entrevista com nelson motta

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CONTINENTE JUNHO 2012 CONTINENTE JUNHO 2012 FOTOS: DIVULGAÇÃO Entrevista NELSON MOTTA “NÃO SOU BIÓGRAFO PROFISSIONAL” CONTINENTE Recentemente, o livro A primavera do dragão recebeu várias críticas de amigos do Glauber e da imprensa. Em que aspectos você acha que essa biografia falhou e em que aspectos ela se mantém legítima? NELSON MOTTA As críticas vieram de personagens do terceiro escalão na historia, que conviveram com Glauber durante alguns anos. Os equívocos foram mínimos e pontuais, prontamente assumidos e corrigidos. São 450 páginas transbordando informações corretas, divertidas e emocionantes, é claro que essas besteiras não invalidam nada. Alguns causos de falsas conspirações, que me foram narrados por João Ubaldo Ribeiro e Calazans Neto são contestados por eles, causos bobos de adolescentes imaginando conspirações rocambolescas que, claro, nunca deram em nada. Não tem a menor importância no livro, como tudo que esses velhos baianos reclamaram: se tirasse todas as menções que eles contestam o livro não perderia nada. CONTINENTE Os métodos utilizados em A primavera do dragão e Vale tudo foram os mesmos? Como você conduziu as pesquisas dos dois livros? NELSON MOTTA Fiz todas as entrevistas e pesquisas (no Tim Maia com o auxílio do Denílson Monteiro) e escrevi, aproveitando que fui muito amigo dos dois. Aliás, o primeiro impulso para escrever essas biografias foi o amor, a amizade, a admiração que eu tinha por eles. Não tive a pretensão de “fazer história”, só contar a vida desses queridos amigos do meu jeito, no capricho, com humor, com amor, mas sem mentir nem inventar nada, seria um desrespeito a eles. CONTINENTE Ao contrário do Ruy mais difícil para a ficção superar a vida real, então personagens como Tim Maia, que são tão loucos que seriam inverossímeis como romance, fazem o sucesso de uma biografia. Foi muito difícil escrever a série Brado retumbante com o Euclydes Marinho e Guilherme Fiuza, as baixarias e o cinismo dos políticos superam qualquer ficção. CONTINENTE A biografia estaria mais alinhada ao jornalismo, à história ou à literatura? Por que? NELSON MOTTA Sei lá, para mim ela se mistura ao jornalismo, à história e também à música, no jeito de escrever, no ritmo das frases, na musicalidade do texto, para hipnotizar o leitor, como manda Gabriel García Marquez, levá-lo até o parágrafo seguinte. É o que faço. Quando tem muitas aventuras de que participei pessoalmente, como no Tim, fica mais próximo do New Journalism CONTINENTE Sobre a biografia do Glauber, você chegou a defini- la como uma “biografia romanceada”. Não seria paradoxal unir biografia e romance em uma só expressão? NELSON MOTTA Claro que não, são fatos biográficos narrados em linguagem de romance, mas não há nenhuma ficção nem invenção ali, é só a forma de contar aquelas pesquisas e depoimentos sobre a vida daquele personagem, uma questão de linguagem, de estilo. CONTINENTE Finalmente, existe algum outro personagem da nossa história cultural que você pense em biografar? Em quais projetos literários você está engajado agora? NELSON MOTTA Não sou biógrafo profissional, fui amigo do Tim e do Glauber e os homenageei contando suas vidas. Não tenho vontade de biografar ninguém. No momento, estou escrevendo dois musicais, um sobre a época de Dancin’Days, e estou gostando muito de teatro. O musical do Tim Maia (Vale tudo) já levou mais de 120 mil pessoas ao teatro e não tem um lugar a venda até o final da temporada de São Paulo, em julho. Castro,você permite que a sua memória sobre o personagem apareça no processo de escrita sobre a vida dele. Você considera essa conduta enriquecedora para a obra? NELSON MOTTA É claro que quando você conheceu alguém muito de perto, o personagem, como o Ruy conheceu o Nelson Rodrigues, ajuda muito. O Tim Maia é escrito na primeira pessoa, é um depoimento pessoal. A do Glauber é mais uma narrativa feita a partir de depoimentos de amigos da época e de jornais e revistas, já que no período do livro eu ainda não conhecia o Glauber pessoalmente. Mas claro que ajudou a compor o personagem o meu conhecimento do seu jeito de falar, seus gestos, seu ritmos, seu estilo. Com o Tim é a mesma coisa, tanto que no audiobook acabei imitando a voz do Tim quando ele fala no livro. Acho que o leitor gosta quando sabe que o cara “estava lá” e não só ouviu testemunhas. CONTINENTE Como você avalia o “boom” da biografia nos últimos tempos e o que pode ter motivado essa popularização do gênero? NELSON MOTTA É que esta cada vez

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Entrevista com Nelson Motta publicada em Junho de 2012 na Revista Continente

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Page 1: Entrevista com Nelson Motta

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fotos: divulgação

Entrevista

NELSON MOTTA“NãO SOu biógrAfOprOfiSSiONAL”continente Recentemente, o livro A primavera do dragão recebeu várias críticas de amigos do Glauber e da imprensa. Em que aspectos você acha que essa biografia falhou e em que aspectos ela se mantém legítima?

neLSon MottA As críticas vieram de personagens do terceiro escalão na historia, que conviveram com Glauber durante alguns anos. Os equívocos foram mínimos e pontuais, prontamente assumidos e corrigidos. São 450 páginas transbordando informações corretas, divertidas e emocionantes, é claro que essas besteiras não invalidam nada. Alguns causos de falsas conspirações, que me foram narrados por João Ubaldo Ribeiro e Calazans Neto são contestados por eles, causos bobos de adolescentes imaginando conspirações rocambolescas que, claro, nunca deram em nada. Não tem a menor importância no livro, como tudo que esses velhos baianos reclamaram: se tirasse todas as menções que eles contestam o livro não perderia nada.

continente Os métodos utilizados em A primavera do dragão e Vale tudo foram os mesmos? Como você conduziu as pesquisas dos dois livros?

neLSon MottA Fiz todas as entrevistas e pesquisas (no Tim Maia com o auxílio do Denílson Monteiro) e escrevi, aproveitando que fui muito amigo dos dois. Aliás, o primeiro impulso para escrever essas biografias foi o amor, a amizade, a admiração que eu tinha por eles. Não tive a pretensão de “fazer história”, só contar a vida desses queridos amigos do meu jeito, no capricho, com humor, com amor, mas sem mentir nem inventar nada, seria um desrespeito a eles.

continente Ao contrário do Ruy

mais difícil para a ficção superar a vida real, então personagens como Tim Maia, que são tão loucos que seriam inverossímeis como romance, fazem o sucesso de uma biografia. Foi muito difícil escrever a série Brado retumbante com o Euclydes Marinho e Guilherme Fiuza, as baixarias e o cinismo dos políticos superam qualquer ficção.

continente A biografia estaria mais alinhada ao jornalismo, à história ou à literatura? Por que?

neLSon MottA Sei lá, para mim ela se mistura ao jornalismo, à história e também à música, no jeito de escrever, no ritmo das frases, na musicalidade do texto, para hipnotizar o leitor, como manda Gabriel García Marquez, levá-lo até o parágrafo seguinte. É o que faço. Quando tem muitas aventuras de que participei pessoalmente, como no Tim, fica mais próximo do New Journalism continente Sobre a biografia do Glauber, você chegou a defini-la como uma “biografia romanceada”. Não seria paradoxal unir biografia e romance em uma só expressão?

neLSon MottA Claro que não, são fatos biográficos narrados em linguagem de romance, mas não há nenhuma ficção nem invenção ali, é só a forma de contar aquelas pesquisas e depoimentos sobre a vida daquele personagem, uma questão de linguagem, de estilo.

continente Finalmente, existe algum outro personagem da nossa história cultural que você pense em biografar? Em quais projetos literários você está engajado agora?

neLSon MottA Não sou biógrafo profissional, fui amigo do Tim e do Glauber e os homenageei contando suas vidas. Não tenho vontade de biografar ninguém. No momento, estou escrevendo dois musicais, um sobre a época de Dancin’Days, e estou gostando muito de teatro. O musical do Tim Maia (Vale tudo) já levou mais de 120 mil pessoas ao teatro e não tem um lugar a venda até o final da temporada de São Paulo, em julho.

Castro,você permite que a sua memória sobre o personagem apareça no processo de escrita sobre a vida dele. Você considera essa conduta enriquecedora para a obra?

neLSon MottA É claro que quando você conheceu alguém muito de perto, o personagem, como o Ruy conheceu o Nelson Rodrigues, ajuda muito. O Tim Maia é escrito na primeira pessoa, é um depoimento pessoal. A do Glauber é mais uma narrativa feita a partir de depoimentos de amigos da época e de jornais e revistas, já que no período do livro eu ainda não conhecia o Glauber pessoalmente. Mas claro que ajudou a compor o personagem o meu conhecimento do seu jeito de falar, seus gestos, seu ritmos, seu estilo. Com o Tim é a mesma coisa, tanto que no audiobook acabei imitando a voz do Tim quando ele fala no livro. Acho que o leitor gosta quando sabe que o cara “estava lá” e não só ouviu testemunhas.

continente Como você avalia o “boom” da biografia nos últimos tempos e o que pode ter motivado essa popularização do gênero?

neLSon MottA É que esta cada vez