engenho santana

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A resistência negra à imposição de um regime escravista. Através de cartas é possível resgatar a luta dos escravos do Engenho Santana rebelados contra o "patrão", exigindo pontualmente melhorias nas condições de tratamento e trabalho, construindo eles próprios, os limites à sua escravidão.

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  • Pag. 1

    PROJETO DE PRODUO DE MATERIALDIDTICO LAHIGE - UESC

    VIAGEM AO ENGENHODE SANTANAElaborao: Teresinha Marcis

    Editora da UESC

  • Pag. 2

    M313 Marcis, Teresinha. Viagem ao Engenho de Santana / Teresinha Marcis. - Ilhus: Editus, 2000. 86p.

    1.Engenho de Santana - Histria 2. Engenhos - Ilhus-(Ba) - Brasil - Histria. 3. Brasil - Histria - Capitaniashereditrias. I. Ttulo.

    ISBN-85-7455-016-7 CDD-981.425

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA

    CSAR BORGES - GOVERNADOR

    SECRETARIA DE EDUCAO

    ERALDO TINOCO MELO - SECRETRIO

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

    RENE ALBAGLI NOGUEIRA - REITORA

    MARGARIDA CORDEIRO FAHEL - VICE-REITORA

    PROJETO GRFICO:ADRIANO LEMOS

    CAPA E ILUSTRAO:CRISTIANO MAIA

    2000 by TERESINHA MARCIS

    Direitos desta edio reservados EDITUS - EDITORA DA UESC

    Universidade Estadual de Santa CruzRodovia Ilhus/Itabuna, km 16 - 45650-000 Ilhus, Bahia, Brasil

    Tel.: (073) 680-5028 - Fax (073) 689-1126http://www.uescba.com.br e-mail: [email protected]

    EQUIPE EDITUSDDDDDIRETORAIRETORAIRETORAIRETORAIRETORA DADADADADA E E E E EDITORADITORADITORADITORADITORA: MARIA LUIZA NORA; CCCCCOORDOORDOORDOORDOORD. . . . . DEDEDEDEDE D D D D DIAGRAMAOIAGRAMAOIAGRAMAOIAGRAMAOIAGRAMAO: CRISTIANO MAIA;

    DDDDDESIGNESIGNESIGNESIGNESIGN G G G G GRFICORFICORFICORFICORFICO: ADRIANO LEMOS; C C C C COORDOORDOORDOORDOORD. . . . . DEDEDEDEDE A A A A ARTERTERTERTERTE-F-F-F-F-FINALINALINALINALINAL: GEORGE PELLEGRINI;SSSSSUPERUPERUPERUPERUPERVISOVISOVISOVISOVISO DEDEDEDEDE P P P P PRODUORODUORODUORODUORODUO: MARIA SCHAUN; RRRRREVISOEVISOEVISOEVISOEVISO: MARIA LUIZA NORA, DORIVAL DE

    FREITAS; CCCCCOORDOORDOORDOORDOORD. . . . . DEDEDEDEDE P P P P POLTICAOLTICAOLTICAOLTICAOLTICA E E E E EDITORALDITORALDITORALDITORALDITORAL: JORGE MORENO

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    Agradecimentos ,

    Moradores do povoado do Rio do EngenhoSenhora Alice MaranhoEquipe LAHIGEProfessores do curso de Histria da UESC

    E especial Ivaneide Almeida, pelo acompanhamento integrale elaborao deste trabalho e professor MarceloHenrique pelos debates sobre o texto.

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  • Pag. 5

    Sumrio

    Apresentao ........................................................................................7Localizao do povoado do Rio do Engenho .......................................9

    1 - O Comeo da histria do Engenho de Santana .............. 11Capitanias Hereditrias .......................................................................15A Sesmaria de Mem de S ..................................................................18

    2 - Por que um engenho em terras to distantes? ................ 21Engenhos de acar no Brasil e naCapitania de So Jorge dos Ilhus ......................................................22Representao de um engenho movido a energia hidrulica ..............23

    3 - Ento, mos-a-obra! - e quem trabalha? .......................... 27Relao colonos e nativos: dominao e resistncia ...........................28A presena indgena no Engenho de Santana ....................................35Fugas e levantes de indios do Engenho de Santana ............................36

    4 - O Engenho de Santana: Propriedade dos jesutas ......... 41

    5 - O trabalho escravo do negro africano ............................. 43O trabalho na produo do acar ......................................................45Transportando o acar .......................................................................48

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    6 - Vida e morte nas senzalas do Engenho de Santana:O cotidiano dos escravos no tempo dos jesutas ................... 51A senzala .............................................................................................52Escravo: trabalho a qualquer custo .....................................................53Permisso para cultivar suas prprias plantaes:incentivo ou estratgia dos senhores de engenho ...............................55Vesturio e alimentao ......................................................................58Vida familiar .......................................................................................60Trabalho exaustivo, sade debilitada .................................................61Nascimento e morte ............................................................................62

    7 - Novos proprietrios do Engenho de Santana ea rebelio dos escravos ........................................................... 65Carta escrita pelos escravos do Engenho de Santana ..........................67O Significado histrico da carta .........................................................70Novo proprietrio, nova rebelio ........................................................71

    Consideraes finais ...........................................................................75Maiores informaes ..........................................................................77Glossrio .............................................................................................83Bibliografia .........................................................................................85

  • Pag. 7

    O livro "Viagem ao Engenho de Santana " fruto do projetode produo de Material Didtico sobre temas de Histria Regionaldo LAHIGE. O presente trabalho revela ao pblico em geral, mas,especialmente aos estudantes e professores do ensino regular, as-pectos poucos conhecidos da formao histrica da regio cacaueira,de um passado que durante muito tempo permaneceu distante pelafalta de material e pesquisas que ultrapassassem os limites do scu-lo XX e a produo do cacau.

    A escolha do tema, um engenho de acar, se justifica pelaimportncia dos acontecimentos que marcaram todo o desenvol-vimento regional, que se inicia com a chegada dos colonizadorese se constri sobre os territrios dos povos nativos, desconsideradosna definio do novo modelo de apropriao das terras: na Capita-nia de So Jorge do Ilhus e as sesmarias doadas para pessoasricas e influentes para a implantao dos engenhos de acar.

    O contedo est organizado seguindo uma ordem cronol-gica dos acontecimentos relacionados direta ou indiretamente aoengenho. Aborda a chegada dos portugueses e a ocupao das ter-ras; o modelo de colonizao adotado, focalizando a Capitaniadoada a Jorge de Figueredo, a doao da sesmaria a Mem de S,que implantou o Engenho de Santana em 1537.

    Estes fatos so contextualizados, apontando suas influnci-as na vida dos povos indgenas, especialmente dos Tupiniquim eAimor. Aborda as estratgias de dominao e utilizao dos in-dgenas para o trabalho nos engenhos, bem como as lutas e resis-tncias histricas destes povos. Vale ressaltar a transcrio da car-

    Apresentao

  • Pag. 8

    ta de Mem de S sobre a Batalha dos Nadadores e os levantes dendios ocorridos no Engenho de Santana .

    A histria do engenho continua e, no perodo em que foipropriedade dos padres jesutas possvel reconstituir um poucodo cotidiano dos escravos do engenho.

    Um acontecimento marcante, a histrica rebelio dos escra-vos, que em 1789 ocuparam o engenho, e escreveram uma cartade reivindicao para negociar o retorno ao trabalho. Esta carta,se constitui num importante documento histrico, pois revela osescravos como agentes histricos, que resistindo explorao pro-curam negociar melhores condies de vida e trabalho.

    O livro traz, tambm, muitas imagens que contribuem parailustrar aspectos do texto e como elemento de reflexo para pro-fessores e alunos. Os documentos tambm so parte integrante dolivro, visando estimular a pesquisa de fontes primrias e proporci-onar uma leitura crtica dos mesmos, mais de acordo com o con-texto atual.

    A concluso do trabalho apresentada como desafio paranovas pesquisas que aprofundem a leitura dos acontecimentosregistrados e de outros aspectos que ainda necessitam de maioresinformaes.

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    Localizao do povoado doRio do Engenho

    O que hoje um tranqilo povoado j foi sedede um grande engenho de acar pertencente

    a Mem de S, o terceiro Governador Geral do Brasil.Prof. Arlo Barbosa

    Povoado Rio do Engenho

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    Eu no posso nem assistir a novela na hora emque esto maltratando os escravos. Fico me lem-brando do que minha madrasta contava. As pes-soas eram muito carrascas naquela poca. E pen-sar que tudo o que a novela mostra aconteceumesmo por aqui.

    Fala da senhora Estelina, 71 anos, moradora mais antiga do povoado do Riode Engenho, se referindo novela de poca, "Fora de Um Desejo" , daGlobo. Dona Estelina ouvia muitas histrias que sua me de criao e ex-dona de cativeiro contava.

    Esse lugar hoje est muito diferente. Quando eu era pe-quena o rio tinha cachoeiras, no outro lado tinha a casade farinha e serraria. Aqui, (apontando para o incio dascasas), era uma grande olaria. Hoje ainda se encontramuitos pedaos dos tijolos.As mulheres ganhavam a vida lavando roupa. Eu mesmofui lavadeira..

    Depoimento de dona Laura, 63 anos, moradora do povoado.

    Aqui era tanta gua que se pescava de rede dearrasto. Quando colocava os peixes na canoa,tinha de remar em p porque no sobrava espaopara sentar.

    Seu Balbino, conhecido como Roxinho, pescador, nascido em Olivena.Casado com dona Laura, mora h 10 anos no local, mas j o conhece delongas datas.

    Estelina, Amlia e Cleonice

    Balbino - morador

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    22 de abril de 1500, data histrica da chegada da es-quadra portuguesa, comandada pelo Almirante Pedro lva-res Cabral, na costa das terras do Brasil.

    O Comeo da histria doEngenho de Santana

    Desembarque de Cabral em Porto Seguro - Oscar da Silva

    1

    O quadro de Os-car Silva representa odesembarque dos por-tugueses na baa dePorto Seguro. Ele re-trata o encontro entredois povos diferentes:os nativos e os portu-gueses recm-chega-dos. Estes ltimos ti-nham armas, caravelase atravessaram o oceano movidos pela busca de riquezas.

    Embora um pouco decepcionados por no encontraremlogo ouro e prata, o que valorizaria mais o achado, os recm-chegados tomaram posse da terra em nome do rei de Portu-gal. Assim, a terra, a fauna e a flora e os povos nativos foramtransformados em "propriedade" da Coroa Portuguesa.

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    Durante um perodo de trinta anos aps a chegadade Cabral, naus portuguesas saam dos portos de Lisboaem direo ao Brasil, com a finalidade de explorar as ri-quezas naturais e tambm garantir a posse da imensa costabrasileira.

    Como Portugal detinha o monoplio comercial dosprodutos de suas colnias, combatia os outros europeusque tambm promoviam viagens de explorao.

    Muitas frotas, portuguesas ou no, chegavam e logosaam carregadas de pau-brasil, macacos, sagis, papagaiose at ndios para serem vendidos como escravos na Europa.

    Ataque a corsrio - livro de Hans Staden

    Em 1531, uma frota portu-guesa capturou uma nau francesa,chamada Peregrina. Encontraramnos pores:

    15 mil toras de pau-brasil, trs mil pe-les de ona, 600 papagaios e 1,8 tone-ladas de algodo alm de leos medi-cinais, pimenta, sementes de algodoe amostras de minerais. (Citado porBUENO, 1998, vol. II, p. 108-109).

    Assim, at 1530, o mapa do Brasil era representado pelaexplorao dos recursos naturais, com utilizao intensa dotrabalho dos nativos no corte e carregamento da madeira e na

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    caa de animais. Os prprios nativos, queos europeus denominaram de ndios, tam-bm eram transformados em mercadori-as, vendidos como escravos na Europa.

    A coroa portuguesa, apesar doimenso Imprio colonial e do monopliocomercial, via sua economia se tornarcada vez mais fraca: alm do luxo da cor-te, os custos das guerras para manuten-o do imprio drenavam os altos lucrosobtidos pela explorao das colnias. Ou-tros europeus, principalmente Inglaterrae Frana, combatiam o monoplio portu- Mapa do Brasil de 1519gus e a legalidade do Tratado de Tordesilhas.

    Em 1494, o papa Ale-xandre VI e os reis dePortugal e Espanhaassinaram um tratadoque dividia as terras,"descobertas ou adescobrir" entre osdois reinos. Portugalficou com a parte doOriente, fonte das va-liosas especiarias ecom a parte do litoraldo Brasil.

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    A queda dos lucros, a necessidadede aumentar os gastos de guerra para ga-rantir a posse das colnias e o crescenteinteresse de outros pases de tambmocuparem as terras do Brasil, levaram ogoverno portugus a tomar medidas paraa colonizao efetiva.

    Para tal empreendimento, adota-ram um modelo j experimentado nascolnias portuguesas da frica. As ter-ras do Brasil foram divididas em 15 gran-des lotes, chamados capitanias e doadasa 12 pessoas abastadas do reino. Essadiviso teve como base marcos geogr-

    Mapa das capitanias

    ficos, embora pouco definidos, mas desconsiderando com-pletamente as diversas naes indgenas que habitavam o li-toral e o Interior. Inicia-se assim o sistema das CapitaniasHereditrias.

    Fonte: Brasil 500 anos

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    Capitanias Hereditrias

    Carta de doao da Capitania de So Jorge dos Ilhuspelo rei D. Joo III Jorge de Figueredo

    1534: A quantos esta minha Carta virem fao saber queconsiderando eu quanto servio de Deus e meu, pro-veito e bem de meus Reinos, e senhorios, e dos naturaessubditos deles, e ser minha Costa, e terra do Brasil maispovoada de que de agora foi assim para se nele haverde celebrar o culto, e Ofcios Divinos (...) e provocar aela os naturaes, e sditos deles de se a dita terra povo-ar e aproveitar, houve por bem de mandar repartir eordenar em capitanias de certas em certas lguas paradelas prover aquelas pessoas, que bem me parecessem,pelo qual resguardando eu os muitos servios que Jor-ge de Figueredo Corra, fidalgo de minha Casa e es-crivo de minha Fazenda, a mim me tem feito; (...) poresta presente Carta fao merc, e irrevogvel doao(...) segundo adiante ir declarada de cincoenta l-guas de terra da dita Costa do Brasil e que comea-ro na ponta da Bahia de Todos os Santos da banda doSul, e correro ao longo da Costa (...) quanto coubernas cincoenta lguas, (...) e entraro na mesma largu-ra pelo serto (...) (BARBOSA, 1987, p. 33).

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    No documento est escrito queo Rei de Portugal o dono de todas asterras do Brasil e registra a doao deum imenso lote de terra ao fidalgo dacorte Jorge de Figueredo. A capitaniadoada media o equivalente a 450 kmde largura na costa e no interior. Mes-mo no estando muito claros os mar-cos que identificam os limites da cita-da capitania, possvel deduzir, pelosmapas atuais, que iniciava-se no rioJaguaripe ou no Jequiri, ao sul dailha de Itaparica e estendia-se at o rioGrande, atual Jequitinhonha, segundo

    relato de Gabriel Soares de Sousa em seu Tratado Descritivodo Brasil, em 1587.

    O documento aponta as obrigaes dos capitesdonatrios: tinham de fundar vilas e implantar fazendas,tornar as terras produtivas e lucrativas, alm de defend-las contra os povos estrangeiros ou nativos que se opuses-sem aos interesses da Coroa Portuguesa.

    Jorge de Figueredo Corra, capito-donatrio da capi-tania de "So Jorge dos Ilhos", era escrivo da FazendaReal e um dos homens mais ricos de Portugal.

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    Marco da Capitania de SoJorge dos Ilhus

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    Jorge de Figueredo no saiu da corte para to-mar posse da capitania, designando FranciscoRomero como seu lugar-tenente ou representan-te. Romero, comandando a primeira armada, com-posta por trs naus, chegou nas terras da capitaniadepois de longa viagem sem contratempos natu-rais. Vieram muitos homens, cerca de 250, instru-mentos de guerra e de lavoura e o necessrio parasobreviverem os primeiros tempos. (ROCHAPOMBO, vol. I. 1953 - p. 144).

    Braso de Jorge deFigueredo Corra

    Desembarcaram na ilha de Tinhar, prximo aBoipeba; ergueram um forte na localidade de Morro deSo Paulo e iniciaram a explorao das terras. Logo encon-

    Aparentemente, esta gravura de Rugendas, de 1835,intitulada "Colnia em Ilhus", representa o espao geogr-fico da atual praia do Pontal onde se v ao fundo o Morro dePernambuco.

    traram outro lugar que fi-cava em uma pennsula, en-tre quatro ilhus edesaguadouro de rios noAtlntico. Esse local pos-sibilitava fceis aes dedefesa e excelente ancora-douro.

    A fundaram a Vilade So Jorge que se tornoua sede da Capitania de SoJorge dos Ilhus.

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    A Sesmaria de Mem de S

    Jorge de Figueredo, apesar de muito rico, buscou as-sociar-se a outras pessoas influentes para investir na pro-duo de acar. Assim, distribuiu sesmarias, que eramgrandes extenses de terras e alguns privilgios para o pro-prietrio ou sesmeiro. O tesoureiro-mor Ferno lvares deAndrade (o donatrio da Capitania do Maranho) recebeuuma sesmaria; outra foi doada ao rico banqueiro de origemflorentina, Lucas Giraldes, cuja famlia enriquecera com otrfico de especiarias do Oriente; e outra para Mem de S,futuro terceiro Governador Geral do Brasil.

    A sesmaria de Mem de S media o eqivalente a 10Km de largura e 6,30 km de comprimento. Localizava-ses margens do rio Santana, atualmente conhecido como riodo Engenho. O documento de doao deixa claro a inten-o de implantar engenhos de acar nas terras do Brasil:

    Digo eu Jorge de Figueredo Correia, por este meu assi-nado, que dou ao senhor Mem de S uma lgua e maismeia de largura e uma lgua de comprido na minhaCapitania do Brasil, com todas as guas, que nestaterra se acharem, para ele fazer todos os engenhos deassucar que quizer; de que me pagar de cada enge-

    nho uma arroba de assucar de cinco em cada um ano...(Citao em MONTEIRO, 1999, p.12).Mem de S

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    Mem de S no chegou a visitar sua posse, mas man-dou erguer logo um engenho de acar denominado deSantana. Foi um engenho de grande porte, movido a energiahidrulica e utilizando extensa mo-de-obra escrava. Sua ca-pacidade de produo chegava a 10 mil arrobas de acaranuais.

    O Engenho de Santana foi o centro econmico da Capi-tania durante sculos, sendo considerado um modelo para osfazendeiros da regio.

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    O consumo do acar, antes uma rara especiaria do Ori-ente, se tornava cada vez mais popular na Europa.

    Comerciantes portugueses, responsveis pelapopularizao do consumo, impulsionavam as plantaes de cananas Ilhas da Madeira e So Tom, ento colnias na frica.

    Por que um engenho emterras to distantes?2

    Moenda rstica - Debret

    O acar era produzido em engenhos de pequeno, m-dio e grande porte, que representavam o potencial de produ-o e investimentos necessrios. Os pequenos, tambm cha-mados de engenhocas, eram movidos por fora animal ouhumana. Os grandes, denominados engenhos reais, eram mo-vidos a energia hidrulica.

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    Engenhos de acar no Brasil e na Capitania deSo Jorge dos Ilhus

    No Brasil, o acar foi o principal produto que impul-sionou a colonizao e definiu o modelo agrcola: amonocultura para exportao, cultivada em latifndios e comutilizao intensa de mo-de-obra escrava.

    Fonte: Dados de MAURO, Frderic, 1960 -citado por Scharwtz, 1988, p. 148.

    Na Bahia foram construdos v-rios engenhos de grande porte. Na Ca-pitania de Ilhus existiam oito enge-nhos em 1560-64, perodo que esta per-tenceu ao sesmeiro e proprietrio de en-genho, Lucas Giraldes, (CAMPOS, p.54 -55). A tabela ao lado comprovaum perodo de boa fase do acar naCapitania e o declnio por volta de 1583com registro de apenas 03 engenhos.Verifica-se uma tentativa de recupera-o em 1612, mas com visvel retrao a partir de 1629. Em1724, existia apenas o Engenho de Santana nas terras da Ca-pitania de Ilhus.

    A instalao de um engenho no Brasil exigia um altoinvestimento, uma vez que era necessrio trazer de fora to-dos os equipamentos. Devido ao alto custo de implantao,pequenos agricultores no tinham condies de construir seus

    Nmero de Engenhos naCapitania de Ilhus, 1570-1629

    Ano N engenhos

    1570 08

    1583 03

    1612 05

    1629 04

    *1724 01

    *Scharwtz, p. 86

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    prprios engenhos, geralmente atuando como fornecedoresde cana aos grandes proprietrios que se tornariam os pode-rosos Senhores de Engenho.

    1. Casa-grande;2. Senzala;3. Casa de Engenho (moendas);4. Capela;5. Casas de empregados livres;

    Representao de um engenho movido a energiahidrulica

    6. Canavial (partidos de cana);7. Curral;8. Reserva florestal9. Roas de subsistncia;10. Rio.

    O Engenho de Santana , segundo documentos histri-cos, se caracterizava como um engenho Real, ou seja, eramovido a energia hidrulica, dotado de instalaes de gran-des dimenses e com grande quantidade de escravos.

    Histria e Vida, tica

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    A ilustrao anterior permite visualizar o complexo deum engenho real semelhante ao Santana, que existiu na loca-lidade registrada na foto abaixo.

    Vista panormica do local onde se localizava o complexo do En-genho de Santana

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    Runas do engenhoAo lado: pedra m, provavelmente dacasa de farinhaabaixo, esquerda: caldeiro de ferro; direita: vestgios do canal construidopara desviar as guas do rio.

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    "O engenho representava uma verdadeira povoao, obri-gando a utilizao no s de muitos braos, como as neces-srias terras de canaviais, de mato, de pasto e de manti-mentos. Com efeito, da casa de engenho, da de moradia,senzala e enfermarias, havia que contar com uns cem colo-nos ou escravos, para trabalharem umas mil e duzentas ta-refas de massap (de novecentas braas quadradas), almde pastos, cercas, vasilhames, utenslios, ferro, cobre, jun-tas de bois e outros animais." (Vitor Viana - Formao Eco-nmica do Brasil, citao em SIMONSEN, 1977, p. 98).

    Engenho - Rugendas

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    A implantao dos engenhos no era nada fcil, exigiamuitos trabalhadores e materiais de cobre e ferro importadosda Europa. Os colonos que aqui chegavam, diante de tantaterra povoada apenas pelos nativos, preferiam ter sua prpriaroa a trabalhar como empregados. Assim, todos esperavamse valer da mo-de-obra dos indgenas.

    A extenso da capitania de So Jorge dos Ilhus ocu-pava reas de pelo menos dois povos: os Aimor e osTupiniquim, (ver mapa na pgina 79), sendo que os

    Ento, mos-a-obra ! -e quem trabalha?

    Encontro com Europeus - Rugendas

    3

    Tupiniquim, que j conheciamo ir e vir dos europeus desde operodo da explorao do pau-brasil, logo perceberam que osrecm-chegados tinham vindopara ficar, recebendo-os comoinvasores de suas terras.

    Os colonos, dotados desuperioridade tcnica, instru-mentos de trabalho e armas, sub-

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    jugaram os Tupiniquim que se tornaram a principal forada colonizao: eles trabalharam nas lavouras de cana eengenhos, atuaram como fornecedores de alimentos e ain-da elementos de defesa contra ataques de outras tribos nati-vas e de europeus interessados na explorao das riquezasdo Brasil.

    Como "pagamento", continuaram recebendo bugigan-gas e alguns instrumentos teis ao trabalho, como machados,anzis e at armas.

    Relao colonos e nativos: dominaoe resistncia

    Subjugados, os Tupiniquim tornaram-se aliados doscolonos portugueses nos primeiros tempos da colonizao,levando a capitania e os engenhos a atingir um perodo deprogresso e lucros. A explorao dos nativos se intensificadevido necessidade crescente de mo-de-obra para acom-panhar o crescimento dos empreendimentos portugueses. Osndios no compreendem a ganncia dos colonos em produ-zir mais do que o necessrio para viver e resistem cada vezmais, recusando os trabalhos forados em troca de bugigan-gas, fugindo para o interior, destruindo plantaes e ame-drontando os colonos.

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    As expedies militares foram, ento, uma das maiseficazes estratgias para garantir a submisso dos ndios e aeliminao dos resistentes. Como exemplo desta atuao nacapitania de Ilhus, citamos o acontecimento a seguir.

    No ano de 1559, os Tupiniquim se revoltaram, cercan-do a vila de Ilhus e paralisando a produo dos engenhos. Acausa da revolta foi o assassinato de um ndio, ficando o as-sassino impune. Os ndios, como vingana, se revoltaram e,segundo Silva Campos (1981, p. 42), chegaram a matar umou dois brancos e atacar uma roa. O mesmo autor deduzque esses foram os nicos atos de vingana dos ndios, po-rm os colonos e demais moradores entraram em pnico, aban-donaram as plantaes e se esconderam na vila de So Jorge,sede da capitania.

    GUERRILHAS, Rugendas

    O prprio Mem de S,proprietrio do Engenho deSantana e Governador Geraldo Brasil comandou o exrci-to que atacou os ndiosrebelados. Aps a campanha,ele escreveu uma carta ao reide Portugal, a qual transcre-vemos para melhor compre-enso do ocorrido.

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    Narrao com base na carta de Mem de S ao rei, cuja transcrio originalconsta na pgina 80.

    Ao receber um recado de que os gentios Tupiniquim da Ca-pitania de Ilhus haviam se rebelados, que mataram muitos cris-tos, destruiram e queimaram todos os engenhos do lugar,sendo que os moradores estavam cercados na vila de So Jorgesem ter o que comer a no ser laranjas, o Governador convocouimediatamente o conselho para planejar o socorro aos colonos.

    Reunindo um exrcito de portugueses e ndios aliados, se-guiram para atacar os Tupiniquim. Quando desembarcaram nasterras de Ilhus j era noite. No caminho encontraram uma aldeiaa distncia de sete lguas da vila. A aldeia situava-se em um altopequeno, todo cercado de gua de lagoas que atravessaram commuita dificuldade. Antes de duas horas da manh chegaram nolocal, destruindo e matando todos que quiseram resistir.

    No caminho para Ilhus foram queimando e destruindo to-das as aldeias. Os sobreviventes se juntaram e seguiram o exrci-to. Mem de S fez ento uma cilada, cercando os ndios, queforam obrigados a buscar fuga nadando no mar. O comandantemandou ento os ndios aliados nadar atrs deles mar a dentrocerca de duas lguas ou 13 Km. L no mar pelejaram de maneiraque nenhum Tupiniquim ficou vivo. Trouxeram todos os corpospara terra, colocando-os ao longo da praia, formando uma fileirade quase meia lgua ... Essa batalha foi denominada como a Bata-lha dos Nadadores.

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    Depois desta batalha, acontecida na praia que tem onome de Cururupe, os ndios sobreviventes se renderam, sendocondenados a pagar os prejuzos. Essa medida representou alegitimao da escravido.

    A capitania, por outro lado, passa por um perodo deprosperidade, atingindo boa produo de acar, o que leva adeduzir, segundo Silva Campos (1981, p. 51), que a alegadadestruio dos engenhos no fra to arrasadora como re-clamaram os proprietrios.

    Tambm como estratgia de "pacificao", ou seja, tor-nar os ndios dceis, submissos e teis ao modelo de civili-zao europeu, a coroa portuguesa escolheu os padres daCompanhia de Jesus para catequizar os ndios brasileiros eformar aldeamentos. Os primeiros jesutas chegaram com oGovernador Geral do Brasil, Tom de Souza, em 1549. Visi-tavam as propriedades dos senhores de engenho, onde prega-vam, batizavam e faziam casamentos.

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    Para formar os aldeamentos, os jesutas recebiam terrase ajuda financeira. Muitos ndios simulavam aceitar a con-dio de convertidos e para escapar do aprisionamento refu-giavam-se nos aldeamentos, onde passavam a conviver comoutros nativos, independente da etnia a que pertenciam. As-sim, tinham aos poucos sua cultura e hbitos naturaisdescaracterizados, devido imposio de novos valores e cos-tumes, de acordo com o modelo europeu de civilizao. Osndios eram ensinados a comer com talheres, vestir roupas,cantar , rezar, e, o mais importante, a trabalhar seguindo adisciplina imposta pelo ritmo da produo comercial.

    Esta ilustrao de Rugendas, 1835, mesmo representando outro tempo e espa-o, apresenta detalhes que indicam um processo de descaracterizao culturaldos ndios. Veja as casas ao fundo, os instrumentos de trabalho e algumaspessoas j trajando roupas, o que contrasta com a naturalidade da nudez dosdemais nativos.

    A postura do padre de professor que est ensinando, talvez como construiruma casa. Observem a presena de negros, pois neste perodo os jesutas tam-bm utilizavam escravos africanos para o trabalho nas suas possesses.

    Aldeia de Tapuias -Rugendas - Bib. Nacional de S. Paulo

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    Cultivavam tambm lavoura de subsistncia, fornecen-do alimentos como farinha, frutos e cereais aos colonos ejesutas; trabalhavam ainda nos engenhos e na confeco deartesanato.

    Assim, os aldeamentos se constituram numa estrat-gia eficaz de dominao dos ndios.

    Manuel da Nbrega visitou algumas vezes a capitania,mas os primeiros aldeamentos dos jesutas foram iniciadosnas terras de Camamu e Tapero, por volta de 1560-62 (CAM-POS, 1981, p. 53). O prprio Mem de S doou parte de umasesmaria que lhe pertencia, localizada nas terras de Camamu.Neste local, os jesutas mandaram levantar uma igreja, umcolgio, casas dominicais e a fixaram residncia.

    Vale ressaltar que os jesutas nodispensavam o uso das armas e queconcordavam com as expedies mi-litares para combater a resistncia. Emrelao campanha militar contra osTupiniquim, o prprio Manuel daNbrega, em carta ao cardeal InfanteDom Henrique, relata a investida deMem de S, alegando que "essas al-mas", os ndios mortos, podem entrarno reino dos cus, e que o castigo de-morou, mas foi enviado por Deus. Anchieta e Nbrega na cabana de Pindobau(frag) - Benedito Calixto

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    Outro padre, Francisco Pires, tambm referindo-se campanha, conta, satisfeito, que do exrcito do governo, ne-nhum branco correu perigo e apenas dois dos ndios alista-dos, morreram (Silva Campos, 1981, p. 43-44).

    O governo portugus, em 1570, por influncia dos je-sutas, proibiu a escravizao de ndios aldeados e liberou acompra de escravos africanos. Essas medidas no impedi-ram os colonos de intensificar o aprisionamento dos ndios,atravs das bandeiras e do incentivo de guerras inter-tribais.

    Os povos indgenas tambm foram vtimas de vrias epi-demias, como sarampo, varola, gripe. As viroses atingirammortalmente a populao nativa, uma vez que seu organismono tinha defesa natural e seus hbitos haviam sido modifica-dos para uma vida sedentria e de alimentao escassa.

    ENTERRO - Rugendas

    Um surto de varola,em 1562-63, quase dizimoua populao Tupiniquim .Os sobreviventes fugiampara o interior da floresta, es-palhando a epidemia e redu-zindo ainda mais a mo-de-obra para os colonos (CAM-POS, 1981, p. 58-64).

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    A escassez de mo-de-obra aumenta a partir deste per-odo, provocando aumento dos aprisionamentos de escravosentre o povo Aimor. Estes reagem e eclodem vrias revol-tas com prejuzos das plantaes e engenhos, inclusive o deSantana.

    Para proteger os engenhos, foram deslocados enormescontingentes de ndios Tapuia e Potiguar, sendo que muitosficaram no aldeamento do conde de Linhares, ento proprie-trio do Engenho de Santana , como atestam os documentosa seguir (SCHWARTZ, 1988, p. 53).

    A presena indgena no Engenho deSantana

    O Engenho de Santana, assim como osdemais engenhos do perodo colonial, utilizoumo-de-obra indgena. O autor Stuart Schwartz(1988, p. 59) em seu livro Segredos Internosapresenta os seguintes dados:

    (...) em 1572, registra-se nmero de 109 ndiosescravos , sendo 65 homens e 44 mulheres (...)Em 1599, um grupo de Tapuia impelidos pelafome apareceu no Engenho Santana , em Ilhus,e foi usado como mo-de-obra. (...)

    ndio Camac - Mogoio - Debret

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    Em 1603, novamente havendo escassez debraos, um grupo de dezoito ndios foi tra-zido do serto, foi tambm nessa poca queos Potiguar de Pernambuco foram levadospara Ilhus. (SCHWARTZ, 1998, p.59)

    ndia Camac - Debret

    Fugas e levantes de indios do Engenho deSantana

    ndio Botocudo - Debret

    O engenho de Santana, em 1580, estavaalugado para Jorge Francisco Tomas. Neste pe-rodo, os ndios aldeados fizeram um levante efugiram, sendo encontrados posteriormente nasterras do Tape, pertencentes a um certo senhor,chamado de Anrique Llois. Esse fato conhe-cido pelo registro, em Cartrio pblico, da or-

    dem judicial para que este senhor devolvesse ao dono doEngenho de Santana, Dom Fernando de Noronha (Conde deLinhares), dezoito casais de ndios que l se encontravam.

    (...) Loureno da Veiua diz ser serto mais que Vossa Senhoria(...) mandou que lhes fosem entregues trynta quasais de topimambos forros (...) ao engenho de Santa Ana que de DomFernando de Noronha (...) que estavo em Taipe em poder de

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    Anrique Llois (...) como lhe foram dados por repartio dopovo por ver coanta necesidade o engenho do dito DomFernando tinha delles por ser fronteiro e ter continoa guerracom os aimores (...)

    (Documento do Arquivo da Torre do Tombo - Cartrio dos jesutas - Mao

    16, n 24: Proviso para tornarem para a Fazenda dos Ilhos certos ndios

    que della se haviam ausentado - 1579, 1582. (fl. 2v: CEDOC - UESC).

    Outro levante e fuga no engenho foram registrados emprocesso judicial para comprovao do fato ocorrido, atravsde depoimentos do administrador e de outras testemunhas.Para facilitar a leitura, o fragmento do documento foi reescri-to em linguagem atual, acrescentando-se pontuaoinexistente no documento original:

    Diz Domingos Fernandes, administrador do Engenho deSantana, que do senhor conde de Linhares, que a 21-Out.-1602, se levantaram os gentis forros com mais alguns morado-res que estavam assentados em um lugar que se chama"Mariape" '(Maria Jape?)' . Os gentios foram trazidos do ser-to pelos Reverendos Padres da Companhia de Jesus, paraguardar as fronteiras do engenho. Num domingo, quinze oudezesseis ndios foram ao dito engenho, dizendo que iam veros parentes como faziam outras vezes. Logo se levantaramcom os ndios escravos da fazenda e se prepararam para fugir

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    para o serto. Vendo que os escravos queriam fugir, seu sobri-nho e seu filho foram tentar impedir que outras pessoas fugis-sem. Os ndios atiraram muitas flechas, sendo necessrio queos escravos da guin com suas mulheres e filhos se escondes-sem no baluarte. Do baluarte poderiam at matar alguns comas espingardas, mas no fizeram pois certamente os ndios quei-mariam a fazenda. Assim, foram-se da fazenda mais ou menostrezentas almas (...)."

    (Documento do Arquivo da Torre do Tombo - Cartrio dos jesutas - Mao

    16, n 4: Instrumento com o tratado de uma petio de testemunhas para se

    provar um levantamento do gentio no engenho de Santa Anna dos Ilhos,

    18 de novembro de 1603. Pfl . 2v, 3v: CEDOC - UESC).

    Os dados descritos tambm ilustram a estratgia de do-minao portuguesa sobre os ndios e o processo dedescaracterizao de sua cultura atravs da formao dosaldeamentos. A partir de 1580, alguns proprietrios influen-tes na corte, a exemplo do conde de Linhares, ento proprie-trio do Engenho de Santana, receberam autorizao rgiapara implantar aldeias nas proximidades de seus engenhos.

    A condio dos ndios aldeados pouco se diferenciavada escravido, uma vez que eram submetidos autoridade doproprietrio portugus. Os ndios, mesmo sendo forros (noescravos) no tinham liberdade de viver onde escolhessem,

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    por isso, fugiam em busca da liberdade como se comprovano documento aqui transcrito.

    Os jesutas enviavam aos novos aldeamentos autoriza-dos pelo governo os ndios j aldeados e catequizados emoutras regies, como o caso dos Potiguar que viviam origi-nalmente no litoral de Pernambuco. Isso significa adescaracterizao das etnias e da cultura de cada povo, im-portante estratgia para a dominao dos nativos, utilizadapelos colonizadores do Brasil.

    Os ndios aldeados eram utilizados para os servios es-peciais, como consertos nas construes da propriedade, nocultivo de roas de subsistncia, na defesa e captura de ou-tros ndios. Essa prtica permitia aos senhores concentrar amo-de-obra escrava na produo direta do acar, de ondeesperavam obter os lucros do investimento.

    Pescaria em Ilhus - Rugendas

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    De 1618 a 1759, o Engenho de Santana passou a funcio-nar sob os cuidados dos padres de Ilhus e de Lisboa, que em-preenderam melhorias, adquiriram escravos africanos e recu-peraram o antigo prestgio que o engenho tinha na regio.

    Foram construdas beneficiadoras de algodo, de ca-cau e arroz; uma olaria, uma serraria e uma casa dominical;

    O Engenho de Santana:Propriedade dos jesutas4

    Carro de Boi - leo de Frans Post

    Essa ilustrao de Frans Post permite imaginar como era o Engenho deSantana , a importncia do rio, a utilizao do carro de boi para transportar ascanas e at o desmatamento da floresta para dar lugar aos canaviais. Escra-vos, com pouca roupa e descalos, faziam parte da paisagem.

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    tambm concluram a construo da igreja. Osjesutas ainda aumentaram as possesses de ter-ras e implementaram novas plantaes de canae outros cultivos, como algodo e mandioca.Essas instalaes, assim como o engenho, erammovidas a energia hidrulica (MONTEIRO,1999, p. 18).

    As construes de igrejas geralmente somarcadas por lendas, que permanecem no ima-

    A Igreja de Santana, cuja data de construo ainda desconhe-cida, fazia parte do complexo do engenho e ainda permaneceem bom estado de conservao. tombada pelo PatrimnioHistrico e Artstico da Bahia. Consta que os jesutas conclu-ram a construo em 1733 (MONTEIRO, 1999 - p. 18).

    do um local no alto domorro, as aparies con-tinuavam.Os moradores contam queas aparies cessaram de-pois da construo daigreja prximo ao rio.

    Segundo eles, ainda possvel ver na pedra, asmarcas dos ps da Santa.

    Imagem da Senhora Santana

    Foto

    : LA

    HIG

    E

    ginrio das geraes atuais. A Igreja de Santana um exem-plo tpico deste fenmeno. Conta a lenda que a Santa , insis-tentemente aparecia em uma pedra, dentro do rio Santana. Paraos moradores, isso indicava que ela, a Santa, queria ficar pr-ximo ao rio. Como os construtores da igreja haviam escolhi-

    Foto

    : LA

    HIG

    E

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    O Engenho de Santana j registrava 130 escravos noinventrio (1573), feito aps a morte de Mem de S e decla-rados como bens de sua filha (SCHWARTZ, 1988, p. 395).Embora a composio dos escravos no seja exclusivamentede negros africanos, a presena destes j era realidade comofoi possvel observar a partir dos documentos sobre o levantedos ndios.

    Na Europa, o consumo do acar se tornava cada vezmais popular. O lucro dos comerciantes justificava qualquer

    O trabalho escravo donegro africano5

    O corte de cana - Histria e Vida ,tica.

    meio de produzir mercadoriato doce e valiosa. Os comer-ciantes, porm, encontraramuma nova forma de aumentarainda mais os lucros: o trficode escravos africanos.

    O trfico de escravos seintensifica, inclusive, com o in-centivo da Coroa Portuguesa,que encontra nesta atividade

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    um meio de aumentar sua arrecadao atravs das taxas eimpostos cobrados. O lucro dos comerciantes era garantidopela obteno, a baixssimo custo na Costa Africana, dos ne-gros aprisionados, e, com a venda dos mesmos para os se-nhores de engenho da colnia.

    Mercado de escravos em Salvador - Rugendas

    A ilustrao acima demonstra a chegada de uma "carga de escravos" ea intensa movimentao de homens brancos, comerciantes e funcion-rios da coroa que registravam cada "pea" para a cobrana de taxas eimpostos. Aps esse registro, os escravos eram levados para a venda.

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    O trabalho na produo do acar

    "No Engenho Santana , os cativos levantavam-se por voltade cinco horas da manh e faziam as oraes matinais antesde seguirem para o campo." (SCHWARTZ, 1988, p. 128).

    Historiadores do sculo XVI, a exemplo de Antonil, des-creviam um engenho como "uma verdadeira fbrica de a-car". O processo de produo era dividido em vrias etapas eo trabalho era intenso.

    O trato dos canaviais ocupava a maioria dos escravos,homens e mulheres, s vezes durante o dia e noite. Era preci-so preparar a terra para o plantio das canas, derrubar as matas,queimar e limpar o terreno.

    Na safra, os escravos trabalhavam no corte e carrega-mento das canas. Uma dupla tinha a tarefa de cortar o equiva-lente a 4.200 canas ou 350 feixes.

    Derrubada - Rugendas

    Dentro dos engenhos, haviao trabalho nas moendas, onde se in-troduziam as canas para retirar ocaldo. Ocorriam freqentes aciden-tes, como o da escrava Marcelina,do Engenho de Santana, que per-deu um brao durante esse traba-lho repetitivo e estafante(SCHWARTZ, 1988, p. 131).

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    Havia ainda os trabalhos de limpeza, e outras funescomo: recolher o bagao e jogar fora, iluminar o local, aju-

    Engenho - gravura de Rugendas - reproduo

    Atualmente, com o desenvolvimento dos motores a combusto, a mo-agem da cana pode ser feita at nos pequenos carrinhos que vendemo caldo na rua. O acar agora produzido, em escala industrial, nasgrandes usinas do sudeste e nordeste brasileiro. O trabalho feito porassalariados, que ainda lutam contra os baixos salrios e por melho-res condies de trabalho nas usinas e nos canaviais.

    dar nas caldeiras, retirar a espuma do caldo fervente, etc...

    A ilustrao abaixo a representao da moenda de umengenho real, movido a energia hidrulica. A roda d'gua,ao fundo, girava impulsionada pela gua que corria por umcanal construdo para aumentar a fora da correnteza. Aroda movimentava assim as demais engrenagens at amoenda. Esse ritmo contnuo exigia muitos trabalhadorespara transportar canas e colocar prximo moenda.

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    Algumas escravas assumiam otrabalho da casa de purgar, onde omelado, depois de cozido nas caldei-ras, era armazenado dentro de vasosde barro para branquear. Os vasostinham a forma de sino, com umfuro na extremidade por onde escor-

    Acondicionando o acar na casa de purgar -Histria e Vida, tica

    ria a gua. Na casa de purgar, o acar ficava em repousodurante um ms recebendo alguns cuidados.

    Depois de retirado dos vasos, o acar empedrado eraquebrado e separado segundo a qualidade: a parte superior for-mava uma massa branca e fina, de maior valor comercial, e asoutras partes, na medida em que concentravam mais impurezas,tornavam-se mais escuras, portanto, de qualidade inferior.

    O acar, depois de quebrado e separado, era expostoao sol para secar, sendo ento pesado e embalado em caixo-tes de madeira, preparados para o transporte.

    O trabalho nas caldeiras - Histria e Vida, tica

    O trabalho nas caldeiras era omais especializado: ocupava 04 ho-mens nas caldeiras e 04 nas tachas, maiso mestre-de-acar e seu auxiliar.

    O trabalho mais duro era nasfornalhas, o verdadeiro inferno dosengenhos. Para as fornalhas eram

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    designados os escravos rebeldes e os portadores de infec-o, na crena de que o calor os penitenciasse ou os curas-se. Porm, o resultado sempre favorecia o funcionamentodo engenho e nunca o escravo. Em 1626, o feitor do En-genho de Santana, depois de capturar um escravo fugiti-vo, designou-o para o trabalho na fornalha como punio.O escravo suicidou-se, atirando-se s chamas(SCHWARTZ, 1988, p. 131).

    Transportando o acar

    Geralmente, os grandes engenhos, como o Santana, parafacilitar o transporte, localizavam-se s margens de rios. As-sim, barcos menores transportavam o carregamento de a-car pelo rio Santana, at o porto de Ilhus, de onde o acarseguia em escunas para Salvador onde era comercializado.

    A ilustrao exemplifica a variedade das embarcaes.Os barcos menores eram movidos a remo e pequenas velas;

    leo de Sunqua (frag.)

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    Barco vapor, fragmento do leo de Lus Carlos Peixoto - Revolta de 6de setembro de 1893.

    os barcos maiores ou escunas, utilizados para navegao emrotas martimas, eram movidos apenas a vela.

    A navegao a vapor na Bahia s teve incio em 1819, quando foiinaugurada a primeira linha entre Salvador e Cachoeira. A empresade navegao pertencia a Felisberto Caldeira Brant, o Visconde deBarbacena, que nesta poca tambm era proprietrio do Engenho deSantana (MONTEIRO, 1999, p. 20 ).

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    Os dados e informaes deste captulo constam da obraSegredos Internos, do historiador Stuart Schwartz. Em suaobra, o autor analisa o Engenho de Santana como um enge-nho atpico, ou seja, diferente da maioria dos engenhos deacar do Brasil colonial. Acrescenta como possvel justifi-cativa, a localizao do Engenho de Santana distante doRecncavo Baiano, onde se concentrava a maioria da popu-lao escrava, e ao fato de ser administrado durante longotempo pelos padres jesutas. Essa situao "atpica" permi-tiu aos escravos maiores possibilidades de resistncia, for-ando a negociao com os proprietrios e chegando a con-quistar algumas condies favorveis, mesmo dentro do re-gime da escravido. A seguir, apresentaremos algumas situ-aes que o autor trabalhou na obra citada.

    Vida e morte nas senzalas doEngenho de Santana: O cotidi-ano dos escravos no tempo dosjesutas6

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    A senzala

    O padre Teixeira, administrador do Engenho de Santana,em 1730 escreveu uma carta aos seus superiores, fazendouma srie de reclamaes e denncias acerca do comporta-mento e do tratamento dispensados aos escravos. Ele denun-ciou que as casas da senzala situavam-se em um morro ngre-me, dispostas em trs fileiras ou ruas, e no eram visveis daresidncia do administrador, situao que deixava os cativoscom demasiada liberdade, na opinio dele. Ele tambm re-clama que, ao invs das portas serem trancadas a chave comonos demais engenhos, ali as portas eram abertas, sendo fre-qentes as fugas dos escravos jovens para namorar durante anoite. Quando ele descobria as fugas, mandava aoitar osenvolvidos (SCHARWTZ, 1988, p. 329).

    Victor Frond (frag)

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    Escravo: trabalho a qualquer custo

    Os castigos fsicos eram a forma mais comum para man-ter o escravo submisso e obediente. Essa prtica era tambmutilizada pelos padres jesutas. Nos canaviais, a labuta sem-pre era acompanhada por um feitor e sua chibata, como rela-ta um jesuta do Engenho de Santana. Ele alegava que ape-nas palavras no bastavam, que era necessrio andar pelo ca-navial com o diabo na boca e o pau nas costas dos pobres(Citado por SCHARWTZ, 1988, p. 130).

    Castigos domsticos - Rugendas

    Apesar da chibata nunca ter sido dispensada, os senho-res de escravos, quando lhes era conveniente, utilizavam ou-tras estratgias para manterem os escravos trabalhando. Mui-

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    tos autores coloniais escreveram sobre a importncia de tra-tar bem os escravos, principalmente aqueles que realizavamservios mais especializados. Um melhor tratamento era umaboa maneira para conseguir certa "colaborao" no trabalho,evitando muitas vezes um prejuzo maior, como a perda daproduo ou qualidade do acar, alm de evitar fugas e re-voltas. Os jesutas do Engenho de Santana tambm utiliza-vam essas artimanhas: em 1743,o administrador do engenho,padre Pedro Teixeira, escreveu uma carta aos padres do Co-lgio de Santo Anto de Lisboa agradecendo as medalhasreligiosas que foram enviadas aos escravos como presente.Ele ressaltou que os escravos ficaram muito satisfeitos e "tra-balharam com mais disposio"( Scharwtz, 1988, p. 140) .

    O trabalho dentro do engenho - Brasil 500 anos - Ed.Abril

    A localizao do Enge-nho de Santana tambm difi-cultava a contratao de mo-de-obra branca e livre para ostrabalhos que exigiam especi-alizao, como: mestre-de-acar, feitores, carpinteiros.Esses cargos, no Engenho deSantana, eram freqentemente

    ocupados por escravos da casa, que, logicamente, no impu-nham o mesmo rigor exigido pelos "oficiais" brancos, comose percebe em uma carta de desabafo de um administradordesse engenho em 1750:

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    - os escravos trabalham pouco, menos de cinco horas - es-creveu ele.- Quando reclamo, eles vem com respostas; eu digo que osbrancos trabalham mais que os negros e eles respondem -os brancos ganham dinheiro, ns nada.

    O feitor se lamentava, considerando-se um grande peca-dor para estar neste engenho, onde chegava a ouvir respostas"malcriadas" dos escravos (SCHARWTZ, 1988, p. 141-142).

    Essa situao certamente no era muito comum, mes-mo no Engenho de Santana, como sugere o registro da rotinados escravos neste engenho: os cativos levantavam-se cercade cinco horas da manh e faziam as oraes matinais antesde seguirem para o campo. Tinham um pequeno caf maisou menos s nove , trs ou quatro horas depois almoavamali mesmo no campo, e continuavam trabalhando at o anoi-tecer (SCHARWTZ, 1988, p. 128).

    Permisso para cultivar suas prprias plantaes:incentivo ou estratgia dos senhores de engenho

    Durante os trs sculos em que vigorou a escravidono Brasil, os senhores de escravos foram desenvolvendo no-vas estratgias para manter os cativos nas propriedades, comoa permisso para cultivar suas prprias roas. Alguns discu-tiam a liberao de um dia de trabalho do canavial para que o

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    escravo plantasse os prprios alimen-tos. Mas essa questo no era a re-gra geral entre os senhores de escra-vos, sendo que muitos consideravam"perigoso", pois implicava em ce-der a posse de ferramentas e maiorliberdade ao escravo. Outros propri-etrios analisavam as vantagens,principalmente em relao ao repas-O trabalho na roa - Histria e Vida, tica

    se dos custos da alimentao ao prprio escravo, alm da pos-sibilidade de manipulao dessa permisso para obter maiorsubmisso dos escravos.

    No Engenho de Santana os escravos tinham permissopara cultivar suas prprias roas, o que significava algumapossibilidade de melhoria de vida, mesmo s custas de traba-lho redobrado. Durante a administrao dos jesutas, os es-cravos trabalhavam de segunda a sbado, e segundo a tradi-o religiosa, guardavam apenas os domingos e dias santos.Como no foram encontradas, ainda, evidncias de que osjesutas liberavam dias normais de trabalho no engenho, osescravos deviam ocupar os perodos de descanso para cuidardas prprias plantaes.

    Os escravos do Engenho de Santana podiam vender seusprodutos, inclusive ao prprio engenho, que comprava porum tero do valor (SCHARWTZ, 1988, p. 141).

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    Quando, em 1789, os escravos do Engenho de Santanafizeram uma rebelio e escreveram uma carta para negociar avolta ao trabalho, (ver p. 44-47), vrias reivindicaes esta-vam relacionadas permisso de ter suas prprias planta-es, tais como:- reivindicavam os dias de sexta e sbado para o trabalho

    prprio, o que demonstra que o proprietrio, Manuel SilvaFerreira, no liberava nenhum dia para essa finalidade.

    - reivindicavam tambm poder plantar em terras apropri-adas: "Podemos plantar nosso arroz onde quisermos,em qualquer brejo (...)", j que o acesso terra parafazer roas era dificultado, pois os canaviais ocupavama maioria das terras agricultveis.

    - e "uma barca grande" para que pudessem transportartambm os seus produtos at a Bahia (Salvador), sempagar frete.

    Mercado na baia dos mineiros - Rugendas

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    Vesturio e alimentao

    O vesturio dos escravos variava conforme a funo queocupavam e o local em que trabalhavam, conforme se podeobservar atravs dos desenhos e pinturas que muito repre-sentam o cotidiano da poca colonial.

    H. Alken e Henry Chamberlain - Largo da Glria - Museu Castro Maia, RJ.

    Os proprietrios de escravos que deveriam fornecer ovesturio para seus escravos. No Engenho de Santana , osjesutas costumavam distribuir na Pscoa. Cada escravo re-cebia uma medida de tecido grosseiro de fio cru e as mulhe-res um tecido de algodo rstico para fazerem saias(SCHARWTZ, 1988, p. 125). Em muitos engenhos a distri-buio chegava a acontecer de dois em dois anos.

    No perodo da rebelio dos escravos no Engenho deSantana (1789), o vesturio foi objeto de reivindicao: Os

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    martineiros que andam a lancha (...) ho de ter gibo debaeta, e todo vesturio necessrio (p. 46). fcil deduzirque o ento proprietrio, Manuel Ferreira, no fornecia rou-pas adequadas e suficientes para que o escravo exercesse asua funo, uma vez que determinadas tarefas exigem a re-posio de roupas mais rapidamente.

    Escravo e escrava cozinhando - (frag.) - Rugendas

    Durante a administra-o dos jesutas, a alimenta-o bsica dos escravos noEngenho de Santana consis-tia de farinha e carne seca,mas devido dureza do tra-balho, os escravos passavammuita fome e a comida nun-ca era suficiente para reporas energias gastas. Um padre observou escandalizado queos escravos viviam comendo o que encontravam: ratos docanavial, peixes, galinhas, bananas, etc.

    Por volta de 1730, o arroz passou a ser cultivado, comple-tando a alimentao, assim como a carne de baleia, cuja caa naBahia era intensa neste perodo. (SCHARWTZ, 1988, p. 126).

    Quando doentes, os escravos deveriam receber melhoralimentao, como carne de galinha e remdios para garantira recuperao rpida e o retorno ao trabalho.

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    Vida familiar

    A vida familiar dos escravos era uma discusso polmi-ca entre os proprietrios. O mais comum era a opinio de queo escravo no deveria ter famlia para no interferir no traba-lho. Outros consideravam a vida familiar uma boa maneira deaumentar o nmero de escravos atravs dos nascimentos, che-gando inclusive a determinar casamentos independente da von-tade dos escravos envolvidos. J alguns proprietrios "calcu-lavam" que era mais barato comprar escravos jovens do quecriar as crianas at a idade de se tornarem lucrativas.

    Enfim, a possibilidade de manipulao da vida familiardos escravos acabava se tornando mais uma maneira de man-ter os escravos na propriedade, dificultando as fugas, e sendoutilizada como forma de punio ou ameaa, uma vez que ossenhores podiam vender os membros da famlia sem nenhu-ma restrio.

    Habitao dos negros - Rugendas

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    Entre os jesutas tambm havia divergncias de opini-es, como se comprova pelas disputas entre administradoresdo Engenho de Santana. O padre Pedro Teixeira, que admi-nistrou o engenho em 1730, denunciou o seu antecessor, opadre Figueredo, que por no concordar com o casamentoentre os escravos, realizou apenas 34 casamentos entre os178 escravos no perodo de 27 anos que administrou o en-genho (SCHARWTZ, 1988, p. 292).

    Trabalho exaustivo, sade debilitada

    As condies no interior dos engenhos e casas de fari-nhas eram midas e insalubres, favorecendo a prolifera-o das doenas. (Brasil 500 anos, Vol. 7, p. 402)

    Em 1753, um adminis-trador do Engenho deSantana queixou-se da com-pra de escravos de outras fa-zendas, que geralmente che-gavam doentes. Os escravosficavam constantemente do-entes, devido ao trabalhoexaustivo e s ms condiesde vida no cativeiro. Fato-res psicolgicos decorrentesda condio de cativo, como a falta de liberdade, privaesdo relacionamento familiar, saudade de sua terra de origem,etc, certamente contribuam para aumentar o ndice de do-enas e mortalidade.

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    Os proprietrios consideravam tais doenas como umartifcio que o escravo utilizava para fugir do trabalho. Umadministrador do Engenho de Santana , alegava que a "paci-ncia de J" no era suficiente para tratar escravos que sem-pre andavam "ou fingiam" estar doentes. Alm do mais,tambm contabilizavam os prejuzos, uma vez que eram ne-cessrios cuidados para a rpida recuperao (SCHARWTZ,1988, p. 328-329).

    As mulheres, depois do parto ou quando estavam mens-truadas, segundo um administrador do Engenho de Santana ,"aproveitavam" para escapar das duras tarefas dirias e dasobrigaes religiosas, alegando que "o cheiro dos mortos naIgreja", prejudicava a sade neste perodo (SCHARWTZ,1988, p. 329).

    Nascimento e morte

    Normalmente a composio dapopulao escrava do engenho no fa-vorecia o aumento do nmero de nas-cimentos. Existiam poucas crianas eo nmero de mulheres era inferior aode homens. Essa era tambm a com-posio no Engenho de Santana , quecontava ainda com um nmero de in-capacitados e velhos.Enterro - Rugendas

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    O ndice de mortalidade infantil e adulto era alto(SCHARWTZ, 1988, p. 322). A mortalidade era alta entrecrianas at cinco anos, provocadas pelo ttano, desnutri-o, insalubridade e falta de cuidados, uma vez que as mestrabalhavam em tempo integral, impossibilitando aamamentao e o tratamento dos filhos.

    As mes tambm sofriam de subnutrio e cansao fsi-co, o que provocava abortos e baixa fertilidade.

    Quando ocorria uma morte na senzala, os escravos pe-diam aos administradores pano para fazer a mortalha e enter-rar o morto.

    Quando nascia um beb noEngenho de Santana , o parto erafeito pelas parteiras que ajudavama me, benziam e rezavam para aSanta protetora. As parteiras cor-tavam o cordo umbilical da cri-ana e o untavam, usando como re-mdio leo e pimenta. Essa prtica acabava sendo prejudici-al, pois favorecia a infeco do mal-de-sete-dias ou ttano,geralmente provocando a morte (SCHARWTZ, 1988, p. 329).

    O pai pedia insistentemente, aos feitores, frango, vinho,cebola e outros alimentos para o resguardo do beb. Se ofeitor recusasse, os escravos ameaavam fugir para o mato

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    Essa pintura de Debret, de 1830, intitulada "Uma senhora brasileira emseu lar", retrata o comportamento das mulheres brancas que tinhamuma educao voltada para o lar. Os escravos domsticos, emboracom uma situao menos rude que os escravos do campo, viviam sob aameaa dos castigos fsicos, como revela a presena do chicote na ces-ta. As crianas escravas serviam de diverso at que se tornassem lu-crativas.

    Debret, Jean Baptiste. Viagens Pitorescas. Tomo I - Vol. I e II - p. 135

    (SCHARWTZ, 1988, p. 329). Mas nem sempre o nascimen-to era bem vindo, sendo inmeros os casos de abortos provo-cados pelas mes, na inteno de impedir nascimentos de fi-lhos escravos.

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    Em 1759, o governo portugus expulsa os padres jesu-tas e confisca todos os seus bens. Os jesutas de Ilhus, quehaviam se instalado na capitania desde o incio da coloniza-o, foram expulsos e deportados, tendo seus bens, inclusiveo Engenho de Santana , confiscados pelo governo.

    Desenho de Seth, quilombolas mantm vigilncia para no serem ata-cados de surpresa.Fonte: Piletti, Nelson e Claudino. Histria e vida - Brasil: da pr-histria independncia. Vol. 1 - p. 73.

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    Novos proprietrios do En-genho de Santana e a rebe-lio dos escravos7

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    O engenho posteriormente arrematado em leilo p-blico pelo Provedor da Casa da Moeda da Bahia, Manuel daSilva Ferreira, que no consegue fundos suficientes para efe-tuar o pagamento integral, permanecendo em dvida com ogoverno. Durante sua administrao, ocorreu uma histricaluta de escravos no Brasil registrada a seguir:

    Em 1789, os escravos do Engenho de Santana se rebe-laram, sob a liderana de um "cabra" chamado Gregrio Lus.Mataram o feitor e ocuparam o engenho, paralisando a pro-duo por dois anos (SCHWARTZ, 1988. p. 142).

    Atendendo solicitao do proprietrio, o governo en-viou expedio militar para debelar a revolta. Quando foramatacados, escreveram um tratado de paz, objetivando negoci-ar as condies para voltar ao trabalho. Manuel Silva Ferreirafingiu aceitar as condies e alforriar o lder, porm quandoos rebeldes retornaram, os lderes foram vendidos noMaranho e Gregrio Lus foi para a priso.

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    Carta escrita pelos escravos doEngenho de Santana

    Meu senhor, ns queremos paz e no que-remos guerra; se meu senhor quiser pazh de ser nessa conformidade, se quiserestar pelo que ns quisermos a saber.Em cada semana nos h de dar os dia desexta-feira e de Sbado para trabalharmospara ns no tirando um destes dias porcausa de dia santo.Para podermos viver nos h de dar rede,tarrafa e canoas.No nos h de obrigar a fazer camboas, nema mariscar, e quando quiser fazer camboase mariscar mandes os seus pretos Minas.Para o seu sustento tenha lancha de pesca-ria ou canoas do alto, e quando quiser co-mer mariscos mandes os seus pretos Minas.Faa uma barca grande para quando forpara a Bahia ns metermos as nossas car-gas para no pagarmos frete.Na planta da mandioca, os homens quere-mos que s tenham tarefa de duas mos emeia e as mulheres de duas mos.

    Victor Frond (frag)

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    A farinha h de ser de cinco alqueires ra-sos, pondo arrancadores bastantes paraestes servirem de pendurarem os tapetes.A madeira que serrar com serra de mo,embaixo ho de serrar trs, e um em cima.A medida de lenha h de ser como aqui sepraticava, para cada medida um cortador,e uma mulher para carregadeira.A tarefa de cana h de ser de cinco mos, eno de seis, e a dez canas em cada freixe.No barco h de por quatro varas, e um parao leme, e um no leme puxa muito por ns.Os martineiros que andam na lancha almde camisa de baeta que se lhe d, ho deter gibo de baeta, e todo o vesturio ne-cessrio.Os atuais feitores no os queremos, faaeleio de outros com a nossa aprovao.Nas moendas h de por quatro moedeiras,e duas guindas e uma carcanha.Em cada caldeira h de haver botador defogo, e em cada terno de faixas o mesmo,e no dia de Sbado h de haver remedia-velmente peija no Engenho.

    Negros serradores de tbuas -Debret

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    O canavial do Jabir o iremos aproveitarpor esta vez, e depois h de ficar para pas-to porque no podemos andar tirando ca-nas por entre mangues.Poderemos plantar nosso arroz onde qui-sermos, e em qualquer brejo, sem que paraisso peamos licena, e poderemos cadaum tirar jacarands ou qualquer pau semdarmos parte para isso.A estar por todos os artigos acima, e con-ceder-nos estar sempre de posse da ferra-menta, estamos prontos para o servirmoscomo dantes, porque no queremos seguiros maus costumes dos mais Engenhos.Poderemos brincar, folgar, e cantar em to-dos os tempos que quisermos sem que nosempea e nem seja preciso licena.

    (Transcrio do texto original in: REIS, Joo Jose SILVA, Eduardo. Negociao e Conflito: A re-sistncia negra no Brasil escravista, 1989).

    Lundu - Rugendas

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    O Significado histrico da carta

    A carta de reivindicao aquireproduzida, escrita pelos prprios es-cravos, se constitui num importante eraro documento histrico. Cabe res-saltar que, conforme citao de Eduar-do Silva (REIS, 1989, p. 15-17), decada mil escravos, em 1872, apenasum sabia ler e escrever. Esta carta nosrevela o escravo como um agente his-

    trico ativo, que buscava melhorar sua vida e as condies detrabalho, mesmo dentro do regime de escravido.

    Especialmente no conflito e ocupao do Engenho deSantana , eles reivindicaram melhores condies de vida:"direito de folgar, danar e cantar"; tambm formularam rei-vindicaes trabalhistas, como: limitao da quantidade decanas por feixe, aumento do nmero de trabalhadores para odesenvolvimento de determinadas tarefas, a posse dos ins-trumentos de trabalho, maior tempo disponvel para suas ati-vidades pessoais, limitao da jornada de trabalho, etc.

    Tambm permite observar as diferenas existentes en-tre os escravos. No se pode generalizar a idia de que aescravido tornou todos os escravos iguais. Eles mantinhamsua cultura original, a lngua, os costumes, etc, elementos

    Batuque - Rugendas

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    que j tornam evidentes as grandes diferenas entre eles. Acondio de cativo tambm obrigava os escravos a buscar aconquista de certas condies mnimas de vida, ocorrendodisputas entre os prprios escravos. Desta forma, os criou-los ou nascidos na terra, por conhecerem a lngua, os costu-mes, as "manhas", etc, tinham mais vantagens em relaoaos escravos vindos da frica, chamados de "pretos minas".Assim, os escravos do Engenho de Santana , tal como os n-dios, deixaram registrados para a histria, momentos impor-tantes de luta e resistncia. Muitas reivindicaes ainda es-to na pauta de negociao dos trabalhadores rurais assalari-ados, sem-terras e do povo indgena, que continuam em lutacontra a explorao comandada pelo capital, interesses delatifundirios e governantes sem escrpulos.

    Vencida a rebelio, o engenho retorna para o controlede Manuel Ferreira que ainda no tinha quitado a dvida como governo.

    Novo proprietrio, nova rebelio

    No ano de 1810, o brigadeiro dos reais Exrcitos,Felisberto Caldeira Brant Pontes, o Marqus de Barbacena,habilitando-se como credor de Manoel Ferreira e sua esposa,solicitou o levantamento dos bens e da dvida do casal, tor-nando-se desde ento o proprietrio do engenho.

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    Durante o perodo em que pertenceu ao Marqus deBarbacena, os escravos fizeram uma nova rebelio e ocupa-o do engenho. Na correspondncia oficial datada de 14 dejulho de 1828, enviada pelo Juiz de Paz Joo Pereira Guima-res ao Visconde de Camamu, esto registradas as medidastomadas para socorrer o administrador do engenho que ale-gava risco de vida.

    No documento, o Juizde Paz relata os ataques fei-tos em mocambos da regio,que eram acampamentos for-mados de escravos fugidos doengenho e de outras fazendas.Nesses mocambos, os escra-vos cultivavam roas de man-dioca e cana para subsistn-

    cia, que os soldados destruram para impedir o esconderijodos rebelados. Relata tambm a luta ocorrida contra os es-cravos que se mantinham dentro do engenho, de onde saramferidos soldados e escravos. A rebelio acabou com a prisodos lderes (REIS e SILVA, 1989).

    Apesar dos acontecimentos, o Marqus proprietriomodernizou o engenho, transformando a propriedade em ummodelo para os outros fazendeiros. Os viajantes europeus

    Jogo da capoeira - Rugendas

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    Spix e Martius, em passagem por Ilhus em 1819, registra-ram a existncia de um engenho, o Santana, com 260 escra-vos e produo de 9 mil a 10 mil arrobas de acar, alm decereais e algodo (SPIX e MARTIUS, 1976, Vol. II, p. 159).

    O Marqus de Barbacena permaneceu como propriet-rio do Engenho at 2 de maro de 1834, quando se registra odocumento de posse do novo proprietrio, o Brigadeiro Josde S Bittencourt e Cmara, herdeiro do Dr. BitencourtAccioli, figura de destaque na histria oficial de Ilhus. Onegcio envolveu a permuta entre as terras da Sesmaria deSantana e terras que Bittencourt possua em Minas Gerais.

    Na escritura do engenho consta a seguinte descrio dosbens:

    (...) que ele Marquez de Barbacena d e sede j aossobreditos contratistas o Engenho de Santa Anna com todasas terras, prdios, embarcaes e duzentos e quatro escra-vos (...) as benfeitorias do engenho com moendas horizon-tais e roda de gua, casas de caldeira, casa de esmagarcom tanque de madeira para mel, uma casa de estolas comalambique novo de destilao contnua, tabuleiras de ferroquando para estufa, engenho de serrar madeira, olaria, bar-ca de transportar cana e embarcao de coberta lavadapara levar caixas cidade da Bahia (...) (Citado emMONTEIRO, 1999, p. 23-24).

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    A situao do engenho em 1834, quando o BrigadeiroS Bittencourt tomou posse era a seguinte: existiam 183 es-cravos e um recm-nascido, sendo que 21 estavam velhos,cegos e aleijados, os quais foram rejeitados por no possu-rem nenhum valor. O administrador alegou que 07 haviamfalecido e que 15 haviam fugido.

    Aps a morte do Brigadeiro e de sua esposa, enterradosna Capela de Santana, os bens e as terras foram inventariados,passando para posse dos herdeiros no ano de 1896. No in-ventrio de 1862, ainda foram registrados nomes de 66 es-cravos, fbricas e acessrios, o que nos permite deduzir, en-tre outras questes, a longa durao da escravido e da pro-duo de acar e derivados (cachaa), nas terras de Ilhus.Vale lembrar que a escravido foi oficialmente extinta noBrasil , apenas em 1888.

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    Consideraes finais

    Ainda so raras informaes do perodo de 1896 1960,ano em que Othon Coutinho Dias comprou a extenso dasesmaria de Santana. Neste perodo acontece a transio dotrabalho escravo para o assalariado, a substituio do acarpelo cacau produzido por emigrantes que chegavam em gran-des levas do nordeste, e imigrantes estrangeiros que chega-vam atrados pela grande quantidade de terras devolutas epela notcia de financiamento para implantao de roas decacau.

    O engenho no funcionava mais, e segundo a senhoraAlice Maranho, atual proprietria, existiam apenas runasda roda d'gua e da moenda mas que desapareceram. DonaAlice tambm conta que a Igreja estava em estado deplorvele em completo abandono, sendo aos poucos recuperada paraa retomada das atividades religiosas em homenagem Sra.Santana. Existem algumas runas expostas (ver fotos) e osmoradores afirmam que muitas coisas ainda permanecementerradas.

    Inmeros acontecimentos e documentos tambm per-manecem desconhecidos, necessitando ser pesquisados ereconstitudos, a exemplo da Igreja de Santana, patrimniohistrico e cultural melhor preservado; a transio do traba-

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    lho escravo para o assalariado; a substituio dos canaviaispor outros cultivos e a histria da populao que viveu nolocal, uma vez que os descendentes dos antigos escravostambm no sabemos ainda que caminho tomaram.

    Atualmente, um pequeno povoado, habitado por fam-lias de trabalhadores rurais, pescadores, lavadeiras e aposen-tados, compe o local onde funcionou todo o complexo doengenho: casa de purgar, das moendas, a roda d'gua, almdas senzalas e demais instalaes, como serraria, olaria e casade farinha.

    A fora da histria ainda permanece viva no povoado eafeta o imaginrio das pessoas, especialmente a histria daexistncia da escravido, como se percebe no depoimento dadona Estelina (p. 4 ). As runas do engenho permitem ima-ginar um elevado "progresso" econmico no perodo de seufuncionamento, o que aumenta o contraste com a simplicida-de e falta de recursos dos moradores atuais. Eles deixamtransparecer, nas conversas, o desejo de ver o local melhorare se "desenvolver".

    Enfim, ainda h muitas coisas a serem "descobertas eexploradas" pelos novos aventureiros da atualidade.

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    Os proprietrios do Engenho de Santana:cadeia sucessria

    Maiores informaes

    - Mem de S, o terceiro governador-geral doBrasil, (1557 a 1572), conhecido na his-tria pela expulso dos franceses do Rio deJaneiro e pelas lutas promovidas contra osndios, especialmente na Bahia, foi o pri-meiro proprietrio do Engenho de Santana. Durante seu governo, doou sesmarias aosjesutas e aumentou suas prprias posses-ses, adquirindo terras no Recncavo, ondeimplantou mais um engenho de grande por-te, chamado Sergipe.

    - Ao morrer, em 1572, apenas dois filhos es-tavam vivos para herdar a fortuna e conti-nuar a linhagem da famlia. Porm, o her-deiro varo Francisco de S, morreu oitomeses depois do pai, restando apenas a fi-lha, Felipa de S. Esta, deixou o conventoonde vivia e casou-se com Fernando deNoronha, futuro conde de Linhares.

    - Felipa morreu em 1618, sem herdeiros.Deixou os bens ao Colgio de Santo Antode Lisboa. Os padres de Ilhus reclamaram

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    a posse, o que gerou um processo jurdicoe, em acordo firmado entre os padres jesu-tas do colgio de Ilhus e de Lisboa, o en-genho passou a ser administrado por am-bos, at a expulso dos jesutas ocorrida em1759.

    - O engenho foi ento arrematado em leilopblico por Manoel da Silva Ferreira, pas-sando em 1810, s mos de Felisberto Cal-deira Brant, o Marqus de Barbacena.

    - Posteriormente, em 1834, o Marqus nego-ciou as terras do engenho com SBitencourt, que se tornou proprietrio at1896, quando as terras da sesmaria foramdivididas entre os herdeiros (SCHWARTZ,1988, p. 394-398).

    - Atualmente pertencem, na totalidade, se-nhora Alice Maranho Dias.

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    Fonte: Brasil 500 ANOS: Editora Abril, p. 45.

    Os povos indgenas que habitavam olitoral brasileiro na poca da chegadados portugueses pertenciam a dois tron-cos lingusticos distintos: os Tupi-guarani e o J, que os Tupi chamavamTapuia, como mostra o mapa ao lado.Entre os Tupi, existiam os poderososTupinamb, que viviam no litoral, des-de Sergipe at Camamu e osTupiniquim, descendentes dosTupinamb, que viviam ao longo dolitoral de Ilhus at a atual BaixadaSantista.Entre o grupo Tapuia, destaca-se o povoAimor, que habitava o Esprito San-to, Ilhus e regies fronteirias do sulda Bahia. Este povo guerreiro ofere-ceu resistncia contnua durante scu-los ao regime de colonizao. Os por-tugueses, a partir do sculo XVIII,passaram a chamar os Aimor deBotocudos.

    Os povos indgenas do Brasil no perodo da ocu-pao portuguesa

    Maiores informaes

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    Carta de Mem de S ao rei de portugal relatandoos acontecimentos que culminaram com a bata-lha dos nadadores

    Maiores informaes

    Neste tempo veio recado ao governadorcomo o gentio Tupiniquim da Capitania deIlhus se alevantava e tinha morto muitoscristos e destrudo e queimado todos os en-genhos dos lugares e os moradores estocercados e no comiam j seno laranjas elogo o pus em conselhos e posto que muitoseram que no fosse por ter poder para lhesresistir nem o poder do Imperador fui compouco gente que me seguiu e na noite queentrei em Ilhus fui a p dar em uma aldeiaque estava a sete lguas da vila em alto pe-queno toda cercada de gua ao redor de la-goas e as passamos com muito trabalho eantes da manh de duas horas dei na aldeiae a destru e matei todos os que quiseramresistir e a vinda vim queimando e destruin-do todas as aldeias que ficaram atrs e porque o gentio se ajuntou e me veio seguindoao longo da praia lhes fiz algumas ciladas eonde os cerquei e lhes foi forado deitarem

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    a nado no mar da costa brava. Mandei ou-tros ndios atrs deles e gente solta que osseguiram perto de duas lguas e l no marpelejaram de maneira que nenhumTupiniquim ficou vivo, e todos trouxeram aterra e os puseram ao longo da praia porordem que tomavam os corpos perto demeia lgua ... ( Varnhagen, 1956 - Tomo I,p. 315) .

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    Glossrio

    ALQUEIRE : medida agrria, equivalente a 27.225 m2 no Nordeste.ARROBA : medida de peso; no sculo XVI, equivalia a 14,75 kg.BAGAO : caules de cana aps a moagem.BAETA : batas, vesturio comum dos escravos.BALUARTE : fortaleza, lugar seguro.BEXIGAS : varolaBREJO : terra constantemente midaCALCANHA: escrava que cuida da iluminao no engenho.CALDEIREIRO : trabalhador das caldeiras do engenho.CALUMB : trabalhador que despeja gua nas engrenagens da moenda parareduzir o atrito e que cuidava de recipientes para o caldo da cana.CASA DO ENGENHO : construo que abrigava a moenda.ETNIA : grupo humano biolgica e culturalmente homognio.PERMUTA : trocaENGENHO REAL : engenho movido por roda dgua.FREIXE - FEIXE : determinada poro de cana recolhida pelos escravos.LUGAR-TENENTE : Pessoa que temporariamente ocupa e desempenha asfunes de outra.LEVANTE: insurreio, motim.NAU : embarcao grande, navio.QUINDA : aparelho para guindar, transportar o caldo da cana, da moenda paraas caldeiras.MARQUS : Governador de marcas ou fronteiras, cargo importante no perododas conquistas de terras.MARTINEIROS : escravos responsveis pelo transporte dos barcos.MESTRE DE ACAR : o encarregado da direo geral das operaes dafbrica do engenho.

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    MONOPLIO COMERCIAL : privilgio de explorao ou venda de certoproduto; posse exclusiva.PRETOS MINAS : escravos trazidos da regio de Minas, na frica.TRATADO DE TORDESILHAS : Acordo legalizado pelo papa, queestabelecia a diviso de todas as terras entre as coroas da Espanha e Portugal.MOCAMBOS : habitao precria, feita de vegetao. Habitao de escravos,geralmente feita no mato por escravos fugidos.FORROS : libertosPEIJA : encerramento do trabalho no engenho.

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    Bibliografia

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    Brasil 500 Anos: 1530 - 1620. So Paulo: 1999.BARBOSA, Arlo. Notcia Histrica de Ilhus. Rio de janeiro: Ctedra, 1981.BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. A construo da paisagem. Coleo Brasil

    dos Viajantes. Vol. III. So Paulo: Metalivros; Salvador: Fundao EmlioOdebrecht, 1994.

    BUENO, Eduardo Bueno. Capites do Brasil - a saga dos primeiroscolonizadores. Vol. III. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

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    de sua elevao a cidade. 2 ed. So Paulo: GRD, 1981.VARNHAGEN, Francisco Adolfo. Histria Geral do Brasil.. Vol. I, 6 ED.

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    PARAISO, Maria Hilda B. Os ndios de Olivena e a Zona de Veraneio dosCoronis de Cacau da Bahia. In Nordeste Indgena (II), Funai. Recife:1991.

    Documento do Arquivo da Torre do Tombo - Cartrio dos jesutas - Mao 16,n 4: Instrumento com o tratado de uma petio de testemunhas para se provarum levantamento do gentio no engenho de Santa Anna dos Ilhos, 18 denovembro de 1603. p. 2: Cpia: UESC.BA - CEDOC.

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    capa viagem ao engenhoViagem ao Engenho de Santana