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ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL: O GÊNERO CARTA DE LEITOR NA SALA DE AULA PARISOTTO, Ana Luzia Videira 1 - UNESP Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: Pró-Reitoria de Pesquisa – Unesp Resumo Este artigo demonstra uma reflexão sobre o ensino da produção textual e formação de professores que lecionam em quintos anos do ensino fundamental I, por meio de um trabalho com o gênero carta de leitor. É um recorte de uma pesquisa maior intitulada “O Ensino de Produção Textual em 4º e 5º Anos do Ensino Fundamental: relato de professores”, financiada pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPe- UNESP), com o objetivo de investigar, a partir da ótica de professoras dos 4 os e 5º s anos, o significado atribuído à produção textual. Tal interesse de pesquisa se justifica pela possibilidade de compreender como um trabalho de parceria com o professor pode contribuir para a ampliação de seus saberes profissionais, disciplinares e experienciais, no que diz respeito à produção textual. Nesse sentido, o debate acerca da formação de professores mobiliza vários profissionais, não só os da área da educação, mas também os linguistas, já que a pertinência desse tema reside na sua estreita relação com o sucesso ou o fracasso escolar. Realizamos uma caracterização do gênero carta de leitor, analisamos alguns textos e propusemos maneiras de abordá-lo nas aulas de língua portuguesa, a partir da participação da pesquisadora em reuniões de HTPCs (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo) com os docentes, na escola parceira. A pesquisa foi desenvolvida segundo a abordagem qualitativa, com delineamento de pesquisa colaborativa, enfatizando a parceria universidade e escola. Os resultados apontam que o trabalho com gêneros textuais tornam o ensino da língua portuguesa menos artificial e podem contribuir para ampliar o letramento dos alunos. Por sua vez, o professor, para um fazer pedagógico profícuo, deve apropriar-se do conhecimento do gênero estudado e da sua função social. Palavras-chave: Produção de texto. Formação docente. Carta de leitor. Introdução Este artigo apresenta uma reflexão sobre o ensino da produção textual, no ensino fundamental I, mediante dados e observações obtidos na realização da pesquisa “O Ensino de 1 Docente e Pesquisadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Câmpus da UNESP de Presidente Prudente – SP. E-mail: [email protected]

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ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL: O GÊNERO CARTA DE LEITO R

NA SALA DE AULA

PARISOTTO, Ana Luzia Videira1 - UNESP

Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas

Agência Financiadora: Pró-Reitoria de Pesquisa – Unesp Resumo Este artigo demonstra uma reflexão sobre o ensino da produção textual e formação de professores que lecionam em quintos anos do ensino fundamental I, por meio de um trabalho com o gênero carta de leitor. É um recorte de uma pesquisa maior intitulada “O Ensino de Produção Textual em 4º e 5º Anos do Ensino Fundamental: relato de professores”, financiada pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPe- UNESP), com o objetivo de investigar, a partir da ótica de professoras dos 4os e 5ºs anos, o significado atribuído à produção textual. Tal interesse de pesquisa se justifica pela possibilidade de compreender como um trabalho de parceria com o professor pode contribuir para a ampliação de seus saberes profissionais, disciplinares e experienciais, no que diz respeito à produção textual. Nesse sentido, o debate acerca da formação de professores mobiliza vários profissionais, não só os da área da educação, mas também os linguistas, já que a pertinência desse tema reside na sua estreita relação com o sucesso ou o fracasso escolar. Realizamos uma caracterização do gênero carta de leitor, analisamos alguns textos e propusemos maneiras de abordá-lo nas aulas de língua portuguesa, a partir da participação da pesquisadora em reuniões de HTPCs (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo) com os docentes, na escola parceira. A pesquisa foi desenvolvida segundo a abordagem qualitativa, com delineamento de pesquisa colaborativa, enfatizando a parceria universidade e escola. Os resultados apontam que o trabalho com gêneros textuais tornam o ensino da língua portuguesa menos artificial e podem contribuir para ampliar o letramento dos alunos. Por sua vez, o professor, para um fazer pedagógico profícuo, deve apropriar-se do conhecimento do gênero estudado e da sua função social. Palavras-chave: Produção de texto. Formação docente. Carta de leitor.

Introdução

Este artigo apresenta uma reflexão sobre o ensino da produção textual, no ensino

fundamental I, mediante dados e observações obtidos na realização da pesquisa “O Ensino de

1 Docente e Pesquisadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Câmpus da UNESP de Presidente Prudente – SP. E-mail: [email protected]

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Produção Textual em 4º e 5º Anos do Ensino Fundamental: relato de professores”.2 Vale

ressaltar que o objetivo geral da pesquisa foi investigar, a partir da ótica de professores do 1º

ao 5º ano, o significado atribuído à produção textual.

As crianças do ensino fundamental I têm apresentado dificuldades para produzir textos

coesos, coerentes e de acordo com o gênero textual solicitado. Isso pode ser comprovado por

meio de pesquisas (SOARES, 2008; COLELLO, 2007; ROJO, 2000; POSSENTI, 1996;

JOLIBERT, 1994; KAUFMAN e RODRIGUES, 1995) e também através do desempenho

delas em avaliações externas como o SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar

do Estado de São Paulo).

Os resultados das avaliações externas nacionais e internacionais fornecem dados que

justificam a preocupação com o ensino da produção textual, ao revelarem o baixo

desempenho dos alunos e a insuficiência do sistema educacional brasileiro.

Um exemplo dessa realidade pode ser atestado pelos índices do SARESP de 2011,

promovido pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP). Ao se considerar o

resultado final desse exame (SARESP 2011 – Resultados Gerais da Rede Municipal, p. 5),

verifica-se que 32,7% dos estudantes do 5º ano do ensino fundamental ficaram no nível

considerado abaixo do básico para essa série na prova de redação, enquanto 5,5% deles

alcançaram o nível avançado. De acordo com o documento, os alunos classificados com

desempenho abaixo do básico demonstram domínio insuficiente das competências e

habilidades escritoras desejáveis para o ano em que se encontram.

Nesse sentido, o presente artigo tem por finalidade apresentar uma reflexão sobre o

trabalho com o gênero carta de leitor, a partir da participação da pesquisadora em reuniões de

HTPCs (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo) com as docentes do 5º ano do ensino

fundamental I, em uma escola municipal de Presidente Prudente. A justificativa para o

trabalho com o gênero citado foi um pedido da coordenação pedagógica, uma vez que, em

2012, este seria o gênero solicitado para produção textual na avaliação do SARESP.

A pesquisa

A pesquisa foi realizada em uma escola da rede municipal de ensino de Presidente

Prudente. Os sujeitos foram os professores do ensino fundamental I, mais especificamente os

2 Pesquisa financiada pela PROPe – Pró-Reitoria de Pesquisa (UNESP) para o período de maio de 2012 a maio de 2013.

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que lecionam no quinto ano, embora todos tenham participado dos encontros que aconteceram

uma vez por semana. Podemos afirmar que as dez docentes pesquisadas cursaram a educação

básica na escola pública, fato que não se repete com relação à formação em nível superior, ou

seja, seis estudaram em universidades públicas e quatro em escolas particulares. Dentre as que

fizeram o curso em universidades públicas, duas professoras não cursaram Pedagogia. Apenas

três docentes declararam que fizeram especializações. Duas delas possuem especialização em

Psicopedagogia e uma em Avaliação. Em contrapartida, todas afirmaram ter participado de

cursos de educação continuada.

Após os encontros iniciais em que fizemos um levantamento das dificuldades

apresentadas pelos docentes com relação à leitura e à produção textual, por meio de um

questionário, organizamos um curso de extensão universitária em que trabalhamos aspectos

teórico-práticos a fim de oferecer subsídio ao trabalho com textos.

A pesquisa foi desenvolvida segundo a abordagem qualitativa que procura explicar,

em profundidade, as características e os significados das informações obtidas (OLIVEIRA,

2007).

Nesse caso, optamos pela pesquisa colaborativa que, conforme Ibiapina (2008),

envolve:

[...] investigadores e professores tanto em processos de produção de conhecimentos quanto de desenvolvimento interativo da própria pesquisa, haja vista que o trabalho colaborativo faz com que professores e pesquisadores produzam saberes, compartilhando estratégias que promovem desenvolvimento profissional.

Em linhas gerais, a pesquisa colaborativa estabelece um diálogo entre pesquisadores,

professores e gestores, enfatizando a investigação, a construção de novos conhecimentos, bem

como a busca de soluções para problemas concretos do cotidiano escolar.

Gênero textual

Sobre a importância de se situar a linguagem como lugar de constituição de relações

sociais, Geraldi (2002, p. 42) postula que “estudar a língua é, então, tentar detectar os

compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por

um falante para falar de certa forma em determinada situação concreta de interação”.

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Nesse sentido, sala de aula passa a ser o lugar de interação verbal, de diálogo entre os

sujeitos, e o processo de ensino não deve ser encarado como simples transmissão de

conhecimento.

O trabalho com jornais e revistas em sala de aula pode contribuir para tornar o ensino

de Língua Portuguesa menos artificial, uma vez que é possível a realização de várias

atividades que compõem uma sequencia didática completa: leitura de textos, análise e

produção do gênero escolhido, reescrita e possível divulgação na escola ou nos jornais da

cidade. Os textos denominados jornalísticos, em função de seu portador (jornais, periódicos e

revistas), mostram um claro predomínio da função informativa da linguagem: trazem os fatos

mais relevantes no momento em que acontecem. São agrupados em diferentes seções:

informação internacional, informação nacional, informação local, sociedade, economia,

cultura, esportes, espetáculos e entretenimentos. Ao professor caberá a tarefa de escolher as

atividades e os assuntos que julgue convenientes às classes em que lecione (FARIA, 2004).

Ainda, com relação à importância de se trabalhar com jornais e revistas em sala de

aula, ressaltamos a possibilidade de realização de atividades de linguagem, em que o aluno

faz uso social da língua (leitura, escrita, debates); atividades de epilinguagem, por meio das

quais ele reflete sobre os efeitos de sentido que permeiam determinadas estruturas linguísticas

e, finalmente, atividades de metalinguagem, que possibilitam o estudo da gramática

normativa.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa (1997) adotam a

noção bakhtiniana de gênero do discurso como objeto de ensino e de texto como unidade de

ensino, o que condiz com a possível concretização do objetivo precípuo da Língua

Portuguesa, no referido documento, que visa ao desenvolvimento da competência discursiva

do aluno.

Nesse sentido, é relevante mencionar o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) que teve

origem na teoria sociointeracionista de Vygotsky. Segundo Bronckart (2007, p.23), a

expressão interacionismo social:

[...] designa uma posição epistemológica geral, na qual podem ser reconhecidas diversas correntes da filosofia e das ciências humanas [...] essas correntes têm em comum o fato de aderir à tese de que as propriedades específicas das condutas humanas são o resultado de um processo histórico de socialização [...]

O ISD propõe a utilização de gêneros textuais diversos como instrumento de ensino-

aprendizagem em sala de aula. Gêneros, como asseveram Dolz e Schneuwly (2004, p. 51),

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“constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e o material de trabalho,

necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade”.

Tendo em vista esse quadro teórico de valorização da linguagem como forma de

interação, nos últimos anos o gênero escolar chegou à escola. E tem exigido uma metodologia

diferenciada de trabalho com textos. Nesse sentido, os PCN sugerem e incentivam

organizações didáticas diferenciadas, ou seja, os projetos e os módulos didáticos. Todavia, as

pesquisas apontam muitas dificuldades de transposição didática, uma vez que explorar

somente as características de cada gênero não leva o aluno a ler e a escrever de maneira

proficiente.O essencial é ensinar os gêneros no interior de práticas discursivas e não apenas

como mais um conteúdo.

Bakhtin (1992, p. 301-302) afirma que:

Para falar, utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo. Possuímos um rico repertório dos gêneros do discurso orais e escritos. Na prática, usamo-los com segurança e destreza, mas podemos ignorar totalmente a sua existência teórica [...].

Na perspectiva Bakhtiniana, um gênero pode ser assim caracterizado: são tipos

relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca e possuem um plano

composicional; distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo; combina conteúdo

temático, propósito comunicativo, estilo e composição.

Rojo (2002, p. 34) afirma que duas formas de se agrupar os gêneros textuais têm sido

sugeridas pela literatura. De acordo com ela, Dolz e Schneuwly sugerem um agrupamento

pelas capacidades de linguagem: o narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o

instruir/prescrever. Já os PCN agrupam os gêneros em função de sua circulação social:

literários, de imprensa, publicitários e de divulgação científica.

A autora (2002, p. 35) sugere a possibilidade de combinação dos dois agrupamentos

na elaboração de materiais didáticos e enfatiza:

Mais uma vez, aqui, as práticas de leitura/escuta de textos e de produção de textos orais e escritos estariam integradas na abordagem do texto como unidade de ensino para a construção do gênero como objeto de ensino e as práticas de análise lingüística ou de reflexão sobre a linguagem seriam resultantes destas e estariam também integradas nas práticas de uso da linguagem.

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Carta de leitor: características do gênero

Serafini (1998) propõe um reagrupamento dos gêneros textuais com relação às funções

da linguagem e destaca que textos como o monólogo, a carta e a autobiografia apresentam o

predomínio da função expressiva da linguagem, dessa forma, a personalidade do escritor está

no centro das atenções.

Kaufman e Rodriguez (1995, p. 37) asseveram que:

Os textos epistolares procuram estabelecer comunicação por escrito com um destinatário ausente, identificado no texto através do cabeçalho. Pode tratar-se de um indivíduo (um amigo, um parente, o gerente de uma empresa, o diretor de um colégio), ou de um conjunto de indivíduos designados de forma coletiva (conselho editorial, junta diretora).

O que vai ajustar a escolha do estilo, se mais formal ou mais informal, é o grau de

familiaridade entre o emissor e o destinatário, no que diz respeito à carta pessoal. No caso

específico da carta de leitor, os textos pertencentes a esse gênero são veiculados em jornais e

revistas que circulam em nossa sociedade, são fixados em seções pré-determinadas de

periódicos e o estilo a ser utilizado vai depender do perfil do periódico selecionado, bem

como se é destinado a um público jovem ou adulto.

O surgimento desse gênero resulta de vários fatores que indicam a importância de se

valorizar a relação da imprensa com o público e se constitui como um espaço de interlocução

para que o leitor manifeste a sua opinião sobre os textos veiculados num periódico. Atende a

diversas intenções comunicativas: opinar, criticar, solicitar, elogiar, dentre outras. De acordo

com Melo (1999, p. 19-20), por meio das cartas à redação, os leitores comuns podem fazer-se

ouvir e opinar sobre o que ocorre nos diferentes meios sociais.

Neste artigo, utilizaremos cartas de leitor que foram publicadas em revistas de

circulação nacional(Revista Mundo Estranho e Revista Ciência Hoje das Crianças), que

apresentam um estilo/registro linguístico mais informal, e são destinadas a um público jovem,

observando a faixa etária dos alunos com os quais trabalham os docentes pesquisados.

Nosso ponto de partida, no trabalho com os docentes pesquisados, foi demonstrar as

características composicionais, os propósitos comunicativos e o estilo do gênero estudado,

apresentado em revistas de cunho científico popularizado. Destacamos, ainda, as diferenças

entre carta ao leitor e carta de leitor, conforme dúvida apresentada pelos docentes, enfatizando

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que, na primeira, o enunciador é o editor da revista ou jornal e, na segunda, o enunciador é o

leitor.

Carta de leitor: alternativas de abordagem em sala de aula e análise de textos

Em reunião realizada com os docentes da escola parceira, sugerimos que as atividades

relacionadas ao gênero carta de leitor poderiam ser desenvolvidas em um bimestre, numa sala

de quinto ano do ensino fundamental I. Os objetivos seriam, inicialmente, comparar um jornal

com uma revista, estabelecendo semelhanças e contrastes; ler, analisar e redigir cartas de

leitor e enviá-las à redação de uma revista. Para tanto, seria necessário selecionar um tema de

interesse dos alunos e trazer para a sala de aula textos relativos ao tema. Os professores da

escola pesquisada já estão em processo de utilização do jornal em sala de aula. A escola

recebe cinco exemplares por dia que podem ser usados com fins didáticos ou, ao final do

período de aula, por sorteio, os exemplares são doados a cinco alunos.

Ressaltamos a importância de deixar que esses textos circulem na sala, propiciando:

conversas sobre o tema e levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos. Também seria

possível a proposição de leitura silenciosa e em voz alta, a elaboração de perguntas objetivas,

inferenciais e avaliativas sobre os textos lidos e comentários sobre as respostas dos alunos. A

partir dessa exploração inicial do texto, recomendamos a análise da função social e da

organização textual da carta de leitor, possibilitando a produção, a reescrita e o envio de

algumas cartas produzidas pelos alunos a uma revista. Dessa forma, de acordo com Geraldi

(2002), o ensino de língua materna pode se tornar um pouco menos artificial.

Todo esse processo: da comparação dos periódicos (jornal e revista) até a elaboração,

reescrita e envio das cartas poderia durar um bimestre, porém cada professor deve se sentir

livre para planejar as atividades de acordo com a sala em que leciona.

A título de exemplo, trabalhamos com os professores pesquisados um texto

“Carregador de celular ligado na tomada gasta energia?”, Mundo Estranho/jun/2012 e a carta

que uma leitora enviou sobre o texto, publicada na Mundo Estranho/ jul/2012. Já havíamos

feito um trabalho sobre o jornal, em encontros anteriores, nos quais comparamos diferentes

portadores (Jornal, revista e livro), analisamos a primeira página de vários jornais,

trabalhamos com o lead de algumas notícias, entre outros aspectos.

A figura 1 apresenta o texto trabalhado com os docentes:

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Figura 1 – Texto “Carregador de celular ligado na tomada gasta energia?” Fonte: Revista Mundo Estranho (junho de 2012)

Após a leitura silenciosa, perguntamos aos docentes sobre o que escreveriam ou qual

seria a intenção comunicativa se tivessem que produzir uma carta de leitor. Então, após ouvi-

los, passamos à leitura da carta que foi publicada sobre o texto anterior, na edição

subsequente da Revista Mundo Estranho, conforme verificamos na figura 2.

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Figura 2 – Carta de leitor: ME pacificadora Fonte: Revista Mundo Estranho (julho de 2012)

Alguns focos de observação com relação aos textos estudados:

- Nesta revista, a seção carta de leitor é intitulada “You & Me”, o que demonstra maior

proximidade com o leitor jovem, reforçada pelo uso da língua inglesa.

- Existe a possibilidade, atualmente, de se enviar a carta de leitor por e-mail. Isso

também pode ser trabalhado com os alunos, uma vez que a escola pesquisada possui um

laboratório de informática.

- A intenção comunicativa da carta de leitor foi elogiar o conteúdo do texto, já que a

autora utiliza pelo menos duas expressões que merecem destaque: lê meus pensamentos”e

“solucionou um grande conflito”.

- Ao publicar a carta, a revista atribui a ela um título sugestivo, o que reforça um outro

aspecto desse gênero que deve ser mencionado. Melo (1999) afirma que as cartas de leitor

geralmente são textos em coautoria, elas podem ser parafraseadas, resumidas, enfim, podem

ser editadas, de acordo com o espaço físico da seção ou do direcionamento argumentativo do

periódico.

- Ressaltamos, ainda, com relação às características da carta analisada: há referência

ao texto que a originou, informações sobre o remetente e o estilo utilizado é o informal,

conforme verificamos na utilização de expressões como “calar a boca” e “lê meus

pensamentos”.

Chamou-nos a atenção o fato de os docentes pesquisados afirmarem que não

utilizavam o texto base do qual se origina a carta de leitor. O que prejudica o entendimento

das condições de produção do gênero estudado. De acordo com eles, o trabalho em sala de

aula restringia-se à leitura e produção do gênero carta de leitor.

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Trabalhamos, ainda, com uma carta de leitor publicada na Revista Ciência Hoje das

crianças (CHC), uma vez que a escola pesquisada utiliza o material didático do Programa

“Ler e escrever”3, cujo exemplar referente ao quinto ano traz textos extraídos de tal periódico.

O texto base que originou a carta de leitor está na figura 3 e é intitulado “É uma

lesma? É uma meleca? Não! É uma planária”.

Figura 3 – “É uma lesma, É uma meleca? Não! É uma planária” por Fernando Carbayo e Rodrigo Hirata Willemart. Fonte: Revista Ciência Hoje das Crianças (setembro de 2011) – adaptado pela autora.

Apresentamos a carta de leitor intitulada “Planária rara” (figura 4), publicada na

Revista CHC nº 235, de junho de 2012, em referência à matéria “É uma lesma, é uma meleca?

Não! É uma planária”, reproduzida na Revista CHC nº 227, de setembro de 2011(figura 3).

3 O Programa Ler e Escrever (Secretaria de Estado da Educação de São Paulo) se constitui em um conjunto de linhas de ação articuladas que inclui formação, acompanhamento, elaboração e distribuição de material didático para o ensino fundamental I.

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Vale ressaltar que lemos, primeiramente, o texto que deu origem à carta e só depois

procedemos à análise do gênero estudado.

Figura 4 – Carta de leitor: Planária rara Fonte: Revista Ciência Hoje das Crianças (junho de 2012)

Alguns focos de observação com relação aos textos estudados:

- Nesta revista, a seção carta de leitor é intitulada “Cartas”, há ainda a ilustração de um

zangão, um dos mascotes da revista, chamado Zíper, observando vários envelopes de cartas

coloridos.

- A intenção comunicativa da carta de leitor foi elogiar o conteúdo do texto, já que a

autora utiliza a expressão “graças à matéria sobre planárias, publicada na CHC 227”.

- Ao publicar a carta, a revista atribui a ela um título “Planária rara”, utilizando o

mesmo adjetivo apresentado pela garota que a escreveu, o que reforça, mais uma vez, o

caráter de texto em coautoria.

- Neste periódico, a interação entre leitor e revista indica maior proximidade, pois

sempre há um comentário/resposta após as cartas apresentadas.

- Ressaltamos, ainda, com relação às características da carta analisada, que há

referência ao texto que a originou e informações sobre o remetente/interlocutor.

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Os professores pesquisados destacaram mais uma vez a importância de se trabalhar o

texto base sobre o qual alguém produz o gênero carta de leitor. Observaram ainda que tal

abordagem facilita o entendimento da forma de composição do gênero estudado.

Considerações Finais

O trabalho com gêneros textuais pode contribuir para um ensino mais significativo da

língua portuguesa. Nesse sentido, o objetivo de tal pesquisa foi apresentar uma reflexão sobre

o ensino do gênero carta de leitor. Para tanto, participamos de reuniões com os sujeitos

pesquisados, demonstramos as características composicionais, os propósitos comunicativos e

o estilo do gênero estudado.

Os docentes participaram ativamente da análise dos textos e ressaltaram a necessidade

de uma metodologia adequada para o ensino da produção da carta de leitor, pressupondo um

trabalho com o texto base do qual derivou o gênero estudado. Algo que não era observado por

eles durante as suas aulas.

Com relação ao trabalho com o gênero carta de leitor, tal gênero pode propiciar ao

aluno uma importante oportunidade de expor seu ponto de vista sobre determinado assunto,

tornando pública a sua ideia. Dessa forma, seria possível apropriarem-se de uma prática de

escrita, assumindo a responsabilidade na produção de textos que apresentem clareza e

concisão, uma vez que podem ser publicados em jornais e revistas.

A pesquisa proporcionou uma oportunidade de estabelecer momentos de estudo e

discussão de aspectos teóricos e metodológicos relacionados ao ensino da carta de leitor. Essa

experiência certamente se constituiu num importante espaço de interlocução entre docentes e

pesquisadora, reforçando a necessidade de parceria entre a universidade e a escola de Ensino

Fundamental.

Esperamos, com este artigo, contribuir para os estudos nas áreas de educação e

linguagem, disponibilizando reflexões voltadas à leitura e produção de textos, especialmente a

carta de leitor, que possam subsidiar o trabalho docente nas aulas de língua materna.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

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KAUFMAN, Ana Maria; RODRIGUEZ, Maria Helena. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. Trad. Inajara Rodrigues.

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