ensino de lÍngua materna na perspectiva de gestores ... · pelos gestores de 22 escolas do...
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ISSN 2176-1396
ENSINO DE LÍNGUA MATERNA NA PERSPECTIVA DE GESTORES:
CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E DE TEXTO
Natália dos Santos Henschel1 - FCT/UNESP
Patrícia Regina de Souza 2 - FCT/UNESP
Eixo – Formação de Professores
Agência Financiadora: CNPq
Resumo
A linguagem é a forma pela qual os indivíduos se comunicam e interagem entre si e é algo
que está presente em toda a nossa vida porque é na e pela linguagem que nos constituímos
como sujeitos. Porém, quando se trata do ensino de língua materna, é necessário levar em
consideração que existem diferentes concepções de linguagem que permeiam o trabalho com
a língua portuguesa, orientando o trabalho nas salas de aula com a língua, a linguagem e
outros aspectos correlatos, tais como texto, leitura, gramática etc. Os gestores têm um papel
fundamental no sentido de auxiliar os docentes em sala de aula, porém para ajudar os
professores em suas necessidades formativas, precisam, antes de tudo, compreender tais
conceitos (de linguagem e texto). Nesse sentido, neste artigo, buscamos compreender quais
são as concepções teóricas de texto e linguagem dos gestores de 22 escolas de Ensino
Fundamental I de Presidente Prudente. Para tanto, valemo-nos da abordagem quali-
quantitativa, por meio da qual categorizamos as respostas emitidas pelos gestores e indicamos
a frequência com que ocorreram. Os dados foram tabulados e analisados à luz da análise de
conteúdo e do referencial teórico voltado para o ensino de língua materna, linguagem, texto e
gestão escolar. Foi possível perceber que os gestores ainda possuem uma compreensão
monológica sobre os conceitos de linguagem e texto, o que explicita modos de compreensão
pautados em uma visão tradicional e limitante que já deveriam ter sido superados, haja vista a
evolução teórica e conceitual sobre tais conceitos. Assim, ressalta-se que os gestores também
possuem necessidades formativas a serem sanadas, principalmente em se tratando do
coordenador/orientador pedagógico porque é este profissional que tende a orientar os docentes
em suas dificuldades, com vistas à contribuição para a superação do fracasso escolar.
1 Licenciada em Pedagogia e mestranda em educação pela Faculdade de Ciência e Tecnologia - Universidade
Estadual Paulista – FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente – SP. Membro do grupo de pesquisa
“Formação de Professores e Práticas de Ensino na Educação Básica e Superior”. E-mail:
[email protected]. 2 Licenciada em Pedagogia e mestranda em educação pela Faculdade de Ciência e Tecnologia - Universidade
Estadual Paulista – FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente – SP. Membro do grupo de pesquisa
“Formação de Professores e Práticas de Ensino na Educação Básica e Superior”. E-mail:
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Palavras-chave: Gestão escolar. Formação docente. Concepções de linguagem. Concepções
de texto.
Introdução
Freire e Lima (2012) destacam que é por meio de textos, sejam estes orais ou escritos,
que ocorre a interação entre os indivíduos, por meio da linguagem e que o conhecimento da
Língua Materna chega-nos por meio dela e se materializa em textos – enunciações concretas.
Assim:
A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura – não chega ao nosso
conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas
que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva
viva com as pessoas que nos rodeiam. Nós assimilamos as formas da língua somente
nas formas das enunciações e justamente com essas formas. As formas da língua e
as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa
experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas
(BAKHTIN, 2005, p. 283, apud FREIRE, LIMA, 2012, p. 97).
O processo de interação humana ocorre por meio de textos orais e escritos. Não há
como dissociar o texto de uma manifestação da linguagem, já que ele é produto dessas
interações. Tendo isso por base, este artigo coloca em evidência os resultados apresentados
pelos gestores de 22 escolas do município de Presidente Prudente, no que diz respeito aos
conceitos de texto e linguagem.
Este artigo é um recorte de uma pesquisa maior intitulada “Formação do professor dos
anos iniciais do ensino fundamental para superação do fracasso escolar: perfil teórico-
metodológico e propostas para o ensino de língua materna", financiado pelo CNPq, cujo
objetivo geral é refletir sobre a formação do professor que atua nos anos iniciais do Ensino
Fundamental para superação do fracasso escolar em língua materna, no município de
Presidente Prudente, observando o perfil profissional, as concepções teórico-metodológicas,
as dificuldades para o ensino de língua materna, as práticas formativas eficazes e a
contribuição da gestão no desenvolvimento de ações formativas.
Deste modo, sabendo que o ensino de língua materna é primordial para melhoria da
educação em nosso país, focalizamos, para este trabalho, dentre outros questionamentos da
pesquisa maior, as concepções teóricas utilizadas pelos gestores das escolas pesquisadas para
conceituar texto e linguagem.
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Referencial teórico
Texto
De acordo com Koch (1997) um mesmo objeto pode ser definido de diversas
maneiras, conforme a perspectiva teórica que se adote. É nesse sentido que o texto pode ser
compreendido a partir de distintas perspectivas. A autora ressalta ainda que na linguística
textual o conceito de texto varia em função do autor ou da orientação teórica adotada.
Diante disso, é importante mencionar que desde as origens da linguística do texto, ele
foi compreendido de diferentes formas:
Em um primeiro momento, foi concebido como: a) unidade lingüística (do sistema)
superior à frase; b) sucessão ou combinação de frases; c) cadeia de
pronominalizações ininterruptas; d) cadeia de isotopias; e) complexo de proposições
semânticas. Já no interior das orientações de natureza pragmática, o texto passa a ser
encarado, pelas teorias acionais, como uma sequência de atos de fala; pelas vertentes
cognitivas, como fenômeno primordialmente psíquico, resultado, portanto, de
processos mentais; e pelas orientações que adotam por pressuposto a teoria da
atividade comunicativa, como parte de atividades mais globais de comunicação, que
vão muito além do texto em si, já que este constitui apenas uma fase deste processo
global. Desta forma, o texto deixa de ser entendido como uma estrutura acabada,
passando a ser abordado no próprio processo de seu planejamento, verbalização e
construção (KOCH, 1997, p. 21-22).
A noção de texto é um elemento central na linguística textual e na teoria do texto,
abrange realizações orais e escritas que contenham no mínimo dois signos linguísticos, sendo
que a situação pode ser caracterizada como um dos signos. Um texto se constitui pela “[...]
junção de vários fatores que dizem respeito tanto aos aspectos formais como as relações
sintático-semânticas, quanto às relações entre o texto e os elementos que o circundam: falante,
ouvinte, situação (pragmática)” (SIMON, 2008, p. 1).
Ainda conforme Simon (2008), um texto bem elaborado e que apresente sentido é
marcado pela textualidade, a qual é caracterizada por sete elementos (coesão,
intencionalidade, coerência, aceitabilidade, intertextualidade, informatividade e
situacionalidade) que fazem com que o texto se constitua como tal, sendo mais do que uma
sequência de frases.
Oliveira (2004, p. 12) afirma que “Os textos resultam da atividade verbal de sujeitos
atuantes em uma determinada sociedade, com ações coordenadas a fim de cumprir funções
sociais, de acordo com as condições em que a atividade verbal se realiza.”
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Costa Val (1991, p. 1) define texto ou discurso como uma “[...] ocorrência linguística
falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e
formal”.
Conforme Barros (2005, p. 11), a semiótica tem por objeto o texto. De maneira
específica “[...] procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que
diz”. Nessa perspectiva teórica:
[...] define-se de duas formas que se complementam: pela organização ou
estruturação que faz dele um “todo de sentido”, como objeto da comunicação que se
estabelece entre um destinador e um destinatário. A primeira concepção de texto,
entendido como objeto de significação, faz que seu estudo se confunda com o exame
dos procedimentos e mecanismos que o estruturam, que o tecem como um “todo de
sentido”. A esse tipo de descrição tem-se atribuído o nome de análise interna ou
estrutural do texto. Diferentes teorias voltam-se para essa análise do texto, a partir
de princípios e com métodos e técnicas diferentes. A semiótica é uma delas. A
segunda caracterização de texto não mais o toma como objeto de significação, mas
como objeto de comunicação entre dois sujeitos. Assim concebido, o texto encontra
seu lugar entre os objetos culturais, inserido numa sociedade (de classes) e
determinado por formações ideológicas específicas. Nesse caso, o texto precisa ser
examinado em relação ao contexto sócio-histórico que o envolve e que, em última
instância, lhe atribui sentido. Teorias diversas têm também procurado examinar o
texto desse ponto de vista, cumprindo o que se costuma denominar análise externa
do texto (BARROS, 2005, p. 11-12).
Koch e Travaglia (1991, p. 10) entendem o texto como sendo:
[...] uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é
tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação
de interação comunicativa, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma
função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente de sua
extensão.
Geraldi (1993, p. 98, grifos do autor) aponta que “[...] o texto é o produto de uma
atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém”. Nessa perspectiva, para o autor, o outro
ocupa um lugar central para que se produza um texto, uma vez que é para o outro que se
produz um texto.
Assim, “é porque se sabe do outro que o texto não é fechado em si mesmo. Seu
sentido, por maior precisão que lhe queira dar seu autor, e ele o sabe, é já na produção um
sentido construído a dois” (GERALDI, 1993, p. 102).
Campos (2005) enfatiza que o texto só existe com uma significação que está
intimamente ligada à interpretação. Por isso, para ela o texto, assim como todo objeto
simbólico, se constitui como um objeto de interpretação. Portanto, não existe sentido sem
interpretação porque “[...] o sentido não está no texto de antemão, simplesmente esperando
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para ser decodificado, ele precisa ser construído e é esse o papel da interpretação, que se dá
tanto da parte de quem fala ou escreve quanto de quem analisa” (CAMPOS, 2005, p. 124).
Nessa perspectiva, “é por isso que se fala em compreensão de um texto e não em
reconhecimento de um sentido que lhe seria imanente, único”. De tal modo, “[...] por mais
paradoxal que possa parecer, um texto significa sempre uma coisa, mas esta coisa não é
sempre a mesma” (GERALDI, 1993, p. 103).
Linguagem
Para Fuza (2011), compreendida diferentemente em cada momento social e histórico,
a linguagem demanda uma percepção de mundo e de sujeito que demostra um caráter
dinâmico da língua no meio social em que atua.
Geraldi et al. (2001) destaca três concepções de linguagem: a linguagem como
expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como
forma de interação. Nesse sentido, Fuza et. al. (2011) em seus estudos bibliográficos, destaca
que a linguagem como expressão do pensamento está ligada à gramática normativa (que
prescreve as regras e normas da língua portuguesa), fazendo referência a Possenti (1997),
quando ressalta que essa concepção relacionada às gramáticas normativo-prescritivas, são
todas as gramáticas cujo conteúdo corresponde a um conjunto de regras e, por isso, designa-se
a ensinar os sujeitos a falarem e a escreverem corretamente, expressando uma obrigação e
avaliação de certo e errado. Perfeito (2007, p. 825), destaca, porém, que, nesta concepção, a
linguagem:
Preconiza que a expressão é produzida no interior da mente dos indivíduos. E da
capacidade de o homem organizar a lógica do pensamento dependerá a
exteriorização do mesmo (do pensamento), por meio de linguagem articulada e
organizada. Assim, a linguagem é considerada a “tradução” do pensamento.
Para linguagem como instrumento de comunicação essa mesma autora ressalta que a
língua é vista, historicamente, como um código, capaz de transmitir uma mensagem de um
emissor a um receptor, isolada de sua utilização. Aqui o falante tem em sua mente uma
mensagem que será transmitida a um ouvinte.
Na terceira concepção, a linguagem vai além da transmissão de informações de um
emissor a um receptor, esta é vista como forma de interação humana, por isso é chamada de
linguagem como forma de interação. Travaglia (2009, p. 23) acrescenta que a linguagem é
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um lugar de iteração comunicativa, forma de realizar ações, agir e atuar sobre o ouvinte/leitor.
Todavia:
Essa concepção é representada por todas as correntes de estudo da língua que podem
ser reunidas sob o rótulo de linguística da enunciação. Aqui estaria incluídas
correntes e teorias tais como a Linguística Textual, a Teoria do Discurso, a Análise
do Discurso, a Análise da Conversação, a Semântica Argumentativa e todos os
estudos de alguma forma ligado à Pragmática.
Resumidamente, notamos, aqui, a linguagem como o local das relações sociais em que
falantes atuam como sujeitos, sendo o diálogo, assim, de forma ampla, o caracterizador da
linguagem (PERFEITO, 2007).
Geraldi et al. (2001) destaca que essas três concepções correspondem a três grandes
correntes dos estudos linguísticos: a gramatica tradicional, o estruturalismo e o
transformacionalismo e a linguística da enunciação.
É importante destacar que, conforme Doretto e Beloti (1983), a concepção de
linguagem tem um papel fundamental para a orientação do trabalho com a língua portuguesa
nas salas de aula, uma vez que a concepção que se tenha de linguagem influencia em outros
aspectos correlatos, tais como gramática, texto e seu sentido, leitura, oralidade etc. Ou seja,
são as concepções de linguagem o viés pelo qual se enxerga outros aspectos a serem
trabalhados no ensino de língua materna. Portanto, o ensino dos conteúdos da língua
portuguesa poderão se orientar a partir de uma das três concepções de linguagem (linguagem
como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como processo de
Interação), conforme o professor conceba a linguagem.
Assim, entendendo que as concepções de texto e linguagem estão relacionadas,
Doretto e Beloti (1983) ressaltam que o texto entendido como expressão do pensamento pode
ser compreendido como um produto pronto e acabado que depende da capacidade criativa do
indivíduo e está ligado à retórica, além de possuir um sentido único; como instrumento de
comunicação também tem um sentido único e é visto como um modelo a ser seguido; Já como
forma de interação, é entendido como possuindo um sentido polissêmico em que o texto é o
próprio lugar da interação, o qual produz sentido conforme a situação em que se insere.
Ao referir-se ao ensino e natureza da linguagem os Parâmetros Currículares de Língua
Portuguesa destacam que:
O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da
língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade lingüística, são
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condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem os
homem e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e
defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem
cultura. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e
cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para
garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o
exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 19, grifo nosso).
Portanto, por se tratar de um assunto complexo a respeito do ensino da leitura e escrita
no processo de alfabetização, Cagliari (1998) destaca que pessoas que investigam a
linguagem devem ser profundos conhecedores de como a linguagem é, o que mesmo para a
linguística não é uma tarefa fácil e simples. O que podemos concluir que o ato de o homem
inventar a linguagem a partir de suas necessidades para se comunicar com o outro, resultou
numa técnica sofisticada e fez surgir a escrita que temos hoje. Isso é sem dúvida a
“tecnologia” mais brilhante que a humanidade já criou e, entender isso é compreender o
quanto é difícil um bom trabalho com alfabetização e letramento, principalmente nos anos
iniciais quando os alunos estão iniciando essa etapa.
Gestão
A organização escolar “refere- se aos princípios e procedimentos relacionados à ação
de planejar o trabalho da escola, racionalizar o uso de recursos [...] e coordenar e avaliar o
trabalho das pessoas, tendo em vista a consecução de objetivos” (LIBÂNEO, OLIVEIRA e
TOSCHI, 2012, p.436).
A direção e a coordenação têm como função cumprir tarefas referentes à gestão
escolar. Ou seja, têm como objetivo principal executar tarefas que permitam o funcionamento
da instituição escolar. Aos dirigentes, conforme Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 475),
compete:
a) a execução coordenada e integral de atividades dos setores e indivíduos da escola,
conforme decisões coletivas anteriormente tomadas; b) o processo participativo de
tomada de decisões, atentando, ao mesmo tempo, para que estas se convertam em
medidas concretas efetivamente cumpridas pelo setor ou pelas pessoas em cujo
trabalho são aplicadas; c) a articulação das relações interpessoais na escola e no
âmbito em que o dirigente desempenha suas funções.
Em relação ao papel do coordenador pedagógico, Pinto (2011, p. 153) afirma que sua
atuação:
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[...] junto ao professor só faz sentido se não perder de vista que seu fim último é a
melhoria da aprendizagem dos alunos. É justamente por acreditarmos nesse
princípio que defendemos a ideia de que a principal atribuição do pedagogo escolar
é dar suporte organizacional e pedagógico aos professores
Nessa perspectiva, Rinaldi (2009) enfatiza que os gestores escolares têm um papel
preponderante no que se refere à formação docente porque podem apoiá-los no sentido de
sanar dificuldades que estes possuam de modo a dar condições para que os professores
possam melhorar e alterar as suas práticas quando necessário.
Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) destacam que todos os profissionais da escola
precisam estar aptos a dirigir e participar de aspectos ligados à gestão escolar. Contudo,
devido à delegação de funções muito específicas para cada cargo, os gestores são os
responsáveis por coordenar e gerir. Por isso, faz-se necessário que os gestores tenham
formação específica para que possam exercer o trabalho da melhor maneira possível.
Diante do que foi mencionado anteriormente, Alves e Sá (2015, p. 321) ressalta que
“[...] a formação para a gestão [...] [deve] ser intensificada na formação continuada e
revista/alterada na formação inicial, de modo que as atividades gestoras correspondam aos
objetivos de uma educação de qualidade”.
Metodologia
Laville e Dione (1999) acreditam que, os conflitos entre as abordagens qualitativas e
quantitativas são inúteis, pois para os autores o procedimento adotado deve estar a favor da
compreensão do objeto de pesquisa. Assim, defendem que:
Poderá ser um procedimento quantitativo, qualitativo, ou uma mistura de ambos. O
essencial permanecerá: que a escolha da abordagem esteja a serviço do objeto de
pesquisa, e não o contrário, com o objetivo de daí tirar, o melhor possível, os saberes
desejados (LAVILLE, DIONE, 1999, p. 43).
Gamboa (1995) também acredita que, superando falsos dualismos, podemos permitir a
existência de vários enfoques que se definem num continuum. Nesse sentido, a metodologia
desta investigação pautou-se na pesquisa quali-quantitativa, por meio da qual analisamos e
categorizamos as respostas dos gestores, indicando a frequência com que as respostas
apareceram nas categorias que foram estabelecidas durante a análise dos dados.
Os dados são fruto de uma pesquisa maior e foram obtidos por meio de questionários
aplicados a professores e gestores, bem como por análise documental.
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A amostra da mencionada pesquisa foi composta por professores e gestores de vinte e
duas escolas municipais de Ensino Fundamental I, vinculadas à Secretaria de Educação do
Município de Presidente Prudente. Os questionários destinados aos docentes foram utilizados
para caracterizar o perfil pessoal, profissional e o teórico-metodológico do professor que
leciona nos anos iniciais do ensino fundamental, bem como as dificuldades enfrentadas
cotidianamente no ensino de língua materna, quais são as práticas formativas que consideram
eficazes e como avaliam a contribuição da gestão escolar, com relação à superação do
fracasso escolar em língua materna.
Para este artigo, delimitamos um recorte da pesquisa maior, com a finalidade de
compreender quais as concepções de linguagem e texto de gestores que atuam no Ensino
Fundamental I.
Para manter o anonimato dos sujeitos da pesquisa, os nomes das escolas foram
substituídos por nome de flores e citamos as respostas dos gestores pela letra inicial “G”. O
número cardinal, após a letra “G”, se refere à ordem da transcrição das respostas.
Resultados e discussão
Para este artigo, apresentaremos somente as respostas emitidas por 33 gestores de 22
escolas de Ensino Fundamental I, no que diz respeito às suas concepções sobre texto e
linguagem. Vale ressaltar que, por se tratar de uma questão aberta os gestores poderiam
elencar mais de uma resposta a um mesmo questionamento, por isso, muitas vezes o número
de respostas é superior ao número de gestores. emergiram várias respostas.
Tabela 1 - Conceito de Texto - Gestores
Categoria Quantidade de gestores por
categoria
Porcentagem das respostas
Instrumento de comunicação 17 51,5%
Representação do pensamento 8 24,2%
Forma de interação 04 12,1%
Texto como produto escrito 11 33,3%
Texto como produto oral ou
escrito
01 3,0%
Verbal ou não verbal 05 15,2%
Apontamento genérico 03 9,1%
Respostas incoerentes 02 6,1%
TOTAL 51 100%
Fonte: Dados organizados pelos pesquisadores com base nos resultados da pesquisa – 2017
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Conforme se verifica na Tabela 1, a maioria dos gestores menciona uma definição de
texto relacionada a instrumento de comunicação (17 menções), seguida pela definição como
representação do pensamento (8 menções) e, posteriormente, como forma de interação (4
menções).
Diante desse quadro, é muito frequente a definição de texto como instrumento de
comunicação, o que deixa nítido que os gestores não compreendem o texto como possuindo
um sentido polissêmico, o que nos remete a pensar que eles têm uma concepção monológica
sobre a linguagem (DORETTO E BELOTI, 1983, GERALDI, 1993).
Com 8 menções, observamos que ainda existem gestores que estão presos à concepção
de texto como representação do pensamento, entendendo que só escreve bem quem possui tal
capacidade (ou o dom) e o pensamento organizado, além de o texto ser visto como algo
pronto e acabado, uma visão muito reducionista acerca do texto (DORETTO E BELOTI,
1983).
Entretanto, 4 gestores relatam conceber o texto como forma de interação, algo que
consideramos positivo porque, embora a parcela dos gestores não seja significativa, percebe-
se que eles entendem o texto a partir de uma concepção dinâmica em que os interlocutores
interagem dentro de uma prática social. Valoriza-se o processo e não o produto, pois os textos
estão em constantes transformações e o aluno que produz é entendido como um sujeito
importante no processo de interação (DORETTO E BELOTI, 1983).
Observa-se, ainda, que 11 gestores retratam o texto como produto escrito, 1 gestor
como produto oral ou escrito e 5 gestores como verbal ou não verbal, o que evidencia que
alguns gestores veem o texto como tendo relação apenas com a escrita em si, enquanto outros
compreendem-no como algo mais amplo que abrange também as produções orais e as não
verbais (imagens, símbolos etc.). Diante disso, Simon (2011) e Costa Val (2001) enfatizam a
compreensão de texto como abrangendo situações orais ou escritas, não, limitando, portanto,
o texto como o define alguns gestores.
Vale ressaltar que, com relação à definição de textos, obtivemos três apontamentos
genéricos e duas respostas incoerentes, o que pode sinalizar para o fato de que os gestores
também possuem necessidades formativas a serem sanadas. Diante disso, concordamos com
Rinaldi (2009) no sentido de que os gestores têm um importante papel no sentido de auxiliar
os docentes em suas dificuldades no exercício da docência. Porém, é necessário que esses
gestores tenham formações específicas e constantes que lhes permitam atuar de maneira a
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garantir um apoio aos docentes, de modo a contribuir com a melhoria do ensino (ALVES, SÁ,
2015; LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2012).
A seguir, destacamos algumas respostas sobre o conceito de texto que foram
explicitadas nos questionários pelos sujeitos da pesquisa: “São as diversas formas que nos
passam as informações de propagandas, rótulos, poesia etc.” (G1, Dália). “Portador que
traz algo a comunicar, de acordo com suas variações. Tem estrutura distinta e atende a
diferentes propósitos comunicativos.” (G2, Acácia). “O texto é a expressão do pensamento
através da escrita. Independente da forma e do tamanho, compreendemos que texto expressa
uma unidade do pensamento.” (G1, Gérbera). “O que você quer expressar em forma de
escrita sendo compreendido pelo outro.” (G1, Gardênia).
Tabela 2 - Conceito de linguagem - Gestores
Categoria Quantidade de gestores por
categoria
Porcentagem das respostas
Linguagem como representação
do pensamento
08 24,2%
Linguagem como instrumento de
comunicação
13 39,4%
Linguagem como forma de
interação
04 12,1%
Verbal ou não verbal 12 36,4%
Expressão oral 02 6,1%
Expressão oral ou escrita 06 18,2%
Respostas incoerentes 04 12,1%
Não respondeu 01 3,0%
TOTAL 50 100%
Fonte: Dados organizados pelos pesquisadores com base nos resultados da pesquisa – 2017
Em relação aos dados da Tabela 2, Geraldi (2001, p. 41) destaca três concepções
fundamentais de linguagem que são apontadas como: linguagem como expressão do
pensamento; linguagem como instrumento de comunicação (língua como código); linguagem
como forma de interação. Nesta última, “a linguagem é vista como lugar de interação [...] com
ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à
fala”.
Os resultados obtidos pela análise dos dados referentes aos gestores nos apresentam
com maior frequência as definições relativas ao entendimento de linguagem como
instrumento de comunicação (13 menções), sendo possível destacar ainda a linguagem como
expressão do pensamento (8 menções), e a linguagem como forma de interação (4 menções).
Sobre a concepção de linguagem como instrumento de comunicação, mencionada com maior
frequência pelos gestores, Travaglia (2009, p, 22) ressalta que:
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[...] a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se
combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações
de um emissor e um receptor. Esse código deve, portanto, ser dominado pelos
falantes para que a comunicação possa ser efetiva.
Com doze menções, é possível notar o conceito de linguagem como verbal que utiliza-
se da fala e/ou da escrita como forma de comunicação, e a linguagem não verbal que se dá
através do uso de figuras, imagens, símbolos, desenhos etc. (FIORIN, 2002). Dentro desse
conceito de linguagem verbal e não verbal incluem-se outras categorias mencionadas com
menor frequência: expressão oral ou escrita (6 menções) e expressão oral (2 menções).
Obtivemos ainda algumas respostas incoerentes e um gestor que não respondeu a esse
item do questionário, o que pode significar um desconhecimento ou falta de segurança em
relação à compreensão dos conceitos pesquisados.
A seguir, apresentamos algumas respostas emitidas pelos sujeitos da pesquisa, à
questão "Conceitue Linguagem": “É a forma pela qual nos comunicamos”. (G1, Margarida).
“Capacidade de se comunicar de diversas formas: oral, escrita, símbolos etc.” (G1,
Hortênsia). “É a expressão do pensamento.” (G1, Crisântemo). “É o produto das interações
que se estabelecem entre os indivíduos”. (G1, Bromélia).
Esses resultados são semelhantes aos apresentados por Parisotto (2006), em pesquisa
com professores dos anos iniciais do ensino fundamental. A autora conclui que a concepção
de linguagem que orientou o trabalho dos docentes foi de base monológica, pois não
considerava a realização de ações e a produção de efeitos de sentido entre os interlocutores,
de acordo com as situações de interação verbal.
Quando se pensa na produção de texto e na leitura como práticas sociais, é obvio que
deveria estar subjacente às respostas dos gestores uma concepção de linguagem de base
dialógica. Todavia, não foi o que ocorreu, de acordo com os dados analisados.
De um modo geral, os professores trabalham com textos e ensinam a produzi-los sem
refletir sobre quais são as suas concepções de texto, de linguagem, de gêneros literários etc.
Considerações finais
Com base nos resultados obtidos, percebemos que o entendimento dos gestores sobre
linguagem e texto têm se orientado por concepções que acabam por restringir a compreensão
dos conceitos a uma visão monológica, o que explicita modos de compreensão pautados em
10982
uma visão tradicional e limitante que já deveriam ter sido superados, haja vista a evolução
teórica e conceitual sobre a compreensão da linguagem e dos outros conceitos da língua
portuguesa (texto, leitura, gramática etc.).
Ressaltamos que apenas 4 dos 33 gestores apresentam a compreensão dos conceitos
de linguagem e texto como processos de interação, algo que seria o ideal que todos os
gestores tivessem explicitado, uma vez que só uma concepção dinâmica de linguagem e de
texto podem dar conta da complexidade com que esses aspectos se apresentam na realidade.
Diante disso, é possível observar que os gestores escolares também apresentam
necessidades formativas, principalmente em se tratando do coordenador/orientador
pedagógico porque é este profissional que tende a orientar os docentes em suas dificuldades,
com vistas à contribuição para a superação do fracasso escolar. Portanto, se ele não tem uma
concepção de linguagem mais ampla que priorize a valorização do processo de interação
verbal, torna-se mais difícil a condução de docentes ao trabalho nessa perspectiva com todas
as outras dimensões relativas ao ensino de língua portuguesa nos anos iniciais.
REFERÊNCIAS
ALVES, Jurema Silvia de Souza; SÁ, Maria Auxiliadora Ávila dos Santos. Incidentes críticos
nas trajetórias profissionais de gestores escolares. Revista Eletrônica de Educação, v. 9, n.
3, p. 321-341, 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.14244/19827199127>. Acesso em:
19 de abril de 2017.
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