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Foto: IADH Portal RTS - Rede de Tecnologia Social Busca: English | Español Tecnologia Social A RTS Quem Somos Faça parte da RTS Links Notícias Eventos Artigos Entrevistas Multimídia Imprensa Logomarca Publicações Informativo Eletrônico E- mail* Nome enviar Twitter YouTube Tânia Zapata, diretora técnica do IADH 30/09/2009 - Especialista em Desenvolvimento Econômico Regional pelo Instituto de Pesquisas e Formação para o Desenvolvimento e diretora técnica do Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano (IADH), a socióloga Tânia Zapata é umas das principais especialistas em desenvolvimento local do Brasil. Em entrevista ao Portal da RTS, ela def ende o desenvolvimento territorial endógeno, comenta o papel da globalização para este desafio e alerta: “As novas tecnologias do conhecimento trazem uma série de aprendizagens para a sociedade e para o novo espaço público”. RTS - Por que incluir o termo endógeno ao falar de desenvolvimento territorial? Tânia - Porque o desenvolvimento do território só acontece quando ele se dá a partir das pessoas daquele território. A experiência internacional já comprova que projetos liderados por atores externos, sejam órgãos públicos, ONGs e organismos internacionais, tendem ao fracasso e à insustentabilidade se não formarem equipes locais capazes de assumir essa liderança. A partir destes ativos endógenos, baseados no potencial do local, é que você constrói a estratégia e as instâncias de governança e pactuação. RTS - Qual a distinção entre desenvolvimento territorial e desenvolvimento local? Tânia - Não faço essa distinção, até porque os autores que trabalham essa temática compreendem que o local é um território, um espaço organizado que tem uma identidade e um projeto coletivo próprios. Esse território pode ser um bairro, um município, uma bacia hidrográfica. Geralmente, a melhor escala para trabalhar o desenvolvimento territorial é uma microrregião. Isso porque você tem mais densidade econômica para trabalhar cadeias e arranjos produtivos, redes e estratégias de comercialização para os pequenos negócios. A microrregião também pode permitir outros arranjos institucionais, como os consórcios públicos para a saúde e o meio ambiente, por exemplo. RTS - Como a globalização interfere nessa dinâmica? Tânia - Como a globalização, de certa forma, fragiliza o Estado Nação, alguns autores dizem que o desenvolvimento não compete mais aos países, mas às regiões. Quando você fala do Brasil, por exemplo, há diversos brasis distribuídos em regiões com capacidades próprias de inovar e competir. Antes se dizia que essa capacidade de competir vinha da dotação de recursos naturais e infra- estruturas, de forma centralizada. Hoje, a idéia é de que isso é importante, mas que não adianta sem a formação de capital humano e social no território. É como num computador. Você tem hardw are, softw are, e orgw are. O hardw are são as infra- estruturas econômicas e sociais. O softw are é o planejamento e a estratégia de desenvolvimento, enquanto o orgw are é o capital social. Sem a articulação entre estes três fatores, aliada a uma capacidade de pactuação para construir consensos e gerir conflitos, a tendência é que o território tenha mais dificuldades de se inserir nos processos de competitividade da globalização. RTS - Como construir então este capital social? Tânia - A partir do território. Por isso é que o local ressurge na globalização como elemento dinamizador da cultura da inovação, principal fator de competitividade na sociedade do conhecimento. É no território que estão as universidades, as pessoas, a competência local. O território, nesse sentido, ressurge impulsionado pelas contradições da própria globalização e da sociedade do conhecimento. Geralmente quando falamos em inovação, nos referimos a um produto. Prefiro falar da inovação em processos de produção, em gestão social e institucional. A nova governança, por exemplo, é uma inovação de gestão. Num arranjo produtivo, o avanço não está só na melhoria do processo de produção, mas também em uma forma de governança que fomente redes de cooperação e aprendizagem. Nesse sentido, estou convencida de que o grande desafio do brasileiro ainda é a cultura política. RTS - E como a arquitetura institucional do Estado brasileiro dificulta essa transformação?

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Page 1: Entrevista com Tania Zapata (2009) - Portal RTS

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Tânia Zapata, diretora técnica do IADH

30/09/2009 - Especialista em Desenvolvimento Econômico Regional peloInstituto de Pesquisas e Formação para o Desenvolvimento e diretoratécnica do Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano(IADH), a socióloga Tânia Zapata é umas das principais especialistasem desenvolvimento local do Brasil. Em entrevista ao Portal da RTS, eladefende o desenvolvimento territorial endógeno, comenta o papel daglobalização para este desafio e alerta: “As novas tecnologias doconhecimento trazem uma série de aprendizagens para a sociedade epara o novo espaço público”.

RTS - Por que incluir o termo endógeno ao falar de

desenvolvimento territorial?

Tânia - Porque o desenvolvimento do território só acontece quando elese dá a partir das pessoas daquele território. A experiênciainternacional já comprova que projetos liderados por atores externos,sejam órgãos públicos, ONGs e organismos internacionais, tendem aofracasso e à insustentabilidade se não formarem equipes locais

capazes de assumir essa liderança. A partir destes ativos endógenos, baseados no potencial do local,é que você constrói a estratégia e as instâncias de governança e pactuação.

RTS - Qual a distinção entre desenvolvimento territorial e desenvolvimento local?

Tânia - Não faço essa distinção, até porque os autores que trabalham essa temática compreendemque o local é um território, um espaço organizado que tem uma identidade e um projeto coletivopróprios. Esse território pode ser um bairro, um município, uma bacia hidrográfica. Geralmente, a melhorescala para trabalhar o desenvolvimento territorial é uma microrregião. Isso porque você tem maisdensidade econômica para trabalhar cadeias e arranjos produtivos, redes e estratégias decomercialização para os pequenos negócios. A microrregião também pode permitir outros arranjosinstitucionais, como os consórcios públicos para a saúde e o meio ambiente, por exemplo.

RTS - Como a globalização interfere nessa dinâmica?

Tânia - Como a globalização, de certa forma, fragiliza o Estado Nação, alguns autores dizem que odesenvolvimento não compete mais aos países, mas às regiões. Quando você fala do Brasil, porexemplo, há diversos brasis distribuídos em regiões com capacidades próprias de inovar e competir.Antes se dizia que essa capacidade de competir vinha da dotação de recursos naturais e infra-estruturas, de forma centralizada. Hoje, a idéia é de que isso é importante, mas que não adianta sem aformação de capital humano e social no território.

É como num computador. Você tem hardw are, softw are, e orgw are. O hardw are são as infra-estruturas econômicas e sociais. O softw are é o planejamento e a estratégia de desenvolvimento,enquanto o orgw are é o capital social. Sem a articulação entre estes três fatores, aliada a umacapacidade de pactuação para construir consensos e gerir conflitos, a tendência é que o territóriotenha mais dif iculdades de se inserir nos processos de competitividade da globalização.

RTS - Como construir então este capital social?

Tânia - A partir do território. Por isso é que o local ressurge na globalização como elementodinamizador da cultura da inovação, principal fator de competitividade na sociedade do conhecimento.É no território que estão as universidades, as pessoas, a competência local. O território, nessesentido, ressurge impulsionado pelas contradições da própria globalização e da sociedade doconhecimento.

Geralmente quando falamos em inovação, nos referimos a um produto. Prefiro falar da inovação emprocessos de produção, em gestão social e institucional. A nova governança, por exemplo, é umainovação de gestão. Num arranjo produtivo, o avanço não está só na melhoria do processo deprodução, mas também em uma forma de governança que fomente redes de cooperação eaprendizagem. Nesse sentido, estou convencida de que o grande desafio do brasileiro ainda é acultura política.

RTS - E como a arquitetura institucional do Estado brasileiro dificulta essa transformação?

Page 2: Entrevista com Tania Zapata (2009) - Portal RTS

Tânia - A gente convive no mesmo campo de avanços e retrocessos. Hoje ainda há a cultura doscoronéis, do clientelismo e do assistencialismo, mas também há a cultura da nova governança e aemergência da sociedade civil trazendo novas iniciativas, idéias e projetos. E isso convive no mesmocampo de historicidade. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias do conhecimento trazem uma série deaprendizagens para a sociedade e para o novo espaço público, onde se discutem os interessescoletivos sem haver, necessariamente, a interferência do Estado. Então, a cultura política com maistransparência, controle social e accountability é o grande desafio. Não se trata de ter mais ou menosEstado, mas de se ter o Estado necessário para o momento atual.

Na Europa, existe a necessidade de um determinado tipo de Estado. No Brasil, há outra. O fato é que asociedade é de mercado, e isso exige a regulação do Estado. O próprio mercado está reconhecendoisso com a crise. Nesse sentido, esta nova presença do Estado precisa se dar de outra forma. Nãocomo um Estado patrimonialista, que tutela a sociedade e troca favores por voto. Esse Estado a gentenão quer. A gente quer o Estado que traga políticas públicas mais articuladas com as demandas dosagentes produtivos, da sociedade. Queremos o Estado eficiente e efetivo naquilo que é da suacompetência, como nas questões da universalidade da saúde, da educação, das grandes questõesambientais, da garantia dos direitos humanos e do pluralismo democrático, cultural e religioso.

RTS - Como pensar numa descentralização dessa envergadura diante das marcantes

desigualdades brasileiras?

Tânia - É um grande desafio. Ainda não temos todas as respostas, mas acredito que nos avanços eexperimentações a gente vai encontrando algumas saídas. E também com as lições aprendidas comoutros países. É dif ícil encontrar um país com a complexidade do Brasil, com uma extensão continentaltamanha, com a diversidade de população que nós temos.

Para dar um exemplo: não existe mais uma região Nordeste. Existem vários Nordestes: existe sul doNordeste e nordeste do Sul. Eu não sou favorável a se pensar políticas de desenvolvimento para umadeterminada grande região. Há que se pensar, no mínimo, em recortes de meso ou microrregiões. Oque tem a ver o Maranhão com Pernambuco? O nível de capital social e de desenvolvimentoinstitucional são diferentes. Os ativos são diferentes.

RTS - Ainda assim, cada entidade de governo trabalha com políticas territoriais distintas.

Como avançar?

Tânia - Essa abordagem da nova governança marcou um avanço. Antes, nos períodos autoritários doBrasil, as coisas eram feitas a partir dos gabinetes e chegavam goela abaixo para a população. Masos países que têm uma cidadania mais evoluída e maior qualidade de vida são justamente os paísesonde a participação cidadã sempre foi muito presente. Não existe participação cidadã semdescentralização. Então, para um país como o Brasil, que é maior do que a Europa e que centraliza70% dos seus recursos no governo federal, é muito dif ícil que se desenvolva com equidade,organizado da maneira que está.

Não é verdade, por exemplo, que a centralização de recursos inibe a corrupção. O que faz não existircorrupção é a evolução da cidadania, do capital social e do controle social. É o fato de existireminstâncias de pactuação onde haja informação, comunicação social e transparência. Eu acredito noprincípio da subsidiariedade, ou seja, aquilo pode ser feito junto do cidadão, que seja feito com ocontrole do próprio cidadão.

Por Vinícius Carvalho, jornalista do Portal da RTS

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