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Dezembro2017 Revista Mensal • 2 Euros Parceiro do Plano Nacional de Saúde 2014 Entrevista com Celso Manata, Diretor-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais: Telemedicina chega às cadeias portuguesas

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Page 1: Entrevista com Celso Manata, Diretor-Geral da Reinserção e ... · Massaud Moisés diz bem quando sa-lienta que a poesia trovadoresca “exige do leitor dos nossos dias um esforço

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Parceiro do Plano Nacional de Saúde 2014

Entrevista com Celso Manata, Diretor-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais:

Telemedicina chega às cadeias portuguesas

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3“O Charro medicinal?”

FICHA TÉCNICA Propriedade, Redacção,Direcção e morada do Editor: News-Coop - Informação e Comunicação, CRL; Rua António Ramalho, 600E; 4460-240 Senhora da Hora Matosinhos; Publicação periódica mensal registada no ICS

com o nº 124 854. Tiragem: 12000 exemplares. Contactos: 220 966 727 / 916 899 539; [email protected];www.dependencias.pt Director: Sérgio Oliveira Editor: António Sérgio Administrativo: António Alexandre

Colaboração: Mireia Pascual Produção Gráfica: Ana Oliveira Impressão: Multitema, Rua Cerco do Porto, 4300-119, tel. 225192600 Estatuto Editorial pode ser consultado na página www.dependencias.pt

Massaud Moisés diz bem quando sa-lienta que a poesia trovadoresca “exige do leitor dos nossos dias um esforço de adaptação e um conhecimento adequado das condições históricas em que a mesma se desenvolveu, sob pena de tornar-se in-sensível à beleza e à pureza natural que marcam essa poesia”

Uma citação trovadoresca, para ligar a ideia da demagogia e do oportunismo com que alguns senhores, por acaso de-putados, nos tentam enganar ou iludir apresentando a canábis como uma subs-tancia natural, ecológica, leve, bela e inó-cua, numa grotesca atitude de desconsi-deração e desprezo pelo conhecimento e pelo saber cientifico.

Usando a tese das cantigas de amigo escárnio e mal dizer, apetece-me pergun-tar ao Moisés, não ao Massaud, mas ao deputado: “Que fazeis de nós senhor?”

Ingénuos, inocentes, leigos, analfabe-tos, parvos, patetas ou tolos? Não somos nada disto, e muito menos desinformados, apesar da presunçosa e boçal tentativa de deturpar a realidade dos factos.

Transformar o “charro” num medica-mento, das duas, uma: ou é ignorância ou uma manobra perigosa, obtusa e arrojada de fazer passar a ideia de uma ingenuida-de colectiva inaceitável.

Legalizar a canábis(charro) para fins medicinais, ao que julgo saber, é da com-petência da agência do medicamento, e não uma decisão do parlamento.

Situação diferente é legalizar a cana-bis (charro) para uso e consumo recreati-vo, que é o que o senhor deputado preten-de.

E para isso iniciou um conjunto de au-dições:

Quem foi ouvido? Os pais, as famílias, a escola, os professores, os técnicos, os investigadores… As Ordens profissionais o Infarmed as faculdades e escolas de saúde? Por acaso ouviu os jovens com 13, 14, 15, 16 e 17 anos já com graves problemas psicóticos, alguns em trata-mento em clínicas terapêuticas? E falou

com os clínicos e profissionais que deles estão a tratar?

Diz o senhor deputado que existem vantagens decorrentes da legalização da canábis (Charro) …vantagens em que sen-tido e para quem? A legalização evitaria os efeitos prejudiciais para a saúde física e mental dos consumidores habituais de ca-nábis, como a ansiedade, crises de pânico, depressão, transtornos bipolares, sintomas psicóticos, síndrome amotivacional, apatia, desinteresse pelo trabalho, insucesso esco-lar, deterioração da capacidade cognitiva, delírio, efeitos respiratórios e cardiovascula-res, oculares e gastrointestinais, com um potencial de dependência provocado pelo síndrome de abstinência, com a agravante de que continuam a ser muito poucas as pessoas que procuram ajuda para deixar de consumir? E o senhor deputado continua a tentar e a querer fazer parecer aos nossos jovens que o consumo dos Charros é inó-cuo?

Esta é a evidência científica, que la-mentavelmente continua a ser ignorada pela máquina que alimenta um “negócio em crescimento”.

Sabe bem que a canábis é a droga ile-gal mais consumida na Europa e repre-senta 38% do mercado das drogas ilegais, suplantando a heroína (28%) e a cocaína (24 %), um negócio de mais de 9,3 mil mi-lhões de euros ano… um mercado apete-cível para o crime organizado, a que os defensores da legalização não devem es-tar alheios…

Estes são dados oficiais, suportados em estudos e investigações que mos-tram que o fumo da canábis (charro) contém entre 50 a 70% de hidrocarbo-netos mais cancerígenos que o taba-co… que cerca de 17 milhões de ameri-canos são dependentes de canábis há mais de 12 anos e que mais de 374 mil consumidores de canábis dão entrada anualmente nas salas de urgência dos hospitais.

Mas senhor deputado, será por igno-rância, falta de tempo, indisponibilidade que não tem em atenção os dados do es-tudo da European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs, 2015 -, em que mostra que Portugal registou, de um modo geral, prevalências de consumo de qualquer droga (16%), de cannabis (15%) e de outras substâncias ilícitas (4%) infe-riores às médias europeias, com preva-lências de consumo mais baixas no grupo masculino português e muito idênticas en-tre os grupos femininos.

E escusam de colocar rótulos na-queles que, como eu, desde sempre se colocou na luta contra o estigma, na de-fesa dos direitos humanos e nas mais amplas liberdades individuais. Não sou, nem nunca fui, um defensor do proibicio-nismo, nem adepto da guerra às drogas mas sou um homem livre e defensor de medidas preventivas e de educação para a saúde, alertando para “o negócio de morte” a que pode levar a legalização de uma das mais perigosas drogas do mundo… a canábis. Até porque, se a ideia fosse meramente legalizar porque até tem efeitos terapêuticos, por que não defendem também a legalização do uso de opiáceos, presentes em tantos medicamentos? Ou a cocaína, cuja folha tem não sei quantos alcalóides? Será porque o auto cultivo de opiáceos e de folha de coca não é propriamente a nos-sa praia?

Sérgio Oliveira, director

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4Evento decorreu em Pontevedra, Espanha:

I Congresso Internacional sobre Canábis e seus Derivados:

Saúde, Educação e LeiDurante os dias 24 e 25 de novembro, a Xunta da Galiza e o Concelho de Catoira (Pontevedra) organizaram o I Con-gresso Internacional sobre Cannabis e seus Derivados: Saúde, Educação e Lei. O evento, que contou ainda com o apoio da Deputación Pontevedra, do Ministério da Saú-de, Serviços Sociais e Igualdade, da Universidade de Vigo e da Universidade Internacional de Valência, tradu-ziu-se numa iniciativa científica que pretendeu aglutinar profissionais de saúde e da educação, estudantes das áreas socio-sanitárias e todas as pessoas interessadas em dar resposta aos problemas derivados dos consumos de canábis, fenómeno que sofreu um grande crescimento ao longo dos últimos anos também no país vizinho.Dependências foi convidada a participar no evento e en-trevistou alguns dos preletores.

FRANCISCO BABIN

“Os clubes canábicos têm tentado usar o consumo partilhado para tentar justificar o cultivo”

Este foi um congresso muito participado, que envolveu muita discussão e evidência científica e realçaria aqui a parti-cipação de um fiscalista, que referiu que os clubes de canábis representam um delito porque são uma ponte para o comér-cio e consumo de uma droga ilícita…

Francisco Babin (FB) – Estamos a falar em conjugar dois di-reitos, algo que é complicado de entender e confesso que a mim

próprio me custou porque sou um profissional de medicina e não do direito. A constituição espanhola consagra algo também está consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é o direito de associação. No nosso direito, têm que ocorrer duas coisas relativamente a essa associação: para poder publicitar a sua existência tem que estar inscrita num registo e essa inscrição apenas é válida para isso mesmo, para publicitar a sua existência. Não significa que o que faz é correto ou não. E, em segundo lugar, não há juiz que a encerre em virtude de estar a cometer um ilícito penal, que é o que sucede com as associações canábicas. Uma coisa é uma associação e outra é um clube, um local onde se con-some. As associações constituem-se em concordância com a lei das associações e, quando se inscrevem, são investigadas por ofício pela fiscalidade. O que se verifica é que há associações que não funcionam e apenas se inscrevem para aumentar o número e poder trasladar a mensagem de que é inevitável legalizar. E se não se demonstra uma atividade ilícita, a provável denúncia é ar-quivada e a associação é inscrita no registo correspondente. Se houver atividade ilícita, há uma notificação ao juiz porque nenhu-ma entidade administrativa pode eliminar uma associação, algo que só pode suceder por sentença judicial. Além disso, em Espa-nha, os delitos por tráfico de droga são classificados como delitos contra a saúde pública. Isso significa que o bem que tem que ter sido afectado é a saúde da coletividade e não a saúde individual de uma pessoa que consome. E isto tem também a sua transcen-dência em relação aos clubes canábicos porque, há cerca de 12 anos, o tribunal supremo espanhol consagrou por jurisprudência a figura do consumo partilhado, ou seja, quando um número muito limitado de pessoas, num espaço sem qualquer tipo de publicida-de ou observação do público, consome. E um deles terá que for-necer os demais, mas trata-se de um número muito reduzido, pelo que não assume uma transcendência para a saúde pública nem para a segurança da população global. Durante anos, os clubes canábicos e os seus advogados têm tentado uma fraude relativa-mente à lei: usar o consumo partilhado para tentar justificar o cul-tivo partilhado. Mas isto acabou porque, desde 2015, o tribunal su-premo produziu várias sentenças em que delimitou perfeitamente

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que a atividade realizada pelos clubes canábicos coincide com o ilícito penal do delito contra a saúde pública por tráfico de canábis. A partir daqui, as autoridades já intervêm e dão início a um proces-so. Mas reforço: inicia-se! Sabemos que estes processos duram muito tempo entre uma primeira sentença e os vários recursos possíveis. Chegará o tempo em que possamos limitar definitiva-mente este tipo de atividade. Creio que, face à regulação atual, poderia continuar a existir algum clube canábico desde que não seja um local de distribuição e tráfico mas exclusivamente um es-paço suportado em quotas pelos sócios, em que cada um levasse a sua própria substância e se reunissem consumindo. Mas isto é distinto do que querem os canábicos.

Falou na confusão que se está a criar quando se mistura uso recreativo com uso terapêutico… Ora, sendo que esses clubes nada têm a ver com medicina ou saúde, estamos ape-nas perante um uso recreativo, ou seja, mais uma mensagem enganosa…

FB – Diria que estão a tentar enganar-nos mas, felizmente, não conseguem. Era o mesmo que chamar centro sanitário a um estabelecimento de venda de bebidas espirituosas porque, a dado momento, pode pedir um táxi para uma pessoa alcoolizada para que esta não se mate na estrada. Isso não converte uma determi-nada atividade em uso terapêutico. E, infelizmente, vamos assis-tindo a algumas iniciativas muito graves neste país, subscritas por pessoas antes muito comprometidas na luta contra as drogas e que, talvez por sentirem que o seu momento já passou e necessi-tam de publicidade, que advogam a liberalização do consumo desde os 16 anos de idade. Estamos a falar de uma etapa em que o consumo é absolutamente nocivo, condicionando seriamente a atividade futura desses jovens.

Preocupa-o a baixa percepção de risco evidenciada pelos jovens atuais face à canábis?

FB – Sim, sem dúvida. Está mesmo banalizado. E quanto a isso, encontramos alguns paradoxos em Espanha, como o facto

de a percepção de risco ser menor para a canábis do que para o tabaco. Relativamente ao tabaco, nos últimos dez anos consegui-mos diminuir para metade a prevalência de consumo entre ado-lescentes. E até esse feito está a ser colocado em risco face ao consumo atual de canábis que, em Espanha, é consumido em 90 por cento dos casos misturado com tabaco.

MANUEL ISORNA FOLGAR

“A canábis é uma droga, que afeta o sistema nervoso central, e gera adição”

Que balanço faz da realização deste congresso?Manuel Isorna Folgar (MF) – Pessoalmente, estou muito

contente com tudo: pela forma como correu toda a organização e com a qualidade das apresentações. Desde a primeira mesa, com a comunicação de Rafael Maldonado, passando pela mesa sobre patologias, que correlacionou o consumo de canábis com doença mental e física, até Fernando Fonseca, com a linha que cada vez conhecemos melhor, do sistema canabinóide endógeno e as po-tencialidades terapêuticas… Tivemos comunicações orais que vão demonstrando a excelente investigação que está a realizar-se tanto em Portugal como em Espanha e, face à afluência de tantas comunicações orais, acabámos por ter que adaptar algumas das propostas a posters, que também resultaram em ferramentas mui-to interessantes. Tivemos mais de 15 comunicações orais e quase 50 posters… Para um primeiro congresso, foi muito bom. É uma avaliação muito positiva a que faço deste congresso.

Que principais objetivos estiveram subjacentes a esta realização e em que medida poderá a mesma contribuir para enriquecer a intervenção dos profissionais?

MF – Existem duas vertentes que definem os objetivos deste congresso: por um lado, desmistificar tudo o que está relacionado com o consumo de canábis, cujos colectivos pró-canábis, suporta-dos pela indústria, organizam férias comerciais que mascaram como congressos para o estudo científico, têm publicações em papel e dominam como poucos o mundo da internet, onde inves-tem e ganham muito dinheiro. E não nos enganemos. Os jovens não ouvem os pais nem os professores como deveriam e o meio

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6pelo qual absorvem informação é a internet. E esse terreno per-tence praticamente ao mundo pró-canábis. Por outro lado, tam-bém me apercebo que a formação é muito escassa entre os pro-fissionais quanto a este tema da canábis. Com este congresso, também pretendemos alcançar eco por parte dos meios de comu-nicação relativamente aos efeitos nocivos gerados pelo consumo de canábis e, a par, formar os profissionais.

Sendo a canábis uma droga de abuso, por que falar na questão da legalidade? Isso muda algo relativamente à subs-tância?

MF – Exatamente! O facto de ser positiva ou negativa para a saúde nada tem a ver com a legalidade ou a ilegalidade. É uma droga, afeta o sistema nervoso central, sabemos que gera adição e que modifica as estruturas cerebrais, que pode gerar esquizofre-nia ou psicoses, que tem repercussões nas capacidades cogniti-vas… É uma droga com letras maiúsculas e bem grandes. Se me pergunta por que os profissionais não falam disto, eu respondo que será por medo. Hoje, o politicamente correto é estar a favor da legalização da canábis. Os movimentos pró-canábis consegui-ram rotular como fascista e conservador todo aquele que estiver contra a legalização e quem estiver a favor é progressista, de es-querda, open mind…

Estaremos a viver uma moda como a dos anos 80, com a heroína e a cocaína?

MF – Dizem que esta é a terceira epidemia… Não sei se che-garemos a esses níveis porque, na verdade, os efeitos que a ca-nábis produz não são tão alarmantes nem visíveis como os da he-roína mas são graves.

RAFAEL MALDONADO

“A canábis é uma droga perigosa””

A Canábis é uma espécie de mito… Apetece-me pergun-tar-lhe por que falamos apenas na canábis e esquecemos muitas vezes outras substâncias igualmente psicoativas, al-gumas das quais menos nocivas para a saúde?

Rafael Maldonado (RM) – Na verdade, estamos perante um tema que marca a actualidade. É uma das drogas de que mais se fala mas, quando falamos em consumo de drogas, temos que re-cordar que a canábis não é a única droga perigosa. Há uma série de drogas que estão a causar um tremendo dano à nossa socie-dade e começaria por falar do álcool, cujas campanhas de preven-ção se têm revelado ineficazes, ou do tabaco, aí sim, em que tive-mos ganhos substanciais nos últimos anos. E se o conseguimos fazer relativamente ao tabaco, pergunto por que não fazer o mes-mo relativamente ao álcool ou à canábis? Não entendo!

Hoje falamos na canábis, há 30 anos falávamos nos opiá-ceos. Seja qual for a substância, em que medida residirá o real problema na idade de iniciação do consumo?

RM – Evidentemente. E falou num tema de enorme importân-cia, a epidemia dos anos 80, de heroína em particular. É algo que já tínhamos esquecido mas talvez seja um pretexto perfeito. Basta ver o que está a acontecer atualmente nos EUA, com uma epide-mia de magnitude tremenda de opiáceos como o Fentanil. Mor-rem, por dia, 142 pessoas como consequência do consumo de opiáceos, número superior aos soldados mortos na guerra do Vietnam… E que prevenções estamos a adoptar atualmente na Europa para evitar que nos chegue esta epidemia?

Por outro lado, não se estarão a misturar conceitos como o uso recreativo e o uso medicinal ou terapêutico da canábis?

RM – Tem toda a razão! Temos que separar o que é consumo recreativo da utilização terapêutica. Seguiria, uma vez mais, o exemplo dos opiáceos: quem põe em dúvida a utilidade de um opiáceo em terapêutica, nomeadamente para o alívio da dor? São muito úteis quando utilizados de maneira adequada. Mas também é perigoso se injectarmos heroína e ninguém duvida disso. Então por que levantamos agora dúvidas quanto ao consumo recreativo da canábis só porque existem canábicos úteis em terapêutica? Não tem absolutamente nada a ver uma coisa com a outra.

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7 O SICAD recebeu mais uma visita de uma delegação es-

trangeira. Desta vez, recebemos ativistas e utilizadores de dro-gas da Europa de Leste (Lituânia, Ucrânia, Moldávia, Geórgia e Bielorrússia), membros da rede Eurasian Harm Reduction Association, que vieram com o objetivo de conhecer o Modelo Português, a implementação da descriminalização e a aborda-gem integrada em matéria de Comportamentos Aditivos e De-pendências.

VISITA DE DELEGAÇÃO DE MOÇAMBIQUE – 27/11/2017O SICAD recebeu uma delegação de representantes do

Ministério da Saúde e de Organizações Não Governamentais (ONG) de Moçambique que esteve de visita a Portugal para conhecer melhor o Modelo Português em matéria de compor-tamentos aditivos e dependências. A reunião de trabalho teve como principal objetivo a troca de informação e de experiên-cias sobre a realidade dos dois países e abordou, com particu-lar enfoque, a experiência Portuguesa de implementação da Lei da Descriminalização e as respostas existentes em matéria de prevenção e de redução de danos.

VISITA DE UMA DELEGAÇÃO DE REPRESENTANTES DOS PAÍSES DA ÁSIA CENTRAL – 11/12/2017

O SICAD recebeu uma delegação de representantes dos Países da Ásia Central ( Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão) que vieram a Portugal conhe-cer a nossa política em matéria de CAD.

A reunião de trabalho permitiu a troca de informação e de experiências sobre a situação e as políticas dos vários países. Os participantes, na sua maioria peritos das estruturas de coordenação nacional, Ministério da Saúde e Ministério da Ad-ministração Interna, manifestaram grande interesse no modelo português, em especial no que se refere à implementação da Lei da Descriminalização e as respostas em termos de preven-ção.

A visita a Portugal decorreu no âmbito do programa CA-DAP, programa da UE que apoia os governos da Ásia Central no reforço da capacidade das agências nacionais para lidar com o fenómeno da droga de forma abrangente, integrada e sustentada.

SICAD PARTICIPOU NA SEGUNDA REUNIÃO ANUAL DE OBSERVATÓRIOS NACIONAIS DE DROGAS15/11/2017

O SICAD PARTICIPOU na Segunda Reunião Anual de Ob-servatórios Nacionais de Drogas (Lisboa, 13 a 17 de novembro de 2017), organizada pelo COPOLAD (Programa de Cooperação entre a América Latina, as Caraíbas e a UE sobre Políticas em matéria de Drogas), em estreita colaboração com o SICAD, o Ob-servatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT) e o Observatório Interamericano sobre Drogas (OID / CICAD / OEA) .

A reunião contou com cerca de 70 representantes dos Ob-servatórios Drogas oriundos de 37 países: 18 dos países da América Latina, 14 das Caraíbas e 5 da UE.

A reunião teve como objetivo promover o papel dos Obser-vatórios na conceção de políticas públicas baseadas na evi-dência científica, aumentando o conhecimento metodológico sobre recolha e análise de dados, bem como na disseminação do conhecimento produzido.

No âmbito desta reunião o Diretor-Geral do SICAD apre-sentou os principais resultados da política portuguesa em ma-téria de drogas desde a primeira Estratégia Nacional de 1999 e o SICAD partilhou a sua experiência na elaboração de relató-rios nacionais em matéria de drogas e sobre sistemas de alerta rápido de novas substâncias psicoativas.

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8Enquanto o impasse perdura em Portugal…

Manuel Cardoso convidado a apresentar modelo português em Minas Gerais

Não é novidade para ninguém que o modelo português de intervenção em CAD tem vindo a suscitar, ao longo da última década, as atenções de inúmeros estados que, ao contrário do que sucede no nosso país, ainda elencam a problemática das dependências como maté-ria acerca da qual sentem que não têm oferecido solu-ções eficazes. Não obstante o dito “modelo português” ter estagnado e, em diversas facetas, ter sido mesmo colocado em causa, a verdade é que os pressupostos teóricos e estratégicos em que assenta continuam a suscitar a curiosidade de vários decisores políticos. Foi o que sucedeu recentemente com a comissão ligada ao combate à toxicodependência da Assembleia Legislati-va do estado brasileiro de Minas Gerais, que convidou Manuel Cardoso, subdiretor-geral do SICAD a presen-tear aos participantes num encontro internacional com a partilha dos alicerces de um modelo com assinatura portuguesa…

Sabemos que foi o embaixador português num encon-tro internacional sobre a descriminalização do uso de dro-gas em Minas Gerais, no Brasil… O que aconteceu neste encontro?

Manuel Cardoso (MC) – Foi Muito interessante… A Assem-bleia Legislativa de Minas Gerais e a sua comissão para o com-bate à toxicodependência organizaram este encontro interna-cional no sentido de tentarem perceber, a partir das experiên-cias de países como Portugal, o Uruguai ou o Chile, que cami-nho podem seguir para resolverem o problema que enfrentam. O presidente da comissão tinha estado em Portugal para saber de viva voz e testemunhar pessoalmente como eram feitas as coisas, ficou entusiasmado e quis ouvir-nos. E o que fizemos foi uma apresentação do modelo português, e todo o enquadra-mento da intervenção que se faz em Portugal porque, como

sempre digo, descriminalizar não é uma panaceia. Foi o que tentei fazer e acho que gostaram.

Tem referido muitas vezes que o sucesso do modelo português vai muito além da mera descriminalização… Também o fez sentir aos brasileiros?

MC – Absolutamente! Aliás, uma das coisas que costumo fazer quando faço estas apresentações é a identificação do país, quer geograficamente, quer em termos de dimensão, o que me parece extremamente importante. Falar para o Brasil, com 200 milhões de habitantes, é completamente diferente… E até Minas Gerais é muitíssimo maior do que Portugal e tem 20 milhões de habitantes, portanto, é sempre difícil fazer esta tran-sição. Outra nota que importa referir é que Portugal tem um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito, o que faz toda a diferença na possível organização dos serviços de res-posta. E Portugal tem hoje uma estrutura, pior ou melhor orga-nizada, para dar resposta a esta problemática, para além da

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própria estrutura das comissões de dissuasão da toxicodepen-dência. Foi isto que tentei apresentar-lhes, com algumas notas como o PORI e a forma como funciona para chegar ainda mais próximo dos cidadãos que têm problemas e, realmente, ficaram encantados com a apresentação. Seguiram-se imensas per-guntas e algumas entrevistas exatamente porque ficaram inte-ressados.

O Brasil apresenta, a este nível, outro problema: o lim-bo entre a saúde e o crime. Sendo a toxicodependência um problema de saúde, no Brasil encontra-se no foro da justi-ça… Em que medida será este fator impeditivo para a reali-zação de um diagnóstico correto e para a implementação das necessárias respostas?

MC – Não é absolutamente impeditivo… Para ser uma abordagem de saúde, deve estar no âmbito do ministério da saúde mas também é verdade que, para Portugal, que não legalizou, a abordagem é dupla, incluindo a redução da ofer-ta e a redução da procura. E pareceu-me claramente que Mi-nas Gerais está apostada em caminhar pela descriminaliza-ção porque estes responsáveis pretendem considerar o toxi-codependente como alguém que precisa de ajuda mais do que alguém que é criminoso. E isso foi claro em todos os participantes. Por outro lado, tiveram uma nota que me pare-ceu interessante, que é a descriminação que se faz na abor-dagem do consumidor, que se for rico não é problemático nem sequer encarado como mero consumidor, ao contrário do que sucede se for pobre ou negro… E fizeram compara-ções com o que acontece nos EUA, com dados concretos, que revelam que, apesar de muitos consumirem, só alguns vão presos…

Naturalmente, falou sobre o significado da descriminali-zação portuguesa…MC – “Em Portugal, é proibido consumir. Não re-

sultando numa pena fazê-lo, o castigo que poderá resultar desse consumo é muito mais social. Por-que, resultando de uma visão de saúde, não se pretende castigar mas antes ajudar a pessoa a sair de uma situação problemática. Existem duas questões fundamentais: por um lado, tem que haver uma definição de quantidades por forma a evitar discricionariedades e para que todos en-tendam e, por outro lado, constatamos que a

polícia portuguesa tem tido um comportamento absolutamente fantástico nesta relação. Aprendeu a fazê-lo e, hoje, os polícias portugueses vêem nos consumidores alguém que precisa de aju-da e eles próprios participam nessa ajuda, revelando-se parte da solução. Finalmente, temos já uma lei com 17 anos e, como tal, creio que estamos no momento de a repensar. Se calhar, quando existem hoje legalizações de consumos de canábis por esse mun-do fora, não faz muito sentido manter penalizado com crime, por exemplo, a plantação para uso próprio, assim como deveríamos rever esta questão da aquisição para uso… Creio que o país de-verá pensar nessa evolução, numa reformulação das estruturas de resposta e na sua organização”.

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10CRI Porto Oriental recebe visita de delegação de ONG e do Governo da Roménia:

Romenos inspiram-se em Portugal

O Cri Porto Oriental recebeu, no mês de Novembro, uma visita de uma delegação romena, composta por membros do governo e representantes de instituições da sociedade civil que intervêm na área dos CAD. A or-ganização da visita ao país surgiu pela APDES, que acompanhou esta delegação em várias visitas a institui-ções que operam no norte do país neste campo. De-pendências acompanhou a visita às instalações do CRI Porto Oriental, onde ouviu Jorge Barbosa e Silvia Asan-di, Diretora Geral da Romanian Angel Appeal Funda-tion, uma instituição focada no VIH/Sida, tuberculose e outras doenças que originam descriminação e exclusão social.

JORGE BARBOSA, COORDENADOR DO CRI PORTO ORIENTAL

“Dar a conhecer a política portuguesa em matéria de drogas”

Em que consiste esta visita?Jorge Barbosa (JB) - Temos aqui uma delegação do Governo

da Roménia, constituída por deputados da Assembleia da Repú-blica Romena, por técnicos do Ministério da Saúde, por médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais dos principais hospi-tais do país e por técnicos que intervêm em ONG. Esta delegação fez um pedido para visitar a política portuguesa em matéria de drogas para troca de experiências e para que isso pudesse ser um contributo para melhorar a situação na Roménia.

E como surgiu a visita ao CRI Porto Oriental?JB – A visita ao CRI Porto Oriental surge por intermédio de

uma IPSS com a qual temos vindo a trabalhar na DICAD, a AP-DES, e também através da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, que estiveram também a trabalhar com ONG a nível internacional. Aliás, este pedido surge do intercâmbio internacional entre ONG portuguesas e romenas e o CRI Porto Oriental aparece aqui também como uma unidade de intervenção na área dos CAD, que têm a oportunidade de visitar, como estão a visitar toda a rede de intervenção, nomeadamente equipas de rua, centros de acolhimento temporário, hospitais, centros de saúde. Em suma, estão a visitar todas as estruturas da saúde e de apoio social que intervêm direta ou indiretamente no problema dos CAD, como também algumas IPSS e ONG.

O que apresentou o CRI a esta delegação?JB – O CRI apresentou o modelo de intervenção de respostas

integradas, que tem vindo a ser desenvolvido há mais de dez anos, ouvimo-los e respondemos às questões que nos colocaram relativamente aos nossos programas. Falámos sobre os progra-mas de tratamento, de prevenção, de reinserção e de redução de danos que promovemos a partir do CRI na nossa área territorial.

SILVIA ASANDI, DIRETORA GERAL DA ROMANIAN ANGEL APPEAL FUNDATION

“Vir cá, aprender e apresentar ao governo da Roménia o vosso modelo”

Que motivos sustentaram esta vossa visita ao modelo português de intervenção em CAD?

Silvia Asandi (SA) – Desde logo, porque Portugal tem revelado há vários anos um grande sucesso na implementação destes servi-ços de saúde e sociais. Testemunhámos bons modelos de cuidados com base na integração de respostas, particularmente aquelas desti-nadas a utilizadores de drogas por via injectável e a outros grupos vulneráveis, onde sobressaem as abordagens sociais, sanitárias e in-tegrativas. Creio tratar-se de um modelo composto por serviços de base humanitária, muito respeitador dos direitos humanos. É algo que estamos a tentar implementar nos serviços da Roménia onde, in-felizmente, a situação não é tão positiva, uma vez que estes tipos de

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11serviços não são apoiados pelo governo, senão numa ínfima propor-ção. As ONG tem desenvolvido um enorme esforço, que tem sido su-portado por doadores internacionais, como o Global Fund to Fight Aids, Tuberculosis and Malaria que, por exemplo, nos pagou esta vi-sita e a Romanian Angel Appeal Fundation, a que pertenço, que é quem suporta todos estes serviços. Este é um importante tema, por-que precisamos que o governo romeno se comprometa e apoie os serviços e os integre, bem como às ONG porque os programas go-vernamentais não chegam a estes grupos vulneráveis. Por isso, qui-semos vir cá, aprender a partir das vossas experiências mas igual-mente para podermos apresentar estes serviços aos membros do parlamento e aos representantes do governo, que pretendemos ver implementados no nosso país.

Sei que visitaram diferentes respostas…SA – Sim, visitámos uma unidade de diagnóstico de tuber-

culose, muito semelhante ao que temos na Roménia. O grande problema é que nós não temos todos os medicamentos neces-sários disponíveis e os tratamentos mais adequados para de-terminadas populações são pagos por doadores internacionais e esse apoio terminará no próximo ano, sabendo-se que o go-verno romeno não está preparado para financiar o tratamento. É um grande problema de saúde pública o que enfrentamos. Depois, visitámos um centro de abrigo, um projeto de redução de danos, serviços de que também dispomos mas que são su-portados por ONG, não havendo um plano de sustentabilidade para os mesmos.

No âmbito do PRI o CRI Porto Oriental organizou uma exposição de trabalhos realizados pelos utentes da Clinica do Outeiro, Asas de Ramalde e da Associação Paredes pela Inclusão social, que contou com uma casa cheia de utentes, técnicos profissionais e políticos, que viram e ouviram a ”arte representada” por excelentes actores nos mais diversos ofícios ali retratados.

A representação pela arte exposta foi abrilhantada por uma peça de teatro a cargo dos utentes da Asas de Ramalde, e terminada pelo coro dos utentes da Clinica do Outeiro, que assim puderam presentear os presentes daqueles territórios.

Segundo Jorge Barbosa “ estamos hoje aqui para demonstrar a importância destas parcerias entre o SICAD e o Poder local, como um património orientador das intervenções e projetos, que atuam em problemáticas de carácter multidimensional, como é o caso do uso e abuso de substâncias psicoativas, tipos e padrões de consumo”.

“É aqui e assim que se faz a integração, numa perspetiva de conjugação de esforços dos intervenientes, de rentabilização de re-cursos pelo estabelecimento de parcerias, tendo sempre em vista o interesse dos sujeitos a abranger e o conjunto da população, es-timulando a sua participação nas ações” disse.

“Por isso é fundamental que o modelo de intervenção no âmbito do consumo de substâncias psicoativas, seja entendido como um processo de mudança desejável no sentido de reforço da autonomia dos ‘territórios’ para a resolução de problemas, permitindo promover a realização de intervenções coerentes e sustentáveis no tempo.

Este é o modelo de intervenção que no âmbito do PORI concebe que a resposta aos problemas porque parte de um nível mais genérico, o das grandes opções e orientações, para propostas concretas que lhe dão corpo, de modo a garantir que as ações imple-mentadas não sejam soluções avulsas, mas resultem de uma visão de conjunto”. Concluiu Jorge Barbosa

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12Evento procurou reforçar laços entre parceiros da rede de referenciação:

CRI de Viseu organiza III Congresso dos

Comportamentos AditivosA Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência e o Centro de Respostas Integradas e a Escola Superior de Saúde de Viseu organizaram, no dia 13 de novembro, o III Congresso dos Comportamentos Aditivos. O evento decorreu no dia 13 de novembro de 2017, no Auditório da Escola Superior de Saúde de Viseu, onde foram aborda-dos temas como a rede de referenciação em CAD, pre-venção do comportamento aditivo e novas adições: desa-fios e intervenções.Dependências marcou presença no evento e entrevistou Patrícia Monteiro, Coordenadora do CRI de Viseu.

PATRÍCIA MONTEIRO, COORDENADORA DO CRI DE VISEU

“Espero que seja um futuro que comungue os princípios básicos”

Neste III Congresso dos Comportamentos Aditivos, elege-ram como tema fundamental a Rede de Referenciação… mas estamos a falar sobre uma rede que, ao que parece, se encon-tra muito desarticulada… Qual a sua opinião?

Patrícia Monteiro (PM) – Efetivamente, como foi referido na mesa, a rede é um documento importante e prático e não deveria ser apenas um belo livro para estar disponível numa mesa. Creio que a rede precisa de um grande movimento de di-vulgação e, sobretudo, de implementar o que ela própria preco-niza: que, primeiro, os parceiros envolvidos nestas diferentes respostas dos CAD a conheçam e, depois, se efetivem os dife-rentes circuitos que nela estão plasmados. Até ao momento, tem tido algumas dificuldades de implementação, fruto de um conjunto de fatores mas também, como os serviços já viveram melhores dias, a verdade é que o estado atual das coisas tam-bém se encontra um pouco em suspenso, no sentido de se per-ceber qual é exatamente a organização dos serviços. E, aí sim, talvez a rede seja um bom ponto de partida para nos sentarmos todos à mesma mesa e prestarmos a melhor resposta ao cida-dão.

Como é possível coordenar um setor hoje desarticulado e com respostas desintegradas?

PM – Do ponto de vista do CRI, é possível coordenar com muito trabalho e muito “sentar à mesa”. Por vezes, estes territórios um pouco mais pequenos até são favoráveis porque conseguimos essa desejada proximidade. Tentamos desbloquear sobretudo as situações que estão mais paradas ou que não funcionam tão bem, procurando os parceiros, sentando-nos à mesa com eles e defi-nindo internamente quais são os melhores circuitos para darmos a melhor resposta. Caso contrário, assistimos efetivamente ou a uma duplicação de respostas ou, na escassez de recursos, siste-mas que ficam a descoberto.

Também por isso estará este III Congresso a ser organiza-do quase exclusivamente com a prata da casa…

PM – Exatamente. É um congresso caseiro e que, efetivamen-te, pretende que estes vários alunos de enfermagem estejam sen-síveis a estas questões, que percebam o que existe, o que é a rede, que reflitam sobre a importância da prevenção e esta nova área das novas adições, mais comportamentais. É importante que estes eventos saltem cada vez mais para a comunidade, tragam mais gente e que as pessoas não olhem apenas para este tema na altura em que o mesmo lhes bate à porta.

E como prevê o futuro destes serviços?PM – Espero que seja um futuro que comungue dois ou três

princípios básicos. Sempre tivemos um modelo que nos orgulhou do ponto de vista da intervenção e que fez a sua história, não po-demos deixar que o mesmo seja prejudicado por questões organi-zacionais. Corremos o risco que se desagregue e, por isso, espe-ro que se mantenha uma política uniforme e comum a nível nacio-nal e que não esteja dependente da vontade de alguém que está num organismo que seja tutelado nessa altura. E precisamos de recursos. Espero que o futuro seja próspero nesta área e que se volte a ganhar o fôlego que sempre tivemos.

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13Unidade de Alcoologia de Coimbra fecha em beleza II Ciclo Temático de Formação:

A substância das respostas na voz de João Goulão

No dia 21 de Novembro, a Unidade de Alcoologia de Coimbra acolheu a última conferência inserida no II Ciclo Temático de Formação em Alcoologia que aquela institui-ção tem vindo a desenvolver ao longo do ano. A sessão foi dinamizada por João Goulão, que desenvolveu a co-municação “Dependências lícitas e ilícitas, com ou sem substâncias, e a substância das respostas aos problemas que colocam”. Esta sessão incidiu sobre a originalidade e a eficácia da resposta encontrada em Portugal para a pro-blemática das adições.Dependências associou-se ao evento e entrevistou João Goulão.

JOÃO GOULÃO

“A escolha do modelo a seguir dependerá de uma decisão política”

Perante uma plateia cheia de interessados, o que partilha-rá nesta sessão?

João Goulão (JG) - Venho participar nestas conferências, ini-ciativa da Unidade de Alcoologia de Coimbra que me parece intei-ramente meritória e, não trazendo propriamente uma apresenta-ção, gostaria de me disponibilizar para discutir com os profissio-nais que aqui vão estar alguns aspetos das nossas políticas. E também me parece fazer algum sentido contar um pouco da histó-ria, algo que tenho feito particularmente em contextos internacio-nais, sobre como foi desenvolvido o dispositivo existente em Por-tugal para dar resposta aos comportamentos aditivos, como che-gámos a algumas medidas emblemáticas como a descriminaliza-ção… Se calhar, faz sentido contar também aqui essa história a muitos profissionais que não a transportam já consigo. E gostava também de lançar à discussão outras questões que estão em cima da mesa. Embora não me furte a isso, tentarei evitar um pou-co a discussão em torno da parte política e organizativa que, como sabe, está pendente de decisões que espero sejam tomadas a curto prazo mas gostaria de falar de algumas questões, também políticas, que estão em cima da mesa, como a legalização da ca-nábis, relativamente à qual faz sentido auscultar e partilhar opi-

niões com profissionais do terreno. Mas será, acima de tudo, uma conversa próxima com estes profissionais, cujo convívio, a contra gosto, me vi privado nos últimos anos.

Porque estamos numa unidade de alcoologia e porque os indicadores resultantes do último inquérito aos consumos não se afiguram propriamente positivos, mas também porque muitos destes profissionais se queixam da escassez de re-cursos e da não renovação das equipas, o futuro parece ser incerto…

JG – Sim, é incerto… Essa é uma constatação e, infelizmente, não tenho alternativas nem meios para oferecer reforços a essas equipas. Não queria também que isto se transformasse numa ses-são de catarse porque, de facto, no modelo organizativo atual, o SICAD não tem nada a oferecer. Agora, talvez saia daqui um aler-ta para quem pode voltar a olhar para estas questões, para perce-ber que o dispositivo montado para enfrentar os comportamentos aditivos, seja das substâncias ilícitas, seja do álcool, está a ficar muito enfraquecido e, pedindo desculpa pelo plebeísmo, esse de-sinvestimento ou falta de investimento poder-se-á pagar com lín-gua de palmo daqui a uns anos. Portanto, é importante que haja um novo olhar, para além da questão organizativa porque também não tenho dúvidas de que, seja qual for o modelo organizativo a que cheguemos, no contexto atual, a escassez de meios será uma constante.

No último Lisbon Addictions, o Secretário de Estado da Saúde, Fernando Araújo, questionado pela Dependências acerca da indefinição que tinha resultado do relatório do gru-po de trabalho, afirmou que confiava na sua capacidade de li-derança para obter rapidamente um consenso…

JG – A verdade é que existem visões claramente distintas no seio do grupo de trabalho. Eu tenho uma e, embora seja o líder do grupo, não consigo forçar consensos. Penso que não haverá, de facto, um consenso, embora exista em coisas importantes, como a necessidade e conveniência de existir uma estrutura nacional coordenadora, responsável pela definição das políticas ou relati-vamente à necessidade de existirem unidades dedicadas a esta temática. Mas o busílis da questão reside em duas palavras ape-nas: integração versus articulação. Eu e alguns poucos elementos do grupo de trabalho somos favoráveis ao aprofundamento de uma articulação desta rede de serviços dedicados às dependên-cias com o resto do SNS, outros defendem uma integração, que é algo que não entendo muito bem o que seja… Francamente, esta semântica tem mantido a incapacidade de chegarmos a uma posi-ção consensual. Portanto, o que antecipo é que, mais uma vez, apresentaremos ao Sr. Secretário de Estado possibilidades alter-nativas e, em última análise, a escolha do modelo a seguir depen-derá de uma decisão política.

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14Unidade de Alcoologia de Lisboa celebra 50 anos:

Trabalho holístico, sistémico e em rede que faz escola em Portugal

A Unidade de Alcoologia de Lisboa (UAL) celebrou 50 Anos de existência com um encontro intitulado “Conta-me como foi, e agora… para onde vamos…?”. O evento ser-viu para revisitar meio século de história, com diferentes protagonistas e diferentes designações, numa unidade sempre fiel ao desígnio inicial que ditou o nascimento do Centro António Flores em 1967: Ao longo destas cinco dé-cadas de atividade ininterrupta, vários têm sido os cená-rios e os protagonistas, mas mantém-se o espírito que es-teve na origem do nascimento da Unidade, a 2 de abril de 1967, enquanto Centro António Flores: ter a porta aberta e cuidar de quem chega, sejam utentes, seus familiares ou amigos. O internamento baseia-se no modelo Minneso-ta, adaptado, com inspiração na filosofia dos 12 passos dos grupos de autoajuda dos Alcoólicos Anónimos..Estas Bodas de Ouro foram assinaladas no Fórum Lisboa, no dia 16 de Novembro de 2017, num encontro científico que reuniu diversos especialistas na matéria mas igualmente profissionais das áreas das artes e da cultura.A UAL, primeira unidade especializada no tratamento dos problemas ligados ao álcool no país, pensada no início dos anos 60, quando o consumo de álcool per capitaseria de 18 litros de álcool puro e existiriam cerca de 300.000 dependentes de álcool, já acompanhou mais de 31 mil utentes ao longo dos seus 50 anos de atividade. Só em 2017, até setembro, foram proporcionadas 11.140 consul-tas assistenciais e passaram 153 pessoas pelo interna-mento desta unidade da Administração Regional de Saú-de de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT). Em 2016, as con-sultas ascenderam a 13.912 e os doentes internados a 214.Dependências esteve presente no encontro, onde entre-vistou Ana Croca, coordenadora da UAL.

ANA CROCA

“Os jovens estão a beber muito e muito cedo”

A UAL celebra 50 anos de atividade… Certamente um marco que significa muito…

Ana Croca (AC) – 50 anos é de facto uma comemoração muito boa e um dia muito importante para nós porque representa 50 anos de trabalho de muitos profissionais na área da saúde e na área so-cial, essencialmente dentro da casa. Atualmente, trabalhamos muito em rede, numa equipa multidisciplinar, quando o utente chega é aten-dido por um técnico de referência com longa experiência na casa, que passa a gerir o caso desse doente, encaminhando-o para todas as valências necessárias, seja na unidade ou fora da mesma. Damos um apoio muito grande às famílias, fator que consideramos fulcral no tratamento, a quem realizamos palestras psicoeducativas, entrevis-tas e outras ações, sendo que as mesmas podem integrar grupos de tratamento em ambulatório. Em suma, oferecemos um significativo apoio à família porque entendemos que não basta tratar o doente al-coólico. Essa é apenas uma parte de todo o trabalho, que tem que ser muito mais vasto. Para mim, o alcoolismo é uma doença mental, sim, mas muito mais global, que vai muito para além da doença men-tal. É uma doença de muitos órgãos e sistemas do ponto de vista físi-co, que afeta toda a sociedade do ponto de vista social, afeta o traba-lho, afeta a família… É uma doença muito abrangente e temos que olhar para todas estas vertentes. Na unidade, trabalhamos inclusive com entidades patronais que se mostram disponíveis para ajudarem as pessoas que com eles trabalham… Somos atualmente poucos mas com muita experiência e privilegiamos sempre este trabalho ho-lístico, sistémico e em rede. Acreditamos que é isto que conduz a re-sultados razoavelmente positivos, sabendo-se que as estatísticas não são espectaculares nem a área é propriamente fácil.

Ao longo destes anos também vos foram sendo coloca-das algumas dificuldades a nível orgânico… Já passaram por inúmeras tutelas e serviços, o que, presumo, não tenha sido propriamente fácil…

AC – Não. Pessoalmente, enquanto coordenadora, já cheguei à UAL no tempo do IDT, quase na transição para a ARS mas conheço

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15a história da casa e muitos dos profissionais anteriores a mim, alguns dos quais acumulam já duas décadas de serviço, passaram por to-das estas tutelas. Não foram fáceis essas adaptações nem a inclusão com outras equipas noutras estruturas, tarefa que me parece hoje mais facilitada. Sinto hoje que integramos a atual estrutura como um par das outras equipas dentro da DICAD e da ARSLVT mas tem sido difícil pois enfrentamos muitas carências, seja ao nível dos recursos humanos, seja de material informático e até de materiais de limpeza. E, muitas vezes, sobretudo no que concerne aos recursos humanos, tem sido um transtorno, não por falta de atenção da ARS mas porque a própria também tem dificuldades em socorrer tudo isto.

Estes 50 anos atestam longevidade e qualidade… O co-nhecimento também terá evoluído muito…

AC – Sim, sem dúvida… Passámos de uma época em que não sabíamos exatamente que tipo de doença era esta, embora conhe-cêssemos as suas sequências. Hoje, sabemos que é uma adição, como as outras, que tem a ver com circuitos do sistema nervoso cen-tral, com o sistema de recompensa… Temos esses conhecimentos, resta-nos agir, ter técnicos para o efeito e olhar isto como uma doen-ça muito global. Às vezes, só muito tardiamente o doente percebe e aceita que está doente e pede ajuda e, quando pede ajuda, já se en-contra organicamente com muitas doenças. Muitos até param o con-sumo mas há outras doenças que já não param e continuarão a evo-luir e temos que estar preparados para tudo isso.

E ao nível do perfil deste doente e do fenómeno, como descreveria a evolução ao longo dos últimos anos?

AC – Ao longo dos últimos anos – e o último estudo indica-o – ve-rifica-se que os jovens estão a beber muito. Começam a beber cedo, a sua primeira experiência com o álcool é habitualmente por volta dos 16 anos e em padrões mais típicos dos nórdicos, com grandes quan-tidades de bebida numa única ocasião ou num curto período, o que contraria o tipo de beber dos povos mediterrânicos. Mas os jovens também ainda não vêm muito à nossa unidade ou, se vêm é por ou-tro tipo de consequências, porque foram apanhados a conduzir com álcool ou porque provocaram um ato de violência… A nossa unidade, maioritariamente, ainda atende pessoas de faixas etárias mais ve-lhas, pessoas já com mais comorbilidades médicas e não só e, em relação ao passado, também atende mais mulheres, que bebem de uma forma que tem vindo a crescer mas cujo problema do álcool leva muito tempo a ser detetado, especialmente entre as mais velhas. É encoberto durante muito tempo, não se vê, não se quer ver, nos ser-viços de saúde também não se questiona muito as mulheres relativa-mente aos hábitos de bebida… Ainda há um certo tabu ou receio de perguntar a uma mulher mais idosa se bebe, o que faz com que o

atendimento se atrase, a par das próprias vulnerabilidades da mulher, a quem o álcool produz maior dano, o que também contribui para que, quando chegam, já venham mais doentes, sendo que a doença também evolui mais rapidamente. Também por estas consequências, temos hoje no serviço muitas mais mulheres.

Tendo em consideração sobretudo essas duas faixas po-pulacionais, os jovens e as mulheres, não seria o momento de a própria UAL e outras congéneres do país, quebrarem barreiras físicas e virem para a rua, adotando uma abordagem de maior proximidade?

AC – Sim e a equipa da UAL faz isso, de alguma forma. Temos alguns elementos que integram a equipa de prevenção de Lisboa em conjunto com a equipa das Taipas, que trabalha muito nas escolas e que tem estado também presente no Dia da Defesa Nacional e em alguns festivais numa ótica preventiva. Temos também elementos afetos ao Corda Bamba, um projeto de apoio a jovens que funciona fora das instalações da UAL… A equipa está de fato a desenvolver ações fora do espaço da UAL, dirigidas a essas faixas mas, como sempre, luta com o problema da escassez de recursos para se dedi-car a tempo inteiro a esta atividade. São técnicos que estão um ou dois dias nesta vertente da prevenção, por exemplo, mas que têm que estar os outros dias na UAL, a trabalhar no tratamento como to-dos os outros porque não os podemos dispensar na totalidade.

O que pretenderam transmitir com este programa e com o encontro em geral?

AC – Por um lado, pretendemos claramente comemorar. É muito importante dar a conhecer o nosso serviço, mostrar o que esta unidade já foi capaz de fazer mas também como iremos fazer daqui para a frente: o que há de novo, inclusive nas neurociências, a que dedicamos uma conferência, na área médica, nomeada-mente nas neoplasias, de que pouco se tem falado mas que apa-recem em muitos doentes com grandes consumos de álcool… Quisemos trazer isso para a sociedade civil, para todos os interve-nientes e para que os que saibam menos disto possam ficar aler-tados. Queremos chamar a atenção para este problema que é o álcool, que continua a crescer, que continua a apresentar preva-lências de consumo muito elevadas no país. Temos que trabalhar mais, reforçar as equipas e vir para a rua se queremos combater este problema como combatemos outras dependências no passa-do, com muito sucesso e que, hoje, já têm uma expressão peque-na exatamente por esse trabalho que foi feito. Queremos que, face ao álcool, seja feito o mesmo: um grande trabalho para, daqui a uns anos, termos também uma prevalência bem mais baixa.

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16Evento promovido pelo Núcleo Territorial do Eixo Fundão–Covilhã:

II Seminário “Dependências: Saber Mais para Arriscar Menos”

O Núcleo Territorial do Eixo Fundão–Covilhã, no âmbito do Plano Operacional de Respostas Integradas (PORI), pro-moveu o II Seminário subordinado ao tema “Dependên-cias: Saber mais para Arriscar menos”, realizado no dia 23 de novembro, na Faculdade de Ciências Sociais e Huma-nas da Universidade da Beira Interior, na cidade da Covi-lhã.O Núcleo Territorial do Eixo Fundão-Covilhã, criado em 2008, no âmbito do PORI - medida estruturante ao nível da intervenção integrada que procura potenciar as sinergias e os recursos disponíveis num dado território, com o obje-tivo de reduzir a procura de substâncias psicoativas e congregar esforços com um fim comum que visem imple-mentar e desenvolver respostas que colmatem as neces-sidades identificadas em diagnóstico - tem vindo a desen-volver um trabalho meritório e relevante no contexto da problemática. Este núcleo funciona com uma composição representativa da comunidade pública e/ou privada con-tando com um conjunto de parceiros dos concelhos do Fundão e da Covilhã, nomeadamente as Câmaras Munici-pais, a Associação Beira Serra, a Associação Terras da Gardunha, as Escolas e Agrupamentos de Escolas, a UBI, o CHCB, o ACES da Cova da Beira, o Centro de Formação da Associação de Escolas da Beira Interior, a Associação de Estudantes da UBI, entre outros.Pretendeu-se com este seminário enquadrar localmente o Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e Dependências, divulgar boas práticas e resulta-

dos dos projetos em execução a nível local, refletir acerca dos riscos associados às dependências com e sem subs-tância e, finalmente, permitir a articulação integrada e complementar das intervenções existentes no território de forma a Saber Mais para Arriscar Menos.O Seminário foi organizado em quatro mesas dinamizadas por personalidades de reconhecido mérito nestas áreas e estrutura-se numa sequência de exposição seguida de debate introduzido pelo respetivo moderador.Este seminário teve como público alvo as entidades locais públicas e privadas, os destinatários e parceiros dos pro-jetos, os técnicos que trabalham na área das dependên-cias e/ou saúde, os professores, os estudantes de socio-logia, psicologia e medicina ou ainda a comunidade e pessoas interessadas nesta temática.Dependências acompanhou o evento e entrevistou o coor-denador da equipa local, João Fatela.

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17JOÃO FATELA DAVIDE

“Apesar de tudo conseguimos manter as respostas”

Porquê a adoção do tema “Saber mais para arriscar me-nos” para este seminário?

João Fatela (JF) – Esta é a segunda edição deste seminário, que teve uma primeira edição há quatro anos atrás como um modo de di-vulgarmos o serviço e os projetos implementados no terreno, dando--os a conhecer à comunidade. E é nessa sequência que surge este tema: oferecer mais conhecimento para que o público-alvo, normal-mente mais preenchido por jovens, possa realmente arriscar menos.

Entretanto, há seis anos, aquando dessa primeira edição, as próprias respostas eram diferentes, integradas, ao contrá-rio do que hoje sucede… O que se passou, afinal?

JF – Na realidade, houve uma mudança de origem política que levou a que os serviços ficassem divididos. E essa divisão le-vou a que o tratamento viesse para as ARS e, o nível da concep-ção teórica sobre os planos de ação e como atuar, ficou no SI-CAD. A verdade é que as ARS e o SICAD nunca conseguiram, até ao momento, entender-se e, como tal, no terreno, verifica-se em muitos casos essa desarmonia. Mas diria que, de um modo geral, havendo também a cultura instituída proveniente do antigo IDT, pelo menos nos territórios em que já atuávamos, fomos mantendo o mesmo tipo de intervenção. Foram surgindo novos projetos e minimizando eventuais perturbações.

Quer dizer que, apesar de a decisão política ter resultado na extinção do IDT, vocês, profissionais, continuaram a traba-lhar com se este organismo ainda existisse?

JF – Sim, é um bocado isso também… Se é verdade que, ao nível da expansão de novos projetos e intervenções, a dinâmica anteriormente existente foi quebrada, pelo menos o que estava no terreno foi mantido.

Neste seminário, fala-se também dos jovens de hoje… Jo-vens esses que parecem não ter grande percepção do risco relacionado com o consumo nocivo… O que se passa a este nível neste território em particular?

JF – Creio que esta zona será um reflexo do que se passa a nível nacional. Hoje, os jovens não estão a enveredar pelos con-sumos clássicos, pelo que não nos surgem muitos casos de pedi-dos de primeiras consultas relacionados com dependências de heroína ou cocaína e, por outro lado, constatamos que os consu-mos de álcool e de canábis são desvalorizados. Neste momento, os jovens consideram-nas drogas de recreio perfeitamente inó-cuas e tem-se verificado uma exagerada subida até nos pedidos de consulta porque, na verdade, essa percepção que manifestam não corresponde minimamente à realidade. Por um lado, os con-sumos exagerados de álcool acarretam consequências de degra-dação dos próprios jovens e, por outro lado, também sabemos que a própria canábis foi adaptada aos consumos, com uma con-centração muito elevada de THC que tem gerado dependência.

Que balanço faz deste seminário?JF – Este seminário está a decorrer bastante bem. Houve

uma grande adesão, na ordem das 170 inscrições, o que até su-perou as nossas expectativas, com uma presença muito significa-tiva de jovens em idade escolar e creio que esta experiência se revelará útil para todos.

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18Cidade do Porto acolheu evento organizado pelo GIHEP:

Saúde do fígado e inclusão em debate multidisciplinar

O GIHEP - Gastroenterology and Hepatology Porto Trai-ning Center organizou, com o apoio do Serviço de Gas-trenterologia do Centro Hospitalar São João e da Faculda-de de Medicina da Universidade do Porto, o encontro científico A Saúde do Fígado e o Roteiro pela Inclusão. O evento decorreu no dia 24 de novembro, no Palácio do Freixo, no Porto. Entre o programa científico do encontro, foram abordados muito transversais e perspectivados numa óptica integrada, o que resultou numa sala cheia e na captação do interesse mediático, por parte de diversos órgãos de informação. O estudo do fígado foi holistica-mente versado, tendo incluído comunicações e discus-sões de temas como a “Intervenção na adição e depen-dência: O caso Português”, numa conferência da autoria de João Goulão, “Inclusão social e reinserção: Perspetiva médica”, “A saúde do fígado como veículo de inclusão”, “O que faz uma instituição hospitalar e académica ser in-clusiva?”, “A saúde do fígado como veículo de inclusão” e “Pode a medicina narrativa integrar uma estratégia inclusi-va?”.Dependências esteve presente no encontro e entrevistou Guilherme Macedo, responsável pela organização, e Celso Manata, Diretor-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais.

GUILHERME MACEDO

“Existem comporta-mentos assumidamente de risco que acabam por afetar todos nós”

Fala-se muito neste evento em integração e inclusão… In-clusão relativamente à multidisciplinaridade e à democratiza-ção do acesso a novos utentes… Em que medida estarão es-ses vectores plasmados na concepção do programa?

Guilherme Macedo (GM) – Sim, está. Essencialmente, o conceito de integração e de inclusão é dirigido aos doentes que pertencem a franjas da sociedade relativamente aos quais tem que haver uma atenção redobrada e inclusiva. Mas esse esfor-ço de inclusão cognitiva e conceptual dos médicos, de uma ma-neira geral, mas também de outras estruturas de profissionais da saúde, passa por eles próprios terem no seu espírito uma vi-são inclusiva do assunto. Não é possível criar uma rede de arti-culação para garantir proximidade a estes doentes sem haver um conceito filosófico de base, humanista e dedicado à causa de servir que tem que alimentar esse caminho.

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19Nos últimos tempos, a Hepatite C tem estado na agenda,

sobretudo devido à nova áurea trazida pelos novos tratamen-tos farmacológicos… Não poderá correr-se o risco do esque-cimento em torno de outras patologias graves no que concer-ne à saúde do fígado?

GM – Uma das coisas que não fazemos neste tipo de reu-niões é dar protagonismo exclusivo à Hepatite C. Esta dominou até o próprio circo mediático, nos últimos anos, entendo que deveria dominar ainda mais porque o assunto não está resolvi-do mas isso é apenas um pretexto adicional para nos lembrar a todos que a saúde do fígado se faz tendo em atenção vários outros componentes, nomeadamente as que concernem ao comportamento individual e ao da sociedade. Por isso é que aqui, logo na introdução deste encontro, foram apresentadas imagens de artistas e outras individualidades que, pelo seu exemplo e testemunho, mostram de alguma forma à sociedade que existem comportamentos assumidamente de risco que acabam por afetar todos nós.

Entretanto, e porque também se fala de Hepatite C, a ver-dade é que apesar desta esperança traduzida nos tratamen-tos ainda existem franjas populacionais em risco e outras por diagnosticar… Deu aqui um exemplo, através do Centro Hos-pitalar São João, nomeadamente no projeto de intervenção nos estabelecimentos prisionais mas ainda existirão popula-ções à margem…

GM – Sim e para não ir muito longe basta falarmos em to-dos os outros estabelecimentos prisionais que ainda não têm esse programa. O nosso, no âmbito do qual é a nossa equipa que se desloca aos estabelecimentos prisionais de Santa Cruz do Bispo e de Custóias, foi um projeto piloto, que está a correr de uma forma extraordinária, temos muitas dezenas de doentes curados e, como tal, esse impacto está garantido de imediato. A questão é reproduzir este conceito, que também não entendo que deve ser pulverizado. Não penso que seja razoável esperar que 25 instituições de saúde vão aos estabelecimentos prisio-nais, o que não é prático nem realista, mas interessa concen-trar alguns esforços para que possamos ir a todo o lado, como provámos ser possível fazer-se. E quem manifesta este esforço

de procura inclusiva do tratamento dos reclusos, obviamente incorpora no seu conceito uma disponibilidade para integrar to-das as outras franjas sociais no seu percurso. Agora, a proximi-dade a essas franjas é um território que é preciso construir.

CELSO MANATA, DIRETOR-GERAL DA REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS

“Com esta nova abordagem evita-se o feito estigmatizante”

Este encontro remete para um roteiro pela inclusão… Sendo os estabelecimentos prisionais uma primeira plata-forma para a inclusão de indivíduos que cumprem penas, pergunto-lhes se os mesmos já fazem parte deste roteiro ou se, pelo contrário, ainda haverá muito a fazer?

Celso Manata (CM) – Há certamente muito ainda a fazer mas estamos no bom caminho e, sobretudo, estamos muito bem acompanhados. De facto, desde fevereiro de 2016 (mo-mento a partir do qual passei a exercer, pela segunda vez, a função de Diretor-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais) tenho constatado uma atitude de grande aproximação e colabo-ração por parte dos serviços do Ministério da Saúde.

O tema que está a ser tratado neste seminário insere-se, aliás, numa das áreas onde essa extraordinária colaboração tem ocorrido, podendo mesmo ser invocado como um caso paradig-mático de boas práticas. De facto: em Janeiro de 2017 a DGRSP assinou um protocolo com o Centro Hospitalar de São João no sentido de serem os médicos do serviço de hepatologia a desloca-rem-se ao Estabelecimento Prisional do Porto para aí tratarem os reclusos portadores de Hepatite C; em Junho já estávamos a alar-

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20gar o âmbito do Protocolo ao Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (feminino); e, quando estávamos a concluir as ne-gociações com o Centro Hospitalar Santa Maria para estender essa articulação à região de Lisboa, os Srs. Secretários de Estado Adjuntos da Saúde e da Justiça produziram um despacho que, de-signadamente, determinou que essa articulação passasse a ocor-rer em todas as prisões do país.Todo este processo é um excelen-te exemplo de boas práticas, quer no que concerne à gestão dos recursos públicos – permitindo-nos fazer mais com menos recur-sos -, quer do ponto de vista da defesa dos direitos humanos, por-que estamos a tratar os cidadãos reclusos com maior dignidade.Com efeito e no que se reporta ao primeiro aspeto, repare-se que através de uma única deslocação à prisão o profissional de saúde atende de um conjunto alargado de reclusos os quais, antes do protocolo, tinham de ser transportados em diversas deslocações ao hospital, o que envolvia uma significativa mobilização de meios (v.g. guardas prisionais e carros celulares) e uma multiplicação de consultas. Por outro lado – e seguramente mais importante – com esta nova abordagem evita-se o feito estigmatizante (diria mesmo degradante) de alguém, por estar doente, ter de ser conduzido a uma consulta num local público, escoltado e algemado…

Acrescentaria que estes protocolos são apenas um exemplo da excelente articulação que atualmente existe entre os Ministé-rios da Saúde e da Justiça. Essa articulação está a ser orientada e dinamizada através de um grupo de trabalho criado há alguns me-ses pelos Srs. Ministros da Saúde e da Justiça e que integra mem-bros dos gabinetes ministeriais e também elementos das direções gerais de ambos os departamentos governamentais. A sua missão consiste em fazer o levantamento exaustivo das necessidades da área da saúde nas prisões e nos centros educativos e, em se-quência, definir respostas para tais necessidades. A circunstância de, no mesmo grupo, se encontrarem representantes da área po-litica e da área técnica tem -se revelado muito positiva, obtendo-se mais-valias evidentes das sinergias criadas através da associação da sensibilidade política ao conhecimento técnico. Com efeito, desta forma produzem-se, obviamente, soluções muito melhores e, sobretudo, respostas exequíveis e que temos a garantia de se-rem executadas, na medida em que o grupo também monitoriza os resultados do seu trabalho.

Finalmente queria ainda referir que, neste percurso, temos por diversas vezes acolhido soluções inovadoras e que, por isso, merecem destaque. A título de mero exemplo posso aludir à articulação em curso com os Serviços Partilhados do Ministé-rio da Saúde, através da qual iremos partilhar a informação cli-nica sobre os reclusos e jovens que se encontram internados em centros educativos e lançar, muito em breve, a telemedicina nos estabelecimentos prisionais de Portugal.

Tem sido fácil esse diálogo num país onde a saúde e a justiça têm andado há vários anos de costas voltadas?

CM – Tem sido muito fácil! Como dizia, nestes 24 anos que levo a trabalhar nesta área dos serviços prisionais - quer em Portugal quer no estrangeiro (exerci funções inspetivas de pri-sões e de outros lugares de privação da liberdade durante 11 anos em representação do Conselho da Europa) -, nunca tinha sentido tão grande aproximação e tão boa relação, quer ao ní-vel do poder político, quer ao nível da organizações que inte-gram a administração. E, já agora, permita-se-me sublinhar que, para além da redução de custos que desta forma estamos a alcançar e de um tratamento mais condigno que está a ser proporcionados às pessoas privadas da liberdade, também es-tamos a promover uma intervenção mais oportuna e mais efi-caz para esses cidadãos e para a população em geral.

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21A propósito da oportunidade da intervenção repare-se que,

atualmente, recebemos o recluso sem qualquer informação ao nível da saúde. E de acordo com o Código de Execução de Pe-nas ele tem que ser entrevistado pelos serviços de saúde em 24 horas e visto por um médico em 72 horas. Ora, não tendo qualquer informação sobre esse indivíduo, é perfeitamente compreensível que o médico prescreva um conjunto (muitas vezes alargado e extremamente dispendioso) de exames e de meios auxiliares de diagnóstico que, frequentemente, já foram realizados na comunidade. Através da articulação que estamos a fazer com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde essa situação deixará de ocorrer pois toda a informação clinica do indivíduo que entra numa cadeia está disponível para os profissionais de saúde que aí exercem funções.

Por outro lado, também beneficia a sociedade porque todos os registos clínicos produzidos durante o tempo em que alguém esteve preso passarão a estar disponíveis no Sistema Nacional de Saúde. Desta forma se obtém uma relevante redução de custos mas também uma intervenção mais oportuna ao nível da prestação de cuidados de saúde

Finalmente e ainda a propósito da proteção da sociedade, repare-se que o tempo de prisão muitas vezes é uma oportuni-dade única para tratar um conjunto de indivíduos que, muitas vezes padecendo de doenças contagiosas, só em reclusão conseguem fazer o tratamento de que necessitam. Na verdade, na prisão é possível contata-los regularmente, verificar o seu estado de saúde e, através da toma assistida da medicação, garantir que realizam até ao fim o tratamento adequado.

Tenho estado a abordar os problemas de saúde dos reclu-sos e dos jovens integrados em centros educativos mas é tam-bém importante prestarmos atenção ao que se passa com os funcionários.

A atividade dos funcionários da DGRSP – nomeadamente nas prisões e nos centros educativos – é realizada num am-biente muito “pesado”, no qual se convive diária e repetidamen-te com sentimentos muito negativos como a amargura, a an-gústia, o medo, o desespero, a frustração, a raiva e a desola-ção de vidas destroçadas de seres que, amiúde, nunca tiveram os apoios de que necessitavam. Para além de ter de suportar e

compreender essa realidade, os funcionários têm de promover atitudes positivas e incutir motivação para que estas pessoas acreditem num projeto que as integre na comunidade e lhes propicie uma vida feliz. Ora esta é uma missão extraordinaria-mente complexa, muito desgastante e amiúde mal compreendi-da, que pode conduzir a dependências diversas, em especial do álcool e de substâncias estupefacientes. Quando (re)iniciei funções deparei-me com uma total ausência de normas que combatessem o consumo de álcool e de drogas e uma comple-ta inexistência de qualquer abordagem de apoio e tratamento a esses funcionários. Ora tal situação era inaceitável, não só pe-las razões que já referi mas também porque entre os trabalha-dores da DGRSP existe o Corpo da Guarda Prisional que é uma corporação armada e que, por vezes, tem de recorrer à força. Para resolver essa situação apresentei proposta de lei sobre o controlo do consumo de álcool e de droga no Corpo da Guarda Prisional que já foi aprovada na Assembleia da Repú-blica. Porém, até à presente data não foi utilizada nem o será enquanto a DGRSP não dispuser de um serviço de medicina no trabalho que propicie tratamento aos funcionários que, sendo adictos do consumo de álcool e de drogas, estão disponíveis para resolverem esse problema. Com efeito não me parece jus-to começar a punir os guardas prisionais sem lhes dar uma oportunidade de se tratarem. Assim, ao mesmo tempo que pro-movíamos a aprovação da referida lei, começámos a programar a criação da unidade medicina no trabalho, que entrará em fun-cionamento no primeiro trimestre de 2018. Naturalmente que, também para a implementação desta importantíssima unidade, estamos a contar com o apoio dos serviços do Ministério da Saúde.

Em conclusão, estou muito contente com a articulação que temos tido com o Ministério da Saúde. Sabemos todos que te-mos muito por fazer. Contudo, no balanço que fazemos do tra-balho já realizado encontramos já resultados palpáveis e muito encorajadores, o que é muito positivo, não apenas porque esta-mos a caminhar no sentido correto, mas sobretudo porque o estamos a fazer de mãos dadas com os serviços do Ministério da Saúde, o que nos dá uma garantia acrescida de que o Futu-ro pode ser risonho.

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22Socidrogalcohol organiza una Jornada Nacional sobre el estigma de la persona con trastorno adictivo:

El estigma se combate entendiendo la adicción como una enfermedad común

que tiene tratamiento15 de dezembro – MADRID. Las adicciones constituyen,

según la Organización Mundial de la Salud, un trastorno mental y no un problema de voluntad o vicio. La adicción no puede ser separada de sus contextos familiares, económicos, psicológi-cos, culturales, políticos, legales…; no es solo una consecuen-cia del mal funcionamiento cerebral, ni de los cambios que efectivamente se producen en el cerebro. Las condiciones am-bientales ponen en diferente contacto a las personas con las drogas, y además de los factores individuales (biológicos y de aprendizaje), determinan la vulnerabilidad a la adicción.

Cualquier persona puede desarrollar una adicción, tanto a drogas como a comportamientos (juego), si se encuentra someti-da a estos factores, que incrementan la vulnerabilidad hacia la adicción, pues nadie la elige. Dado que la mayoría de personas que usan drogas, legales o ilegales, no desarrollan una adicción, cuesta comprender que haya algunas que no puedan controlar su consumo. “Comprender que la adicción es una enfermedad produ-cida por multitud de factores es imprescindible para poder comba-tir el estigma”, así lo ha explicado en la Jornada Nacional “El estig-ma en la persona con trastorno adictivo”, Francisco Pascual, pre-sidente de la sociedad científica Socidrogalcohol.

La adicción es un complejo trastorno biológico, psicológico y social que necesita ser guiado por varias aproximaciones clí-nicas y de salud pública. Gracias a considerarla como una en-fermedad común y no un vicio, se han desarrollado medidas preventivas, tratamientos y políticas de salud pública eficaces para abordarla. La adicción puede ser de baja gravedad, sobre-

todo en su fase incial, pero su gravedad tiende a intensificarse con el paso de los años y en relación a las diversas consecuen-cias negativas. El tratamiento de una adicción en su fase inicial es más sencillo y permite detener el curso progresivo de la adicción, evitando así sus consecuencias negativas futuras.

Sin embargo, la mayoría de las personas con una adicción no han hecho nunca un tratamiento. Al tomar sus propias deci-siones, en muchas ocasiones, en lugar de recuperarse se van “hundiendo” progresivamente. Por ello, en muchos casos re-quieren un tratamiento especializado por parte de un equipo de diversos profesionales (médicos, enfermeras, psicólogos, psi-quiatras, trabajadoras sociales…) expertos en conductas adicti-vas, ya que las consecuencias de la adicción tienen repercusio-nes biológicas (modificaciones neurobiológicas en cerebro), psicológicas (cambios cognitivos, conductuales y emocionales) y sociales (familiares, económicas, laborales y legales).

Son factores biopsicosociales los que intervienen en la gé-nesis de la adicción y en su mantenimiento, y también las con-secuencias son biopsicosociales, lo que hace necesaria la in-tervención multidisciplinar. Precisamente es este enfoque multi-causal el que permite explicar de manera interactiva el desar-rollo de un proceso adictivo y al mismo tiempo realizar un abordaje integral. En este modelo integrador se da la misma prioridad a todas las dimensiones de la persona, individualizan-do el tratamiento y centrándolo en ella y no en las sustancias. Por ello ya son décadas de estrecha colaboración entre distin-tas disciplinas en el campo de las adicciones.

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11La adicción es un proceso perfectamente recuperable, por

grave que sea. La adicción es tratable, y el mejor tratamiento es aquel que combina intervenciones psicosociales con medica-mentos específicos para la adicción. Y la recuperación de la adicción requiere además un cierto compromiso y una partici-pación activa por parte del paciente, siguiendo las instruccio-nes de los profesionales que le atienden.

Reducir el estigma sobre las personas que sufren una adic-ción favorece tanto su incorporación a un tratamiento especiali-zado como su posterior recuperación. Las personas con adic-ciones deben tener fácil acceso a un modelo asistencial multi-disciplinar y a recibir una asistencia integral y de calidad, basa-da en el conocimiento científico, y en igualdad de condiciones que el resto de usuarios del sistema sociosanitario, evitando así que se les estigmatice. Este, entre muchos otros, es uno de los objetivos y reivindicaciones que Socidrogalcohol ha hecho hoy en el marco de esta jornada sobre el estigma que ha tenido lugar en el CaixaForum de Madrid.

La gran mayoría de las personas con problemas de adic-ción sufren el rechazo social y son apartados y estigmatiza-dos por la sociedad y por ellos mismos (autoestigma). Los recursos asistenciales para atender a estas personas tam-bién refuerzan en muchas ocasiones este estigma al situarse en lugares apartados de los hospitales o centros de salud. Se alejan así la normalización de una enfermedad que sigue estando mal vista. Las administraciones en general olvidan la importancia de invertir en la recuperación de estas perso-nas, desconocen que el ahorro que podría producirse al in-vertir en prevención es mucho mayor que el coste que ahora se debe hacer desde la sanidad pública para hacer frente a multitud de enfermedades derivadas la conducta adictiva. To-das las dimensiones, las sociales, asistenciales, la preven-ción, los recursos administrativos, todos están impregnados por el estigma.

El estigma tiene el potencial de impactar de forma negativa en diferentes parcelas de la vida, como el empleo, la vivienda o las relaciones sociales. El estigma afecta a muchos niveles in-cluida una pobre salud mental y una debilitada salud física. Im-plica un retraso en la puesta en tratamiento, en la recuperación y en los procesos de reinserción. También aumenta las posibili-dades de verse implicado en comportamientos de riesgo. Mu-

chos estudios han demostrado que el estigma es una barrera significativa para acceder a los servicios de salud y a los servi-cios de tratamiento por uso de sustancia.

La campaña de sensibilización lanzada desde SOCIDRO-GALCOHOL intenta concienciar acerca de esta realidad. Hoy además se ha presentado el cómic ‘Alas libres’ con el que el protagonista de la campaña, un pájaro, intenta explicar median-te su relato qué es el consumo, cómo se desarrolla una adic-ción, qué y cómo se sufre el estigma y cómo se puede acceder al tratamiento y combatir el estigma.

Esta Sociedad Científica afirma que es imprescindible

entender la dimensión integral de la enfermedad para combatir

el estigma

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24Entrevista com Nuno Fonseca, Presidente da Junta de Freguesia de Rio Tinto:

“Numa sociedade plena, os direitos e os deveres são iguais para todos”

NUNO FONSECA, PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA DE RIO TINTO

“Temos um capital humano e associativo muito grande”

Que principais problemas sociais diagnostica na fre-guesia de Rio Tinto, que justificam esta aposta na inclusão social?

Nuno Fonseca (NF) – Os problemas sociais que temos são aqueles naturalmente ligados a uma cidade com 60 mil habitan-tes. Rio Tinto é uma freguesia muito urbana, de uma dimensão relativamente pequena mas com uma densidade populacional muito elevada em toda a sua área. Ao nível da tipologia, é uma cidade muito semelhante a qualquer freguesia dentro da cidade do Porto. Aliás, é uma freguesia virada para o concelho do Por-to, com uma oscilação de pessoas e de veículos muito grande para o interior da cidade do Porto… Os meios de transporte es-tão muito próximos à grande cidade e, portanto, apresentamos os mesmos problemas que afetam os grandes centros urbanos.

Tem esses problemas mas não possui competências para os resolver…

NF – As competências são sempre limitadas mas o que não temos é um pacote financeiro para as resolver. Qualquer autar-quia deste país, seja município ou freguesia, está a trabalhar acima das suas competências escritas. Quando temos, por exemplo, uma competência que nos diz que devemos apoiar iniciativas da área da ação social, estamos perante um chapéu onde cabe praticamente tudo. O que não temos muitas vezes é capacidade financeira para criarmos projetos que resolvam os problemas. Agora, também temos um capital humano e asso-ciativo muito grande, que permite que, através de muitos proje-tos, se consiga dar uma resposta às pessoas.

Em que medida poderia resultar um melhor nível de vida para todos se esse pacote financeiro fosse melhor dis-tribuído e contemplasse, de forma mais justa, as fregue-sias, lugar da democracia por natureza?

NF – Não haja a menor dúvida! Qualquer pessoa consegue, facilmente, demonstrar isso. Quanto mais próximo estiver o pode de decisão do problema, mais atenção existe aos porme-nores. E quanto maior for a atenção face aos pormenores mais racionalmente são geridos os recursos, conseguindo-se fazer mais com menos. Isto acontece com a descentralização dos municípios para aas freguesias, como acontece com a descen-tralização do Estado para os municípios e creio que seria muito pertinente a existência de outro poder de decisão intermédio. No caso da freguesia, quando falamos em problemas, nós co-nhecemo-los; quando falamos de pessoas, nós conhecemo-las. Não estamos a falar em situações abstratas nem em números; estamos a falar de pessoas com quem nos cruzamos na rua. A diferença é exatamente essa.

Quando se diz que todos somos iguais no que concer-ne a direitos e regalias, pergunto-lhe se os toxicodepen-dentes também estarão incluídos nesse grupo de iguais…

NF – Obviamente! Quando estamos a falar em direitos, é tudo igual. Não falamos em toxicodependentes mas sim em ci-dadãos e, numa sociedade plena, os direitos e os deveres são iguais para todos. Se fugirmos a isso ou tivermos dúvidas, en-traremos em caminhos muito perigosos.

Em resposta às necessidades que tem, a Junta de Fre-guesia de Rio Tinto contratou, sem prazo, uma pessoa que foi consumidora de drogas. Foi uma tentativa de descrimi-nação positiva ou o valor que a pessoa demonstrou na sua candidatura que pesou na contratação?

NF – Foi sem dúvida o valor que a pessoa apresentou na sua candidatura. Aliás, eu conhecia o percurso de vida da pes-soa em causa mas desconhecia pormenores. Houve um con-curso público e enquadramos este candidato no mesmo pata-mar dos demais. Se existe aqui um mérito, o mesmo deve-se claramente ao cidadão envolvido, que conseguiu dar a volta e estar hoje num patamar que lhe permite concorrer com outros que nunca tiveram esse tipo de problemas.

Conhecendo o percurso deste candidato, não criou qualquer condicionamento ou obstáculo à contratação?

NF – Não. Até porque não coloquei nenhum entrave no pro-cesso de concurso. E os membros do júri também conheciam a pessoa em questão, porque fez parte de projetos de reinserção na Junta por mais do que uma vez. Como nunca houve, desde que presta apoio na Junta, nenhum tipo de conflito, ganhou o nosso respeito e reconhecimento e é para nós um trabalhador como outro qualquer.

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25

A freguesia de Rio Tinto encontra-se muito próxima de vários bairros problemáticos e de tráfico da cidade do Por-to… Nota alguma influência?

NF – Diretamente não. De vez em quando, existe alguma pequena criminalidade relativamente à qual recebemos a infor-mação por parte das forças policiais de que é “importada”… Vêm a Rio Tinto, provocam pequenos furtos e voltam a sair e poderão ser do Porto ou de freguesias aqui ao lado. Dizer que existe uma migração de conflitos não me parece correto.

Existe algum foco de concentração de toxicodependên-cia na cidade?

NF – Não… o que existe e é residual, está espalhado pela freguesia. Aliás, Rio Tinto não é uma cidade problemática a esse nível. Nem temos, por exemplo, o fenómeno dos sem--abrigos como existe na cidade do Porto…

Que importância assume esta tradição associativista presente em Rio Tinto para a intervenção da Junta de Fre-guesia?

NF – Diria que essa é a grande qualidade e mais-valia que Rio Tinto tem: são as pessoas. Há três anos atrás, decidimos proceder a uma mudança da imagem institucional da freguesia, com a criação de um novo logótipo, de uma nova identidade que incluísse tradição. Havia uma imagem um pouco deprecia-tiva sobre Rio Tinto, injusta, de que este território era um mero dormitório do Porto, onde nada se passava nem acontecia. E tudo isto resultava em barreiras para o trabalho desenvolvido pelas IPSS, pelas escolas, das associações e era preciso criar-mos alguma mudança. Então, apostámos numa nova imagem,

com uma lenda com dez séculos de existência que dá nome à cidade de Rio Tinto. Uma lenda que revela que Rio Tinto já ti-nha uma localização geográfica muitíssimo importante quando da criação da cidade do Porto. Éramos a primeira vila situada depois do Porto e antes da serra de Valongo, sabendo-se que era um vale, tinha um rio, um mosteiro, tudo isto resultando num importante interface. Então, decidimos apostar nisso e, juntamente com o logótipo, temos um slogan: Rio Tinto somos todos nós. O que confere primazia às pessoas e ao trabalho que desenvolvem cá dentro. Não temos uma estância balnear nem neve mas temos uma valência e uma qualidade ímpar, que são estes 60 mil habitantes e tudo o que estes fazem. E temos aqui de tudo: temos pessoas famosas no país em diversas áreas que são rio tintenses e temos associações, escolas e IPSS do melhor que existe a nível nacional.