não eram tão organizadas em termos de higiene como as sociedades posteriores.

Mesmo hoje pode acontecer de pessoas atingidas por uma doença incurável, ou que por outras razões se encontrem às portas da morte, escutarem uma voz interior sussurrando que é culpa de seus parentes ou punição por seus próprios pecados.

O controle das grandes epidemias fatais e apenas um dos muitos exemplos de como a expansão do conhecimento congruente com a realidade desempenhou um papel na mudança dos sentimentos e comportamentos humanos.

O próprio conhecimento conhecimento em relação aos aspectos biológicos do envelhecimento e da morte aumentou muito nos dois últimos séculos. Mas nesse nível biológico parecemos nos aproximar de uma barreira intransponível quando tentamos estender ainda mais o controle humano sobre os processos de envelhecimento e morte.

O que nos faz lembrar que aqui e ali a capacidade dos seres humanos em relação ao universo natural tem seus limites.

Só depois que a “natureza” foi domesticada e transformada pelos humanos é que ela começou a parecer para populações que viviam geralmente nas cidades como bela e benigna para a humanidade.

Page 2: Envelhecer e Morrer

No presente, o conhecimento médico é em geral tomado como conhecimento biológico. Mas é possível imaginar que, no futuro, o conhecimento da pessoa humana, das relações das pessoas entre si, de seus laços mútuos e das pressões e limitações que exercem entre si faça parte do conhecimento médico.

Na sociedade atual as crianças podem crescer sem nunca terem visto um cadáver. Em estágios anteriores de desenvolvimento o espetáculo de cadáveres era muito mais comum. Desde então, o aumento da expectativa de vida tornou a morte mais distante dos jovens e dos vivos em geral.

Nunca antes as pessoas morreram tão silenciosa e higienicamente como hoje em dia, e nunca em condições tão propicias à solidão.

O moribundo recebe o tratamento medico mais avançado e cientificamente recomendado disponível. Mas os contatos com as pessoas a que está ligado, e cuja presença pode proporcionar o maior conforto para aquele que parte, frequentemente são considerados inconvenientes para o tratamento racional do paciente e para a rotina do pessoal.

O quadro dessa diferença é nítido. De um lado, o tipo antigo: a família cuida da pessoa doente. Possivelmente apressam o fim, pois nada disso é muito higiênico. Possivelmente sua presença adia a morte, pois pode ser umas das grandes alegrias dos moribundos estarem cercados por parentes e amigos.

Na UTI de um hospital moderno, os moribundos podem ser tratados de acordo com o mais recente conhecimento biofísico especializado, mas muitas vezes de maneira neutra em termos de sentimentos: podem morrer em total isolamento.

Todos esses são em realidade apenas exemplos de como falhamos ao enfrentar os problemas dos moribundos nas sociedades desenvolvidas.

Talvez não seja supérfluo dizer que o cuidado com as pessoas às vezes fica muito defasado em relação ao cuidado com seus órgãos.