ensino de ciÊncias do solo para estudantes surdos · 2016-08-15 · a maioria dos materiais...

18

Upload: lexuyen

Post on 07-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade
Page 2: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS Noely Maria Lesnau1

Valentim da Silva2 RESUMO Os estudantes surdos, por apresentarem necessidades linguísticas diferenciadas, possuem dificuldade de se apropriarem dos conhecimentos científicos, sendo pela ausência de sinais específicos em Libras (Língua Brasileira de Sinais) para os conceitos, ou por métodos e materiais didáticos que não dialogam com a realidade e/ou as especificidades dos mesmos. O solo, como componente dos ecossistemas e elemento essencial à vida, deve ser compreendido e preservado. Para que se possibilite uma aprendizagem sobre o ensino de ciências do solo para estudantes surdos, há necessidade de procedimentos metodológicos que contemplem os processos, que levem em conta o conhecimento prévio do estudante surdo e que envolvam materiais que o favoreçam na apropriação de conceitos de forma contextualizada. As atividades e encaminhamentos metodológicos desenvolvidos possibilitaram aos estudantes surdos, do 6º ano do Colégio Alcindo Fanaya, construir novos conceitos e estabelecer diferentes relações, proporcionando novo significado ao ensino de ciências do solo. Palavras-chave: Ensino de ciências; Ciências do solo; Ciências do solo para surdos.

1. INTRODUÇÃO

Segundo as diretrizes curriculares da educação básica (Paraná, 2008), do

estado do Paraná, deve ser abordado o ensino de ciências do solo, principalmente

na educação fundamental. Estabelecendo atuação prioritária nas áreas de Ciências

e Geografia, sendo complementada nas demais áreas através dos temas

transversais. Ressalta-se que existem alguns desafios relacionados a abordagens e

contextualizações para o desenvolvimento do ensino desta ciência nas escolas da

rede pública. Segundo Lima (2005), alguns destes desafios estão vinculados aos

livros didáticos que apresentam conceitos fragmentados e descontextualizados, não

estabelecendo dialogo com a realidade das escolas e dos educandos, e favorecendo

a fragilização do ensino em ciências do solo. Ressalta-se também que as

abordagens desse tema de modo fragmentado, dificulta a construção de conceitos

que relacionam questões socioambientais dos educandos. Ainda, em algumas

situações, encontramos abordagens equivocadas nos livros didáticos. Outro ponto,

que favorece a superficialidade desse tema, são abordagens quase exclusivas sobre

o uso dos solos para atividades agrícolas, e deste modo desconsiderando as

necessárias compreensões sobre as áreas urbanas e de preservação. Assim, 1 Professora PDE: Especialista em limnologia e programação neurolinguística, graduada em biologia, professora da Rede Estadual de Ensino – SEED – PR - Colégio Estadual para Surdos Alcindo Fanay Jr. E-mail: [email protected] 2 Orientador PDE: Professor Doutor em Química pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Docente do Curso de Licenciatura em Ciências do setor Litoral da UFPR. E-mail [email protected]

Page 3: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

distanciam-se as finalidades e os saberes sobre solo, desconsiderando-o como

parte dos diversos ecossistemas, essencial à vida.

Contribuindo com esses desafios, relacionadas ao ensino de ciências do solo,

também encontramos abordagens pertinentes à formação de docentes. Pois, os

processos tradicionais de formação inicial e continuada de professores, que atuam

na rede pública de ensino, contribuem para essa descontextualização.

Dentro destas, o ensino de ciências do solo, para estudantes surdos,

apresenta-se com desafios evidenciados, a serem superados. Para além das

situações apontadas, ainda apresentam-se características específicas, voltadas

principalmente as questões de comunicação para e com esses sujeitos. Nesta

perspectiva, para que se possibilite a construção de conceitos em ciências do solo,

os estudantes surdos necessitam de procedimentos metodológicos adequados que

respeitem suas particularidades. Sendo assim, processos que contemplam os

conhecimentos prévios, favorecem múltiplas relações conceituais, possibilitando

construir e integrar os saberes dos estudantes surdos com os acadêmicos,

proporcionando compreensão da realidade local e regional.

Reconhecendo as possibilidades e os desafios, propõe-se realizar algumas

abordagens metodológicas, práticas e experimentais, que buscam promover

aprendizagem significativa para os estudantes surdos do 6º ano do Colégio Estadual

para Surdos Alcindo Fanaya Junior, escola bilíngue no município de Curitiba-PR.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. Ensino para surdos

No Brasil, o direito das crianças surdas à educação bilíngue é garantido pelo

Decreto Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005. Este documento estabelece a

oferta obrigatória da educação bilíngue, no ensino básico aos estudantes surdos,

sendo Libras a primeira língua e a língua portuguesa, na modalidade escrita, a

segunda. Embora se constate a oralização em alguns surdos.

Dentro do exposto, necessita-se desenvolver estratégias pedagógicas que

contemplem os estudantes surdos e possibilitem a construção de conceitos

acadêmicos. De acordo com Quadros (2005), para garantir a educação bilíngue,

para estudantes surdos, o currículo deve ser organizado na perspectiva visual-

espacial.

Page 4: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos,

apresentam previamente a necessidade do domínio da língua portuguesa, tanto

escrita como falada. Desta forma limitando-os, já que os mesmos apresentam

dificuldades no domínio da leitura e escrita, e dificultando na apropriação de

conceitos.

2.2. Ensino de Ciências

As atuais Diretrizes Curriculares da Educação Básica (Paraná, 2008), para o

ensino de ciências, afirma que esta disciplina tem como objeto de estudo o

conhecimento científico, que resulta da investigação da natureza, e propõem uma

prática pedagógica que integre conceitos dos sujeitos com os acadêmicos, e valorize

o pluralismo metodológico.

Segundo Bizzo (2009), a apropriação de novos conceitos, deve considerar as

características de cada estudante e as múltiplas possibilidades de relações

integradas aos saberes prévios dos sujeitos, ou seja, são possibilidades de

relação/integração, mediado pelas metodologias, experimentos, diálogos, estímulos

e fundamentações teóricas entre os saberes escolares e os vivenciados pelos

estudantes. O conceito científico torna-se de difícil entendimento para os surdos,

quando não há uma “visualização” adequada, podendo em algumas situações

interferir até de modo negativo no processo de aprendizagem.

Desta forma, busca-se a constituição de uma ótica para o ensino de ciências,

para estudantes surdos, de acordo com os parâmetros apresentados na LDB (Brasil,

1996), que abrangem os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,

na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos

movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

2.3. Ensino de ciências do solo

Não é o solo simplesmente um pedaço de chão, mas um sistema bastante

complexo, que traz como integrantes minerais na forma de agregados

granulométricos (argila, silte e areia) e matéria orgânica em constante

transformação, decomposição e intemperismo, sendo que possuem macros e micros

poros que podem armazenar água e ar e, também, muita vida, e desta forma

mantendo uma grande (bio)diversidade.

Page 5: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

Segundo Bridges (1997), o solo é um componente essencial do meio

ambiente, constitui a parte superficial da litosfera, integra a maioria dos

ecossistemas, é reservatório dos ciclos biogeoquímicos, desempenha importante

papel na existência e manutenção da vida na Terra e na conservação da

biodiversidade. Embora tenha sua importância desconsiderada e desvalorizada, a

qual é negligenciada nos diferentes níveis de ensino dentro do atual contexto

escolar, o que, consequentemente gera crescimento dos problemas ambientais

ligados a degradação do solo.

O estudo científico do solo, a aquisição e disseminação de informações do

papel que o mesmo exerce na natureza e sua importância na vida do homem, são

condições primordiais para sua proteção e conservação, é uma garantia da

manutenção de meio ambiente sustentável.

3. MATERIAIS E MÉTODOS

O projeto de intervenção pedagógica PDE foi desenvolvido no período de

2012 e implementado no primeiro semestre de 2013 no Colégio Estadual para

Surdos Alcindo Fanaya Junior, município de Curitiba-PR. Foi definido como público

alvo a turma do 6º ano do ensino fundamental, constituída por cinco estudantes

surdos bilíngues (Libras primeira língua e leitura em português como segunda

língua). Os cinco estudantes, com diferentes níveis de domínio em libras e leitura na

língua portuguesa foram denominados de:

E1 - estudante com bom domínio em libras e boa leitura;

E2 - estudante mediano em Libras e leitura mediana, também apresenta boa

oralidade;

E3 - estudante mediano em Libras e leitura mediana, pouco oralizado;

E4 - estudante mediano em Libras e leitura fraca;

E5 - estudante com dificuldade em Libras e nenhuma leitura.

3.1. Encaminhamentos didáticos pedagógicos

Fundamentando-se em Anastasiou & Alves (2004), sobre a aula expositiva

dialogada. Adaptamos as abordagens com auxilio de recursos visuais, buscando

através da mediação via dialogo em libras e na língua portuguesa, possibilitar a

construção de conceitos, organização, sistematização, interpretação, análise crítica,

comparação e dos temas abordados.

Page 6: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

Os encaminhamentos são pertinentes às estratégias que visam o relato de

vivências, auxiliando na identificação dos conhecimentos prévios dos estudantes,

das suas práticas sociais, e desta forma possibilitando estabelecer relações entre os

seus saberes e os saberes apresentados.

Corroborando, Amaro et al (2005), que aponta a necessidade de obter

informações prévias sobre um determinado tema, desenvolveu-se um questionário

com cinco questões na língua portuguesa, sendo traduzido em libras no momento da

aplicação. Nas questões, os temas abordados foram: 1ª Fazer uma representação

do entendimento de solo; 2ª) Identificar locais que encontramos o solo; 3ª)

Reconhecer a importância do solo; 4ª) Identificar as cores e assinalar quais são

possíveis encontrar no solo; 5ª) Identificar, entre as algumas sugestões, o que pode

ser encontrado no solo.

Realizaram-se caminhadas de observação no bosque e arredores da escola,

com a finalidade de identificar a diversidade dos ecossistemas e a presença de

diferentes tipos de solos. Nessas, foram coletadas amostras de solos, e ainda os

estudantes trouxeram amostras de solos de suas residências, para desenvolver

atividades experimentais.

Propiciou-se a visitação a experimentoteca do Projeto de Extensão

Universitária Solo na Escola no setor Agrárias da UFPR, na qual os estudantes

examinaram um perfil didático de solo, participaram das atividades, experimentos e

demonstrações com diferentes tipos de solos do Brasil.

3.2. Atividades experimentais

As atividades experimentais descritas estão apresentadas em maiores

detalhes na produção didático pedagógica (Lesnau, 2012).

Utilizando, comparativamente, as amostras coletadas, observou-se a

composição granulométrica, textura dos solos, e ainda foi desenvolvido experimento

de simulação da composição do solo, adaptado de Lima (2007).

Para representar a formação do solo, demonstrando que os solos são

derivados de rochas, foi desenvolvida uma maquete, de acordo Lima (2007).

Adaptados de Capeche (2009) e Favoretto (2007) foram desenvolvidos

experimentos de impacto da gota de chuva e escoamento superficial; demonstrando

a ação da erosão e contextualizando com os impactos ambientais, sociais e

econômicos.

Page 7: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

Para realizar experimentos que auxiliam na identificação de algumas

propriedades de solos, como porosidade, dureza, friabilidade, pegajosidade e

plasticidade, baseou-se em Lima (2007) e USP (2007).

Produziu-se tintas, de acordo com Capeche (2010), Carvalho (2009) e Lima

(2007), a partir dos diferentes tipos de solos coletados. Ainda, confeccionou-se

cartazes representativos sobre o solo.

3.3. Atividades com o Grupo de Trabalho em Rede (GTR)

Simultaneamente à implementação do projeto, houve a colaboração de um

grupo de trabalho em rede (GTR), formado por 13 professores da rede pública de

ensino do estado do Paraná, que participaram de forma virtual, através do sistema

moodle. O GTR é uma das atividades obrigatórias do PDE, previstas no Plano

Integrado de Formação Continuada do Programa, cujo objetivo é a socializar e

integrar sugestões nas produções do Professor PDE.

3.4. Processos avaliativos

Para os processos avaliativos, fundamenta-se em Demo (2004), respeitando

as orientações do Art. 24 da LDB (Brasil, 1996), a qual dispõe que:

”avaliação continua e cumulativa, do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre eventuais provas finais.” (Brasil, 1996, p. 58)

Neste sentido, as atividades desenvolvidas, sobre os aspectos de

conhecimentos construídos, relacionados ao ensino de solos, estão baseadas nos

encaminhamentos sobre: respostas do questionário (registros escritos e desenhos);

relatos em libras; atividades de observação; coletas de amostras de solo; visitação

ao projeto solo na escola; desenvolvimentos dos experimentos; produção de

material didático pedagógico sobre o ensino de solos; apresentação e exposição dos

materiais produzidos e interação com os demais estudantes do Colégio Alcindo

Fanaya Jr.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

O público alvo tem a Libras como disciplina curricular e conta com a maioria

dos professores bilíngues ou com a presença de intérprete de Libras, o que os

Page 8: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

auxilia significativamente na compreensão dos conteúdos na escola, possibilitando o

acesso ao conhecimento aos estudantes surdos, respeitando sua diferença e

lembrando que a linguagem tem importante papel no processo de significação

conceitual.

4.1. Questionário diagnóstico

Esse mecanismo pretende contemplar os sujeitos e identificar algumas

lacunas conceituais a respeito do ensino de ciências do solo. Sendo que a análise

dos dados coletados nos questionários auxiliou na identificação dos conhecimentos

prévios dos estudantes sobre o solo, demonstrando a fragilidade desses

conhecimentos. A figura 01 mostra um dos estudantes respondendo ao questionário.

Figura 01 – Estudante surdo respondendo o questionário diagnóstico.

Através das representações gráficas na figura 02, via “desenhos”, os

estudantes E1, E2, E3 e E4, demonstram entendimento sobre o solo, relacionando à

granulometria, já que se pode identificar pontinhos ou tracinhos. Ainda, E1, E3 e E4

relacionaram, no entendimento sobre o solo, conceitos pertinentes à presença de

plantas, destaque às raízes. Apenas E1 fez registro de animais e presença de água.

Já, os encaminhamentos metodológicos utilizados não contemplaram o estudante

E5, ressaltando-se que o mesmo não é bilíngue (domínio em libras e leitura em

português), e ainda não é oralizado.

Figura 02 - Representação gráfica, dos estudantes surdos, sobre o entendimento do solo.

E1

Page 9: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

Algumas das informações “desenhadas”, como solo e areia, não podem ser

diferenciadas na figura 02. Essa informação, não está relacionada a habilidade

artística dos estudantes, mas sim há sobre posição de sinais, representado na figura

03. A qual utiliza o mesmo sinal para conceituar o solo (fig. 03-A) e a areia (fig. 03-

B), de acordo com o dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais

brasileira (Capovilla & Raphael, 2001).

E2

E3

E4

E5

Page 10: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

Figura 03. Sinal em libras para solo (A) e para areia (B)

Fonte: recorte de Capovilla & Raphael, 2001, p. 1207 (A) e p. 222 (B).

A pergunta quanto aos locais onde o solo pode ser encontrado foi mal

formulada e não atingiu os alunos. Os cinco estudantes responderam ao

questionamento com uma única palavra: plantas, chão, jardim, bosque, pedra,

respectivamente para E1, E2, E3, E4 e E5. Sugerindo que há uma dificuldade de

entendimento entre o questionamento na língua portuguesa, limitando os quatro

estudantes com bom domínio em libras. Ainda evidencia-se que há falta de sinais

para os diferentes locais que se podem encontrar solos, afirmativa que se sustenta

na ausência de respostas para a questão.

Quanto a considerar o solo importante, todos os estudantes escolheram a

resposta afirmativa.

Na questão de múltipla escolha e com auxilio visual, foram inseridas diversas

cores: marrom, verde, branco, cinza, preto, laranja, rosa, vermelho, amarelo, e azul.

Permitido escolher mais de uma alternativa, todos os estudantes marcaram o

marrom como cor de solo, destes, três marcaram o verde, dois marcaram o cinza e o

preto, um o laranja e outro o rosa. Ainda, nenhum dos estudantes marcou as cores

azul, vermelho e amarelo.

Esses dados demonstram que os estudantes não estiveram em contato com

diferentes tipos de solos, haja vista que dominam em libras ou em língua portuguesa

as cores. Por serem moradores de área urbanizada e terem poucas oportunidades

de estarem em contato com ambientes naturais, e quando isso acontece se destaca

a observação de animais e em segundo plano de plantas, ficando o solo

praticamente esquecido. A não ser no parquinho, a areia para brincar e quando tem

a vivência de plantar, em uma horta ou jardim. Nessa questão a linguagem não foi

diferencial.

Na última questão, de múltipla escolha sem apoio visual, os estudantes

assinalaram o que tem no solo. Como sugestão de “coisas” que podem ser

encontrado nos solos, foram acrescentadas alternativas: pedra, plantas, água,

A B

Page 11: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

animais, ar, açúcar e sal. As informações do questionário demonstram que todos os

estudantes dominam o entendimento de que as plantas e pedras fazem parte do

solo. Essa informação se torna relevante, pois de acordo com Lima (2007), o solo

tem como material de origem as rochas, e o intemperismo destas resulta em pedras,

ainda as plantas é um dos fatores de formação de solos. Desta forma, através

destas informações, permite-se hipotetizar que os estudantes estabelecem relações

conceituais entre o material de origem os fatores de formação de solo.

Somente o estudante E1, com bom domínio bilíngue, estabeleceu relação

com animais e o solo. A ausência dessa relação, entre animais e o solo, nos demais

estudantes, demonstra a fragilidade da construção de conceitos no ensino de

ciências, com currículo fragmentado e disciplinar. Pois ao abordar os seres vivos no

ensino de ciências, a ausência de sinais em libras, os desafios de superação com os

materiais didáticos não específicos para os surdos, as abordagens

descontextualizadas, a desconsideração sobre os saberes prévios dos estudantes,

contribuem para um ensino sem sentido e que não interagem com o cotidiano dos

estudantes.

Já, três estudantes (E1, E2 e E4) identificaram a água como substância

encontrada no solo, e somente o estudante E2 estabeleceu relação entre o solo e o

ar. Novamente, demonstrando que o domínio bilíngue favorece aos surdos

estabelecer relações conceituais sobre diferentes temas.Entre todos os estudantes,

os dados demonstram que nenhum estabeleceu relação com o solo e a presença de

açúcar e sal.

4.2. Desafios para com o domínio em libras

O método de aula expositiva dialogada favoreceu na troca de informações e

relatos de vivências. Embora esses dois encaminhamentos tenham sido fragilizados

pela constatação de ausência de vocabulário específico em libras. A falta de sinais

para algumas abordagens em libras dificulta, tanto os estudantes como o professor,

no processo de entendimento dos “diálogos”. Dado essa ausência de sinais, os

recursos visuais favoreceram os estudantes a estabelecer diversas relações

conceituais, pertinentes ao tema.

Observou-se, durante os relatos de vivências, que os estudantes E1, E2, E3 e

E4, identificam o solo como elemento presente no cotidiano. Essa afirmação indica o

domínio de informações e conceitos prévios a respeito da ciência do solo. Esse

Page 12: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

indicativo favoreceu o estabelecimento relações conceituais novas que estavam

sendo apresentadas com os seus saberes prévios. Já o estudante E5 apresentou

dificuldade em interagir, atribuído a falta de domínio em Libras e na leitura em língua

portuguesa.

Observou-se que os estudantes bilíngues estabelecem maiores relações

conceituais e podem dominar maior número de informações. No sentido contrário,

estudantes com dificuldade bilíngue, estabelecem menor número de relações

conceituais, por falta de sinais em libras, demonstrando a dificuldade de abordagens

sobre temas específicos, sendo nesse caso o ensino de ciências do solo para os

estudantes surdos.

4.3. Atividades de campo

Os cinco estudantes surdos foram extremamente observadores e participaram

ativamente das caminhadas, realizando atividades de comparação e coleta de

amostras. Na figura 04 um dos estudantes confirma a presença de seres vivos no

solo.

Figura 04 - Estudante manuseando solo.

Identificaram solo em diversos locais, diferenciando as colorações, texturas,

tamanho de partículas, existência ou não de seres vivos, também perceberam a

umidade concluindo ter presença de água. Relataram que responderam diferente no

Page 13: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

questionário, pois nunca haviam percebido essas características do solo, nem que

ele estava presente em tantos lugares.

Realizaram também as coletas de amostras, três colheres de sopa, de cada

local, que foram acondicionadas em sacos plásticos e organizadas em caixas de

papelão, que foram guardadas no laboratório de ciências do colégio. A professora

ajudou na escrita das identificações.

Na aula de campo no setor de agrárias da UFPR foi houve grande interesse

dos estudantes. A primeira observação deles, assim que desceram do ônibus, foi

que era o lugar que eles haviam visto em um dos vídeos apresentados na escola, e

perguntarem pelas pessoas que estavam no filme. Dois monitores, sem

conhecimento em Libras, do projeto Solo na Escola, acompanharam o grupo na

visita, a professora e um intérprete traduziram as informações e questionamentos.

Os estudantes identificaram os experimentos que já haviam realizado, fizeram

perguntas aos monitores e também, explicaram, em Libras, alguns dos

experimentos. Na observação do perfil do solo, relacionaram com a maquete que

haviam montado.

4.4. O grupo de trabalho em rede - GTR

O GTR foi um momento muito importante justamente pela possibilidade de

troca de experiências e sugestões com os professores participantes, que possuem

formação diferenciada e pertencem a realidades diversas. Os professores

analisaram o projeto de intervenção e o material didático, discutindo sua relevância e

aplicabilidade.

4.5. Atividades experimentais

As atividades experimentais foram realizadas em grupo pelos estudantes, no

laboratório de ciências com a orientação da professora. Foram os momentos de

maior entendimento, experimentando e descobrindo.

Na montagem da maquete da formação do solo (Fig. 05) todos os estudantes

colaboraram e puderam perceber que a alteração das rochas com o passar do

tempo e a ação do clima, organismos e relevo formaram o solo, que a camada de

solo poderá ter diferentes espessuras dependendo da ação desses fatores. A

maquete foi usada posteriormente na apresentação para os outros estudantes da

escola, com apoio visual dos painéis.

Page 14: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

Figura 05 – Maquete da formação do solo.

Na atividade de simulação da composição do solo cada estudante manipulou

os materiais com suas diferenças granulométricas, lembrando que o solo não é

apenas o produto de um punhado de granulometrias misturadas, sendo o

experimento uma hipotética constituição do solo.

Para a verificação da porosidade do solo os estudantes tinham claro que a

pedra não absorveria a água e que a esponja absorveria (Fig. 06), mas o torrão de

solo seco gerou dúvidas, os experimentos demonstraram a capacidade de absorção

de água e a presença de ar no solo, foto que os encantou (a saída da bolha de ar de

dentro do torrão de solo seco quando colocado dentro da água, como mostra a

figura 07).

Figura 06 – Verificando, comparativamente, a capacidade de absorção de água em rocha (A); espoja (B); e agregado de solo (C).

A B C

Page 15: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

Figura 07 - Observando a presença de ar no solo.

Nos experimentos que abordaram a erosão eles puderam evidenciar a

importância da cobertura vegetal na conservação do solo.

A produção de tintas a partir dos solos foi a atividade mais divertida, puderam

perceber a gama de cores que pode ser encontrada além das que eles

manusearam. Todos os painéis e cartazes para a exposição foram feitos com essas

tintas. Organizou-se uma coloroteca (figura 08) com amostras de todas as tintas

produzidas. Também foi realizada uma atividade de pintura com tinta dos solos para

os alunos das turmas da Educação Infantil ao 5º ano, coordenada pelos estudantes

do 6º ano.

Figura 08 - Coloroteca montada pelos estudantes surdos.

Como um dos processos de avaliação foi montado um painel (fig. 09), na

parede do hall superior do colégio, com o material produzido, e organizada uma

exposição com os experimentos realizados. Os estudantes convidaram todas as

turmas da escola para assistirem as explicações. As apresentações (4) foram em

Libras com o apoio do painel e dos experimentos. E1, E2 e E3 tiveram bastante

facilidade e responderam os questionamentos, E4 teve um pouco de dificuldade, e

Page 16: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

E5 não consegui explicar sua parte, mas os estudantes estavam tão integrados que

um dava suporte ao outro. Foram aplaudidos e elogiados pelos colegas e

professores após cada apresentação.

Figura 09 - Painel com o material produzido durante as aulas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atividades e encaminhamentos metodológicos possibilitaram aos

estudantes surdos, do 6º ano do Colégio Alcindo Fanaya, construir novos conceitos

estabelecer diferentes relações, proporcionando novo significado ao ensino de

ciências do solo.

A educação bilíngue tem potencial para atender os estudantes surdos, mas

há necessidade de criação de vocabulário para expressar os conceitos científicos

em Libras, pois a ausência de sinais e a sobre posição conceitual dificultam a

aprendizagem dos estudantes surdos, inclusive no ensino de ciência do solo.

Verificou-se que práticas pedagógicas que possibilitam o respeito às diferenças de

domínio de linguagem e comunicação, auxiliam na quebra de barreiras e

potencializam a construção de conceitos pertinentes as ciências do solo.

Page 17: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

6. REFERÊNCIAS

AMARO, A., PÓVOA, A., MACEDO, L. A arte de fazer questionários. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Departamento de Química. Metodologias de Investigação em Educação. 2005. Disponível em http://www.jcpaiva.net/getfile.php?cwd=ensino/cadeiras/metodol/20042005/894dc/f94c1&f=a9308. Acesso em 24/08/2013.

ANASTASIOU, L. G. C.; ALVES, L. P. Estratégias de ensinagem. In: ANASTASIOU,L. G. C.; ALVES, L. P.. (Orgs.). Processos de ensinagem na universidade. Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3 ed. Joinville: Univille, 2004. p. 67-100. Disponível em: http://www.dca.iag.usp.br/www/material/ritaynoue/PAE/Estrategias_de_Ensinagem_Completo.pdf. Acesso em 18/10/2012.

BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo, Biruta, 2009.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Lei nº 9.394, 20/12/1996. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf. Acesso em 12/04/2012

BRIDGES, E. M. & VAN BAREN, J. H. V. Soil: An overlooked undervalued and vital part of the human environment. The Environmentalist, 17:15-20, 1997.

CAPECHE, C. L. Confecção de um simulador de erosão portátil para fins de educação ambiental. Rio de Janeiro. Embrapa Solos, 2009. 31 p. Disponível em: <http://www.cnps.embrapa.br/publicacoes/pdfs/doc116_2009_simulador_erosao_portatil.pdf>. Acesso em 07/11/2012.

__________. Educação ambiental tendo o solo como material didático: pintura com tinta de solo e colagem de solo sobre superfícies. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2010, 60 p. Disponível em: <http://www.cnps.embrapa.br/publicacoes/pdfs/doc123_2010_tinta_de_solo.pd >. Acesso em 07/11/2012.

CAPOVILLA, F. C; RAPHAEL, W. C. (2001). Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da língua de sinais brasileira. 2. ed. São Paulo: Edusp/ Imprensa Oficial, Fapesp, Fundação Vitae, FENEIS, Brasil Telecom, dois volumes

CARVALHO, A. F.et al. Cores da terra : fazendo tinta com terra! Viçosa, MG: UFV, DPS. 2009. Disponível em: http://biowit.files.wordpress.com/2010/11/cartilha-cores-da-terra-150dpi-modificada.pdf . Acesso em 12/02/2013.

DEMO, Pedro. Teoria e prática da avaliação qualitativa. Perspectivas: Campos dos Goytacazes, 4:106-115, 2005.

FAVORETTO, N.; DIECKOW, J.. Conservação dos recursos naturais solo e água. In:LIMA, V.C.; LIMA, M.R. & MELO V.F. (Eds.). O solo no meio ambiente:

Page 18: ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos, apresentam previamente a necessidade

abordagempara professores do ensino fundamental e médio e alunos do ensino médio.Curitiba: UFPR, Departamento de Solos e Engenharia Agrícola. 2007. p. 111 – 126.

LESNAU, N. Experimentos com solos para surdos. Produção didático-pedagógica PDE. Curitiba, 2012.

LIMA, M. R. O solo no ensino de ciências no nível fundamental. Ciência & Educação, 1:383-395, 2005.

LIMA, V. C.; LIMA, M. R. de. Formação do solo: os solos no meio ambiente. Curitiba: UFPR, 2007.

PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Ciências. 2008.

QUADROS, R. M. O BI em bilinguismo na educação de surdos. In E. FERNANDES (org.) Surdez e bilinguismo. Porto Alegre, RS: Editora Mediação, p. 26-36, 2005.

LIMA, M. R. Noções de morfologia do solo. In: LIMA, V.C.; LIMA, M.R. & MELO V.F. (Eds.). O solo no meio ambiente: abordagem para professores do ensino fundamental e médio e alunos do ensino médio. Curitiba: UFPR, Departamento de Solos e Engenharia Agrícola. 2007. p. 17 – 26.

LIMA, V. C.; LIMA, M. R.. Formação do solo. In: LIMA, V.C.; LIMA, M.R. & MELO V.F. (Eds.). O solo no meio ambiente: abordagem para professores do ensino fundamental e médio e alunos do ensino médio. Curitiba: UFPR, Departamento de Solos e Engenharia Agrícola. 2007. p. 01 - 10.

USP. ESALQ. Programa solo na escola. Experimento ♯4: ar no solo. Disponível em <http://solonaescola.blogspot.com.br/2011/07/experimentos-4.html>. Acesso em 10/11/2012.

LIMA, M. R. Coleção de cores de solos (colorteca). Experimentoteca de Solos – Projeto Solo na Escola – Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da UFPR. Disponível em: <http://www.escola.agrarias.ufpr.br/arquivospdf/experimentotecasolos9.pdf>. Acesso em 12/11/2012.

USP. Estação ciência. Projeto ABC na educação cientifica - Mão na massa. Disponível em: <http://www.cienciamao.if.usp.br/mnm/modulos/solo.pdf>. Acesso em 08/11/2012.