entrada do artigo dezembro 2011 ... -...

10
O ESSENCIAL SOBRE... 19 ORGANIZAÇÃO E CULTURA HOSPITALAR: SINGULARIDADES ORGANIZACIONAIS ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES Enfermeira no serviço de Obstetrícia/Ginecologia. Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria, pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra RESUMO Os hospitais são considerados como uma das orga- nizações mais complexas da sociedade actual e dis- tinguem-se por apresentarem uma diferenciação acentuada em termos profissionais e de tecnolo- gias de saúde. O desenvolvimento de conhecimen- tos científicos e tecnológicos ao nível global do pla- neta introduziu mudanças profundas na estrutura das organizações, incluindo as hospitalares. As relações estabelecidas entre todos os elementos que fazem parte e que caracterizam a estrutura hos- pitalar contribuem decisivamente para a sua extraor- dinária e singular complexidade organizacional. Palavras-Chave: organizações, organização hospi- talar, complexidade hospitalar, cultura organiza- cional ABSTRACT Hospitals are regarded as one of the most com- plex organizations of today’s society and are dis- tinguished by an extreme differentiation in terms of health professionals and technologies. The de- velopment of scientific and technological knowl- edge to a global scale of the planet introduced profound changes in the structure of organiza- tions, including the hospital. The relations established between all the mem- bers that are part and characterize the hospital structure contribute decisively to the extraordi- nary and unique organizational complexity. Keywords: organizations, hospital organization, hospital complexity, organizational culture

Upload: vonguyet

Post on 07-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

O ESSENCIAL SOBRE...

19

ORGANIZAÇÃO E CULTURA HOSPITALAR:

SINGULARIDADES ORGANIZACIONAIS

ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011

LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUESEnfermeira no serviço de Obstetrícia/Ginecologia. Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria, pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

RESUMO

Os hospitais são considerados como uma das orga-

nizações mais complexas da sociedade actual e dis-

tinguem-se por apresentarem uma diferenciação

acentuada em termos profi ssionais e de tecnolo-

gias de saúde. O desenvolvimento de conhecimen-

tos científi cos e tecnológicos ao nível global do pla-

neta introduziu mudanças profundas na estrutura

das organizações, incluindo as hospitalares.

As relações estabelecidas entre todos os elementos

que fazem parte e que caracterizam a estrutura hos-

pitalar contribuem decisivamente para a sua extraor-

dinária e singular complexidade organizacional.

Palavras-Chave: organizações, organização hospi-

talar, complexidade hospitalar, cultura organiza-

cional

ABSTRACT

Hospitals are regarded as one of the most com-

plex organizations of today’s society and are dis-

tinguished by an extreme differentiation in terms

of health professionals and technologies. The de-

velopment of scientifi c and technological knowl-

edge to a global scale of the planet introduced

profound changes in the structure of organiza-

tions, including the hospital.

The relations established between all the mem-

bers that are part and characterize the hospital

structure contribute decisively to the extraordi-

nary and unique organizational complexity.

Keywords: organizations, hospital organization,

hospital complexity, organizational culture

Page 2: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

OU

TU

BRO

201

3O ESSENCIAL SOBRE...

20

INTRODUÇÃOA sociedade atual é uma sociedade de or-ganizações complexas e especializadas, que constituem organismos indispensá-veis para a vida humana à escala planetá-ria. As organizações podem ser entendi-das como agrupamentos de pessoas com objetivos comuns que necessitam para garantir a sobrevivência de programas e de estratégias para alcançar esses mes-mos objectivos sob pena de não garantir a respectiva manutenção e a existência na sociedade. Graça (2000) comunga da mesma opinião e acrescenta que os ele-mentos das organizações hospitalares além de partilharem determinados obje-tivos, estabelecem ainda entre si deter-minados tipos de relações, de trabalho e de poder. Através da mobilização de com-petências e das capacidades de afi rma-ção características de cada organização, devem ser satisfeitas as expectativas dos clientes e dos seus recursos humanos, garantindo ainda as relações com o meio ambiente envolvente que integra a pró-pria organização.As revoluções tecnológicas das últimas dé-cadas tiveram um impacto profundo em todas as áreas do conhecimento humano e o domínio da saúde não foi exceção. O Hospital enquanto estrutura organizacio-nal deixou de ser o local de prestação de cuidados a pobres e a sem abrigo para se tornar em centro de cuidados altamente especializado com tecnologia revolucioná-ria, tal como é referido por Fremont & Ro-senweig (1980). A grande diversidade da estrutura organizacional caracteriza a or-ganização hospitalar como extremamente complexa e fértil em elementos próprios de natureza cultural.

A cultura está profundamente enraiza-da na história da própria organização e constitui uma experiência grupal, na qual cada elemento transporta consigo a sua própria história e valores tal como refe-rido por Shein (1997). Os processos de mudança são tradicionalmente difíceis porque a organização está imbuída com valores próprios e com a história colec-tiva organizacional, que lhes conferem uma identidade única.Atualmente as organizações hospitala-res deparam-se com inúmeras situações problemáticas que alimentam ainda mais a sua complexidade organizacional, sus-tentada em serviços ou departamentos em permanente movimento e estes ne-cessitam urgentemente de gestores e colaboradores capazes de lidar com as incertezas e as constantes mudanças no seu seio.

HOSPITAL: ORGANIZAÇÃO SINGULARO Hospital é um dos tipos de organiza-ção mais complexos da sociedade mo-derna. A evolução constante das tecno-logias utilizadas bem como dos proce-dimentos médicos originaram a criação de novos objetivos organizacionais pelo que também estes estão em permanen-te renovação. A organização hospitalar é caracterizada por uma constelação de factores que exercem nela própria uma forte infl uência e que condicionam o seu funcionamento.As organizações são essencialmente uma criação da sociedade. A palavra organiza-ção deriva do latim “orgánum” que signi-fi ca obra, ação, instrumento, ferramenta, órgão fi siológico (Parreira, 2005).

Page 3: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

O ESSENCIAL SOBRE...

21

Os hospitais possuem um elevado nú-mero de profi ssionais: administradores, enfermeiros, médicos, fi sioterapeutas e muitos outros especialistas em áreas da saúde caracterizando-se assim por um elevado grau de especialização. Torna--se portanto necessário coordenar todas estas actividades altamente específi cas através de sistemas de gestão adequados às mesmas para que a articulação entre todos os serviços possa ser feita sem ar-tritos entre os diversos sectores.De modo a compreender o Hospital mo-derno será necessário fazer uma breve resenha histórica do mesmo. Na época medieval foram criadas algumas institui-ções sociais para atender aos problemas dos doentes e desamparados. Estes hos-pitais primitivos nasceram junto a cami-nhos das cruzadas e peregrinações me-dievais com raízes religiosas profundas (Fremont & Rosenzweig, 1980). Além de constituírem o marco inicial dos hospitais eram também o último recurso que a cari-dade poderia oferecer aos doentes pobres e aleijados. Os cuidados prestados nestes hospitais visavam essencialmente mino-rar o sofrimento dos seus doentes. Nestas instituições as condições de higiene eram precárias e a mortalidade extremamente elevada, enquanto os doentes com mais recursos eram tratados em suas casas com médicos particulares (Idem). Os extraordinários progressos tecnológi-cos na área da saúde dos séculos XVIII e XIX revolucionaram o papel e as funções do hospital. Deixou de ser o local onde os pobres recorriam tornando-se na institui-ção mais importante no tratamento de doenças. A partir do século XX, o hospital alargou as fronteiras das suas actividades

e assumiu o compromisso do tratamento e de fornecimento de serviços médicos à comunidade onde está inserido.Actualmente existe uma grande variedade de serviços disponibilizados pelos hospi-tais, com diferentes níveis de intervenção desde os hospitais gerais em pequenas co-munidades até aos grandes centros médi-cos das cidades com tecnologia de ponta disponível às distintas especialidades.De acordo com Sigmond (1966) citado por Fremont & Rosenzweig (1980) o hos-pital passou a ser um centro profi ssional de saúde que assumiu a responsabilidade funcional pela execução de programas coordenados de diferentes serviços de saúde e de local de prestação desses mes-mos serviços. Carapinheiro (1993) cita a Direção Geral de Saúde (1998) segundo a qual o Hospital é um estabelecimento de saúde com diferentes níveis de diferen-ciação, e que é formado por meios huma-nos e tecnológicos, cujo objetivo princi-pal é a prestação de cuidados de saúde 24 horas por dia. A sua vocação é a produção de serviços aos quais estão associados característi-cas específi cas que garantem aos clientes uma abordagem muito particular (Love-lock, 1991 citado por Guerreiro & Mendes, 2000), sendo que uma das suas particula-ridades mais interessantes se inscreve no envolvimento directo dos colaboradores com os clientes.De acordo com Carapinheiro (1993, p. 281) as organizações hospitalares são: “(…) lugares estruturais privilegiados, tanto por serem unidades de produção de cuida-dos médicos, onde se reúnem profi ssionais, saberes, tecnologias e infra-estruturas ma-teriais, como por serem confi gurações mé-

Page 4: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

OU

TU

BRO

201

3O ESSENCIAL SOBRE...

22

dico-sociais específi cas, determinadas pelas formas dos poderes-saberes que no seu seio se organizam, pelos universos simbólicos que lhes conferem conteúdo e sentido ( …)”. Mintzberg (1995) apresenta uma outra perspetiva acerca das organizações e afi rma que estas são formadas por dife-rentes serviços ou partes que estão co-nectadas entre si por fl uxos de material de trabalho, de informação, de autorida-de e de processos de decisão. As organi-zações podem ser entendidas como uma constelação de trabalhos e de sistemas de decisão onde estão integradas rela-ções formais e informais de articulação entre os mesmos (Idem).Outra perspetiva possuem Cunha et al (2007) para quem as organizações for-mais se caracterizam por contextos onde a acção individual decorre, por um con-junto de normas para essa mesma acção e por uma identidade própria que é de-senvolvida ao longo dos tempos pela res-pectiva comunidade histórica.A organização hospitalar é outro aspe-to particular a considerar neste âmbi-to. Para Chiavenato (1987) citado por Frederico & Leitão (1999) a organização hospitalar deve ser compreendida como um sistema social e técnico além de ter que ser também considerado em intera-ção permanente com o meio ambiente (contexto físico e social) dentro do qual funciona – o que explica o impacto das acções do meio envolvente seja sentido no interior da organização. Também para Fremont & Rosenzweig (1980) o hospital é permeável às infl uências dos valores e das normas emanadas pelos órgãos de Estado e pela própria comunidade onde está inserido.

Para garantir a sobrevivência e prosperi-dade, de acordo com Cunha et al (2007) a organização tem que funcionar en-quanto sistema aberto, no qual são fei-tas trocas de informação e energia com o meio envolvente, sobretudo se neste as mudanças forem sistemáticas. Todas as organizações obtêm a partir do seu meio envolvente os recursos que necessitam para garantir a sua sobrevivência (Idem).Também para Stoner (1985) as organiza-ções são altamente infl uenciáveis pelo meio ambiente – clientes, colaboradores e instituições do meio envolvente que se relacionam directa e constantemente com as próprias organizações. As mudan-ças do ambiente externo exigem que os administradores e gestores mais efi cazes se antecipem às mudanças previsíveis recorrendo às estratégias consideradas mais adequadas, em vez de responderem apenas quando surgem problemas (Idem).

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A COMPLEXIDADE DA ORGANIZAÇÃO HOSPITALARA organização hospitalar não pode ser perspetivada apenas do ponto de vista técnico e administrativo, devendo tam-bém ser considerados os aspectos sociais e relacionais que exercem forte infl uên-cia na mesma e que contribuem para a sua caracterização enquanto sistema complexo (Frederico, 2006). A complexidade crescente impõe a neces-sidade de melhorar os recursos de gestão da administração de modo a obter uma coordenação efi caz entre todos os sis-temas que dela fazem parte. Existe um relacionamento típico nas organizações

Page 5: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

O ESSENCIAL SOBRE...

23

hospitalares entre a administração e os restantes sectores profi ssionais que os caracteriza como estruturas formais e di-fusas (Fremont & Rosenzweig 1980).Gabriel (1999) citado por Cunha et al (2007) caracteriza as organizações hospitalares como impessoais, hierarquizadas, com di-mensões e objectivos próprios, fronteiras e trabalhos – por todas estas características, as referidas organizações distinguem-se de outras colectividades sociais tais como as famílias ou ordens religiosas.Outro aspeto importante a ter em consi-deração são os trabalhos de Orton e Wei-ck (1990) citados por Monteiro (1999), que caracterizam a estrutura hospitalar como um sistema imperfeitamente conectado. Para os referidos autores, as conexões im-perfeitas da organização hospitalar refl e-tem a interdependência entre os serviços e os colaboradores, garantindo em simul-tâneo determinado nível de independên-cia. Esta relação paradoxal é traduzida pela autonomia dos profi ssionais e a ten-dência natural de necessariamente existir uma coordenação entre todas as activida-des em prol da promoção e do restauro do estado de saúde dos clientes.Também para Meireles & Cardoso (2003) citado por Frederico (2006) o hospital possui aspetos mais complexos do que outras organizações dada a natureza es-pecífi ca dos serviços prestados e dos seus colaboradores. As organizações hospita-lares têm características muito particula-res que as distinguem claramente de ou-tro tipo de organizações. Alguns desses aspectos específi cos são de acordo com Parreira (2005) a elevada especialização dos técnicos; a forma como os seus cola-boradores observa a organização; difícil

coesão gerada por grupos profi ssionais infl uentes; a interdependência entre ser-viços; a necessidade do esforço do con-junto dos elementos em prol dos objec-tivos gerais e ainda a coordenação efi caz entre todos os sectores profi ssionais ca-racterizam as organizações hospitalares como únicas. Estas organizações hospi-talares podem ser consideradas como seres vivos, dinâmicos e fl exíveis segundo Guerreiro & Mendes (2000).Uma das estratégias utilizadas para a coor-denação efi caz de estruturas hospitalares é a motivação dos colaboradores – deve ser incutido neles o desejo de trabalhar em prol dos objectivos da própria organização. A implementação de acções por parte da administração devidamente fundamenta-das e estrategicamente organizadas per-mite a satisfação dos seus colaboradores, clientes e comunidade circundante. A enorme diversidade de profi ssionais em ambiente hospitalar torna-se ainda mais evidente com a acentuada diferen-ciação e especialização de todas as acti-vidades. Para desempenhar a sua função, o hospital depende de inúmeros serviços e departamentos integrados numa estru-tura complexa organizacional composta por diferentes equipas, cargos e gabine-tes, sendo que cada um deles se baseia num sistema de coordenação de tarefas, funções e responsabilidades. Estão assim reunidas as condições para que o hospi-tal seja considerado um sistema extre-mamente complexo e intricado que exi-ge ainda uma coordenação interna entre todos os departamentos envolvidos (Fre-mont & Rosenzweig, 1980).Como salienta Quijano (1993) citado por Frederico (2006) a organização é uma for-

Page 6: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

OU

TU

BRO

201

3O ESSENCIAL SOBRE...

24

mação complexa e plural, constituída por indivíduos ou grupos, com limites fi xos e identifi cáveis que formam um sistema de papéis coordenado, um sistema de autori-dade e de comunicação que se articulam por signifi cados comuns e que incluem in-terpretações da realidade organizacional.As organizações hospitalares são tam-bém locais onde os seus membros trocam opiniões, estabelecem relações formais e não formais, tomam decisões e assumem as suas responsabilidades. Não é possível que qualquer organização por maior ca-riz tecnológico que possua, não considere os factores humanos implícitos na pró-pria prestação de serviços por pessoas a outras pessoas sem reconhecer as pode-rosas forças sociais e psicológicas ineren-tes. A teia de relações que se estabelecem entre os profi ssionais e a organização promove-a como um espaço multiface-tado e pluridisciplinar onde se cruzam diariamente experiências, sentimentos e comportamentos que caracterizam a he-terogeneidade da organização hospitalar.Também Couto & Pedrosa (2003) consi-deram que até os sistemas organizacio-nais mais simples se caracterizam por interacções de grande complexidade. A viabilidade do sistema organizacional não seria possível sem um controlo ade-quado dessa mesma complexidade e da capacidade de adaptação a novas exigên-cias. Em qualquer organização hospitalar é considerado normal o aparecimento de problemas relacionados com a própria organização – a existência de situações problemáticas é uma consequência natu-ral da política, dos processos de gestão e da intricada complexidade hospitalar.

CULTURA ORGANIZACIONALÉ largamente reconhecido e unanime-mente aceite, que cada organização tem a sua própria cultura e daí a denomina-ção cultura organizacional ou seja cada organização cria e cultiva a sua própria cultura que a caracteriza como única en-tre todas as outras.Há uma miríade de factores que infl uen-ciam a realidade das organizações e en-tre elas está a cultura. A noção de cultura torna-se assaz pertinente porque através dela é possível compreender o funciona-mento da própria organização. De acor-do com Thévenet (1986) a cultura põe em relevo o processo de desenvolvimento da organização e permite ainda identifi car na abordagem cultural as particularida-des que as distinguem, através da adop-ção de estratégias adequadas à realidade. Segundo Gomes a organização pode ser perspectivada do seguinte:“A organização tem uma cultura e por outro lado, a organização é uma cultura. As refe-ridas perspectivas se bem que distintas não são contraditórias nem incompatíveis. Com efeito, se cada organização tem uma cultura, isto é um percurso histórico que a diferencia e a identifi ca, a um nível mais profundo, toda e qualquer organização é uma cultura. Por isso, diremos que a organização é e tem uma cultura. É esta que lhe confere uma identida-de ”(Gomes, 2000, p. 19).Schein (1993) citado por Chiavenato (1999) defi ne cultura como sendo um padrão de assuntos comuns partilhados por um gru-po que aprendeu a resolver os seus proble-mas de adaptação externa e de integração interna e que funciona de forma adequa-da a ponto de ser considerado válido, para ser transmitido aos novos membros como

Page 7: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

O ESSENCIAL SOBRE...

25

a modo correcto de perceber, pensar e sentir em relação àquelas questões. Uma outra perspectiva é-nos dada por Campos (1984) citado por Carapinheiro (1993) que identifi ca como factores de desenvolvimento do sistema hospitalar a cultura, o peso institucional do sector hospitalar, a evolução das ideologias e a luta interna pelo poder nas instituições.Para Chiavenato (1999) a cultura organi-zacional é o conjunto de procedimentos que se baseia em normas, atitudes e valo-res que são partilhados por todos os cola-boradores na referida organização. A cul-tura é um refl exo claro da mentalidade e das perspectivas dominantes em qual-quer organização, incluindo as hospitala-res. É preciso considerar que muitos aspe-tos da organização são mais perceptíveis do que outros que se encontram mais ca-mufl ados. Estabelecendo uma metáfora visual – a cultura é como se se tratasse de um iceberg: o seu topo é perfeitamen-te visível e nele estão incluídos as regras, os rituais e os códigos de conduta; ao pas-so que na parte inferior estão submersas longe do campo de visão da maioria dos colaboradores as crenças e os valores da organização, sendo que estes elementos são menos susceptíveis de sofrer infl uên-cias (Idem). Outra perspectiva possível é a de Roethlisberger & Dickgon (1939) ci-tados por Scott et all (2003) para os quais a cultura das organizações hospitalares pode ser entendidas como uma intricada teia de relações humanas e abordada en-quanto sistema social complexo (Parsons, 1977 in Scott et al, 2003).Segundo Gomes (2000) um dos principais interesses daquilo a que se designa por cultura organizacional consiste na possi-

bilidade de apreender a organização não como um dado mas antes como algo em construção permanente. De facto a cultura hospitalar traduz a forma como cada organização hospitalar aprendeu a lidar com o meio envolvente. Caracteriza-se por uma teia elaborada de crenças, valores, comportamentos, mitos, histórias que são o rosto dessa mesma organização. Outro aspeto a considerar quando se aborda a cultura organizacio-nal é o recurso a metáforas organizacio-nais. Segundo Schein (1993) as metáforas são uma forma efi caz para que as crenças e atitudes perdurem e ajudem a construir a cultura organizacional. Elas funcionam como verdadeiras âncoras emocionais – quando são transferidas para novos elementos ajudam a manter a sensação de “como as coisas funcionam por aqui” no melhor e no pior sentido. Também de acordo com Parreira (2005) as metáforas permitem a clarifi cação de conceitos ou aspectos, facilitando a compreensão dos objectivos e da realidade organizacional, constituindo uma representação simbóli-ca da mesma. Ainda a respeito das referi-das metáforas Cunha et al (2007) afi rmam que elas podem ser entendidas como “pro-pensões” para as acções espectáveis.

ANÁLISE E DISCUSSÃOA organização hospitalar constitui sem margem para qualquer dúvida, um intri-cado e complexo sistema humano, social, tecnológico e organizacional, tal como re-ferido por Carapinheiro (1993) e Senhoras (2007). Entendemos que apesar da eleva-da diferenciação técnica entre os profi s-sionais e independentemente do grande

Page 8: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

OU

TU

BRO

201

3O ESSENCIAL SOBRE...

26

número de serviços e departamentos que integram qualquer organização de saú-de, estas estruturas deverão ser sempre capazes de responder às necessidades dos seus clientes, pois são eles o motivo principal da própria organização. Consi-deramos que frequentemente as organi-zações e os seus colaboradores se preo-cupam em demasia com os processos tec-nológicos e tendem a minimizar ou a dei-xar para segundo plano os interesses do cliente e a sua pessoalidade una. A nossa perspectiva contraria o que é defendido por Carapinheiro (2006) para quem os hospitais devem ser organizados para servir os interesses dos clientes. De facto consideramos que actualmente grande parte das organizações hospitalares se

preocupa sobretudo com questões de de-terminados grupos profi ssonais no lugar de se organizar em função dos clientes e dos seus interesses. Pelo exposto parece--nos urgente a sensibilização de todos os profi ssionais para estas temáticas com o intuito de optimizar os serviços presta-dos pelo hospital, adequar e direccionar os cuidados em prol dos clientes, motivo primordial da sua existência.Para que as equipas pluridisciplinares funcionem adequadamente, parece-nos fundamental que exista uma coorde-nação efi caz entre todos eles de modo a que a interdependência se mantenha sem sucumbir à tentação de não prestar os cuidados porque um dos elementos da cadeia organizacional não desempenhou

Page 9: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

O ESSENCIAL SOBRE...

27

o seu papel. As distintas áreas de inter-venção nos hospitais deverão, em nos-so entender complementar-se de forma mais harmoniosa e funcionar em interde-pendência estreita de forma a minimizar questões problemáticas que decorrem com frequência por falta de articulação ou de comunicação entre os diferentes departamentos. Consideramos ainda que é necessária para coordenação efi caz da organização hospitalar, o reconhecimento por parte das respectivas administrações das par-ticularidades individuais dos colaborado-res bem como das características do meio onde está inserida, pois estes são dois as-pectos cruciais com um forte impacto na organização, concepção também parti-lhada por Henriques (1997). Entendemos que apesar de estarem a ser feitos esforços no sentido de mudar alguns aspectos organizacionais tais como a descentralização de poderes ou agilização de processos burocráticos, em termos práticos, são mudanças extrema-mente lentas e que os colaboradores que estão na base organizacional não sentem as referidas mudanças. Há inclusivamen-te referências por parte de inúmeros ele-mentos das estruturas organizacionais hospitalares de que os processos admi-nistrativos e burocráticos estão cada vez mais intricados e de difícil acesso. Pensamos que as respostas para algumas destas questões passarão por formação adequada na área de gestão e adminis-tração para os actuais e futuros gesto-res de organizações e pela sensibilização dos poderes políticos locais e nacionais. Consideramos particularmente relevante que as organizações e o meio onde estão

incluídas sejam considerados a partir da sua perspectiva cultural. Senhoras (2007) partilha desta opinião e acrescenta que a noção de cultura hospitalar é um im-portante conceito a ser considerado pois é através dela que o hospital encontra a sua identidade própria. Entendemos que a cultura é um conjunto de valores, crenças, mitos e rituais que conferem es-tabilidade e que se encontra em perma-nente reconstrução e que possibilita o reconhecimento entre os pares grupais. A abordagem cultural permite uma apro-ximação às organizações enquanto siste-mas sociais e humanos, destacando-se o seu forte impacto nas mesmas, ponto de vista partilhado por Shein (1997). Pers-petivamos deste modo, as organizações hospitalares como organizações de saú-de detentoras de uma cultura própria que lhes confere características que as capacitam para responder aos desafi os que enfrentam. Consideramos nesta fase fi nal, que este trabalho não pode ser considerado como concluído mas antes como um ponto de partida para outros nesta área, de modo a que se tornem suporte válidos para todos os profi ssionais de saúde. Assim, na recta fi nal da elaboração deste artigo, concluí-mos que além da sua natureza estrutural e organizacional, a organização hospita-lar também deve ser perspectivada con-siderando elementos como o ambiente externo, os colaboradores, os serviços, os departamentos e aspectos culturais. Todos estes aspectos exercem uma forte infl uência na organização e contribuem em termos práticos para a complexidade organizacional que caracteriza as organi-zações hospitalares.

Page 10: ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 ... - eformasau.pteformasau.pt/files/Revistas/RSV110/RSV_110_Art3.pdf · ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2011 LINA JOSÉ DIAS RAMOS RODRIGUES ... do hospital

OU

TU

BRO

201

3O ESSENCIAL SOBRE...

28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARAPINHEIRO, Graça – Saberes e poderes no hos-pital. Porto: Edições Afrontamento, 1993. ISBN 972-36-0306-3

CHIAVENATO, Idalberto – Administração nos novos tempos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999. ISBN 85-352-04-8

COUTO, Renato C.; PEDROSA, Tânia M.G. – Hospital: gestão operacional e sistemas e garantia da qualida-de. Rio de Janeiro: Medsi Editora Médica e Científi ca Ltda, 2003. ISBN 85-7199-319-X

CUNHA, Miguel P.; REGO, Aménio; CAMPOS E CUNHA, Rita; CARDOSO, Carlos C.– Manual de comportamen-to organizacional e gestão. 6ºed. Lisboa: Editora RH, Lda, 2007. ISBN 978-972-8871-16-1

FREDERICO, Manuela – Organizações, trabalho e car-reira. Loures: Lusociência, 2006. ISBN 972-8930-30-5

FREDERICO, Manuela; LEITÃO, Maria A. – Princípios de Administração para enfermeiros. Coimbra: Forma-sau, 1999. ISBN 972-8485-09-3.

FREMONT, E. Kast; ROSENWEIG, James E. – Organi-zação e administração: um enfoque sistémico. 2ª ed. São Paulo: Biblioteca Pioneira de Administração e Ne-gócios, 1980.

GOMES, Duarte – Cultura Organizacional. Coimbra: Quarteto Editora, 2000. ISBN 972-8535-39-2

GRAÇA, Luis – Evolução do sistema hospitalar: uma perspectiva sociológica. Textos sobre saúde e traba-lho. p.85, 2000. [ em linha ]. [ Consult. 10 Junho 2010]. Diaponivel em WWW: URL. http://www.ensp.une.pt/Igraca/textos85.html

ENCONTRO DO INSTITUTO NACIONAL DE ADMINIS-TRAÇÃO, 2. Lisboa, 2000, Guerreiro, Manuela; Mendes, Júlio – Moderna gestão pública: dos meios aos resul-tados: acta geral do segundo encontro. Lisboa: INA, 2000. ISBN 972-9222-22-3

HENRIQUES, Mário – Capital humano. Porto: Editor Vida Económica, 1997. ISBN 972-8307-24-1

MINTZBERG, Henry – Estrutura e dinâmica das orga-nizações. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Lda, 1995. ISBN 972-20-1147-2

MONTEIRO, IIeana P. – Hospital, uma organização de profi ssionais. Análise Psicológica. 2 (XVII), 1999 p.317-325. [em linha]. [Consult. 1 Junho 2010]. Disponível em WWW: URL: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v17n2/v17n2a08.pdf

PARREIRA, Pedro – Organizações. Coimbra: Formasau, 2005. ISBN 972-8485-46-8

SCOTT, Tim; MANNION, Russel; DAVIES, Huw; MAR-SHALL, Martin – The quantitive Measurement of or-ganizational culture in health care. Health Services Research, 38, 3 (2003). 923-945.

SENHORAS, Elói – A cultura na organização hopista-lar e as políticas culurais de coordenação de comu-nicação e aprendizagem. Revista electrónica de Comu-nicação, Informação e Inovação em Saúde. [em linha]. 1:1 (2007) 45-55. Disponível em: WWW: URL: http://www.reciis.cict.fi ocruz.br/index.php/reciis/article/view45/55

SHEIN, Edgar – Mudança Organizacional. 1993 [em li-nha]. [Consult. 28 de Maio 2010]. Disponível em URL: http://www.soi.org/reading/change/culture.sthme

SHEIN, Edgar – Cultura organizacional e liderança. 1997 [ em linha].[ Consult. 11 Junho 2010]. Disponível em: --URL: http://www.tnellen.com/ted./tc/shein.html

STONER, James A. F. – Administração. 2ª ed. Rio de Janei-ro: Editora Guanabara Koogan, 1985. ISBN 85-7054-018-3

THÉVENET, Maurice – Cultura de empresa: auditoria e mudança. Lisboa: Monitor – Projectos e Edições, Lda, 1986. ISBN 972-952-78-5-7.