enfermagem de nightingale aos dias de hoje 100 anos

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  • FICHA TCNICA

    TTULOENFERMAGEM: DE NIGHTINGALE AOS DIAS DE HOJE 100 ANOS

    EDITORUnidade de investigao da Escola Superior de Enfermagem de CoimbraEscola Superior de Enfermagem de Coimbra

    RESPONSABILIDADE DA EDIOManuel Alves Rodrigues Coordenador Cientfico da Unidade de Investigao em Cincias da Sade da Escola Superior de Enfermagem de CoimbraMaria da Conceio Bento Presidente da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

    COORDENADOR DA EDIOPaulo QueirsProfessor Coordenador da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

    SRIE MONOGRFICANmero 1ISSN 1647-9440DEPSITO LEGAL 342586/12

    CONCEO GRFICACandeias Artes Grficas Bragawww.candeiasag.com

    REVISO FINALSandra SantosTcnica Superior da Unidade de Investigao da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

    APOIO DOCUMENTALFernanda UmbelinoEspecialista Cincias Documentais, ESEnfCMaria Helena SaraivaTcnica Especialista Documentao, ESEnfC

    ANO DE PUBLICAO 2012

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 3Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 3

    NDICE

    Nota de Abertura do EditorManuel Alves Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

    Nota de AberturaPaulo Joaquim Pina Queirs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    Florence Nightingale. Algumas ReflexesManuel Lopes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    O Valor da EnfermagemAntnio Fernando Salgueiro Amaral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    A produo e uso de informao desde Nightingale aos nossos diasAnabela de Sousa Salgueiro Oliveira, Maria da Conceio G. M. A. de S,Maria Arminda Gomes; Antnio Fernando Salgueiro Amaral . . . . . . . . . . . . . . . 37

    Gesto em enfermagem de Florence Nightingale aos nossos diasMaria Manuela Frederico Ferreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

    O Enfermeiro como Gestor do Processo de Preparao do Regresso a CasaAna Filipa Cardoso; Helena Maria Felizardo; Jos Carlos Janurio . . . . . . . . . . 75

    O bem-estar na perspetiva de enfermagemPaulo Joaquim Pina Queirs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

    O ensino da enfermagem: de Nightingale a BolonhaManuel Carlos Rodrigues Fernandes Chaves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

    Evoluo do ensino das aulas prticas laboratoriais em enfermagemVernica Rita Dias Coutinho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

    Ensino Clnico: perspetiva do estudante face ao seu processo de aprendizagemAna Maria Perdigo; Ana Paula Almeida; Fernando Jos Gama . . . . . . . . . . . . . 145

  • O Ensino Clnico em Enfermagem, stresse e resilinciaAlfredo Cruz Loureno; Elisabete Pinheiro Alves Mendes Fonseca . . . . . . . . . . 171

    Ensino Clnico de Enfermagem: Crenas e Atitudes acerca das Doenas e Doentes MentaisIsabel Maria de Assuno Gil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

    Empreendedorismo em Enfermagem O Legado de Florence NightingaleJoo Manuel Garcia do Nascimento Graveto; Manuel Carlos R. F. Chaves;Pedro Miguel dos Santos Dinis Parreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201

    Competncias Relacionais de Ajuda nos enfermeiros: um estudo empricoRosa Cndida Carvalho Pereira Melo; Maria Jlia Paes Silva; Pedro Miguel Dinis Parreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219

    O erro humano no contexto dos cuidados de enfermagemCidalina da Conceio Ferreira de Abreu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247

    Segurana do doente: velho desgnio, novos desafios. A mudana de paradigma cultural nas organizaes de sadeAntnio Manuel Martins Lopes Fernandes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265

    Infeo associada aos cuidados de sade de Nightingale aos nossos diasClia Cristina Almeida Quadrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289

    Treino da capacidade de auto-cuidado centrado na deglutioJos Carlos Janurio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 5Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 5

    NOTA DE ABERTURA DO EDITOR

    A Unidade de Investigao em Cincias da Sade [UICISA-E] da Escola supe-rior de Enfermagem de Coimbra [ESEnfC] integra, no seu plano de desenvol-vimento, o importante objectivo de promover a divulgao do conhecimento produzido pelos investigadores e colaboradores no contexto dos projectos de investigao, das redes de projectos associados ou das iniciativas de equipas ou grupos de especialidade.

    Com o primeiro nmero Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos inauguramos uma edio monogrfica em srie que esperamos po-der continuar de forma regular. A srie identificada pelo nmero ISSN 1647-9440 e a cada nmero publicado ser atribudo um nmero ISBN especfico.

    Saudamos os autores deste primeiro nmero da srie, bem como o Coorde-nador desta edio, pela iniciativa de escrever e organizar um conjunto de textos relevantes relacionados com o centenrio da mais relevante figura no processo de construo da histria da profisso de Enfermagem.

    Manuel Alves RodriguesCoordenador Cientfico da Unidade de InvestigaoEditor Chefe da Revista de Enfermagem Referncia

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 7Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 7

    NOTA DE ABERTURA

    Florence Nightingale nasceu em 12 de maio de 1820 e morreu a 13 de agosto de 1910, faz agora 100 anos. Viveu 90 anos.

    Uma oportunidade para relembrar a iniciadora de um processo extraordinrio o desenvolvimento de uma profisso e de um domnio do saber. Conven-cionalmente atribui-se a Florence Nightingale o marco profissionalizante e de sistematizao de saberes, ensinados, e aprendidos por aqueles, sobretudo aquelas, que era necessrio qualificar para melhor responder ao que se estava a tornar uma exigncia social.

    Procurar a actualidade de Florence Nightingale, seu pensamento e sua obra, um exerccio interessante que nos leva s preocupaes higienistas ar puro, gua pura, drenagem eficiente, limpeza e luz cinco pontos essenciais na observao de uma casa saudvel (). Nightingale conhecia a teoria dos germes e, antes da sua ampla publicitao, ela tinha deduzido que a lim-peza, o ar fresco, os aspectos sanitrios, o conforto e a socializao eram necessrios para a cura.

    Mas tambm ao valorizar da colheita de dados e do uso da estatstica es-tatsticas rigorosas, sendo pioneira na utilizao de mtodos de representao visual de informao como por exemplo o grfico sectorial () criou o modelo Comb de Cock para apresentao de estatsticas.

    Interessou-se pela observao cuidadosa dos pacientes, pela organizao e liderana, colocando o paciente nas melhores condies para que a natureza actue sobre ele. Ensinamentos que serviram de base ao desenvolvimento do ensino de enfermagem.

  • 8 | Paulo Joaquim Pina Queirs8 | Nota de Abertura

    H um antes e um aps, quando algo marcante. Aps a vitoriana Nightingale no seu tempo e no(s) seu(s) lugar(es) , ou melhor, desde Nightingale, o conhecimento em enfermagem, a reflexo da enfermagem sobre si e o seu papel, no mais parou.

    Virgnia Henderson com as 14 actividades para assistncia ao paciente; Dorotheia Orem com o conceito de autocuidado; Peplau com a valorizao das relaes interpessoais; Roy com o modelo de adaptao; Neuman com o modelo de sistemas; Levine com o modelo de conservao; Watson com o cuidado como cincia sagrada; Pender com o modelo de promoo de sade; Leininger com a teoria da diversidade e da universalidade cultural.

    Cem ricos anos, em apenas algumas referncias, j elas clssicas. As teo-rias e modelos possibilitaram por sua vez desenvolvimentos por outros pensadores de enfermagem uma segunda gerao. Nesta encontramos as experincias de transio de Schumacher e Meleis; o autocuidado esti-mativo, transitivo e produtivo de Sderhamn; os papis de transio eficaz e ineficaz de Nuwaghid; os cuidados como encontros culturais de Campi-nha-Bacote; a teoria da incerteza na doena de Mishel ou a do conforto de Kolcaba, entre outras tantas.

    Algum pegou na candeia e a transportou ao longo de um sculo, um sculo de cuidados.

    As razes para a Comemorao e para este Frum Enfermagem: de Nightinga-le aos dias de hoje 100 anos fundam-se no atrs aduzido. Uma oportunidade para nos pensarmos e reflectirmos sobre aspectos dos cuidados, do ensino e da construo de saberes. Alm do mais estamos c, j no de candeia na mo, mas com o mesmo entusiasmo.

    A presente coletnea de textos resulta do conjunto de pesquisas e reflexes que serviram de base s comunicaes apresentadas no Frum Enferma-gem: De Nightingale aos dias de hoje 100 anos, da responsabilidade dos autores.

    Paulo Joaquim Pina QueirsO Coordenador da edio

    Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 9Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 9

    FLORENCE NIGHTINGALE.ALGUMAS REFLExES

    MANUEL LOPES*

    Falar acerca de um mito sempre uma tarefa difcil. distncia de um sculo, os mitos so como astros, tm luz prpria, ofuscando intensamente tudo sua volta e dificultando assim a percepo dos que pretendem uma compreenso para alm dos lugares comuns.

    A esta dificuldade h que acrescentar que no sou historiador, estando portanto limitado nas minhas competncias metodolgicas de compreenso. Farei, apesar de disso, um esforo de compreenso da mulher no seu tem-po, considerando sucessivamente diversas facetas sobre as quais deixarei principalmente interrogaes. Estas interrogaes, em diversos momentos, poro em causa a viso mitificada de Florence Nightingale (FN) que tem sido alimentada ao longo de muitos anos. Para isso no precisarei tanto das ferramentas de investigador histrico, mas mais das de acadmico. Um acadmico tem a obrigao de analisar criticamente o que lhe presente. isso que tentarei fazer, convicto que tal no fcil, at porque nem sempre compreendido.

    Florence Nightingale e o seu contexto

    sabido que FN nasceu em Florena (Itlia) no seio de uma rica e tradicional famlia inglesa e viveu em plena era Vitoriana (designao dada ao reinado

    * Doutor em Cincias de Enfermagem. Diretor e Professor Coordenador na U-ESESJD Portugal. Diretor do CIC&TS Universidade de vora.

  • 10 | Manuel Lopes10 | Florence Nightingale. Algumas Reflexes

    da Rainha Vitria 1837-1901). Desta poca destaco alguns acontecimentos que me parecem relevantes para a compreenso da vida e obra de FN.

    Comeo por destacar a Revoluo Industrial, a qual se iniciou em Inglaterra ainda no sculo XVIII, mas atingiu o seu apogeu durante o sculo XIX. Esta profunda alterao do tecido produtivo, fruto da incorporao das mais re-centes descobertas, teve repercusses humanas e sociais aos mais diversos nveis. Assistiu-se, assim, a um perodo de mudana das formas tradicionais de produo, com xodo dos campos para as cidades, com consequente crescimento desordenado destas e todas as problemticas de sade pblica que lhe esto associadas. Compreende-se assim que em 1848, em Inglaterra, tenha ocorrido uma epidemia de clera que se calcula tenha vitimado cerca de 2.000 pessoas. Nesse mesmo ano produziu-se uma reforma do Sistema de Sade ingls conhecida como Public Health Acts (1848, 1869), sendo a preconizadas diversas medidas de higiene nomeadamente o uso do sabo.

    A Revoluo Industrial trouxe ainda a melhoria das redes de transportes e comunicaes e, de forma geral, a melhoria progressiva das condies de vida e um aumento populacional considervel.

    A espiral de descobertas deste perodo ureo e as profundas alteraes que as mesmas introduziram na vida das pessoas levou organizao daquela que considerada a primeira grande exposio mundial (The Great Exhibition) em Londres em 1851. Londres afirmava-se assim como o centro do mundo.

    De entre as inmeras descobertas, assinalo apenas algumas pela sua rele-vncia para o tema em anlise. O primeiro destaque vai para a publicao do livro On the origin of Species de Charles Darwin no ano de 1859, com toda a controvrsia que lhe esteve associada e pelo que representa enquanto verdadeira revoluo no pensamento, at ento vigente, afrontando toda a Academia e principalmente o poder religioso.

    Em Frana, Pasteur desenvolvia os seus estudos com enormes repercusses na rea da sade. Na Alemanha, Robert Koch desenvolvia os estudos condu-centes descoberta da relao entre um microrganismo concreto (Bacillus anthracis) e uma doena especfica, o carbnculo. Em 1847, o clorofrmio foi introduzido como anestsico por James Young Simpson. Cerca de 1867 foi introduzido o uso de antisspticos (fenol) nos cuidados de sade por Joseph Lister.

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 11Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 11

    Ao nvel social e poltico so de assinalar, ainda, como factos relevantes, as diversas alteraes e convulses do Imprio britnico, nomeadamente na ndia, na Austrlia, bem como, no Mdio Oriente, que culminaram com algumas profundas alteraes do mapa geopoltico, como o caso da Guerra da Crimeia em 1854 e do denominado Constitution Act (1867), atravs do qual foi criado um domnio federal e ficou definido muito do funcionamento do Governo do Canad, incluindo a sua estrutura federal, da Cmara dos Comuns, o Senado, o sistema de justia e o sistema fiscal.

    Por ltimo, sublinho uma importantssima alterao denominada Elementary Education Act (1870-1891), atravs do qual se definiu o quadro para a escola-rizao de todas as crianas entre os 5 e os 12 de idade na Inglaterra e Pas de Gales. Recordo que, em Portugal, apenas na segunda metade do Sculo XX se introduziu a escolaridade obrigatria at idade semelhante.

    Em resumo, FN nasceu numa tradicional e rica famlia inglesa mas tambm num determinado momento histrico de profundas alteraes a todos os nveis e de uma riqueza de acontecimentos inigualvel. Talvez isso possa ajudar a explicar a sua precoce atitude de rebeldia que a levou a recusar o tradicional papel reservado s mulheres aristocratas, ou seja, educar-se nas artes de uma boa esposa, esperar por um pretendente e tornar-se uma esposa submissa. Essa rebeldia levou-a a estudar assuntos to esotricos, para as mulheres de ento, como a matemtica e a interessar-se por ques-tes sociais e polticas, nomeadamente as relacionadas com as condies sanitrias dos mais desfavorecidos. Levou-a tambm a entrar em ruptura com a sua famlia, especificamente com a sua me, quando anunciou a sua deciso de trabalhar, dedicando-se caridade como enfermeira. Para compreender o tamanho da afronta familiar que tal acto comporta preciso que se saiba que, poca, aquela profisso (?) era exercida por mulheres consideradas desqualificadas, nomeadamente, prostitutas que, como castigo, eram obrigadas a prestar servios de enfermagem.

    Este radical acto de rebeldia foi mitigado por aquilo que a prpria referiu ter sido um chamamento de Deus. Esta filiao religiosa crist tornou-se uma presena constante ao longo de toda a vida de FN, ao ponto de anos mais tarde escrever no seu dirio, Deus chamou-me de manh e disse-me que eu iria fazer o bem para ele, sozinha, sem prestgio. Mais frente voltarei a explorar esta faceta.

  • 12 | Manuel Lopes12 | Florence Nightingale. Algumas Reflexes

    A sua dedicao enfermagem exigiu-lhe um estudo de diversos hospitais por toda a Europa, nomeadamente na Alemanha. Desse modo, conheceu mltiplas formas de prestao e de organizao de cuidados. Constata-se, assim, que a sua formao multifacetada. Ao fcil acesso cultura, inerente condio social de que desfrutava, associou uma formao em matemtica e em cuidados e organizao de servios de sade. Este , em meu entender, um dos mais importantes aspectos que nos permitem compreender o papel de FN na Inglaterra Vitoriana. Estamos a falar de uma mulher culta, viajada e com vasta formao numa rea especfica.

    Florence Nightingale a mulher poltica

    Ao atrs descrito, FN associou uma outra dimenso de vital importncia. A sageza poltica. Se bem que o seu estatuto social lhe permitisse conhecer importantes e influentes pessoas, foi, sobretudo, a sua perspiccia e inteli-gncia poltica, bem como, a sua militncia que lhe permitiram tirar partido disso. Assim, em dezembro de 1844, a morte de um mendigo numa enfermaria em Londres, evoluiu para escndalo pblico, uma vez que, se evidenciaram as condies precrias dos hospitais ingleses, principalmente para os mais pobres. FN aproveitou esta oportunidade para se tornar a principal defensora da melhoria das condies de tratamento nos hospitais, tendo de imediato obtido o apoio de Charles Villiers, presidente do Poor Law Board. Isto levou-a a ter um papel activo na reforma das Leis dos Pobres, estendendo o papel do Estado muito alm do fornecimento de tratamento mdico.

    Nesta dimenso poltica teve especial importncia Sidney Herbert, um impor-tante poltico ingls que FN conheceu em Roma. Herbert tinha sido Secretrio de Guerra e voltaria a s-lo aquando da Guerra da Crimeia, tendo tido um papel determinante na proposta do nome de FN para a misso na referida guerra, na facilitao do seu trabalho em Scutari, bem como no trabalho de retaguarda de angariao de fundos e divulgao da sua actividade. Por sua vez, FN tornou--se conselheira poltica de Herbert at sua morte, em 1861.

    Todavia, a sua participao na vida poltica fez-se notar a diversos nveis, movendo influncias diversas para conseguir atingir os seus objectivos. disso um exemplo perfeito, a j referida campanha da guerra da Crimeia.

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 13Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 13

    Para que FN pudesse participar daquela forma precisou de ter autorizao para o fazer. Fcil nos ser imaginar o quo difcil tal ter sido no contexto da sociedade Vitoriana. Quando tal aconteceu, FN j no era propriamente uma desconhecida. Ou seja, j no ia como uma simples enfermeira, sem formao, que acompanharia os exrcitos e faria de tudo um pouco. Ia, isso sim, com um grupo de enfermeiras por si treinadas, aps ter reunido os meios logsticos que considerava indispensveis (alguns dos quais, pagos do seu bolso) e com autoridade para introduzir as mudanas que considerasse necessrias na organizao dos servios de sade aos soldados feridos na frente de batalha. Apesar disso, essa autoridade teve que ser conquistada no dia-a-dia das relaes, com uma hierarquia militar rgida, nada habituada presena de mulheres, muito menos de mulheres que dessem ordens. FN teve a inteligncia de, no s, localmente desenvolver as medidas necess-rias conquista do poder que precisava, mas tambm, manter na retaguarda um apoio poltico que lhe garantisse esse poder, nomeadamente atravs de Sidney Herbert. Teve ainda a inteligncia de mobilizar a opinio pblica em seu favor atravs de campanhas de angariao de fundos de apoio ao seu trabalho, servindo-se para o efeito de diversos contactos no jornal Times. Tudo isto lhe viria mais tarde a granjear um reconhecimento pblico que a tornaram, pelo menos, to famosa como a prpria Rainha.

    Por tudo isto, a Guerra da Crimeia constitui-se como o verdadeiro acto fun-dador do mito de FN. Para alm da dimenso poltica, revelou-se a a sua ca-pacidade organizativa, de liderana, de definio de uma filosofia de cuidados e a capacidade de, atravs de um registo sistemtico, demonstrar a eficcia da sua interveno a todos os nveis. Ficou assim demonstrada a drstica reduo da mortalidade dos soldados, mas tambm a criteriosa aplicao dos fundos que tinha ao seu dispor. Tais argumentos foram cruciais para demover diversas resistncias que ainda persistiam, quer localmente, quer em Inglaterra e para lhe granjear uma enorme simpatia junto dos soldados feridos, os quais sentiram que passaram a ser tratados com dignidade. Porm, a onda de apoio que a notcia de tais actos ia gerando em Inglaterra, ultrapassava tudo.

    A sua carreira poltica continuou aps o seu regresso, tendo ganho um considervel incremento. Foi, ento, nomeada para a Royal Commission on the Health of the Army. Escreveu um livro denominado Notes on Hospital, considerada, poca, uma obra de referncia na reforma da construo e organizao hospitalar.

  • 14 | Manuel Lopes14 | Florence Nightingale. Algumas Reflexes

    Com a ajuda do fundo pblico que se tinha constitudo, bem assim como com a sua influncia poltica, reuniu as condies necessrias para a criao da Nightingale School & Home for Nurses, no Hospital John Hopkins, apresentada por muitos como a primeira escola de enfermagem do mundo. Tal todavia, no corresponde verdade. Havia vrios exemplos, por toda a Europa, de escolas de enfermagem seculares anteriores a essa. Tambm a cole nor-male de gardes malades indpendantes de Lausanne, fundada por Valrie de Gasparin, anterior Escola fundada por FN, sendo considerada a primeira escola no secular (Nadot, 2010).

    Curiosamente, a escola fundada por FN assentava em dois princpios funda-mentais: Primeiro as enfermeiras deveriam ter treino prtico em hospitais especialmente organizados para este fim; Segundo, as enfermeiras deveriam viver numa casa baseada em princpios morais e de disciplina. Encontramos aqui semelhanas com uma certa ordem castrense e/ou secular. Tambm se percebe a origem do modelo de formao adoptado por muitas das escolas portuguesas.

    Em resumo, sustento que a faceta poltica da vida de FN, uma das menos valorizadas nas imensas biografias, uma das mais relevantes. Soube definir uma estratgia, rodear-se das pessoas certas e mobilizar a opinio pblica para a concretizar.

    Florence Nightingale e a teorizao dos cuidados de enfermagem

    H quem defenda que FN a primeira terica de enfermagem, vendo no seu mais conhecido livro (i.e., Notes on Nursing) um modelo terico que alguns autores denominam de ambientalista. Todavia, tal no resiste a uma anlise mais rigorosa, nomeadamente, se nos servirmos dos instrumentos de anlise dos modelos tericos como os propostos por Meleis ou outros.

    Apesar disso, FN tinha uma filosofia de cuidados, baseada em elementos simples mas de elevada eficcia (e.g., higiene, alimentao adequada, orga-nizao de cuidados, respeito), sendo este um outro aspecto que, penso, deva ser evidenciado como fundamental no seu percurso. Essa filosofia est patente no seu livro, Notes on Nursing. Basta repararmos no ndice para

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 15Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 15

    a compreender. A esto expressos os aspectos que FN valorizava como importantes, a saber: ventilao e aquecimento, condies sanitrias das casas, rudos, variedade, alimentao, iluminao e higiene pessoal entre outros. Tambm clara relativamente s competncias que as enfermeiras precisavam de desenvolver, explicando-as ao longo de todo o livro mas, principalmente, nos captulos Gesto bsica das actividades, Criar falsas expectativas e conselhos e Observao do doente.

    Podemos, assim, entender que este livro se constitui como um passo impor-tante no processo de profissionalizao e de autonomizao da enfermagem como disciplina. Mas ter sido o mais importante passo? No estaremos a esquecer outros contributos pelo menos to importantes, se no mais, como o de Ethel Fenwick (1856-1947)? Curiosamente esta enfermeira, contempo-rnea de FN, defendia, a inscrio num organismo de controlo, autorizado pelo Estado (equivalente actual Ordem dos Enfermeiros), a separao das escolas de enfermagem em relao aos servios hospitalares, a definio de apertados critrios de recrutamento e seleco e a eliminao da remune-rao hospitalar aos estudantes (Whittaker e Olesen, 1978). Esta postura era muito mais avanada e promotora de uma enfermagem autnoma enquanto profisso e disciplina, do que a defendida por FN.

    Apesar disso, admitimos que o contributo de FN um marco histrico no que concerne profissionalizao da enfermagem. Todavia, tambm temos que admitir que o mesmo est indelevelmente marcado por um conjunto de elementos que, no mnimo, nos devem interrogar.

    A existncia de uma filosofia de cuidados, sob a forma de manual, pressupe que as enfermeiras precisavam de formao para exercer a profisso. Pressu-pe ainda um corpo de conhecimentos especfico diferente do conhecimento mdico. Para alm disso e, de acordo com Joan Quixley, O livro foi o primeiro do gnero a ser escrito. Apareceu num momento em que as regras simples de sade estavam apenas comeando a ser conhecidas, em que seus temas foram de vital importncia no s para o bem-estar e recuperao de pacien-tes, em que os hospitais estavam cheios de infeco (Nightingale, 1974). Mas tambm inquestionvel que a autora afirma a submisso das enfermeiras ao poder mdico, tal como se pode constatar nesta afirmao Seria um grande auxlio, ao invs de obstculo, se os mdicos soubessem fazer com que as enfermeiras obedecessem s suas ordens (Nightingale, 2005, p. 177).

  • 16 | Manuel Lopes16 | Florence Nightingale. Algumas Reflexes

    Por outro lado, ao longo de toda a obra nunca fica claro qual o papel da cincia e de Deus na explicao dos processos de doena. Para alm de inmeras referncias a Deus, FN dedica-lhe alguns subcaptulos (e.g., Ser que Deus pensa nestes factos com tanta seriedade?, De que maneira Deus cumpre as suas prprias leis, Como ensina Ele as suas leis). Em contra-partida e apesar dos conhecimentos j ento existentes, a que FN teve com certeza acesso dada a sua formao e as suas viagens por diversos pases da Europa e no s, no claro que este livro esteja marcado pelas teorias mais recentes, como por exemplo, a que atribua aos germes a causa das doenas infecciosas. Alis, de acordo com Strachey (1996), FN referia-se a essa teoria como germ-fetish, dizendo que ao longo da sua experincia junto dos doentes nunca os tinha visto. Bostridge (2008) daria uma inter-pretao diferente a tal facto e diria que, anos mais tarde, FN teria escrito recomendaes especficas relativas aos cuidados para matar os germes. Apesar da perspectiva deste autor, curiosamente, e apesar da diminuio da taxa de mortalidade que ter conseguido na campanha da Crimeia, FN no ter reconhecido a importncia das medidas de higiene que ela prpria implementou nesse processo. FN continuava a acreditar que a mortalidade era devida m nutrio e sobrecarga de trabalho dos soldados.

    Em concluso, indubitavelmente estamos perante uma obra marcante para a enfermagem pelo momento histrico em que surgiu e pelo que representa no processo de profissionalizao, todavia est marcado por zonas cinzentas dificilmente compreensveis numa pessoa com a formao e a posio de FN. A pessoa que viajou por toda a Europa, que contactou com o que de mais recente havia, que assumiu posies de ruptura quando tal foi necessrio, que possua um imenso poder e uma imensa projeco social, a mesma pessoa que parece desvalorizar algumas das mais recentes descobertas, que parece pr Deus em tudo, na linha da mais pura tradio secular e que advoga a submisso das enfermeiras aos mdicos.

    Florence Nightingale a religiosa

    A dimenso religiosa crist marca toda a vida de FN e contribui para lanar algumas sombras sobre as motivaes de FN. Comea com aquilo que FN designou como o chamamento aos seus 17 anos de idade e permanece

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 17Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 17

    presente em toda a sua vida, tendo inclusivamente escrito uma obra inti-tulada Suggestions for Thought to Searchers after Religious Truths, que se apresenta como um tratado de teologia e que traduz o seu posicionamento no movimento do cristianismo universalista. Fica-se assim com a ideia que a sua carreira se ficou mais a dever a um chamamento divino, a uma de-voo, a uma vocao, do que a uma ideia de profisso autnoma exercida por homens e mulheres livres. Curiosamente, parece prevalecer nos seus escritos uma clara associao entre o exerccio da enfermagem e o gnero feminino. Segundo algumas interpretaes, FN teria criado as condies para que mulheres da alta sociedade tivessem uma carreira, mas reproduzindo o modelo social de prevalncia do papel masculino sobre o feminino, dando assim corpo a uma certa ideia romntica prpria da era Vitoriana. Assim se compreenderia a sua ideia de submisso das enfermeiras s ordens mdicas. Em favor desta posio pode citar-se o facto de mulheres como Elizabeth Garrett Anderson e Sophia Jex-Blake, terem ficado tremendamente desa-pontadas porque FN no as apoiou na campanha em favor da possibilidade de as mulheres poderem ser mdicas. FN ter argumentado que era mais importante ter mais enfermeiras do que mulheres mdicas.

    Mas tambm neste caso parecem persistir algumas contradies, pois na obra atrs referida (Suggestions for Thought to Searchers after Religious Truths) so desenvolvidos alguns argumentos a favor dos direitos das mulheres, nomeadamente o direito a uma carreira.

    Concluso

    Estas breves reflexes no tiveram outro objectivo que no o de introduzir outras dimenses possveis de anlise de um mito denominado Florence Nightingale. Com isto, no pretendo marcar a diferena apenas porque ape-tece ser diferente. Pretendo, isso sim, criar as condies para uma anlise rigorosa dos pilares estruturantes da enfermagem. Isto porque, a afirmao da enfermagem como disciplina e profisso no se faz com base em mitos, mas em factos e principalmente na capacidade de anlise crtica dos mesmos.

    Nesta perspectiva, FN ter sido uma figura menor no contexto da histria da enfermagem? Com certeza que no. Todavia, outras figuras menos me-diatizadas, em diversas partes da Europa e dos Estados Unidos da Amrica,

  • 18 | Manuel Lopes18 | Florence Nightingale. Algumas Reflexes

    tero tido um papel pelo menos to importante. Ento o que ter feito a di-ferena? Provavelmente, a sua sageza poltica que comeou por lhe permitir usufruir de um ponto de partida excepcional (i.e., a sua posio social), a que se seguiu rodear-se de pessoas de enorme influncia, mas tambm o saber utilizar a comunicao social, nomeadamente o Times e atravs disso, a opinio pblica em seu favor. Tudo isto no pequeno, nem despiciendo mrito, mas coaduna-se mais com uma carreira poltica que com qualquer outra coisa.

    Urge agora, um sculo aps a sua morte, olhar com o distanciamento que o tempo nos permite e analisar melhor os fundamentos histricos da disciplina e profisso de enfermagem. Diria que esta dever ser uma rea temtica a considerar no contexto dos diversos doutoramentos em enfermagem que se vo desenvolvendo.

    Referncias Bibliogrficas

    Bostridge M. (2008). Florence Nightingale: The woman and her legend. London:London: Viking.

    Graa, L. & Henriques, A. (2000). Florence Nigthingale e Ethel Fenwick: Da ocupa-o profisso de enfermagem. Retrieved outubro 2008 fromRetrieved outubro 2008 from http://www.ensp.unl.pt/lgraca/textos63.html

    Nadot, M. (2010). The worlds first secular autonomous nursing school against the power of the churches. Nursing Inquiry, 17, 118-127. doi: 10.1111/j.1440-1800.2010. 00489.x

    Nightingale, F. (2005). Notas sobre enfermagem. Loures, Lusocincia.

    Nightingale, F. (1974). Introduction by Joan Quixley. In Notes on nursing: What it is and what it is not. Philadelphia: Blackie & Son. (First published 1859).

    Strachey, L. (1918). Eminent Victorians. New York: G.P. Putnams Sons. Retrieved from http://www.bartleby.com/189/.[Date of Printout].

    Whittaker, E. & Olesen, V. (1964). The faces of Florence Nightingale: Functions of the heroine legend in an occupational sub-culture. Human Organization, 23, 123- -130. (Reproduzido em R. Dingwell & J. McIntosh. ed. lit. (1978) Readings in the Sociology of Nursing. Edinburgh: Churchill Livingstone).

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 19Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 19

    O VALOR DA ENFERMAGEM*

    ANTNIO FERNANDO SALGUEIRO AMARAL**

    Se no podemos mudar a direo do vento temos que aprender a velejar (desconhecido).

    Em 2002, com o documento Nursings Agenda for the Future, a American Nur-ses Association estabelecia como prioritria a necessidade de reconhecimento e de valorizao dos cuidados de enfermagem dentro do sistema de sade (American Nurses Association, 2002). O documento apelava aos enfermeiros para a necessidade de quantificar "a sua contribuio para a qualidade dos cuidados e para a poupana nos cuidados de sade" (Kany, 2004).

    Nightingale fez o mesmo quando denunciou a necessidade de se criarem condies de alojamento e de bons cuidados, praticados por mulheres com formao, aos soldados da Crimeia. Provou que os bons cuidados levavam a bons resultados.

    Demonstrar o valor individual e coletivo da enfermagem tem sido reconhe-cido, pelas vrias associaes polticas e profissionais, como fundamental para defender a mudana necessria na fora de trabalho de enfermagem e nos ambientes de cuidados de sade. Nos ltimos anos, a profisso tem estimulado e apoiado a investigao que documente a visibilidade e o impacto da enfermagem na qualidade e nos custos em sade, principalmente atravs

    * Artigo realizado no mbito do projecto PTDC/CS-SOC/113519/2009 Resultados dos cuidados de enfermagem: qualidade e efetividade, financiado por fundos nacionais atravs da FCT/MCTES (PIDDAC) e co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) atravs do COMPETE Programa Operacional Factores de Competitividade (POFC) do QREN.

    ** Professor Coordenador da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, MSc.

  • 20 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral20 | O Valor da Enfermagem

    da incorporao de padres sobre definies e terminologias ligadas aos seus domnios de interveno (Keenan, Yakel, Tschannen e Mandeville, 2008).

    As mudanas e as reformas na forma de pagamento s instituies presta-doras de cuidados, torna-se imperioso definir a contribuio da Enfermagem para tornar essas reformas bem sucedidas do ponto de vista econmico, sem que isso acarrete novos custos sobretudo em termos da diminuio da qualidade dos cuidados com repercusses ao nvel dos resultados (positi-vos ou negativos) obtidos nos doentes, na satisfao dos enfermeiros e na sustentabilidade do sistema de sade.

    Escrever sobre o valor da enfermagem pensar sobre a sua utilidade social, refundar a sua definio, as fronteiras da sua prtica e explicar os valores filosficos da disciplina, especialmente no que concerne sua misso social percebida.

    Discutir o valor de um bem ou produto tambm pensar sobre a disponi-bilidade dos potenciais utilizadores para despender, do seu oramento, um determinado montante, ao quererem utilizar uma certa quantidade desse bem ou servio (valor de mercado) , no entanto, necessrio pensar que nas suas opes de consumo, sobretudo quando um consumo informado, os agentes pretendem sempre maximizar a sua satisfao, o que s pos-svel alcanar quando os padres de qualidade so os esperados para um determinado custo (Patterson, 1992).

    Quando um cidado decide consumir um qualquer bem (quer pague de uma forma direta, quer indireta) vai sempre desejar incrementar o valor total do seu dinheiro e no apenas o custo, isto , quer que a aplicao que faz do seu dinheiro seja aquela que, no momento, a melhor opo alternativa (vol-taremos a estes conceitos mais tarde). Assim, quando pretendemos pensar num bem, em termos do seu valor, no nos podemos limitar a decidir pelo seu consumo ou utilizao com base apenas no seu custo, mas necessaria-mente na qualidade e utilidade que lhe est associada, sabendo que para a avaliao dessa qualidade um conjunto de variveis pode estar em jogo.

    Os sistemas de sade e genericamente todo o fornecimento de bens sociais necessitam de uma reflexo profunda, nomeadamente, por ser necessrio pens-los no numa perspetiva meramente financeira, mas numa perspetiva de valor. Significa isto dizer que temos que pensar todo o esquema de pres-

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 21Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 21

    tao de cuidados na perspetiva daquilo que os utentes dos servios podem obter, em termos de resultados ou de ganhos em sade, com a prtica dos prestadores em geral e de cada um em particular (accountability), incluindo a interveno do prprio doente. A sade e o valor associado aos cuidados de sade so alcanveis pelo esforo dos profissionais, mas tambm pela forma como o doente adere aos tratamentos ou regimes teraputicos, como procura cuidados e os utiliza e como modifica os seus estilos de vida em funo das suas potencialidades de produzir sade (Porter, 2009).

    Os sistemas de prestao de cuidados de sade vivem momentos paradoxais, atingiram um elevado desenvolvimento da prestao, quer em termos tecnol-gicos, quer em termos de diferenciao do conhecimento para o tratamento das doenas, mas pode estar a colocar em causa a sua prpria sustentabilidade.

    O avano das cincias da sade atingiu, como reconhecido, um elevado nvel de diferenciao tecnolgica e de qualidade ao nvel do tratamento das doenas, mas este aspeto associado ao envelhecimento da populao e a um constante aumento das expectativas dos cidados, face aos servios de sade, colocam o aumento de custos no centro das preocupaes, colocando em causa a sustentabilidade financeira do sistema de prestao de cuidados de sade. Por outro lado, em alguns pases a idade dos prestadores que, a prazo, pode comprometer a disponibilidade dos prprios servios, o que coloca polticos e decisores em geral perante desafios difceis de resolver na organizao da prestao.

    No plano social de esperar que aquelas que foram as grandes conquistas do estado social se mantenham e at melhorem. O acesso e a equidade continuam a ser conquistas e caractersticas dos vrios sistemas de sade [mesmo nos pases de economias mais liberais como os USA a tendncia vai nesse sentido (lei Obama)], mas, para que isso seja garantido, os sistemas tm o grande desafio de utilizar os recursos que por natureza so escassos, de forma a garantir uma maior efetividade. O que equivale a dizer que o valor criado pelo sistema, como um todo, deve ser continuamente melhorado para que cada euro gasto, possa satisfazer um cada vez maior nmero de necessidades.

    Neste ambiente complexo encontra-se a enfermagem que, em momentos de conteno econmica, tida como um alvo privilegiado, porquanto muitos

  • 22 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral22 | O Valor da Enfermagem

    administradores, no percebendo a forma como os enfermeiros produzem valor, ou no valorizando o valor produzido pelos enfermeiros, os colocam como um custo e no como uma receita ou investimento no contexto hospi-talar. Em grande medida, esta viso tem a ver com o facto das instituies prestadoras ainda serem financiadas na perspetiva do diagnstico mdico e dos servios que lhe esto associados, no o sendo de forma direta pelos cuidados de enfermagem. Desta forma, podemos dizer que, nomeadamen-te, os hospitais no contam com incentivos para o fornecimento da dose adequada de cuidados de enfermagem para a satisfao das necessidades de cada doente que naturalmente varivel (Aiken, 2008).

    Neste sentido vo tambm Welton, Fischer, DeGrace e Zone-Smith (2006), quando referem que a compensao dos hospitais pelos cuidados de enfer-magem, nomeadamente na sua quota-parte do case-mix, teria um impacto positivo na qualidade dos cuidados por uma prestao mais alinhada com as necessidades dos doentes.

    Assim, pensamos que as lideranas de enfermagem devem tentar siste-maticamente encontrar as formas para dar visibilidade e aumentar o valor do seu produto junto dos atores envolvidos nas decises de consumir ou recrutar cuidados de enfermagem pessoas individuais, instituies prestadoras, financiadores e polticas. Necessitamos documentar e en-contrar uma boa forma de divulgao do valor acrescentado que os cui-dados de enfermagem trazem para os resultados que os doentes obtm com os cuidados de sade em contrapartida com os custos. Para isso, necessrio que seja produzida, guardada e utilizada informao sobre os cuidados prestados e sobre os resultados que so obtidos pelos doentes tendo em conta esses cuidados. Desta forma as decises de gesto sero mais informadas e respondero de forma mais sustentada s solicitaes e necessidades dos doentes e utilizadores em geral (Rothert, Wehrwein e Andr, 2002).

    A atribuio de valor aos cuidados resulta da agregao de um conjunto de variveis estruturais, organizacionais, mas tambm do tipo e quantidade de recursos disponveis para a obteno da qualidade que os utentes dos servios de sade esperam e merecem (Aiken, 1990; Ehrat, 1987). Da que Pruit e Jacox (1991), bem como Porter (2009), refiram que, sendo a noo de valor um conceito essencial para a sustentabilidade dos sistemas, no

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 23Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 23

    pode ser analisado apenas numa perspetiva de custos, mas de qualidade, no sentido de garantir a satisfao dos clientes e permitir a obteno de ganhos reais em sade.

    Parece resultar destes pressupostos que nos devemos centrar sobre a primeira linha de consumidores nos seus vrios ciclos de vida e nos vrios grupos socioeconmicos para identificar aquilo que cada grupo valoriza e necessita. Por outro lado, tambm importante que as prioridades das pol-ticas de sade possam ser conhecidas e claras para que os profissionais e, nomeadamente, os enfermeiros possam dirigir as suas respostas para esses objetivos.

    A enfermagem est, no entanto, exposta a um conjunto de constrangimentos, alguns histricos que influenciam o seu valor percebido e que tm a ver com algumas imperfeies do mercado de cuidados de sade, como sejam a assimetria de informao que existe entre os vrios atores, ou seja, para perceber o alcance das medidas, a sua qualidade e natureza, bem como, os custos envolvidos na sua produo necessrio possuir um conhecimento cada vez mais especializado; o que dificulta todo o processo de escolha livre e informada, por parte dos consumidores (doentes) como acontece com outros produtos no mercado. Para alm destes aspetos existem, ainda, barreiras entrada e sada de prestadores no mercado e ainda uma imper-feio econmica que tem a ver com a induo de procura motivada pelos mdicos (Jacobs, 1987).

    Por outro lado, qualquer considerao acerca do valor de um bem ou servio tem que estar ligada ao conceito de risco e forma como este pode ser medido. O potencial de risco habitualmente muito valorizado e visto pelos enfermeiros, quer em termos legais quer clnicos. Questes como os erros na administrao de medicamentos, as quedas dos doentes, vrios tipos de incidentes, queixas, esto habitualmente ligados gesto do risco que os enfermeiros fazem.

    Dum ponto de vista econmico o conceito de risco interpretado como o grau de incerteza associado escolha entre alternativas de ao ou investimento (Brealey e Myers, 1988). Do ponto de vista financeiro, quando algum dos atores assume a maior fatia de risco expectvel que da resulte tambm a expectativa de um maior retorno.

  • 24 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral24 | O Valor da Enfermagem

    Quando um financiador se compromete, por exemplo com enfermeiros, na atribuio de salrios, est a assumir um risco que est relacionado com a relativa incerteza das necessidades de cuidados, que pode ser maior ou menor do que a quantidade de cuidados disponvel. O enfermeiro que se comprometeu a prestar uma dada quantidade de trabalho para um determi-nado salrio, no assume o risco financeiro que lhe est associado.

    Da que os financiadores (estado ou seguradoras) tenham tendncia a par-tilhar ou disseminar esse risco pelos vrios intervenientes no processo. Instituindo medidas de gesto que partilhem risco vo responsabilizar os intervenientes de forma diferente e garante-lhes maior autonomia. Segundo Patterson (1992) a criao de departamentos de enfermagem mais flexveis para atender as vrias necessidades dos doentes uma forma de partilha de risco o que aumenta o valor da prpria enfermagem para os compradores de segundo nvel (os hospitais etc.). Nos centros que desenvolveram expe-rincias neste sentido (processos de contratualizao interna), verifica-se que nos modelos que partilham recursos e existe flexibilidade, o risco de ineficincia diminui (Patterson, 1992).

    A partilha de risco tem sido tambm entendida como um fator para o aumento da produtividade, o que resulta em ganhos de eficincia. Em resumo, isto significa que um departamento de enfermagem bem gerido, que faz bom uso dos seus recursos, produz um produto de qualidade e, enquanto diminui os desperdcios, vai diminuir a incerteza e por isso o grau de risco. Contudo a assumpo desta realidade nem sempre resulta como um resultado positivo para a enfermagem, porquanto, em muitos casos, o grau de incerteza no mensurvel associado evoluo dos doentes num hospital atribudo gesto clnica (leia-se mdica), a fatores ambientais e a variveis associadas aos doentes sobre as quais os enfermeiros tm pouca ou nenhuma influncia. Uma compreenso clara das intervenes de enfermagem que influenciam a demora mdia de internamento, a utilizao dos recursos, a existncia de recidivas, a morbilidade e a mortalidade tero que ser reconhecidas e valorizadas por todos os agentes envolvidos, nomeadamente os potenciais utilizadores.

    Os custos associados ao risco esto em grande medida associados impre-visibilidade ou incerteza dos resultados que est associada aos processos de produo de cuidados de sade. O principal quadro de referncia para o

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 25Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 25

    financiamento dos cuidados de sade tem sido a classificao por grupos de diagnstico homogneo que, de uma forma clara, tenta redistribuir o risco entre financiador e prestador ao considerar para os montantes a pagar o consumo de recursos envolvidos com a prestao dos cuidados em cada GDH, sendo que a distribuio para cada um destes grupos caracterizada pelo seu desvio padro que uma medida do risco associado a cada grupo diagnstico.

    Neste domnio existe um intenso debate sobre a correlao, entre um deter-minado diagnstico mdico e as necessidades em cuidados de enfermagem, para um dado GDH (Bostrum e Mitchel, 1991). Alguns GDH esto mais rela-cionados com o consumo associado aos cuidados de enfermagem do que outro, isso parece evidente, mas o aumento do consumo em qualquer GDH est muito relacionado com a dependncia em cuidados de enfermagem e muitos dos problemas so resolvidos por intervenes de enfermagem, o que nos leva a concluir que a enfermagem tem aqui a oportunidade e a responsabilidade de diminuir a variabilidade associada gesto do risco.

    Se pensarmos que os cuidados de enfermagem podem alterar o curso da permanncia dos doentes num episdio de internamento (muitos estudos demonstram isso), ento devemos acreditar que os cuidados de enfermagem influenciam a variabilidade associada aos GDH que esto mais relacionados aos cuidados de enfermagem do que o que se pretende fazer crer (Patterson 1992). Sendo assim, faz sentido que os enfermeiros assumam esta ideia, deem-lhe visibilidade, testem e implementem as medidas que melhorem os resultados que produzem nos doentes.

    Toda esta questo centrada no aumento de custos da hospitalizao tem tam-bm conduzido a que, cada vez mais, se pense em colocar os doentes mais cedo em suas casas. Naturalmente que este princpio tem vantagens para as pessoas, mas tem tambm vantagens econmicas. Se nos focalizarmos nos programas de convalescena e de preparao para o regresso a casa temos aqui uma grande rea onde a enfermagem pode demonstrar que pode acrescentar valor. Muitos dos problemas que os doentes e famlias enfrentam no regresso a casa cabem dentro do domnio da interveno de enferma-gem estratgias adaptativas, coping, ensino, reabilitao, etc.. Um estudo sobre recm-nascidos de baixo peso concluiu que uma alta precoce com acompanhamento de follow-up levado a cabo por enfermeiros no domiclio,

  • 26 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral26 | O Valor da Enfermagem

    est associada a uma maior segurana e a cuidados mais custo-efectivos (Brooten et al., 1986). Os doentes a quem foi planeado o regresso a casa e que foram seguidos por enfermeiros aps a alta tm menos readmisses e consomem menos recursos (Huang e Liang, 2005). Os idosos de risco que, nos lares ou no domiclio, tm um acompanhamento regular de enfermagem, recorrem menos vezes a servios de urgncia hospitalares e incorrem em menos custos (Naylor et al., 1999).

    A noo de bem substituto

    A construo da teoria econmica e dos modelos do pensamento econmico baseia-se no princpio de que os recursos so escassos/limitados e que as necessidades dos indivduos para o consumo ou utilizao desses recursos so ilimitadas (Call e Holahan, 1984). A constatao deste conceito bem evidente na prtica de enfermagem, est aceite que existe escassez de en-fermeiros (ainda que haja enfermeiros no desemprego, a evidncia mostra que existe falta de enfermeiros), mas o nvel de dependncia associado gravidade das doenas e a estrutura demogrfica da populao, faz com que as necessidades dos doentes em cuidados de enfermagem sejam cada vez maiores. Fica-se sempre com a sensao que seria possvel fazer mais e melhor se tivssemos mais enfermeiros ou mais tempo para cuidar dos doentes. Esta dialtica entre escassez de recursos e necessidades ilimitadas introduz um outro conceito econmico que tem a ver com a utilizao de bens substitutos.

    Este conceito emerge quando os consumidores assumem que a utilizao de um qualquer substituto pode satisfazer as suas necessidades a um custo menor (seja em termos de dinheiro, de tempo ou noutra qualquer medida de custo). medida que o preo de um bem sobe, o pensamento sobre as alternativas ou substitutos cresce. medida que os salrios dos enfermeiros aumentam, a tentao para reduzir custos envolvendo substitutos para os enfermeiros tem maior probabilidade de ser implementada (Smith, 1986).

    O cuidado de enfermagem, enquanto produto tende a ser muito simplificado ou pouco valorizado por no enfermeiros que no tm uma ideia clara do que os enfermeiros podem e devem fazer e como o seu trabalho diferen-

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 27Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 27

    te daquele que levado a cabo por indivduos com menores competncias e formao. Esta falta de informao dos gestores talvez a base para a substituio de enfermeiros por outros a mais baixo custo em situaes de constrangimento financeiro.

    Uma dimenso pouco estudada, mas muito importante, associada aos custos de investimento em cuidados de enfermagem a relao entre os tipos de custos, os custos e os resultados do investimento. Os cuidados hospitalares so intensivos em termos de utilizao de mo-de-obra ou fora de trabalho e existe um interesse habitual no potencial de substituio de trabalho mais caro por trabalho menos caro, nomeadamente substituindo enfermeiros por profissionais com menores qualificaes, competncias menos diferenciadas e portanto menos dispendiosos (Aiken, 2008).

    A questo que estes profissionais vo produzir cuidados de menor qua-lidade ou cuidados para os quais no se encontram habilitados, o que pode ter efeitos nos resultados de longo prazo e nas solues de curso prazo. Torna-se, por isso, imperativo que os enfermeiros sejam capazes de clarificar as suas prticas e de realar os resultados que os doentes podem alcanar com elas, explicitando assim a diferena entre o produto oferecido por um enfermeiro ou um produto oferecido por um outro profissional menos qua-lificado, ainda que, mais barato. O mesmo acontece aos mdicos que no sejam capazes de demonstrar o valor que acrescentam para os seus mais elevados custos.

    Os consumidores diretos dos cuidados sentem a falta de enfermeiros numa perspetiva mais individual do que os gestores e pagadores (compradores de 2. e 3. nvel), j que, a escassez pode afetar quer a satisfao das suas necessidades, quer as suas expectativas, no entanto, o que acontece que os indivduos e as famlias nem sempre se apercebem (por falta de informao) da quantidade de cuidados que no so realizados, porque dada a escassez de profissionais, os enfermeiros consideram muitos dos cuidados como no prioritrios e desvalorizam-nos. Neste caso, o valor atribudo aos cuidados certamente afetado pelo conhecimento, bem como, pela perceo do con-sumidor acerca da importncia dessas intervenes (Aiken, 2008).

    Na literatura que reporta investigao sobre os servios de sade existem muitos estudos que abordam a questo do Skill-mix das equipas de presta-

  • 28 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral28 | O Valor da Enfermagem

    o de cuidados. A maioria destes sugere que os melhores resultados so atingidos pelas equipas onde existe uma maior proporo de enfermeiros. (Estabrooks et al., 2005; Landon et al., 2006; McCloskey e Diers, 2005). Needlman e colaboradores concluram nos seus estudos que, ao contrrio, a substituio de auxiliares por enfermeiros, pode poupar vidas e dinheiro nos hospitais (Needlman et al., 2006).

    A reviso sistemtica da literatura e meta-anlise, efetuada pela Agency for Health-care Research and Quality, concluiu que existe uma clara evidncia de que o aumento do nmero de enfermeiros est associado a melhores resultados alcanados pelos doentes (maior valor) (Kane et al., 2007). Estes resultados vm colocar a tnica no facto de que os cuidados de enfermagem se pagam a si prprios pela preveno de resultados adversos, habitualmente caros.

    Cabe aqui falar, porque importante para os leitores, da fragmentao do financiamento da sade ou dos cuidados de sade que faz com que nem sempre se perceba que quando se poupa num lado se gasta noutro, ou vice-versa. Isto , dada a fragmentao do financiamento, nem sempre os balanos beneficiam quem fez o investimento inicial. Por exemplo, um me-lhor ratio enfermeiro/utente nas nursing homes (os nossos lares ou unidades de cuidados continuados) resulta numa menor utilizao dos servios de urgncia (Aiken, 2008). Contudo, mais enfermeiros nessas instituies vai custar mais dinheiro aos seus proprietrios (segurana social e ministrio da sade em parceria, misericrdias e privados), enquanto que quem beneficia so os hospitais porque onde se d a reduo.

    No caso dos hospitais, a relao entre nmero e qualidade dos enfermeiros com os melhores resultados produzidos, resulta em benefcio para essas organizaes ao prevenir complicaes e, portanto, a necessidade de utili-zao de recursos mais dispendiosos (Aiken, 2008).

    Um estudo realizado aos cuidados a doentes com SIDA em 20 hospitais dos USA, demonstrou que nos hospitais onde existiam melhores equipas de enfermagem, equipas mais envolvidas, mais satisfeitas e com maior nmero de enfermeiros, os resultados ajustados pelo risco eram melhores sem au-mento das despesas globais. Possuam tambm menor risco de mortalidade ajustada, usavam menos dias de cuidados intensivos, tinham uma demora

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 29Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 29

    mdia ajustada menor e uma mdia de custos com medicamentos e meios auxiliares de diagnstico tambm menor (Aiken et al., 1999).

    Ainda que possamos pensar que estes resultados necessitassem de um maior aprofundamento por estudos clnicos, Kane et al. (2007), na meta-anlise que efetuou, concluiu que existe uma associao causal entre os melhores ratios de enfermeiros e os melhores resultados. Refere Kane que uma enfermeira a mais por doente/dia evita a infeo em 7 casos de ferida e 4 casos de sepsis nosocomial por cada 1000 doentes cirrgicos hospitalizados, para alm da preveno da mortalidade que lhes estaria associada. Em UCI um aumento de uma enfermeira a tempo inteiro por doente/dia evita 7 casos de pneumo-nia nosocomial, 7 casos de insuficincia respiratria, 6 casos de extubao acidental e 2 casos de paragem cardaca por 1000 doentes.

    Por seu lado Rothberg et al. (2005) demonstraram que o custo de salvar uma vida atravs do investimento em cuidados de enfermagem, est em linha com os custos de salvar uma vida atravs de uma prtica mdica globalmente aceite como o uso de trombolticos no enfarte agudo do miocrdio e o rastreio do cancro cervical.

    Os hospitais que tm um nmero de enfermeiros mais ajustado s necessi-dades e um ambiente de trabalho onde pontuam o trabalho em equipa, a autonomia e o bom relacionamento, no tm, segundo Aiken et al. (2008), apenas, melhores resultados obtidos nos doentes, o que anularia os custos do aumento de enfermeiros, como possuem tambm maior nvel de reteno de enfermeiros (menor mobilidade), o que pode fazer tambm diminuir custos, j que, a uma maior mobilidade de enfermeiros associar-se- sempre necessi-dade de tempo para integrao, tempo de formao e portanto mais custos.

    Aiken estudou no apenas o impacto do nmero de enfermeiros, mas tam-bm o seu nvel de diferenciao e ambiente de cuidados, considerados individualmente e de forma agregada. A sua pesquisa mostrou que a cada doente acrescentado carga de trabalho dos enfermeiros estava associado um aumento de 7% na mortalidade e no failure to rescue (mortes evitveis) (Aiken et al., 2002).

    Tambm a Universidade da Pensilvnia relacionou a carga de trabalho com a mortalidade no International Hospital Outcomes Study. Tendo encontrado a

  • 30 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral30 | O Valor da Enfermagem

    mesma associao nos Hospitais Ingleses (Raffaty et al., 2007), no Canad (Estabrooks et al., 2005) e na Nova Zelndia (McCloskey e Diers, 2005).

    A formao ou o nvel de diferenciao dos enfermeiros foi tambm asso-ciado a uma melhoria da qualidade dos cuidados e a melhores ndices de mortalidade (Aiken, 2008).

    A introduo de tecnologia

    Na indstria em geral e tambm, em alguns casos na sade, sobretudo nas reas do diagnstico, a introduo de tecnologias tem um carter substitu-tivo e serve para obter escala, isto , produzir mais sem aumentar o custo unitrio de produo. O objetivo , nos modelos econmicos tradicionais, substituir postos de produo para reduzir custos (Patterson, 1992). Dada a natureza do bem cuidados de enfermagem, a capacidade das tecnologias substiturem enfermeiros muitssimo limitada. No entanto a utilizao de sistemas computorizados para a documentao dos cuidados, para a classi-ficao dos doentes, para a produo de horrios e para muitas funes administrativas, pode libertar os enfermeiros para as atividades para as quais lhes foi conferido o seu mandato social: cuidar de pessoas.

    As tecnologias, sobretudo os sistemas de informao, podem aumentar a produtividade dos enfermeiros, porquanto os podem libertar de atividades que no so de enfermagem, aumentado assim o valor das suas prticas (idem).

    O lado da procura

    Uma outra anlise que se tem que ter em conta quando se fala de valor dos cuidados de enfermagem a perspetiva da procura.

    Dum ponto de vista dos modelos econmicos muito difcil de construir a verdadeira curva de procura dos cuidados de enfermagem. Para alm disso deve distinguir-se a priori o conceito de necessidade e o conceito de procura. O mercado satisfaz procuras, no necessidades (Call e Holahan, 1984). Ne-cessidades em cuidados de enfermagem e de sade em geral ficaro sempre

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 31Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 31

    por satisfazer, dada a escassez de recursos. Da a dificuldade, em prever procuras para cuidados de enfermagem e a necessidade de descrever quais as necessidades das pessoas para esses cuidados e quais os resultados obtidos com as intervenes desenvolvidas face s necessidades.

    A alocao dos recursos necessrios depender muito da informao que se possa produzir sobre as necessidades, sobre as respostas dos enfermei-ros e, no final, sobre os resultados que os indivduos podem obter desses cuidados. Uma questo pertinente a colocar, neste campo, tem a ver com quem ser que vai determinar os contedos informativos relevantes para chegar a concluses e quem vai avaliar os doentes sobre esses dados. O background disciplinar e educacional, assim como os interesses envolvidos nesse processo pode influenciar as leituras sobre os resultados.

    Sobre a procura de profissionais de sade podemos ainda referir que ela pode vir a decrescer, devido crise do estado social e s imperfeies deste mercado, os cuidados vo tornar-se mais caros para os cidados.

    Medidas para baixar os custos tm sido ensaiadas pelos vrios governos e todas elas vo no sentido de instituir mecanismos de partilha de risco entre quem financia e quem presta cuidados e por medidas de maior partilha de custos entre quem financia e quem consome. Podemos vir a assistir a uma competio entre os diversos tipos de prestadores (na perspetiva de que as suas competncias so substituveis), o que trar efeitos nos enfermeiros. Por outro lado, as alteraes demogrficas na nossa sociedade e a expec-tativa de uma alterao no perfil de necessidades, que a idade far emergir, resultaro numa alterao da procura dos servios de sade.

    As polticas de reembolso por terceiros pagadores a profissionais no mdi-cos que prestaro alguns servios selecionados podem demonstrar-se efeti-vos do ponto de vista dos custos e com uma qualidade aceitvel (Gates, 1990). Por exemplo, os financiadores privados (seguros) podem escolher pagar a qualquer prestador, desde que, isso caia dentro do seu espetro de prtica. Esta situao pode levar a uma oportunidade, para alguns enfermeiros, de oferecer os seus servios de uma forma direta ao mercado.

    Claro que tambm se podem notar fenmenos de complementaridade de bens (ou seja, um bem complementar a outro quando so usados em conjunto

  • 32 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral32 | O Valor da Enfermagem

    e o uso de um obriga utilizao do outro, por exemplo, as bolas e as ra-quetes de tnis). Este conceito econmico pode ser utilizado, se quisermos perspetivar a procura de cuidados de enfermagem, nos casos em que esses cuidados resultam como complementares de um conjunto de cuidados de sade. Uma maior diferenciao e sofisticao mdica e cirrgica implicar, tambm, a aquisio de servios de enfermagem necessrios. expectvel que, medida que se do estes desenvolvimentos e aumente a procura des-ses servios, aumentar a procura de servios complementares nos quais se incluiro os cuidados de enfermagem.

    Concluses

    Os cuidados de sade em geral e os cuidados de enfermagem em particular tm que centrar-se no valor que acrescentam, assumindo como paradigma os cuidados de valor acrescentado, sendo que, os cuidados que promovem valor acrescentado so definidos como os que se centram no doente e que o beneficiam de forma direta (Paterson, 1992).

    Para garantir visibilidade a essa prtica, a profisso de enfermagem tem de continuar a documentar o que acrescenta de valor nos cuidados de enfermagem, medindo e aferindo os resultados obtidos pelos doentes e os custos de atendimento. Para fazer isso, as informaes sobre os cuidados de enfermagem e os resultados obtidos pelos doentes que sejam atribudos s intervenes de enfermagem, devem ser recolhidos, registados e utili-zados na tomada de deciso de enfermeiros e gestores (Rothert, Wehrwein e Andr, 2002).

    O desenvolvimento de estudos que meam a qualidade, bem como a relao custo-benefcio da assistncia de enfermagem so fundamentais para definir prioridades na alocao de recursos (Spetz, 2005). A formao em enfer-magem deve privilegiar modelos de atuao que representem com preciso o valor que as suas intervenes incrementam na obteno de ganhos em sade pelos doentes e pelas populaes, sem esquecer que as suas prticas tm um custo. "J no aceitvel olhar apenas o custo dos cuidados de enfermagem, mas tambm as economias, o valor dos resultados e a qualidade que proporcionam" (Nowicki Hnatiuk, 2006).

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 33Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 33

    Needleman, Buerhaus, Stewart e Zelevinsky (2006) concordam que os custos so apenas parte da equao, o valor ser evidenciado no melhor atendimento ao doente e na reduo de custos para o sistema de sade. Os resultados de valor acrescentado, relacionados com o aumento da satisfao dos doentes e o aumento da satisfao dos enfermeiros com o trabalho, devem ser quantificados para demonstrar e articular o verdadeiro valor da enfermagem (Nowicki Hnatiuk, 2006).

    Para isso existem um conjunto de estratgias de que os enfermeiros se devem munir:

    Valorizao enquanto enfermeiro e valorizao da contribuio dos cui-dados na obteno dos resultados que os doentes identificam.

    Identificar-se perante os doentes/utentes e outros prestadores como Enfermeiro(a) ou Enfermeiros especialista.

    Tomar medidas para garantir que se utiliza uma terminologia que permita apoiar a comunicao, a representao exata do processo de pensamento em enfermagem e a avaliao e melhoria dos cuidados de enfermagem.

    Apoiar sempre os colegas nos esforos para melhorar a prestao atravs de evidncia com base na prtica.

    Prosseguir o desenvolvimento profissional atravs da formao contnua e reviso da literatura profissional, a fim de aplicar prticas baseadas em evidncias.

    Manter um conhecimento atualizado sobre as tendncias de pesquisa, demonstrando o valor da enfermagem e do contributo das intervenes de enfermagem para melhorar os resultados nos doentes e possibilitar um atendimento seguro.

    A liderana de Enfermagem deve estar envolvida no desenvolvimento e implementao de padres de produtividade e de financiamento da sade.

    Utilizar evidncias da investigao relacionadas com o nmero de enfer-meiros e os resultados obtidos nos doentes na conceo de sistemas de prestao mais seguros e mais centrados nos doentes.

  • 34 | Antnio Fernando Salgueiro Amaral34 | O Valor da Enfermagem

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  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 37Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 37

    A PRODUO E USO DE INFORMAO DESDE NIGHTINGALE AOS NOSSOS DIAS

    ANABELA DE SOUSA SALGUEIRO OLIVEIRA*

    MARIA DA CONCEIO GONALVES MARQUES ALEGRE DE S**

    MARIA ARMINDA GOMES***

    ANTNIO FERNANDO SALGUEIRO AMARAL****

    O homem bem sucedido na vida aquele que dispe, no momento exato, da melhor informao (Paulino, 2006).

    A informao , cada vez mais, um recurso indispensvel obteno de vantagens competitivas (Zorrinho, 1999). Para as organizaes ela um dos recursos cuja gesto e aproveitamento mais influencia o seu sucesso. Donde a importncia de saber us-la e aprender novas formas de entender este recurso. Na era da globalizao e da sociedade interativa em que os fluxos de informao so instantneos e interligados, esta passa a ser o recurso bsico na procura de um desenvolvimento sustentvel a ponto de podermos afirmar que a informao se tem constitudo como um elemento central no desenvolvimento de todas as esferas da actividade humana.

    A linguagem enquanto elemento da informao o mais subtil reflexo das mudanas sociais. Isto pode ser visto a cada momento nos nossos dias, quando a sociedade absorve novas formas de linguagem para comunicar,

    * Professora Adjunta na ESEnfC, MsC.** Professora Adjunta na ESEnfC, MsC. *** Professora Adjunta na ESEnfC.**** Professor Coordenador na ESEnfC.

  • 38 | Anabela Oliveira, Maria da Conceio S, Maria Arminda Gomes & Antnio Amaral38 | A produo e uso de informao desde Nightingale aos nossos dias

    como as mensagens de texto nos telemveis e nos e-mails que, mais ou menos lentamente, se vo introduzindo na cultura, surgindo assim novas palavras e tambm novos conceitos para as palavras.

    O sc. XIX disso o exemplo; a industrializao e a mquina a vapor introduziram fortes mudanas no tecido social, acompanhadas por uma evoluo, mais rpida do que at a, do significado das palavras e at da introduo de muitos novos termos.

    Est bem documentado o facto da sociedade Vitoriana j perspetivar que os transportes, as tecnologias da informao, a disseminao da informao, bem como, o desenvolvimento de algumas ferramentas para a sua organiza-o (catlogos, bibliotecas pblicas) iam ser a chave para o desenvolvimento das naes, j que, se tinha a viso de que estes aspetos iriam melhorar a literacia, a educao, o aumento dos recursos disponveis e o aumento da liberdade e independncia das pessoas.

    As sociedades que possuam como elementos estruturantes: o trabalho, a terra e o capital, deram origem a sociedades em que a informao se trans-forma num novo capital e o sucesso das organizaes passa a depender dos contedos informativos de que dispem.

    A palavra "informao" no uma palavra nova. A sua origem etimolgica pode encontrar-se a partir da Idade Mdia, onde foi derivada do latim medieval informationem e do francs antigo enformacion, que significa formao da mente, ou ensino. Analisado o termo de acordo como utilizado em vrias reas do conhecimento, a informao ser matria-prima para a construo do conhecimento, tal como os dados so a matria-prima com que se es-trutura a informao (McGarry, 1984; Weller e Bawden, 2006; Sousa, 2006) A informao pode tambm ser definida como o contedo da comunicao humana, a comunicao um ato de transmisso cujo produto a infor-mao (Lussato, 1995, p. 95).

    A informao um elemento central na tomada de deciso clnica e um requisito fundamental para a gesto dos cuidados de sade (Marin, et al., 2001, p. 1). Contar com informao pertinente e adequada o ingrediente fundamental que transforma uma deciso numa deciso fundamentada, a qual tem muito mais probabilidade de ser correta. Para a prtica de enfermagem a informao til dever ser aquela que relevante para o processo e para a

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 39Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 39

    formalizao do resultado dos cuidados (Tierney, 2001). Compreender como que a informao se relaciona com os dados e com o conhecimento por isso fundamental. Na realidade, informao refere-se a um conjunto de dados, colocados num contexto til e de grande significado que, quando fornecido atempadamente e de forma adequada a um determinado propsito, proporciona orientao, instruo e conhecimento ao seu recetor, ficando este mais habilitado para desenvolver determinada actividade ou decidir face a um determinado contexto (Sousa, 2006).

    Os dados so elementos em bruto: o valor da tenso arterial, a temperatura, o nome de um frmaco, a data de admisso de um doente. Por si s os dados no tm nenhum significado, so elementos totalmente isolados.

    A informao produz-se quando os dados so agrupados de acordo com um conjunto de fatores comuns e passam a ter sentido, i.e. um conjunto de dados biomtricos converte-se em informao acerca dos sinais vitais de um doente, um conjunto de datas de admisso de um doente converte-se nos seus antecedentes de hospitalizao, por seu lado as datas de admisso de diferentes doentes num determinado perodo indicam a taxa de actividade de um hospital. Em muitas situaes a informao ocupa a parte intermdia de um processo que contnuo e pode ser assim considerada quer como produto quer como um recurso.

    O conhecimento, por seu lado cria-se quando a informao se coloca num determinado contexto, por exemplo se relaciona com o que era previsvel que acontecesse aos sinais vitais numa determinada situao clnica, os produtos farmacuticos e os seus efeitos colaterais comprovados ou o nvel de actividade de um hospital se relaciona com o seu oramento e a populao que serve.

    Data combined gives information. Information, placed in the ap-propriate context, forms knowledge. And knowledge, combined with experience, judgment and a whole range of other things, gives us wisdom. Somewhere in between, there is creativity and inventive-ness (Weir, 1996).

    O setor da sade por natureza um setor de utilizao intensiva de infor-mao, j que, a produo se baseia em informao, ou seja, consumidores e prestadores so clientes e fornecedores de informao a cada momento.

  • 40 | Anabela Oliveira, Maria da Conceio S, Maria Arminda Gomes & Antnio Amaral40 | A produo e uso de informao desde Nightingale aos nossos dias

    Os profissionais e os utentes so chamados a processar um conjunto de dados que transformam em informao e lhes permite tomar as decises mais adequadas, de acordo com o conhecimento que possuem, para atingir um conjunto de resultados que, no momento, so os que otimizam a sua utilidade.

    A enfermagem profisso baseia a sua actividade na interao humana. Neste processo de proximidade produzida uma quantidade imensa de informao o que exige todo um processo de reflexo sobre as caractersticas dessa informao, sobre o seu valor e naturalmente sobre os recursos que tm que ser mobilizados para o seu processamento, gesto e armazenamento.

    Um dos aspetos que, desde cedo, se tornou claro a possibilidade de, pela gesto da informao, ser possvel dar visibilidade no apenas ao que fazem os enfermeiros, mas tambm s razes que os levam a fazer o que fazem e sobretudo aos resultados que podem ser obtidos com o que fazem.

    A enfermagem a rea, da prestao de cuidados de sade, que mais recursos disponibiliza, mas tem, apesar disso, permanecido invisvel nas decises polticas em sade e nas descries dos cuidados de sade (Clark, 1999, Scott et al., 2006). Embora as definies contemporneas da enfermagem destaquem os diversos aspectos observveis e no observveis da profisso, na prtica parece existir falta de clareza na definio e identidade profissional. (Clark, 1999; Buller e Butterworth, 2001; MacNeela et al., 2006; Maben, 2008; International Council of Nurses, 2009).

    A falta de reconhecimento da identidade da profisso de enfermagem tem sido atribuda ao facto de que, historicamente, ela se tem desenvolvido e sustentado a partir de conhecimentos e competncias que se tm mantido invisveis, em grande parte devido no utilizao de um vocabulrio formal prprio. Desta forma, o trabalho de enfermagem tem ficado fora do alcance da viso de outros no enfermeiros (Bone, 2002; Bjorklund, 2004).

    Pesquisas recentes sobre a forma como os enfermeiros documentam e articulam a sua contribuio para os cuidados demonstraram que muito do que os enfermeiros fazem no registado, ficando assim invisvel (Hyde et al., 2005; Butler et al., 2006) e, tal como afirmam Clark e Lang (1992), "Se ns no podemos nome-lo, no podemos control-lo, financi-lo, pesquisar, ensinar, ou coloc-lo nas polticas pblicas" (p. 109).

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 41Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 41

    Ao usar estatsticas para a mortalidade e morbilidade, Florence Nightingale foi, reconhecidamente, a primeira a utilizar informao produzida nos contextos para medir o resultado dos cuidados de sade (Pringle, et al., 2003). Apesar do seu carter visionrio no uso dessas medidas, para avaliar o resultado dos cuidados, algumas continuam hoje a ser utilizadas. Entendemos, no entanto, que no atual panorama dos cuidados de sade, a aplicao de medidas para avaliao de resultados tem que necessariamente ser muito mais complexa, porque mais complexo o ambiente onde os cuidados so prestados. As organizaes de sade oferecem uma ampla gama de servios prestados por mltiplos profissionais que possuem diferentes opinies sobre o que deve ser avaliado, o que torna esta tarefa num desafio que os enfermeiros devem adotar.

    Refletir sobre o contributo que Nightingale deu enfermagem, hoje inegvel e amplamente reconhecido. Neste mbito, perceber de que forma utilizou e valorizou a informao em benefcio do desenvolvimento da enfermagem e da sade, s poder ser verdadeiramente reconhecido se conseguirmos ter em considerao duas perspetivas fundamentais. Por um lado, a importncia que essa informao desempenha na sociedade atual e o uso que a enfer-magem tem efetuado da mesma e por outro, contextualizarmos os mesmos aspetos no sculo XIX.

    A importncia que a informao tem na atualidade, indubitvel e amplamente reconhecida por todos. Ela pautada pela cibercomunicao, acessibilidade e rapidez, mas, acima de tudo, pela conscincia que temos do seu poder de persuaso e mudana. No entanto, no contexto da sade, ainda continuamos a defender a necessidade crescente de sistemas de informao, capazes de sustentar a monitorizao das atividades clnicas realizadas e a medio de resultados. Tambm percebemos que, na enfermagem, os registos tm vindo a assumir-se como essenciais e indispensveis, sendo atravs deles que os enfermeiros do visibilidade ao seu desempenho, reforando a sua autonomia e responsabilidade profissional (Dias et al., 2001). Porm, ainda encontramos referncias ao facto dos registos de enfermagem necessitarem de maior clareza e informaes mais completas para cumprir o seu propsito de comunicao e servirem de base para o desenvolvimento da qualidade dos cuidados (Trnvall Wilhelmssons, 2008).

    Considerando os aspetos atrs referidos e acima de tudo, o caminho que ainda importante realizar para a informao em enfermagem ser verda-

  • 42 | Anabela Oliveira, Maria da Conceio S, Maria Arminda Gomes & Antnio Amaral42 | A produo e uso de informao desde Nightingale aos nossos dias

    deiramente valorizada, certamente compreenderemos melhor o contributo de Nightingale neste mbito, inserida na sociedade do sculo XIX.

    A Revoluo Industrial conduziu a alteraes em diferentes dimenses da vida social e cultural, muito provavelmente, tal como assistimos hoje, na forma como era percecionada e gerida a informao. As mudanas nos transportes, a criao e disseminao de bibliotecas, novas tecnologias e a disseminao da informao foram mais intensas e geraram ambientes pro-pcios mudana social. A maior facilidade de mobilidade gerou processos de trocas, tambm culturais, que influenciaram decididamente o clima social, intelectual e poltico da poca (Weller e Bawden, 2006).

    Todas estas alteraes certamente tiveram reflexos nos servios de sade que, na poca, ofereciam condies com diferenas abismais, relativamente sociedade atual.

    Nightingale cresceu neste ambiente de mudana, inserida numa famlia de classe mdia alta, com ideias avanadas para a poca, sobre a educao da mulher.

    Na sua educao recebeu formao diferenciada em vrias vertentes, entre as lnguas, teologia e matemtica. Por outro lado, desde muito cedo mostrou um enorme fascnio pelos nmeros, por volta dos 20 anos quis ter aulas de matemtica com um professor de Cambridge (Magnello, 2006; Ellis, 2010).

    Decorrente das relaes privilegiadas que sua famlia mantinha com pessoas influentes da sociedade britnica, muito jovem comeou a participar em jan-tares sociais e conviver com cientistas da poca o que, certamente, tambm favoreceu a projeo social que o seu trabalho veio a ter mais tarde.

    Outro aspeto, no menos importante, foi o interesse que manifestou desde muito jovem, por assuntos sociais relativos sade. Durante uma viagem ao Egito, em 1849, aproveita para estudar os diferentes sistemas hospitalares existentes no mundo. Indiferente ao conceito depreciativo que na poca se tinha da enfermagem e contra a vontade da famlia aos 24 anos, decide ser enfermeira (Ellis, 2010).

    Se pensarmos nos aspetos atrs referidos de forma individualizada, certa-mente no lhe reconheceremos a importncia devida, porm se o fizermos

  • Srie Monogrfica Educao e Investigao em Sade | 43Enfermagem: de Nightingale aos dias de hoje 100 anos | 43

    de forma conjunta, poderemos mais facilmente perceber que a forma como Nightingale percebeu e utilizou a informao resultou da influncia de um conjunto de fatores, decorrentes da sua educao, vivncias sociais durante o processo de crescimento e do prprio conceito de informao existente na poca.

    Em todas as histrias de vida, percebemos que, por vezes, algumas ocorrn-cias pessoais, sociais ou naturais, podem conduzir a percursos nunca antes perspetivados.

    Assim, outro acontecimento importante, que poder ter contribudo para dar visibilidade ao trabalho de Nightingale, prende-se exatamente com interesses britnicos e a participao das tropas inglesas na guerra da Crimeia.

    Pela primeira vez foi efetuada pela imprensa a divulgao dos factos a ocorridos. As reportagens no The Times, sobre o sofrimento dos soldados e a incompetncia dos comandantes do exrcito Britnico na referida guerra, indignaram e revoltaram os ingleses na poca (Gill e Gill, 2005).

    O Secretrio de Guerra, Sidney Herbert era amigo pessoal de Nightingale e conhecia as suas capacidades de liderana. Pensando que poderia acalmar o pblico, endereou-lhe um convite, para ir para o contexto de guerra. Seria superintendente de enfermagem num hospital de Scutari, na Turquia e levaria consigo 38 enfermeiras (Magnello, 2006).

    At ao momento, as mulheres nunca tinham podido servir oficialmente. Ter tido a ousadia de ir para a guerra, permitiu dar visibilidade informao que recolheu de uma forma nunca feita at ento, mas acima de tudo, utiliz-la para a mudana.

    Ao chegar Crimeia, constatou com uma realidade absolutamente inacre-ditvel. As enfermarias encontravam-se superlotadas, os doentes cobertos de trapos sujos de sangue e excrementos. A gua estava contaminada e os alimentos no eram comestveis (Winkelstein, 2009).

    A sua formao teolgica e o interesse que desde sempre manifestou pela estatstica, foram interligadas na anlise dos fenmenos que experienciou. Ela acreditava que os padres identificados pelas estatsticas, eram expres-ses das leis de Deus deixadas pelo Criador para serem descobertas e

  • 44 | Anabela Oliveira, Maria da Conceio S, Maria Arminda Gomes & Antnio Amaral44 | A produo e uso de informao desde Nightingale aos nossos dias

    agir sobre eles. Considerava que para entender o pensamento de Deus, se devem estudar as estatsticas que so medidas para o Seu fim (Weller e Bawden, 2006). O seu trabalho foi assim influenciado pela religio e pela filosofia, o que favoreceu a abordagem sistmica dos fenmenos (McDo-nald, 2001).

    Dur