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ENTRE MODA, MEMÓRIA E MUSEU: 1 Diêgo Jorge Lobato Ferreira (IFMA) Resumo: O artigo é fruto de pesquisa em andamento junto ao Museu da Indumentária e da Moda - MIMo, referentes a moda e memória pelo espoco museológico e visa compreender a relação entre história e memória do design de moda no Brasil, observando os acervos do Instituto Clodovil Hernandes - ICH e da Teciteca Dener Pamplona de Abreu, do Núcleo de Moda da Universidade Anhembi Morumbi. Hoje, os museus consagram as criações de vários designers mundo afora e neste projeto intencionamos discutir por que essa não é uma realidade brasileira. Por isso escolhemos estudar os acervos que contém obras dos criadores de moda Clodovil Hernandes e Denner Pamplona de Abreu, focando os anos 1960 e 1970. Ainda, o estudo do vestuário, incluindo os acessórios de moda, pode nos suscitar instigantes questões sobre as interfaces entre a História, a Memória e o Design de Moda. Palavras-chave: Moda. Memória. Museu. Abstract: The article is the result of ongoing research by the Museum of Clothes and Fashion - MIMO, referring to fashion and the museum espoco memory and seeks to understand the relationship between history and memory of fashion design in Brazil, noting the achievements of the Institute Clodovil Hernandes - ICH and Teciteca Dener Pamplona de Abreu, the Fashion Center at the University Anhembi Morumbi. Today, museums enshrining the creations of various designers around the world and in this project we intend to discuss why this is not a Brazilian reality. So we chose to study the collections containing works of fashion designers Clodovil Hernandes and Denner Pamplona de Abreu, focusing on the years 1960 and 1970. Yet, the study of clothing, including fashion accessories, can raise challenging questions about the interfaces between History, Memory and Fashion Design. Keywords: Fashion. Memory. Museum. 1. Moda e Memória Como aporte teórico selecionamos, nesse primeiro momento, os autores FORTY, 2007; AZZI, 2010; CRANE, 2006; SORCINELLI, 2008. Outras obras serão pesquisadas em relação à História do design de moda, Museus e Museologia, pelo viés da Memória. Na atualidade os trajes e a moda têm adquirido importância nos estudos da história social e dos estudos culturais; além disso, cabe destacar a função social do traje, como indicativo de um contexto cultural. “O vestuário constitui uma indicação de como as pessoas em diferentes épocas, vêm sua posição nas estruturas sociais e negociam as fronteiras do status” (CRANE, 2006, p. 21). Assim, o vestuário passa a ser visto como documento-memória, pois faz referências a uma cultura em um período específico, refere-se às tradições, aos hábitos e aos costumes que caracterizam os grupos sociais em diferentes épocas (SORCINELLI, 2008). Sendo assim “a roupa fala, e para 1 Artigo elaborado para a disciplina Design e Arte na educação: leitura histórica no contexto da contemporaneidade sob a orientação da Profª Dra. Ana Mae Barbosa. 38

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ENTRE MODA, MEMÓRIA E MUSEU:1

Diêgo Jorge Lobato Ferreira (IFMA) Resumo: O artigo é fruto de pesquisa em andamento junto ao Museu da Indumentária e da Moda - MIMo, referentes a moda e memória pelo espoco museológico e visa compreender a relação entre história e memória do design de moda no Brasil, observando os acervos do Instituto Clodovil Hernandes - ICH e da Teciteca Dener Pamplona de Abreu, do Núcleo de Moda da Universidade Anhembi Morumbi. Hoje, os museus consagram as criações de vários designers mundo afora e neste projeto intencionamos discutir por que essa não é uma realidade brasileira. Por isso escolhemos estudar os acervos que contém obras dos criadores de moda Clodovil Hernandes e Denner Pamplona de Abreu, focando os anos 1960 e 1970. Ainda, o estudo do vestuário, incluindo os acessórios de moda, pode nos suscitar instigantes questões sobre as interfaces entre a História, a Memória e o Design de Moda. Palavras-chave: Moda. Memória. Museu. Abstract: The article is the result of ongoing research by the Museum of Clothes and Fashion - MIMO, referring to fashion and the museum espoco memory and seeks to understand the relationship between history and memory of fashion design in Brazil, noting the achievements of the Institute Clodovil Hernandes - ICH and Teciteca Dener Pamplona de Abreu, the Fashion Center at the University Anhembi Morumbi. Today, museums enshrining the creations of various designers around the world and in this project we intend to discuss why this is not a Brazilian reality. So we chose to study the collections containing works of fashion designers Clodovil Hernandes and Denner Pamplona de Abreu, focusing on the years 1960 and 1970. Yet, the study of clothing, including fashion accessories, can raise challenging questions about the interfaces between History, Memory and Fashion Design. Keywords: Fashion. Memory. Museum.

1. Moda e Memória

Como aporte teórico selecionamos, nesse primeiro momento, os autores FORTY, 2007; AZZI, 2010; CRANE, 2006; SORCINELLI, 2008. Outras obras serão pesquisadas em relação à História do design de moda, Museus e Museologia, pelo viés da Memória. Na atualidade os trajes e a moda têm

adquirido importância nos estudos da história social e dos estudos culturais; além disso, cabe destacar a função social do traje, como indicativo de um contexto cultural. “O vestuário constitui uma indicação de como as pessoas em diferentes épocas, vêm sua posição nas estruturas sociais e negociam as fronteiras do status” (CRANE, 2006, p. 21).

Assim, o vestuário passa a ser visto como documento-memória, pois faz referências a uma cultura em um período específico, refere-se às tradições, aos hábitos e aos costumes que caracterizam os grupos sociais em diferentes épocas (SORCINELLI, 2008). Sendo assim “a roupa fala, e para

1 Artigo elaborado para a disciplina Design e Arte na educação: leitura histórica no contexto da contemporaneidade sob a orientação da Profª Dra. Ana Mae Barbosa.

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Page 2: ENTRE MODA, 1MEMÓRIA E MUSEUmodadocumenta.com.br/pdf/IVMD2014194-1.pdf · 1. Moda e Memória Como aporte teórico selecionamos, nesse primeiro momento, os autores FORTY, 2007; AZZI,

entendê-la, é preciso reposicioná-la como fonte histórica (GUEDES e TEIXEIRA, 2009, p.2)”. Contudo, apesar de adquirir espaço nas discussões históricas e culturais, ainda há certas restrições referentes à presença da moda nos museus. Albuquerque e Delgado dialogam com nossas proposições:

Apesar do traje e da moda estarem nos museus há muitos anos pela mão dos grandes mestres da pintura, somente no século XX se assume uma nova interdisciplinaridade entre a moda e a arte, ao passarem a ser sistematizadas e enquadradas nas discussões de abordagem artístico-científica. Dentro da temática agora apresentada, os museus podem-se assumir como locais privilegiados de desenvolvimento de competências ao nível da interpretação e análise crítica do Traje e da Moda, proporcionando oportunidades de pesquisa através das exposições das suas coleções de pintura e material interpretativo (ALBUQUERQUE E DELGADO, 2009, p. 324).

Vale ainda frisar que, somente na primeira metade do século XIX, alguns museus mostraram interesse por objetos referentes à moda. O tema design e moda, assim como sua presença nos museus, ganha evidência. Trata-se de um fenômeno que não se manifestou somente no estrangeiro, pois o Brasil, também, possui suas coleções e exposições. Com relação à moda no museu, AZZI esclarece que:

E, assim, a moda no museu pode ser utilizada como ferramenta de (re)construção memorialística, isto é, como fonte histórica para investigar a história da cultura material e a do comportamento, profundamente associados. Mas ela também permite uma leitura diacrônica, o diálogo interno já citado quando a roupa é colocada em contraponto aos outros trajes, datas e estilos variados. A partir de sua leitura é feita de forma comparativa não histórica, retirando a roupa de uma limitada escala temporal. (Idem, op. Cit, 75)

No Brasil, a coleção de Sophia Jobim Magno de Carvalho, exibida em sua casa, é considerada o marco museológico da moda. Em 1968 a coletânea foi doada ao Museu Histórico Nacional (AZZI, 2010). Há que se destacar, também, a presença de outras exposições que estão relacionadas ao assunto. Ao compreender a memória como algo que está presente em nossas vidas é possível entender os artefatos - roupas e acessórios - como memórias que falam de um tempo que já não existe mais, que caracterizam uma realidade específica. Por isso, neste projeto de pesquisa, o design do vestuário relacionado ao trabalho museológico vem complementar o estudo proposto.

2. Moda e Museu

Atualmente temos observado um aumento crescente de acervos museológicos da área de moda no Brasil, tanto em relação aos museus específicos da área de moda quanto nos históricos e de arte, além de institutos e fundações que preservam a memória. Fato é que não se pode negar que a roupa é um indicador de memória.

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As roupas trazem sensações, lembranças que nos remetem a momentos importantes de nossas histórias e vivências; elas mesmas contêm e contam histórias. Partindo desse pressuposto, musealizar uma peça de roupa significa que determinado objeto que foi doado e/ou adquirido, aceito e que deu entrada em um museu, como indicador da memória, tem uma história para contar. Esse processo de incorporação da peça ao acervo é feito detalhadamente, o que gera uma descrição do objeto - a documentação-, estabelecendo-se assim uma trajetória do artefato-roupa. Quando uma peça de vestuário entra em uma instituição museológica ela torna-se uma peça do patrimônio cultural do grupo que mantém esse espaço museológico. Isto é, transforma-se em objeto de contemplação. Duas conseqüências seguem diretamente destas afirmações: (1) o artefato muda sua função original, pois, se antes era útil, isto é, tinha uma função ligada à prática, neste segundo momento sua função se liga à reflexão, ao exercício do pensar; e (2) o efeito seguinte estaria associado ao fato do objeto tornar-se ‘sagrado’, uma vez que este adquire uma aura que valoriza e distancia-o de tal forma do público que ele se torna intocável.

O lugar-museu tem como função despertar a reflexão a partir do patrimônio. A museologia busca dinamizar os acervos dos museus visando à transmissão de conhecimento e aproximação com o público. A exaltação da memória, por sua vez, tem se ampliado na sociedade atual, e a cada dia cresce o número de instituições2 que preservam reminiscências das sociedades.

O artigo estuda em especial o acervo do Instituto Clodovil Hernandes que contém peças do “estilista3” brasileiro que dá nome ao instituto. Clodovil Hernandes (1937-2009), que foi um dos nomes importantes da moda produzida no Brasil, em meados dos anos 60, 70 e fins dos anos 80, produziu vestidos de luxo, que ele descrevia como “Alta Costura“ e que atendia a uma elite abastada.

2 Museu da Moda em Canela, Museu do Traje e do Têxtil em Salvador, Museu Imperial em Petrópolis, Museu Nacional do Calçado em Novo Hamburgo dentre outros como o Museu da Moda do Rio de Janeiro em fase de elaboração. 3 Alguns pesquisadores conceituam Clodovil Hernandes e Denner Pamplona de Abreu como criadores de moda, costureiros ou estilistas. Em nosso texto utilizaremos o termo Estilista pelo viés do design de moda, entendendo que na época os mesmos não eram tratados como design de moda. Haja vista que o temo é bem recente no Brasil, pois os primeiros cursos de moda sugiram apenas em meados dos anos 90.

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Figura 01. Exposição Clodovil Hernandes, Museu da Indumentária e da Moda- MIMo.

Acessado em 20 Novembro de 2013

Em 1960, conquistou o prêmio Agulha de Ouro se destacando como um dos principais criadores da sua geração ao lado de Dener Pamplona de Abreu, Zuzu Angel, Guilherme Guimarães, Ronaldo Ésper, Lino Villaventura, Ney Barrocas, José Nunes, Hugo Castellana, Alceu Penna, Madame Rosita, entre outros nomes importantes na História do Design de Moda no Brasil. Clodovil Hernandes vestiu personalidades importantes como: Elis Regina, Cacilda Becker, Hebe Alves e as famílias Diniz e Matarazzo, além de mulheres importantes da sociedade paulistana e carioca. Destacando-se, também, nos segmentos de prêt-à-porter, jeans, noivas e moda masculina, além de figurinos teatrais.4

4 Exposição Clodovil Hernandes, Museu da Indumentária e da Moda - MIMo 2013. Acesse: http://www.mimo.org.br/clodovil_hernandes.php

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Figura. 02 Figura. 03

Fig. 02. Clodovil Hernandes recebendo o prêmio agulha de ouro. (fotografia do acervo Instituto Clodovil Hernandes) Fig. 03. Clodovil com suas manequins (fotografia do acervo Instituto Clodovil Hernandes)

O outro acervo observado foi o Teciteca Denner Pamplona de Abreu pertencente ao Núcleo de Moda da Universidade Anhembi Morumbi, que contém um acervo de algumas peças do estilista brasileiro Denner Pamplona de Abreu como: fotografias, croquis e etc.

Dener Pamplona de Abreu (1936-1978) é considerado um dos maiores nomes da moda brasileira até o advento de uma nova geração de estilistas nos anos 1990. Preocupado em criar um estilo próprio, Dener pensou o futuro da moda como arte e como indústria. O auge de sua carreira ocorreu na década de 1960. O estilista, que vestiu primeiras-damas e socialites, foi, ainda, a primeira celebridade brasileira oriunda do segmento da moda.

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Figura. 04 Denner Pamplona de Abreu em seu atelier

Entendemos que a moda atua, em parte, como vitrine de comportamento de uma sociedade ou período; emerge como uma interface prodigiosa desse arranjo, por isso a escolha em estudar os feitos de Clodovil Hernandes e Dener Pamplona de Abreu, por meio dos acervos citados. Compreendemos que a História do Design de Moda no Brasil depende do que se encontra documentado, registrado e, também, ao recorrermos às lembranças de quem viveu aquela época e conheceu “o criador e a sua obra”.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao compreender a memória como algo que está presente em tudo e em todos, pode-se entender os artefatos - roupas e acessórios - como memórias que falam de um tempo que já não existe mais, que caracterizam uma realidade específica. Desta forma, o design e a moda nos museus vêm complementar os acervos que falam de um tempo pretérito e pode nos fazer pensar em futuro, já que o que está em jogo é o presente.

Neste sentido a ideia deste artigo foi apresentar um objeto de pesquisa para se pensar a Memória da Moda feita no Brasil, especificamente, recuperando nomes que fizeram história e caíram no esquecimento ou estão silenciados.

Aos museus de moda parece caber o encontro entre esses espaços produtores de sentidos: o

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design, o museu e a história da moda no país.

Referências

AZZI, C. F. Vitrines e coleções: Quando a moda encontra o museu. Rio de Janeiro: Memória Visual, 2010. CRANE, Diana, A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: SENAC, 2006. GUEDES, Renato Celestino, TEIXEIRA, Edilene Lagedo. “A moda feminina na década de 70: o exemplo Zuzu Angel”. In: Anais do Colóquio Internacional Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul. Universidade Federal de Santa Catarina – maio de 2009.

KAUARK, Fabiana. Metodologia da pesquisa : guia prático / Fabiana Kauark, Fernanda Castro Manhães e Carlos Henrique Medeiros. – Itabuna : Via Litterarum, 2010. MEIRELES, Tais. A moda no Museu. Disponível em: http://nilrevista.com/a-moda-no-museu/. Acesso em 17/05/2013. SORCINELLI, Paolo. Estudar a moda: corpos, vestuário, estratégias. São Paulo: SENAC. 2008.

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