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ÉTICA 5 ASPECTOS ÉTICOS DO CUIDADO PRESTADO ÀS PESSOAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ ENTRADA DO ARTIGO SETEMBRO 2011 ANA PAULA LIMA NUNES Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. Licenciatura em Enfermagem; Licenciatura em Psicologia Clínica; Mestrado em Psicopatologia e Psicologia Clínica; Especialização em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria; Especialização em Bioética; Doutoranda em Bioética; Doutoranda em Psicologia. RESUMO A actuação dos profissionais de saúde, reveste- se sempre de algumas incertezas éticas, sobre a forma de actuar perante as situações em que os doentes recusam tratamentos por questões religiosas. A recusa das transfusões de sangue por pessoas Testemunhas de Jeová, tem algumas repercussões nas equipas de saúde, no sentido em que conduzem a importantes dilemas éticos. O dilema surge entre os aspectos clínicos, éticos e jurídicos, uma vez que cada situação tem a sua forma de actuar e a sua forma de encontrar uma solução. Palavras-Chave: Testemunhas de Jeová; recusa de tratamento; ética; enfermagem ABSTRACT The behavior of health professionals, it is always some uncertainties ethical, as to how to proceed with those cases in which the patients refuse treatment by religious issues. The refusal of blood transfusions by people of Jehovah's Witnesses, has some implications in the teams of health, in the sense that lead to important ethical dilemmas. Keywords: Jehovah's Witnesses; treatment refus- al; ethics; nursing

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ASPECTOS ÉTICOS DO CUIDADO PRESTADO ÀS PESSOAS

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

ENTRADA DO ARTIGO SETEMBRO 2011

ANA PAULA LIMA NUNESProfessora Adjunta na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. Licenciatura em Enfermagem; Licenciatura em Psicologia Clínica; Mestrado em Psicopatologia e Psicologia Clínica; Especialização em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria; Especialização em Bioética; Doutoranda em Bioética; Doutoranda em Psicologia.

RESUMO

A actuação dos profi ssionais de saúde, reveste-

se sempre de algumas incertezas éticas, sobre

a forma de actuar perante as situações em que

os doentes recusam tratamentos por questões

religiosas.

A recusa das transfusões de sangue por pessoas

Testemunhas de Jeová, tem algumas repercussões

nas equipas de saúde, no sentido em que

conduzem a importantes dilemas éticos. O dilema

surge entre os aspectos clínicos, éticos e jurídicos,

uma vez que cada situação tem a sua forma de

actuar e a sua forma de encontrar uma solução.

Palavras-Chave: Testemunhas de Jeová; recusa de

tratamento; ética; enfermagem

ABSTRACT

The behavior of health professionals, it is always

some uncertainties ethical, as to how to proceed

with those cases in which the patients refuse

treatment by religious issues.

The refusal of blood transfusions by people of

Jehovah's Witnesses, has some implications in

the teams of health, in the sense that lead to

important ethical dilemmas.

Keywords: Jehovah's Witnesses; treatment refus-

al; ethics; nursing

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INTRODUÇÃO As Testemunhas de Jeová, assim designadas, por darem testemunho acerca de Deus, são uma crença fundada em 1872 por Charles Taze Russell e tem por base o Novo e o Velho Testamento.A interdição para a abstenção de sangue, vem da declaração de Jeová a Noé, mencionada no Genesis 9:3-6, onde diz: “Tudo o que vive e se move vos servirá de comida… contudo não deveis comer carne com vida, isto é com sangue”. E ain-da, “Que se abstenham … do estrangulamento e do sangue”, “Quando qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro que resi-de no vosso meio, que comer qualquer espécie de sangue, eu certamente porei minha face contra a alma que comer o sangue, e deveras o deceparei dentre seu povo”. (Genesis 15:19-21).As pessoas Testemunhas de Jeová acreditam na sacralidade do sangue, dai a sua oposição à utilização para as transfusões sanguíneas. Apesar desta relutância na utilização do san-gue, muitas vezes para salvar a própria vida, este acto, não é sinónimo de desvalorização da vida, da saúde e de bons cuidados médicos. Segundo a maior parte dos crentes, a adesão a uma religião ou crença, implica um deter-minada conduta comportamental, como fazer sacrifícios, praticar rituais, fazer orações, uma vez que são estes, os preceitos que fazem a li-gação entre o Homem e Deus. Para qualquer crente, a ordem divina, emanada de Deus, é sempre superior à ordem humana. Neste sen-tido, a Constituição da Republica Portuguesa (CRP), no seu Artº 41º - Liberdade de consciên-cia, de religião e de culto, refere que qualquer pessoa tem direito à sua religião e de a prati-car, sem que isso prejudique terceiros e sem que terceiros prejudiquem a crença de cada um. Assim, nenhum profi ssional de saúde (Có-digo Deontológico da Ordem dos Médicos – CDOM, Artº 51) ou estado pode interferir com

a tomada de decisão da recusa de um trata-mento por interdição religiosa.De acordo com a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, emanada pela Direcção Geral de Saúde, em 1989, nº 9, e tendo como base o novo paradigma do principio da autonomia, todos os doente têm o direito a recusar ou consentir qualquer intervenção ou tratamento.Contudo, para que as decisões do doente, estejam assentes, num verdadeiro esclare-cimento, este deve estar na posse de infor-mações que lhe permitam aceitar ou recusar tratamentos, e compreender as consequên-cias da recusa ou aceitação (Código Penal, Artª 157º). Do ponto de vista ético e jurídi-co, é atribuído ao doente a total liberdade para assumir as decisões relativamente à sua saúde. Não podemos esquecer, que é da responsabilidade dos profi ssionais de saúde, gerir com critério, rigor e isenção, o tipo e a qualidade das informações fornecidas, a ve-racidade e a objectividade com que o fazem. Cabe aos médicos (Artº 44º CDOM) e aos en-fermeiros (Artº 84º CDOE), dentro de cada uma das suas áreas de intervenção, informar e esclarecer os utentes dos riscos e das con-sequências da recusa. Para os profi ssionais de saúde, as pessoas que são Testemunhas de Jeová, apresentam uma aparente incompatibilidade, na conciliação entre a vida e a liberdade de religião. Por um lado, temos a vida humana, como direi-to constitucional (CRP – Artº 24), por outro lado, temos a liberdade religiosa, igualmen-te protegida como um direito fundamental (CRP – Artº 41º). Neste sentido, nenhum dos direitos deve ser escolhido de forma arbitrá-ria, uma vez que numa constituição os direi-tos não são hierarquizáveis. É neste sentido, que a prescrição de transfusões de sangue a pessoas que são Testemunhas de Jeová, se pode constituir com o um dilema ético.

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Autores como Alfaro-Lefevre (2001), refe-re que um dilema ético, é uma situação que envolve várias escolhas possíveis, sendo que nenhuma é verdadeiramente satisfatória, ca-bendo a decisão, de escolher a que tiver menos efeitos negativos para as pessoas envolvidas.Um profi ssional de saúde está perante um dilema ético, quando questiona se está a agir de forma eticamente adequada, e se das várias intervenções possíveis, privilegia a decisão que mais facilmente vai ao encon-tro dos objectivos a atingir. As decisões em ética devem enquadrar sempre os princípios inicialmente preconizados por Beauchamp e Childress (1999): o princípio da benefi cência, o princípio da autonomia, o princípio da jus-tiça e o princípio da não-malefi cência.Segundo Pilar (1994), uma decisão em ética implica seguir um conjunto sistemático de princípios que guiam as acções dos profi s-sionais. Estes princípios justifi cam as acções, que têm como base os objectivos a atingir e os direitos dos utentes relativamente aos cuidados visados. Assim, este autor, depois de ter sistematizado vários modelos de tomada de decisão, apresenta o seguinte fl uxograma com seis fases: 1) identifi car de forma clara o dilema; 2) obter informações sobre a situa-ção e apresentar alternativas de intervenção; 3) procurar diferentes soluções alternativas; 4) analisar as vantagens e as desvantagens das diferentes alternativas, assim como, as consequências das soluções propostas, e se-leccionar aquela que se apresentar mais ade-quada à situação, ao contexto e aos interve-nientes; 5) implementar a solução; 6) acom-panhar os resultados.

CASOS CLÍNICOSApresentamos três situações clínicas que julgamos ilustrar a necessidade da avaliação

personalizada de cada caso, para uma decisão ética consciente. Abordaremos em cada uma das situações, os aspectos éticos e jurídicos.

Caso 1 – Doente adulto, consciente, em situ-ação de urgência, cujo tratamento proposto é uma transfusão de sangue. O doente refere que não quer ser transfundido por ser Teste-munha de Jeová. Solução: Sempre que um profi ssional de saú-de se depara com uma situação destas, deve reconhecer e compreender a legitimidade da recusa, tendo em conta as crenças do doente (Artº 51ª CDOM), e deve de forma assertiva, esclarecer todos os riscos inerentes à sua recu-sa, incluindo o risco de vida (Artº 44ª CDOM). Também de acordo com o Código Deontológi-co da Ordem dos Enfermeiros (CDOE), no seu Artª 82ª, que faz referência ao direito à vida e à qualidade de vida, o enfermeiro tem o dever de respeitar a integridade biopsicossocial, cultural e espiritual das pessoa.Perante a intransigência do doente, devem ser procurados tratamentos alternativos, adequados à situação clínica. Contudo, e de acordo com o CDOM (Artº 46º - 2) e o Pa-recer do CNECV (46/2005), em situações de urgência onde a vida do doente corre peri-go, mesmo sem o consentimento do doente, deve prevalecer o princípio da benefi cência, e os profi ssionais de saúde têm a obrigação profi ssional e ética de agir em conformidade com a situação apresentada. Em nenhuma circunstância o médico se pode recusar a prestar assistência, perante a recu-sa do doente ao tratamento proposto (Artº 41ª CDOM), se não existir outro médico de qualifi cação equivalente. Deve ser dada a to-tal liberdade ao doente para escolher outro médico assistente (Artº 40ª CDOM) que lhe assegure que a proposta terapêutica que ele recusa, não lhe seja instituída, num momen-

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to em que não seja possível tomar decisões de forma consciente. É da responsabilidade deontológica do médico, referenciar o doen-te a outro médico, salvaguardando o interes-se do doente (Art.º 43º CDOM). Estando o doente consciente, é dever de qualquer profi ssional de saúde, e de acordo com o Código Penal (Art.º 157º), prestar todo o esclarecimento, no sentido do doente com-preender os benefícios do tratamento e os riscos da recusa.

Caso 2 – Doente adulto, inconsciente, em si-tuação de urgência, cujo tratamento proposto é uma transfusão de sangue. Contudo, trás consigo um documento que refere ser Teste-munha de Jeová e que recusa transfusões de sangue, mesmo que a sua vida corra perigo.Solução – A situação apresentada, tem con-tornos idênticos ao caso anterior, pois trata--se de uma situação de urgência. Assim, de acordo com o CDOM (Artº 46º - 2) e o Pare-cer do CNECV (46/2005), deve prevalecer o princípio da benefi cência, e os profi ssionais de saúde têm a obrigação profi ssional e éti-ca de agir em conformidade com a situação apresentada. Os profi ssionais de saúde po-dem salvaguardar sempre a sua decisão, ar-gumentando que nada garante, que numa situação de perigo de vida o doente mantém a mesma decisão, neste caso, o médico actua de acordo com o consentimento implícito (Artº 47º CDOM).O documento apresentado pelo doente onde faz referência à sua recusa de transfusão de sangue, deve ser tido em conta do ponto de vista ético, mas não tem valor jurídico, uma vez que apresenta unicamente um valor indi-cativo (46/ CNECV /2005). Contudo, no caso de existir uma manifesta-ção de vontade anterior legalmente credível por parte do doente, deve ser providenciado

o seu cumprimento no respeito pelos precei-tos éticos, e deve ser revista a terapêutica, introduzido um tratamento alternativo.

Caso 3 – É com alguma frequência que os doentes recusam determinado tipo de tra-tamentos, e pelos mais variados motivos. A falta de informações, a desconfi ança ou crenças individuais, são alguns dos motivos apresentados. É com toda a legitimidade que o fazem, e deve ser com todo o respeito que os profi ssionais de saúde o devem compreen-der e aceitar. Mas como deve ser a actuação destes, quando a recusa vem da parte dos pais, relativamente aos fi lhos? E o que fazer quando a recusa de tratamento pode por em causa a saúde ou mesmo a vida da criança? Solução – De acordo com a legislação em vigor em Portugal, os pais são os principais responsáveis dos seus fi lhos, e devem zelar pelo seu bem-estar, aos mais variados níveis, físico, psicológico, social, espiritual e cultu-ral (Código Civil, Artª 1878º). Neste sentido, quando se trata de pessoas que ainda são menores, o consentimento é dados pelos pais ou seus representantes, e nesta situ-ação passa a designar-se por assentimen-to, uma vez que o consentimento só pode ser dado pelo próprio. Assim, perante uma recusa de tratamento por parte dos pais, a solução mais correcta será, para além da avaliação clínica, que terá em conta as consequências da ausência de tratamento, passará por fazer uma análise individual de cada caso, do ponto de vista familiar, espiri-tual, jurídico e ético.Perante uma recusa de tratamento que não apresenta consequências graves para a saúde da criança, devem os profi ssionais de saúde, tentar compreender os motivos da recusa, e esclarecer com clareza e objec-tividade os pais, do diagnóstico, do trata-

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mento e porque é que este, é o mais indica-do para a criança. Caso a recusa se mante-nha, deve ser obtido da parte dos pais uma declaração de responsabilidade, para a não intervenção.Caso os pais recusem um tratamento ou in-tervenção que coloque em risco a vida ou a saúde da criança, e após esclarecimento sobre a necessidade de adesão dos pais, o médico responsável pela criança, deve fazer apelo ao Tribunal de Menores (Código Civil, Artº 1915º), que interdita temporariamente o poder paternal. Isto quer dizer, que os pais devem respeitar e fazer cumprir as decisões do tribunal, e que terminado o tratamento interditado por este, voltam a usufruir de plenos poderes paternais (Código Civil, Artº 1916º). Cabe igualmente aos profi ssionais de saúde, a responsabilidade de informar os pais das medidas que se pretendem tomar, rela-tivamente à interdição temporária da sua actuação como pais. Caso a intransigência dos pais relativamente à recusa de tratamen-to, coloque a criança em grave risco de vida, pode a instituição hospitalar fi car com a tu-tela temporária da criança (Código Civil, Artº 1918º).Nas situações de urgência onde não é possí-vel aguardar pela decisão do tribunal, e ten-do em conta o princípio da benefi cência (Artº 46 CDOM) e o que está constitucionalmente consagrado, a equipa clínica assume a total responsabilidade da intervenção, mesmo sem o consentimento dos pais ou do tribunal.Nos casos em que existe confl itos de valores ou de crenças entre os pais e um adolescente, e de acordo com o Código Penal, o Artº 38º, a partir dos 16 anos, qualquer criança que apresente discernimento e capacidade para compreender as informações fornecidas, pode tomar decisões livres e autónomas, nas questões que dizem respeito à sua saúde.

REFLEXÕES FINAIS1 – Todas as formas éticas de pensar, andam à volta das questões do bem e do mal. Na prestação de cuidados em saúde, aquilo que pode ser para os profi ssionais de saúde um bem, pode ser considerado para os utentes um mal. Mal esse, que pode condicionar de forma radical, o seu sentido de vida. Em algu-mas situações, nomeadamente na prestação de cuidados a pessoas que são Testemunhas de Jeová, o princípio da benefi cência, não é o mesmo para profi ssionais de saúde e para utentes.2 – O modelo médico na antiguidade, sempre se pautou pelo paradigma paternalista, onde o médico impunha a sua ciência e os seus procedimentos, sem que o doente fosse ou-vido na tomada de decisão. Hoje o modelo de relacionamento entre profi ssionais de saúde e utentes, tem que necessariamente ser di-ferente, e a auto-determinação deve ser tida em conta em todos os aspectos da prestação de cuidados.3 – A dignidade da pessoa humana, sabia-mente defendida na CRP, é o valor máximo dos argumentos que defendem os direitos fundamentais. A dignidade humana estando intrinsecamente ligada à autonomia, permite ao indivíduo tomar decisões e fazer opções, tendo em conta a liberdade que lhe é consa-grada em constituição e assumir as respon-sabilidades das escolhas efectuadas. Quere-mos com isto dizer, que em Portugal a CRP, defende e protege as escolhas individuais.4 – Reconhecesse a legitimidade da recusa de transfusões de sangue pelas pessoas que são Testemunhas de Jeová, fundamentando tal argumento, no direito ao exercício de liberda-de religiosa. Defendemos assim, a autonomia do doente, como expressão da sua dignidade, não sendo permitido a qualquer pessoa, impor procedimentos, que a partida o doente recusa,

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em nome da saúde, da qualidade de vida ou da própria vida. Sendo estes últimos, argumentos extraordinariamente importantes, não devem contudo, ser usados para privar o indivíduo do seu direito à liberdade de culto e à existência que lhe faz sentido.5 – Quando perante uma recusa de trata-mento se apresenta um risco de vida, as deci-sões a tomar devem ser de extrema cautela, não descurando um consentimento esclare-cido, voluntário, resultado de uma decisão informada, com pleno uso da sua liberdade.6 – É importante compreender que os pais Testemunhas de Jeová, não amam menos os seus fi lhos ou apresentam comportamentos negligentes, só porque não aceitam trans-fusões de sangue. O que este pais querem, é a possibilidade de que sejam utilizadas terapêuticas alternativas, para assim pode-rem ser fi éis aos princípios religiosos com os quais fundamentam as suas vidas.7 – Sempre que haja um desconhecimento das terapêuticas que existem para substituir o sangue, cada um dos utentes portador do cartão que os identifi ca como testemunhas de Jeová, tem as informações necessárias para contactar com as Comissão de Ligação Hospitalar.8 – Consideramos que do ponto de vista ético, é fundamental que os profi ssionais de saúde se informem de todas as terapêuticas alterna-tivas ao sangue (Código Deontológico da Or-dem dos Médicos, Artº 9º), pois consideramos que vivemos numa época em que os conhe-cimentos científi cos, já não se compadecem com a intransigência e a ignorância de alguns profi ssionais, que utilizam o sangue por ser a situação mais cómoda e acessível. 9 – Quanto ao cartão de que se fazem acom-panhar as pessoas Testemunhas de Jeová, tem um valor ético perfeitamente legítimo e que deve ser respeitado sempre que o do-

ente está consciente e tem capacidade para decidir e manter a sua posição de recusa. No que diz respeito aos aspectos jurídicos desse mesmo cartão, não apresenta qualquer va-lor, pois de acordo com o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (Parecer 46/05), este tem apenas um valor indicativo.10 – A recusa da transfusão de sangue deve ser respeitada, sempre que se tenha a certe-za, que é fundamentada na informação da necessidade do tratamento e nas consequên-cias da recusa. Isto salvaguarda as crianças sem capacidade ou idade para decidir e as pessoas com problemas cognitivos, em rela-ção aos quais, o médico deve agir em confor-midade com o princípio da benefi cência (Pa-recer 46/CNECV/05). 11 – É importante compreender que muitas vezes é um alívio para os pais, quando os pro-fi ssionais de saúde recorrem ao Tribunal de Menores para obter o consentimento para a transfusão de sangue, uma vez que estes sentem que não foram os responsáveis pela tomada de decisão, mantendo assim, a inte-gridade da sua crença e a vontade de ver os seus fi lhos melhorar. 12 – Os profi ssionais de saúde têm no respei-to pela dignidade humana o limite, no sen-tido em que cada pessoa tem direitos fun-damentais e que não deve ser tratada como mero objecto, no sentido em que o respeito pela dignidade decorre de uma obrigação profi ssional. Pois não há dignidade, quando os valores religiosos que dão sentido à vida são desrespeitados. Há necessidade de com-preender que muitos doentes preferem a morte à transfusão de sangue, pois a outra morte que se confi gura como opção, é para eles muito pior: a morte espiritual.13 – É importante, que os profi ssionais de saúde, nomeadamente os médicos, tenham presente a utilização de soluções alternati-

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vas para a substituição do sangue, e que estes tratamentos alternativos não estejam apenas disponíveis para as pessoas Testemunhas de Jeová, mas também para os outros doentes.14 – Uma religião é uma forma complexa de expressão espiritual, que postula princípios e valores, dirigindo a partir destes, o pensa-mento e as acções dos homens perante Deus. É neste sentido, que as religiões só são com-preendidas por aqueles que nelas acreditam. Consideramos contudo, que não é necessário compreender todas as religiões, para aceitar-mos que muitas pessoas só querem viver de acordo com as suas crenças.15 – As instituições hospitalares devem for-mar os seus profi ssionais, no sentido do res-peito máximo pelas pessoas que apresentem interdições para alguns tratamentos, pois os profi ssionais de saúde devem assegurar o bem-estar físico e psicológico dos doentes, sem contudo interferir com a sua espirituali-dade e com procedimentos que violem a sua consciência.16 – O protocolo Hospitalar para Tratar pes-soas Testemunhas de Jeová é um documento que pretende: Recapitular as terapêuticas al-ternativas à transfusão de sangue; Consultar outros médicos mais experientes nestas tera-pêuticas alternativas; Contactar a Comissão de Ligação Hospitalar em caso de dúvidas; Transferir para outros médicos ou entidade hospitalar como garantia da opção do trata-mento sem sangue; em situações em que há necessidade de recorrer ao tribunal, as pes-soas envolvidas devem ser informadas das intenções da equipa médica o mais precoce-mente possível. 17 – É fundamental que os profi ssionais de saúde tomem consciência, que o direito à vida, não tem envolvido apenas o aspecto fí-sico, uma vez que estão envolvidos os valores espirituais, morais e emocionais.

BIBLIOGRAFIA

ALFARO-LEFEVRE, R. - Pensamento crítico em enfer-magem, um enfoque prático. Porto Alegre: Artes Mé-dicas, 2001.

Beauchamp, T. ; Childress, J. - Princípios de ética bio-médica. Barcelona: MASSON, 1999.

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Código Civil Português - Disponível em: www.portole-gal.com/CodigoCivil.html - 977k

Código Deontológico da Ordem dos Médicos. Dispo-nível em: https://www.ordemdosmedicos.pt/?lop=conteudo&op=9c838d2e45b2ad1094d42f4ef36764f6

Código Deontológico da Ordem dos Enfermeiros. Disponível em: http://www.ordemenfermeiros.pt/sites/madeira/legislacao/Paginas/legislacaoSaudeEnsino.aspx

Código Penal Português, 2007. Disponível em: www.verbojuridico.net/download/codigopenal2007.pdf

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Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Hu-manos, 2005. Disponível em: unesdoc.unesco.org/ima-ges/0014/001461/146180

MONIZ, H.,- Legislação de direito da medicina. Coim-bra, Coimbra Editora, 2008.

PILAR, A. - Enfermeria: Ética e legislación. Barcelona: Ediciones, 1994.