engenharia de materiais próteses demamona · odontologia deararaquara da univer-sidade estadual...

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TECNOLOGIA ENGENHARIA DE MATERIAIS Próteses demamOna Polímero derivado de óleo vegetal, sintetizado por químico de São Carlos, ganha mercado internacional DINORAH ERENO R itade Cássia Xavier da Costa, 46 anos, há três evitava sair de casa para ir ao mercado, a reuniões com amigos e até procurar emprego. A reclusão só foi quebrada no final de junho deste ano, depois de ela passar por uma cirurgia de reconstrução da mandíbula que lhe devolveu a antiga for- ma do rosto. "Sou outra depois da cirurgia. Perdi o medo de encontrar as pessoas, voltei a rir e a mastigar comidas sólidas", conta essa mora- dora de Petrópolis, na serra fluminense. A matéria-prima utilizada para refazer o maxilar de Rita, corroído por um tumor, é um políme- ro, material semelhante ao plástico, que tem como base o óleo da ma- mona, planta arbustiva muito disseminada pelo Brasil. A síntese desse material, que pode ser chamado de biopolímero porque tem alta capa- cidade de interação com as células do corpo humano. e não provoca ca- sos de rejeição como a platina usada até aqui nos maxilares e em ou- tras partes do corpo, é de autoria do professor Gilberto Orivaldo Chierice, do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP) .. O invento de Chierice recebeu, em junho deste ano, a aprovação da Food and Drug Administration (FDA), a agência do governo norte- americano responsável pela liberação de novos alimentos e medica- mentos. Esse certificado abre as portas para o maior mercado do mun- do na área de saúde e garante visibilidade científica e comercial em todo o planeta. No Brasil, o Ministério da Saúde já havia aprovado o bioma- terial em 1999, oito anos depois de iniciados os trabalhos de Chierice nessa área. Ao longo desse tempo mais de 2 mil pessoas - vítimas de aci- dentes com armas, carros, motos e de tumores - foram beneficiadas com próteses para substituir ossos nas mandíbulas, no crânio e na face ou, ainda, como suportes na coluna cervical, no lugar dos testículos, no pênis, nos globos oculares e nas gengivas. Para conceder a aprovação, a FDA fez testes químicos e biológicos, como o de citotoxicidade (para avaliar se o produto é tóxico ao organis- mo), e uma série de outros que já haviam sido realizados no Brasil. A cer- tificação da agência norte-americana não é nada barata. O custo de US$ 400 mil foi bancado pela empresa Doctors Research Groups (DRG), de Plymouth, no Estado de Connecticut, que vai distribuir o produto nos 66 • SETEMBRO DE 2003 PESQUISA FAPESP 91

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• TECNOLOGIAENGENHARIA DE MATERIAIS

PrótesesdemamOna

Polímero derivado de óleo vegetal,sintetizado por químico de São Carlos,ganha mercado internacional

DINORAH ERENO

Ritade Cássia Xavier da Costa, 46 anos, há três evitava sairde casa para ir ao mercado, a reuniões com amigos e atéprocurar emprego. A reclusão só foi quebrada no final dejunho deste ano, depois de ela passar por uma cirurgia dereconstrução da mandíbula que lhe devolveu a antiga for-

ma do rosto. "Sou outra depois da cirurgia. Perdi o medo de encontraras pessoas, voltei a rir e a mastigar comidas sólidas", conta essa mora-dora de Petrópolis, na serra fluminense. A matéria-prima utilizadapara refazer o maxilar de Rita, corroído por um tumor, é um políme-ro, material semelhante ao plástico, que tem como base o óleo da ma-mona, planta arbustiva muito disseminada pelo Brasil. A síntese dessematerial, que pode ser chamado de biopolímero porque tem alta capa-cidade de interação com as células do corpo humano. e não provoca ca-sos de rejeição como a platina usada até aqui nos maxilares e em ou-tras partes do corpo, é de autoria do professor Gilberto OrivaldoChierice, do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade deSão Paulo (USP) ..

O invento de Chierice recebeu, em junho deste ano, a aprovação daFood and Drug Administration (FDA), a agência do governo norte-americano responsável pela liberação de novos alimentos e medica-mentos. Esse certificado abre as portas para o maior mercado do mun-do na área de saúde e garante visibilidade científica e comercial em todoo planeta. No Brasil, o Ministério da Saúde já havia aprovado o bioma-terial em 1999, oito anos depois de iniciados os trabalhos de Chiericenessa área. Ao longo desse tempo mais de 2 mil pessoas - vítimas de aci-dentes com armas, carros, motos e de tumores - foram beneficiadascom próteses para substituir ossos nas mandíbulas, no crânio e na faceou, ainda, como suportes na coluna cervical, no lugar dos testículos, nopênis, nos globos oculares e nas gengivas.

Para conceder a aprovação, a FDA fez testes químicos e biológicos,como o de citotoxicidade (para avaliar se o produto é tóxico ao organis-mo), e uma série de outros que já haviam sido realizados no Brasil. A cer-tificação da agência norte-americana não é nada barata. O custo de US$400 mil foi bancado pela empresa Doctors Research Groups (DRG), dePlymouth, no Estado de Connecticut, que vai distribuir o produto nos

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Estados Unidos e no Canadá. O interes-se deles pelo polímero da mamona sur-giu quando médicos brasileiros foramconvidados a apresentar nos EstadosUnidos cirurgias experimentais com onovo material. Representantes da DRGestiveram em uma dessas apresentaçõese entraram em contato com Chierice.Em setembro do ano passado, foram aSão Carlos pela primeira vez para co-nhecer o produto e, depois disso, volta-ram outras sete vezes ao país, em algu-mas delas para acompanhar cirurgiasde vários grupos médicos.

"Fizeram muitas perguntas e quise-ram ver tudo, mas valeu a pena porquecom o certificado poderemos exportarpara outros países':comenta calmamen-te Chierice, enquanto pica fumo de cor-da para enrolar um cigarro de palha, ri-tual que repete várias vezes ao longodo dia. Para comercializar o produto, oprofessor criou em 1997a empresa Po-liquil, instalada em Araraquara, e depo-sitou a patente do invento no InstitutoNacional da Propriedade Industrial(INPI) em seu nome, no mesmo ano. Aempresa é dirigida desde então por trêstécnicos que trabalhavam com ele. Se-gundo cálculos de Chierice, as exporta-

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ções do polímero de mamo na, apenaspara os Estados Unidos, devem resultarnuma receita de cerca de US$ 500 milpor ano para a Poliquil.

Opolímero registrado noBrasil como compostoósseo de ricinus (COR),em referência ao nomecientífico da planta (Ri-

cinus communis), recebeu nos EstadosUnidos o nome de RG Kryptonite, pa-lavra que lembra o planeta de origemdo Super-Homern, famoso persona-gem das histórias em quadrinhos e deséries da TV e do cinema. O nome, em-bora não confirmado pela empresa, re-laciona o efeito da kriptonita, o metalque tira a força do homem de aço, como biopolímero que deve ganhar merca-do, enfraquecendo as próteses de metal.O material produzido pela Poliquil é

exportado em forma de kit, com duasampolas, compostas de poliol e pré-po-límero extraídos do óleo de semente demamona, os produtos desenvolvidospelos pesquisadores, mais o carbonatode cálcio, misturados apenas no mo-mento em que serão usados.

O sucesso do biopolímero é expli-cado pela compatibilidade que ele temcom o organismo humano. "Na com-posição química desse material existeuma cadeia de ácidos graxos cuja estru-tura molecular está presente nas gordu-ras existentes no corpo humano. Porisso, as células não 'enxergam' a resinade mamona como um corpo estranho enão a repelem': explica Lizeti ToledoRamalho, professora da Faculdade deOdontologia de Araraquara da Univer-sidade Estadual Paulista (Unesp). Aspesquisas realizadas na USP,na Unesp ena Poliquil proporcionaram sucesso no

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exterior mesmo antes da aprovação daFDA."A área em que mais utilizamosessenovo produto foi em cirurgias decoluna, com mais de 500 intervenções,realizadaspor seis grupos distintos decirurgiões", conta Jorge Viscovig, dis-tribuidor do produto no Chile e naArgentina, onde foram feitas cerca de1.700 cirurgias com o polímero. Emuma dessas intervenções, uma argenti-na de 60 anos com fraturas na colunavertebral em decorrência de osteopo-rase, uma doença que desgasta natu-ralmenteos ossos, livrou-se da dor cer-ca de 40 minutos depois de receber aresina de mamo na na forma líquida.Injetadodentro dos ossos com uma se-ringa, por uma técnica conhecida co-movertebroplastia, o líquido viscoso decor amarelo-claro preencheu os espa-çoscorroídos pela doença e se solidifi-cou.Dessaforma, ocorreu a fixação das

fraturas e a paciente sentiu alívio ime-diato da dor. Chierice ressaltaque a van-tagem desse material em relação ao ci-mento acrílico, bastante utilizado nessetipo de procedimento, é contribuir pa-ra a regeneração óssea, e não apenaspara imobilizar a fratura.

;

EISSO mesmo, o osso se rege-nera. Num processo bioquí-mico ainda não totalmenteexplicado,o organismo subs-titui o polímero por células

ósseas. "Ele vai se desmembrando e oosso cresce no lugar", conta Sérgio Au-gusto Catanzaro Guimarães, professoraposentado da Faculdade de Odonto-logia de Bauru, da USP,e coordenadorde pesquisa da Universidade do Sagra-do Coração, da mesma cidade. Eleusouem suas pesquisas a resina para reco-brir defeitos ósseos do crânio e da face.

A capacidade do biopolímero de -rege-nerar ou não o osso está relacionadacom a forma como ele é preparado.Conforme o arranjo molecular dassubstâncias que formam o material, eletanto pode ser absorvido ou não peloorganismo. Esse fator é ressaltado porpesquisadores e cirurgiões que traba-lham com o polímero de mamona,como o médico Edelto dos Santos An-tunes, de Petrópolis. Em agosto, ele re-construiu parte da mandíbula de umpaciente com o polímero em duas tex-turas diferentes. "A parte externa, maisdura, vai ficar sempre como pró tese. Ainterna, que fica em contato com o ossoe é porosa, vai ser substituída por umaestrutura óssea",relata o especialista emcirurgias maxilo-faciais, que já fez 30pró teses com o polímero de mamonanos últimos quatro anos, todas feitaspelo Sistema Único de Saúde (SUS) noHospital Santa Teresa,de Petrópolis.

A resina de mamona surge tambémcomo uma boa promessa na área esté-tica. Uma das linhas de pesquisa maisrecentes mostra que o polímero temgrande potencial, em forma de fiosmui-to finos, para amenizar rugas de ex-pressão e combater a flacidez da pele.

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"Esses fios já foram implantados comexcelentes resultados em animais de la-boratório", diz Lizeti, da Unesp. Paraela, o fio de biopolímero é candidatopotencial a substituir o fio feito de po-lipropileno, um plástico derivado dopetróleo, desenvolvido na Rússia em1999. "O fio russo é muito utilizado porcirurgiões plásticos. Depois de introdu-zido na face por meio de uma cânula,permanece no tecido conjuntivo daderme por tempo indeterminado", rela-ta. "Mas o fio de resina de mamona temmaior biocompatibilidade e não provo-ca rejeições ou alergias como o de poli-propileno", ressalta a pesquisadora, queem agosto apresentou resultados desuas pesquisas para cirurgiões plásticosem um workshop em Araraquara.

Rugas e mandíbulas nempassavam pela cabeça deChierice quando ele ini-ciou os primeiros estudosque resultaram no ecléti-

co polímero. Tudo começou em 1984,quando o Centro de Pesquisa e Desen-volvimento (CPqD), da Telebrás, a entãoholding estatal das telecomunicaçõeslocalizada em Campinas, enfrentavaproblemas com uma resina importadautilizada para proteger da umidade oscabos telefônicos subterrâneos e aéreos.Como estavam se degradando antes dotempo, a empresa procurou o Institutode Química da USP para que avaliasseo material. "Comecei a analisar a resinae concluí que podia fazer coisa melhor",conta Chierice. Era um trabalho previs-to para durar seis meses que foi, depois,estendido para um contrato de três anoscom a Telebrás. "Fizemos um polímeronovo para eles, derivado da mamona,com resultados fantásticos:'

A pesquisa teria provavelmente pa-rado por aí não fosse o interesse que oproduto despertou no começo da déca-da de 90 em um médico do HospitalAmaral de Carvalho, de Iaú, no interiorde São Paulo, instituição que é referên-cia no tratamento de câncer. "Duranteuma visita à USP de São Carlos, o uro-logista Renato Prado Costa, que na épo-ca era diretor clínico do hospital, ficouentusiasmado com a novidade e propôsque fizéssemos algumas pró teses de tes-tículos, para substituir as de silicone,então em uso no hospital': conta Chie-rice. As próteses foram feitas e enviadaspara testes no hospital da Faculdade de

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Dispersão domésticao óleo de mamona, também co-

nhecido no Brasil como óleo de ríci-no, possui uma enorme versatilidadequímica dentro do ramo industrial.Ele pode ser utilizado na indústriade plásticos, de cosméticos, tintas evernizes, na siderurgia, além de serindispensável para impedir o conge-lamento de combustíveis e lubrifi-cantes de aviões a baixíssimas tempe-raturas. Extraído das sementes de umarbusto herbáceo da família das eu-forbiáceas, também conhecido comocarrapateira, o óleo de mamona foilargamente utilizado no Brasil comolaxante e vermífugo.

A existência de um grande nú-mero de variedades dessa planta, en-contradas tanto no continente afri-cano como no asiático, impossibilitaqualquer tentativa de se estabelecersua origem efetiva. Sementes encon-tradas em túmulos mostram que amamona já era utilizada pelos egíp-cios há pelo menos 4 mil anos. Naantiga Grécia, alguns filósofos men-cionaram em seus escritos o empre-go do óleo de mamo na no Egito pa-ra iluminação e na produção deungüentos. ''A mamona é sempre en-contrada onde existem aglomeradoshumanos, indicativo de dispersão do-

retiradas e as análises mostraram per-feita compatibilidade com o organismo.Prado Costa decidiu aprofundar as pes-quisas. "Coloquei 50 pares de prótesesde testículos e 12 penianas, e não foi re-latada nenhuma rejeição", conta. Quasedez anos depois, alguns pacientes ain-da estão com as próteses. Prado Costadiz que conseguiu seu objetivo. "Mos-trei que o polímero é biocompatível eserve para a confecção de pró teses parauso médico': relata. "Sem contar que asde polímero custam até 15% menosque as de silicone,"

Paciente recuperado - Os relatos dasbem-sucedidas experiências chamarama atenção de especialistas em câncer decabeça e pescoço de [aú, que tambémqueriam experimentar o material. Al-gumas modificações nos arranjos dasmoléculas tornaram o polímero mais rí-gido, possibilitando implantes de man-díbulas, por exemplo. Chierice contaque se emocionou quando viu um pa-ciente no Hospital Amaral de Carvalho,que tinha perdido metade da mandíbu-la por causa de um câncer, morder umbife após receber uma pró tese com opolímero. Outro caso semelhante é deAlexandre do Nascimento, um motoris-ta de 30 anos que recebeu o mesmotipo de prótese depois de passar umbom período com inchaços e doresprovocados por um tumor. "Eu comopão, carne e não sinto diferença. Quan-do vou a churrascos, não faço cerimô-nia", relata. "As pessoas não acreditam

Medicina Veterinária de Botucatu, daUnesp. Depois de algum tempo, PradoCosta procurou Chierice para dizer queo material tinha propriedades desco-nhecidas, que precisavam ser estuda-das. Isso porque, segundo o relato dopessoal de Botucatu, o coelho que rece-beu o polímero não apresentou nenhu-ma rejeição. "Até então não se falavaem biocompatibilidade do polímero",diz Chierice. Foram feitos experimen-tos em ratos, porcos e cachorros e os re-sultados confirmaram a experiência como coelho. A partir desse momento, ostestes em humanos foram iniciados.

Prado Costa pediu a Chierice ql.refizesse várias pró teses de testículos, des-tinadas a pacientes terminais com cân-cer de próstata. O urologista conversoucom as famílias dos pacientes, que au-torizaram o procedimento. Quando ospacientes morreram, as pró teses foram

o PROJETO

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Caracterizações de PolímerosPoliuretanos Derivados de Óleode Mamona para ser Utilizadona Área Médica

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORGILBERTO ORIVALDO CHIERICE - IQSC-USP

INVESTIMENTOR$ 99.245,00

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méstica" diz Márcia Barreto de Me-deiros Nóbrega, pesquisador da Em-presa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária, na Embrapa Algodão, emCampina Grande (PB), que trabalhacom melhoramento genético de olea-ginosas. "De Porto Alegre (RS) a Ta-batinga (AM), essa é a situação ob-servável em todo lugar que passo:' Aplanta foi trazida ao Brasil pelos por-tugueses, com a finalidade de utilizarseu óleo para iluminação e lubrifica-ção de eixos de carroças. O clima tro-pical facilitou o seu alastramento.

Durante décadas o Brasil mante-ve o posto de maior produtor e ex-portador mundial de óleo de ma-mona. Mas nos últimos anos perdeuo primeiro lugar e ficou atrás daíndia e da China, respectivamente.Na safra 200112002, o Brasil produ-ziu 82.200 toneladas de bagas (se-mentes) de mamona, com uma pro-dução média de 651 quilos porhectare, segundo dados da Compa-nhia Nacional de Abastecimento(Conab). Desse total, a Bahia produ-ziu 75.700 toneladas.

Utilizada desde o antigo Egito, a mamonaganhou espaço em várias aplicações industriais

que tenho uma pró tese, porque me ali-mento bem e a cicatriz é pequena."

O trabalho de reconstrução de man-díbulas e crânios com o polímero é fei-to em parceria com pesquisadores daFaculdade de Engenharia Mecânica daEscola de Engenharia de São Carlos(EESC), também da USP. Cabe a eles atarefa de projetar e calcular cada deta-lhe da prótese feita sob medida, como olocal exato de encaixe do parafuso quepermite a articulação da mandíbula. Oprimeiro passo do trabalho é obter umatomografia do local que vai receber opolímero. Essa imagem, trabalhada emcomputador, vai para uma máquina deprototipagem, onde a prótese é produ-zida em plástico rígido, para em segui-da ser feito um molde em silicone e naetapa final ser confeccionada no polí-mero. "Quando o paciente vai para amesa de cirurgia, a pró tese já estápronta, personalizada", diz o professorlonas de Carvalho, da EESC. "A inter-

venção, que demorava de 16 a 17 horaspelo método tradicional, leva, em mé-dia, duas horas com esse procedimen-to." Pelo processo antigo, todas as me-dições e acertos da nova prótese eram

. feitos na própria sala de cirurgia. Semcontar que a platina, material utilizadonesse tipo de prótese, pode ser rejeitadapelo organismo, e a mamo na não.

Material modificado - Os estudos en-volvendo o polímero são um capítulo àparte nessa trajetória. Pelos cálculos deChierice, hoje são mais de 200 traba-lhos publicados e cerca de 40 mestradose doutorados, nas áreas de medicina,odontologia, veterinária e engenharia.Parte dos estudos do professor tambémfoi financiada pela FAPESP por meiode um auxílio à pesquisa.

A profusão de estudos sobre o polí-mero da mamo na produziu soluçõesainda não imaginadas pelos pesquisa-dores ligados à produção de próteses.

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Uma delas está no potencial bacterici-da e fungicida do biomaterial, reveladopelas professoras Izabel Froner, da Fa-culdade de Odontologia da USP de Ri-beirão Preto, e Izabel Yoko Ito, da Fa-culdade de Ciências Farmacêuticas damesma universidade. Essa pesquisa re-sultou no registro de dois novos pro-dutos bactericidas, o endoquil, usadono tratamento de canais dentários, e operioquil, para aplicação na periodon-tia (gengivas).

Isolador barato - Na área de engenha-ria elétrica, mais um uso inédito. Mis-turado a outros materiais, o biopolíme-ro foi aprovado como isolador elétricopara redes de alta tensão. "Fizemos umisolador usando a resina e, para melho-rar suas cacterísticas mecânicas e térmi-cas, colocamos diferentes aditivos, comoareia e sílica", conta o professor Ruy Al-berto Correa Altafim, da EESC. "Conse-guimos com esses aditivos baratear cus-tos e manter as características elétricasdo material': diz Altafim, que já reque-reu a patente do isolador polimérico.

Mesmo com tantos resultados ani-madores, nenhuma empresa se dispu-nha a investir no polímero até a meta-de da década de 90. Chierice decidiuentão criar as condições para produziro polímero comercialmente, ainda queem pequena escala. Na mesma época, oprefeito de Araraquara pensava em ins-talar empresas de base tecnológica nomunicípio. Bastou uma reunião paraque a Poliquil tomasse forma. SegundoAntônio Rossi, um dos sócios, hoje aspeças são elaboradas de acordo com anecessidade. "O médico tem a idéia enós projetamos a peça." São 300 itenscatalogados. Outro produto da fábricade Araraquara é uma variedade usadacomo adesivo em filtros de bomba ex-tracorpórea, aparelho que faz a filtra-gem de sangue em cirurgias.

Quando se ouve Chierice e outrospesquisadores falando a respeito dospossíveis usos do biopolímero pareceque ele é uma panacéia para tudo. Masna verdade ele é fruto da pesquisa aca-dêmica que mobilizou estudiosos devárias universidades paulistas e agora setransforma em produtos para a socie-dade. Mas a história desse óleo vegetalparece que não pára aqui. Dado o inte-resse despertado pelo polímero de ma-mona, os pesquisadores ainda prome-tem muitas surpresas. •