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O ENGENHEIRO DE 2020 – UMA INOVAÇÃO POSSÍVEL José Roberto Cardoso

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  • O engenheirO de 2020 Uma

    inOvaO pOssvelJos Roberto Cardoso

  • REVISTA USP So PAUlo n. 100 P. 97-108 DEZEMBRo/JAnEIRo/FEVEREIRo 2013-201498

    Dossi Educao

    RESUMO

    Este artigo apresenta os desafios das escolas de engenharia, que devem ser superados ao final desta dcada. O ele-vado ndice de evaso e as altas taxas de reprovao em disciplinas so ni-cos no ensino superior, de modo que algo precisa ser feito, pois a engenharia, eleita como a profisso do terceiro mi-lnio, por ser aquela que mais agrega qualidade de vida ao ser humano, carece de um cuidado especial em face de sua importncia para o pas. Nesse sentido, sugerem-se investimentos em uma nova linha de pesquisa, a educao em enge-nharia, para dar suporte a essas aes e so apresentados modelos alternati-vos para tornar o curso de engenharia mais atraente. A criao de um espao ldico, que alie a engenharia s artes e ao design, talvez seja a ao mais efeti-va para a integrao das engenharias s outras profisses, sendo esta a soluo para acelerar o desabrochar do processo criativo e inovador do jovem estudante.

    Palavras-chave: educao em enge-nharia; inovao; avaliao; desafios da engenharia.

    ABSTRACT

    The challenges faced by engineering scho-ols, which are to be overcome by the end of this decade, are presented. The high ra-tes of evasion and failure in disciplines are unparalleled in higher education; therefore, something must be done, since engineering, elected as the third millennium profession for being that which most adds quality of life for human beings, requires special care due to its importance to the country. In that regard, we suggest investments in a new line of research, engineering educa-tion, to support those actions, and present alternative models to make the engineering program more attractive. The creation of a playful space, combining engineering and arts and design, may be the most effective action for integrating the different types of engineering into other profession; and we understand that as a solution to speed up the flourishing of young students creative and innovative process.

    Keywords: education in engineering; in-novation; assessment; challenges to engi-neering.

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    a imagem do professor que acom-panha um grupo de calouros em visita s instalaes dos cursos de engenharia de sua universi-dade bem interessante. Diz ele ao grupo: Este o local em que daqui a dois anos ape-nas metade de vocs estar.Por incrvel que parea, essa era a taxa de evaso dos cursos de engenharia em passado re-cente. Hoje em dia, devido evoluo da economia, o cen-rio est um pouco melhor, ainda acima de 40%. no entanto, continua a ser o curso com maior evaso de toda a educao superior.

    Muito se discutiu sobre as razes desse fen-meno, e o ponto de convergncia sempre a m qualidade do ensino mdio. Justifica-se a afirma-o pela propalada baixa qualidade das escolas pblicas, que no oferecem atrativos profissionais para os estudantes, que veem na carreira de profes-sor o seu objetivo de vida. o agravante dficit de professores de fsica, qumica e matemtica afasta ainda mais o estudante das cincias exatas, pois temos no pas mais de 200 mil professores dessas matrias que no possuem formao acadmica na rea e as transformam em um bicho de sete cabeas por no terem a competncia de mostrar a beleza das cincias exatas.

    o curioso que o desempenho de nossos alu-nos do ensino mdio, que ingressam em cursos superiores de qualquer outra profisso, das cincias

    humanas s cincias mdicas, bem superior ao daqueles que optam pelas profisses da rea tecno-lgica. Sero aquelas to fceis, que as deficincias do ensino mdio no se fazem sentir?

    observa-se, no entanto, que mesmo nas boas escolas de engenharia, como so aquelas das uni-versidades pblicas, as quais abrigam estudantes originrios dos melhores colgios do pas, o ndi-ce de reprovao em disciplinas de matemtica e fsica assustador. Taxas de aprovao da ordem de 40% ou abaixo so comuns em cursos de cl-culo e fsica. Tal nvel de dificuldade constitui uma barreira muitas vezes difcil de ser superada pela maioria dos alunos na primeira vez que a enfrenta. Esse fenmeno no ocorre apenas em nosso pas. Relatos semelhantes vm dos Estados Unidos e so documentados em vrios artigos e livros sobre educao em engenharia.

    Essa nova linha de pesquisa exerce papel im-portante na educao superior americana, cuja economia se baseia na produo de alta tecnolo-gia. Uma das razes de sua existncia devida constatao do crescimento da desvinculao entre a prtica da engenharia e a nova gerao de profes-sores, talvez pressionados pela exigncia da produ-o de papers e balizados pela poltica do publish or perish para o financiamento de suas pesquisas.

    JOS ROBERTO CARDOSO diretor da Escola Politcnica da USP e autor de Engenharia Eletromagntica (Campus).

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    Dossi Educao

    onde elas existem, nos centros de pesquisas so-bre educao em engenharia, so desenvolvidas tcnicas de ensino modernas, aliadas busca de polticas arrojadas para entender como os estu-dantes aprendem e as vises pedaggicas que os estimulam.

    o Brasil ainda no foi despertado para essa im-portante linha de pesquisa acadmica. os poucos que se aventuram a se dedicar em tempo integral a essa atividade no veem valorizados seus esfor-os pela comunidade. So raros os programas de ps-graduao em engenharia que abrigam essa linha de pesquisa, apesar dos esforos empreen-didos pela Associao Brasileira de Educao em Engenharia (Abenge) e do reconhecimento de sua importncia pelas autoridades educacionais.

    CRITRIOS DE AVALIAO E CARGA HORRIA

    Recentemente estudamos o histrico escolar de uma engenheira civil formada na Universidade da Flrida em Gainsville. os cursos de engenha-ria dessa universidade esto ranqueados entre os 50 melhores cursos de engenharia americanos. A diferena que se observa entre seu histrico esco-lar e o de qualquer escola de engenharia nacional enorme. De fato, nosso mundo educacional completamente diferente. A carga horria semanal de 15 horas em programa de quatro anos, que a mdia americana, enquanto a carga horria das escolas de engenharia brasileiras est em torno de 25 horas semanais em sala de aula (ou laboratrio) em um programa de cinco anos. A baixa carga horria se justifica pelo modo de vida do estudan-te americano, que valoriza o trabalho extraclasse, normalmente realizado com suporte de infraestru-tura adequada de bibliotecas, laboratrios, aloja-mentos e recursos financeiros. Essa a postura dita centrada nos alunos, os quais se responsabilizam pela busca do conhecimento fora de aula, com o professor se comportando como orientador e, em alguns casos, como tutor.

    no Brasil, por outro lado, a escola de engenha-ria enfatiza a importncia do trabalho em classe ao tentar esgotar seus contedos em demonstraes sofisticadas e extensas em sala de aula, na certe-za de que isso enriquece o aprendizado e refina o raciocnio engenheiro. Essa postura, dita cen-

    trada no professor, acarreta duas dificuldades. A primeira que para isso necessrio carga horria elevada, como as 25 horas j citadas; a segunda que no h tempo suficiente extraclasse para sedi-mentar o aprendido em aula.

    o professor sabe disso e por essa razo no carrega o aluno com projetos que exigem longo tempo de elaborao e reflexo, que so a essncia da engenharia, e supe que as listas de exerccios so suficientes para completar o ensino em classe.

    Essa tradio do ensino de engenharia nacional leva adoo de critrios de avaliao pontuais, atravs de poucas provas, que so prejudiciais ao aluno.

    Os educadores sabem que as avaliaes pon-tuais so injustas. Nelas o conhecimento explcito o nico que avaliado, e o conhecimento impl-cito, maior parte do total, expressa-se mediante estmulos de longo prazo e no em uma prova.

    no so contempladas, nas avaliaes, ativida-des importantes dos alunos, tais como: presena, participao na aula, procura do professor fora do horrio da aula para discusso sobre a matria e outros temas. Visitas a empresas e plantas indus-triais so raras e, na maioria das vezes, organiza-das pelos prprios estudantes e sem o planejamen-to acadmico adequado.

    Voltando questo dos projetos de longa du-rao, verifica-se que estimulam a pesquisa, a vi-vncia nas bibliotecas e reunies em grupo, nas quais as habilidades de comunicao e liderana so praticadas. Como essa tradio no faz par-te de nosso cotidiano, uma lacuna importante da formao em engenharia deixa de ser preenchida.

    Em essncia, a substituio da avaliao concentrada realizada unicamente atravs das provas pela avaliao distribuda organizar melhor a vida do estudante, estimular o contato professor/aluno, e a figura do professor para o es-tudante ser valorizada, pois a ao tutorial apa-recer naturalmente. Mais do que isso, a avaliao distribuda d chances de recuperao e se refletir sensivelmente nos ndices de reprovao.

    Uma pergunta surge quando um cenrio como este exposto: o que fazer quando as turmas so numerosas? Encontraremos a resposta um pouco mais adiante quando discutiremos o impacto da tecnologia da informao e comunicao (TI&C) na educao superior.

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    quando a Escola Politcnica da USP instalou-se na cidade de Cubato (SP), com vrios cursos nessa modalidade. Embora a experincia tenha sido des-continuada por problemas de infraestrutura local, foi logo retomado no campus da capital, com as devidas adaptaes para se acomodar ao ambiente da Grande So Paulo.

    Apesar de essa experincia no ter sido replica-da em grande escala em outras universidades bra-sileiras, a ideia continua na pauta das discusses da educao em engenharia nacional. A mais recente experincia de sucesso a praticada pela Univer-sidade Federal do ABC (UFABC), a qual, com as devidas adequaes, que envolveram a criao de um bacharelado interdisciplinar, tem sido o para-digma de uma proposta inteligente e inovadora no ensino da engenharia.

    Como referncia, em 1989 havia mais de mil pro-gramas cooperativos nos Estados Unidos em todas as reas do conhecimento, que envolviam um con-tingente de aproximadamente 250 mil estudantes. nas engenharias, os nmeros de 2004 mostraram que quase 100 escolas de engenharia, envolvendo mais de 30 mil alunos, praticavam essa modalidade.

    Concluindo, o curso cooperativo permite a mistura da aplicao prtica com a teoria ensinada nas salas de aula. Embora sua estrutura possa mu-dar de uma gerao para outra, sua grande virtude utilizar o mundo real como laboratrio, alm de permitir solues logsticas para uma ocupao mais racional do espao acadmico e aproveita-mento do tempo do estudante.

    O CURSO COOPERATIVO E O BACHARELADO INTERDISCIPLINAR

    o bacharelado interdisciplinar, antes de ser um modelo para as engenharias, um modelo de universidade. Consagrado com o Processo de Bo-lonha, entrou na pauta da universidade brasileira nesta dcada, sobretudo nas universidades federais.

    Esse modelo, similar ao regime de ciclos, in-troduzido no Brasil por Ansio Teixeira, na Uni-versidade do Distrito Federal, em 1934, e recriado por Darcy Ribeiro, na UnB, em 1961, , segundo o professor naomar de Almeida, a arquitetura curri-cular predominante nos pases europeus.

    A experincia marcante foi a de 2005, quando da criao da Universidade Federal do ABC, a qual

    NOVOS MODELOS: CURSOS COOPERATIVOS

    nosso modelo de curso semestral est arrai-gado na sociedade brasileira. Dizem que assim foi escolhido h centenas de anos em funo da colheita das fazendas. As frias de vero so lon-gas e, junto com as de inverno, consomem quatro meses do ano. Mudar isso uma tarefa difcil na educao brasileira, no entanto, algumas experin-cias interessantes foram levadas a cabo e, apesar de no terem se expandido na escala que se esperava, continuam a ser um modelo para reflexo.

    o modelo que ser apresentado parece, a prin-cpio, uma proposta que se encaixa bem para as en-genharias por estimular o aprendizado da profisso com a cooperao do setor produtivo. no entanto, para qualquer outra profisso, seja das humanida-des ou das cincias mdicas, o modelo denomina-do cursos cooperativos aplicado com sucesso.

    A ideia antiga. Surgiu nos Estados Unidos na Universidade de Cincinnati por iniciativa de Hernan Schneider, engenheiro civil graduado na Universidade lehigh. Schneider optou pelo mer-cado antes de se tornar professor da Universidade de Cincinnati, em 1903. Sua ideia tomou corpo ao observar a total separao entre a teoria e a prtica da engenharia reforo que estou falando de 1903, pois esse cenrio ainda atual, sobretudo em nosso pas devido ao fato de o professor no possuir a vivncia do exerccio da engenharia. Em sua concepo, o formando estar completo para o mercado de trabalho se estagiar, no mnimo, 15 meses antes de sua formatura.

    o primeiro teste, em 1903, foi realizado alter-nando-se escola e trabalho semanalmente, depois quinzenalmente, depois mensalmente e, por fim, quadrimestralmente.

    outras escolas logo aderiram proposta, como a Universidade northeastern, em 1909, a Univer-sidade de Pittsburgh, em 1910, a Universidade de Detroit, em 1911, e a Georgia Tech, em 1912. no formato atual, vrias acomodaes foram realizadas, pois esse modelo de curso de engenha-ria fortemente afetado pelo local de sua instala-o, de modo que no h como conceber dois cur-sos cooperativos idnticos em diferentes cidades.

    o Brasil foi o primeiro pas da Amrica latina a adotar o curso cooperativo na dcada de 1980,

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    inaugurou o bacharelado interdisciplinar em C&T, com um primeiro ciclo de trs anos e onze opes de segundo ciclo. Essa experincia foi replicada em vrias outras universidades brasileiras, com concentrao maior nas universidades federais.

    Esse modelo, aplicado nas escolas de enge-nharia das grandes universidades, tem gerado correntes de pensamento antagnicas. A favorvel aquela que busca uma formao mais generalis-ta do engenheiro, pois a definio da carreira s ocorre nos dois ltimos anos do curso. A contrria defende que tal modelo gera insegurana ao aluno, que tem sua opo de carreira definida e no tem certeza de que essa opo ser a ele oferecida no quarto ano, visto que o nmero de vagas por mo-dalidade limitado. Podemos citar ainda aquela corrente de professores que se mantm arraigada na tradio da instituio e refratria a qualquer tipo de mudana.

    A primeira vai ao encontro daqueles que veem a existncia de mais de 300 habilitaes de enge-nharia como improdutiva, pois, alm de reduzir a mobilidade dos engenheiros, o excesso de espe-cializao inibe a criatividade e a inovao, ambas fortemente multidisciplinares.

    A segunda, muito pouco discutida no meio aca-dmico, refere-se competitividade entre as profis-ses. levantamento que realizamos em 2006 mos-trou que, na Escola Politcnica da USP, algo em torno de 70% a 80% dos estudantes que desejam cursar engenharia se interessam pelas carreiras de computao, mecatrnica e produo, pela iluso de que mais fcil encontrar uma posio com essas qualificaes, o que, acreditamos, se repro-duz na maioria das grandes escolas de engenharia. Como o nmero de vagas limitado, justifica-se a preocupao do estudante com o seu futuro. Esse fenmeno implica competies durante os trs primeiros anos do bacharelado interdisciplinar agressivas entre os alunos que querem essas habi-litaes, o que pode afetar o relacionamento entre eles e, em alguns casos, com o corpo docente.

    o desafio est em encontrar um modelo de ba-charelado interdisciplinar que evite esse conflito. Como na raiz de um problema cabe uma inovao, estamos diante dela. no tenho dvidas de que isso possvel. Temos sugestes, que talvez seja me-lhor explicitar em outro momento, visto que ainda carecem de amadurecimento em algumas ideias.

    MODELO HANDS-ON: OLIN COLLEGE

    no existe escola de engenharia mais discutida na atualidade do que a Franklin W. olin College of Engineering. Sua proposta poltico-pedaggica inovadora tem colhido elogios da maioria dos di-rigentes educacionais. A ideia de sua criao vem de 1997, no entanto, a primeira turma de 75 alunos, recrutados de todas as partes do pas, ingressou em agosto de 2002. Apesar de ainda no ter tradio, a olin College, j na sua primeira turma, atraiu estu-dantes com qualificaes suficientes para ingressar em qualquer outra instituio de renome dos Es-tados Unidos, tais como MIT, Harvard e CalTech, pois enxergaram nessa escolha a oportunidade de entrar para a histria ao participar de uma experi-ncia inovadora no ensino da engenharia.

    A olin College concebeu seus cursos em torno daquilo que foi denominado Olin triangle, ten-do em seus vrtices a excelncia em engenharia, o empreendedorismo, contemplando a filantropia e a tica e, por fim, as artes, envolvendo criatividade, inovao, design e comunicao. Com a inteno de se tornar a renascena dos engenheiros, a maior parte do tempo despendida na realiza-o de projetos em cursos interdisciplinares, que priorizam o trabalho em equipe e a habilidade de comunicao.

    A cooperao com trs outras instituies prximas, Babson College, Wellesley College e Universidade Brandeis, da regio de Boston, dis-ponibiliza um grande elenco de disciplinas em negcios, economia, psicologia, artes e huma-nidades, que deixa a olin College livre para sua funo principal.

    A instituio se diferencia em vrios aspectos. Primeiro, no organizada em departamentos. os professores so membros de um nico grupo interdisciplinar. os contratos dos professores so renovados anualmente e no h a segurana do tradicional tenure system.

    o objetivo principal desenvolver a cultura da inovao e o pensamento empreendedor. As disci-plinas bsicas de matemtica, fsica e qumica esto amalgamadas nas disciplinas profissionais. A postu-ra da tcnica da mo na massa hands-on prati-cada, e em cada fase executado um plano de quatro estgios consistindo de descoberta da melhor prti-ca, da inovao, do desenvolvimento e dos ensaios.

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    mais importante que o conhecimento e que a enge-nharia um processo e no um conjunto de saberes estaro no cerne desse movimento que denominou de innovating engineering education.

    O IMPACTO DA TI&C NA EDUCAO

    Como introduo ao tema, o Grfico 1 mostra a evoluo do nmero de transistores presentes em um chip ao longo do tempo. Em essncia, esse gr-fico traduz o que foi denominado lei de Moore, em homenagem a Gordon E. Moore, o emblem-tico presidente da Intel, que, em 1965, profetizou que a capacidade de processamento dos compu-tadores dobraria a cada dois anos. A realidade mostrou-se bem aderente sua profecia a ponto de se imaginar, se ela continuar vlida como nos ltimos quarenta anos, que, em 2020, o notebook pelo qual pagamos 2 mil reais ter velocidade de processamento de um milho de gigahertz, mem-ria de milhares de terabytes e conexo a rede de dados velocidade de gigabits por segundo.

    Qual a consequncia disso? difcil imagi-narmos, mas no ser impossvel supor indivduos comunicando-se atravs de ambientes simulados, baseados em realidade virtual, ou telepresena, com softwares que coletaro, organizaro, faro relatrios e resumiro conhecimentos baseados nas reaes humanas.

    o impacto da TI&C na educao atuar em duas frentes. na primeira, possibilitando a evo-luo sensvel da insero dos jovens no ensino superior. no Brasil, apenas 17% de nossos jovens dos 18 aos 24 anos esto na universidade. Como ser a universidade brasileira se esse ndice chegar, como desejamos, a 50% de nossa juventude?

    Podemos responder a essa questo parafrasean-do Peter Drucker (1999): como criar experincias educacionais como fazemos, conhecendo o que ns conhecemos, com 200 ou 300 alunos em sala de aula? Evidentemente enfrentaremos esse desafio no futuro, esperamos no muito distante, no qual a manuteno da qualidade do ensino, apesar do crescimento vertiginoso da demanda, ser a grande dificuldade a ser vencida.

    nesse cenrio, a TI&C cumprir seu papel, dis-ponibilizando sistemas computacionais com fun-cionalidades que permitiro oferecer cursos de alta qualidade, mediante um ensino on-line sncrono

    A grande virtude desse modelo foi a descoberta de que se pode dar um curso de engenharia de alto nvel sem a necessidade de uma barreira disciplinar de contedo bsico, como ocorre nos cursos tradi-cionais. Afinal, supor que a criao na engenharia est vinculada ao conhecimento da matemtica e da fsica admitir que nada poderia ser construdo no mundo antes da existncia de Galileu e newton.

    A estrutura curricular organizada em m-dulos, de quatro a cinco semanas cada, e inclui viagem de um ms ao campus da Georgia Tech, em Metz, na Frana.

    David Kerns, provost da instituio, traa o perfil do professor com as seguintes caracters-ticas: paixo pelo ensino e educao; inovador e criativo e com insero no setor produtivo; habi-lidade no trabalho em equipe; postura proativa; permanentemente atualizado com as modernas tcnicas de ensino, entre outras competncias.

    Preocupada em manter-se num contnuo pro-cesso de inovao na educao em engenharia, a F. W. olin Foundation induz, com recursos gene-rosos, projetos educacionais. Invention 2000 foi o primeiro deles. Com durao de dois anos, os projetos de pesquisas focalizaram: experincias extracurriculares; consolidao da cultura de ino-vao institucional; procedimentos operacionais da instituio; marketing e relaes externas e es-trutura de governana.

    o currculo apresenta as seguintes caractersti-cas que o diferenciam das demais escolas de enge-nharia: nfase no projeto (de 20% do tempo no incio do curso a 60% no final); avaliao distribuda; ex-tino de barreiras entre disciplinas; nfase no traba-lho em equipe; flexibilidade com responsabilidade.

    A experincia da olin College, apesar de com-pletar apenas uma dcada, o que muito pouco para avaliar sua eficincia, tem recebido a ateno de nmero cada vez maior de educadores em enge-nharia. Seu modelo tem sido exportado para outros pases, inclusive para o Brasil, como a experincia da nova escola de engenharia do Instituto de Ensi-no e Pesquisa (Insper).

    Em recente apresentao no Insper, Richard Miller, presidente da olin College, afirmou que seus egressos recebem, em mdia, US$ 18.000 anuais a mais que qualquer outro engenheiro ame-ricano de escolas de primeira linha. E suas afirma-es de que, para os engenheiros, a criatividade

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    ou assncrono, com alto grau de interatividade, como nos jogos eletrnicos.

    A segunda frente ser como apoio ao ensino presencial, o que j ocorre atualmente no pas de forma tmida. Plataformas que exploram tcnicas de comunicao das redes sociais, que mantm os estudantes conectados espontaneamente, de modo a criar comunidades, no caso, a classe, com alta interatividade, o que possibilita o autoaprendizado, tendo como timoneiro o professor. Essa tcnica, denominada blending education, que mistura o ensino on-line com o presencial, est angariando muitos adeptos na academia, e sua utilizao cres-ce a cada dia nos Estados Unidos e na Europa.

    A blending education no simplesmente o ato de disponibilizar na rede o material didtico para os estudantes atravs de ferramentas computacionais consagradas, como o Moodle. Antes disso, uma ferramenta de ensino, cujos contedos so escolhi-dos com cuidado e disponibilizados aos estudantes nessa modalidade. Com esses contedos on-line, a aula se resume a um ambiente de dilogo e discus-so sobre as questes levantadas pela comunidade.

    Em futuro prximo, com a difuso dessas fer-ramentas de gerao de comunidades de conhe-

    cimento, o professor voltar a ser o tutor, como ocorria no passado, quando as classes eram mi-nsculas. o ensino ter as caractersticas do ensino individual, pois tcnicas de TI permitiro anali-sar a evoluo de cada estudante e identificar suas deficincias, que sero tratadas individualmente, levando-o, portanto, ao objetivo final, a aquisio da habilidade requerida pela disciplina.

    O DESAFIO DA ESCOLA POLITCNICA DA USP (EPUSP)

    A Epusp tem um desafio a superar. Seus qua-dros atuais apresentam, em nmeros redondos, 4.500 alunos de graduao, 2.500 de ps-gradua-o, 500 docentes e 500 colaboradores. Analisan-do apenas a graduao, o tempo mdio de titula-o de seis anos e meio, e a evaso marginal. Esse tempo mdio de titulao elevado devido ao grande nmero de reprovaes no ciclo bsico, ou seja, nos dois primeiros anos do curso.

    Dos 4.500 alunos de graduao, 2.500 ainda no conseguiram sair do ciclo bsico. Em algumas disci-plinas, como clculo numrico, apenas 40% dos ins-critos conseguem aprovao na primeira matrcula.

    TrANSiSTOrES Em Um chIp x TEmPO

    GRFICO 1

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    se cria quando o foco do seu raciocnio fechado, como ocorre com o especialista. Para que a lente de seu pensamento se abra para o mundo, alm da capacidade de identificar que aquilo que imagina factvel, habilidade que conseguida com o conhe-cimento tcnico tpico das engenharias, deve-se tambm identificar que o produto ou processo seja vivel economicamente, e que seja algo desejado pelo consumidor. Sem essas trs propriedades, a inovao no se completa.

    Assim, para adquirir as outras duas habilida-des, o estudante de engenharia deve procurar cur-sos, onde quer que seja, que o completem como ser inovador e empreendedor, visto que essas ca-ractersticas so diferentes de um ser humano para outro. Cursos da rea de economia, finanas, artes e design so disciplinas adequadas para um bom complemento de um curso de engenharia.

    Habilidades adicionais, que no passado no faziam parte das competncias de um engenhei-ro, tambm devem ser estimuladas. Dentre essas, para completar aquilo que julgamos serem as ha-bilidades do engenheiro de 2020, destacam-se o conhecimento de uma lngua estrangeira em nvel conversacional, a habilidade de comunicar-se de forma eficiente e clara e, por fim, a habilidade de trabalhar em equipe.

    Essas ltimas competncias raramente fazem parte do currculo das engenharias, pois no h espao para tal, mas podem ser estimuladas com o trabalho em grupo, a apresentao de seminrios e com a internacionalizao.

    A nova estrutura curricular da Epusp oferece possibilidades para o estudante buscar essas com-petncias a partir do terceiro semestre em qualquer outro curso da escola, em outra unidade da USP ou, at mesmo, em instituies externas.

    A internacionalizao, adquirida mediante inter-cmbio com universidades do exterior, alm da habi-lidade de falar uma lngua estrangeira com fluncia, completa a formao com a cultura de outro povo, que uma arma decisiva na produo de inovaes que se ajustam s caractersticas culturais (incluin-do economia, religio e virtudes) de outra nao.

    o desafio est em agregar um grau mnimo de internacionalizao aos que ficam, pois no pos-svel enviar todos os nossos estudantes ao exterior.

    Todas as aes para que essas competncias sejam adquiridas por nossos estudantes esto con-

    Essa dificuldade de vencer, aliada sensao de que aquilo que se aprende no aplicado en-genharia, frustra boa parte do corpo discente, que passa a enxergar o curso como um grande sacrif-cio, e no como uma atividade estimulante, criati-va e inovadora, que no futuro lhe propiciar uma profisso digna e boa qualidade de vida.

    Estudos elaborados por um grupo de professo-res de todos os cursos da Epusp identificaram que imprescindvel o contedo acadmico oferecido nas disciplinas de fsica, matemtica e qumica para a boa formao dos engenheiros. Independen-te da utilizao ou no dos saberes apresentados nas diversas disciplinas nos cursos de engenharia, uma base slida nessas matrias fundamental para dotar de habilidades tpicas os engenheiros.

    o que fazer para manter o que ministrado no ciclo bsico e ao mesmo tempo no tornar essa carga de trabalho a razo do distanciamento entre os estudantes de engenharia e a profisso?

    A soluo encontrada para conciliar essa exi-gncia e os anseios dos alunos, que gostariam de um contato com sua profisso logo no incio de sua vida universitria, foi buscar no apenas uma nova distribuio desse contedo ao longo do curso, mas tambm uma nova sequncia de apresentao dos tpicos das disciplinas.

    Isso posto, o contedo do ciclo bsico passou a se estender at o final do sexto semestre. Com isso, foi possvel efetuar ajustes na sequncia de apresentao dos contedos, que no passado eram conflitantes e identificados como uma das fontes de gerao de dificuldades de acompanhamento.

    Essa redistribuio abriu espaos nos primei-ros semestres do curso, os quais foram ocupados com disciplinas de formao profissional. Compa-re as duas estruturas na Figura 1.

    outro aspecto importante que vai ao encontro da moderna pedagogia em educao de engenharia a possibilidade de o estudante interferir em sua grade durante o curso. A estrutura convencional dos cursos de engenharia , com rarssimas excees, fechada. os estudantes so mantidos, durante os cinco anos, confinados a um silo que impede interaes com outras habilitaes e mesmo com outras profisses.

    A habilidade de inovao exige que o enge-nheiro tenha viso sistmica e generalista, pois est provado que a especializao no faz parte do per-fil do inovador. o inovador deve ser criativo, e no

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    Dossi Educao

    templadas na nova estrutura curricular da Escola Politcnica da USP.

    UM ESPAO PARA A CRIATIVIDADE

    Todos concordam quando afirmamos que a criana criativa. A cada dia notamos sua evo-luo, fazendo coisas novas e tentando superar seus limites sem medo ou vergonha de errar. o que acontece, no entanto, ao chegar adolescn-cia, quando parece que toda aquela criatividade e coragem de errar desaparecem?

    ESTrUTUrA CUrriCULAr - EC2

    FIGURA 1

    FONTE: POLi-USP

    no h dvida de que o ambiente , dentre ou-tros, o principal fator inibidor da criatividade e ge-rador do medo de errar. Como superar esse desafio de modo a no deixar nossos jovens perderem essa habilidade dentro de uma escola de engenharia?

    Como as questes de ordem pessoal, familiar e de relacionamento no podem ser trabalhadas, a soluo a busca de um ambiente que estimule a criatividade, isto , precisamos conceber um jar-dim de infncia para o adolescente, que o liberte do estigma do medo de errar e o desafie, a todo instan-te, a usar sua criatividade na soluo de problemas.

    EC2

    Total 79 crditos

    ESTrUTUrA CUrriCULAr - EC3

    Nuc Nuc. Com.(Crd. Aulas)

    Semestre(Crd. Aulas)

  • REVISTA USP So PAUlo n. 100 P. 97-108 DEZEMBRo/JAnEIRo/FEVEREIRo 2013-2014 107

    objetivo de atrair estudantes das reas de design, artes plsticas e cincias sociais, para que, nesse ambiente de promiscuidade intelectual, a criati-vidade floresa.

    Esse espao, que denominamos laboratrio de Inovao, fixar o aluno escola, pois, alm de um espao de vivncia, ser um espao de criao, que poder dar origem a grandes empresas, como tem ocorrido, em pequena escala, na Epusp. Queremos facilitar a repetio de experincias bem-sucedidas de alunos, como aquela do incio desta dcada, em que, na busca de preos de uma impressora, dois alunos tiveram a ideia de criar uma das maiores empresas de TI&C do pas, o Buscap. outra ex-perincia emblemtica foi a concepo do primeiro call center brasileiro por um aluno, no final da d-cada de 1970. Como essas, vrias outras ideias pros-peraram com muito esforo e sacrifcio pessoal.

    Finalizando, o laboratrio de Inovao em breve ser realidade na Escola Politcnica da USP, e complementar as exigncias para a formao do engenheiro de 2020.

    Como todo jardim de infncia, devemos ofe-recer um ambiente bonito, ldico e colorido, com os brinquedos preferidos dos adolescentes, que so computadores de alto desempenho, dotados de softwares de simulao avanados, impressora 3D para que possam tocar em sua ideia, ateliers, oficinas eltrica, eletrnica, mecnica e tapearia para que do modelo possam chegar ao prottipo.

    o ambiente dever abrigar tambm as inicia-tivas espontneas de equipes envolvidas em pro-jetos temticos, tais como: construo de vecu-los, avies, robs destinados competio, grupo de software livre, entre outros. o espao dever ser aberto de forma a permitir o fluxo dos alunos atravs das equipes para facilitar a interao entre grupos, isto , no deve ter paredes ou portas, que dificultam a mobilidade; as empresas tero espao para lanar seus desafios aos estudantes naquilo que denominamos oficina de inovao.

    Alm dessas facilidades, dever ser disponibi-lizado um grande espao destinado exposio de arte, msica, workshops cientficos ou no, com o

    Laboratrio de Inovao da Epusp

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    Dossi Educao

    BIBlIOGRAFIA

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    First century. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2010.

    CONCLUSO

    Shankar Satry e Fione Doyle, em recente artigo no Daily Californian, relatam encontro com o dr. Paul Jacobs, CEo da Qualcomm uma empresa global de semicondutores , no qual ele afirma:

    Hoje em dia no suficiente prover nosso futuro engenheiro apenas com habilidades tcnicas. Eles devem aprender como combinar arte e engenha-ria, como trabalhar em equipes interdisciplinares, como interagir rapidamente com o design, como produzir de modo sustentvel e, por fim, como identificar mercados globais.

    Quando se pede para algum descrever o perfil de um engenheiro, ouve-se sempre que ele deve ser lgico, bom em matemtica e outras qualifica-

    es de sua intelectualidade. Raramente ouvimos que ele deve ser criativo, artstico e bom comu-nicador, como exigido atualmente pela sociedade.

    o engenheiro de 2020 no dever ser forma-do para buscar um emprego, mas sim para criar seu posto de trabalho. Fala-se muito que o mer-cado de trabalho afeta a profisso, pois, se no h desenvolvimento, no h razo para se contratar engenheiros. no entanto, a importncia da enge-nharia para a sociedade outra, pois a boa for-mao de engenheiros em larga escala o vetor de alavancagem do desenvolvimento. o engenheiro de 2020 no vai esperar o desenvolvimento chegar; ele vai produzir o desenvolvimento.

    Encerramos com a frase de Steve Wozniack, que, junto com Steve Jobs, fundou a Apple na d-cada de 1980: Fazer engenharia com arte difcil, mas assim que deve ser.

  • arte