entrevista dr. diaulas costa...

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3 REVISTA CREMESC ENTREVISTA Dr. Diaulas Costa Ribeiro Revista do Cremesc - O senhor é conhecido por sua atuação na área da saúde, direito médico e na bioéti- ca. O que o levou e interessar-se por essas áreas? Diaulas Costa Ribeiro – Antes da minha formação jurídica alguns temas já me interessavam, entre eles o aborto e a eutanásia. Na fase da graduação não foi possível desenvolver esses assuntos, pois já faz mais de 30 anos e não era comum no meio acadêmico falar disto. Na fase do doutorado, nos momentos de sobra, fui estudar temas de bioética. Não sabia bem o que era, mas fui me envolver e saber como o mundo europeu, onde eu me formei, tratava de temas como aborto, eutanásia, suspensão do esforço terapêutico, etc. Nessa época, início dos anos 90, tomei ciência do diagnóstico pré-natal, de doenças e má formações incompatíveis com a vida. A primeira pergunta que eu me fiz naquela ocasião foi: qual o efeito jurídico do exame pré-natal? O pré-natal sempre foi visto como uma relação médico- -paciente, nunca na perspectiva jurídica. Ao analisar o tema, concluí que se um diagnóstico de uma má formação fetal, compatível ou não com a vida, não tiver Diaulas Ribeiro é doutor em Direito e pós-doutor em Bioética, professor da Universidade de Brasília, da UNIPLAC- -Brasília e da Universidade Católica de Brasília. Promotor de Justiça, atua quase que exclusivamente em questões rela- tivas a saúde. No CFM integrou a Co- missão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica e integra as Câmaras Técnicas de Terminalidade da Vida e de Direito Médico. Durante o Fórum do CREMESC concedeu aos Conselheiros Rodrigo Bertoncini e Ylmar Corrêa Neto esta entrevista, onde absolutamente não circunda temas polêmicos. repercussão jurídica, para que serve? Só para o ato médico? Só para o acompa- nhamento da gestação? Na construção final da minha tese sobre a anencefalia, que estendi para má formação fetal incompatível com a vida, fiz academicamente distinção entre má formação fetal e sua compatibilidade com a vida, e separei as conseqüências jurídicas. Desde 1999 isso é amplamente aplicado no Brasil, e em Brasília é aplicado pelo Ministério Público. Ou seja, é a única cidade brasileira que tem uma estrutura de assistência à mulher grávida com feto inviável. É considerada pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) a melhor no Brasil. A mulher com diagnóstico da má formação fetal incompatível com a vida, portando relatórios de uma junta médica, vai ao Ministério Público e, se ela chegar lá decidida a interromper a gravidez, já sai do Ministério Público com uma autoriza- ção para interromper. Revista do Cremesc – Sobre o abor- tamento e a eutanásia, qual a sua posição? Ribeiro – O discurso do aborto não pode ser resumido em ser contra ou a favor. É um discurso que tem que ser tratado em outro contexto. Ninguém pode ser favo- rável ao aborto só por ser favorável, pois é sempre uma prática de sofrimento, de angústia, de muita solidão. O que me preocupa ao ser favorável a uma interrupção da gravidez, sem nenhu- ma restrição até as idades tradicionais de 10 semanas em alguns países, 12 ou 14 em outros (que eu sou plenamente favo- rável), é que essa posição se dê num con- texto de amparo a mulher para o aborto seguro. Porque a minha experiência na advocacia e em mais de 20 anos no Mi- nistério Público é que a proibição legal não tem nenhum efeito dissuasório. Portanto, ela acaba não intimidando a prática, que era a finalidade da proibição, e, ao não intimidá-la, acaba estimulando

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3REVISTA CREMESC

ENTREVISTA

Dr. Diaulas Costa Ribeiro

Revista do Cremesc - O senhor é conhecido por sua atuação na área da saúde, direito médico e na bioéti-ca. O que o levou e interessar-se por essas áreas?

Diaulas Costa Ribeiro – Antes da minha formação jurídica alguns temas já me interessavam, entre eles o aborto e a eutanásia. Na fase da graduação não foi possível desenvolver esses assuntos, pois já faz mais de 30 anos e não era comum no meio acadêmico falar disto. Na fase do doutorado, nos momentos de sobra, fui estudar temas de bioética. Não sabia bem o que era, mas fui me envolver e saber como o mundo europeu, onde eu me formei, tratava de temas como aborto, eutanásia, suspensão do esforço terapêutico, etc. Nessa época, início dos anos 90, tomei ciência do diagnóstico pré-natal, de doenças e má formações incompatíveis com a vida.

A primeira pergunta que eu me fiz naquela ocasião foi: qual o efeito jurídico do exame pré-natal? O pré-natal sempre foi visto como uma relação médico--paciente, nunca na perspectiva jurídica. Ao analisar o tema, concluí que se um diagnóstico de uma má formação fetal, compatível ou não com a vida, não tiver

Diaulas Ribeiro é doutor em Direito e pós-doutor em Bioética, professor da Universidade de Brasília, da UNIPLAC--Brasília e da Universidade Católica de Brasília. Promotor de Justiça, atua quase que exclusivamente em questões rela-tivas a saúde. No CFM integrou a Co-missão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica e integra as Câmaras Técnicas de Terminalidade da Vida e de Direito Médico. Durante o Fórum do CREMESC concedeu aos Conselheiros Rodrigo Bertoncini e Ylmar Corrêa Neto esta entrevista, onde absolutamente não circunda temas polêmicos.

repercussão jurídica, para que serve? Só para o ato médico? Só para o acompa-nhamento da gestação?

Na construção final da minha tese sobre a anencefalia, que estendi para má formação fetal incompatível com a vida, fiz academicamente distinção entre má formação fetal e sua compatibilidade com a vida, e separei as conseqüências jurídicas. Desde 1999 isso é amplamente aplicado no Brasil, e em Brasília é aplicado pelo Ministério Público. Ou seja, é a única cidade brasileira que tem uma estrutura de assistência à mulher grávida com feto inviável. É considerada pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) a melhor no Brasil. A mulher com diagnóstico da má formação fetal incompatível com a vida, portando relatórios de uma junta médica, vai ao Ministério Público e, se ela chegar lá decidida a interromper a gravidez, já sai do Ministério Público com uma autoriza-ção para interromper.

Revista do Cremesc – Sobre o abor-tamento e a eutanásia, qual a sua posição?

Ribeiro – O discurso do aborto não pode ser resumido em ser contra ou a favor. É um discurso que tem que ser tratado em outro contexto. Ninguém pode ser favo-rável ao aborto só por ser favorável, pois é sempre uma prática de sofrimento, de angústia, de muita solidão.

O que me preocupa ao ser favorável a uma interrupção da gravidez, sem nenhu-ma restrição até as idades tradicionais de 10 semanas em alguns países, 12 ou 14 em outros (que eu sou plenamente favo-rável), é que essa posição se dê num con-texto de amparo a mulher para o aborto seguro. Porque a minha experiência na advocacia e em mais de 20 anos no Mi-nistério Público é que a proibição legal não tem nenhum efeito dissuasório.

Portanto, ela acaba não intimidando a prática, que era a finalidade da proibição, e, ao não intimidá-la, acaba estimulando