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Trabalho de TGI de Juliana Wadopchen

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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS

CURSO DE BACHARELADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICAHABILITAÇÃO EM ARTES PLÁSTICAS

ENTREATOS

Trabalho de Graduação Interdiciplinar,vinculado à disciplina Desenvolvimento de

Projeto Integrado II, apresentado comoexigência parcial para obtenção de certificado

de conclusão de curso.

Aluna: Juliana Veinert BorjaOrientadora: Geórgia Kyriakakis

Sao Paulo, junho/2008

BORJA, Juliana Veinert

ENTREATOS, Juliana Veinert BorjaTrabalho de Graduação Interdiciplinar - FAP/FAAP - São Paulo, 2008.

1. Espaço 2. Não- lugares 3. Tempo virtual 4. Vídeo-instalação.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer primeiramente a todos os artistas e trabalhos que me influenciam e contribuem na minha produção plástica. A todos os pensadores, filósofos e críticos que me ajudaram e me ajudam a construir e estruturar um pen-samento crítico e conceitual a respeito da arte e da vida. A todos os professores e mestres, que através de muita paciência instruíram, educaram e expandiram o olhar, a sensibilidade e o conhecimento a cerca do campo da arte. A minha orien-tadora, por todo o tempo despendido, a todas as trocas de idéias sem a qual seria impossível a realização deste trabalho. A colaboração dos amigos e principalmen-te do meu companheiro, que esteve ao meu lado em todos os momentos deste processo. E finalmente aos meus pais por sempre terem apoiado e incentivado as minhas escolhas.

SUMÁRIO:

1. Introdução ___________________________________________________09

2. Entreatos ____________________________________________________13

3. Reflexões sobre o espaço (alteração da percepção de espaço) _________21

4. Tempo Virtual (um novo tempo) __________________________________31

5. A obra e seu meio (vídeo-instalação) ______________________________41

6. Sobre o processo de criação e trabalhos anteriores ___________________51

7. Referências __________________________________________________71

8. Bibliografia ___________________________________________________83

8.1 Bibliografia eletrônica (fonte de imagens) __________________________85

I N T R O D U Ç Ã O :

Hoje em dia as pessoas estão cercadas de máquinas de comunicação cada vez mais potentes e atraentes. As novas tecnologias nos possibilitam comu-nicar e conectar, a qualquer momento, todas as partes do mundo. Basta apertar um botão e as viagens mais distantes se transformam em meros entreatos. A inclusão midiática em nossas vidas altera completamente a noção de tempo e espaço. Segundo o pesquisador e artista André Parente “...haverá uma negação progressiva do intervalo de tempo que separa a partida da chegada, a distância de espaço cede lugar a distância de tempo...” 1; e ele continua “...é a primeira vez na história que a realidade do aqui agora se encontra imersa no fluxo de um tempo virtual, de imagens virtuais...” 2. O encurtamento das distâncias e a presença simultânea em diversos pon-tos na rede virtual, coexistindo com o corpo físico localizado no espaço, geram uma vivência de ubiqüidade. Se olharmos do ponto de vista da atenção, que se fragmenta e não se encontra focada em um ponto, estar em dois, ou mais lugares simultaneamente pode significar não estar em lugar nenhum. Nestes momentos, nos encontramos suspensos, ficamos divididos entre o espaço físico que nossos corpos se encontram, e o espaço virtual que nossas mentes navegam. Kenneth J. Gergen caracteriza este estado como presença ausente. Vivemos cotidianamente imersos nessa ubiqüidade, de modo que já não nos damos conta deste estado. A televisão e o rádio, objetos comuns na casa de qualquer pessoa, já prenunciavam o que agora veio se intensificar com a internet e o celular: a inserção de contextos remotos em contextos presentes. Estamos lidando á todo momento com esta interseção de contextos, sobrepondo o pre-sente com imagens virtuais, ao vivo ou reproduzidas, conversas em tempo real

1 PARENTE. André (org). Imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro, RJ: Ed. 34. 1993, p.17.2 Idem., p.16.10

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com pessoas ausentes do espaço físico ou captando mensagens de voz de um momento passado, etc.. Esse estar e não estar ao mesmo tempo em diversos lugares gera um va-zio de localidade que se pode observar também nos não-lugares, definidos por Marc Augé, como lugares transitórios, de passagem, desprovidos de qualquer identidade, relação e história, tal como os campos de refugiados, aeroportos, vias expressas, salas de espera, centros comerciais, shopping centers, estações de metrô, supermercados, hotéis, e até domicílios móveis considerados meios de transporte (avião, trem e ônibus). Ainda segundo o autor, os não-lugares são espaços de ninguém, povoados de viajantes ou transeuntes. Cada indivíduo é simplesmente um dentre vários e anônimos passageiros, clientes, pacientes, motoristas, etc.. Através dos não-lugares se descortina um mundo provisório e efêmero, comprometido com o transitório e com a solidão, no qual há uma perda da verda-deira identidade. Esses espaços que, ao meu ver, são como ressonâncias da paisagem e do caos urbano, estão tão presentes nas nossas vidas, que na maioria das vezes não questionamos o que eles representam e muito menos como eles nos afetam, porém são essas questões que permeiam minhas reflexões sobre o mundo e ali-mentam minha produção plástica.

E N T R E A T O S :

É com uma imagem de si mesmo que ele (passageiro dos não-luga-res) se acha confrontado em definitivo, mas uma estranhíssima ima-gem, na verdade. O único rosto que se esboça, a única voz que toma corpo, no diálogo silencioso que ele prossegue com a paisagem-texto que se dirige a ele como aos outros, são os seus – rosto e voz de uma solidão ainda mais desconcertante porque evoca milhões de outras. O passageiro dos não-lugares só reencontra sua identidade no controle da alfândega, no pedágio ou na caixa registradora. Es-perando, obedece aos mesmos códigos que os outros, registra as mesmas mensagens, respondem às mesmas solicitações. O espaço do não-lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas sim solidão e similitude.

Marc Augé

Entreatos é o titulo da vídeo-instalação que apresento como Trabalho de Graduação Interdiciplinar. Ela é composta por três vídeos projetados na mesma sala, mas em suportes diferentes. No primeiro vídeo, é projetado numa parede branca de pé direito alto, a minha imagem reduzida a uma escala de dez centímetros. Durante o vídeo, fico caminhando, rente ao rodapé da sala expositiva, de um lado para o outro, sem a intenção de ir ou chegar em algum lugar. Paro, sento, levanto e caminho nova-mente, por volta de treze minutos, até sair de cena, iniciando o vídeo novamen-te. Durante as gravações, caminho por um fundo infinito preto, o qual, se torna imperceptível na projeção. Essa espécie de desaparecimento do fundo se inten-sifica quando a sala é iluminada parcialmente. No segundo vídeo, projeto a minha imagem, também em escala reduzida, no fundo de uma caixa de madeira branca, que mede 25 cm de altura, 25 cm de largura e 6,5 cm de profundidade. Durante o vídeo, caminho em círculos, restrita à margem de enquadramento relacionada ao tamanho do fundo da caixa. Transito sem sair de dentro desse limite; é como se minha imagem estivesse presa dentro deste espaço exíguo. No terceiro vídeo, projeto a imagem de um close fechado do meu rosto no fundo de uma caixa de madeira branca, que mede 65 cm de altura, 65 cm de largura e 25 cm de profundidade. As bordas da imagem são delimitadas pela di-mensão do fundo da caixa, revelando somente os olhos, nariz e boca, suprimindo o contorno do rosto. Em todos os trabalhos, tanto as caixas quanto os aparelhos eletrônicos

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(Projetor e DVD) ficam visíveis, e são instalados no chão da sala, integrando a instalação. Esses trabalhos são inicialmente independentes um dos outros, mas reu-nidos em um mesmo espaço expositivo, dialogam entre si, potencializando-se como um novo trabalho.

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CROQUI DA VÍDEO-INSTALAÇÃO

1. Sala expositiva.2. Projeção sobre a caixa de madeira (65x65 cm).3. Projeção sobre a parede.4. Projeção sobre a caixa de madeira (25x25 cm).5.Trabalho de outro artista.

4

2

3

1

5

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1. Projetor.2. DVD 3. Tomadas4. Campo de projeção5. Parede branca6. Rodapé

1.2.

3.

4.

5.

1.2.

3.

4.

5.1. Projetor.2. DVD.3. Tomadas4. Campo de projeção5. Caixa de madeira branca (25x25 cm)

1. Projetor2. DVD3. Tomadas4. Campo de projeção5. Caixa de madeira branca (65x65 cm)

1. 2. 1. 2.

4. 4.

5.

6.

3.

R E F L E X Õ E S S O B R E O E S P A Ç O : A l t e r a ç ã o d a p e r c e p ç ã o d o e s p a ç o

O mundo da supermodernidade não tem as di-mensões exatas daquele no qual pensamos vi-ver, pois vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar. Temos que reaprender a pensar o espaço.

Marc Augé

O conceito de espaço é e sempre foi alvo de inúmeros cientistas, pensa-dores e filósofos. Existem inúmeras teses e escritos a respeito desse tema tão amplo, farei um recorte do imenso campo de possibilidades e pontos de vistas que se debruçam sobre ele, levando em conta, os aspectos relevantes para a compreensão de minha produção plástica. A começar pelo significado da percep-ção do espaço.

“O espaço não é apenas percebido, ele é vivido. Por isso, quando percebidos, os espaços adquirem conteúdos específicos derivados de nossas intenções ou imaginações.” 1

“Algumas vezes a experiências perceptivas do espa-ço, ou aquilo que Bachelard (1969) chamou de “poé-tica do espaço”, pode ser tão impressionante, intensa e tocante a ponto de intoxicar os sentindo” 1

A percepção do espaço é relativa e subjetiva, por mais que a captação dos espaços externos, se dê através dos sentidos, cada um de nós recebe e decodi-fica essas informações de maneiras diferentes. O espaço se configura de acordo com experiências passadas, associações, desejos e critérios culturais. A todo momento estamos lidando e interagindo com essa subjetividade advinda da per-cepção do espaço.

1 SANTAELLA, Lucia. Linguagens liquidas na era da mobilidade. São Paulo, SP: Paulus, 2007, p.167. 25

Penso que da mesma maneira que os aspectos sócio culturais, as memó-Penso que da mesma maneira que os aspectos sócio culturais, as memó-rias e as experiências subjetivas afetam a percepção do espaço, os aspectos arquitetônicos, com os elementos que o compõem e as finalidades a que se pre-dispõem, afetam e interferem o modo de nos localizarmos e nos identificarmos com o espaço. A percepção se estabelece, a partir da interação constante desses aspectos interno e externo ao ser humano. Mas como fica esta interação, quando o ambiente externo não oferece ne-nhuma espécie de relação, identidade e história? Durante a pesquisa a respeito do espaço, cheguei a uma definição extre-mamente esclarecedora; Michel de Certeau definiu espaço como um “lugar pra-ticado”, ou seja, uma sala, designada como um lugar é transformado em espaço pela circulação, atividade e interação das pessoas que o praticam. Por sua vez, o conceito de lugar é definido por ele como um conjunto de elementos, coexis-tindo dentro de uma certa ordem. Partindo daí, comecei a pesquisar os lugares que compõem a cidade, deslocando o foco da pesquisa de espaço para lugar, conduzindo-me inevitavelmente para o conceito de não-lugares do antropólogo francês Marc Augé. Marc Augé, toma por base o lugar antropológico, e define lugar como sen-

do um espaço identitário, relacional e histórico. Todos os espaços que não podem se definir com tais aspectos, são concebidos como não-lugares. Ele é o oposto ao espaço investido de sentido, personalizado. Para o autor, a socie-dade contemporânea é uma produtora de não-lugar.

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Segundo Augé, em seu livro NÃO-LUGARES: Introdução a uma antropo-logia da supermodernidade, os não-lugares seriam os “espaços constituídos em relação a certos fins (transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantêm com esses espaços”. Essa relação se dá através de textos verbais ou imagéticos, com ordens e orientações como “pegar a fila da direita”, “é proibido fumar”, com sinais de trânsito ou as falas do caixa eletrônico quando usa-mos o cartão de crédito: “insira seu cartão”, “digite sua senha”, instituindo, desse modo, um novo modo de relacionamento social, uma nova prática de estar nos lugares, de vivenciar esses lugares. Desse modo, os não-lugares mediam todo um conjunto de relações consigo e com os outros que só dizem respeito indireta-mente a seus fins, criando uma certa “tensão solitária” e configurando novíssimas experiências e vivências de solidão.

“Um mundo onde se nasce numa clínica e se morre num hospital, onde se multiplicam, em modalidades luxuosas ou desumanas, os pontos de trânsito e as ocupações provisórias (as cadeias de ho-téis e os terrenos invadidos, os clubes de férias, os acampamen-tos de refugiados, as favelas destinadas aos desempregados ou à perenidade que apodrece), onde se desenvolve uma rede cerrada de meios de transportes que são também espaços habitados, onde o freqüentador das grandes superfícies, das máquinas automáti-cas e dos cartões de crédito renovados com os gestos do comércio “em surdina”, um mundo pro-metido à individualidade solitária, a passagem, ao provisório, ao efêmero...” 2

2 AUGÉ, Marc. Não lugares : Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, SP: Papirus, 1994, p.73-74.

Vivendo em São Paulo, a relação com o externo se dá com o espaço ur-bano; o caos, as luzes, o trânsito incessante de pessoas, carros e o excesso de informação textual e imagética, compõem o cenário. A arquitetura construída de concreto e cimento; espaço criado pelo homem para seu conforto, comodidade e praticidade, não me propiciam essas dimensões, mais sim opressão e esva-ziamento. Grandes templos que cultuam o consumo se proliferam cada vez mais pela cidade. Os prédios, caixas empilhadas umas em cima das outras, bloqueiam a vista do horizonte, perdido há muito tempo no processo de verticalização do espaço da cidade. Vejo cada vez mais os lugares constituídos de história, sendo substituído ou transformado em não-lugares. A sociedade contemporânea passa por cima de toda e qualquer espécie de reminiscência simbólica e significativa. Dentro do trabalho plástico que constitui o TGI, procuro discutir a relação do homem contemporâneo com o espaço das grandes cidades.

3 VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro, RJ: Ed. 34. 1993, p 15.28

“Onde começa portanto a cidade sem porta? Provavelmente nos es-píritos, nesta ansiedade passageira que acomete aqueles que voltam de um longo feriado diante da perspectiva de notícias indesejadas,

com o risco de um arrombamento, da violação de sua propriedade. Ou talvez, inversamente, no desejo de fugir, de escapar por um momento de um ambiente técnico opressor para se reencontrar, se recuperar um pouco.” 3

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Na vídeo-instalação, uso e integro o espaço da sala expositiva no trabalho. Quero criar um diálogo entre as caixas instaladas na exposição e o espaço da sala, que é praticamente um grande cubo branco que envolve o trabalho e o es-pectador. A cor branca do fundo da imagem projetada, das paredes e das caixas, remetem a uma ausência de referência e localização, um vazio de significado. É como um apagamento da memória, das marcas do passado, do tempo e da his-toria. A sociedade contemporânea através da aceleração das informações, dos transportes, e da cultura capitalista de trocas contínuas, produz o apagamento da memória e da história social.

T E M P O V I R T U A L :U m n o v o t e m p o

No total tudo se passa como se o espaço fosse retomado pelo tempo, como se não houvesse outra historia senão as noticias do dia ou da véspera, como se cada historia individual bus-casse seus motivos, palavras e imagens no estoque inesgotá-vel de uma inexaurível história do presente.

Marc Augé

A sociedade contemporânea vem transformando radicalmente nossas re-lações com o espaço e consequentemente com o tempo. Segundo Paul Virílio, a virtualização é a responsável pela crise de percepção destas duas dimensões ontológicas. O tempo se sobrepõe ao espaço, na medida em que a velocidade e a aceleração da transmissão de informação torna-se mediadores das relações entre as pessoas, substituindo o contato face a face. O autor lamenta a perda da escala do espaço e do tempo que, ao seu ver, só pode ser dada pelo corpo bioló-gico.

“A invenção de novas velocidades é o primeiro grau da virtualização” 1

A mediação tecnológica avança na direção de conectar e aproximar em frações de segundos, as distâncias mais longas, a qualquer momento e lugar, Se considerarmos que as informações e mensagens são um prolongamento do tempo do acontecimento há, com o desenvolvimento das tecnologias da comuni-cação, uma modificação na percepção do tempo no que concerne a sua duração e extensão. . As mídias introduzidas socialmente vão além de meros meios de conexão e transmissão de mensagens de um ponto para o outro, elas alteram significativa mente os ambientes em que vivemos e a nós mesmos como pessoas, construindo novas formas de pensar, interagir e viver neste mundo que se expande além do contato físico. Durante a história com o advento da tecnologia, fomos progressivamente superando as distâncias, primeiramente com o desenvolvimento dos transportes, depois da telefonia, do rádio, da televisão e da revolução digital. Esta última in-

1 LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo, SP: Ed.34. 1996, p. 23.37

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tensificou o que já podia se notar progressivamente nas anteriores, a anulação da da presença física no aqui e agora.

“Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, ele se tornam não-presentes, se desterritorializam” 2

Essa espécie de desterritorialização e não-presença característica da virtu-Essa espécie de desterritorialização e não-presença característica da virtu-alidade, cresce à medida que os meios de comunicação se expandem e o contado do homem com o mundo se estabelece através da máquina. Cada vez mais, a presença física das pessoas é substituída pela repro-dução da voz, através do celular, pela imagem digital, através da webcam, pelo texto, através de email... Interagimos ao mesmo tempo tanto com o ambiente e as pessoas que ocupam o espaço contíguo, quanto os que estão distantes. É introduzido socialmente o que alguns autores chamam de “presença midiática”, “presença ausente” ou “presença ubíqua”. Para Virilio, a inclusão dessas presenças midiáticas na sociedade, nos faz sofrer a perda da distância que desemboca no paradoxo de estar lá, aqui e ago-ra.

2 LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo, SP: Ed.34. 1996, p. 21. 3 SANTAELLA, Lucia. Linguagens liquidas na era da mobilidade. São Paulo, SP: Paulus, 2007, p.236.

“...as bordas que antes definiam os estados de presença e ausência se tornam borradas. Presença e ausência intercambiam-se, sobrepõem-se em um mesmo espaço, gerando uma vivência de ubiqüidade: estar lá, de onde me chamam, e estar aqui, onde sou chamado, ao mesmo tempo.” 3

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A vivência de ubiqüidade, decorrente da abolição das distâncias e da pre-sença simultânea em diversos pontos, gera um vazio de localidade, no que se refere ao estado de atenção, que fragmentado, está em diversos pontos simulta-neamente e, desse modo, não se encontra focado em nenhum lugar. A noção de presença e ausência é alterada conjuntamente com a noção de espaço e tempo. O desenvolvimento da velocidade e a anulação das distâncias através de mediações tecnológicas, distorcem antigas definições e exigem um novo olhar sobre esses conceitos. Mas como é possível hoje em dia, no que Virilio chama de “a era das proximidades midiática”, definir limites e bordas de conceitos que se intercalam, se misturam e se fundem?

A O B R A E S E U M E I O :V í d e o - i n s t a l a ç ã o

Se toda arte e feita com os meios de seu tempo, as arte midiáticas, representam a expressão mais avan-çada da criação artística atual e aquela que melhor exprime sensibilidades e saberes do homem do inicio do terceiro milênio.

Arlindo Machado

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Como já vimos anteriormente, a virtualização esta cada vez mais presente em nossas vidas, quanto mais se desenvolve o diálogo homem-máquina, mais intenso se torna esse contato. O vídeo composto basicamente de luz e eletricida-de, é potencialmente desterritorializado e descorporificado, ou seja, virtual. Por ser, além de outras coisas, um meio instável, transitório e híbrido, ele incorpora e traduz o pensamento contemporâneo. No campo da arte, desde os primeiros experimentos, em meados 1960, o vídeo tem se desenvolvido e ganhado um espaço cada vez maior. Nam June Paik, foi um dos primeiros artistas a desenvolver a linguagem da vídeo-arte, formando a primeira geração de vídeoartistas. O principal alvo de crítica desses artistas na época, era a televisão, que se expandia e predominava na cultura de massa. Eles a tinham como inimiga, tornando sua crítica, pontos comuns entre eles.

“uma idéia fundamental da primeira geração de vídeoartistas era que, para existir uma relação critica com a sociedade televisual, era preciso primeiramente participar de forma televisual” 1

Em Wolf Vostell 2 e Paik, eram deslocados os monitores de TV de seu ambiente comum, den-tro dos lares, para um outro contexto, iniciando o que conhecemos hoje por vídeo-instalação. Segundo Michel Rush, além de criticar a televisão, vários dos primeiros vídeoartistas ado-taram a tecnologia da câmera e criaram meios de expressão inovadores que eram tanto usados por outros artistas, quanto comumente usurpados1 HILL, Christine. APUD. Michael Rush. Novas mídias na arte contemporânea. São Paulo, SP: Editora Martins Fontes. 2006, p. 72.2 Artista alemão fundamental na arte da metade do século XX.

pela propaganda e pelos meios de comunicação de massa. Por volta dos anos 80, à medida que os equipamentos de edição de ima-gem e as câmeras, principalmente coloridas, se tornavam mais acessíveis no mercado, os artistas ampliaram seus discursos, antes voltado a critica da tele-visão ou a tradução de tendências visuais, como conceitualismo, arte corporal, arte processual e passaram a desenvolver através do meio vídeográfico, uma identidade própria, uma linguagem singular, que caracterizou a segunda geração de vídeoartistas.

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“A vídeo-arte, através de incrustações, distorções, rotações, fusões, mu-dança de escala, entre outros, submeteu o corpo a uma série de desloca-mentos e anamorfoses desafiando as leis da gravidade e os padrões da percepção.” 3

No final dessa década, com a difusão e propagação dos projetores, a vídeo-instalação se expandiu para além dos monitores de TV, e enriqueceu sua área de atuação. Com a possibilidade do envolvimento do ambiente arquitetônico e uma

variedade de elementos, ela incorporou o princí-pio de imersão do cinema, porém com propósitos bem distintos. No cinema, o observador é imóvel e passivo. A imersão tem como objetivo, produzir um proces-so de identificação, fazendo com que o público se “projete” na tela, e esqueça de si, “mergulhan-do” na história e nos personagens. Já na vídeo-instalação, a imersão tem como objetivo criar um

3 PARENTE. André (org). Imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro, RJ: Ed. 34. 1993, p.21.

espaço relacional, produzir uma reflexão crítica sobre como o corpo se encontra presente nos espaços, mantendo o espectador consciente do espaço e tempo. Com a vídeo-instalação, o vídeo, que por sua duração e seqüencialidade, era considerado uma arte temporal, passa a poder ser também considerado com uma arte espacial, e integrar essas duas qualidades. Christine Mello concebe essa linguagem, como uma possibilitadora de novas relações espaço e tempo nas artes. Ela cita em seu texto “Arte nas Extremidades” 4, uma distinção feita por Arlindo Machado, de duas perspectivas diferenciadas da transmissão direta da mensagem no meio eletrônico: a do tempo real, que diz respeito a simultaneidade do tempo simbólico com o tempo de exibição das imagens e sons, e a do tempo presente, que diz respeito ao que reconhecemos como tempo ao vivo, ou a simul-taneidade do tempo de emissão com o tempo de recepção. Na vídeo-instalação Entreatos, procuro trabalhar com a idéia de presente simulado5. Capto em tempo real, uma ação performática realizada por mim, uni-camente para o meio videográfico e projeto, posteriormente, essas imagens, no espaço expositivo, relacionando-as aos objetos que compõem a instalação, com o proposito de intensificar a sensação da proposta plastica. Deixo o registro, de um momento passa-do, fluir em tempo real, no momento presente. Nos três trabalhos uso minha imagem como um auto-referencial. Trabalho em todos, com alte-rações de escala, para provocar uma espécie de deslocamento que interaja com o deslocamento do visitante. Quero desconstruir a percepção au-tomatizada rotineira do espectador, na intenção

4 MELLO, Christine. “Arte nas extremidades”. In: MACHADO, Arlindo (org).Made in Brasil: Três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo, SP. Itáu Cultural. 2003, p146.5 Idéia desenvolvida por Arlindo Machado para se referir a transmissão da mensagem em vídeo em tempo real.

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de despertar um olhar crítico para o que está sendo visto. Desta maneira, penso possibilitar um diálogo entre as dimensões do próprio corpo, as “caixas/espaço” e as imagens que compõem a vídeo instalação, de modo a proporcionar uma per-cepção corporal do trabalho. Os dispositivos eletrônicos (DVD e projetor) ficam a vista no chão da sala, para evidenciar a necessidade deles na produção do trabalho, e a constante pre-sença das máquinas no cotidiano das pessoas, principalmente das grandes cida-des. As caixas presentes na instalação, remetem aos espaços das grandes ci-dades, freqüentemente impessoais, fechados e transitórios. Mesmo a sala expo-sitiva, aqui integrada ao trabalho, sob circunstancias especiais, bem como alguns museus e galerias de arte em geral, fazem parte, de certa forma, desse contexto. O cubo branco 6, como são chamadas a maioria desses espaços, com sua paredes brancas acépticas, condiz com alguns dos padrões que definem os não-lugares. As pessoas que o freqüentam, estão sempre de passagem, não deixam marcas ou rastros. O apagamento do tempo e da memória é constante. São espaços ex-

tremamente controlados e isolados, distanciado da realidade do mundo.

6 Termo cunhado por Brian O’Doherty para se referir ao espaço das galerias de arte em geral. 7 O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço da arte. São Paulo, SP: Martins Fontes. 2002, p. 91.

“O cubo branco é um gueto, um recinto re-manecente, um protomuseu com passagem direta para o atemporal, um conjunto de si-tuações, uma postura, um lugar sem local, um reflexo da parede nua, uma câmera má-gica, uma concentração mental, talvez um equívoco.” 7

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Segundo Brian O’Doherty, a parede branca imaculada das galerias, embo-ra um produto evolutivo delicado de natureza bastante especifica, é impura. Ela subsume comércio e estética, artista e público, ética e oportunismo. Para ele, é imperativo que todo artista conheça seu conteúdo e tudo que ele provoca em sua obra. O fundo infinito no qual realizo a filmagem, é um cenário ausente de repre-sentação espacial e temporal, um espaço “suspenso”, que dialoga com o contexto citado.

S O B R E O P R O C E S S O D E C R I A Ç Ã O E T R A B A L H O S A N T E R I O R E S :

A arte torna visível o invisível

Paul Klee

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Em meu processo de criação, a idéia surge inicialmente de forma intuitiva, sem intelectualização ou motivos conceituais. Neste momento, o importante é criar um diálogo íntimo com o projeto e abrir espaço para a interlocução com ele, interferindo com intenções e expectativas, permanecendo aberta para mudanças e alterações. Desse modo, uma idéia inicialmente enevoada, adquire um contorno mais preciso e nítido. Com o trabalho melhor delineado, é possível ver e refletir, traçar relações, identificar conceitos e falar a respeito dele. Contudo, essa é a etapa mais difícil. No ensaio “O Ato Criador”, Duchamp denomina esse processo de coeficiente ar-tístico, que seria “uma relação aritmética entre o que permanece inexpresso em-bora intencionado, e o que é expresso não-intencionalmente” 1 ele nos diz que a obra propõe significados que não podem ser expressos conscientemente pelo ar-tista em sua totalidade, ela sempre ultrapassa a intenção primeira do autor. Esse desnível entre a intenção e a realização permite a entrada em cena do público na atividade de interpretação, trazendo e intervindo cada qual com sua subjetividade e repertório. Para mim, a arte é inevitavelmente biográfica, querendo ou não imprimo minha visão particular de mundo. Desde as escolhas dos materiais e do suporte até o modo de apresentar o trabalho, expresso as sensações e emoções mais íntimas de minha subjetividade. Ela tem o papel de corporificar os fantasmas e os sonhos que me rodeiam, trazendo para a luz as questões que estão no escuro. Sem o menor compromisso de dar uma resposta ou solução, busco apenas apon-tar e evidenciar aquilo que se insinua cotidianamente.

1 DUCHAMP, Marcel. “O ato criador”. In: BATTCOK, G. (org.). A Nova Arte. São Paulo, SP: Ed Perspectiva. 1973, p.73..

Sempre gostei de trabalhar com o tridimencional, pensar o espaço e o objeto. Iniciei fazendo trabalhos em cerâmica, depois vieram às esculturas com materiais inusitados e as instalações. Paralelo ao período que comecei a trabalhar com instalações, percebi um grande interesse também pela fotografia, e ao trabalhar com ela me aproximei do vídeo. Praticamente todas as minhas fotos são com montagens e sobreposições realizadas através do Photoshop, e o cenário da cidade está presente na maioria delas. Num dos primeiros trabalhos criei uma árvore com o encaixe de várias fo-tos de rachadura do asfalto (fig.1). Em outros procurei explorar a idéia de sombra da sombra, criando uma perspectiva distorcida com fotos de sombras (fig.2-2.1). Dando continuidade as fotos de sombra, comecei a introduzir sombras ine-xistente nos ambientes, interagindo com o cenário e os objetos (fig.3-3.1-3.2). Seguindo nesta pesquisa, realizei um vídeo intitulado Skia, no qual filmo uma parede branca à noite. Com a câmera parada, capto o movimento das som-bras das pessoas e dos carros, que se projetam na superfície da parede (seq.1). Os vídeos ganharam esse caráter, de montagens e sobreposições, atra-vés da ilha de edição (fig.4). Um dos últimos que fiz, chamado Espaço (seq.2), atravesso, caminhando, seis cenários diferentes, que se conectam pela linha do chão, no qual caminho. Estes quadros dividem a tela em seis partes, sendo a últi-ma um fundo infinito branco que se funde ao fundo da própria tela. Neste trabalho inicio minha caminhada no canto esquerdo superior, e me desloco para a direita, sincronizando a minha saída de cena de um quadro, com a entrada de cena em outro, e assim sucessivamente até o fundo infinito branco, que ao chegar nele, reapareço em todas as cenas ao mesmo tempo, finalizando-o.

56

S/ titulo, 2006. Montagem fotografica no Photoshop

fig. 1

57

58 S/ titulo, 2006. Montagem fotografica no Photoshop.

fig. 2

59S/ titulo, 2006. Montagem fotografica no Photoshop.

fig. 2.1

60

fig. 3

S/ titulo, 2006, Fotografia digital modificada no Photoshop.

61

S/ titulo, 2006, Fotografia digital.

fig. 3.1

62

S/ titulo, 2006, Fotografia digital.

fig. 3.2

63

Skia, 2007. Vídeo 13 min.

seq. 1

“Não podemos negar que os processos eletrônicos digi-tais provocam uma transformação geral, completa, irre-versível, de todas as fases da elaboração da imagem.” 1

1 PARENTE. André (org). Imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro, RJ: Ed. 34. 1993, p.27.

65

Colagem vídeografica, 2007. Vídeo, 4 min.

fig. 4

66

seq. 2

67

68

Espaço, 2007. Vídeo, 1 min.

69

É através deste vídeo que comecei a desenvolver o primeiro trabalho que compõem a vídeo-instalação Entreatos, realizada para o TGI. Ao deslocar os ce-nários no qual realizo a caminhada (cidade, campo, floresta) para o espaço ex-positivo, percebi que esse deslocamento, revelava uma nova discussão, da qual me aproximei, ao desenvolver os outros dois trabalhos que integram a vídeo-instalação. Toda a trajetória para chegar a vídeo-instalação apresentada, e o processo de pesquisa e estudo para construir a monografia, representa apenas o início do desenvolvimento da minha poética, a qual, começo a vislumbrar. Abre-se, diante de mim, um vasto campo de interesses, vontades e questionamentos, que preten-do dar continuidade, desenvolver e aprofundar. Vejo este momento, como o início de uma longa caminhada, entre o limite tênue da arte e vida.

R E F E R Ê N C I A S :

Nan June Paik

TV Buddha. Circuito fechado, vídeo-instalação com escultura de

bronze (ref. 1).

73

Gary Hill

Tall Ships, 1992. Vídeo-instalação interativa (ref. 2).

Still do vídeo (ref. 3).74

75

David Hockney

Mother I, Yorkshire Moors, 1985. Colagem com fotografia

(ref. 4).

76

Tony Oursler

Submerged, 1996. Vídeo-instalação (ref. 5).

77

Eder Santos

Call Waiting II, 2006. Vídeo-instalação (ref. 6).

78

Gisela Motta e Leandro Lima

Segmento de reta, 2006. Vídeo-instalação (ref. 7).

Still do vídeo (ref. 8).

79

Demolidora, Transportadora e Construtora Ilimitada, 2006.

Vídeo-instalação (ref. 9).

Still do vídeo (ref. 10).

80

Bill Viola

The Passage, 1997. Vídeo-instalação sonora (ref. 11).

81

Stations, 1994. Vídeo-instalação sonora (ref. 12).

B I B L I O G R A F I A :

AUGÉ, Marc. Não lugares : Introdução a uma antropologia da supermodernidade-

Campinas, SP: Papirus, 1994.

DUCHAMP, Marcel. “O ato criador”. In: BATTCOK, G. (org.). A Nova Arte. São

Paulo, SP: Ed Perspectiva. 2002.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo, SP: Ed.34. 1996.

MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Ed. 2007

MELLO, Christine. “Arte nas extremidades”. In: MACHADO, Arlindo (org).Made

in Brasil: Três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo, SP. Itáu Cultural. 2003.

O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço da arte.

São Paulo, SP: Martins Fontes. 2002.

PARENTE. André. Imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Ja-

neiro, RJ: Ed. 34. 1993.

RUSH, Michael. Novas mídias na arte contemporânea. São Paulo, SP: Editora

Martins Fontes. 2006.

SANTAELLA, Lucia. Linguagens liquidas na era da mobilidade. São Paulo, SP:

Paulus, 2007.

VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Rio de Janeiro, RJ: Ed. 34. 1993.

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Bibliografia Eletrônica: fonte das imagensReferência 1: http://www.paikstudios.com/images/crop0025.jpg

Referência 2: http://www.acmi.net.a u/deepspace/images/garry_hill_image01.jpg

Referência 3: http://www.divus.cz/images/umelec/HILL1-CM-mini.jpg

Referência 4: http://bp1.blogger.com/_y9JCP1wazVo/RpQf7UO2niI/AAAAAAAA-

G0s/bQhLXtxFBvc/s400/hockney_mother.jpg

Referência 5: http://www.cronopios.com.br/site/images/iex/Fevereiro%202007/

submerged.jpg

Referência 6: http://www.revista.art.br/site-numero-07/trabalhos/3_arquivos/ima-

ge003.jpg

Referência 7: http://www.galeriavermelho.com.br/v2/auxiliares/modulos/artistas/

imagens/descricao/grandes/837.jpg

Referência 8: http://www.galeriavermelho.com.br/v2/auxiliares/modulos/artistas/

imagens/descricao/grandes/938.jpg

Referência 9: http://www.galeriavermelho.com.br/v2/auxiliares/modulos/artistas/

imagens/descricao/grandes/939.jpg

Referência 10: http://www.galeriavermelho.com.br/v2/auxiliares/modulos/artistas/

imagens/descricao/grandes/1155.jpg

Referência 11: http://www.sfmoma.org/images/ma/exhib_detail/bill_viola3.jpg

Referência 12: http://twi-ny.com/alsoatmoma.jpg

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