ensino avaliação aprendizagem mg século xix

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71 O ensino de primeiras e a avaliação da aprendizagem em Minas Gerais no século XIX (1825-1852) MARCILAINE SOARES INÁCIO O processo de escolarização vincula-se à configuração e ao fortalecimento dos Estados modernos. Conforme Faria Filho e Sales (2002) há grandes evidências, hoje, de que tal processo ocorreu de maneira bastante diferenciada nos diversos países do mundo ocidental. Mas os estudos mostram, também, que nos três últimos séculos este fenômeno sofreu um impulso ja- mais visto e acabou por legar-nos tradições e culturas no trato da infância, escolarizada ou não. Conforme os autores brasilei- ros, não resta dúvida de que foi no período pós-independência que o processo de escolarização teve grande impulso. No Brasil do Oitocentos o processo de escolarização foi um dos elementos centrais na afirmação do Estado Imperial. Da- das as amplas funções atribuídas à instrução no movimento de construção da nação brasileira, sua organização e regulamen- tação não poderiam ficar senão a cargo do governo. Diante

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História Educação Brasileira

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    Marcilaine Soares Incio

    O ensino de primeirase a avaliao daaprendizagem em MinasGerais no sculo XIX(1825-1852)

    MARCILAINE SOARES INCIO

    O processo de escolarizao vincula-se configurao e ao

    fortalecimento dos Estados modernos. Conforme Faria Filho e

    Sales (2002) h grandes evidncias, hoje, de que tal processo

    ocorreu de maneira bastante diferenciada nos diversos pases

    do mundo ocidental. Mas os estudos mostram, tambm, que

    nos trs ltimos sculos este fenmeno sofreu um impulso ja-

    mais visto e acabou por legar-nos tradies e culturas no trato

    da infncia, escolarizada ou no. Conforme os autores brasilei-

    ros, no resta dvida de que foi no perodo ps-independncia

    que o processo de escolarizao teve grande impulso.

    No Brasil do Oitocentos o processo de escolarizao foi um

    dos elementos centrais na afirmao do Estado Imperial. Da-

    das as amplas funes atribudas instruo no movimento de

    construo da nao brasileira, sua organizao e regulamen-

    tao no poderiam ficar seno a cargo do governo. Diante

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    disso, o que se verifica uma crescente participao do Estado

    no campo da instruo elementar.

    A interveno social que se pretendia na e pela educao no

    colidia com os princpios do liberalismo que se buscou implan-

    tar no Brasil ps-Independncia (HORTA, 1983, p. 205). Tal pers-

    pectiva levou os governos imperial e provincial a investir na aber-

    tura de escolas pblicas e na regulamentao do funcionamen-

    to no s destas como das particulares.

    Produzindo o lugar dainstruo elementar nasociedade oitocentista

    A histria da sociedade brasileira oitocentista foi marcada pela

    transio da condio de Colnia para Imprio. Nas primeiras

    dcadas do sculo XIX o Brasil era um imprio recm-indepen-

    dente e necessitava estruturar-se. Dentre os vrios fatores que

    possibilitariam esta estruturao estava a instruo elementar

    pblica. A instruo foi considerada uma pea fundamental na

    construo de um Estado nacional brasileiro e de um povo civi-

    lizado.

    Segundo Ilmar Rohloff de Mattos (1994, p. 245-246), no pero-

    do ps-Independncia a instruo passou a ser entendida como

    a maneira de formar o povo:

    Assim, a instruo cumpria, ou deveria cumprir, um papel funda-mental, que permitiria, ou deveria permitir, que o Imprio se colo-casse ao lado ao lado das Naes civilizadas. Instruir todas asclasses era, pois, o ato de difuso das Luzes que permitiriam rom-per as trevas do passado colonial; a possibilidade de estabelecer oprimado da Razo, superando a barbrie dos Sertes e a desor-dem das Ruas; o meio de levar a efeito o esprito de Associao,ultrapassando as tendncias localistas representadas pela Casa; almda oportunidade de usufruir os benefcios do Progresso, e assim

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    Marcilaine Soares Incio

    romper com as concepes mgicas a respeito do mundo e danatureza.

    Minas possua caractersticas especficas relacionadas for-

    ma como ocorreu a ocupao de seu territrio (DUARTE,1995).

    Entretanto, as mudanas que deveriam ocorrer aqui eram de-

    fendidas como necessrias em todo Imprio. A organizao

    poltica era colocada como condio primeira para o progresso

    e modernizao do Brasil.

    Inserindo-se num movimento verificado em todas as provnci-

    as brasileiras, as elites dirigentes mineiras, interessadas na

    escolarizao da populao, por meio dos discursos e de medi-

    das legislativas, foram produzindo o lugar da escola na socieda-

    de oitocentista. Essa instituio assumiu gradativamente a res-

    ponsabilidade pelo ensino da leitura, da escrita e do clculo, da

    civilidade, da moral e da religio. Ser escolarizado passou a ser

    um signo de distino em relao s pessoas que no tinham

    acesso ao ensino de primeiras letras. Os preceitos morais e po-

    lticos eram ensinados de forma explcita durante as lies de

    leitura e de escrita, sendo os catecismos e a Constituio Polti-

    ca do Imprio os textos privilegiados na escola.

    Pela via da instruo desenraizar-se-iam a brutalidade e a

    barbrie da sociedade mineira. Poder-se-ia reformar os costu-

    mes, erradicar a ignorncia e a misria do povo. No momento

    posterior Independncia, a afirmao do Estado e a constru-

    o da Nao representava um grande desafio. Assim, uma das

    dimenses mais importantes do processo de estruturao do

    Estado nacional brasileiro era encontrar meios que possibilitas-

    sem conjugar a liberdade recm conquistada e a legalidade.

    Na perspectiva iluminista abraada por intelectuais e polticos mi-neiros a questo estava diretamente relacionada instruo (FA-RIA FILHO, 2002, p. 250).

    Nas pginas do jornal O Universal possvel encontrar diver-

    sas referncias aos vnculos estabelecidos entre a instruo e o

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    exerccio de uma liberdade bem regulada:

    Os homens pois s so escravos, porque no tm desenvolvido assuas faculdades, nem aprendido a regular-lhes o seu uso; e s solivres, porque as tem desenvolvido e regulado. verdade o dizer-lhe literalmente, que eles nunca sofrem outra opresso seno a dasua prpria ignorncia, e maus costumes; assim como verdadeque ele s tem tanto liberdade quanto permitam a sua instruo, ea bondade de seus hbitos (Edio de 23/11/1835).

    Entretanto, a insero e a incorporao das classes inferiores

    da populao s prticas educativas escolares dar-se-iam den-

    tro de limites muito claros. Ela seria positiva, desde que no

    colocasse em risco as formas tradicionais de submetimento da

    maioria ao jugo e explorao da elite imperial (FARIA FILHO,

    2002, p. 252).

    A estruturao do Estado Nacional brasileiro no sculo XIX

    esteve voltada para a criao de diversas prticas de atuao

    sobre a populao. Dentre elas, duas nos interessam de forma

    mais particular: a primeira refere a um novo modo de insero

    do Estado no campo da instruo elementar; e a segunda,

    elaborao de leis como estratgia de ordenao do social.

    Ambas esto relacionadas entre si, assim como esto intimamente

    ligadas ao processo de escolarizao da sociedade oitocentista.

    A extenso da instruo elementar s camadas pobres da

    populao implicava uma ruptura com a precariedade que ca-

    racterizara o perodo colonial. As duas primeiras dcadas do

    sculo XIX foram marcadas pela existncia de uma rede escolar

    precria e diminuta, sendo o processo educativo escolar con-

    duzido por sujeitos no habilitados para tal tarefa, inclusive por-

    que no havia como obter uma formao especfica para a tare-

    fa de ensinar devido no existncia de Escolas Normais no

    perodo.

    A tal quadro somar-se-iam a falta de espaos e de materiais

    especificamente produzidos para o emprego no processo

    educativo e a no definio dos contedos a serem ministrados.

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    Marcilaine Soares Incio

    A partir da instaurao de um discurso sobre a necessidade de

    organizar a instruo elementar, as trs dcadas seguintes dis-

    tinguem-se pela produo de outros discursos e de dispositi-

    vos, legais ou no, que visaram organizao a instruo ele-

    mentar no sculo XIX.

    A relao entre a constituio da Nao brasileira e o impulso

    dado ao processo de escolarizao no perodo ps-Indepen-

    dncia remete-nos a alguns pontos nodais acerca da organiza-

    o do ensino elementar: Como atuaram os sujeitos interessa-

    dos na educao e na instruo das camadas pobres da popu-

    lao? Como definiram as condies de acesso de toda a po-

    pulao instruo elementar? Quais foram os limites e obst-

    culos enfrentados nessa empreitada? No segundo quartel do

    sculo XIX a organizao da instruo elementar e a

    institucionalizao da escola em Minas Gerais envolveram os

    dirigentes polticos, os legisladores, os intelectuais, os delega-

    dos de crculos literrios e os professores.

    Minas Gerais possua, no incio do perodo imperial, uma rede

    de instruo elementar muito pequena, composta de poucas

    escolas, herdadas do perodo colonial. A instruo era ofereci-

    da em escolas isoladas, onde um nico professor ministrava as

    aulas. No havia instalaes prprias, especficas para o ensino.

    Seu espao confundia-se, muitas vezes, com o domstico. Nas

    cidades, funcionavam, normalmente, na casa do professor ou

    em salas por ele alugadas. No campo, os proprietrios das fa-

    zendas ofereciam o espao fsico para as aulas. Elas aconteci-

    am em ambientes prprios para outros usos.

    Nas chamadas cadeiras de ensino ou aulas pblicas, os

    professores eram reconhecidos e nomeados pelo governo e

    recebiam salrio pela tarefa desempenhada. Alm das escolas

    pblicas, havia as particulares, que atendiam a um nmero bem

    maior de pessoas e mantinham-se com os recursos de pessoas

    interessadas em ver instrudas suas crianas e jovens. A provn-

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    cia mineira contava ainda com a instruo domstica. Essa mo-

    dalidade de instruo era aquela que ocorria em casa, onde a

    me ensinava aos filhos e s filhas, ou os irmos que sabiam

    alguma coisa ensinavam queles que nada sabiam (FARIA FI-

    LHO, 2000, p.140) Ensinava-se s crianas individualmente em

    casa.

    Em 15 de fevereiro de 1827, Bernardo Pereira de Vasconcelos

    exps ao Conselho do Governo Provincial a situao da instru-

    o pblica na provncia mineira. O referido conselheiro aponta-

    va a existncia de 33 escolas pblicas de primeiras letras, fre-

    qentadas por 1107 alunos. O nmero de escolas pblicas era

    pequeno se comparado s 170 escolas particulares que existi-

    am na mesma ocasio (MOURO, 1959 p. 4).

    Um nmero reduzido de escolas pblicas, funcionando de

    forma pouco regulamentada, no poderia responder deman-

    da de contribuir ou, mesmo, de ser a base para o progresso

    cultural e material do Imprio. A produo da escola como insti-

    tuio responsvel pela formao do povo estimulou as deci-

    ses legislativas acerca da organizao e da regulamentao do

    ensino de primeiras letras.

    Em 15 de outubro de 1827, foi promulgada a primeira e nica

    lei geral sobre instruo primria do perodo Imperial. Esta lei

    marcou um novo modo de insero do Estado no processo de

    escolarizao da populao brasileira. A instruo elementar

    presente desde os tempos da Colnia deveria ter novos contor-

    nos a partir do segundo quartel do sculo XIX. A referida lei de-

    terminou, em seu artigo 1o, a criao de escolas de primeiras

    letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do

    Imprio.

    Tal determinao deu incio a um perodo de efetiva preocu-

    pao com a abertura de escolas, para meninos e meninas, em

    lugares que no as tinha. Os artigos subseqentes estabelece-

    ram as condies de acesso e permanncia de professores e

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    Marcilaine Soares Incio

    professoras no magistrio; fixaram limites mnimos e mximos

    para os seus ordenados; e definiram os contedos, o mtodo

    de ensino e os castigos a serem aplicados aos alunos.

    Ao que nos parece, a lei de 15 de outubro tinha por objetivo

    regulamentar o ensino pblico de primeiras letras, j que no

    faz nenhuma referncia s escolas particulares. O intuito de or-

    ganizar uma rede de escolas pblicas de primeiras letras estava

    de acordo com a importncia atribuda instruo no movimento

    de construo da nao brasileira e com a nova maneira de

    insero do Estado no servio de instruo elementar.

    Inserido em ambos os movimentos, o Conselho do Governo

    da Provncia mineira aprovou na sesso de 27 de maro de 1828

    a conservao das 33 escolas j existentes e a criao de mais

    54, totalizando 87 escolas de primeiras letras, que poderiam ser

    freqentadas por meninas ou meninos. Alm das referidas, de-

    finiu a criao de escolas privativas para meninas nas cidades

    de Ouro Preto e Mariana e nas vilas de So Joo, Barbacena,

    Tamandu, Baependi, Campanha, Sabar, Pitangui e Vila do

    Prncipe (MOURO, 1959, p. 6).

    Com vistas no processo de organizao de uma rede pblica

    de instruo elementar identificamos nos relatrios dos presi-

    dentes da provncia mineira e dos delegados dos crculos liter-

    rios discursos que buscaram, ao que nos parece, constituir uma

    legitimidade para o ensino pblico. No relatrio apresentado ao

    Conselho Geral da Provncia em 1833, o presidente da provncia

    Antnio Paulino Limpo de Abreu reconheceu os esforos do

    Conselho em estruturar a instruo primria pblica. Entretan-

    to, dadas as relaes estabelecidas entre a instruo pblica e a

    constituio do Estado Nacional brasileiro, as medidas adotadas

    eram insuficientes.

    Segundo o referido presidente, o nmero de alunos era des-

    proporcional populao menor de 15 anos e s quantias gastas

    na manuteno das escolas pblicas. Como se v, segundo o

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    relatrio os pfios resultados obtidos deviam-se falta de cuida-

    dos dos pais em relao instruo primria dos filhos, ao no

    interesse dos mestres em ver aumentado o nmero de seus alu-

    nos e grande quantidade de escolas particulares, cuja qualida-

    de de ensino e a moralidade dos mestres no podiam ser garan-

    tidas, por no estarem submetidas inspeo do governo.

    Em 12 de agosto de 1834, o Ato Adicional Constituio de

    1824 determinou, por meio de seu artigo 8o, a instalao de As-

    semblias Provinciais e incluiu entre suas atribuies legislar so-

    bre a instruo primria. Atendendo a essa determinao e bus-

    cando organizar no apenas a instruo elementar pblica, mas

    tambm a particular na Provncia de Minas Gerais foi sancionada

    em abril de 1835 a Lei no 13.

    Esta lei trouxe a pblico, por meio da legislao provincial,

    algumas determinaes que j haviam sido anunciadas para todo

    o Imprio mediante a lei de 1827. Entretanto, ela estabelecia de

    forma mais detalhada as bases para o funcionamento do ensino

    primrio. A publicao da lei n 13 e, no ms seguinte, a do

    Regulamento n 3, cujas determinaes na execuo da lei, de-

    ver-se-iam observar, tinha por objetivo, como o dissemos, orga-

    nizar o ensino primrio pblico e particular. Entretanto, era o

    primeiro o principal alvo da regulamentao.

    No perodo histrico investigado verifica-se uma interveno

    mais sistemtica, do Estado, na organizao da instruo pbli-

    ca, que se deu em todos os aspectos da instruo primria. Es-

    sas intervenes foram feitas no sentido de ampliar o nmero de

    escolas pblicas de primeiras letras, de regulamentar o proces-

    so educativo escolar e deslocar as formas anteriores de educar

    e instruir as novas geraes.

    H que se mencionar ainda a crescente importncia conferida

    habilitao dos sujeitos que se ocupariam da formao das

    novas geraes, quais sejam os professores. Bem como a preo-

    cupao, demonstrada por intelectuais e polticos, com a intro-

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    Marcilaine Soares Incio

    duo de novos mtodos de ensino que procuraram romper

    com o modelo do ensino individual. Todas essas questes con-

    vergem na afirmao do modelo escolar de transmisso de co-

    nhecimento no perodo investigado.

    Diante da magnitude do processo de organizao do ensino

    de primeiras letras no poderamos negligenciar o fato de que a

    influncia da instituio escolar se fez sentir, l onde ela no exis-

    tia ou por aqueles que no a freqentaram. Conforme Faria Filho

    (2002) a ao escolar fez-se sentir alm de seus muros, irradian-

    do para o conjunto da sociedade. Tal reflexo mostrar-se extre-

    mamente pertinente para discutirmos a importncia dos exames

    pblicos dos alunos de primeiras letras no perodo investigado.

    O reconhecimento do fato de que a escola produz a socieda-

    de, de que a escolarizao tem um impacto direto ou indireto

    no conjunto da vida social nos leva a reconhecer tambm que a

    escola tanto produto quanto produtora da sociedade como

    um todo. O que importa estudar, em ltima instncia, como

    este fenmeno se d em suas mltiplas facetas em tempos e

    espaos determinados. A tal tarefa me debruarei a seguir dis-

    cutindo os exames pblicos de alunos.

    Os examespblicos de alunos

    O exame dos alunos e alunas das escolas de primeiras letras

    de Minas Gerais era um acontecimento pblico e solene que

    movimentava as vilas e as cidades, mobilizava os professores,

    os alunos(as), as famlias, as autoridades locais, algumas vezes

    visitadores e a imprensa. Em 21 de julho de 1830, as alunas de

    primeiras letras da Vila de So Joo fizeram um exame pblico.

    Vejamos o oficio que informou ao governo provincial as circuns-

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    tncias do mesmo:

    Luiz Joaquim Nogueira da Gama, Cavaleiro da Ordem de Christo, eJuiz de Paz Suplente do Curato desta Villa.

    Attesto de baixo de juramento, que assitindo, na conformide

    da Re-soluo do Ex.mo Conselho do Gov.o de 14 de Abril de 1828, aoexame publico, que no dia 17 do mez de Junho prox.o p.o em a Salada Cmara fez a Snra D. Policena Tertuliana da Oliveira suas Disc-pulas, que ai concorrero em n

    de 69, observes, que em todo aque-le acto reinou o maior respeito, seried.e e que todas as Meninasaprezentaro gr.de adiantamento, mui pricipalm.e as cinco Monitoras,que pelo acerto e promptido, com q respondero aos differentespontos de Gramatica Brasileira, e Doutrina Christ, lendo, escreven-do, e contando com muito dezembarao, se fazem dignas de elogi-os, e no menos sua digna Mestra, que satisfatoriam.te prehenche osdeveres do seu Magistrio.

    E para constar onde convier passei a prezente de minha letra efirmo.

    Villa de S. Joao 21 de Julho de 1830.

    Luiz Joaquim Nogueira da Gama (SP PP 1/42 cx.01 env. 34)

    Conforme se v no oficio acima, a professora e as alunas eram

    dignas de elogios, pois atenderam s expectativas do juiz de paz

    que presidiu os exames. Nos ofcios que encontramos, o profes-

    sor sempre cumpre o seu dever e os alunos provam que apren-

    deram o que lhes foi ensinado. Mas algumas vezes levava-se ao

    conhecimento da presidncia da provncia os obstculos que

    impediam maiores progressos da instruo pblica. Em 27 de

    maio os alunos de Minas Novas foram submetidos a exame. O

    juiz de paz aps assistir aos exames escreve ao governo que os

    alunos se mostraro quazi todos mais adiantados em doutrina

    e arithmetica que na leitura e escrita. Aps o exame, o juiz pro-

    curou saber o motivo da falta de adiantamento na leitura e escri-

    ta e foi informado pelo professor que a pobreza de muitos pais e

    educadores no lhes permitia comprar papel para os meninos

    (SP PP 1/42 cx. 05 env. 47).

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    Marcilaine Soares Incio

    Os indcios apontam para o fato de que os mapas1 de esco-

    las, fontes documentais privilegiadas neste captulo, foram ela-

    borados pelo professores com base nas informaes recolhi-

    das na ocasio dos exames pblicos. A veracidade das informa-

    es prestadas atestada pelo juiz de paz. No final do mapa

    elaborado pelo professor Herculano Ferreira Penna em 1o de

    novembro de 1831, encontramos a observao seguinte do Juiz

    de Paz:

    O Doutor Joaquim Jos da Silva Brando Juiz de Paz da Freguesiado Ouro Preto.

    Attesto que este mapa esta conforme o livro de matricula e que oProfessor Herculano Ferreira Penna tem cumprido exactamente asobrigaes do Magistrio (SP IP 3/2 cx.01 env. 04).

    Os ofcios e os mapas de escolas produzidos por ocasio de

    um mesmo exame esto sob a guarda do Arquivo Pblico Mi-

    neiro, porm em fundos diferentes2, o que dificulta a localizao

    do oficio e do mapa da escola. Algumas vezes, encontramos os

    mapas; outras, os ofcios. O caso da escola de primeiras letras

    de Cachoeira do Campo uma exceo. Localizamos o mapa

    da escola e o oficio redigido pelo juiz de paz Bento Joaquim

    Garcez de Almeida, ambos datados de 24 de dezembro de 1830.

    O exame foi realizado no dia 20 do mesmo ms.

    Bento Joaquim Garcez de Almeida Frant Cavalleiro da ordem de S.Bento de Assis Sarg.to Mor Refformado do 2o Regim.to de Cavallariade 1a linha do Exercito, e Juiz de Paz da parochia de N. Sra daNazareth da Cachor.a do campo

    Attesto que no dia 20 deste presente mez, O proffessor PublicoAntonio da Silva Diniz, fez o exame marcado pela Ley, ao qual as-siste, e achei terem os Alunos bastante aproveittamento pois foroarguidos em principios da Religio Catholica Apostolica Romana,Gramatica Nacional, Arithmetica, Ler, escrever, dividiro silabas; efinalizou-se com varias reflexes, acerca da Constituio; que tudom.to saptisfez, a todos os assistentes. O referido he verd.e; e por meser pedida (palavra ilegvel),que juro debaixo do juramento do meu

    1. Os mapas so uma es-pcie de levantamento fei-tos pelo professor e envia-dos presidncia da pro-vncia para informar aquantidade de alunos quefreqentavam a escola,suas idades, quando entra-ram na escola, quem era opai ou responsvel e oscontedos que j domina-vam.

    2. Todo o material per ten-ce Seo Provincial(SP), no entanto os mapasso par te constituinte dofundo de Instruo Publica(IP) e os ofcios esto nofundo da Presidncia daprovncia (PP), na par terelativa instruo pbli-ca (1/42).

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    Cargo. Cachor.a do Campo 24 de Dezembro de 1830

    Bento Joaq.m Garcez de Almeida (SP PP 1/42 cx. 01 env. 38)

    O ofcio do juiz de paz tem um adendo feito pelo professor.

    Estes Alumnos foram arguidos em as materias sequintes: Principiosda Nossa Religio - Arithmetica - Grammatica Nacional - Escrever,Ler - Soletrar Nomes, e dividir as sylabas destes = Sylabas = eConstituio do Imperio.

    Cachoeira do Campo 24 de Dezembro de 1830

    Antonio da Silva DinizProfessor Publico Nacional

    A visibilidade dada aos exames pblicos de alunos na cena

    social parece ser uma forma de conquistar a adeso da popula-

    o mineira proposta de expanso do ensino pblico e aos

    valores a ela vinculados. O jornal O Universal, que esteve

    engajado do projeto de criao de um sistema pblico de ensi-

    no, algumas vezes deu notcias destes exames, transcrevendo

    trechos dos discursos proferidos na ocasio. Estes discursos,

    assim como sua reproduo e circulao nas pginas do jornal,

    do a ver um esforo de produo da legitimidade do ensino

    elementar pblico.

    Discurso recitado pela professora de primeiras letras da Vila deBarbacena, D. Rachel Speridiana Laurentina do Bom Sucesso.

    Senhores. Narrar-vos a importncia deste ato para que ns congre-gamos, seria uma indesculpvel temeridade, a que me arrojaria navossa presena, onde s me cumpria o silencio a tal respeito, e porconseguinte s me limitaria a darvos conta dos meus pequenostrabalhos, filhos dos ardentes desejos, que tenho de desempenharos sagrados deveres a que me acho ligada.

    Eu sinto profundamente, que eles no possam ser apresentadosduma maneira mais digna de vs e satisfatria a mim, e que asminhas caras alunas no estejam adornadas de todos os conheci-mentos recomendados pela lei provincial N 13, mas vossa imparci-alidade, e luzes, me desculparo neste primeiro ensejo onde ape-nas podem aparecer os princpios da instruo primria.

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    Marcilaine Soares Incio

    Vs sabeis srs. Que o sistema de ensino adotado nas escolas, eordenado pela sabedoria da Assemblia Provincial, criado em umsculo das luzes, de humanidade, difere em todos desses sistemas,que nos legou a barbaridade dos tiranos: nas primeiras reina a ale-gria, e felicidade, ao mesmo tempo que nas outras existe o cons-trangimento e o enojo. fundada nestes slidos princpios sociais,que eu procurei no ser um objeto de terror para as minhas peque-nas amigas: interessa muito que a instruo seja sempre acompa-nhada do prazer e proporcionada ao grau de fora e de intelign-cia, varivel, como a mobilidade da infancia, e graduada de manei-ra, que os conhecimentos de um fato ou a aquisio de uma idiapreparem o esprito para receber sucessivamente outras novas.Repartidas pois, em classes, eu as apresento para exame, a queme propuz, nele por certo no reluziro os conhecimentos prti-cos, e nem rpidas respostas, mas acreditai-me, que me esforareiproporcionalmente em propagar a civilizao geradora da honra,virtudes e dos prazeres. Possam meus esforos merecer vossa con-templao! Possam as idias polticas e religiosas, que lhes tenhoinspirado, no se apagar jamais em suas tenras almas.

    Viva a Nossa Santa Religio.

    Viva a Constituio com suas reformas.

    Viva o Jovem Imperador.

    Viva a Assemblia Provincial Mineira.

    Viva S. Excia. O Presidente da Provncia.

    Viva o delegado do 8o Crculo Literrio (O Universal, 21/10/1835).

    Na ocasio dos exames, pode-se colocar em dvida o traba-

    lho do professor, outras vezes justificar o pouco progresso dos

    alunos pela pobreza ou pouco cuidado dos pais em mandar

    seus filhos para a escola. Contudo, em nenhum momento ques-

    tiona-se a importncia da instruo para a regenerao dos cos-

    tumes e para o aperfeioamento das condutas:

    [...] Mas a despeito desses tropeos, nascidos a mr parte delesdas lacunas da Lei, notamos algum aproveitamento, agora removi-dos esses obstculos, pela nova Lei de 28 de maro de 1835, deve-mos esperar benficos resultados destes estudos primrios basefundamental dos bons costumes e chave essencial de todo Pro-

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    gresso moral; nesta Lei sabiamente decretada e a tanto desejada,nos faz entrever um futuro risonho pelos rpidos mas slidos pro-gressos da instruo da mocidade, e pelos melhoramentos no esta-do moral de nosso povo, porque os primeiros conhecimentos, sejaqual for o estado do homem, so-lhe indispensveis para o trficoda vida.

    [...] da instruo popular, que devemos esperar os melhoramen-tos, ou reformas dos costumes de nossos concidados, dos quaisno existindo entre ns no pequeno nmero de pessoas que muimal sabem, e mesmo algumas, que totalmente ignoram ler, escre-ver, contar, faltando-lhes assim as precisas e verdadeiras noes deMoral e Religio [...] (O Universal, 17/7/1835).

    No segundo quartel do sculo XIX, os exames pblicos de

    alunos nos permitem ver como as relaes sociais em Minas

    Gerais foram permeadas por referncias que tinham a escola ou

    a forma escolar de socializao e transmisso de conhecimen-

    tos como eixo articulador de seus sentidos e de seus significa-

    dos. A visibilidade que se quis dar aos mecanismos internos

    escola, como o caso dos exames, uma das dimenses do

    fenmeno que tem sido chamado de escolarizao do social,

    ou seja, a crescente ampliao da influncia da escola para muito

    alm de seus muros (FARIA FILHO, 2002, p.16-17). A visibilidade e

    a influncia do processo de escolarizao na vida das pessoas

    coloca em cena o fato de que no segundo quartel do sculo XIX

    instalou-se um processo de produo do lugar da escola na

    sociedade da sociedade mineira.

    Os exames pblicos tinham como objetivo declarado obser-

    var os efeitos da escolarizao sobre os alunos. Entretanto, cons-

    tatamos que eles eram uma ocasio importante na qual se exa-

    minavam no apenas os alunos, mas tambm os professores e

    o ensino pblico de um modo geral. No momento do exame

    redigia-se um ofcio pelo juiz de paz ou pelo visitador da escola,

    que era enviado ao governo provincial juntamente com os ma-

    pas de alunos. A solenidade do acontecimento fazia com que se

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    Marcilaine Soares Incio

    premeasse com medalhas, folhetos para leitura e at com rou-

    pas os alunos de melhor desempenho. O professor era elogia-

    do ou criticado conforme o desempenho dos(as) alunos(as).

    Por esses ofcios o governo obtinha informaes sobre o esta-

    do da instruo pblica.

    O lugar que os exames pblicos ocupam na cena social nos

    remete a uma afirmao de Faria Filho, segundo o pesquisador

    na transio de uma sociedade no-escolarizada para uma

    escolarizada, a tenso desta recai sobre a totalidade do social,

    no deixando intocada nenhuma de suas dimenses (FARIA FI-

    LHO, 2002, p.22). Tal tenso pode ser percebida no apenas na-

    quilo que toca diretamente escola, mas tambm ao seu em

    torno. A formalidade das prticas dos exames, de alunos, quer

    dar a ver posies de poder no campo da educao e modos

    de fazer a escolarizao e instituir a escola. Alm disso, no se

    pode deixa de chamar ateno para o fato de que tais prticas

    produzem representaes sociais sobre a escola e o seu lugar

    no mundo social.

    Concluindo, os exames pblicos podem ser includos num

    conjunto de estratgias a que recorreram intelectuais e polti-

    cos, dirigentes provinciais ou no, para produzir a legitimidade

    das prticas educativas escolares devido s amplas atribuies

    a elas conferidas no movimento de estruturao do Estado Na-

    cional brasileiro no segundo quartel dos Oitocentos.

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    Referncias

    DUARTE, Regina Horta. Noites circenses: espetculo de circos e teatros emMinas Gerais no sculo XIX. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

    FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Escolarizao, cultura e prticas escolaresno Brasil: elementos tericos metodolgicos de um programa de pesquisa. In:LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (orgs.). Disciplina e integraocurricular: histria e polticas. Rio de Janeiro: DP& A, 2002, p.13-35.

    ______.Instruo elementar no sculo XIX. In:500 anos de educao no Brasil.LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, CynthiaGreive(org.).Belo Horizonte: Autntica, 2000, p.135-150.

    ______.SALES, Zeli Efignia Santos de. Escolarizao da infncia brasileira acontribuio do bacharel Bernardo Pereira de Vasconcelos. In: FREITAS, MarcosCezar; KUHLMANN JR., Moyss (Org.). Os intelectuais na histria da infncia.SoPaulo: Cortez, 2002, p.245-265.

    MATTOS, Ilmar Rohloff de. Tempos de Saquarema. Rio de Janeiro: Acces, 1994.

    MOURO, Paulo Krger Corra. O ensino em Minas Gerais no tempo do Imprio.Belo Horizonte: Centro Regional de Pesquisas Educacionais, 1959.

    ATO Adicional de 12 de agosto de 1834. In: DANTAS JUNIOR, J.da O. Asconstituies do Brasil. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1937.

    CONSTITUIO poltica do Imprio do Brasil. In: DANTAS JUNIOR, J.da O. Asconstituies do Brasil. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1937.

    IMPRIO BRASILEIRO. Lei Imperial de 15 de outubro de 1827

    MINAS GERAIS. Instruo Pblica. Correspondncias recebidas pela Presidnciada Provncia (1823-1852) SP PP 1/42 caixas 1 e 5.

    O UNIVERSAL. Ouro Preto. 1825-1842. Hemeroteca Pblica de Belo Horizonte.

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    Marcilaine Soares Incio

    O ENSINO DE PRIMEIRAS E A AVALIAO DA APRENDIZAGEM EMMINAS GERAIS NO SCULO XIX (1825-1852)

    Este artigo focaliza o processo de organizao do ensino pblico e deescolarizao da populao mineira no segundo quartel dos Oitocentos,relacionando-os construo do Estado Nacional, necessidade degarantir a ordem e ao discurso civilizatrio. Discute-se a atuao dosgrupos interessados na instruo das camadas pobres da populao,problematizando os limites estabelecidos e os obstculos que secolocaram a esta escolarizao. Analisam-se os exames pblicos dealunos como uma das estratgias, adotadas pelos intelectuais e polticosprovinciais para produzir a legitimidade das prticas educativasescolares no perodo focalizado.

    Palavras-chave: processo de escolarizao; instruo elementar; examepblico

    Resumo

    AbstractELEMENTARY TEACHING AND LEARNING APPRAISAL IN MINASGERAIS IN THE 19th CENTURY (1825-1852)

    This article focuses on the public teaching organization and educationprocesses of Minas Gerais population on the second half of the 1800s,by relating them to the construction of the National State as well as to theneed of assuring order and the civilizing speech. It discusses theperformance of groups interested in the education of poor populationlayers, thus questioning the established limits and the obstacles that wereimposed to such education process. Public examinations applied tostudents are therefore analyzed as one of the strategies adopted theprovincial intellectuals and politicians towards legitimating the educationpractices applied during the period under study.

    Key words: education process; elementary teaching; publicexamination.

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    O ensino de primeiras e a avaliao da aprendizagem em Minas Gerais no sculo XIX (1825-1852)

    RsumLENSEIGNEMENT DE PREMIRES ET LVALUATION DELAPPRENTISSAGE AU MINAS GERAIS PENDANT LE XIXME SICLE(1825-1852)Larticle focalise les processus dorganisation de lenseignement public etde scolarisation de la population mineira (relatif ltat du Minas Gerais)pendant le deuxime quart du XIXme sicle en les mettant en rapportavec la construction de ltat National, avec le besoin de garantir lordreet avec le discours civilisateur. On discute ici laction des groupesintresss par lducation des couches pauvres de la population ; oninterroge ainsi les limites qui ont t tablies et les obstacles qui ont timposs ladite scolarisation. On analyse les examens publics faits parles lves comme des stratgies adoptes par les intellectuels et lespoliticiens provinciaux afin de produire la lgitimit des pratiquesducationnelles pendant la priode focalise.

    Mots-cls: processus de scolarisation; enseignement fondamental;examen public.