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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMANDA MARTINS DE ESPÍNDULA AREVAL ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL SOBRE O CURRÍCULO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA CAVALO CUIABÁ-MT 2018

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Page 1: ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO ......À Michèle Sato pelas preciosas orientações e grande generosidade, mas, principalmente, pela amorosidade com que se fez presente

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

AMANDA MARTINS DE ESPÍNDULA AREVAL

ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

SOBRE O CURRÍCULO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA

CAVALO

CUIABÁ-MT 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte -GPEA

AMANDA MARTINS DE ESPÍNDULA AREVAL

ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

SOBRE O CURRÍCULO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA

CAVALO

CUIABÁ-MT 2018

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AMANDA MARTINS DE ESPÍNDULA AREVAL

ENTRE LINHAS E NÓS: UM OLHAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

SOBRE O CURRÍCULO NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE MATA

CAVALO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Educação. Área de Concentração:

Educação. Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais,

Política e Educação Popular

Orientador/a: Prof/a. Dr/a. Regina Aparecida da Silva

Coorientador/a: Prof/a. Dr/a. Débora Eriléia Pedrotti

Mansila

CUIABÁ-MT 2018

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à Escola Tereza Conceição Arruda e à Comunidade

Quilombola de Mata Cavalo, por seus exemplos de garra, resistência, luta e

esperança. Sou-lhes grata pela acolhida, amorosidade e, principalmente, por me

permitirem aprender em cada gesto e história contada em todos os momentos em que

lá estive. Sem vocês esta caminhada não seria possível. Gratidão!

À meus pais, José Cândido e Ana Maria, por todo amor, carinho e incentivo,

desde a infância, que me permitiram ser quem sou hoje. Por me fazerem sentir que

poderia voar o quanto desejasse e que estariam sempre ali caso precisasse pousar.

Eu precisei, e o amor de vocês me manteve forte. Obrigada!

E as meus três meninos: Alexandre, Luiz e Enzo, que me permitem sentir o

maior amor de todos e me fazem buscar incansavelmente ser uma pessoa melhor.

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AGRADECIMENTOS

Escrever estas páginas de agradecimento são de especial importância, pois,

materializam minha crença de que a grande razão de se existir é sermos “nós” e que

é impossível viver e ser feliz sozinho. Este caminho percorrido até o encerramento do

mestrado só foi possível com a presença daqueles que foram fé, compreensão,

incentivo, alegria, colo e puxão de orelha, e que farão parte de mim para sempre. Por

isso, é preciso agradecer.

À Deus e aos espíritos benfeitores que se fizeram presentes em todos os

momentos. Sim, eu pude senti-los! Pai, a força vinda de ti é indescritível, gratidão!

À Prefeitura de Vilhena/RO, através da SEMED – Secretaria Municipal de

Educação, por me permitir aperfeiçoar meus estudos, em especial ao Sr. José Carlos

Arrigo e a Srª Irondina Zoche que não mediram esforços, palavras de incentivo e

abraços para que o mestrado fosse possível.

Em nome de Luísa Maria Teixeira, agradeço ao programa de pós-graduação

da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) pela acolhida e apoio.

Aos membros da Banca examinadora Drª. Lucia Shiguemi Izawa Kawahara,

Profª. Drª. Lindalva Maria Novaes Garske e Profª. Drª. Tania Maria Lima, pelo carinho

e valiosas contribuições.

Aos professores e colegas do mestrado pelos diálogos e aprendizagens, em

especial à professora Elizabeth Sá e professor Edson Caetano, que nos permitiram

aprender sem o severo crivo da autoridade desmedida.

Ao GPEA, por reforçarem a certeza da importância do coletivo, do respeito e

da amorosidade durante o caminhar científico. Gratidão a Deus por ter encontrado

vocês nesta jornada terrena. Sintam-se abraçados: Michèle Sato, Michelle Jaber,

Regina Silva, Edilaine Mendes, Elizete Gonçalves, Lúcia Shiguemi, Júlio Resende,

Gisele Dalla-Nora, Ivan Belém, Giselly Gomes, Rosana Manfrinate, Rita Aleixes, Imara

Quadros, Ronaldo Senra, Débora Pedrotti, Carlos Ferreira, Cássia Fabiane, Denize

Amorin, Rafael Martine, Thiago Luiz, Adriany Abreu, Júnia Santana, Aleth da Graça,

Caio Felisberto, Raquel Ramos e Roberta Simione.

Especial agradecimento e admiração à minha orientadora Regina Aparecida da

Silva, por sua sensibilidade e imensa generosidade ao me perceber em todos os

momentos de 2014 até aqui. Gratidão Rê, por todo diálogo que me inspira e fortalece.

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À minha co-orientadora Débora Pedrótti, por todo carinho e cuidado, gratidão,

Preta!

À Michelle Jaber, por seu exemplo de força e fé, e por todas as vezes que me

disse, com olhar carinhoso, “vai dar tudo certo”. Sinta-se abraçada!

À Michèle Sato pelas preciosas orientações e grande generosidade, mas,

principalmente, pela amorosidade com que se fez presente em minha vida durante

estes anos. Grata, sempre!

Àqueles que trouxeram os mais sinceros e acolhedores sorrisos à minha vida

de UFMT, gratidão à Déborah Moreira (a melhor companhia pro café e longas

conversas cheias de afeto; a amiga forte com um dos maiores corações que já

conheci), Priscilla Amorim (a pessoa que me mostrou que amizade verdadeira não

precisa de anos para se fazer presente, se faz com respeito e se sente com o

coração), Jucieli Bertoncello (a menina de coração doce que sempre pediu um colo;

mal sabe ela que fui eu quem foi acolhida em muitos momentos), Cristiane Carolina (

minha companheira de pesquisa e de vida, irmãs de crença e de coração, sinto que

ainda temos muito para aprender juntas), Eronaldo Valles ( meu amigo/filho que me

inspira a ser forte e a acreditar que vai dar certo. Aquele que tem em si tamanha

generosidade que me faz desejar muitos ‘Eronaldos’ a este planeta), Herman Oliveira

(companheiro de café, amigo forte, sério e fazedor de piadas, grata por todas as

orientações que tanto contribuíram para meu crescimento) e Jakeline Fachin (aquela

que sentiu comigo todas as vezes que ser mãe e estudante era como se nos

arrancassem um pedaço do peito. Espero que sinta meu abraço mais forte todas as

vezes que este sentimento chegar. Somos fortes!), caminhar com vocês foi um dos

grandes presentes que recebi.

Ao meu irmão Júnior e às minhas irmãs Alexandra, Andréia, Cíntia, Fernanda

e Hallana, por serem meus exemplos de força e determinação. Por vibrarem a cada

etapa cumprida, por cada ligação, colo, mensagem, apoio e olhar afetuoso que a mim

destinaram, gratidão! Eu nada seria sem vocês.

À D. Ifigênia, Rosy e Rosana por serem apoio aos meus meninos quando eu

não pude estar presente, imensa gratidão.

À minha irmã/amiga/companheira Deusodete Aimi pela cumplicidade, por ser

minha inspiração e não me permitir desistir. Por me dar ânimo, café, tapioca e ainda

dividir comigo desde as angústias de mãe ao cobertor no ônibus. E, claro, por me dar

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a Flora de presente para alegrar as madrugadas e o caminho até o RU! Gratidão,

amiga!

Aos amigos que de longe se fizeram presentes para que eu nunca me sentisse

só e esmorecesse. Obrigada Liduína Girão, Máximo André, Elaine carvalho, Girlayne

Aguiar e Luciane Dalazem, sintam-se abraçados.

Ao meu amor/companheiro/amigo Raimison Areval, por compreender e aceitar

minhas escolhas, por ser pai e mãe, por enviar as melhores fotos nos momentos que

a saudade apertava, por compartilhar comigo tuas angústias e nos permitir perceber

que termos um ao outro foi nossa melhor escolha, por ser meu apoio e se alegrar

comigo a cada conquista. Amo você!

Toda gratidão do mundo àqueles que abriram mão da minha presença para

que eu pudesse seguir este sonho, meus filhos. Ao lindo e amoroso Alexandre, que

foi o melhor filho e melhor irmão mais velho que se pode ter e, mesmo sentindo

saudade, sempre dizia que estava tudo bem; ao radiante e criativo Luiz Fernando, que

conversava horas comigo durante as tardes e me acalmava o coração ao perceber

que fomos abençoados por tê-lo conosco; ao meu pequeno e amoroso Enzo que foi

forte, me encheu de beijos e cheiros para aguentar as viagens, por me fazer sentir

amada todas as vezes que abria os olhos, sorria e passava os braços em volta do

meu pescoço quando eu chegava cedinho em casa. Gratidão por me permitirem fazer

parte da vida de vocês!

Meus sinceros agradecimentos a todos e todas que, direta ou indiretamente,

colaboraram para que esta pesquisa se realizasse.

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RESUMO

A construção desta pesquisa foi tecida junto à Comunidade Quilombola de Mata

Cavalo, localizada no município de Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. Com

o objetivo de compreender qual a importância do currículo no contexto de uma escola

quilombola. Tecemos a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos à

educação e ao currículo no quilombo, refletindo sobre a importância da construção

coletiva de saberes desta Comunidade Aprendente, tendo a Educação Ambiental,

como linha fundamental. A metodologia escolhida foi a sociopoética, de Gauthier, que

nos permitiu o envolvimento de grupo pesquisador nas trocas de saberes e sentidos,

unindo CONCEITOS com AFETOS, os CONFETOS, lançando novos olhares sobre

uma escola dentro do quilombo. Com enfoque na educação ambiental, educação

quilombola e no currículo, foi possível compreender os processos de construção

coletiva de um currículo da vida, pensado com e pela comunidade quilombola. Durante

a escrita dos capítulos descreveu-se sobre a história dos quilombos no Brasil, do

quilombo de Mata Cavalo e sua luta pelo direito a educação dentro de seu território,

onde, pode-se perceber que o entrelaçamento da Educação quilombola e da

Educação Ambiental, pelo bordado das Escolas sustentáveis, traz o desenho do EU-

CURRÍCULO (os saberes e fazeres das pessoas) com o OUTRO-GESTÃO (as

relações culturais/ etnografia local) e o emaranhado com o MUNDO-ESPAÇO (a luta

territorial), formando um currículo da vida fenomenológico e, portanto, pós-crítico. Um

currículo que trabalha a questão da cultura, da interculturalidade e identidade, sem

deixar de lado a luta quilombola, que é também territorial e, assim, uma luta ambiental.

A construção do currículo da vida significa considerar toda a interculturalidade

existente no quilombo, materializando sua cultura e seus saberes como uma forma de

lutar e resistir diante de um sistema excludente e cheio de intencionalidade, que ainda

hoje os ignora. Trazendo a elaboração de táticas educativas à serem desenvolvidas

dentro do quilombo; novos projetos, novos sonhos, com a força das mãos e linhas de

sua história.

Palavras-chave: Educação; Educação Ambiental; Comunidade Quilombola;

Currículo.

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ABSTRACT

The construction of this research was woven by Community Quilombola de Mata

Cavalo, located in the municipality of Nossa Senhora do Livramento, Mato Grosso. In

order to understand the importance of the curriculum in the context of a quilombola

school. We write the writing of this dissertation with the eyes and senses attentive to

the education and the curriculum in the quilombo, reflecting on the importance of the

collective construction of knowledge of this Learning Community, with Environmental

Education as a fundamental line. The methodology chosen was Gauthier's

sociopoetics, which allowed us to involve a research group in the exchange of

knowledge and senses, uniting CONCEPTS with AFFECTS, the CONFETTS, casting

new glances over a school within the quilombo. Focusing on environmental education,

quilombola education and the curriculum, it was possible to understand the processes

of collective construction of a curriculum of life, thought with and by the quilombola

community. During the writing of the chapters was described the history of the

quilombos in Brazil, the quilombo of Mata Cavalo and their fight for the right to

education within his territory, where it can be seen that the interweaving of Quilombola

Education and Environmental Education, through the embroidery of Sustainable

Schools, brings the drawing of the EU-CURRICULUM (the knowledges and doings of

the people) with the OTHER-MANAGEMENT (cultural relations / local ethnography)

and the entanglement with the WORLD-SPACE (the territorial struggle), forming a

curriculum of phenomenological life and, therefore, post-critical. A curriculum that

works on the issue of culture, interculturality and identity, without neglecting the

quilombola struggle, which is also territorial and, thus, an environmental struggle. The

construction of the curriculum of life means considering all the interculturality that exists

in the quilombo, materializing its culture and its knowledge as a way of fighting and

resisting before an excluding and intentional system that still ignores them today.

Bringing the elaboration of educational tactics to be developed within the quilombo;

new projects, new dreams, with the strength of the hands and lines of its history.

Keyword: Education; Environmental education; Quilombola Community; Curriculum.

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Figura 1: Mapa de Localização do Município de Nossa Senhora do Livramento/MT.

(p.27)

Figura 2: Mapa dos Conflitos na Comunidade Quilombola Sesmaria Boa Vida Mata

Cavalo. (p.30)

Figura 3: Pressupostos Pedagógicos do Projeto de Escolas Sustentáveis. (p.65)

Figura 4: Diagrama que apresenta a Tríade base do Projeto Escolas Sustentáveis.

(p.67)

Quadro de Figuras 5: Processo Formativo em Escolas Sustentáveis na Comunidade

Quilombola de Mata Cavalo, 2015. (p.69)

Quadro de Figuras 6: Execução do PAEC, Casa da Cultura Quilombola, 2015. (p.71)

Figura 7: Casa da Cultura Quilombola de Mata Cavalo. Associação Mata Cavalo de

baixo, Quilombo de Mata Cavalo, 2017. (p.72)

Quadro de Figuras 8: Cartazes contendo os registros da Oficina “Observatório

Territorial Quilombola”, 2016. (p.76)

Quadro de Figuras 9: Processo Formativo: Mapa Cultural, escola e currículo no

Quilombo Mata Cavalo, 2017. (p.77)

Figura 10: Escola Municipal São Benedito, Quilombo de Mata Cavalo, 2005. (p.86)

Figura 11: Escola Rosa Domingas, Quilombo Mata Cavalo. (p.87)

Figura 12: Escola Tereza Conceição Arruda, comunidade Quilombola de Mata

Cavalo, 2016. (p.88)

Figura 13: Currículo da Vida da Escola Tereza Conceição Arruda, Comunidade

Quilombola de Mata Cavalo, 2017. (p.108)

Figura 14: Possibilidades e táticas educativas descritas durante o Processo

Formativo: Mapa Cultural, escola e currículo no Quilombo Mata Cavalo,

2017. (p.110)

Quadro 1 : Roteiro das entrevistas (p. 74)

Quadro 2 : Roteiro utilizado nos grupos de trabalho durante o Processo Formativo:

Mapa Cultural, escola e currículo no Quilombo Mata Cavalo, 2017. (p.78)

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CA Comunidade Aprendente

COM-VIDA Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida

CONAQ Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais

Quilombolas

EA Educação Ambiental

ES Escolas Sustentáveis

EJA Educação de jovens e Adultos

EETCA Escola Estadual Tereza Conceição Arruda

GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

IC Instituto Caracol

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC Ministério da Educação

ONG Organização não governamental

PAEC Projeto Ambiental Escolar Comunitário

PNEA Política Nacional de Educação Ambiental

PPP Projeto Político Pedagógico

PrEA Projeto de Educação Ambiental

PCAQ Práticas em Cultura e Artesanato Quilombola

PTS Prática em Tecnologia Social

PTAQ Prática em técnica Agrícola Quilombola

SECADI Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão

SEDUC Secretaria de Educação do Estado do Mato Grosso

SEMED Secretaria Municipal de Educação

UFMS universidade Federal de Mato Grosso do Sul

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UFOP Universidade Federal de Ouro Preto

UNIR Universidade Federal de Rondônia

WWF World WideFund for Nature

EETCA Escola Estadual Tereza Conceição Arruda

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SUMÁRIO

SUMÁRIO 13

CAPÍTULO I - O tecido biográfico ecológico: do bordado interno ao tecer da escrita

10

1.1 Biografia Ecológica 10

CAPÍTULO II - Moldes, desenhos e inspirações do tecido literário 22

2.1 Marcas da história: Os quilombos no Brasil e o quilombo de Mata Cavalo 22

2.2 Educação e Currículo no Quilombo: o entrelaçar dos saberes 32

2.3 A Educação quilombola e a Educação Ambiental: linhas de engajamento e

luta 44

CAPÍTULO III - Moldando os desenhos com linhas e agulhas 56

3.1 - O Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

(GPEA) e a Sociopoética: caminhos metodológicos vivenciados 56

3.2 Moldes e desenhos - Procedimentos da pesquisa 61

3.3 Entrelaçar de linhas e agulhas – os processos formativos 62

ROTEIRO DE ENTREVISTA 74

CAPÍTULO IV – Tramas, Franjas, pontos e cores 81

4.1 A escola na comunidade quilombola de Mata Cavalo: símbolo de resistência

e luta. 82

4.2 No Arremate dos fios e o preparo para novos bordados 95

Considerações sobre a Tessitura do Bordado 113

REFERÊNCIAS 117

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Inspirada nas experiências de minha infância, envolvida entre linhas,

tecidos, moldes e bordados de quem tem uma mãe que costura e borda; nos

bordados que fiz aos 18 anos para ajudar na renda de minha casa e após

conhecer o tear e a força de Candurinha, no Quilombo de Mata Cavalo, escolhi

escrever esta dissertação como quem tece um bordado; por acreditar que cada

linha do bordado, assim como as escolhas feitas em nosso caminhar, leva um

pouco de nós e daqueles que estiveram conosco nesta construção de

bordar/viver, marcando de forma duradoura nossas memórias no tecido da vida.

Desta maneira, a escolha do poema1 Poemeto do Tecelão ou A canção

tecida, no limiar do primeiro capítulo deste trabalho, se fez porque em seus

versos podemos perceber o ritmo e a sonoridade de um tear. Transcrevendo

nestes versos e pautas os momentos de tecer a escrita; ora em ritmo lento, ora

em compassos acelerados, característicos dos momentos vivenciados por mim

nesta caminhada de pesquisa. Desta forma, todos os capítulos são sinalizados

com poemas que muito significam nesta dissertação, por representarem o

contexto próprio de cada um. Utilizando o fundo de tecido de urdidura manual,

represento a trama da vivência e da escrita desta pesquisa.

CAPÍTULO I - O tecido biográfico ecológico: do bordado interno ao tecer

da escrita

1.1 Biografia Ecológica2

“O senhor ... mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou

desafinam, Verdade maior é que a vida me ensinou. Isso me alegra montão”.

Guimarães Rosa

Iniciar o caminho desta pesquisa representou um grande desafio. Pareceu-

me um percurso desconhecido quase inalcançável e, por vezes, confesso que

1O poema Poemeto do tecelão ou A canção tecida está disponível no link: https://urdidura.wordpress.com/poesias/ 2 É importante esclarecer que, por fazer parte de um grupo pesquisador e também por assumir como metodologia a sociopoética, compreendo que durante todo o processo da pesquisa não caminhei sozinha, fomos um coletivo nesta construção. Desta forma na escrita da dissertação em alguns momentos utilizo a 1ª pessoa do singular (EU) e, quando necessário, utilizo a 1ª pessoa do plural (NÓS).

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esta caminhada me fez estremecer. Entretanto, percebi que seria neste

movimento de pesquisadora e aprendiz que teria a possibilidade de ir além,

descobrir caminhos, tomar direções nunca antes feitas, me fortalecer como

pessoa, filha, esposa, mãe e educadora. Era o momento de estar no mundo e

com o mundo; de me tornar um ser capaz de me relacionar; de sair de mim; de

projetar-me nos e com os outros; de transcender (BRANDÃO, 1999). E assim,

“neste esforço a que me vou entregando, re-crio e revivo, no texto que escrevo,

a experiência vivida [...]” (FREIRE, 1989, p.9), para entrelaçar minhas vivências

e o desejo da pesquisa que aqui apresento.

Por compreender que,

A linguagem, afinal, é uma instância de investigação que apreende os sentidos, reconstrói os significados e experimenta as vivências do mundo. [...], portanto, é por meio das linguagens aqui expostas que também construímos nossas identidades (SATO et al; 2013, p.23).

Poder escrever e dialogar entrelaçando as linhas de minhas vivências,

como pessoa e educadora, ao mesmo tempo em que me componho

pesquisadora, é uma singular característica do Grupo Pesquisador em Educação

Ambiental Comunicação e Arte (GPEA) com o qual caminhei durante o mestrado.

Essa oportunidade me possibilitou tanto caminhar como pesquisadora e

educadora, inquieta e solitária, como integrante do grupo pesquisador,

compartilhando da leveza de sonhos e trabalhos que o coletivo proporciona, pois

como nos apresenta Brandão (2005, p.90), “nada enriquece mais o que se

investiga, o que se sabe e compreende e o que se faz, do que a soma de

diferentes contribuições. A integração entre diferentes experiências de vida,

entre diversos modos de sentir e pensar”. Sinto-me privilegiada por experimentar

todas estas possibilidades de saber e ensinar sob o olhar da Educação

Ambiental (EA) que “nos chama para a importância da solidariedade – porque

de todos os modos nós estamos ligados uns aos outros, nós os humanos e os

outros seres vivos”, implicados a “uma alegria para buscar, fazer vibrar nos

diversos modos de nos religarmos aos seres, à vida” (SAUVÉ, 2016, p.294).

Desta forma, por acreditar que não é possível refletir sobre o que é

educação, currículo e educação ambiental, que aqui me propus, sem “refletir

sobre o próprio homem” (FREIRE, 1999, p.27), teço um pouco das vivências que

me trouxeram até aqui e os autores que fortaleceram minhas linhas

epistemológicas.

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O fio da meada que marca o início de minha história é o exemplo da força

e perseverança de meus pais, um jovem casal, que no ano de 1983, resolve sair

do sul do país para desenhar o próprio caminho nas terras do estado de

Rondônia. Neste estado tivemos a oportunidade de escolher os tecidos e linhas

que gostaríamos de utilizar para criar nossos próprios bordados. Trouxemos

conosco um pouquinho de Terra de Areia, Osório, Riozinho, Cacoal e então

Vilhena, cidade onde vivemos até hoje.

Este exemplo de garra, fé e esperança de meus pais, marcaram

profundamente todas as decisões tomadas durante meu percurso de vida e me

possibilitaram, como educadora, vislumbrar a educação com os mesmos

sentimentos que já estavam bordados em mim. Junto a cinco irmãos mais velhos

para me inspirar e com o sentimento de ter um mundo inteirinho para

experimentar, pude aprender uma imensidão de saberes que foram construídos

através de “cada troca de palavra, cada troca de gesto, cada reciprocidade de

saberes”, dando sentido aos momentos de aprendizagem, antes mesmo de

chegar à escola, aos seis anos (BRANDÃO, 2005, p,86).

Crescer em uma família grande tem a vantagem de que sempre teremos

com quem contar e nos encorajar a seguir. Não é pelo total de pessoas que digo

que minha família é grande, mas pelo imenso amor, perseverança, fé e respeito

com que meus pais teceram nosso lar. E, mesmo sem saber, seria este

aprendizado que trariam as conexões profundas com a metodologia de pesquisa

seguida pelo GPEA, a amorosidade, seriedade e o coletivo.

É também, neste contexto que meu tecido ecológico começa a ganhar

contornos e cores. Vilhena é uma cidade de grande e inspiradora biodiversidade,

recortada por três rios que dão vida a grande parte do Estado. Entre estas águas,

árvores, bichos e gentes, foi que passei grande parte da infância. Nossa casa

não ficava limitada ao espaço recortado pelas cercas de balaústres e, mesmo

sem ainda compreender a dimensão desta relação, fui vivendo/crescendo sob o

teto/céu de “nossa casa comum” (BRANDÃO, 2005, p. 90) onde nós vivemos e

alinhavamos juntos valores e desejos para a vida.

Dentre as primeiras aprendizagens de minha vida posso perceber àquelas

que se fizeram intensamente forte e influenciaram nas escolhas para esta

pesquisa; meu pai, ainda muito jovem, foi professor no interior do Rio Grande do

Sul e sempre contou sobre esta experiência com olhar saudoso e repleto de

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orgulho, pois, como ele mesmo conta, não ensinava só gramática, gostava de

ensinar e aprender, sobre tudo aquilo que meninos e meninas tivessem desejo

de conhecer. Talvez seja por isso que tanto me inquieto ao pensar a escola como

local restrito ao ensinar e aprender tradicional, onde um professor seja apenas

um “especialista em reprodução, peça de um aparelho ideológico de Estado”

(ALVES, 2011). Cresci com o desejo de ser mais que professora, queria ser

educadora. Educadora como a descrita por Rubem Alves (2011): fundadora de

mundos e mediar esperanças; mas com a amorosidade e respeito trazidos por

Brandão (2005) quando nos diz que todas as pessoas são fontes originais do

saber e trazem consigo conhecimentos, práticas e habilidades diferentes uns dos

outros e que na troca de saberes, estes se complementam, se transformam,

deixando claro que são saberes diferentes, mas não são saberes desiguais.

Esta era a educadora que pretendia me tornar, aquela que acredita que “há vida

na escola e para além dela” (SATO, 2013, p. 5).

Outra aprendizagem que me impulsionou e que me fez transcender todos

os significados das palavras: amor, fé, caridade, responsabilidade, medo e

coragem, foi o nascimento de meus três filhos. Cada um deles marca de forma

tão profunda os tecidos de minha existência que me compõem como alguém que

raramente pensa no singular; permitem-me ver os encantos dos pequenos

pontos e tramas que tecemos nesta travessia chamada vida e que este “encanto

tende a curar tudo” (BARROS, 2016, p.9). É com esse encantamento que sigo

tecendo os sonhos e anseios do caminho.

Desta forma, movida pelo desejo de ser educadora, escolhi cursar

magistério e também pedagogia. E, com essas novas vivências, veio a certeza

de que tinha escolhido as linhas certas: a escola era meu lugar. Ensinar e

aprender trazia ainda mais sentido à minha vida.

Nesta construção de minha identidade profissional, passei no concurso

para professora da rede municipal de ensino de Vilhena. Então, pude participar

de diversos cursos e seminários promovidos pela Secretaria Municipal de

Educação (SEMED) envolvendo a área de Educação Ambiental. No entanto, as

atividades e propostas dialogadas nestes encontros nos remetiam a práticas

pedagógicas pontuais e pouco reflexivas (Semana do meio ambiente, dia da

árvore, coleta seletiva do lixo, dia do índio, dia da consciência negra, etc), que

me instigaram a querem ir além, a realmente me embrenhar no universo da EA.

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No ano de 2009 fui convidada para assumir a gerência de educação

ambiental na SEMED e também a tutoria da formação continuada dos

professores de 1º ao 5º ano, por meio da formação para tutores do Programa de

Formação Continuada (Pró-letramento), oferecido pela Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ). Foram momentos preciosos, pois o bordado profissional

me permitiu estar em contato direto com todas as escolas da rede municipal e,

assim, conhecer o que se desenvolvia sobre EA dentro das 24 escolas da rede.

Nessa mesma época conheci o Projeto de Revitalização dos rios Barão do

Melgaço e Pires de Sá, que tem suas nascentes dentro do município de Vilhena

e hoje têm seus percursos marcados pela degradação e invasão humana, com

o risco de secarem. Foi neste momento do caminho, junto a este projeto, que

senti que EA era muito mais que coleta seletiva; era respeitar o direito à vida, era

dialogar sobre nossa responsabilidade como integrantes deste planeta, na

“esperança de que a sociedade desejada seja democraticamente construída,

ambientalmente responsável e socialmente justa” (SATO; GAUTHIER;

PARIGIPE; 2005, p.99). Éramos um grupo de alunos, professores e voluntários

engajados na recuperação das nascentes de dois rios, quase que extintos pela

ação arbitrária do homem em sua gana desenvolvimentista. Mas era preciso

estudar, aprender mais, tão pequena era/sou eu diante de tanto a aprender.

Chegara o momento de organizar bastidores, linhas e agulhas para

redirecionar os caminhos a seguir. Aprender ainda era o que me movia, então,

em 2012, comecei uma especialização em gestão ambiental pelo Instituto

Federal de Rondônia (IFRO) e, nas leituras para a escrita do trabalho final, me

deparo com o nome de Michèle Sato e o blog do GPEA, trazendo uma imensidão

de possibilidades, de novos olhares, prismas e sentimentos sob a luz da EA.

Com imenso desejo de compreender a educação ambiental, que naquele

momento era ainda distante de minhas vivências, e repensar o espaço da escola,

em 2014, fui aluna especial no Programa de Pós-Graduação em Educação

(PPGE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no GPEA, me

aproximei das leituras de Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Michele Sato

e tantos outros. Ser aluna especial era uma grande conquista, mas também

exigia dedicação, força de vontade e perseverança. Dedicação para encontrar

espaço entre a vida de mãe, esposa, filha e professora, momentos para ler todos

os textos e livros que eram necessários; o tempo encontrado foi entre às 03h e

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06h da manhã, e foi neste silêncio da madrugada que tanto aprendi. Força de

vontade para deixar a família e viajar toda semana, percorrendo de ônibus 1.426

km, com um total de 24 horas de estrada. Durante todo este ano precisei sair de

Vilhena/RO todas as terças-feiras à noite e viajar 12 horas até chegar em

Cuiabá/MT, estudar pelas manhã nas mesinhas do corredor do Instituto de

Linguagem (IL), às 14:30 participar dos colóquios e de lá seguir para a rodoviária

e voltar para casa, mais 12h até chegar e ir trabalhar. O mundo não parava para

que eu pudesse estudar. Embora, algumas vezes, no banco da rodoviária tenha

pensado: Será que estou fazendo o certo? Vale a pena tudo isso? Não podia

parar, desistir não era uma opção. Valeria a pena, e valeu; eu cresci, nós

crescemos!

Por isso, era preciso ter perseverança, por mim e por aqueles que

sonhavam comigo. E como escreveu Miguel de Cervantes “A perseverança é a

mãe da boa sorte”.

E esta boa sorte, me possibilitou encontrar irmãos/companheiros de

sonho e ideal, pessoas estas que me ensinaram que “o caminho se faz

caminhando” (FREIRE; HORTON, 2003), e que quando se caminha junto, todos

ganham, todos aprendemos. O GPEA é excepcionalmente um grupo que nos

proporciona compreender o significado de coletivo, de respeito e de amor em

sua mais profunda dimensão. Gratidão!

Ao pensar nas dificuldades que enfrentava para continuar estudando, me

questionei, diversas vezes, sobre o quanto a educação ainda é um ponto frágil

em nosso país, será mesmo que o lema governamental: “Educação para todos”

chega aos ‘todos’ que querem estudar? Será mesmo que a educação que hoje

é oferecidas nas escolas permite que ‘todos’ tenham sonhos e/ou expectativas

de continuar estudando? Será mesmo que basta somente ‘querer estudar’?

Infelizmente hoje em nosso país a educação ainda não está ao alcance

de todos, embora seja direito das crianças estarem na escola à partir dos quatro3

anos, dar continuidade a estes estudos é um problema social. A distribuição de

renda de nosso país é extremante injusta, o que faz com os jovens, que deveriam

3 A partir da Lei 12.796/13, fica definido como obrigatório a inserção das crianças com quatro anos de idade na escola. Documento disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm

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continuar seus estudos, ao terminarem o ensino médio ou antes disto, precisem

optar por procurar emprego para ajudar nas despesas de suas casas.

É preciso então, compreender que, embora muitos adultos voltem as

escolas, “o simples acesso à escola é condição necessária mas não suficiente

para tirar das sombras do esquecimento social milhões de pessoas cuja

existência só é reconhecida nos quadros estatísticos”. (MÈSZÁROS, 2008,

p.11). Temos em nosso país uma organização política e social onde as

instituições de ensino formal, mesmo descritas com o discurso de ‘espaço para

todos’, traz um currículo enraizado nas ideologias capitalistas e excludentes.

Onde, mesmo que se queira estudar, é preciso um esforço para além do querer,

é preciso transpor as barreiras do descaso e da injustiça social em que estamos

inseridos.

Quando nos propomos a escrever sobre currículo e a repensar a

educação é preciso que pensemos em qual o papel da educação na construção

de outro mundo possível, onde se transcenda a histórica de formar sujeitos para

o mercado de trabalho e manter o sistema de produção dirigido por uma pequena

parcela privilegiada Mészáros (2008). Por isso, É importante refletir e buscar uma

educação que potencialize as transformações políticas, econômicas, culturais e

sociais necessárias.

Estas inquietações sobre a educação que temos e aquela que queremos,

ganharam espaço durante os diálogos no grupo de estudo, tema este que me

intrigava, pois, percebia na escola e no currículo restrito que nela estava

presente, um local castrador e incoerente. Era preciso repensar a escola e a

educação.

Durante uma das apresentações dos colóquios, ouvi falar de forma mais

profunda sobre currículo como construção social; como construção do saber;

currículo como identidade e poder; sobre currículo da vida, percebendo, assim,

que seria possível entrelaçar os anseios e sonhos da educadora e mãe com a

militância por uma sociedade mais justa sob o olhar da EA. Nasce aí a inspiração

para a composição do bordado-pesquisa que teve início em 2016, com o

ingresso no mestrado em educação da UFMT.

Como mestranda em educação, começo a tecer as memórias da

experiência de fazer parte de um grupo pesquisador. Com passos pequenos,

mas firmes, iniciei meus caminhos por este sonho. Junto ao GPEA, fui

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aprendendo a escolher os tecidos, agulhas e linhas necessárias para a

composição desta pesquisa.

Nessa caminhada, conheci o Quilombo de Mata Cavalo4 e as ações

desenvolvidas pelo/com o grupo junto à comunidade, uma aliança que existe

desde 2006. Foi possível, então, sentir a grandeza desta aliança entre

GPEA/Comunidade na construção coletiva de novos saberes, na busca

permanente por visibilidade e força às pessoas guerreiras que lutaram para a

construção e reconstrução de suas histórias, para manterem vivas sua

multiplicidade e cultura, diante de tantos percalços que a comunidade enfrenta.

Durante essa aproximação junto ao Quilombo de Mata Cavalo e ao

estudar sua história, nos deparamos com a parceria de dez anos entre o GPEA

e a comunidade, que resultou na elaboração de projetos de pesquisa5 que

tiveram o quilombo como local de estudos, considerando as percepções sobre

suas lutas, conflitos, saberes, culturas e relação com a natureza (AMORIM,

2017) e que foram de extrema relevância para que esta escrita pudesse ser feita.

Através das leitura deste alinhavar de histórias que compõem o Quilombo de

Mata Cavalo e os processos formativos desenvolvidos nestes dez anos,

pudemos perceber a importância da escola dentro do quilombo e o anseio da

comunidade em rever o currículo formal que chega até a escola. Visto que, os

entrevistados, em vários momentos, ressaltam que sentem vontade de ter mais

“coisas” quilombolas nas atividades vivenciadas na escola e na/com a

comunidade.

Dessa forma, surge o desejo de conhecer, como pesquisadora, a

organização atual do currículo da escola, quais as diretrizes curriculares do

estado de Mato Grosso e se nelas estão especificadas as características da

cultura quilombola, além de compreender como a EA está inserida no contexto

escolar e na vivência da comunidade.

4 O complexo Boa Vida – Mata Cavalo situa-se no município de Nossa Senhora do Livramento, às margens da rodovia que interliga Cuiabá a Poconé, 42km de distância da capital mato-grossense. Mata Cavalo foi reconhecido como quilombo e titulado pela Fundação Cultural Palmares com uma área de 11.722 hectares de ocupação tradicional por famílias descendentes de negros escravizados, ou “remanescentes”, como eles se autodenominam. (Informação retiradas do Laudo pericial histórico-antropológico, escrito por Edir Pina de Barros, 2007). Falaremos mais profundamente sobre o quilombo no próximo capítulo. 5 Falaremos sobre estes projetos e pesquisas no terceiro capítulo desta dissertação.

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Assim, sob este olhar da Educação Popular e Ambiental, podemos

sonhar, juntos, com um currículo que contemple as múltiplas características que

enriquecem um quilombo. Aliando estas dimensões, com o objetivo de

compreender qual a importância do currículo no contexto de uma escola

quilombola, tecemos a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos

à educação e ao currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, refletindo

sobre a importância da construção coletiva de saberes desta Comunidade

Aprendente (BRANDÃO, 2005) e da Educação Ambiental como linha

fundamental na trama escola e comunidade.

Onde pudemos refletir sobre como a educação, a EA e a Educação

Quilombola se entrelaçam e se complementam no bordado de seus múltiplos

saberes, em seus processos de socialização e como possibilidade da construção

coletiva de um currículo da vida elaborado com e pela comunidade Quilombola,

ligando escola, comunidade e ambiente e sua luta social.

Com essa intenção, propusemos momentos de diálogos, reflexões e

trocas de saberes, interligando escola, comunidade e grupo pesquisador durante

um processo formativo que iremos descrever adiante em nossas escritas. Uma

vez que, o intuito desta pesquisa é compreender os processos de construção

coletiva de um currículo da vida, pensando com e pela comunidade Quilombola.

E que, desejado e construído coletivamente, evidencie os elementos culturais e

os sonhos de um quilombo que resiste e luta para não desaparecer, diante da

rápida ascensão capitalista que tem buscado invisibilizá-los. Pensando um

currículo como “território político” que traga a possibilidade de construção

coletiva de tática educativa de resistência, que auxilie a reflexão sobre “quais os

conhecimentos são considerados válidos” para a Comunidade Quilombola de

Mata Cavalo (SILVA, 2013, p.148).

Trazemos6 como base desta pesquisa, os princípios da Educação

Ambiental Popular, onde se reconhece os diferentes saberes, sem hierarquias;

unindo diálogo, aprendizagem coletiva, política e educação nas reflexões sobre

cultura, ambiente e currículo, na busca por uma sociedade mais justa

6 Por nos assumirmos como grupo pesquisador, onde em alguns momentos fomos ‘nós’, coletivo, e em outros foi preciso ficar sozinho e perceber o olhar do ‘eu’ para a construção desta pesquisa, utilizamos em alguns momentos a primeira pessoa do singular e quando necessário, a primeira pessoa do plural.

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(MOREIRA, 2017). Pois, partimos do pressuposto de que a escola, enquanto um

espaço de poder, precisa considerar a organização e articulação da prática

pedagógica diante dos conflitos ambientais vivenciados por seus moradores,

exercendo uma educação não neutra e que possa fortalecer a identidade de

resistência da comunidade.

Assim, teço a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos à

educação e ao currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, refletindo

sobre a importância da Educação Ambiental como linha fundamental na

construção coletiva de saberes desta Comunidade Aprendente (CA)

(BRANDÃO, 2005). Compreendendo aqui, como CA, um grupo de pessoas que

interagem, trocando e produzindo novos saberes, ou seja, os grupos dos quais

fazemos parte durante nossa vida: família, grupo de amigos, grupo de trabalho,

entre outros. Aprendendo e ensinando nessas inúmeras interações, como em

Brandão (2005, p.87): “Assim é que podemos chamar cada uma destas unidades

de vida e de destino de comunidades aprendentes. Pares, grupos, equipes,

instituições sociais de associação e partilha da vida.”

Nessa escrita, trago como CA todas as pessoas que participaram dos

momentos de interação no Quilombo de Mata Cavalo durante essa pesquisa,

pois, se relacionaram “inter-trocando saberes” (BRANDÃO, 2005): o grupo

pesquisador, seus integrantes, alunos, professores, funcionários da escola e

toda a comunidade quilombola, que participaram do processo formativo sobre

currículo.

Para apresentar o bordado formado durante o caminho desta pesquisa,

escolhemos organizar a dissertação em quatro capítulos. Neste capítulo I,

intitulado O tecido biográfico ecológico: do bordado interno ao tecer da escrita,

trançamos as linhas das vivências da pesquisadora e as inquietudes que a

trouxeram até esta pesquisa, bem como de onde nos posicionamos, como grupo

pesquisador, diante das injustiças sociais que ainda refletem na educação e,

claro, na escola.

No capítulo II, Moldes revistas e inspirações do tecido literário, trazemos

as concepções de currículo e educação ambiental que sustentam e dão forma

ao bordado proposto junto ao GPEA. Apresentamos, também, sobre os

quilombos no Brasil, o quilombo de Mata Cavalo e suas multiplicidades diante de

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um currículo quilombola. Pois acreditamos que este caminho histórico é que

fortalece e significa os sonhos e resistências deste povo.

Moldando os desenhos com linhas e agulhas, terceiro capítulo, é onde

ilustramos as escolhas metodológicas, esclarecendo sobre as etapas e os

procedimentos utilizados para a realização da pesquisa. Pesquisa está, escrita

sob o sentir da Sociopoética (GAUTHIER), que nos permitirá expor o

posicionamento do grupo pesquisador, alinhavando conceitos com afetos, os

confetos, que ousam conjugar o verbo amar entre ciências e arte (SATO;

SENRA, 2009, p.140).

Capítulo IV, Tramas, franjas, pontos e cores, traz a vivência da

comunidade de Mata Cavalo, a relação GPEA e Comunidade, a Escola Tereza

Conceição Arruda como território de encontro, união e luta. Onde foi possível,

sonhar coletivamente sob o desejo de um currículo da vida que pudesse

arrematar tamanha riqueza cultural desta comunidade. Ressaltamos os

movimentos de luta da comunidade, primeiro por suas terras, depois para ter o

direito a uma escola no quilombo e, principalmente, a luta por um currículo vivo,

pensado e sentido com e pelos/as quilombolas, possibilitando visibilidade e

fortalecimento de sua história.

Em último momento, apresento as Considerações sobre a tessitura do

bordado, sem a intenção de deixar algo concluído ou acabado, mas com a

certeza de que quando aprendemos coletivamente damos sentido ao tecer/viver

e “costuramos um viver juntos” (GAUTHIER, 2005). Um viver que vai construindo

uma história, sem pressa, mas com confiança no futuro, nas conquistas,

seguindo os pontos, laços, fazendo ajustes para se tecer uma sociedade mais

justa, assim como ao fazer um bordado, em que se deve seguir a um risco e

contemplar cada ponto durante o percurso.

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Para iniciar este capítulo escolhemos o Poema de Solano Trindade7 que trança

em seus versos o registro da histórias de homens e mulheres negros/as que

foram submetidos a tamanha injustiça trazida pela escravidão. Também, por

descrever com delicadeza a força e riqueza de um povo que resiste, luta e sonha

por sua libertação ainda hoje.

Inspirados pelo tracejo destas palavras escrevemos o capítulo que se

segue, adentrando na história dos quilombos no Brasil e chegando ao Quilombo

de Mata Cavalo. Ao descrevermos a relação entre essa história social e o

quilombo de Mata Cavalo, buscamos, também, a relação entre o quilombo e o

papel da educação neste processo. O que nos instiga na busca para

compreender se o currículo existente hoje na comunidade contém os elementos

socioculturais que fazem parte do processo histórico por ela vivenciado, sendo

de suma importância para esse currículo vivo que que aqui desejamos.

CAPÍTULO II - Moldes, desenhos e inspirações do tecido literário

“A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela não podem igualar-se os tesouros que

a terra encerra nem que o mar cobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida, e, pelo contrário, o

cativeiro é o maior mal que pôde vir aos homens.” Dom Quixote, Parte 2, Capítulo 58.

2.1 Marcas da história: Os quilombos no Brasil e o quilombo de Mata

Cavalo

Para chegarmos aos pontos marcados no “bordado” da história dos

quilombos no Brasil, precisamos conhecer as “linhas” da escravidão que

permearam os séculos XVI a XIX de nosso país.

O Brasil se constitui pela imensa diversidade/diferença dos povos que o

teceram. Desta forma, dentre as linhas escolhidas para as tramas de seu

bordado destaco aqui a vinda dos negros e negras para este continente. Os

negros e negras foram trazidos principalmente da costa ocidental africana.

Sendo capturados meio ao acaso nas centenas de povos tribais que falavam

7 Poema retirado de: SATO, Michèle; et al. Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, Mato Grosso, Brasil. Cuiabá: GPEA-UFMT, 2010. (Caderno Pedagógico).

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dialetos e línguas não inteligíveis uns aos outros, trazidos e submetidos todos à

escravidão (RIBEIRO, 1995, p.114-115).

Marquese (2006) nos lembra que a escravidão não desapareceu por

completo na Europa ocidental, mesmo depois do declínio do Império Romano,

pois ainda existia, como regime de trabalho, em penínsulas do Mediterrâneo. No

entanto, a “recriação do escravismo” surge após a segunda metade do século

XV, com a utilização maciça de escravos nas atividades agrícolas, segundo

Munanga e Gomes (2016, p.18), “o tráfico negreiro é considerado por sua

amplitude e duração, como uma das maiores tragédias da história da

humanidade”. Entre 1580 e 1620, foi o auge do tráfico de escravos entre África

e Brasil, com o intuito de ter mão de obra suficiente para alavancar a produção

açucareira em nosso país e deixa-lo na posição de maior região abastecedora

do mercado europeu.

Assim, os negros africanos, com a exploração de sua mão de obra,

fizeram deslanchar a produção açucareira no Brasil, pois vieram em grande

número para substituir a mão de obra indígena que não era especializada e

estava desfalcada, por causa das mortes por doenças. Marquese (2006, p. 4-5)

relata esses acontecimentos:

A mão-de-obra empregada na montagem dos engenhos de açúcar no Brasil foi predominantemente indígena. Uma parte dos índios (recrutados em aldeamentos jesuíticos no litoral) trabalhava sob regime de assalariamento, mas a maioria era submetida à escravidão. Os primeiros escravos africanos começaram a ser importados em meados do século XVI; seu emprego nos engenhos brasileiros, contudo, ocorria basicamente nas atividades especializadas. Após 1560, com a ocorrência de várias epidemias no litoral brasileiro (como sarampo e varíola), os escravos índios passaram a morrer em proporções alarmantes, o que exigia reposição constante da força de trabalho nos engenhos. Na década seguinte, em resposta à pressão dos jesuítas, a Coroa portuguesa promulgou leis que coibiam de forma parcial a escravização de índios. Ao mesmo tempo, os portugueses aprimoravam o funcionamento do tráfico negreiro transatlântico, sobretudo após a conquista definitiva de Angola em fins do século XVI.

A força dos escravos negros representou primordial importância nas

plantações de cana-de-açúcar e, também, nas plantações de tabaco e de

algodão, nos engenhos, nas vilas e cidades, nas minas e nas fazendas de gado.

No entanto, para seus senhores, os negros escravos eram considerados apenas

como mercadorias, bem como símbolo de poder e prestígio, como ressalta

SANTOS (2013, p.6): “Nesse contexto, o negro não era visto como ser humano

e sim como um produto econômico cujos interesses iam muito além por parte de

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seus “donos” uma vez que o lucro era garantido.” Contudo, sua contribuição para

o desenvolvimento do país é pouco reconhecida.

Encontravam-se dispersos na terra nova, junto a outros escravos, seus

iguais na cor e na condição servil, mas diferentes na língua, na identificação tribal

e, frequentemente, hostis pelos referidos conflitos de origem (RIBEIRO, 1995,

p.115). Esta situação a que os negros foram submetidos se apresentava como

uma estratégia para que não se organizassem e, assim, impedi-los de ganhar

força coletivamente para lutar por sua liberdade.

Estes homens e mulheres eram tratados da pior forma possível.

Trabalhavam incessantemente, maltrapilhos, com uma comida de péssima

qualidade, dormiam nas senzalas, acorrentados e eram açoitados

constantemente; além de serem proibidos de viver conforme suas crenças e

cultura. Sua religiosidade foi negada e condenada, trazendo o catolicismo como

única maneira de expressão de fé (SANTOS, 2013).

A vida a que foram submetidos fez com que muitos ficassem doentes,

tentassem suicídio ou se rebelassem contra os maus tratos e a forma desumana

como eram tratados e obrigados a viver. Pois, devido à tamanha crueldade

sofrida, a vida de um adulto só se mantinha ativa para seus senhores pelo

período máximo de 10 anos, depois eram substituídos por seus filhos (SANTOS,

2013, p. 02).

Qualquer deslize era motivo para as mais horríveis punições. Para fugir de todos estes sofrimentos, alguns escravos se suicidavam; outros matavam seus feitores e ainda os que fugiam para os quilombos.

Esta parte da vinda dos negros para o Brasil é marcada então por extrema

injustiça; deixando marcas de violência, submissão e desrespeito, como vemos

em Munanga e Gomes (2016, p.16):

Seres livres em suas terras de origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez deles apenas força animal de trabalho, coisas, mercadorias ou objetos que podiam ser comprados e vendidos; fontes de riqueza para os traficantes (vendedores) e investimentos em “máquinas animais” de trabalho para os compradores (senhores de engenho). Foi esse o regime escravista que fez do Brasil uma espécie de sociedade dividida e organizada em duas partes desiguais (como uma sociedade de castas): uma parte formada por homens livres que, por coincidência histórica, é branca, e a outra formada por homens e mulheres escravizados que, também por coincidência histórica, é negra.

No século XVIII, considerado o século do ouro, alguns escravos

conseguiram comprar sua liberdade, adquirindo a “carta de alforria”, tornando-

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se livres destas correntes, mas ainda presos em uma sociedade preconceituosa

e de portas fechadas para eles. Diante deste cenário a resistência e luta dos

negros escravizados surge como um grito de socorro em busca de uma vida

digna. Organizados e corajosos começam a fugir das fazendas e ocupar espaços

para buscar seus direitos, dentre eles, direito à vida.

Estas ações mostram que estes homens e mulheres, mesmo vivendo em

um meio degradante, buscavam com muito esforço não se deixarem esvair de

toda a sua força interior e esquecer sua cultura. Como vemos em Ribeiro (1995,

p.118):

Não tem outra saída, entretanto, uma vez que a condição de escravo só se sai pela porta da morte ou da fuga. Portas estreitas, pelas quais, entretanto, muitos índios e muitos negros saíram; seja pela fuga voluntarista do suicídio, que era muito freqüente, ou da fuga, mais freqüente ainda, que era tão temerária porque quase sempre resultava mortal. Todo negro alentava no peito uma ilusão de fuga, era suficientemente audaz para, tendo uma oportunidade, fugir, sendo por isso supervigiado durante seus sete a dez anos de vida ativa no trabalho. Seu destino era morrer de estafa, que era sua morte natural. Uma vez desgastado, podia até ser alforriado por imprestável, para que o senhor não tivesse que alimentar um negro inútil.

Começam, assim, as primeiras resistências e as lutas por condições mais

dignas de vida, pela reconquista aos direitos à própria cultura e aos próprios

costumes e crenças. Surgem, então, os quilombos. Como forma de

sobrevivência e resistência, os negros que conseguiam fugir do açoite dos

jagunços refugiavam-se, junto a outros tantos, em pequenas propriedades que

passaram a ser chamadas de quilombo. Para além de “habitação de negros

fugidos”, o quilombo marca a “reação guerreira a uma situação opressora”

(LEITE, 2000, p.336).

Este movimento de rebeldia e luta transcende o desejo de ter ‘um pedaço

de terra’ e a sua sobrevivência;

Para o negro cativo, inserido brutalmente numa sociedade escravista, a possibilidade de “possuir” um pedaço para plantar e colher seu produto, cultuar seus deuses sem o risco de ser molestado ou simplesmente para “folgar” poderia representar não apenas um meio de atenuar sua sobrevivência, mas uma possibilidade real de construção de uma identidade de um homem “livre”, ou seja, o que estava em jogo era de um lado uma sociedade consolidada na manutenção da exclusão como pressuposto de existência, e de outro, a possibilidade de construção de um espaço construído sob a égide da inclusão como forma de sobrevivência, independente da forma de ocupação ou aquisição do território, seja através de doações a santas, terras compradas pelos fundadores, espaços ocupados em tempos imemoriais ou mesmo cedidos pelo senhor nas relações descritas

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como as chamadas “brechas camponesas”. (SANTANA, 2005, p. 14-15)

Desta forma, como nos afirma Leite (2000, p. 333) falar dos quilombos e

dos quilombolas no cenário político atual é, portanto, falar de uma luta política e,

consequentemente, uma reflexão científica em processo de construção. Pois

podemos observar a intensa e injusta força do poder público diante destes

grupos, quando Leite (2000, p.334) afirma que “em diferentes partes do Brasil,

sobretudo após a abolição (1888), os negros tem sido desqualificados e os

lugares em que habitam são ignorados”, não levando-se em conta a identidade

e a cultura deste grupo, mantendo assim uma visão estática de quilombo, que

não evidencia “Seu aspecto contemporâneo, organizacional, relacional e

dinâmico, bem como a variabilidade das experiências capazes de serem

amplamente abarcadas pela ressemantização do quilombo na atualidade”

(LEITE, 2000, p. 342), assim como o artigo 688 da Constituição Federal, que ao

dispor sobre os direitos sobre as terras, traz subintendido a cultura como algo

fixo e cristalizado em fase de desaparecimento; restringindo o quilombo a uma

unidade fechada e igualitária, sem considerar em nenhum momento sua

identidade e diversidade (LEITE, 2000).

É preciso, portanto, repensar o significado de quilombo e os sujeitos que

dentro dele estão, ou seja, “mais do que uma realidade inequívoca, o quilombo

deveria ser pensado como um conceito que abarca uma experiência

historicamente situada na formação social brasileira” (LEITE, 2000, p. 342).

Nestas discussões sobre os conceitos de quilombo, principalmente após

a abolição, as lutas tornaram-se ainda mais intensas, pois, além de ser preciso

provar as especificidades, mobilidade e contemporaneidade dos quilombos, é

preciso se discutir sobre patrimônio material e cultural, identidade cultural e

política das minorias de poder. Caminho este, ainda hoje, repleto de conflitos no

cenário brasileiro.

Torna-se necessário compreender que:

Não é a terra, portanto, o elemento exclusivo que identificaria os sujeitos do direito, mas sim sua condição de membro do grupo. A terra, evidentemente, é crucial para a continuidade do grupo, do destino dado ao modo coletivo de vida destas populações, mas não é o elemento

8 Constituição Federal de 1988; Art. 68: Aos remanescentes das comunidades dos quilombos

que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos.

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que exclusivamente o define. É importante não confundir o pleito por titulação das terras que vêm ocupando ou que perderam em condições arbitrárias e violentas com os critérios de constituição e formação histórica da coletividade. [...] Quer dizer: a terra, base geográfica, está posta como condição de fixação, mas não como condição exclusiva para a existência do grupo. A terra é o que propicia condições de permanência, de continuidade das referências simbólicas importantes à consolidação do imaginário coletivo, e os grupos chegam por vezes a projetar nela sua existência, mas, inclusive, não tem com ela uma dependência exclusiva. (LEITE, 2000, p. 344-345)

Estes conflitos e injustiças também fazem parte do cotidiano da

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, situada no município de Nossa

Senhora do Livramento – MT. (Figura 1)

Figura 1 – Mapa de Localização do Município de Nossa Senhora do Livramento

Fonte: Jaime Duarte Júnior.

Comunidade esta, que luta por seu território de cerca de 11.000 hectares

a mais de 100 anos e está organizada em seis associações: Mata Cavalo de

Cima; Ponte da Estiva; Ventura Capim Verde; Mutuca e Mata Cavalo de Baixo,

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formando o complexo Quilombo Boa Vida Mata Cavalo (SATO et. al., 2008) e

que será nosso lugar de tecer/viver desta dissertação.

O Quilombo de Mata Cavalo tem origem que se difere da forma tradicional

de formação dos quilombos, baseada na ideia de fuga e isolamento, pois, no ano

de 1876, a partir da doação de parte da antiga Sesmaria Boa Vida aos escravos

e ex-escravos, Dona Ana da Silva Tavares, que havia recebido a Sesmaria por

herança na ocasião da morte de seu marido, prescreve em testamento a

liberdade de seus escravos e a doação a eles de partes das terras, hoje, território

habitado pelos quilombolas de Mata Cavalo (MANFRINATE, 2011; BARCELOS,

2011). Desta forma o Quilombo de Mata Cavalo rompe com a visão cristalizada

de formação por fuga e isolamento para dar visibilidade a sua identidade,

ultrapassando o binômio fuga-resistência. (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO;

2002).

Através do Laudo Pericial Histórico-Antropológico, organizado por Edir

Pina de Barros no ano de 2007, pudemos conhecer com detalhes a composição

do Quilombo de Mata Cavalo em seus diversos aspectos: históricos, políticos e

culturais, sendo grande fonte de pesquisa para esta escrita.

Os grupos, que hoje vivem nas comunidades de quilombo, se constituíram

a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem: as fugas com

ocupação de terras livres e geralmente isoladas, heranças, doações,

recebimento de terras como pagamento por serviços prestados ao Estado, a

permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes

propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema

escravocrata, quanto após a sua extinção. (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO;

2002, p. 3)

Mata Cavalo foi reconhecido como quilombo e titulado pela Fundação Cultural Palmares com uma área de 11.722 hectares de ocupação tradicional por famílias descendentes de negros escravizados, ou “remanescentes”, como eles se autodenominam. Uma regularização federal transferiu ao INCRA a competência para a demarcação dos territórios quilombolas. [...] Mas o reconhecimento é apenas formal, porque na realidade eles não têm acesso aos recursos naturais dos quais dependem para a sua reprodução sociocultural. (BARROS, 2007, p. 3)

História também descrita através de Barcelos (2011), onde apresenta que,

a terra no Quilombo Mata Cavalo, “constitui-se como catalisadora do sentimento

de pertença de seu território”, cravando nestas terras suas raízes e construindo,

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Através delas os elementos culturais de suas identidades marcadas pela singularidade do ser negro e quilombola. Os costumes, a religiosidade, a vida comunitária, as tradições e o esforço na manutenção de suas identidades produzem uma territorialidade única, edificando-a enquanto espaço vital, real e simbólico, simultaneamente. Para além do significado do sentimento de pertença, a questão essencial na história dos remanescentes do Mata Cavalo consiste no fato da existência dessa comunidade em função da terra. (BARCELOS, 2011, p. 1-2)

Assim, ao redimensionar o conceito de formação dos quilombos, traz-se

a possibilidade de que seus integrantes sintam-se pertencer a um grupo, a uma

terra; designando um legado, uma herança cultural e material, construindo sua

identidade étnica e sua territorialidade. (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO;

2002). Entretanto, mesmo com o reconhecimento do direito à terra, ainda hoje,

os quilombolas enfrentam grandes e contínuas batalhas para que sejam

reconhecidos como os donos legítimos. Como nos mostra Manfrinate (2011, p.

17) grande parte da comunidade, no passado, já havia sido expulsa pelos

fazendeiros e se espalhado pela periferia de Cuiabá e Várzea Grande, durante

a década de 90.

Cercados por um “cenário de luta, após longos e cansativos momentos de

resistência dos moradores contra os fazendeiros”, a história dos quilombolas de

Mata Cavalo traz em seus registros uma grande mobilização política de

resistência que marca historicamente a comunidade no ano de 1994,

“Mobilização em favor dos direitos de trabalhadores negros rurais do complexo

Mata Cavalo em relação ao acesso à terra” (Sato et al, 2010, p.15) e, no ano de

1996, o fortalecimento deste movimento com a criação da Associação Quilombo

Mata Cavalo, dando ânimo para que aos poucos os descendentes e herdeiros

do quilombo retornassem à comunidade para encampar uma luta mais forte pela

posse das terras.

Uma das formas de fortalecer a luta do quilombo de Mata Cavalo foi a

aliança estabelecida entre Comunidade e UFMT/GPEA. Parceria que possibilitou

o mapeamento dos conflitos socioambientais existentes no Estado do Mato

Grosso (JABER-SILVA, 2012), e com maior enfoque local através do

mapeamento dos conflitos, construído coletivamente por meio do processo

formativo9 realizado junto comunidade quilombola nos anos de 2015 e 2016, que

9 Este processo formativo é abordado de forma mais detalhada no capítulo III desta dissertação.

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deu origem a dissertação10 de mestrado de Déborah Luíza Moreira, intitulada:

Território, luta e educação: dimensões pulsantes nos enfrentamentos dos

conflitos socioambientais mapeados no Quilombo de Mata Cavalo. Este

processos junto à comunidade tem auxiliado a Comunidade Quilombola de Mata

Cavalo a sair da invisibilidade.

Figura 2 – Mapa dos Conflitos na Comunidade Quilombola Sesmaria Boa Vida Mata Cavalo

Fonte: Imagem correspondente aos resultados obtidos no mapeamento dos conflitos na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo durante a pesquisa intitulada: Território, luta e

10 Dissertação disponível em: https://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/banco-de-tese.html

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educação: dimensões pulsantes nos enfrentamentos dos conflitos socioambientais mapeados no Quilombo de Mata Cavalo, escrita por Déborah Luíza Moreira no ano de 2016. Arte: Cristiane Almeida.

Este povo exprime em sua identidade quilombola força na busca de

visibilidade e reconhecimento de sua história, cultura e valores. Pois,

Os quilombos contemporâneos, a exemplo de Mata-Cavalo, mesmo tendo origens diferentes das do século XVIII, e estando economicamente empobrecidos, conservam o mesmo espírito de luta. Organizados em associações e pautados na lei, implementam ações sociais na esperança de conquistar um dia a liberdade imparcial, o respeito, o reconhecimento, enfim a dignidade humana (CASTILHO, 2008, p.67).

E, quando falamos da luta dos quilombolas pela terra, cabe ressaltar que

a terra pela qual lutam traz, em si, uma gama de sentidos e sentimentos, não é

apenas um pedaço de chão, mas engloba o direito à vida, à sobrevivência, à

família e aos próprios costumes e crenças. A EA vem ao encontro dessa busca

por uma vida mais plena, equilibrada e justa, enquanto pessoas dotadas de

valores e forças próprias. Vemos que a luta das comunidades quilombolas vai

além da questão fundiária, conforme Castilho (2008, p.89), essas lutas

“recrudescem, assumindo uma conotação mais ampla, compreendendo

aspectos étnicos, históricos, antropológicos e culturais”. Visto que a EA que aqui

consideramos é uma educação que repense a realidade brasileira numa

perspectiva política e social, que seja “compreendida em seu nível mais

poderoso de transformação: aquela que se revela em uma disputa de posições

e proposições sobre o destino das sociedades, dos territórios e das

desterritorializações” e que, portanto, faça parte da “luta” em prol de uma

sociedade que “seja democraticamente construída, ambientalmente responsável

e socialmente justa” (SATO; CARVALHO, 2005, p. 97).

Desta forma, foi junto a esta Comunidade, que luta a mais de um século

por visibilidade e por seus direitos que tecemos as escritas dessa dissertação.

Ao conhecer a história de Mata cavalo e seu sonho de transformação e

fortalecimento da comunidade, observamos que a luta pela construção e

permanência da escola no quilombo está intensamente ligada às táticas de

resistência por eles constituídas.

Diante dessa perspectiva, é necessário refletir sobre a educação na

formação histórica de nossa sociedade e também, a educação que se faz no

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quilombo e o que precisa ser repensado. Essas reflexões farão parte do próximo

subtítulo desses estudos.

2.2 Educação e Currículo no Quilombo: o entrelaçar dos saberes

Partimos do pressuposto de que para se pensar o currículo é necessário

que se reflita a respeito da educação, do sistema de ensino existente em nosso

país e sobre as diretrizes curriculares instituídas atualmente.

Dessa forma, quando pensamos sobre os conceitos de educação e sua

íntima relação com a formação humana em sociedade é preciso nos questionar

que, se temos um sistema escolar que foi organizado e pensado por um sistema

político dominante, é possível acreditar na Educação? (BRANDÃO, 1999, p. 98).

Podemos refletir sobre: que tipo de educação é essa, pensada para a formação

de uma sociedade capitalista e opressora; qual educação considera-se prioritária

no desenvolvimento histórico, social e, principalmente, quem são os sujeitos

envolvidos nesse processo.

Quando Brandão (1999) escreve sobre os conceitos de ‘educações’ nos

permite refletir a respeito do que se esconde por tras dos tipos de educação em

cada sociedade, ressaltando, então, que a educação pode ser um instrumento

que potencialize a opressão das classes privilegiadas sobre as demais classes

e, atualmente, nosso sistema educacional legitima esse ensino elitista e

desigual, influenciado por interesses políticos e econômicos, distante do sistema

educacional descrito em nossas leis.

Brandão traz a ideia de que as mudanças sociais se constroem e se

fortalecem através da interação entre os saberes científicos e outras esferas de

conhecimento, no processo de aprender e ensinar, levando em consideração

que todas as pessoas que estão envolvidas são fontes originais de saber

(BRANDÃO, 2005, p.88). Pois, assim, a educação alcança um sentido popular

e político, conforme Paulo Freire (2003, p. 10) que nos diz:

Todo planejamento educacional, para qualquer sociedade, tem que responder às marcas e aos valores desta sociedade. Só assim é que pode funcionar o processo educativo, ora como força estabilizadora, ora como fator de mudança. [...] A possibilidade humana de existir – forma crescida do ser -, mais do que viver, faz do homem um ser eminentemente relacional. Estando nele, pode também sair dele, Projetar-se. Discernir. Conhecer.

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A educação em que acreditamos deve transcender aquela que prioriza a

prática pedagógica dura e instrumentalista. Almejando uma educação popular

em que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para

a sua produção ou a sua construção" (FREIRE, 1996, p. 22). Compreendendo

que os momentos de aprendizagem ultrapassam os saberes dos muros das

escolas, desconstruindo a afirmação que o único espaço de conhecimento e

aprendizagem é a escola e os únicos capacitados para repassá-los são os

‘mestres’ que estudaram para este fim. Cabe, então, ressaltar que se faz

necessário repensar quem são os sujeitos de direito dessa educação a ser

construída, onde aprendemos, com quem aprendemos e que saberes são esses

que fazem parte da aprendizagem humana.

Esses questionamentos sobre que tipo de educação temos, que tipo de

educação queremos e precisamos e a forma de fazê-la acontecer e possibilitar

aos sujeitos, que dela fazem parte, a transformação em indivíduos autônomos e

capazes de enfrentar as demandas sociais da atualidade, são uma preocupação

da sociedade como um todo. E a Educação Quilombola também traz estes

anseios, visto que, segundo Martins e Nishijima (2010, p.64):

É necessário que o processo educativo seja capaz de conferir sentido aos conteúdos, à aprendizagem, ao conhecimento, a fim de que os educandos possam manter-se dentro de suas comunidades, valorizando suas origens históricas e culturais, para que desta forma viabilize-se a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e plural.

Repensando o contexto educacional de nosso país, percebe-se que o

grande desafio é “desenvolver uma postura ética” que não hierarquize nenhum

grupo social por suas tantas diferenças (GOMES, 2007, p. 30) e, desta maneira,

a Educação Quilombola e a EA se entrelaçam e trazem o desejo de mudança

desta postura assumida ainda hoje, sonhando que todos aqueles que fazem

parte de nossa sociedade percebam o mundo e se percebam como sujeitos

políticos e históricos que participam desse processo de transformação, visto que:

A educação ambiental se consagra enquanto um processo libertador, especialmente em uma comunidade quilombola, implementando um modelo educacional próprio, valorizando e resgatando sua própria história e identidade, com enfoque especial às questões ambientais, educativas e culturais (MARTINS & NISHIJIMA, 2010, p. 63).

Considerando que o significado da aprendizagem nesse contexto seria a

ideia de respeito ao outro (ao individual) e de vivência no coletivo, Brandão

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(1985, p.74) acrescenta que "aprendemos uns com os outros", somos um

coletivo em troca de saberes e, portanto, em consonância com estes princípios

da educação popular que todos os momentos desta escrita foram tecidos.

Compreendendo, assim, o conceito de aprendizagem como transformação

social, onde o ‘fazer educação’ precisa ser um processo dialético de ensinar-e-

aprender, buscando se distanciar de uma educação dominante e centralizadora.

Ainda nesta perspectiva, quando reflete-se sobre a importância da

construção de saberes de forma coletiva, Brandão (2005) nos aponta que a

razão de ser da educação não é apenas a ação de capacitar de forma

instrumental produtores humanos, nem se trata de transferir conhecimento,

afinal:

Nós aprendemos, em diferentes e integradas dimensões de nós mesmos, os diversos saberes, as sensações, as sensibilidades, os sentidos, os significados e as sociabilidades que, juntas e em interação em nós e entre nós, nos tornam seres capazes de interagir com uma cultura e em uma sociedade. (BRANDÃO, 2005, p.86)

Deve-se pensar, então, a educação, a EA e a Educação quilombola como

linhas que se juntam e se complementam no bordado dos múltiplos saberes que

se constituem em um processo de socialização e aprendizagem na construção

de novos saberes.

Compreendemos aqui, educação como processo e, portanto, uma relação

profunda com a aprendizagem. Quando neste processo se incorpora ao mundo

da vida, pois, ao projetar para dentro da escola os elementos da cultura às

dinâmicas de ensinar e aprender, entrelaçando fazendo façam parte das

vivências escolares, trazendo sentido à construção coletiva de saberes.

É preciso que nos questionemos como o currículo opera no espaço da

escola. Se a educação requer processo e há pelo menos dois elementos

envolvidos: cultura e currículo, ou seja, dinâmicas da vida e construções

escolares de conteúdos como aprendizagem, repensar o currículo é considerar

que neste espaço escolar operam importantes relações entre os dois mundo,

escolar e não escolar.

Há saberes que se constituem fora da escola e dentro da escola, fora são

as dinâmicas da vida, e dentro, a construção do saber Acadêmico.

Para além da história quilombola, é preciso compreender a relação entre

essa história e o quilombo de Mata cavalo e também uma relação entre o

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quilombo e esse currículo Vivo. Currículo este que precisa considerar a

importância dos elementos socioculturais que fazem parte do processo histórico

que a comunidade vivenciou e que marcam sua história.

Geralmente, quando se fala em educação, aprendizagem, ensinar e

aprender, a escola é definida como o local onde estes processos acontecem.

Porém, sabiamente Brandão nos diz que:

A escola é o lugar social da educação, esta é uma ideia correta, mas não inteiramente. A educação que vivemos na escola, como estudantes, como professores, como as ‘coisas’ ao mesmo tempo, é uma fração importante de nosso aprendizado, mas não a única (BRANDÃO, 2005, p.85).

Desta forma, nesta dissertação consideramos de extrema importância,

todos os momentos de trocas de saberes que possam reinventar a concepção e

a prática educativa, valorizando todos os contextos de aprendizagem, seja no

individual ou no coletivo, como forma de consolidar o legítimo e significativo

aprendizado, pois, somos “a interação entre todas as coisas, entre todos os

planos, entre o tudo do todo que somos, [...] uma mesma teia da vida, fração de

uma mesma tessitura do universo” (BRANDÃO, 2005, p. 19).

Nesta perspectiva, a escola e a educação, formal ou não, assume um

papel fundamental como componente de resistência e de luta na busca por uma

transformação justa em nossa sociedade. Afinal, por sermos sujeitos de direito,

a educação precisa consolidar seu papel nos direitos humanos e sua força de

ação política no referencial ético-político (ARROYO, 2007, p. 7). Por esta razão,

é imprescindível que se compreenda a intencionalidade existente nas

concepções de currículo e a sua importância social.

Quando iniciamos a pesquisa sobre currículo encontramos as escritas de

Sacristán (2013), que organiza reflexões sobre os saberes e as incertezas deste

conceito amplamente debatido, e nos apresentava que:

Em sua origem, o currículo significava o território demarcado e regrado do conhecimento correspondente aos conteúdos que professores e centros de educação deveriam cobrir; ou seja, o plano de estudos proposto é imposto pela escola aos professores (para que o ensinassem) e aos estudantes (para que o aprendessem). [...] é uma seleção organizada dos conteúdos a aprender, os quais, por sua vez, regularão a prática que se desenvolve durante a escolaridade. [...] é uma espécie de ordenação ou partitura que articula os episódios isolados das ações (SACRISTÀN, 2013, p.17).

Este autor acrescenta ainda que o sistema de ensino, e neste contexto se

encaixa os professores e alunos, passa a seguir as orientações de um controle

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externo que estrutura e estabelece ordem sequenciada ao processo de

aprendizagem (SACRISTÁN, 2013, p.18). Este posicionamento sobre currículo

no entanto, dentro de uma perspectiva de estruturas fixas e hegemônica não nos

é mais suficiente. Desta forma, utilizamos em nossa escrita a perspectiva de um

currículo pós-crítico, que possa transpor estas barreiras que delimita os saberes

e seus espaços. Por acreditar na perspectiva de que todos os conhecimentos

são valorosos e fazem parte e um processo de aprendizagem humana e social,

nos embasamos no currículo descrito por Kawahara (2015, p. 174), que

compreenda e respeite os cenários da vida cotidiana também como espaços

educativos e portanto como “um legítimo currículo Vivo e vivido nas comunidades

tradicionais”.

Ao analisarmos a história do currículo em nosso contexto social, vemos

que, na década de 20, o currículo surge nos Estado Unidos como ferramenta de

intensificação e massificação da escolarização, sendo considerado “um

processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e

rigorosamente especificados e medidos” e inspirados na teoria administrativa

científica de Taylor, os estudantes deveriam “ser processados como um produto

fabril” (SILVA, 2013, p. 12). Pode-se perceber que, ao longo da história, as

teorias do currículo trouxeram consigo sua intencionalidade política e social

organizadas em ‘modos de fazer’, onde o currículo deveria cumprir exatamente,

como “as coisas deveriam ser” (SILVA, 2013, p. 13) e mesmo que as diferentes

teorias curriculares recorram a discussões sobre a “natureza humana, sobre a

natureza da aprendizagem ou sobre a natureza do conhecimento, da cultura e

da sociedade”, a forma como cada uma delas se organiza e delimita ‘o que

ensinar’, ‘quanto ensinar’ e ‘para quem ensinar’ é que marcam a dimensão do

currículo.

Desta maneira, Silva (2013, p. 16) nos diz que “as teorias do currículo, na

medida em que buscam dizer o que o currículo deve ser, não podem deixar de

estar envolvidas em questões de poder”, pois, delimitar o que se deve conhecer,

selecionando e privilegiando determinados conhecimentos e definir “dentre as

múltiplas possibilidades” um ideal de identidade e subjetividade é fortemente

uma questão de poder. Por isso,

As teorias do currículo não estão, neste sentido, situadas num campo “puramente epistemológico”, de competição entre “puras” teorias. [...] estão ativamente envolvidas na atividade de garantir o consenso, de

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obter hegemonia. [...] situadas num campo epistemológico social (SILVA, 2013, p.16).

Compreendendo que “as teorias do currículo estão no centro de um

território contestado” (SILVA, 2013, p.16) é preciso repensar que, para além de

‘o que ensinar’, que se restringe, frequentemente, a questões técnicas e de

organização curricular, é necessário refletir o ‘porquê’, a intencionalidade contida

ao se escolher determinado conhecimento ao invés de outro, por que privilegiar

certo tipo de identidade ou subjetividade e não outro, desconstruindo a ênfase

dada aos conceitos simplesmente pedagógicos de ensino e aprendizagem e

lançando um olhar para os conceitos de ideologia e poder contidos no currículo

e que nos permitem ver a educação sob uma nova perspectiva (SILVA, 2013,

p.17).

Desta maneira, Tomaz Tadeu da Silva (2013, p. 147), nos apresenta que:

[...] torna-se impossível pensar o currículo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdo. [...] o currículo pode ser todas estas coisas, pois ele é também aquilo que dele se faz, mas nossa imaginação está agora livre para pensa-lo através de outras metáforas, para concebê-lo de outras formas, para vê-lo de perspectivas que não se restringem àquelas que nos foram legadas pelas estreitas categorias da tradição. (SILVA, 2013, p. 147)

Portanto, é impossível conceber currículo em seu sentido limitado e

castrador, baseado em métodos, técnicas e avaliações, contidos de intensa

ideologia das classes dominantes quando nos posicionamos como grupo que

prima por uma educação libertadora (FREIRE, 2000), uma educação que nos

permita uma postura de auto-reflexão e de reflexão sobre seu tempo e seu

espaço. De forma que a auto-reflexão nos leve ao aprofundamento consequente

de nossa tomada de consciência, resultando na nossa inserção na história, não

mais como espectadores/as, mas como autores/as. Compreendendo que:

[...] o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. [...] além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade (SILVA, 2013, p. 15)

Diante desta concepção que nos fortalece como educadores ambientais

populares, faz-se importante registrar as discussões em relação a Base Nacional

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Comum Curricular (BNCC)11 para o ensino médio, divulgada pelo Ministério da

Educação (MEC), no último dia 3 de abril. A proposta da BNCC, apresentada

como um instrumento de orientação dos currículos a serem desenvolvidos pelos

sistemas de ensino estaduais e municipais do país, vem imposta por uma medida

provisória, no contexto da Lei da reforma do ‘novo’ ensino médio (Lei

13.415/2017), sem debate com a sociedade e sem a participação dos

estudantes.

Esta ação, mais uma vez, demonstra quanta intencionalidade é disposta

no campo educacional, mais precisamente na organização curricular que

‘deveria’ ampliar e fortalecer os processos de aprendizagem de nossos jovens

estudantes. Atualmente, o ensino médio se divide em 13 disciplinas obrigatórias,

que foram consideradas um excesso pelos organizadores da BNCC,

expressando a necessidade de uma formação por áreas de conhecimento e

interdisciplinar. Porém, para Eduardo Mortimer, apud, Grabowski, 2018,

[…] para a idade em que estão os alunos do ensino médio, essa interdisciplinaridade tem que ter por base uma sólida visão das disciplinas que compõem o currículo e, portanto, não se pode abrir mão da formação atual, que é disciplinar para esse campo de atuação dos professores. O ensino médio é justamente o momento em que as disciplinas se configuram em toda a sua plenitude.

Outro ponto que se destaca é a não obrigatoriedade de oferta nas escolas

dos cinco itinerários (linguagens e suas tecnologias; matemática e suas

tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais

aplicadas e formação técnica e profissional (Grabowski, 2018). Desta forma, a

problemática da falta de professores em áreas específicas, como física e

química, por exemplo, deixa de ser uma questão séria a ser resolvida e passar

a ser substituída por outro componente que estejam disponíveis na escola.

Fragilizando e negando a possibilidade dos estudantes pobres de escolas

públicas de cursarem certas áreas, especialmente a de ciências naturais. De

acordo com a última edição da BNCC, fica estabelecido que apenas os

componentes curriculares de português e matemática são obrigatórios. Ou seja,

a reforma do ensino médio e a BNCC passa a oferecer menos para quem mais

precisa: os jovens pobres das escolas públicas.

11 Texto completo da BNCC disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf

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É importante considerar que as reformas educacionais no Brasil

ocorreram mediante as crises nacionais e internacionais do sistema capitalista.

Diante disso, a educação, em muitos momentos, foi relegada a segundo plano

pelos administradores políticos. Democratizar o ensino, torná-lo acessível à

classe menos favorecida economicamente e, sobretudo, priorizar a qualidade do

mesmo, por questão ideológica, nunca fez parte dos planos governamentais,

visto que “a educação sempre esteve a serviço de um modelo econômico de

natureza concentradora de rendas e socialmente excludente” (PIANA, 2009, p.

67).

Ainda de acordo com Piana (2009, p. 72) no Brasil, “as políticas sociais

públicas sempre foram sinônimo de assistência, filantropia ou benesse. O Estado

intervém nas questões sociais por meio de medidas parcelares, com o objetivo

em primeiro lugar, de manter a ordem social”.

Seguindo nesta conexão, podemos perceber que a nova estrutura

implantada na BNCC, é um retrocesso que desconsidera os

etnoconhecimentos12 e para além deles, priva e/ou restringe nossos estudantes

das escolas públicas o acesso aos conhecimentos científicos produzidos pela

humanidade. Marcando uma tentativa de desmonte da educação e da escola

pública brasileira. Deixando claro que tipo de educação básica estão dispostos

a ofertar, seja na educação básica ou superior, e na infantil e fundamental

também, perfeitamente alinhada a um projeto de país subordinado. Fracionando

diferentes tipos de ensino para diferentes classes sociais.

Portanto, reduzir a formação da juventude brasileira à matemática e ao português, como consta na BNCC para o ensino médio, é evidenciar o desconhecimento sobre quem são nossos jovens e o que eles necessitam, aliado ao desprezo que sentem por eles, sem máscaras, condenando-as à uma educação medíocre, que agride o direito a aprender tudo, as liberdades individuais e coletivas, bem como condená-los a terem a pior formação e percepção da realidade que estão inseridos. (GRABOWSKI, 2018)

Ao refletirmos sobre esta situação, e, por acreditarmos no processo de

ensinar e aprender no sentido mais amplo destes conceitos, onde o currículo

“não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder”, poder

este, que passa a se descentralizar e transformar-se, rejeitando as conotações

12 Etnoconhecimento são os saberes, tradições (cultura) passados de geração a geração nas comunidades tradicionais, aprendidos com a vida cotidiana e a interação direta com o meio que os cerca e seus fenômenos naturais (NASCIMENTO, 2013).

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racionalistas e cartesianas que sobre ele decaem e enfatizar, mas que possa,

assim, seu cumprir seu papel formativo (SILVA, 2013, p.148-149). Diante disso,

ao considerar a escola como um aparelho propulsor de ideologia, contribuindo,

principalmente, para a reprodução da sociedade capitalista, de forma

discriminatória, onde, “inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão

e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a

comandar e a controlar” (SILVA, 2013, p.32) é preciso refletir sobre

problemáticas que envolvam a educação escolar e para além dela, abrangendo

as questões curriculares, a relação escola/comunidade e a função social da

escola.

Assim, consideramos nesta pesquisa que:

A proposta curricular deve ultrapassar as relações do tempo e do espaço, possibilitando uma comunicação em rede, um diálogo que se abre na perspectiva de romper com fronteiras do conhecimento. Desafia as amarras acadêmicas e propõe uma nova abertura capaz de trazer uma dimensão mais ampla. Pode ser que o caminho traçado não seja fácil, mas sempre consideraremos os resultados significativos. (PASSOS; SATO, 2002, p.7)

Outro ponto trazido por Moreira e Candau (2007, p. 21) e, que precisa ser

considerado, é que as discussões sobre currículo e conhecimento escolar têm

dado espaço para reflexões a respeito de currículo e cultura, trazendo assim, “a

preponderância da esfera cultural na organização de nossa vida social, bem

como na teoria social contemporânea”. Acrescentando ainda, que

É também inegável a pluralidade cultural do mundo em que vivemos, que se manifesta, de forma impetuosa, em todos os espaços sociais, inclusive nas escolas e nas salas de aula. Essa pluralidade, frequentemente, acarreta confrontos e conflitos, tonando cada vez mais agudos os desafios a serem enfrentados [...] No entanto, essa mesma pluralidade, pode propiciar o enriquecimento e a renovação das possibilidades de atuação pedagógica (MOREIRA; CANDAU,2007, p. 22).

Neste contexto, um dos grandes desafios que envolvem a educação

escolar, segundo Candau (2013, p. 50-51) é promover uma educação

intercultural, que possa “repensar a escola” sem dissociá-la das problemáticas

sociais e políticas, oferecendo “espaços e tempos de ensino-aprendizagem

significativos e desafiantes para os contextos sociopolíticos e culturais atuais”

(CANDAU, 2013, p.13). Pois, é preciso, se considerar a complexa diversidade

cultural que compõe, historicamente, a formação de nossa sociedade,

“decorrentes de diferenças relativas a raça, etnia, gênero, sexualidade, cultura,

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religião, classe social, idade, necessidades especiais ou a outras dinâmicas

sociais” (CANDAU, 2013, p. 7) e, que ganham evidência em todos os espaço

sociais.

Quando tecemos sobre currículo e sua forte ligação com as questões dos

direitos humanos, trazemos o conceito de Interculturalismo em educação

apresentado por Candau (2013, p.7) que

Envolve a natureza da resposta que se dá nos ambientes e arranjos educacionais, ou seja, nas teorias, nas práticas e nas políticas [...] envolve ainda, um posicionamento claro a favor da luta contra a opressão e a discriminação a que certos grupos minoritários têm, historicamente, sido submetidos por grupos mais poderosos e privilegiados.

Nesse sentido, o interculturalismo apresentado por Candau (2012) nos

mostra que embora os direitos humanos tenham surgido como um marco da

modernidade, hoje eles precisam se adaptar a questões muito mais plurais,

rompendo com a ideia de igualdade como negação das diferenças. Assim, para

além das formas de enfrentamento da diversidade a autora sugere que o ideal

seria a articulação entre igualdade e diferença, por meio de uma perspectiva

intercultural.

Interculturalismo em educação envolve, necessariamente, além de

estudos e pesquisas, ações politicamente comprometidas (MOREIRA;

CANDAU, 2013, p.7). Por esta razão, junto à comunidade quilombola de Mata

Cavalo buscou-se refletir sobre a importância da escola dentro do quilombo,

respeitando a interculturalidade deste povo e sua estreita relação com o

currículo.

Partimos do pressuposto de que o ensinar e aprender não está ligado

somente ao espaço escolar e, desta forma, traremos o currículo como aporte

que fortaleça os saberes de uma comunidade, dando visibilidade a esta cultura

e mantendo vivo sua história. Pois, como nos apresenta Barcelos (2011, p. 56):

[...] a valorização da cultura negra não oferece somente uma espécie de proteção contra os preconceitos raciais, ela cria condições ideais que permitem aos negros identificarem a si próprios como dotados de história, de vida, de autonomia social e política, resgatando sua dignidade ética e também estética, perceptível na busca da valorização do próprio corpo.

Portanto, trazemos aqui o currículo como uma “construção cultural, [...]

tendo em vista as relações significativas que envolvem poder, identidade,

conhecimento, resistência e conflito” (CASTILHO, 2008, p.187). Afinal, é

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necessário que dentro de um quilombo, possa se repensar coletivamente as

estruturas escolares e curriculares, que vem historicamente marcados pela

negação dos direitos mais elementares destes sujeitos (ARROYO, 2007, p. 9).

Castilho (2008, p. 188) apresenta que o currículo é repleto de

intencionalidades, assim como, também está repleto de “silenciamentos,

negações e exclusões” que podemos visualizar pelo contexto histórico, a intensa

dificuldade de inserção e permanência dos/das negros/negras no contexto

escolar. Esta autora ainda acrescenta que, o negro/negra

Como escravizado foi proibido por lei; como liberto pela Lei do Ventre Livre ou, como alforriado, também não lhe foi permitido o acesso pleno à escolarização. Contemporaneamente, é-lhe permitido o acesso, mas nem sempre lhe são oferecidas condições de permanência. Poucos conseguem chegar ao nível superior de ensino. As estatísticas mostram que, em 2000, apenas 6,2% de pretos e 39,1% de pardos ingressaram no ensino superior, enquanto os brancos somaram 53,8%. Percebe-se que, para os pretos, a exclusão escolar é ainda mais cruel. (CASTILHO, 2008, p.188)

A formação histórica do sistema educacional e curricular de nossos país

apresenta claramente as divisões de classes e a intensa discriminação que

negros/negras foram obrigados a vivenciar e que, ainda hoje, precisam superar.

Na década de 20 o ensino em nosso país começou a expandir, assim como o

desenvolvimento do pensamento curricular brasileiro, tendo como base para o

pensamento intelectual e político brasileiros,

As teorias racistas, que se desenvolveram na Europa no século XIX. Dentre essas teorias, podem se destacar os preceitos absorvidos no positivismo de Comte e no darwinismo social. Baseado nos princípios da evolução da espécie e da seleção natural, os darwinistas acreditavam numa “raça pura, mais forte e sábia” - a branca européia - que eliminaria as “raças mais fracas e menos sábia” - a negra e outras não européias -, desenvolvendo, portanto, a eugenia. (CASTILHO, 2008, p.190)

Na década seguinte o compromisso do currículo brasileiro passou a ser a

preparação de mão de obra, produzindo profissionais que pudessem atender as

indústrias. Os anos 30 marcam também a ampliação do ensino primário, porém

grande parte da população, “especialmente as crianças das massas populares,

engrossada pelos negros, não conseguiu ingressar nela. E outros tantos que

ingressavam, não conseguiam nela permanecer” (CASTILHO, 2008, p.191).

Desta forma, é possível perceber que, além da dificuldade para ingresso e

permanência nos espaços escolares, os currículos tradicionais deste período

eram “monoculturais, racial e culturalmente cegos” (CASTILHO, 2008, p.191),

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deixando de considerar as questões sociais e políticas, privilegiando aqueles

“estudantes de grupos socialmente mais favorecidos” e consequentemente

manter as intensas desigualdades existentes em nossa sociedade (MOREIRA;

TADEU, 2011, p.8).

Desta maneira, nesta pesquisa propomos analisar e compreender o

currículo como construção social, pois,

Os estudos culturais permitem-nos conceder o currículo como um campo de luta em torno da significação da identidade. [...] podemos ver o conhecimento e o currículo como campos culturais, como campos sujeitos à disputa e à interpretação, nos quais os diferentes grupos tentam estabelecer sua hegemonia” (SILVA, 2013, p.134)

Desta forma, o intuito desta pesquisa é compreender como a educação,

a EA e a Educação Quilombola se entrelaçam e se complementam no bordado

de seus múltiplos saberes, em seus processos de socialização e com a

possibilidade da construção coletiva de um currículo da vida elaborado com e

pela comunidade Quilombola, de maneira que proporcione reflexões sobre a

importância das multiplicidades existentes neste contexto, ligando escola,

comunidade e ambiente. Pois, partimos da conjetura de que a escola, enquanto

um espaço de poder, como conquista, precisa considerar a organização e

articulação da prática pedagógica diante dos conflitos ambientais vivenciados

por seus moradores, exercendo uma educação não neutra e que possa fortalecer

a identidade de resistência desta comunidade.

Desta maneira, quando escrevemos aqui sobre currículo, tomaremos

como base a currículo pós-crítico, trazido por Kawahara (2015) entrelaçado com

o currículo fenomenológico apresentado por Passos e Sato (2002), na tentativa

de romper com a estrutura curricular cartesiana imposta pelos documentos

oficiais do Estado.

Assim, teço a escrita desta dissertação com os olhos e sentidos atentos à

educação e ao currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, refletindo

sobre a importância da construção coletiva de saberes desta Comunidade

Aprendente (BRANDÃO, 2005) e da Educação Ambiental como linha

fundamental na trama escola e comunidade.

Nesta perspectiva, a educação ambiental assume um papel

essencialmente político, de reflexão sobre a formação histórica e social do

quilombo e como linha fundamental para o enfrentamento das dificuldades

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vivenciadas pela comunidade nos dias atuais e na busca pelo fortalecimento e

visibilidade deste povo através da construção coletiva de um currículo da vida.

Uma EA popular, com “forte comprometimento com a dimensão cultural e de

inclusão nas questões sociais” (MARTINS & NISHIJIMA, 2010, p. 63).

2.3 A Educação quilombola e a Educação Ambiental: linhas de

engajamento e luta

Quando tratamos de educação, não nos referimos somente às escolas,

mas estamos atentos aos processos educativos que ocorrem fora dela. “Aliam-

se, assim, a educação escolarizada e a educação popular – o currículo da escola

e o currículo da vida” (SENRA; SATO; OLIVEIRA, 2009).

Desta maneira, a Educação Quilombola não se efetiva sem reconhecer a

importância da realidade histórica e política que envolveu o surgimento dos

quilombos na história do nosso país. Pois essa realidade histórica e dos sujeitos

que nele vivem, compreende seus processos culturais, suas socializações e as

relações vivenciadas por eles.

Assim, os sistemas de ensino, as escolas, os docentes, os processos de

formação inicial e continuada de professores da Educação Básica e Superior, ao

implementarem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar

Quilombola, deverão incluir em seus currículos, além dos aspectos legais

e normativos que regem a organização escolar brasileira, a conceituação

de quilombo; a articulação entre quilombos, terra e território; os avanços e os

limites do direito dos quilombolas na legislação brasileira; a memória; a

oralidade; o trabalho e a cultura (BRASIL, 2011, p. 29).

Além de seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais, o estado do Mato

Grosso segue também as Orientações Curriculares Estaduais das Diversidades

Educacionais, que para esta escrita, utilizou-se as específicas para a Educação

Ambiental (EA), Orientações Curriculares para Educação das Relações

Etnicorraciais e Orientações Curriculares para a Educação Escolar Quilombola

que serviram de referência para a compreensão da organização da política

curricular da educação básica em Mato Grosso, pois:

Em seu conjunto, as Orientações Curriculares [...] têm o intuito de contribuir com a redução das desigualdades educacionais, de forma a dar garantias das especificidades de aprendizagens e metodologias

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considerando a realidade e necessidade do povo mato-grossense (MATO GROSSO, 2012, p.13)

A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), através da Lei

9.795/99, dispõe sobre a introdução da EA no ensino formal, compreendendo

que a EA como um processo coletivo constrói valores sociais, conhecimento,

habilidades e atitudes que devem estar presentes em todos os níveis e

modalidades de ensino em caráter formal e não formal. Embora estas questões

ambientais sejam mencionadas na Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases (LDB),

em seu artigo 32, e sejam reforçadas pela em grande parte das Diretrizes

Curriculares a EA continuou a ser aplicada apenas dando ênfase ao seu aspecto

biológico e ecológico, mesmo contradizendo o que rege os princípios básicos da

Educação Ambiental, conforme o art. 4º e 5º da PNEA:

Art. 4o São princípios básicos da educação ambiental: I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade; IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo; VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. Art. 5o São objetivos fundamentais da educação ambiental: I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; II - a garantia de democratização das informações ambientais; III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social; IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania; V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade; VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia; VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade (BRASIL, 1999, p. 01).

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Por não serem cumpridos os princípios, acima citados, limita-se a sua

abordagem e abrangência, desconsiderando as questões sociais que também

fazem parte da Educação Ambiental.

Porém, no Mato Grosso, a Educação Ambiental ganha um novo enfoque,

no ano de 2004, através do Projeto de Educação Ambiental (PrEA) que orienta

para a construção de Sociedades Sustentáveis e serve de subsídio teórico às

escolas para a construção de Projetos Ambientais Escolares e Comunitários

(PAEC)13 (MATO GROSSO, 2012, p. 57), incentivando a emancipação das

unidades escolares, “viabilizando uma organização social cada vez mais justa e

democrática” e provocando a reflexão sobre a “práxis educativa no contexto da

Educação Ambiental”.

O PAEC traz como proposta integrar escola e comunidade, expandindo o

conceito que interliga claramente a relação escola-comunidade, possibilitando

espaços de diálogo e reflexão diante das vivências de cada comunidade.

Esses foram os primeiros passos para se lançarem novos olhares sobre

a EA, onde foi visto que muito ainda precisa ser feito para se aliar aspectos

sociais e ambientais. Ressalta-se que a Educação Ambiental não pode ser

restrita a uma “concepção naturalista, conservacionista” e “resolucionista”

(MATO GROSSO, 2012, p. 58), nem pode ser trabalhada de forma isolada da

comunidade, pois transpassa esses aspectos “rompendo a linha segregadora

que torna o currículo da escola alheio ao currículo da vida. Por isso conta com a

formação de professores, estudantes e membros da comunidade em processos

de coletivos educadores ambientais” (PEDROTTI; SATO, 2008, p.15).

Então, com esse novo posicionamento, o Estado do Mato Grosso

percebeu que era necessário a implementação de práticas pedagógicas

significativas, pelas escolas, trazendo a dimensão ambiental na perspectiva da

sustentabilidade. Portanto, com a elaboração do Plano Estadual de Educação,

para o período de 2008-2017, incluiu a Educação Ambiental como um dos temas

de relevância na área educacional (MATO GROSSO, 2012, p. 59). Organizando,

após isso, as Orientações Curriculares para a Educação Ambiental, embasadas,

principalmente, no Tratado da Educação para Sociedades Sustentáveis e

13 Os PAEC surgem do Projeto de Educação Ambiental (PrEA) e fazem parte do Plano Estadual de Educação da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Disponível em: http://www.seduc.mt.gov.br/.

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Responsabilidade Global14 e na Carta da Terra, que é um código de ética do

planeta que traz princípios necessários para uma sociedade global, justa

sustentável e pacífica.

As Orientações Curriculares para Educação das Relações Etnicorraciais

trazem um esforço coletivo para garantir que estas questões, previstas na Lei

10.639/03, que orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e

Africana, e na Lei 11.645/08, que alteram a LDB, sejam incluídas nas políticas

educacionais do Estado. Buscando, assim:

[...] responder às lacunas e distorções no currículo escolar no que se refere à abordagem da educação das relações etnicorraciais. Historicamente, as escolas centraram seus currículos num padrão eurocêntrico, privilegiando, dessa forma, a cultura de origem branca. Sendo muitos elementos da história e cultura Afro-brasileira e Indígena silenciados ou abordados de forma equivocada e estereotipada (MATO GROSSO, 2012, p.76).

Em nosso país, a discriminação étnico-cultural e, também, racial está

presente em diferentes contextos da sociedade e a escola não está isenta

dessas relações e influências. O Estado do Mato Grosso aparece como um dos

precursores das discussões etnicorraciais, propondo políticas educacionais que

trazem como pano de fundo a diversidade de nossa formação histórica, por meio

da organização dessas Orientações Curriculares, em consonância com a

Resolução nº 1, que instituiu as Diretrizes Nacionais para as orientações de

aplicação da Lei 10.639/03:

§1º - A educação das Relações Etnicorraciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos [e cidadãs] quanto à pluralidade etnicorracial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos [e todas], respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira (BRASIL, 2004, p.11).

14No ano de 1992, paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), aconteceu o Fórum Global das ONGs. Este Fórum resultou no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, que apresenta um caráter crítico e emancipatório da educação ambiental, reconhecendo-a como importante tática de transformação social. Considerando a EA como um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida, buscando valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica na busca por sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre

si relação de interdependência e diversidade. O tratado está disponível no link: http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/trat_ea.pdf

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Adentrando às Orientações Curriculares para Educação Escolar

Quilombola vê-se que a educação é uma tática de resistência na busca de

garantir os direitos sociais negados às comunidades negras quilombolas. Para

tanto, faz-se uma retrospectiva sobre a formação histórica dos quilombos no

Brasil e no Estado do Mato Grosso, ressaltando que é no ambiente escolar onde

se fortalece a relação escola/comunidade, com intuito de valorizar “a identidade

quilombola, que possibilite ao aluno (a) conhecer suas origens, pois o

reconhecimento/visibilidade da história dos quilombos diz respeito à história e

identidade do povo brasileiro” (MATO GROSSO, 2012, p.143). Lembrando que

esse fortalecimento se faz na construção coletiva do Projeto Político Pedagógico

(PPP) e na organização do currículo.

Cabe destacar, que os principais aspectos dessas Orientações

Curriculares são os referenciais para Ciências e Saberes Quilombolas, que

incluem as disciplinas: Práticas em Cultura e Artesanato Quilombola (PCAQ) que

ensinam e contextualizam o artesanato quilombola, Prática em Técnica Agrícola

Quilombola (PTAQ) que traz a agricultura , o cultivo da terra e o reconhecimento

das ervas nativas da região e Prática em Tecnologia Social (PTS) que propõe o

desenvolvimento de técnicas para resolver problemas sociais com baixo custo,

que pretendem potencializar a aprendizagem a partir dos conhecimentos

manipulados nas comunidades junto às abordagens das outras áreas de

conhecimento (Linguagem, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e

Matemática), proporcionando discussões em torno da realidade social e cultural

das comunidades quilombolas (MATO GROSSO, 2012, p. 159).

Dessa forma, a Educação Quilombola tem como principal objetivo mediar

“o saber escolar com os saberes local, advindo da ancestralidade que formou a

cultura do segmento negro na África e no Brasil”. Possibilitando que o currículo

contemple os conhecimentos e saberes quilombolas, “tratando sua própria

história, formas de luta e resistência como fonte de afirmação da identidade

quilombola e nacional”. (MATO GROSSO, 2010, p.9). Tem a premissa de

considerar os quilombolas em suas diversas maneiras de se constituírem,

construindo, assim, sua identidade e também um currículo vivenciado durante

todos os momentos de aprendizagem; um currículo da Vida; um currículo

Quilombola.

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Neste contexto, Candau (2013, p.16) aponta que a “escola sempre teve

dificuldade de lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e

neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a

padronização”. O desafio para a escola é abrir espaço para a diversidade, então

traremos para os momentos de aprendizagens a base pedagógica de Paulo

Freire: Libertadora e humanista que nos diz: “A educação das massas se faz,

assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que desvestida

da roupagem aliena e alienante, seja uma força de mudança e de libertação.

(FREIRE, 2000, p. 44).

É preciso que se considere cada grupo, cada Comunidade Aprendente e

o território a que pertencem e, por isso, a importância de se “respeitar e

compreender os cenários da vida cotidiana como espaço educativo e, portanto,

como um legítimo currículo vivo e vivido nas comunidade tradicionais”

(KAWAHARA, 2015, p. 174). Para que se possa, assim, repensar um currículo

que traga visibilidade a uma comunidade que historicamente precisou se

invisibilizar para não morrer e uma Educação Ambiental possa vir a ser um

caminho de encontros por meio do qual toda a educação que praticamos possa

ser não apenas reformulada, mas verdadeiramente transformada (BRANDÃO,

1999, p. 13).

Ao se repensar a educação escolar quilombola é imprescindível adentrar

pelos caminhos históricos e políticos da formação destas comunidades, para que

se consiga adequar as bases legais, à realidade escolar:

Os sistemas de ensino, as escolas, os docentes, os processos de formação inicial e continuada de professores da Educação Básica e Superior, ao implementarem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, deverão incluir em seus currículos, além dos aspectos legais e normativos que regem a organização escolar brasileira, a conceituação de quilombo; a articulação entre quilombos, terra e território; os avanços e os limites do direito dos quilombolas na legislação brasileira; a memória; a oralidade; o trabalho e a cultura (BRASIL, 2011, p. 29).

Visto que, no cenário de luta pela garantia dos direitos civis do povo

quilombola, iniciou-se também o almejar de uma educação escolar quilombola

como política educacional, que faça com que esse assunto não fique mais

escondido e possa ser visto à luz de uma nova perspectiva, onde as crianças

quilombolas realmente consigam frequentar a escola, ter escolas dignas e

estruturadas, com professores capacitados.

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Essa problemática foi denunciada pelo movimento negro, pela

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais

Quilombolas (CONAQ) e setores da sociedade que exigem a educação pública

e de qualidade para todos (BRASIL, 2011). E foi esclarecida a situação real da

infância e adolescência brasileira, conforme o relatório Unicef (BRASIL, 2003, p.

15):

31,5% das crianças quilombolas de sete anos nunca frequentaram bancos escolares; as unidades educacionais estão longe das residências e as condições de estrutura são precárias, geralmente as construções são de palha ou de pau a pique; poucas possuem água potável e as instalações sanitárias são inadequadas. O acesso à escola para estas crianças é difícil, os meios de transporte são insuficientes e inadequados e o currículo escolar está longe da realidade destes meninos e meninas. Raramente os alunos quilombolas vêem sua história, sua cultura e as particularidades de sua vida nos programas de aula e nos materiais pedagógicos. Os professores não são capacitados adequadamente, o seu número é insuficiente para atender a demanda e, em muitos casos, em um único espaço há apenas uma professora ministrando aulas para diferentes turmas.

Com esse movimento de luta e esclarecimento, a realidade começa a ser

vista pelo Estado e passa a fazer parte da agenda das lutas dos movimentos e

das conquistas das políticas públicas e dos programas federais, ainda que de

forma lenta. Mostrando, assim, a necessidade de uma educação escolar

específica para a população quilombola, que priorize a sua cultura, seus

costumes, suas necessidades e traga isso para dentro da sala de aula.

No que diz respeito às políticas educacionais, tem-se, de concreto, o

artigo 26‐A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),

introduzido pela Lei nº 10.639/2003, que trata da obrigatoriedade do estudo da

História da África e da Cultura afro-brasileira e africana e do ensino das relações

étnico-raciais, instituindo o estudo das comunidades remanescentes de

quilombos e das experiências negras constituintes da cultura brasileira. Pelo

Parecer CNE/CP nº 03/2004 todo sistema de ensino precisará providenciar

“Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como os

remanescentes de quilombos, comunidades e territórios negros urbanos e rurais”

(BRASIL, 2003, p.9).

A inclusão da Educação Escolar Quilombola como modalidade da

Educação Básica, foi discutida em 2001 dentro da diversidade no campo da

política educacional, na Conferência Nacional de Educação (CONAE), ocorrida

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em Brasília, contudo só vem resultar em norma em 2010, por meio do Parecer

CNE/CEB 07/2010 e na Resolução CNE/CEB 04/2010 que instituem as

Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica. A CONAE (2010) definiu

que a educação quilombola é da responsabilidade do governo federal, estadual

e municipal e estes devem:

a) Garantir a elaboração de uma legislação específica para a educação quilombola, com a participação do movimento negro quilombola, assegurando o direito à preservação de suas manifestações culturais e à sustentabilidade de seu território tradicional. b) Assegurar que a alimentação e a infraestrutura escolar quilombola respeitem a cultura alimentar do grupo, observando o cuidado com o meio ambiente e a geografia local. c) Promover a formação específica e diferenciada (inicial e continuada) aos/às profissionais das escolas quilombolas, propiciando a elaboração de materiais didático-pedagógicos contextualizados com a identidade étnico racial do grupo. d) Garantir a participação de representantes quilombolas na composição dos conselhos referentes à educação, nos três entes federados. e) Instituir um programa específico de licenciatura para quilombolas, para garantir a valorização e a preservação cultural dessas comunidades étnicas. f) Garantir aos professores/as quilombolas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização g) Instituir o Plano Nacional de Educação Quilombola, visando à valorização plena das culturas das comunidades quilombolas, a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades quilombolas (BRASIL, 2011, p. 9).

Ou seja, a regulamentação da Educação Escolar Quilombola nos

sistemas de ensino deverá seguir orientações curriculares gerais da educação

básica, além de garantir a especificidade das vivências, realidades e histórias

das comunidades quilombolas do país, ser consolidada em nível nacional

(BRASIL, 2011) e, ainda, ser inserida a realidade histórica e cultural quilombola

nas questões curriculares das escolas da educação básica pública e privada de

todo país, visto que fazem parte da história da sociedade brasileira.

Com esse intuito, o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a educação escolar quilombola, começou, em 2011, pelo

Conselho Nacional de Educação (CNE), através da Câmara de Educação Básica

(CEB). Diretrizes, estas, que têm a finalidade de “orientar os sistemas de ensino

para que eles possam colocar em prática a educação escolar quilombola

mantendo um diálogo com a realidade sociocultural e política das comunidades

e do movimento quilombola” (BRASIL, 2011, p.05).

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O processo de construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Escolar Quilombola teve seguimento de forma democrática, no

segundo semestre de 2011, em que foram realizados diversos seminários

nacionais e em várias regiões do país, como: Maranhão, Bahia e Brasília, com o

objetivo de que estas diretrizes fossem de encontro aos anseios e necessidades

das comunidades quilombolas. E, assim, foi possível:

Construir juntamente com as comunidades quilombolas os alicerces necessários para elaboração das Diretrizes, principalmente na área da gestão pública no que se refere às necessidades da Educação Quilombola, como os processos de avaliação escolar, a alimentação, o transporte, a edificação do prédio escolar, condições de trabalho do professor, formas de ensinar e aprender, o processo didático-pedagógico e o financiamento (BRASIL, 2011).

Esse trabalho de engajamento e construção coletiva também tinha como

objetivo fazer com que as escolas quilombolas se envolvessem e fossem além

de mero coadjuvantes desse processo e assumissem o papel principal no

tocante à construção de um projeto pedagógico específico, levando em conta a

singularidade cultural de cada comunidade:

A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas deve ser reconhecida e valorizada sua diversidade cultural (BRASIL, 2011, p.21).

Segundo Larchert; Oliveira (2013, p. 50), com a criação da Secretária de

Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) no

Ministério da Educação, esta passa a assumir, no âmbito do Estado brasileiro, o

debate sobre a educação quilombola. Assim, com vistas a melhorar as condições

de ensino, a SECADI empreitou recursos diferenciados para a educação

quilombola, criou cursos de formação para professores, produziu material

didático e disponibilizou para os municípios verbas para o transporte escolar dos

alunos, além de recursos diferenciados para a alimentação escolar.

Essas ações que fazem parte das políticas públicas e seus programas

aproximam o Estado das comunidades quilombolas e ocupam o lugar

fundamental no processo de reconhecimento e inserção das comunidades nas

redes sociais, econômicas, educacionais e culturais locais (opcit). Embora os

textos das políticas públicas expressem a necessidade de uma educação

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condizente com a realidade quilombola, na prática, ainda é difícil visualizar tais

mudanças.

Na comunidade quilombola de Mata Cavalo, nota-se que há um descaso

por parte do governo e a luta é contínua, para que os “direitos ao território, à

educação, à saúde, à moradia digna, a saneamento básico sejam efetivados”

(MOREIRA, 2017, p.107). Essas lutas, por políticas públicas e direitos,

pressionam o Estado para reconhecê-los, no entanto, percebe-se uma

dubiedade nas ações do poder público, visto que, ao mesmo tempo, serve para

garantir os direitos, visibilidade e direitos políticos e continua impondo restrições

políticas burocráticas, emperrando os processos de titulação.

Outra aspecto relevante, no que diz respeito à efetivação das ações de

valorização e reconhecimento dessas comunidades nas diversas esferas

políticas, é o despreparo dos órgãos públicos municipais e estaduais para a

implantação e implementação das políticas federais. Faz-se importante frisar que

existe uma lacuna entre o que propõe as políticas públicas atuais e a situação

real das comunidades quilombolas. Pois, ainda vivem uma situação de

insegurança quanto aos direitos, isto é, uma situação na qual não têm certeza

de que tais direitos serão efetivados (ARRUTI, 2008, p, 21).

É de suma importância, portanto, que gestores públicos conheçam e

reconheçam essas políticas e assumam atitudes responsáveis e

compromissadas com sua implantação ou implementação, criando táticas para

agilizar o acesso dos quilombolas a essas políticas, conforme Larchert; Oliveira

(2013, p. 51).

Embora ainda sofrendo os resquícios da escravidão, como o racismo e o

preconceito, o povo quilombola resiste e luta para manter viva a sua identidade,

a sua cultura e se fazer, assim, protagonista da própria história:

Neste sentido, a educação escolarizada no quilombo que parte da realidade local para pensar a prática educativa é um ato de radicalidade importantíssimo para superação da situação de opressão vivenciada pelos/as quilombolas (MOREIRA, 2017, p. 107).

Sob essa perspectiva, a cultura quilombola potencializa a elaboração e

criação dos conteúdos educacionais escolares, sendo referência para a

compreensão da realidade vivenciada pela comunidade. “Em Mata Cavalo a

escola tem múltiplos significados, é o local de formação dos/as moradores/as,

de articulação e organização política, de convivência, de trocas e

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compartilhamento” (MOREIRA, 2017, p. 107). Por isto, a importância de

construirmos um currículo que potencialize as reflexões a respeito dessa

realidade e que transpasse a organização escolar impregnada do formalismo e

da lógica da dominação da sociedade capitalista, visto que “este formalismo

impera sobre a organização e domina a cultura escolar: a introjeção de normas

rígidas, estereotipadas e uniformizastes, que aprisionam o sujeito nas malhas de

uma estrutura fechada” (BURNHAM, 1992). É sob esta ótica que escrevemos,

com o desejo de construirmos coletivamente táticas educacionais que

potencializem a força e a luta quilombola, unindo escola e comunidade para

repensar a escola como espaço de poder.

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Para adentrar o terceiro capítulo desta dissertação escolhemos o poema

“Bordando a vida”15, de Ana Flor Lácio, por nos trazer o labor do poeta ao bordar

suas escritas, repleto de cuidado e emoção, escolhendo cada tecido, cada fio e

cada sentimento que o impulsionam a bordar. Neste sentido, inspirados em seus

versos, vislumbramos os momentos vivenciados durante a caminhada da

dissertação, que, com o sentir da sociopoética, nos permitiu escolher bastidores,

linhas e agulhas necessário a cada momento, tecendo “fio a fio” os desenhos

que se formam nesta pesquisa.

CAPÍTULO III - Moldando os desenhos com linhas e agulhas

“Nós aprendemos, em diferentes e integradas dimensões de nós mesmos, os diversos saberes, as sensações, as sensibilidades, os

sentidos, os significados e as sociabilidades que, juntas e em interação em nós e entre nós, nos tornam seres capazes de interagir

com uma cultura e em uma sociedade.” (Brandão, 2005, p.85)

3.1 - O Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

(GPEA) e a Sociopoética: caminhos metodológicos vivenciados

Começamos a tessitura deste capítulo apresentando o Grupo pesquisador

em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) e as linhas e tramas que

o constituem. O GPEA traz consigo 20 anos vividos de forma coletiva, dialógica

e esperançosa, deixando marcado nos tecidos da memória a importância de ser

um grupo-pesquisador que une pesquisa científica, militância e amor, pois,

quando pensado e sentido pela pesquisadora fundadora Michèle Sato, este

grupo se propunha a transcender o Eu/Pesquisador (solitário) para ser tecido

como Nós/pesquisadores, “era o sonho de uma troca. Você leva e traz. Você

ensina e aprende. Os outros aprendem e ensinam. [...] E assim, quem sabe, nós

aprendemos juntos” (BRANDÃO, 2013, p. 37).

Com este intuito, por estar neste grupo-pesquisador dialógico e

esperançoso, é que optou-se pelo trançado das bases filosóficas da sociopoética

15 Poema disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/poesias/4033313

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com a educação popular ambiental e o currículo, pois, esta metodologia nos

possibilita compreender que em um grupo-pesquisador16:

[...] cada participante da pesquisa está ativo em todas as etapas dessa pesquisa (produção dos dados, leituras analíticas e transversais desses dados, socialização...), e pode interferir no devir da pesquisa. Isso garante a chamada de formas variadas de racionalidade e a possibilidade de que outras fontes de conhecimento, não racionais e sim emocionais, intuitiva, sensíveis, imaginativas e motrizes, entrem em jogo; (GAUTHIER, 2009, p. 119)

A sociopoética abre uma nova perspectiva teórico-metodológica no

campo da educação popular, propondo momentos coletivos de produção do

conhecimento em que todos os participantes se constituem como co-

pesquisadores, valorizando “as categorias e os conceitos produzidos pelas

culturas dominadas e de resistência” (GAUTHIER; FLEURI; GRANDO, 2001,

p.7). Desta maneira, ainda nas escritas de Gauthier; Fleuri; Grando (2001), nos

aproximamos desta metodologia considerando o corpo como fonte de

conhecimento para além da imaginação, da intuição e da razão, mas como

intenso potencial cognitivo das sensações, emoções e da gestualidade, onde

cada integrante deste coletivo se utilize de sua criatividade artística nos

processos de conhecer, aprender e pesquisar. Assim, como podemos refletir

durante este processo frente as dimensões espiritual, humana e política da

construção dos saberes.

Assim, junto a sociopoética, a EA, que utilizamos como linha de nossos

bordados, busca romper com a estrutura rígida da modernidade de conceituar

algo como verdade universal e deixar as brechas livres e autônomas para criar

e recriar a EA em liberdade (SATO, 2013, p.13). Educação Ambiental esta, com

compromisso social, humano e ético, interligada aos movimentos sociais que

resistem aos modelos hegemônicos do sistema capitalista imposto em nosso

país.

Faz-se importante destacar aqui que esta pesquisa está alicerçada nos

princípios da Educação Ambiental Popular, que:

16 [...] o hífen é importante, porque não se trata de um grupo de pesquisa, mas de um ser coletivo, que se institui no início da pesquisa como grupo-sujeito do seu devir. [...] que ele age na pesquisa como se fosse um único pensador, percorrido de caminhos diversos, às vezes contrários, que se encontram, tecem juntos ou divergem... (GAUTHIER, 2012, p. 78).

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[...] por sua vez, valoriza a identidade social do grupo, reconhece os diferentes saberes sem hierarquias, e une política e educação progressista no diálogo sobre cultura e ambiente na busca por justiça ambiental, almejando contribuir para o fortalecimento das táticas de resistência, entendidas por nós como organização coletiva para enfrentar as adversidades que enfraquecem os territórios. (MOREIRA, 2017, p. 31)

Desta maneira, não seremos neutros, pois, como nos esclarece Paulo

Freire, (1996, p. 86) “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os

outros de forma neutra” e partiremos do princípio de todos os envolvidos podem

contribuir com seus saberes de forma a refletir e construir novos saberes.

Trazemos para nossas escritas esta EA sentida por um grupo pesquisador

que carrega em suas lutas cotidianas a esperança de que a sociedade desejada

seja democraticamente construída, ambientalmente responsável e socialmente

justa (SATO; CARVALHO, 2005, p. 97), engajada nos movimentos sociais em

busca de uma forma de educação justa e libertadora (FREIRE, 2000), podendo

re-criar coletivamente “outras maneiras de se relacionar com o mundo, mais

solidárias e justas socioambientalmente, inclusive na maneira de se relacionar

com os sujeitos de pesquisa e a produção da própria pesquisa” (MARQUES;

GENTINI, 2009, p. 370).

Considerando que a EA popular é um campo epistemológico e político,

seria preciso escolher uma metodologia que respeitasse os diferentes saberes

dos sujeitos envolvidos durante todo o processo e proporcionar momentos de

fecundos diálogos sobre os temas escolhidos, desta forma, a sociopoética como

abordagem metodológica, nos possibilita considerar todos os sentidos nos

caminhos que percorremos e, além disso,

Há uma complementaridade do método sociopoético com a Educação Ambiental em diversas situações, tais como, a maneira coletiva de apropriação da pesquisa, a ciência e o diálogo com a sociedade e o corpo todo como fonte de conhecimento. Além disso, problematiza valores instituídos e instituintes em todos os envolvidos com a pesquisa (MARQUES; GENTINI, 2009, p. 371).

Neste sentido político, a metodologia que nos embasa traz sentido ao

nosso caminhar junto à comunidade quilombola de Mata Cavalo, por nos permitir

sentir com o corpo todo suas marcas históricas, suas lutas, seus desafios, suas

conquistas e seus sonhos.

A sociopoética possui “um devir revolucionário” que traz os sujeitos como

“ator construtor de sua própria existência” (Marques; Gentini, 2009, p. 369), nos

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permitindo refletir sobre a relação de pesquisador e pesquisado que assumimos

nesta pesquisa junto à comunidade quilombola de Mata Cavalo, onde somos

todos detentores de diversos e diferentes saberes e será na troca destes saberes

que poderemos criar outros quantos desejarmos.

Pensando, como grupo-pesquisador, os processos formativos e os

momentos de diálogo, dedicados durantes entrevistas e nos momentos de

descontração, nos inspiramos no sentido de coletividade e cooperação

instituídos pela sociopoética, proporcionando uma nova maneira de

experimentar a pesquisa qualitativa, lançando um novo olhar para nós mesmos

e para àqueles que participaram desta troca de sentidos e saberes, onde

construímos juntos os mais valorosos afetos.17 Foi possível traçar linhas de

ousadia e insegurança em que o pesquisador se distancia de seu papel de ‘dono’

dos saberes e discursos, para compor uma pesquisa com o coletivo, resultando

na construção dos “confetos – conceito e afeto - emergidos e criados pelo grupo-

pesquisador” (MARQUES; GENTINI, 2009, p. 369).

Vislumbrando assim, nos momentos de diálogo entre a epistemologia e

as vivências populares a importância da educação e de um currículo vivo como

táticas de luta e resistência desta comunidade em busca de seus direitos e

sonhos.

Por estabelecer diálogos entre os aspectos de educação, currículo e

natureza nas relações de educação ambiental que se fazem presentes neste

território, elegemos este percurso metodológico que nos possibilitou perceber os

sentimentos existentes nos quilombolas e nas quilombolas diante do espaço

escolar e sua importância dentro do quilombo.

A sociopoética nos apresentou uma maneira de experimentar a pesquisa

em um enfoque coletivo, buscando ir além da racionalidade em todas as suas

etapas, dando evidência as múltiplas vozes daqueles que se propuseram

vivenciar a pesquisa.

No tecer dos CONFETOS ousamos conjugar o verbo amar entre ciências

e arte, sem temer as possíveis críticas que daí possam advir.

(SATO; SENRA, 2009, p.140).

17Importante esclarecer que os afetos aqui descritos“não significam somente abraços e carinhos, mas afecção, o afetar-se frente a uma experiência. [...]que possibilitam a emersão de desejos, conflitos, contradições e dificuldades (MARQUES; GENTINI, 2009, p. 372).

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Com este olhar, foi possível tecer/viver a pesquisa com mais leveza e

sentido; por permitir a inventividade, o protagonismo, a criação e a troca de

saberes que a sociopoética possibilita, conhecendo com o corpo inteiro; e ao

conhecer, valorizar as tradições do grupo que fazemos parte, dialogando teórico

e epistemologicamente.

Gauthier (1999, p.53) explicita ainda que a Sociopoética:

[...] é uma teoria e prática da pesquisa e da aprendizagem que aponta para uma teoria do social. Ela transgride a divisão instituída entre poesia e ciência, entre arte e construção do conhecimento. Ela não considera as pessoas envolvidas na pesquisa como possuidoras de saberes congelados, nem de ilusões fixadas, ela busca entender, o mundo criador, tanto do saber quanto das ilusões.

Assim, por sermos um grupo-pesquisador que compreende as relações e

saberes de forma horizontal e rizomática (MOREIRA, 2017), a sociopoética é a

metodologia que nos possibilitou ser pesquisadores-participantes, sermos partes

de uma Comunidade Aprendente, entrelaçando GPEA e Comunidade

Quilombola.

Desta forma, levando em consideração que durante os processos

formativos temos a possibilidade de conhecer a nossa própria realidade e

podemos participar de produção de conhecimento, tomando posse dele,

aprendendo, e assim, tecer a história deste coletivo que aqui apresentamos,

bordaremos com prioridade ao diálogo e o compartilhamento dos saberes e

afetos dos envolvidos em todas as atividades desenvolvidas junto à comunidade

de Mata Cavalo.

Assim, temos a oportunidade de “reescrever a história através da sua

história”, onde, “afinal pesquisadores-e-pesquisados são sujeitos de um mesmo

trabalho comum, ainda que com situações e tarefas diferentes” e transformar

estes momentos formativos em “um instrumento a mais de reconquista popular”

(BRANDÃO, 2006, p. 11).

E, como instrumento político de reconquista popular, entendemos que

quando trabalhamos em comunidades, como a de Mata Cavalo, é necessário se

respeitar toda multiplicidade construída historicamente por seu povo, pois, “sem

essa forma de tradução recíproca dos saberes, populares e acadêmicos, os

esforços mútuos ficariam fracos e decepcionantes” (BRANDÃO, 2006, p. 11). E

não nos permitiria estar ligados uns aos outros o suficiente para que refletir

criticamente sobre a forma de estar e atuar diante dos conflitos existentes neste

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território. Afinal, o sujeito tende a ser mais, por se reconhecer no mundo e lutar

pelo que se quer (FREIRE, 2005). Justificamos ainda nossa escolha

metodológica trilhada sob os saberes de Paulo Freire quando Marques e Gentini

(2009, p. 375) nos explicitam que:

Na medida em que a sociopoética é utilizada principalmente com povos e culturas de resistência, a teoria de Paulo Freire também se faz referência, pela aprendizagem entre saber popular e acadêmico, através do grupo-pesquisador. Até porque, a pesquisa costuma ter como seus sujeitos os participantes dos conflitos e das resistências contra a opressão característica do sistema capitalista.

Assim, através da sociopoética, tivemos a possibilidade de uma construção

coletiva de aprendizagens sentidas, desejadas, significativas e históricas. Nos

trazendo através da ciência “as energias que são impressas nos corpos das

pessoas, nos seus afetos, nas suas crenças e nos seus saberes” (SATO;

GAUTHIER e PARAGIPE, 2005, p.102).

Fortalecidos pela certeza de que a educação é um ato de amor, e, por

isso, um ato de coragem, não abdicamos dos momentos de debate e reflexão da

realidade, primando por momentos de discussão criadora (FREIRE, 1996).

Assim, descrevemos no próximo tópico, com mais detalhes, os procedimentos

da pesquisa que nos fizeram refletir sobre os conceitos que aqui nos propomos

estudar.

3.2 Moldes e desenhos - Procedimentos da pesquisa

É neste momento que o grupo-pesquisador vai a campo para sentir a

textura dos tecidos, vislumbrar as cores das linhas, separar as agulhas e riscar

os traços do desenho de bordado que desejou. É momento também, do eu-

pesquisador viver a experiência da pesquisa.

Entrelaçando natureza e educação, conceitos pulsantes na comunidade

com quem dialogamos, procuramos conduzir os momentos de troca de saberes,

científicos e populares, para que pudéssemos refletir sobre a realidade do

quilombo. Sendo possível vivenciar histórias, sentidos e sonhos, buscando “a

aliança entre o prazer acadêmico e a paixão da militância” (SATO; SENRA, 2009,

p. 142).

Nestes encontros, onde a interculturalidade da comunidade de Mata

Cavalo e seus saberes se entrelaçaram aos saberes dos pesquisadores-

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aprendizes do GPEA, partilhamos conhecimentos em distintas perspectivas, seja

ela científica, pedagógica, artística, poética ou de luta e resistência.

Utilizamos para as tramas deste bordado a pesquisa de campo,

entrevistas semiestruturadas, processos formativos, oficinas e a observação

participante.

Cientes de que, ao nos envolvermos nestes procedimentos de pesquisa

seria importante que todos pudessem se sentir sujeitos falantes a tomar

consciência de sua realidade, de seus sonhos, e conflitos, tendo a possibilidade

de transformar a realidade em que vivem, caso achassem necessário.

Para isso, nos orientamos pelas seguintes etapas da sociopoética,

trazidas por Petit e Soares (2002 apud Marques; Gentini, 2009, p. 376-377):

1) a negociação do tema gerador e a produção de dados que ocorre por meio de oficinas, o que implica na limitação do número de pessoas envolvidas (geralmente um grupo de 10 a 20 pessoas); 2) a análise dos dados pelos facilitadores; 3) a contra-análise - os facilitadores da pesquisa elaboram suas análises sistematizadas e confrontam esses achados com as visões dos co-pesquisadores; 4) a socialização da pesquisa, cuja forma de realização é decidida junto com os co-pesquisadores.

Foram realizadas entrevistas com pessoas da comunidade, professores,

alunos e pesquisadores do GPEA. Não foram levados em consideração apenas

as respostas dadas pelos entrevistados, pois, assim como propõe a

sociopoética, é valioso dar importância ao percurso e os diversos saberes

compartilhados durante a pesquisa; de forma que as expressões, sentimentos e

comportamentos dos entrevistados foram considerados ao avaliar as respostas.

Adiante, trazemos a relação GPEA / Comunidade Quilombola e os

processos formativos realizados nos anos de 2015, 2016 e 2017 e que nos

possibilitaram refletir sobre os objetivos pensados para esta pesquisa.

3.3 Entrelaçar de linhas e agulhas – os processos formativos

Embora as vivências entre comunidade de Mata Cavalo e o GPEA tragam

registros anteriores, destacaremos aqui as atividades desenvolvidas nos anos

de 2015, 2016 e 2017, para que possamos compreender como as tramas deste

bordado coletivo se constituíram e fortaleceram as discussões sobre educação

e currículo que buscamos refletir nesta dissertação.

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Em 2015, o GPEA através de parceria com a organização não

governamental (ONG) Instituto Caracol (IC), garantiu financiamento da

Organização não governamental World Wide Found For Nature (WWF) para

realização do projeto: Escolas Sustentáveis no Quilombo de Mata Cavalo. GPEA

e Comunidade participaram do processo formativo realizado na Escola Estadual

Tereza Conceição de Arruda. Este processo, está alicerçado sobre as bases

conceituais de Escolas sustentáveis descritas nos documentos oficiais18 tendo

como objetivo conhecer a realidade escolar e tornar essa escola em um espaço

educador sustentável, que resultou na construção do Projeto Ambiental Escolar

Comunitário (PAEC) da Casa da Cultura Quilombola (Figura 03).

Trajber e Sato (2010), nos apresentam que o princípio fundamental da

política para ES é, que as escolas de educação básica brasileira se transformem

em “incubadoras de mudanças”, onde deverão encontrar possíveis soluções

para as dificuldades encontradas em suas comunidades escolares. Esta

proposta ousada, que surge da inter-relação da Coordenação Geral de

Educação Ambiental do Ministério da Educação (MEC) com as universidades

federais de Ouro Preto (UFOP), de Mato Grosso do Sul (UFMS) e de Mato

Grosso (UFMT), busca, à partir de espaços educadores sustentáveis, incentivar

a investigação, pesquisa, descoberta, autonomia, sonhos e possibilidades,

assim como o pensamento crítico e inovador. Propondo autonomia das

instituições para decidir com sua comunidade o melhor caminho em busca da

sustentabilidade (GROHE, 2014).

Neste sentido o projeto reconhece a escola como um “espaço educador

sustentável” (TRAJBER; SATO, 2010) em três dimensões conectadas: o espaço,

o currículo e a gestão. Como linha fundamental desta proposta, o espaço da

escola precisa ser repensado de forma articulada com o currículo, seguindo as

premissas da sustentabilidade socioambiental, de maneira que possibilite e

acenda uma nova cultura na comunidade escolar.

Estas autoras nos alertam que, ao falarmos de ES, estamos aproximando

“estudantes, membros da comunidade, professores, funcionários e gestores em

18 Informações disponíveis no caderno orientador sobre o Projeto de Escolas sustentáveis. Disponível em: http://www.seduc.go.gov.br/documentos/nucleomeioambiente/material2013/caderno.pdf

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diálogos constantes voltados à melhoria da qualidade de vida” (TRAJBER;

SATO, 2010, p. 72).

As ES trazem em suas táticas o desenvolvimento de processos

educativos permanentes e continuados, propondo a sensibilização individual e

coletiva para a construção de conhecimentos, valores, habilidades, atitudes e

competências voltadas para a construção de uma sociedade de direitos,

ambientalmente justa e sustentável (BRASIL, 2013).

Uma escola sustentável precisa também, ser uma escola inclusiva, que

tenha como base o respeito aos direitos humanos e a qualidade de vida,

valorizando nossas multiplicidades. Desta forma, para ser sustentável, portanto,

a escola também precisa:

• Promover a saúde das pessoas e do ambiente. • Cultivar a diversidade biológica, social, cultural, etnorracial, de gênero. • Respeitar os direitos humanos, em especial de crianças e adolescentes. • Ser segura e permitir acessibilidade e mobilidade para todos. • Favorecer o exercício de participação e o compartilhamento de responsabilidades. • Promover uma educação integral (BRASIL, 2013, p.10).

Ao descrevermos este processo formativo diante de nosso

posicionamento como grupo pesquisador, com bases na educação ambiental

popular , as especificações sobre os conceitos de ES e nosso pensar científico

se entrelaçam e tomam formas19 “caracolianas, por acreditar na escola como

uma espiral de possibilidades e descobertas e por apresentar uma proposta de

aprendizagem circular, que não se fecha e permanece inacabada na

incompletude de avançar e recuar; de ensinar e aprender” (TRAJBER; SATO,

2010, p. 72)

Importante ressaltar que uma escola sustentável parte do pressuposto de

que “o território é o espaço que constrói as identidades, ou seja, um currículo

cultural do sujeito, da comunidade escolar e também da sociedade brasileira”

(TRAJBER; SATO, 2010, p. 73). Diante desta colocação, uma das ações trazidas

pelo projeto, é a constituição das Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de

19 Neste contexto a palavra ‘forma’ não é utilizada como sinônimo de: aparência, configuração, conformação, disposição, modelo, modo ou molde a ser fixado e seguido, mas no intuito de fazer alusão aos esboços de um desenho construído coletivamente nos momentos de diálogo e aprendizagem proposto nos processos formativos. Informações sobre a palavra ‘forma’ foram retiradas do dicionário disponível em: https://www.dicio.com.br/forma/.

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Vida (COM-VIDA)20 nas escolas, instigando o protagonismo juvenil e a

possibilidade de diálogos contínuos e permanentes junto à comunidade escolar

sobre questões culturais e ambientais vivenciadas.

Nesse sentido, as ações propostas para serem refletidas na busca por

uma escola sustentável, alinham-se na perspectiva de estimular o conhecimento,

o compromisso e a participação efetiva de professores, gestores, estudantes,

seus familiares e comunidades, de forma coletiva e dialógica, onde seja possível

seguir os seguintes pressupostos pedagógicos (Figura 3):

Figura 3 – Pressupostos pedagógicos do Projeto de Escolas Sustentáveis

Fonte: Imagem retirada do caderno: Vamos cuidar do Brasil com escolas sustentáveis:

educando-nos para pensar e agir em tempos de mudanças socioambientais globais, 2013.

Estas três pedagogias que trazem a perspectiva, principalmente de

fortalecimento da Com-Vida, constituem referência das escolas sustentáveis e

são esclarecidas por Trajber e Sato (2010, p.73) :

20 A “Com-Vida é um espaço de diálogos que ajuda a escola a projetar e a implementar ações que envolvem toda a comunidade escolar, visando a um futuro sustentável. Isso tem reflexos na diminuição do desperdício de água, energia, materiais e alimentos, nas compras conscientes, na destinação adequada de resíduos, entre outras práticas voltadas ao bem-estar pessoal, coletivo e ambiental, é uma nova forma de organização na escola e uma das ações estruturantes para cuidar do Brasil. Sua proposta é consolidar, na comunidade escolar, um espaço permanente para realizar ações voltadas à melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida.” (BRASIL, 2012, p.12)

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[...] por meio de suas três pedagogias, as escolas sustentáveis querem envolver escola e comunidade em pequenos projetos ambientais escolares comunitários, considerando o sujeito [estudante] percebido no mundo, suas relações no mosaico social da escola e seu entorno [comunidade] e no desenvolvimento de atividades, projetos e planos que se entrelacem com o local [bairro, município educador sustentável], promovendo diálogos entre os conhecimentos científicos, culturais e saberes locais.

Assim, o processo formativo desenvolvido na Comunidade Quilombola de

Mata Cavalo se inspirou nos princípios acima apresentados, das Escolas

Sustentáveis, refletindo junto à Comunidade sobre as três dimensões que

sustentam este projeto: espaço, currículo e gestão (TRAJBER; SATO, 2010, p.

71) (Figura 4). No sentido de acrescentar significado aos projetos desenvolvidos,

valorizando a história local, de forma a promover aprendizagens significativas

através de um currículo fenomenológico, que seja pensado e desejado

pelos/pelas quilombolas, aliando saberes populares e científicos na construção

de novos conhecimentos.

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Figura 4 – Diagrama que apresenta a tríade base do Projeto Escolas Sustentáveis

A conexão destas dimensões foi imprescindível para que a proposta de

Escolas Sustentáveis se concretizasse, assim como, o envolvimento da

comunidade do entorno acrescentou significado as etapas desenvolvidas,

agregou a valorização da história local e do conhecimento popular,

proporcionando espaços de troca de saberes significativos à aprendizagem do

coletivo. Outro conceito que fez parte deste momento é o Espaço Educador

Sustentável:

Espaços educadores sustentáveis são aqueles que têm a intencionalidade pedagógica de se constituir em referências concretas de sustentabilidade socioambiental. Isto é, são espaços que mantêm uma relação equilibrada com o meio ambiente; compensam seus impactos com o desenvolvimento de tecnologias apropriadas, permitindo assim, qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. (TRAJBER; SATO, 2010, p.71).

Seguindo esta base o Processo Formativo na Comunidade Quilombola de

Mata Cavalo foi desenvolvido de agosto a novembro de 2015, com total de 90

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horas de atividades coletivas, possibilitando a ligação entre o ensino, a pesquisa

e a extensão. No decorrer da formação foram trabalhados os temas:

Sustentabilidade Planetária e Escolas Sustentáveis; Mapeamento Social:

Grupos Sociais e Conflitos Socioambientais; Projeto Político Pedagógico e

Educação Ambiental; Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na

Escola (COM-VIDA), experiências de Escolas Sustentáveis em MT e Projetos

Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC).

Estes momentos foram marcados por um rico processo de diálogo, de

trocas e de construção de saberes, onde tivemos o privilégio de refletir sobre

diferentes modos de vida dos seres humanos e seus impactos sobre o ambiente;

nossa relação com os ecossistemas; a importância do engajamento/militância

para elaborar e fortalecer táticas de resistência frente ao nossos sistema

capitalista e opressor e a necessidade de um currículo que considere os saberes

e fazeres da população (EU-CURRÍCULO), com a problematização das

questões socioambientais por meio da cartografia local (OUTRO-GESTÃO),

partindo da história da comunidade para a semeadura de esperanças que

germine na forma de alternativas possíveis para transformação (MUNDO-

ESPAÇO). Destes momentos de aprendizagem, surgiram a necessidade da

formação da COM-VIDA e a realização do PAEC em Mata Cavalo.

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Quadro de Figuras 5 - Processo Formativo em Escolas Sustentáveis na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, 2015.

Fotos: Arquivo do GPEA, 2015.

O PAEC, neste contexto, se apresenta como um espaço de discussão,

um fórum, que permitiu discutir a possibilidade de um currículo fenomenológico

de Mata cavalo. Surge com uma proposta de reflexão coletiva que,

ultrapassando os muros da escola, deseja trazer os elementos do mundo da vida

para a construção deste currículo; um currículo da vida, um currículo vivo na

escola que consiga incorporar os elementos vivos desta comunidade e, fazer

com que os elementos desse currículo tradicional consigam dialogar os

conhecimentos da cultura humana com os elementos da cultura de Mata Cavalo.

Primeiro de maneira não exatamente pontual, mas de elementos

concretos que são os projetos ambientais que trabalham nas dimensões da

sustentabilidade da escola, currículo, gestão e espaço físico, mas, ultrapassando

esse tripé consiga dialogar sobre os conhecimentos elementares que podem ser

direcionados para cada uma das disciplinas do currículo tradicional. Encontrando

nos elementos de Mata Cavalo os seus pontos de conexão com esse

conhecimento este saber acadêmico. O PAEC foi o meio do caminho, o espaço

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de discussão que interliga educação ambiental e currículo quilombola ou

educação quilombola.

Diferente de outras propostas governamentais, as Escolas Sustentáveis

propõem uma nova maneira de caminhar, deixando de lado o conceito de modelo

pronto e acabado, imposto de forma hierárquica e descontextualizada. Esta

proposta representa um caminho possível para construção de uma nova escola,

que dialogue com os saberes de dentro e fora das dimensões espaciais

escolares, partindo da realidade da comunidade que está envolvida e que

possibilite assim dar sentido e significado aos momentos de aprendizagem.

Neste contexto se propõe unir forças coletivas, escola e comunidade, para

romper o isolamento da escola que muitas vezes promove “um saber

descontextualizado do cotidiano da comunidade escolar. [...] A intencionalidade

é a de oportunizar espaços de participação democrática na busca da construção

coletiva.” (MANSILLA; SATO, 2009, P.314).

Seguindo esta base o Processo Formativo na Comunidade Quilombola de

Mata Cavalo foi desenvolvido de agosto a novembro de 2015, com total de 90

horas de atividades coletivas, possibilitando a ligação entre o ensino, a pesquisa

e a extensão. No decorrer da formação foram trabalhados os temas:

Sustentabilidade Planetária e Escolas Sustentáveis; Mapeamento Social:

Grupos Sociais e Conflitos Socioambientais; Projeto Político Pedagógico e

Educação Ambiental; Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na

Escola (COM-VIDA)21, experiências de Escolas Sustentáveis em MT e Projetos

Ambientais Escolares e Comunitários (PAEC).

Estes momentos de aprendizagem coletiva trouxeram à tona um desejo

antigo da comunidade em ter um local que representa-se e valoriza-se a riqueza

de sua cultura. Este desejo se materializou através do PAEC, na construção de

um espaço educador sustentável que recebeu o nome de Casa da Cultura

Quilombola de Mata Cavalo.

21 Forma de organização na escola, que tem a ideia de criar conselhos de meio ambiente e círculos de aprendizagem e cultura nas escolas que debatam e gerenciem ideias e ações voltadas ao meio ambiente.

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Quadro de figuras 6 - Execução do PAEC, Casa da Cultura Quilombola, 2015.

Nesta perspectiva, para que o PAEC tenha significado para a

comunidade, é de suma importância que ele represente um desejo coletivo, que

traga consigo seus saberes e sonhos. Pois como afirma Souza Santos (1994, p

287):

Não basta criar um novo conhecimento, é preciso que se reconheça nele. De nada valerá inventar alternativas de realização pessoal e coletiva, se elas não são apropriáveis por aqueles a quem se destinam.

Em função da falta de regulação fundiária e dos violentos despejos com

destruição de moradias, grande parte das/os quilombolas atualmente vivem em

Casas de palha ou de madeira, o que faz com que muitos jovens

desconheçam as técnicas de construção usadas pelos seus ancestrais. Assim,

a escolha do PAEC foi a construção de uma Casa da Cultura Quilombola (Figura

7) que possibilitou um reconhecimento de aspectos da cultura ancestral da

Comunidade, sendo construída aos moldes das primeiras casas erguidas no

início da formação do quilombo. A casa foi feita de barrote (pau a pique), com

chão batido utilizando o cupim, cobertura de telhado verde de grama e um

pequeno sistema de captação de água por uma cisterna. O interior desta casa

contém artefatos tradicionais, artesanatos produzidos pela comunidade,

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fotografias e registros que mostram a identidade, a luta, os saberes e as

tradições deste povo, sendo hoje a Casa da Cultura Quilombola de Mata Cavalo.

Figura 7 – Casa da Cultura Quilombola de Mata Cavalo. Associação Mata Cavalo de Baixo,

Quilombo de Mata Cavalo, 2017.

Fonte: Acervo do GPEA-UFMT.

Nota: Créditos da imagem de Cristiane C. A. Soares (2017).

A construção coletiva da Casa da Cultura Quilombola traz o registro desta

intensa e significativa caminhada, onde estudantes, educadoras/es, gestores,

funcionárias/os da escola, moradoras/es da comunidade e pesquisadoras/es do

GPEA dialogam e entrelaçam saberes acadêmico e populares, suas vivências e

seus sonhos, sem deixar de considerar a realidade local e a cultura quilombola

(Figura 05). Portanto:

É neste cenário que o processo educativo configura-se como prioridade do projeto civilizatório. Uma educação capaz de promover a democracia à proteção ambiental e à justiça social e que, essencialmente, seja substantivada pela dimensão ambiental em sua complexidade política para ousar a transformação desejada (SATO, 2004, p. 12).

Assim, esta Comunidade Aprendente, que se constituiu durante o

processo formativo, idealizou e fez acontecer o sonho coletivo de um Projeto

Ambiental Escolar Comunitário: a Casa da Cultura Quilombola. Todos envolvidos

em momentos de diálogo, de comunhão, de solidariedade e de valorização dos

saberes quilombolas. Foram muitas mãos e sentimentos reunidos em

muxirum/mutirão pela materialização deste sonho coletivo.

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Pudemos perceber que a construção coletiva do PAEC, como uma

decisão refletida e sonhada coletivamente, que resignifica o poder da

aprendizagem, e o pertencimento registrado em cada elemento utilizado na

fundação da casa. Erguida seguindo os modelos das casas que seus

antepassados construíam, uniram a cultura e os saberes populares do quilombo,

caracterizado neste espaço com o chão batido de cupim e paredes de adobe,

aos saberes científicos trazidos durante os processos formativos, com a

instalação de um telhado verde que equilibra a sensação térmica e faz a coleta

da água da chuva através de uma cisterna. A Casa da Cultura Quilombola de

Mata Cavalo, edificada a muitas mãos, materializa o sonho de um lugar para dar

visibilidade a história da comunidade. Pois, como nos diz Pontilhado22:

“A casa é cultura viva, foi feita pela comunidade, pelas mãos

da comunidade!”

(Ponto Pontilhado, 2016, Professora do quilombo)23

Registramos com esta narrativa a importância desta aprendizagem

construída sobe bases da educação popular, onde a construção coletiva de

saberes nos momentos de reflexão sobre a realidade e anseios da comunidade

se fizeram presentes como tática de visibilização e resistência da cultura

quilombola.

Para dar continuidade aos caminhos desta pesquisa, em 2016 foram

realizadas entrevistas com membros do GPEA e da Comunidade de Mata

Cavalo, que participaram do Processo Formativo em Escolas sustentáveis, onde

propusemos a reflexão/avaliação sobre os momentos vivenciados em 2015, com

22 Em cumprimento às exigências da Plataforma Brasil, Cabe aqui ressaltar, que como recomendação do Comitê de ética, os nomes de nossos co-pesquisadores serão mantidos em sigilo. Por isso, escolhemos nomeá-los com nomes dos pontos utilizados para bordar. Desta forma, teremos como contribuição de extrema importância em nossa pesquisa a fala do “Ponto Caseado”, “Ponto Candurinha”, “Ponto Margarida”, “Ponto Cheio”, “Nó Francês” e outros. Em todas as transcrições, os textos contêm as características originais das narrativas. 23 Faz-se importante ressaltar que a escolha da imagem de bordados de flores para identificar nossos co-pesquisadores foi feita por simbolizar a colheita das flores feitas durante a caminhada científica. Cada aprendizado, cada troca foi simbolizada aqui como uma flor colhida neste percurso significativo do tecer/viver.

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intuito de olhar as fragilidades e fortalezas encontradas durante o caminho, além

de servir para o planejamento para os processos formativos que se seguiram.

Para este momento foi utilizado um roteiro de entrevistas

semiestruturadas (Quadro 1), onde, através das narrativas dos sujeitos da

pesquisa, foi possível registrar suas percepções sobre a EA, o processo

formativo em Escolas Sustentáveis e a relação Comunidade/GPEA; as

percepção sobre a casa da cultura e também as percepções sobre o currículo.

Participaram, destas conversas, servidores da escola, estudantes, membros da

comunidade e Integrantes do GPEA. O critério usado para escolha dos

colaboradores da pesquisa foi terem participado do processo formativo em

Escolas Sustentáveis no ano de 2015.

Os momentos de entrevista aconteceram de maneira individualizada, na

sala do grupo de pesquisa na UFMT, nas residências das/os membros da

comunidade, e na escola do quilombo.

Quadro 01 – Roteiro das Entrevistas

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1- Dados de Identificação:

Nome | Idade | Local de nascimento | Local de Moradia | Tempo de Residência

na Comunidade | Tempo de trabalho na escola (Servidores) | Tempo que

estuda na escola (estudante) | Relação com a escola (comunidade –

integrantes do GPEA) |

2 - Percepção da Educação Ambiental e o processo Formativo em Escolas

Sustentáveis (servidores da escola/ estudantes/ membros da comunidade –

Integrantes do GPEA)

O que é Educação Ambiental para você?

Como foi o Processo Formativo em Educação Ambiental desenvolvido em

2015?

Quais conteúdos/ temas foram trabalhados?

A escola se envolveu? A comunidade se envolveu?

As discussões durante as formações fizeram diferença no que você

entende por educação ambiental?

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3 - Percepção sobre o currículo (servidores da escola/ estudantes/ membros da

comunidade –GPEA)

A educação ambiental faz parte dos conteúdos ensinados na escola? Se

sim, como é abordada?

A cultura quilombola faz parte dos conteúdos ensinados na escola? Se

sim, como é abordado?

Como podemos trabalhar essas temáticas na escola: Educação

Ambiental? Cultura Quilombola?

Como seria um currículo dos sonhos/ideal para a escola quilombola?

Fonte: Produção da autora - 2017

Foram entrevistados 12 (doze) pessoas, das quais, três são estudantes

do ensino médio, três professoras, três moradores/as da comunidade e três

pesquisadores do GPEA.

Após essa etapa, no ano de 2016, o GPEA, em parceria com o Instituto

Caracol24, deu continuidade ao processo formativo em Escolas Sustentáveis no

Quilombo de Mata Cavalo com o Processo Formativo: Educação Ambiental na

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo. Contextualizados sob as ricas

dimensões da educação ambiental, este processo formativo foi elaborado com

respeito aos saberes diferentes, ao diálogo e construção coletiva de novos

saberes, onde os membros da comunidade quilombola também propuseram

temas e oficinas a serem compartilhados com os pesquisadores do GPEA.

Foram realizados três encontros deste novo momento formativo. O

primeiro deles foi a oficina “Observatório Territorial Quilombola”, que aconteceu

no dia 19/01/2016 na Escola Estadual Tereza Conceição de Arruda, e a partir

dele, foram propostos, novos momentos de diálogo sobre as etapas seguintes.

24 Parceiro de militância junto ao GPEA, o Instituto Caracol, também designado como ICaracol, é uma associação civil, com caráter socioambientalista, sem fins lucrativos, essencialmente democrática, sem vinculação política ou partidária, nem distinção de credo, raça, etnia, classe, orientação sexual e gênero. Informações disponíveis em: http://www.icaracol.org.br/ .

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Quadro de figuras 8- Cartazes contendo os registros da Oficina “Observatório Territorial

Quilombola”, 2016.

Fonte: Arquivo do GPEA.

Créditos da foto: Cristiane Almeida Soares, 2016.

Como sequência das etapas formativas foram escolhidos como temáticas:

escola, currículo e cultura quilombola, fazendo um mapeamento dos pontos

históricos e manifestações culturais mais significativas em Mata Cavalo, bem

como a melhor contextualização do currículo quilombola dentro e fora do

ambiente escolar.

Este último momento do processo formativo foi dividido entre duas

oficinas. Sendo a primeira para o Mapeamento Cultural do Quilombo de Mata

Cavalo e a Segunda sobre as Vivências Quilombolas e o Currículo.

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Reuniram-se, na Escola Tereza Conceição Arruda, cerca de 80 pessoas

das seis associações que compõem o quilombo de Mata Cavalo, além dos

membros do GPEA. Durante esta etapa do processo formativo a comunidade

pode sinalizar onde encontramos os pontos históricos de seu território; quais as

manifestações culturais que consideram importantes; quem são as pessoas de

referência e quais as datas festivas importantes no calendário quilombola; além,

de refletir sobre a importância destes ‘bens culturais’ em sua história e cultura e,

assim, refletirem sobre a importância da escola e do currículo no fortalecimento

e valorização destes pontos elencados, e, desta forma, planejarem

coletivamente táticas educacionais para construir, para além de uma currículo

escolar, um currículo da vida. (Quadro de figuras 9)

Quadro de figuras 9- Processo formativo: Mapa Cultural, Escola e Currículo no quilombo Mata

Cavalo”, 2017.

Fonte: Arquivos do GPEA – Créditos da foto: Carolina Barros, 2017.

É importante destacar que as atividades do processo formativo sobre o

currículo formal, o currículo quilombola e o currículo da vida trouxe grande

contribuição para o bordado que aqui tecemos, pois, através das reflexões

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compartilhadas durante este momentos foi possível esboçar a compreensão

sobre a qual a importância do currículo dentro desta gama de multiplicidades que

formam a comunidade de Mata Cavalo.

Durante o processo formativo os/as participantes foram divididos em

quatro grupos, cada grupo teve representantes da comunidade, dos/as

estudantes, das professoras e um/a pesquisador/a do GPEA como facilitador das

discussões utilizando o seguinte roteiro (Quadro 2):

Quadro 2 – Roteiro utilizado nos grupos de trabalho do Processo Formativo: Mapa Cultural,

Escola e Currículo no Quilombo Mata Cavalo, 2017.

PROCESSO FORMATIVO: MAPA CULTURAL, ESCOLA E

CURRÍCULO NO QUILOMBO MATA CAVALO

Dia 16/03/2017 – das 8:00h às 17:00h

Oficina 2 - As Vivências Quilombolas e o Currículo

Roteiro para os Grupos de trabalho

O que deseja uma escola do Quilombo?

Os Pontos Históricos, as Manifestações Culturais e a história das pessoas

de referência para comunidade que foram debatidos de manhã fazem

parte do currículo da escola? Vocês acham importante que a cultura

quilombola esteja presente nas ações da escola?

O que você faz para contribuir com um currículo quilombola?

O que podemos fazer, que táticas educativas podemos propor, para

fortalecer e dar visibilidade para Mata Cavalo?

Ressaltamos que esta pesquisa foi submetida à Plataforma Brasil e

devidamente autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato

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Grosso (UFMT) e través do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, o uso

das fotos e trechos das entrevistas foram autorizadas pelos participantes.

Assim, no próximo capítulo, apresentamos os resultados encontrados

durante este caminhar investigativo a respeito da escola dentro da comunidade

quilombola de Mata Cavalo, a relação deste espaço frente aos enfrentamentos

dos conflitos socioambientais vivenciados na comunidade, com destaque para o

currículo formal que hoje chega ao quilombo e o currículo para além da escola.

Trataremos, também, das considerações acerca desta pesquisa e os principais

aspectos a serem ressaltados neste caminhar pesquisador, frente as reflexões

sobre a educação, EA e o currículo dentro do quilombo.

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O poeta José Carlos Limeira, escolhido para este capítulo, propõe em

seus versos manter viva as tradições preservadas pelos descendentes dos

antigos escravos, e segundo Silva25 (2018, p.01), “a poética limeiriana reconstrói

perfis identitários”, buscando por visibilidade a todos aqueles, homens e

mulheres negros/as que estiveram silenciados e fora da história oficial de nosso

país. Dentre suas escritas, escolhemos o poema “Meu sonho não faz silêncio”26,

que nos remete às lutas e as injustiças a que o povo de Mata Cavalo foi e é

submetido até hoje, embora tragam em sua história, marcas do descaso e

preconceito, os quilombolas se mantêm fortes, resistem, sonham. Sonho

quilombola de conquista e liberdade que não faz silêncio, que teimoso, desperto

e certo, mais que vivo, é a própria vida!

Assim, neste último capítulo, por meio da sociopoética nossa investigação

deixa de ser conduzida por pesquisadores isolados e passa a ser tecida por uma

rede de pesquisadores, que trabalham de forma colaborativa. “Além da

racionalidade científica, esta metodologia acolhe e nos permite trançar com

sentimentos a subjetividade e a afetividade na construção do saber” (RESENDE;

SATO, 2015, p. 79).

Trazemos as tramas, franjas, pontos e cores da história sobre o sonho da

escola no quilombo e, neste contexto, registrar a luta de um povo que resiste às

constantes violações de seus direitos para continuar vivendo onde seus

antepassados viveram.

CAPÍTULO IV – Tramas, Franjas, pontos e cores

"A educação sozinha não transforma a sociedade, Sem ela tampouco a sociedade muda."

Paulo Freire

25 Texto sobre a poética limeriana disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/28-critica-de-autores-masculinos/296-a-resistencia-dos-quilombos-na-poesia-de-jose-carlos-limeira-critica 26 Poema disponível em: http://tamboresfalantes.blogspot.com.br/2016/03/a-memoria-vida-e-obra-do-poeta-baiano.html

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4.1 A escola na comunidade quilombola de Mata Cavalo: símbolo de

resistência e luta.

Ao conhecer a história do povo quilombola de Mata Cavalo encontramos,

dentre uma de suas principais táticas de luta, a busca por fortalecer e legitimar

seu território por meio da educação, na tentativa de romper com as restrições e

imenso descaso com que sempre foram tratados. Neste ponto, a escola dentro

da comunidade quilombola de Mata Cavalo é símbolo de resistência e luta; mais

do que paredes, livros e cadeiras, é local vivo da memória dos homens e

mulheres negros/as que enfrentaram a pressão imposta por uma sociedade

injusta e discriminatória, galgando por seus direitos e mudando sua história.

Encontramos registros nas escritas de Moreira (2017) de que esta busca,

por acesso à educação no quilombo, urge desde o ano de 1925, quando o Sr.

Antônio Mulato, pessoa de referência e o morador mais antigo do quilombo,

reivindica junto às autoridades de Nossa Senhora de Livramento, uma

professora para ensinar às 60 crianças que faziam parte do quilombo e do seu

entorno (CASTILHO, 2008; SENRA, 2009; MOREIRA 2017).

Embora, aparentemente, esta solicitação tenha sido atendida, o acesso

era restrito a somente 20 crianças brancas, escolhidas pela professora, o que

marca fortemente a presença do racismo imposto como estratégia para

enfraquecer e desarticular os quilombolas. Como registrado na fala do Sr.

Antônio Mulato em entrevista à Senra (2009), a educação escolar só era de

‘direito’ para “os filhos dos brancos, porque, ela (professora) falou que filho de

negro não podia estudar”. Com isto, os filhos dos quilombolas eram obrigados a

sair de seu território para poder estudar, mantendo distante o sonho de uma

escola para os meninos e meninas negros/as do quilombo.

Junto a este movimento de luta, na década de 30, segundo Barcelos

(2011), com a política brasileira da Marcha para o Oeste, a área do quilombo

passou a ser valorizada devido a sua favorável localização e pela descoberta de

ouro na região. Esta situação intensifica as investidas dos fazendeiros, de forma

violenta, contra os negros e negras do quilombo, marcando o início do processo

de dissolução da formação inicial de Mata Cavalo. Ampliou-se neste momento a

luta por educação e por sobrevivência.

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Muitos quilombolas se viram forçados a sair e buscar melhores condições

de vida nas cidades próximas, mas aqueles que resistiram e se mantiveram nas

terras da Sesmaria, deixam registrada a força que tem um povo que se une e

sonha junto. Como podemos perceber na fala desta nossa co-pesquisadora:

“Muitos foram embora, era difícil ficar, faltava tudo... e tinha

o medo pela nossa vida, né? Mas meu pai era valente, enfrentava

mesmo, tinha medo não. Ele não deixava eu ir junto quando ia

falar com os fazendeiros, eu olhava de longe, mas

acompanhava. Era difícil, vote... Mas ele ensinava a gente a ser

forte!”

(Ponto Corrente, 2016, moradora do quilombo)

São estes exemplos/saberes, constituídos durante os processos de

resistência dos quilombolas que, para nós, são primordiais de serem contados,

sentidos e vividos dentro do contexto escolar. Estes são os etnoconhecimentos

que representam parte da multiplicidade desta comunidade e que, não são

encontrados nos textos científicos organizados dentro do currículo formal.

O sonho de trazer o ensino escolar para o quilombo não esmoreceu, se

manteve firme como a força deste povo, e a comunidade, na década de 1950,

tem sua primeira professora quilombola: Tereza Conceição de Arruda, filha de

Antônio Mulato. As aulas para as crianças eram ministradas no quintal de sua

casa chegando a ter cerca de 40 crianças frequentando. Embora Dona Tereza

tenha conseguido ter sua atividade remunerada pela prefeitura, não obteve

reconhecimento do Estado, marcando mais uma tentativa de fragilizar a luta

quilombola pela educação (MANFRINATE, 2011; MOREIRA, 2017; SOARES;

2018).

Quando o Estado se posiciona e não reconhece como legítimo o processo

de ensinar e aprender dentro do quilombo, obrigando D. Tereza a lecionar na

cidade, mais uma vez explicita sua ideologia excludente.

O que deveria ser um passo para fragilizar a comunidade quilombola,

serviu para que estes homens e mulheres vislumbrassem a educação como

grande potencial transgressor e revolucionário nesta luta. Compreendendo a

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natureza política do processo educativo e o potencial de conscientização por

meio da vivência coletiva (FREIRE, 1987, MOREIRA, 2017).

Segundo Barros (2007), as décadas de 1950 e 1960 foram marcadas pelo

retorno de alguns membros de Mata Cavalo, representando um momento de

rearticulação e fortalecimento da comunidade. Porém, em 1980, os conflitos

entre os fazendeiros e os quilombolas se intensificam, desta forma, “a

permanência das famílias quilombolas na sesmaria Boa Vida, somente foi

possível, porque algumas pessoas compraram as terras em que moravam”

(SATO et al, 2010, p.14).

Com este movimento de desarticulação dentro do quilombo, muitos

moradores

Migraram para os grandes centros, especialmente, Várzea Grande e Cuiabá. Os que permaneceram sofreram intensamente com as opressões, violências físicas e verbais, ameaças de morte e constantes despejos promovidos pelos fazendeiros que tinham o apoio irrestrito do Estado (SATO, et al, 2010, p. 14).

No ano de 1996 uma grande mobilização política em prol dos direitos dos

trabalhadores negros rurais envolve a comunidade de Mata Cavalo em relação

ao acesso à terra. Neste mesmo ano é instituída a Associação de moradores de

Mata Cavalo e a construção coletiva Escola Municipal São Benedito.

Em meio a este cenário de intensa luta, estes três acontecimentos

marcam fortemente a histórico do quilombo e trazem força para a busca de seus

direitos e sonhos (CASTILHO, 2008; SATO et al, 2010; Barcelos, 2011).

Levantada pelas mãos dos moradores, a Escola Municipal São Benedito

funcionava com duas professoras, filha e neta de D. Tereza. Inicialmente eram

atendidas crianças em idade correspondente a educação infantil e os anos

iniciais do ensino fundamental, somente em 2006 foi possível oferecer na escola

a Educação de Jovens e Adultos (EJA) (CASTILHO, 2008; Barcelos, 2011,

MOREIRA, 2016). (Figura 10)

Toda manutenção e cuidado com a escola era de responsabilidade das

professoras, ficando a cargo da prefeitura somente o salário. “Exerciam,

portanto, as funções de professoras, administradoras, merendeiras e faxineiras,

e seus familiares eram os construtores, zeladores e responsáveis pela

manutenção física da casa-escola” (CASTILHO, 2008, p. 170).

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Figura 10 - Escola Municipal São Benedito, Quilombo Mata Cavalo, 2005.

Fonte: Acervo GPEA, 2007.

Materializa-se, através da força coletiva, o sonho da escola dentro da

comunidade. Neste contexto de intensa investida por parte dos fazendeiros em

conjunto com o descaso do poder público, compreendemos que a luta por

educação no quilombo é também, uma luta contra a “história política de

dominação cultural” (ARROYO, 2012, p.112).

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Figura 10- Escola São Benedito, Associação Mata Cavalo de baixo, Quilombo de Mata Cavalo,

2005.

Fonte: Acervo GPEA, 2007. Foto tirada da foto antiga apresentada pela comunidade.

Em 2002, com auxílio financeiro de uma Organização Não-

Governamental (ONG), foi construída a segunda escola do quilombo, a escola

Rosa Domingas, nas terras onde se localiza a comunidade Mutuca. (Figura 11)

O Ministério Público Estadual de Mato Grosso, no ano de 2007, recebeu

denúncias contra o funcionamento da Escola São Benedito, descrevendo as

precariedades de sua estrutura física, o que originou um decreto de interdição e

o fechamento da escola (BARCELOS, 2011; MOREIRA, 2017).

Mais uma vez a morosidade e o descaso do poder público traz

consequências aos quilombolas de Mata Cavalo. Nesta situação, o poder

público, representado pela Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso

(SEDUC), assumiu o compromisso de construir uma nova escola com estrutura

de alvenaria na comunidade de Mata Cavalo de Baixo. Enquanto a escola

prometida não ficara pronta, os/as estudantes da Escola São Benedito foram

direcionados a frequentar a Escola Rosa Domingos.

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Figura 11- Escola Rosa Domingas, Associação Mutuca, Quilombola de Mata Cavalo.

Fonte: Acervo GPEA, 2008.

Castilho (2008, p. 174) nos esclarece que a escola Rosa Domingas,

“localiza-se na região do Mutuca, é de alvenaria, oferece boa infraestrutura: tem

quatro salas de aula, banheiro e cozinha”. No entanto, devido a

desentendimentos entre as lideranças das associações “nunca funcionou com

número expressivo de alunos, pois não é legitimada pela maioria dos moradores

do quilombo” (op. Cit.).

Após cinco anos, em 2012, o Estado entrega para a comunidade a nova

escola, que recebeu o nome da primeira professora do quilombo, falecida um

ano antes, Tereza Conceição Arruda, grande liderança junto à comunidade na

luta pela educação para os quilombolas e na permanência destes nas terras de

Mata Cavalo.

A construção da nova escola marca, na história quilombola, mais uma

conquista e passa a ser um novo território de resistência, sonhos e possibilidades

para esta comunidade.

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Figura 12- Escola Tereza Conceição Arruda, Quilombo de Mata Cavalo, 2016.

Fonte: Acervo GPEA, 2013.

Assim, a escola Tereza conceição Arruda além de marcar historicamente

a luta quilombola, é espaço político e de fortalecimento da comunidade. Como

nos descreve a co-pesquisadora Ponto Candurinha:

“Tudo que a gente faz; se reúne, faz formação, é na escola. Ela

é muito importante, é conquista nossa,” (Ponto Candurinha, 2016, moradora do quilombo)

Pudemos perceber durante os diálogos com a

comunidade que, embora o quilombo de Mata Cavalo seja um coletivo de seis

comunidades, as marcas deixadas pelas violências sofridas, o racismo e o

descaso trazem consigo desentendimentos entre algumas lideranças e podem

enfraquecer a luta de todos pela melhoria das condições de vida do quilombo.

Neste sentido, percebemos que a escola também se apresenta como um espaço

articulador para unir seus moradores e fortalecer a resistência contra as

investidas dos grandes fazendeiros e do poder público. Pois, durante o processo

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formativo, onde estiveram presentes representantes de quase todas as

associações, compreendemos que, quando discorrem sobre os direitos e os

sonhos que desejam para o quilombo, não há dissociação entre um grupo e

outro. Passam a ser ‘o quilombo de Mata Cavalo”. Estes pontos podem ser

percebidos nas falas de duas de nossas co-pesquisadoras:

“É um pouco complicado às vezes de reunir todas as

comunidades. Porque tem aqueles que não se dão muito, mas

eu não ligo para isto não, eu converso, eu chamo. Porque eu

entendo que a escola não é só de Mata Cavalo de Baixo, ela é

uma conquista nossa. Aqui dentro precisa ser lugar de lutar por

todos nós. Eu falo isso para os meus alunos. É importante que

os jovens também percebam isso” (Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)

“Eu quase nem venho nesta escola, também as vezes não

chamam ... mas hoje foi diferente, foi bom. Eu vou me

aproximar, também tenho coisas pra ensinar” (Ponto Atrás, 2016, moradora do quilombo)

Nesta última narrativa, registrada durante um momento descontraído do

processo formativo, pudemos perceber o quanto a educação popular, em seu

sentido de troca de saberes, permite que aqueles que participam dos momentos

de diálogo possam refletir sobre seus papéis diante da realidade que vivem e

sua importância no fortalecimento de busca por seus direitos.

Elencamos outro ponto deste bordado que traz a escola como importante

símbolo de resistência e luta; a importância do sentimento de pertencimento ao

quilombo. Conforme descreve Castilho (2008), os quilombolas de Mata Cavalo

sempre sofreram discriminação junto à população de Nossa Senhora do

Livramento, seja nas ruas, nas escolas, nos órgãos públicos, com a polícia e até

em lojas. Tratados de forma depreciativa e preconceituosa na tentativa de tornar

sua luta ilegítima. Dentre os relatos destacamos o que nos diz a Ponto

Margarida, professora do quilombo:

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“Eu admito, eu tinha vergonha de falar que era de Mata

Cavalo... quando me perguntavam eu desconversava, falava

outra coisa. Mas a gente sofria muito, eu mesmo entrei numa

loja em Livramento uma vez e a mulher me olhando tão

desconfiada e de cara feia que eu voltei pra trás e nunca mais

voltei. Hoje não, aqui na escola a gente conversa sobre a nossa

história, fala da importância das lutas que nossos antepassados

lutaram... Agora a gente fala em orgulho e estamos tentando

que os jovens também se sintam bem aqui”. (Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)

Percebemos que, para além de espaço para aprenderem os

conhecimentos científicos, a escola dentro do quilombo traz sentido de

pertencimento, podendo ser local de valorização das histórias vivenciadas pelo

negros e negras desta terra e impulsionar a escrita de novas histórias e novos

sonhos.

É nos espaços das escolas de Mata Cavalo, durante todos estes anos,

que os quilombolas se mobilizaram, onde aconteceram formações políticas,

festas e rezas, de maneira que ao se apropriarem deste território, os quilombolas

se fortalecem e resistem para enfrentar as dificuldades impostas por nosso

contexto social de extrema injustiça. Em torno do espaço escolar

institucionalizado, outras educações foram construídas por meio de histórias e

elementos legítimos deste grupo, fomentando a aprendizagem, a participação

coletiva e o sentido crítico da escola (SENRA, 2009).

Desta forma, sob o prisma sociopoético, adentramos à comunidade de

Mata Cavalo e a Escola Tereza Conceição Arruda, no intuito de compreender

como a Educação Ambiental se apresenta neste contexto; quem são os

personagens que formam este bordado quilombola; como as diretrizes

curriculares de Mato Grosso se organizam para atender este grupo; quais os

elementos são considerados primordiais na constituição do currículo que se

deseja.

Destacamos aqui que

[...] qualquer mudança ou desenho curricular deve romper com um sistema meramente individual, exigindo que o diálogo se estabeleça para a construção de qualquer proposta educativa. É uma ruptura da estrutura “eu-mundo”, para uma complexidade do “eu-outr@- mundo”. Muito mais do que isso, traçar um currículo em educação ambiental

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(EA), portanto, é entregar-se à liberdade, reinventando a vida. (Passos; Sato, 2002, p. 2).

Desta maneira, o que se desenha como currículo na tessitura desta

dissertação foi constituído de forma coletiva durante os processos formativos na

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, no aprender e ensinar de forma

reflexiva, onde construímos caminhos, caminhando (KAWAHARA, 2015, p.42).

Atualmente, a unidade Escolar atende cerca de 250 estudantes, divididos

entre educação infantil, ensino fundamental I e II, ensino médio e EJA, vinculada

a SEDUC. Sendo a única instituição de ensino escolarizado do quilombo de Mata

Cavalo.

Diferentemente dos registros encontrados sobre o total desamparo à

escola durante os períodos das casas-escolas e do funcionamento da Escola

São Benedito (CASTILHO, 2008), no tocante ao espaço físico e às políticas

públicas, nesse novo contexto, a escola do quilombo apresenta mudança

significativas e que valem ser ressaltadas.

Duas professoras que iniciaram as aulas no quilombo, entrevistadas por

Castilho (2008), descreveram, como grande problema para a aprendizagem, o

desconforto dos estudantes em relação à falta de sentido do currículo em seu

aspecto conteudista. Relatam ainda, que a solução ou caminho que

encontravam para amenizar este distanciamento, era de respeitar e acolher a

realidade local para contextualizar os conteúdos. Estas professoras criticam de

maneira incisiva o fato de que os livros já vinham pré-formatados da região

sudeste sem levar em consideração a realidade do quilombo.

Desta forma, além da mudança estrutural, as questões pedagógicas que

tanto afligiam as professoras tiveram alguns avanços.

Atualmente, as diretrizes curriculares do Estado do Mato Grosso, em

particular, as Orientações Curriculares das Diversidades Educacionais, trazem

três capítulos que tocam especificamente nas questões sobre as quais nos

debruçamos nesta dissertação. São eles: orientações curriculares para

educação das relações etnicorraciais; orientações curriculares para a educação

ambiental e, a principal delas, orientações curriculares para educação escolar

quilombola. O que possibilita que as escolas quilombolas, como a Escola

Estadual Tereza Conceição Arruda, discutam sobre suas multiplicidades dentro

do contexto escolar.

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As práticas quilombolas, que já apresentamos anteriormente, são um

grande passo para manter presente, nas atividades educativas, toda a

diversidade e riqueza histórica do quilombo. Embora os relatos de alguns

entrevistados na escola nos digam que estas práticas precisariam ser revistas e

fortalecidas, pois, ainda são praticadas pontualmente em momentos específicos

do ano letivo como por exemplo, no dia 20 de novembro (Dia da Consciência

Negra) ou quando a escola e a comunidade se preparam para a Festa da

comunidade no final no ano letivo.

“Acho que a gente trabalha até bem com a educação

ambiental e com a cultura africana nas Práticas Quilombolas,

mas penso que é pouco... fica tudo muito pouquinho, não

tem tanto material para a gente pesquisar e acaba ficando

quase sempre nos preparativos para a feira quilombola em

novembro. Eu sinto falta das coisas de raiz africana aqui na

escola, como por exemplo falar do candomblé, aqui é difícil

falar disso, eu pratico e queria que todos pudessem conhecer

também”. (Ponto Pena, 2016, professora do quilombo)

Outro ponto elencado pelas professoras e que, durante um levantamento

avaliativo das práticas pedagógicas, foi possível perceber, é que os

planejamentos têm sido construídos de forma fragmentada, descontextualizados

da realidade dos alunos e da comunidade, o que traz ainda mais sentido para as

discussões que levantamos durante a escrita: Qual educação queremos? Qual

a importância do currículo dentro de uma comunidade quilombola? Quem são

estes sujeitos de direito que fazem parte do quilombo de Mata Cavalo? Qual

currículo se deseja e que considere as multiplicidades desta comunidade?

Desta forma, durante as entrevistas com as professoras da escola e na

leitura do Projeto Político Pedagógico (PPP) pôde-se perceber que muitas

dificuldades ainda estão presentes no cotidiano da escola, para além das

questões pedagógicas.

A luta pela posse definitiva das terras do quilombo tem sido o principal

obstáculo à implementação de políticas públicas destinadas às comunidades

remanescentes de quilombos e é motivo de perpetuação dos históricos conflitos

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pela posse e uso da terra (PPP, 2015, p.19). O acesso à escola ainda é difícil,

os meios de transporte são insuficientes e muitas vezes inadequados, o que traz

como consequência uma grande quantidade de jovens e adultos analfabetos na

comunidade.

Pensando nestes aspectos apresentado até aqui, quando iniciamos a

tessitura desta dissertação, nos propusemos a pensar em qual EA nos apoiamos

e, diante dela, repensar o contexto da escola. Não somente a escola como

espaço físico, mas a importância política deste local; repensando quem são os

sujeitos que dão vida a ela; como os processos de aprendizagem acontecem e,

claro, qual currículo faz parte deste contexto. Pois como nos apresenta Senra:

[...] faz sentido falar de uma educação ambiental em uma comunidade quilombola, para que ela seja a ponte e/ou o alicerce para este diálogo de saberes e para a valorização de uma educação que seja própria de Mata Cavalo, ou seja, uma Educação Quilombola. Portanto, um currículo que, para além de conteúdo, inscreve-se na espiral de significações do local, de saberes. (SENRA, 2009, p.112).

Por acreditar na escola como um local repleto de possibilidades e

descobertas, trazemos o desejo de que, ao dialogarmos, as aprendizagens

permitem vivenciar o ensinar e aprender sem amarras, sem conceitos definidos

e acabados. Compreendemos que uma escola sustentável considera que o

território é o espaço que constrói as identidades, ou seja, um currículo cultural

do sujeito, da comunidade escolar (TRAJBER; SATO, 2010, p.72). Por isso,

almejamos junto aos quilombolas de Mata Cavalo, refletir táticas educativas que

possibilitem uma aprendizagem significativa por meio de um currículo dialógico

e fenomenológico, com conteúdo social e político, diferentemente dos contextos

escolares tradicionais. Fazendo assim o entrelaçar da Educação Ambiental e da

Educação Quilombola, de maneira que possibilite a todos os atores da

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo conhecerem-se, conhecerem o outro

e conhecerem o mundo que nos envolve.

Desta maneira, torna-se indissociável os conceitos de Educação e

Educação Ambiental, pois, segundo Trajber e Sato (2010), a educação ambiental

cumpre papel importante quando consideram processos de transformação

socioambientais capazes de ressignificar tempos e espaços escolares, tornando-

se necessário “reinventar a educação escolar”, oferecer espaços e tempos de

ensino e aprendizagem significativos, que desafiem as inquietudes de crianças

e jovens nos contextos sociopolíticos e culturais atuais (CANDAU, 2013, p.13).

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Nesta perspectiva, nos momentos do processo formativo, foi possível

dialogar junto à comunidade sobre o que se entende e acredita sobre o conceito

de ambiente, sobre educação ambiental e como esta aprendizagem acontece

dentro do ambiente escolar. E, mais profundamente, refletir sobre este currículo

que chega à escola sem considerar as especificidades desta comunidade repleta

de cultura e de saberes; repleta de vida.

Esse diálogo com a comunidade permitiu a visualização da possibilidade

de uma construção coletiva do currículo que se deseja. Afinal, o currículo é uma

construção cultural, um modo de organizar práticas educativas, tendo em vista

relações significativas que envolvem poder, identidade, conhecimento,

resistência e conflito (CASTILHO, 2005, p.187). Contudo, sem a pretensão de

finalizar as dificuldades de construção de um currículo que realmente identifique

o povo quilombola, buscou-se potencializar sua percepção de identidade e

pertencimento a este território, sem deixar, em nenhum momento, o olhar crítico

e político nestes processos formativos e o reconhecimento deste território

“evidenciando seu aspecto contemporâneo, organizacional, relacional e

dinâmico [...] Ou seja, [...] o quilombo pensado como um conceito que abarca

uma experiência historicamente situada na formação social brasileira” (LEITE,

2000, p. 342).

E, para além, isto significa também repensar o próprio grupo e a sua

dinâmica - as lutas internas, seus conflitos - como uma parte viva e pulsante da

experiência de ser e estar no mundo (LEITE, 2000) onde trocamos saberes e

produzimos novas aprendizagens sob a perspectiva de promover táticas de

resistência no enfrentamento às injustiças ambientais que historicamente

sofrem. Afinal, Mata Cavalo é um espaço compartilhado de saberes e, se

lançarmos um olhar meramente ecológico jamais responderia aos seus desafios,

assim como a compreensão antropológica seria igualmente limitada. Águas,

terras, animais, lutas, matas, danças, abrigo ou desabrigo, aconchego e

proteção são palavras que compõem o mosaico da territorialidade de Mata

Cavalo, carrega em si a identidade, o pertencimento e a forma de ser e estar no

mundo dessa gente.

Assim, o trabalho é mais fecundo quando, em uma Comunidade

Aprendente, todos têm algo a ouvir e algo a dizer (BRANDÃO, 2005). E, sob esta

perspectiva, compreende-se que a Educação Ambiental deve ser uma força a

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mais de luta política, que transpasse à superficialidade, marcada por

sentimentos profundos e atitudes fortes de busca por uma sociedade mais justa:

A EA deve ser historicamente acumulada e densamente transgressora, para que a velha racionalidade se encontre com a paixão nos seus desejos de renovação e se configurar como uma luta política, compreendida em seu nível mais poderoso de transformação: aquela que se revela em uma disputa de posições e proposições sobre o destino das sociedades. (SATO, 2004, p.14)

Sob este viés que compreende que o papel da educação ambiental não é

apenas proporcionar alicerce político pedagógico, mas ressignificar o existir

(Sato, 2009), transcrevemos os momentos formativos, com a percepção que foi

possível refletir e buscar uma educação que, vivenciada dentro do quilombo de

Mata Cavalo, seja construída sob as bases freireanas, que estabelecem uma

relação dialógica onde todos aprendem e ensinam.

Ao percebermos coletivamente a interculturalidade com a qual o quilombo

de Mata Cavalo se compõe, foi possível vislumbrar que, alheios ao âmbito

escolar, há muitos elementos e, que eles escapam, transcendem e ocorrem a

todo instante. Elementos da vida, que pertencem ao processo histórico de

aprendizagem popular, assim como os elementos do saber científico, que

corresponde a todo o acúmulo de conhecimento da qual a escola é portadora.

Por compreendermos a existência e importância destes elementos, populares e

científicos, que pulsam a todo instante no cotidiano da escola e em seu entorno

é que foi possível vislumbrar a organização de um currículo fenomenológico que

representasse o povo de Mata Cavalo.

Em nosso próximo ponto de escrita traremos as percepções registradas

durante todo o caminho investigativo, que nos levaram as reflexões sobre a

educação e o currículo sob o olhar da educação ambiental popular no quilombo

corroboradas pelas falas de nossos co-pesquisadores.

4.2 No Arremate dos fios e o preparo para novos bordados

Ao construir os capítulos anteriores desta dissertação me posicionei, ora

como pesquisadora solitária, ora como grupo pesquisador, amparada pelas

bases filosóficas da sociopoética. Porém, para este momento de escrita, utilizarei

da primeira pessoa do singular para transcrever minhas percepções e resultados

deste caminho investigativo.

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Durante o percurso desta dissertação foi preciso me desapegar de

conceitos sobre as questões curriculares, até então, tidos como certos ao meu

pensar em currículo. Naquele momento, este conceito se restringia a

distribuições de disciplinas, organizações e métodos mantidos cuidadosamente

fechados em uma estrutura fixa que uma grade curricular traz para dentro da

escola.

Talvez, por este motivo, eu carregava o sentimento de uma escola

incompleta e limitante.

Embora trouxesse comigo o desejo de uma escola e, claro, uma educação

libertadora, minha formação como pedagoga não me permitia, ainda,

compreender a dimensão política destes dois conceitos: escola e currículo.

Foi necessário um mergulho intenso entre os momentos solitários de

leitura e os momentos coletivos de diálogo com o grupo pesquisador para

perceber que o currículo estava muito além de disciplinas organizadas e

limitadas dentro dos PCNs ou das diretrizes.

Foi preciso um “movimento de superação das amarras da modernidade

(estruturalismo, colonialismo, positivismo, marxismo, etc)” (KAWAHARA, 2015,

p. 172), e pensar coletivamente sobre uma nova dimensão de currículo para uma

escola dentro de um quilombo, uma nova maneira de bordar sentidos aos

espaços de aprendizagem dentro desta comunidade intercultural, como

possibilidades de superação do cenário curricular tradicional e hegemônico.

Neste sentido, ao conhecer a história dos quilombos no Brasil e, em

especial, o quilombo de Mata Cavalo, pude compreender a dimensão que a

educação alcança como tática de luta, representatividade e resistência dentro

deste território.

Ao trançar nesta pesquisa, educação, educação quilombola e currículo

sob o viés da educação ambiental, encontramos um espaço privilegiado para

repensar possibilidades de renovar nossa forma de compreender o meio em que

vivemos e a importância do coletivo para que seja possível superar as

imposições sociais que nos restringem.

Sob o olhar da educação popular e ambiental, pudemos sonhar, juntos,

com um currículo que contemple as múltiplas características que compõem o

quilombo. Aliando estas dimensões, compreendemos que a educação, a EA e a

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Educação quilombola se entrelaçam e se complementam no bordado de seus

múltiplos saberes, sendo possível a construção coletiva de um currículo da vida

elaborado com e pela comunidade quilombola.

Estas possibilidades se tornaram concretas quando, fortalecidos pela

compreensão da educação popular ambiental, pudemos refletir sobre o que

significava educação, educação quilombola e currículo junto aos membros da

comunidade durante os processos formativos. Trago a fala de alguns de nossos

co-pesquisadores para corroborar com esta percepção:

“Eu penso que educação é tudo, é aquilo que a gente aprende

na escola, mas é também tudo aquilo que a gente aprende

com nossos pais, nossos avós... eles sabem muita coisa, tem

muita história [...] eu penso que se é uma escola quilombola,

tem que ter coisas quilombolas dentro da escola”.

(Ponto Alinhavo, 2016, aluno do quilombo)

“Se a gente pensa em educação do jeito que a gente tá

conversando aqui, tem educação em todos os lugares, né?

Tem educação no quilombo todo”.

(Ponto Haste, 2016, professora do quilombo)

Através destas narrativas nos foi possível perceber também, que ao se

olharem sob a ótica da educação ambiental popular e se perceberem como

agente produtores de saberes, as multiplicidades existentes no quilombo

emergem, ligando escola, comunidade e ambiente à sua luta social.

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Como nos expressa Ponto Cheio nesta narrativa:

“Eu vejo estes momentos de formação como muito

importante, é muito conhecimento sendo adquirido aqui. O

ponto forte que eu vejo é quando a gente houve a fala dos

professores do GPEA, a gente aprende por demais. A gente tem

conhecimento, mas eles trazem outros que sozinho a gente

não consegue”.

(Ponto Cheio, 2016, professora do quilombo)

Compreendemos que as trocas de saberes que acontecem durante os

processos formativos fortalecem as reflexões sobre os elementos culturais

existentes no quilombo e os elementos científico de responsabilidade da escola,

alertando para a importância da ligação entre eles na busca por um currículo

vivo. Desta forma foi possível perceber que, com a junção do GPEA com a

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, formando uma Comunidade

aprendente em seu sentido mais profundo, todos fomos professores e

aprendizes.

Afinal, como linha fundamental para que esta pesquisa se realizasse o

primeiro princípio da sociopoética que apresenta “a instituição – negociada entre

os parceiros - de um grupo-pesquisador, onde o conhecimento é produzido

coletiva e cooperativamente” (PETIT; GAUTHIER, 2005, p. 3) nos fez coletivo

para refletir sobre a realidade vivida pela comunidade e compreender a

importância da troca de saberes e a importância da relação que existe desde o

ano 2006 de respeito, confiabilidade, afeto e companheirismo entre GPEA e

comunidade quilombola, nos possibilitando sentir como grupo-pesquisador e,

assim, legitimar os desejos expostos na construção do currículo da vida.

Esta relação pode ser percebida durante as conversas com as pessoas

da comunidade e membros do GPEA sobre esta relação (GPEA/Quilombo de

Mata Cavalo) ao ouvirmos as seguintes palavras:

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“Vote, é bom por demais! Regina, Michele, Déborah ... Se não

fosse eles com a gente, tudo as coisas paravam. Eles estão

sempre aqui, não deixa a gente sozinho”.

(Ponto Candurinha, 2016, moradora do quilombo)

Ou ainda, quando Nó Francês acrescenta que:

“A relação Gpea/Comunidade é muito especial. Antes de falar

desta relação eu fico imaginando lá no local onde eu trabalho

como seria quando um grupo de fora viesse pra fazer formação

e depois fosse embora. Fico imaginando como seria a reunião

de professores depois que o grupo fosse embora. Em geral, não

se tem uma boa aceitação[...] dito isso, eu vejo uma relação

muito especial, imagino que poucos grupos de pesquisa do

Brasil conseguiram uma relação tão sincera, tão transparente,

tão transformadora. Foram tantas pesquisas diferentes; com os

diferentes grupos políticos que existem alí dentro e então acho

que tem surtido muito efeito. O Gpea aprende muito com o

Quilombo; tem benefícios com o quilombo, por que realiza

suas pesquisas, mas entrega muito, muito mesmo... entrega

boas formações, entrega bons projetos, entrega bons diálogos,

entrega solidariedade. Eu acho que é uma relação muito

interessante.”

(Ponto Nó Francês, 2016, Membro do GPEA)

Esta aliança, de troca de saberes, trouxe grande contribuição para os

processos formativos e ações desenvolvidas coletivamente no Quilombo, pois,

além do cuidado com múltiplas e heterogêneas referências, observamos as

ligações entre conceitos e afetos, onde se tornou possível, como grupo-

pesquisador ir além da mera adição/junção de ideias individuais na construção

de novos pensamentos, mas sim, ser capaz de gerar “conceitos e confetos

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polifônicos, abertos, contribuindo para a vida cognitiva e solicitando a discussão

crítica na vida social” (SATO; GAUTHIER; PARIGIPE; 2005, p.110).

Utilizo da fala do Ponto Sianinha para demonstrar este apontamento:

“Esta relação do grupo com a comunidade do quilombo nos

permite mais que pesquisar, nos permite sentir a comunidade,

nos permite ser grupo-pesquisador, ser comunidade

aprendente!”

(Ponto Sianinha, 2016, Membro do GPEA)

E, diante da fala do Ponto Sianinha, percebemos que a solidez e

amorosidade que alicerça a relação Grupo-pesquisador e Comunidade

Quilombola, faz total diferença para que os processos formativos possam de fato

ser dialógicos, reflexivos e propulsores de possíveis transformações.

Por isso o primeiro princípio da sociopoética, ‘ser grupo-pesquisador’ foi

de fundamental importância e, talvez por isso, seja apresentado por Petit e

Gauthier (2005, p.3) como a “alma da sociopoética”, aquele que une e fortalece

todos os demais princípios, e porque sem ele não poderíamos nos compreender

como tecedores desta metodologia, pois negaríamos as diversidades contidas

neste grupo e atenderíamos a lógica dominadora estabelecida entre pesquisador

e pesquisado que as demais metodologias científicas se propunham. Ser grupo-

pesquisador nos possibilitou ensinar e aprender, onde “todo grupo pode

constituir-se num grupo-sujeito, autor e ator da pesquisa, do conhecimento, da

sua vida” (op. Cit).

Ainda sob a perspectiva de grupo-pesquisador trazida pela sociopoética,

durante os processos formativos compreendemos que “os/as pesquisadores/as

acadêmicos/as são somente facilitadores, catalisadores, mediadores,

interceptores, no processo de pesquisa”, onde o grupo deve “tomar o poder” no

processo de pesquisa (PETIT ; GAUTHIER, 2005, p.4), por que pretendíamos

compreender como estes sujeitos de direito entendiam a comunidade quilombola

e quais seus desejos e sonhos para este território. Pois,

O saber adquirido na Universidade pelos/as facilitadores/as, muitas vezes, facilita a leitura dos dados produzidos pelo grupo-pesquisador,

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no sentido de perceber as estruturas implícitas do pensamento do mesmo. Mas na nossa prática de pesquisadores, verificamos que as pessoas envolvidas no tema da pesquisa são portadoras de conhecimentos de todo tipo (intelectual, sensível, emocional, intuitivo, teórico, prático, gestual…), tanto quanto nós pesquisadores. Como nós, estão mergulhadas no caos, firmando assim a complexidade da vida. A objetividade científica constitui-se quando se encontram, no mesmo fundo caótico, estruturas diferentes, formas de complexidade divergentes. A organização de linguagens, de códigos de compreensão e comunicação a partir de dentro da experiência das energias da vida, torna possível o saber, o conhecimento. (PETIT; GAUTHIER, 2005, p.4)

Pensando na interculturalidade do quilombo, a sociopoética nos

possibilitou “interrogar as energias que são impressas nos corpos das pessoas,

nos seus afetos, nas suas crenças e nos seus saberes” e quando dialogamos e

refletimos sobre a importância da escola para os moradores da comunidade, os

relatos e lembranças trouxeram à tona a luta quilombola de mais de 100 anos; a

dolorosa lembrança de quem sofreu para conseguir sobreviver à escravidão e, a

luta atual para resistir as investidas para a expropriação de suas terras, pelo

Estado, além do sonho de fortalecer a comunidade para que os mais jovens

permaneçam.

Nesta troca, onde os mais velhos teceram as histórias de formação e

resistência do quilombo, durante as rodas de conversa foi possível que jovens e

crianças alimentassem sonhos de manter viva sua cultura. A importância desta

troca de saberes entre as gerações que compõem o quilombo, se faz presente

na narrativa de uma de suas professoras:

“Estes processos formativos são muito bons, movimentam a

comunidade. O que eu acho que foi a parte mais importante

das oficinas foi o momento em que os mais velhos explicavam

para os mais novos as coisas da história da comunidade. Porque

se eles não contam, nossos jovens vão perdendo esta história, a

gente que é adulto às vezes perde, imagina eles que nem

passaram pelo que a gente passou. Eu fiquei emocionada de ver

os jovens ouvindo os velhos, parados ouvindo e depois

perguntando.... foi bonito de ver ”.

(Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)

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Estas percepções de trocas de saberes nos permite como grupo

pesquisador fazer uma ciência que possibilita sentir as “marcas do passado,

mesmo quando são tão intimas ou tão presentes em toda atividade, que as

pessoas não as percebem mais”, sem as quais “é impossível entender as

experiências de vida das pessoas, seus saberes e não-saberes” (PETIT;

GAUTHIER, 2005, p.4), transcendendo os limites do pesquisador acadêmico.

Durante os momentos da pesquisa, pudemos dialogar sobre as

experiências da “vida popular” e seus elementos culturais, e com o auxílio dos

facilitadores refletir sobre as intensas relações de poder e resistência existentes

dentro do quilombo hoje.

Refletir coletivamente estes percalços que os quilombolas enfrentam,

como: a luta pela terra, os problemas com a distribuição da água, as dificuldades

para acessar as políticas públicas de moradia e saúde, transporte escolar, etc,

contribui para “favorecer a participação das culturas de resistência” (PETIT;

GAUTHIER, 2005, p. 5). Pois, ao fazem os registros destes conflitos a

comunidade se posiciona na busca de táticas de resistência diante destas

investidas. Desta forma, pensar sobre a educação e o currículo que os

represente passa a ser um símbolo de resistência, no que tange a busca por

uma educação reflexiva e crítica.

A riqueza do estar junto, dialogar e refletir sobre as vivências deste grupo

de homens e mulheres que resistem dentro do quilombo de Mata Cavalo é poder

sentir que mesmo diante de tantas dificuldades, algumas delas até internas,

quando convidamos para o processo formativo do mapeamento cultural e

currículo, estiveram conosco quase 80 pessoas, representantes e lideranças de

5 das 6 associações que se dividem o complexo quilombola.

Sob esta perspectiva, como grupo-pesquisador que mergulha nas escritas

de Paulo Freire em busca de uma educação popular, ética, política e

transformadora em todos os sentidos, utilizamos da sociopoética por nos permitir

uma “ciência sensível” que traz como energia vital “o sensível, o emocional, o

intuitivo” como modos de sentir e conhecer o mundo, lutando “contra a imposição

cultural e em favor da colaboração, da cooperação” (PETIT; GAUTHIER, 2005,

p. 5).

Neste sentido, pensar um currículo junto à comunidade quilombola é

pensar um currículo intencionalmente político, um currículo como fonte de poder,

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que possa transpor as estratégias de dominação e controle de nosso sistema

educacional hierárquico e seletista. Pois, como nos apresenta Ponto Haste:

“Quando a gente fala de currículo, geralmente pensa nas

disciplinas: matemática, ciências... Mas se a gente pensar que a

gente aprende não só com as disciplinas, para ser um currículo

de verdade tem que ter as coisas quilombolas. Falar da história

do quilombo, mostrar sua luta, trazer de volta as danças e os

costumes que tão se perdendo”.

(Ponto Haste, 2016, professora do quilombo)

Embora, hoje a escola tenha documentos estaduais que direcionam e

orientam as práticas pedagógicas para uma escola quilombola, é importante

ressaltar que estas escolhas metodológicas não foram construídas com e pela

comunidade, desconsiderando assim os saberes populares desta comunidade

intercultural. Pois, como nos apresenta Petit e Gauthier (2005, p. 7):

[...] as culturas de resistência, por exemplo, negras e indígenas, valorizam o sentido espiritual da vida, portanto dos saberes e das aprendizagens incluídos nas nossas práticas, interligadas com a Mãe-Terra, as plantas, as energias espirituais, os antepassados. Numa visão intercultural, é importante não ignorar esses valores, que não são somente características dos povos que foram colonizados pelas potências européias, mas que possuem um sentido universal na nossa interrogação da condição humana e na nossa luta cotidiana para firmar nosso desejo autogestionário.

Desta maneira compreendemos que a comunidade quilombola já percebe

a importância de fortalecer a educação dentro do quilombo com a possibilidade

da construção coletiva de um currículo que evidencie seus elementos culturais e

fortaleça sua luta por legitimar seu território. Podemos verificar estes

apontamentos nas narrativas que vamos transcrever abaixo:

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“É bonito de ver tudo este povo dentro da escola, conversando

sobre nossas coisas... a escola é nossa, conquistamos este

território e agora tem usar da educação pra manter o que é

nosso. Deixa a gente feliz quando a história, as pessoas mais

velhas e nossos costumes são trazidos como importantes nestas

conversas”.

(Ponto Corrente, 2016, moradora do quilombo)

“Para ser nosso currículo, um currículo quilombola de verdade

temos que fazer mais atividades na escola, trazer a comunidade,

ensinar os costumes”.

(Ponto Alinhavo, 2016, estudante do quilombo)

“Acho que a gente pode escrever tudo que a gente trouxe

como importante nas discussões hoje de manhã sobre a nossa

cultura pra dentro do currículo. Fazer mais coisas do que só a

feira final de ano”.

(Ponto Caseado, 2016, professora do quilombo)

Amparados pela teoria curricular pós crítica (Silva, 2013; Kawahara, 2015)

percebemos a possibilidade de que as aprendizagens transpassam os muros da

escola, levando em consideração os elementos da vida social e locais em que

eles circulam, formando assim novos espaços educativos.

Por isso pensar em um currículo, em sua amplitude de conceito, junto à

comunidade quilombola, é movimento de luta e resistência, é ser rebelde dentro

de um sistema que nos quer calados.

Portanto, sob o olhar da educação popular, é ter a possibilidade de fazer

valer todos os “Nós” que fazem parte da sociedade e para além disso, uma tática

de resistência que possa desatar os “nós” desta educação ainda marcada pelo

exclusão e privilégios.

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Nesta perspectiva fenomenológica do currículo faz-se importante

trazemos dois aspectos que são fundamentais para a discussão da Educação

Ambiental pós crítica:

Primeiramente, a inclusão do saber das comunidades tradicionais como conhecimento legítimo, sem fazer distinção hierarquizadora da cultura popular e erudita, recuperando a relação dialética do eu-outro-mundo e não apenas do eu-outro, restaurando a importância da relação da natureza-cultura, do saber e fazer com o meio em que se vive. Segundo, a possibilidade do reinventar curricular, extrapolando os muros escolares, considerando os espaços educativos do cotidiano, valorizando e trazendo a discussão curricular criativa e amorosa para o âmbito da educação ambiental não escolar (KAWAHARA, 2015, p.180)

Mato grosso tem hoje como documento de grande valia as orientações

curriculares que trazem três de seus capítulos que vale ressaltar, EA, relações

étnicorraciais e educação quilombola, o que é uma grande conquista. As

pessoas que estiveram à frente da escrita desses documentos marcam avanço

na luta por a sociedade mais justa. Dos anos 20 até a escrita desses documentos

as instituições de ensino em sua grande maioria segregou, excluiu e escolheu

aqueles que teriam direito a educação. Foi preciso muito luta para chegar nesta

conquista, não podemos negar. É relevante no processo onde se busca

legitimação de políticas públicas para o quilombo, mas ainda não o suficiente

para representar a multiplicidade destas comunidades. É preciso ir adiante,

buscar, para além destas amarras institucionais, um currículo da vida construído

com e pela comunidade quilombola e dar vida ao sonho de educação almejado

por Seu Antônio Mulato. O que legitima todos apontamentos levantados durante

o processo formativo acima transcrito.

Um currículo da vida dentro do quilombo é sinônimo de poder e é sinônimo

de coragem. É acreditar que quando dizemos “aqui estamos nós” temos força

para seguir e buscar mudanças, transformações. Como nos narra Ponto

Caseado:

“Antes a gente lutava com a força, agora a gente vai lutar é

com o conhecimento”.

(Ponto Caseado, 2016, professora do quilombo)

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A escola mantém viva a esperança e a luta dos mais velhos e alimenta os

sonhos dos jovens que estão crescendo junto à comunidade. Como podemos

perceber nas seguintes narrativas:

“Os tempos já foram mais difíceis, tenho fé que logo a gente

tem ainda mais possibilidade aqui dentro, trabalho, a água ...

Mas conquistamos tanta coisa, igual a escola mesmo, tá aí para

todo mundo ver ... continuamos na luta”.

(Ponto Corrente, 2016, moradora do quilombo)

“Agora que a gente tem estudado, tem visto a importância da

gente conhecer as coisas pra lutar pelos nossos direitos. Antes

eu pensava em estudar e ir embora, buscar melhoria. Agora eu

quero estudar, quero fazer mestrado, mas é pra aprender mais

e vir fazer diferença aqui na comunidade. [...] Isso também tem

mudado na visão dos jovens, a gente fala pra eles da

importância deles estudarem e cuidarem do nosso lugar”.

(Ponto Margarida, 2016, professora do quilombo)

“Sabe que ter o GPEA com a gente aqui na escola além de todo

conhecimento que a gente aprende, eles nos mostram outras

possibilidades, eles fazem os jovens perceberem que podem ir

pra universidade. Mostram que a universidade também é

nossa”.

(Ponto Cheio, 2016, professora do quilombo)

Desta forma, ao pensarmos o quilombo como uma organização política

(LEITE, 2000, p. 338), é preciso também pensar que a organização de um

currículo também precisa ser política, e se organizar ponderando as diversidades

que englobam esta gente que luta e busca forças para se manter e resistir dentro

do quilombo. Por isso, nos baseamos nos princípios da educação popular, que

atribui liberdade aos povos e às histórias contadas por eles, valorizando seus

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saberes e conferindo autonomia em multiplicá-los, para além do espaço

escolares (BRANDÃO, 1984).

Assim, como construção coletiva deste currículo que se sonha para o

quilombo de Mata Cavalo, durante o processo formativo “Mapeamento Cultural

e Currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”, foram elencados e

apresentados para o coletivo elementos importantes da vivência quilombola que

são imprescindíveis para compor um currículo vivo, um currículo que entrelace

os saberes populares e científicos de uma viva escola quilombola.

Estes elementos foram organizados pela pesquisadora com a

preocupação de não fugir dos anseios dos membros quilombolas e organizados

em forma de espiral com o intuito de demonstrar que nenhum destes elementos

se faz sozinho durante os processos educativos, mas, são linhas que se cruzam

e se complementam no desejo de dar forma a um currículo de vivo e vivido dentro

do quilombo de Mata Cavalo. (Figura 13)

Figura 13 - Currículo da Vida da Escola Tereza Conceição Arruda, Comunidade Quilombola de

Mata Cavalo.

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Fonte: Informações levantadas durante o processo formativo “Mapeamento Cultural e currículo

na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”. Organizado pela autora, 2017. Arte: Cristiane

Almeida Soares.

É importante ressaltar que esta organização dos conceitos selecionados

pelos quilombolas como importante para compor o currículo, como elementos

sociais e científicos, não são palavras estáticas e definidas, são linhas da

vivência quilombola que podem ser redefinidas sempre que acharem importante.

Esta imagem que aqui se constitui como Currículo da vida é, para nós

pesquisadores, o maior exemplo da concretização do que buscamos de

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educação popular ambiental. Foi possível refletir sobre a realidade do quilombo

e aprender de maneira dialógica, compreendendo que:

A educação popular não é uma atividade pedagógica para, mas um trabalho coletivo em si mesmo, ou seja, é o momento em que a vivência do saber compartilhado cria a experiência do poder compartilhado [...] a educação popular é um fim em si mesma. É uma prática de pensar a prática e é uma das situações variadamente estruturadas de produção de um conhecimento coletivo popular, mesmo que ninguém saia alfabetizado dela (BRANDÃO,1984, p. 50-51).

Além dos conhecimentos elencados pela comunidade para compor o

currículo da vida, também chamado pelos quilombolas de ‘currículo quilombola,

a comunidade decidiu elencar possibilidades de atividades para serem

desenvolvidas (Figura 14), que aqui chamamos de táticas27 educativas, para que

estes conhecimentos pudessem se fazer presente dentro do espaço da escola.

Ressaltamos que ao elencarem estas táticas foi possível perceber que os

quilombolas não pensaram só em professores e alunos para realizarem os

processos educativos, conseguiram compreender que para que este currículo

seja realmente vivo, todos os personagens desta comunidade precisam estar

presentes, no processo de ensinar e aprender. Podemos perceber isso quando

transcrevemos a narrativa de Ponto Haste e também ao explicar a escolha

detalhada de cada uma das táticas logo abaixo.

“Tem tanta gente que sabe tanta coisa nas comunidades aqui

dentro do quilombo, vamos pensar em muitas atividades,

vamos ver quem vai nos ensinar sobre as o siriri... Vai ser uma

riqueza só isto tudo aqui na escola”.

(Ponto Haste, 2016, professora do quilombo)

27 Em nossa pesquisa não utilizamos o conceito de estratégia, definida por Certeau (1998, p. 98) como “o cálculo (ou manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (empresa, exército, cidade, instituição científica) pode se isolar”. Optamos pelo conceito de tática descrita pelo mesmo autor, onde “a tática, é a arte do fraco que de dentro do campo de visão do inimigo se aproveita das fendas, das brechas e dos espaços que se encontram no seio das estratégias dominantes para prever saídas” (CERTEAU, 1998, p. 100). Nesta perspectiva de busca e luta por formas coletivas de ações de enfrentamento diante das adversidades sociais vivenciados pela Comunidade Quilombola de Mata Cavalo, as táticas, acrescentam grande relevância, possibilitando a organização, união, mobilização e participação do coletivo para elencar elementos/ações de resistência dentro de sua realidade e que permitam a permanência deste grupo em seu território e a construção de um currículo que os represente.

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Figura 14 – Possibilidades e táticas educativas, descritas durante as oficinas do processo

formativo “Mapeamento Cultural e Currículo na Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”, 2017.

Fonte: Produzido pela autora, 2017. Informações levantadas pela pesquisa em entrevistas e

oficinas.

Cada uma das táticas educativas elencadas surge durante as reflexões

sobre o contexto histórico do quilombo de Mata cavalo e o currículo da vida,

assim, traz consigo um universo de sentimentos e intencionalidades que

descreveremos seguindo nossas percepções.

O quilombo tem hoje um grupo de dança Afro denominado ‘Hop

Quilombola’, que significa Esperança. Segundo SOARES (2018, p. 151), este

grupo tem “características específicas próprias de uma concepção gerida por

esta associação, que difere das demais que praticam a Dança Afro”. O Hop

Quilombola, formado por alunos da Escola Tereza Conceição Arruda e pela

professora Lucilene Pinho, busca nas raízes africanas a inspiração para a

escolha de suas músicas, coreografias e vestimentas. Os quilombolas

apresentam o grupo de dança afro como um de seus importantes elementos

culturais e por isso trouxeram como uma de suas táticas o seu fortalecimento.

Esta escolha fez surgir o desejo da volta da dança do Siriri no quilombo,

sendo apontado como uma das táticas a ser planejada. Importante fazer

referência a fala do Ponto Rococó:

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“O meu sonho é ter um grupo de dança de siriri com as

crianças, quem sabe desta vez dá certo... eu até já pensei no

projeto”.

(Ponto Rococó, 2016, professora do quilombo)

Em resposta a esta expressão da professora uma moradora da

associação Mutuca se pronunciou dizendo que sabe dançar o Siriri e que se

fosse convidada poderia ajudar a ensinar as crianças.

Durante os diálogos o desejo de fortalecer a história do quilombo se fez

presente em todos os grupos de trabalho, por isso a escolha de reviver as danças

que não estão mais presentes na comunidade como o Siriri e também a

Capoeira; proporcionar momentos de Contação de História e Rodas de conversa

entre os moradores mais antigos e os alunos da escola e Conhecer o cultivo e

tratamento utilizando os chás e à partir disso confeccionar um livros como

resultado desta pesquisa para servir de acervo da comunidade.

Outros pontos que foram adicionados à lista, é o Fortalecimento da Feira

Cultural Quilombola que acontece no mês de novembro e o Entrelaçar das

disciplinas do currículo formal com os demais conhecimentos quilombolas.

Estas táticas representam o desejo de que os elementos que foram

bordados como imprescindíveis no currículo da vida se façam presentes, deem

vida e visibilidade as ações do quilombo.

E assim compreender que “os currículos organizam conhecimentos,

culturas, valores, artes a que todo ser humano tem direito. (ARROYO, 2007, p.

9). Um currículo da vida está repleto de todo sentimento, poder e sonhos de uma

comunidade que o sonhou. Este currículo da vida aqui apresentado é o

“Currículo da Vida da Comunidade de ata Cavalo”.

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A escolha da Oração da causa negra28, escrita por Dom Pedro

Casaldáliga, não foi ao acaso. Neste momento que nossas escritas começam a

finalizar, pensamos especialmente em nossos companheiros do quilombo Mata

Cavalo, que compartilharam conosco esta caminhada. Vislumbramos suas

histórias, suas lutas, suas conquistas e seus sonhos. Tomamos emprestados os

versos desta oração para registrar nosso pedido a Deus para que conceda,

mesmo diante de todas as injustiças que ainda sofrem, “a perseverante lucidez

de seus ancestrais e a teimosa resistência de seus lutadores e mártires, para

conquistarem plenamente seus direitos como pessoas e como Povo”.

Considerações sobre a Tessitura do Bordado

A gente tem que lutar para tornar possível o que ainda não é possível. Isso faz parte da tarefa histórica de Redesenhar e

reconstruir o mundo. Paulo Freire

Escrevo assim as linhas que correspondem ao arremate deste

bordado/pesquisa, não com a intenção de expor conclusões fixas e acabadas,

mas com o intuito de compartilhar, com quem mais assim desejar, nossas

percepções sobre este caminhar investigativo realizado com a união GPEA /

Comunidade Quilombola de Mata Cavalo.

Me permito relembrar todos os momentos vividos durante este percurso e

percebo que nossa escolha metodológica foi de primordial importância para que

estas reflexões pudessem emergir e chegássemos até aqui. Pesquisar junto ao

GPEA me permitiu ser autônoma e pesquisadora solitária quando foi preciso,

mas, acolheu, acompanhou e me fortaleceu epistemologicamente nos instantes

que a caminhada se fez árdua. Este grupo, que carrega em suas lutas cotidianas

a esperança de que a sociedade desejada seja democraticamente construída,

ambientalmente responsável e socialmente justa (SATO; CARVALHO, 2005, p.

97), me permitiu utilizar da sociopoética em seu significado mais profundo.

28 Poema escrito pelo poeta e bispo espanhol Dom Pedro Casaldáliga, In: Orações da Caminhada. Campinas: Verus (2005:97). Disponível em: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=268546

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Mais do que buscar resultados e coletar dados, o grupo pesquisador

possibilitou o sentir com o corpo todo, ao adentrar a comunidade quilombola e

perceber seus anseios, angústias, sonhos e lutas, expressos em cada momento

formativo, cada conversa, cada sorriso ou troca de olhares marejados. O sentir

sociopoético e fenomenológico me permitiu conhecer um povo, que embora

sofra imensas injustiças sociais, encontra, no coletivo, forças para resistir e lutar.

Assim, me permitiu ainda, compreender a importância do escola dentro de uma

comunidade tradicional, que enfrenta constantes lutas para manter viva sua

história e seu território.

Com o objetivo de compreender qual a importância do currículo no

contexto de uma escola quilombola, tecemos a escrita desta dissertação com os

olhos e sentidos atentos à educação e ao currículo na Comunidade Quilombola

de Mata Cavalo, refletindo sobre a importância da construção coletiva de saberes

desta Comunidade Aprendente (BRANDÃO, 2005) e da Educação Ambiental

como linha fundamental na trama escola e comunidade.

Ao conhecer a história do povo quilombola de Mata Cavalo encontramos,

dentre uma de suas principais táticas de luta, a busca por fortalecer e legitimar

seu território por meio da educação, na tentativa de romper com as restrições e

imenso descaso com que sempre foram tratados.

Dentro da comunidade quilombola de Mata Cavalo, a escola é símbolo de

resistência e luta. Mais do que paredes, livros e cadeiras, é local vivo da memória

dos homens e mulheres negros/as que enfrentaram a pressão imposta por uma

sociedade injusta e discriminatória, galgando por seus direitos e mudando sua

história.

Diante desta perspectiva de educação, com seus sujeitos e suas relações

e a contribuição para a reflexão sobre os momentos de aprendizagem e os

saberes populares, pode-se então acreditar em uma aprendizagem que viva de

“maneira persistente em incontáveis relações face-a-face, pessoa-a-pessoa,

grupo-a-grupo, rede-a-rede e vida-a-vida” (BRANDÃO, 2005, p.23), aliando os

conhecimentos científicos aos saberes populares.

Nesta perspectiva, a educação ambiental assume um papel

essencialmente político, de reflexão sobre a formação histórica e social do

quilombo. Agindo como linha fundamental para o enfrentamento das dificuldades

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vivenciadas pela comunidade nos dias atuais e na busca pelo fortalecimento e

visibilidade deste povo, através da construção coletiva de um currículo da vida.

Cabe aqui ressaltar que foi possível, ao analisar cada linha e cada ponto

da tessitura desta escrita, compreender o poder que a educação e o currículo

representam em uma comunidade como a de Mata Cavalo, pois, possibilita que

todos os membros deste grupo reflitam sobre seu papel diante das

transformações sociais que almejam.

Elencar, junto aos quilombolas de Mata Cavalo, os elementos que fazem

parte de sua cultura, de sua história e de sua vivência para compor o currículo

que eles desejam dentro da escola Tereza Conceição Arruda, traz, também, o

sentimento de uma educação com força de mudança e libertação. Momento em

que se pôde escolher de forma coletiva tudo que os representa na construção

de um currículo vivo.

Vejo a grandeza da Educação Ambiental Popular quando digo que

compreendo este grupo como Comunidade Aprendente, onde trocamos saberes,

dialogamos, sentimos uns aos outros. Não cabe dentro deste grupo-

pesquisador, superioridade ao ensinar. Trançamos coletivamente um bordado

onde aprendemos juntos.

A construção deste currículo da vida significa considerar toda a

interculturalidade existente no quilombo, materializando sua cultura e seus

saberes como uma forma de lutar e resistir diante de um sistema excludente e

cheio de intencionalidade, que ainda hoje os ignora.

Ao desenhar o currículo da vida, abre-se um leque de possibilidade para

novas ações a serem desenvolvidas dentro do quilombo; novos projetos, novos

sonhos, com a força das mãos e linhas de sua história.

Assim, pudemos perceber, durante a trajetória aqui descrita, que o

entrelaçamento da Educação Quilombola e da Educação Ambiental pelo

bordado das Escolas Sustentáveis, traz o desenho do EU-CURRÍCULO (os

saberes e fazeres das pessoas) com o OUTRO-GESTÃO (as relações culturais/

etnografia local) e o emaranhado com o MUNDO-ESPAÇO (a luta territorial),

formando um currículo da vida fenomenológico e, portanto, pós-crítico. Um

currículo que trabalha a questão da cultura, da interculturalidade e identidade,

sem deixar de lado a luta quilombola, que é também territorial e, assim, uma luta

ambiental.

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A certeza que temos, ao traçar os últimos pontos deste bordado/pesquisa,

é a de que precisamos nos envolver na busca constante e infinita por manter

viva a história do povo quilombola, para manter os conhecimentos aprendidos

neste percurso, pulsando em nós e engajando outros. Incentivando, assim, o agir

de todos por uma sociedade mais justa.

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29 Imagem disponível em: http://ludmilasaharovsky.com/2016/02/bordar-bordar.html

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