entre palavras teste_fernão_lopes_2

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GRUPO I A Lê o texto seguinte. Em caso de necessidade, consulta o vocabulário apresentado. Toda a cidade era dada a nojo 1 , cheia de mezquinhas querelas 2 , sem neuũ prazer que i houvesse: uũs com gram mingua do que padeciam; outros havendo doo 3 dos atribulados 4 ; e isto nom sem razom, ca se é triste e mezquinho o coraçom cuidoso 5 nas cousas contrairas 6 que lhe aviinr podem 7 , veede que fariam aqueles que as continuadamente tão presentes tiinham? Pero com todo esto, quando repicavom, nenhuũ non mostrava que era faminto, mas forte e rijo contra seus emigos. Esforçavom-se uũs por consolar os outros, por dar remédio a seu grande nojo, mas nom prestava conforto de palavras nem podia tal door seer amansada com neũas doces razões; e assi como é natural cousa a mão ir ameúde onde se a door, assim uũs homees falando com outros, nom podiam em aI departir senom em na mingua que cada uũ padecia. Ó quantas vezes encomendavom nas missas e preegações que rogassem a Deos devotamente por o estado da cidade! E ficados os geolhos, beijando a terra, braadavam a Deos que lhes acorresse, e suas prezes nom eram compridas! Uũs choravam antre si, mal-dizendo seus dias, queixando-se por que tanto viviam, como se dissessem com o Profeta: «Ora veesse a morte ante do tempo, e a terra cobrisse nossas faces, pera nom veermos tantos males!» Assi que rogavam a morte que os levasse, dizendo que melhor lhe fora morrer que lhe serem cada dia renovados desvairados padecimentos. Outros se querelavom a seus amigos, dizendo que foram desventuirada gente, que se ante nom deram a el-rei de Castela que cada dia padecer novas mizquiindades, firmando-se de todo nas peores cousas que fortuna em esto podia obrar. Sabia porém isto o Mestre e os de seu Conselho, e eram-lhe doorosas d’ouvir estas novas; e veendo estes males a que acorrer nom podiam, çarravom suas orelhas do rumor do poboo. Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer alguũs homees e molheres, que tanta diferença há d’ ouvir estas cousas aaqueles que as entom passarom, como há da vida aa morte? Os padres e madres viiam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e peitos sobr’eles, nom teendo com que lhe acorrer, senom planto e espargimento de lagrimas. e sobre todo isto, medo grande da cruel vingança que entendiam que el-Rei de Castela deles havia de tomar; assi que eles padeciam duas grandes guerras, ũa dos emigos que os cercados

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Page 1: Entre palavras teste_fernão_lopes_2

GRUPO I

A

Lê o texto seguinte. Em caso de necessidade, consulta o vocabulário apresentado.

Toda a cidade era dada a nojo1, cheia de mezquinhas querelas2, sem neuũ prazer que i houvesse: uũs com gram mingua do que padeciam; outros havendo doo3 dos atribulados4; e isto nom sem razom, ca se é triste e mezquinho o coraçom cuidoso5 nas cousas contrairas6 que lhe aviinr podem7, veede que fariam aqueles que as continuadamente tão presentes tiinham?Pero com todo esto, quando repicavom, nenhuũ non mostrava que era faminto, mas forte e rijo contra seus emigos. Esforçavom-se uũs por consolar os outros, por dar remédio a seu grande nojo, mas nom prestava conforto de palavras nem podia tal door seer amansada com neũas doces razões; e assi como é natural cousa a mão ir ameúde onde se a door, assim uũs homees falando com outros, nom podiam em aI departir senom em na mingua que cada uũ padecia. Ó quantas vezes encomendavom nas missas e preegações que rogassem a Deos devotamente por o estado da cidade! E ficados os geolhos, beijando a terra, braadavam a Deos que lhes acorresse, e suas prezes nom eram compridas! Uũs choravam antre si, mal-dizendo seus dias, queixando-se por que tanto viviam, como se dissessem com o Profeta: «Ora veesse a morte ante do tempo, e a terra cobrisse nossas faces, pera nom veermos tantos males!» Assi que rogavam a morte que os levasse, dizendo que melhor lhe fora morrer que lhe serem cada dia renovados desvairados padecimentos. Outros se querelavom a seus amigos, dizendo que foram desventuirada gente, que se ante nom deram a el-rei de Castela que cada dia padecer novas mizquiindades, firmando-se de todo nas peores cousas que fortuna em esto podia obrar.Sabia porém isto o Mestre e os de seu Conselho, e eram-lhe doorosas d’ouvir estas novas; e veendo estes males a que acorrer nom podiam, çarravom suas orelhas do rumor do poboo.Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer alguũs homees e molheres, que tanta diferença há d’ ouvir estas cousas aaqueles que as entom passarom, como há da vida aa morte? Os padres e madres viiam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e peitos sobr’eles, nom teendo com que lhe acorrer, senom planto e espargimento de lagrimas. e sobre todo isto, medo grande da cruel vingança que entendiam que el-Rei de Castela deles havia de tomar; assi que eles padeciam duas grandes guerras, ũa dos emigos que os cercados tiinham, e outra dos mantiimentos que lhes minguavom, de guisa que eram postos em cuidado de se defender da morte per duas guisas.

Fernão Lopes, Crónica de D. João I (Textos escolhidos), Lisboa, Seara Nova / Comunicação, 1980, pp. 197-198.(Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de Teresa Amado)

Vocabulário1 estava cheia de tristeza; 2 questões frequentes por tudo e por nada; 3 pena; 4 os que sofriam mais; 5 preocupado, sofredor; 6 com as coisas adversas; 7 que podem suceder de vez em quando

Apresenta, de forma clara e bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. A cidade é apresentada como um ator coletivo. Justifica esta afirmação transcrevendo pelo menos dois exemplos pertinentes.

2. Explica por que razão havia pessoas na cidade cercada que desejavam a morte.

3. Explicita e justifica as reações do Mestre de Avis e de outros responsáveis pela defesa da cidade aos lamentos dos habitantes cercados.

GRUPO II

Lê o texto seguinte. Em caso de necessidade, consulta o vocabulário.

Page 2: Entre palavras teste_fernão_lopes_2

Breve história da cidade proibida

Durante cinco séculos, o Palácio de Pequim foi a residência oficial dos imperadores da China e o centro do seu poder. O lugar sempre fascinou pelas suas dimensões, pelo seu aspeto secreto e, para os privilegiados que a ele tinham acesso, pela magnificência dos seus edifícios e o luxo dos seus aposentos. (…)

O palácio inscreve-se numa longa tradição de residências imperiais que se sucedem ao longo de vários milénios. Inúmeros elementos fazem dele o centro cosmológico 1 do mundo. Assim, a cor vermelha era a cor imaginada da Estrela Polar, único ponto fixo no céu da cosmografia2 chinesa. O próprio palácio era comummente designado por esse epíteto: Cidade Púrpura Proibida. Diversos elementos, simultaneamente simbólicos e decorativos, pontuam o conjunto do complexo. Um leão e uma leoa de bronze guardam as portas. Abrigo para uma medida de cereal, quadrante solar, animais emblemáticos (como a tartaruga) sublinham as funções religiosas e judiciais do monarca.

Vários templos estão espalhados por toda a extensão do palácio. O serviço religioso era desempenhado por clérigos específicos e apenas uma parte dos habitantes do palácio os frequentava. (…)

O palácio está dividido em duas partes: o átrio exterior, consagrado a vida cerimonial e, nas traseiras, o átrio interior, para utilização do imperador e sua família. Pátios sucessivos – alguns de grandes dimensões – e passagens ao ar livre entre longos muros delimitam os espaços de área variável, com afetações3 precisas. A partir da Praça da Paz Celestial, uma sequência de portas monumentais e átrios – orientados de sul para norte, como manda a tradição chinesa, e dispostos segundo um ritmo intencional – conduz ao pavilhão da Suprema Harmonia, o edifício mais sumptuoso e mais vasto do palácio, coração do Império, onde se realizavam as audiências mais importantes, frente ao trono imperial. Atrás, dois outros edifícios, construídos sobre o mesmo envasamento4 de mármore com três níveis, completam este primeiro conjunto e constituem um cenário grandioso para uma grande parte das cerimónias oficiais. Três alamedas sublinham o eixo sul-norte do palácio. O caminho central só era percorrido pelo imperador, num palanquim5. Neste percurso solene, as escadas são substituídas por rampas de mármore branco, esculpidas com dragões de corpo reptilíneo, símbolos por excelência do imperador.

Por detrás do átrio exterior, um longo átrio, perpendicular ao eixo principal, separa o palácio em dois. A porta da Pureza Celestial dá acesso a uma outra fiada de três pavilhões erigidos sobre um envasamento comum. Residência dos imperadores e imperatrizes até 1723, esta parte traseira será a seguir utilizada como aposentos de aparato; assim o Palácio da Tranquilidade Terrena era utilizado para a noite de núpcias do casal imperial. O jardim imperial ocupa a parte posterior do recinto. O seu plano simétrico rompe com a ordenação habitual dos jardins chineses. A despeito de frequentes alterações, os elementos deste eixo central conservaram, em geral, o aspeto que tinham no século XV.

AA. VV., ABCedário da cidade proibida, Lisboa, Público, 2003, pp. 11-16.(Texto adaptado)

Vocabulário1 centro da conceção do mundo; 2 representação gráfica do cosmos; 3 funções; 4 base; 5 veículo para uma pessoa, espécie de liteira

1. Para responder a cada um dos itens de 1.1 a 1.5, seleciona a única opção que permite obter uma afirmação correta.

1.1 Sendo este texto de natureza expositiva, a sua linguagem caracteriza-se(A) pelo recurso à objetividade, embora com algumas marcas de subjetividade.

(B) pelo recurso à subjetividade, embora com ligeiras marcas de objetividade.

(C) pelo recurso à objetividade, sem marcas de subjetividade.

(D) pelo recurso à subjetividade, sem qualquer marca de objetividade.

Page 3: Entre palavras teste_fernão_lopes_2

1.2 Da leitura do segundo parágrafo infere-se que a civilização chinesa, no que respeita à arquitetura monumental, se caracteriza tradicionalmente por(A) dar muita importância aos elementos decorativos.

(B) dar tanta importância a elementos decorativos como a elementos simbólicos.

(C) privilegiar os elementos simbólicos em detrimento dos decorativos.

(D) privilegiar os elementos simbólicos.

1.3 A importância do pavilhão da Suprema Harmonia é realçada, no quarto parágrafo, através da utilização de uma(A) metáfora.

(B) comparação.

(C) personificação.

(D) hipérbole.

1.4 A solenidade do percurso referido no quarto parágrafo, ll. 12-22, é sublinhada através da referência(A) a elementos arquitetónicos como as «rampas» feitas de material nobre.

(B) a elementos simbólicos gerais.

(C) a elementos simbólicos específicos.

(D) à utilização de um «palanquim» para transportar o imperador.

1.5 A frase que mais se aproxima pelo sentido da última frase do texto, «A despeito…», l. 29, até ao fim, é(A) os elementos do «eixo central» continuam com o aspeto que tinham no século XV.

(B) o aspeto atual do «eixo central» mudou muito porque houve muitas alterações ao longo do tempo.

(C) apesar de o aspeto do «eixo central» ter mudado, é idêntico ao que tinha no século XV.

(D) apesar de ter sofrido muitas alterações, o aspeto do «eixo central» é idêntico ao que tinha no século XV.

2. Responde, de forma correta, aos itens apresentados.

2.1 Indica o processo fonológico de alteração presente na evolução de «contrairas», l. 3, para contrárias (texto do Grupo I).

2.2 Indica a função sintática da palavra destacada na expressão «Neste percurso solene…», ll. 21-22, (texto do Grupo II).

2.3 Classifica a oração subordinada presente na frase «O palácio inscreve-se numa longa tradição de residências imperiais que se sucedem ao longo de vários milénios.», ll. 4-5, (texto do Grupo II).

GRUPO III

Elabora uma síntese do texto do Grupo II que tenha cerca de um quarto da sua dimensão.