encontro fortuito de provas

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433 ENCONTRO FORTUITO DA PROVA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A INCIDÊNCIA DE CAUTELAS PROBATÓRIAS NOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA Luiz Antonio Câmara Doutor em Direito das Relações Sociais e Mestre em Direito Público pela UFPR. Professor Titular de Processo Penal na Faculdade de Direito do UNICURITIBA. Advogado criminal. Jorge Sebastião Filho Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA Especialista em Direito Processual Penal e Ciências Penais pela PUC/PR Professor de Direito Processual Penal Advogado Criminal. Sumário 1 - Introdução. 2 - A necessidade de delimitação do fato objeto da investigação nas medidas cautelares probatórias. 3 - Encontro fortuito de provas e seus limites na medida cautelar probatória de busca e apreensão. 4 - Encontro Fortuito de provas e seus limites na medida cautelar probatória de interceptações telefônicas. 5 - Considerações finais. 6 - Referências bibliográficas. Resumo O presente trabalho demonstra a necessidade de delimitação do objeto e dos sujeitos da investigação frente às medidas cautelares probatórias de busca e apreensão (busca domiciliar) e interceptação das comunicações telefônicas através do estudo das teorias do encontro fortuito de provas ou desvio de vinculação causal na execução das referidas medidas cautelares. Objetiva, ainda, demonstrar as possibilidades de utilização do material probatório obtido fortuitamente ou com desvio de vinculação, sem que haja violação às garantias fundamentais à intimidade e privacidade, bem como demonstrar que as decisões que autorizam as medidas cautelares probatórias não podem servir de instrumento de efetivação de uma política de segurança

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Encontro Fortuito de Provas

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  • 433

    ENCONTRO FORTUITO DA PROVA: CONSIDERAES SOBRE A INCIDNCIA DE CAUTELAS PROBATRIAS NOS CRIMES

    CONTRA A ORDEM ECONMICA

    Luiz Antonio Cmara Doutor em Direito das Relaes Sociais e Mestre em Direito Pblico pela UFPR. Professor Titular de Processo Penal na Faculdade de Direito do UNICURITIBA. Advogado criminal.

    Jorge Sebastio Filho Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA Especialista em Direito Processual Penal e Cincias Penais pela PUC/PR Professor de Direito Processual Penal Advogado Criminal.

    Sumrio 1 - Introduo. 2 - A necessidade de delimitao do fato objeto da investigao nas medidas cautelares probatrias. 3 - Encontro fortuito de provas e seus limites na medida cautelar probatria de busca e apreenso. 4 - Encontro Fortuito de provas e seus limites na medida cautelar probatria de interceptaes telefnicas. 5 - Consideraes finais. 6 - Referncias bibliogrficas.

    Resumo

    O presente trabalho demonstra a necessidade de delimitao do objeto e dos sujeitos da investigao frente s medidas cautelares probatrias de busca e apreenso (busca domiciliar) e interceptao das comunicaes telefnicas atravs do estudo das teorias do encontro fortuito de provas ou desvio de vinculao causal na execuo das referidas medidas cautelares. Objetiva, ainda, demonstrar as possibilidades de utilizao do material probatrio obtido fortuitamente ou com desvio de vinculao, sem que haja violao s garantias fundamentais intimidade e privacidade, bem como demonstrar que as decises que autorizam as medidas cautelares probatrias no podem servir de instrumento de efetivao de uma poltica de segurana

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    pblica, sob pena de violao ao devido processo legal, atentando para o fato de que tais medidas se decretam preponderantemente quando se tem como objeto de investigao ou processo infraes penais contra a ordem econmica.

    Palavras-chave: Encontro fortuito de provas. Medidas cautelares probatrias. Busca e Apreenso. Interceptao Telefnica.

    ABSTRACT

    The present work seeks to show the object delimitations need as well as the subjects of investigation as they relate to evidentiary precautionary measures of search and seizure (home search) and wiretapping trough the study of theorie such as fortuitous finding in the execution of those referred precautionary measures. Seeks also, to demonstrate the possibilities of utilizing evidence material acquired accidently or with deviation of binding, as long as it doesnt violate fundamental guarantees such as intimacy and privacy, as well as to demonstrate that the decisions that authorizes evidentiary precautionary measures cannot serve as instrument of realization of public security policies, under penalty of violation of the Principle of Due Process of Law.

    Key-Words: Fortuitous Finding, Evidentiary Precautionary Measures, Search and Seizure, Wiretapping

    1 - Introduo

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    O processo penal brasileiro adota medidas cautelares probatrias ou meios de obteno de prova destinados busca da materialidade dos delitos investigados.

    Diante das novas modalidades de delitos decorrentes do incremento da criao de tipos penais ligados criminalidade econmica, intensificou-se a utilizao por parte do Estado, de medidas invasivas e violadoras de direitos fundamentais, especialmente as medidas cautelares probatrias de busca e apreenso (busca domiciliar) e interceptao das comunicaes telefnicas.

    Sendo de larga utilizao estas medidas, tornou-se cada vez mais intensa a necessidade de delimitao do objeto e dos sujeitos das investigaes, visando evitar que o Estado se utilize de decises judiciais para concretizao de buscas domiciliares e interceptaes telefnicas como verdadeiras cartas brancas para efetivao de uma poltica de segurana pblica, em detrimento s garantias fundamentais privacidade e intimidade.

    Contudo, muito constantemente no mbito de concretizao das referidas medidas d-se o encontro de provas de infraes penais diversas daqueles que motivaram a decretao das medidas cautelares probatrias. Surge, ento, a necessidade de um estudo da teoria do encontro fortuito de provas ou desvio de vinculao causal de forma a delimitar a utilizao do material probatrio obtido fortuitamente ou com desvio de vinculao.

    O ponto de difcil ultrapassagem se d relativamente limitao da atuao dos agentes estatais no cumprimento do mandado de busca e apreenso (especialmente quando esse decorre de interceptao telefnica) e validade ou no da prova encontrada fortuitamente. Ambos os pontos constituem objeto de abordagem e debate nesse artigo.

    2 - A necessidade de delimitao do fato objeto da investigao nas medidas cautelares probatrias

  • 436

    As medidas cautelares probatrias no processo penal brasileiro no apresentam regramento prprio ou sistematizado tal qual ocorre com as medidas cautelares pessoais aps a reforma operada pela Lei 12.403 de 04.05.20111 e, parcialmente, como as medidas cautelares de natureza real, chamadas acautelatrias pelo legislador processual penal. No h, portanto, na legislao processual penal uma teoria geral das medidas cautelares probatrias, cabendo aos atores jurdicos, atravs de raciocnios analgicos, buscar respaldo na teoria geral das cautelares pessoais para estabelecer os limites de aplicao destas medidas2. Evidencia-se no art. 282 do Cdigo de Processo Penal, com sua nova redao dada pela Lei 12.403/11, regras gerais relativas s medidas cautelares pessoais, delimitando seu mbito de aplicao e estabelecendo seus critrios de aplicao, extraindo-se deste dispositivo legal os princpios norteadores desta categoria de cautelares, quais sejam: necessidade, adequao, proporcionalidade e subsidiariedade3. Em que pese estarem estes dispositivos dirigidos s cautelares pessoais, cabe aqui a aplicao destas regras gerais, para se estabelecer um paralelo com as medidas cautelares probatrias, visando dar-lhes um melhor direcionamento.

    No tocante finalidade da busca domiciliar, o art. 240, 1, do Cdigo de Processo Penal traz um rol que define claramente que a medida visa obteno de provas da infrao penal. Destacam-se, a ttulo exemplificativo, o contido na alnea b: apreender coisas achadas ou obtidas por meios

    1 A propsito de tais medidas, v. CMARA, Luiz A. Priso e Liberdade Provisria - Medidas

    Cautelares Pessoais. Curitiba: Juru, 2011. V., ainda, CMARA, Luiz A. (coord.) Crimes Empresariais - No Auto incriminao, Cautelas Pessoais e Sigilo Processual. Curitiba: Juru, 2012. 2 Nesse sentido, com maior aprofundamento sobre o ponto, v. SEBASTIO FILHO. Jorge.

    Interceptaes Telefnicas. Curitiba: Juru, 2012. 3 Para uma maior especificao sobre os princpios e seu raio de ao, v. CMARA, op. cit. pp.

    100-118.

  • 437

    criminosos e alnea e: descobrir objetos necessrios prova da infrao ou defesa do ru.

    No mesmo sentido o art. 1 da Lei 9.296/96 deixa claro que a finalidade da interceptao de comunicao telefnica de qualquer natureza serve para prova em investigao criminal e em instruo processual penal, s admitindo sua aplicao quando a prova no puder ser feita por outros meios disponveis, conforme art. 2, II do referido diploma legal.

    Constata-se, assim, que tanto a busca e apreenso como as interceptaes telefnicas so mecanismos de obteno de provas de natureza cautelar que serviro como instrumento para alcanar um fim vinculado ao processo principal, ou seja, a busca da prova da infrao penal.

    Com relao medida cautelar probatria de busca e apreenso, o Cdigo de Processo Penal, em seu art. 243, estabelece os requisitos do mandado, dentre eles (inciso II) a necessidade de mencionar o motivo e os fins da diligncia. Destaca-se, a, a necessidade de delimitao do objeto da investigao e delimitao da prova a ser produzida e sua vinculao situao ftica geradora da decretao da medida. Ao cuidar do tema PACELLI DE OLIVEIRA4 destaca que devem ser consideradas ilcitas as provas de infrao penal que no tenham estrita relao com o mandado de busca e apreenso expedido, evitando, dessa forma o incentivo prtica do abuso de autoridade. essencial, ainda, conforme disposto no art. 243, I, do Cdigo de Processo Penal, a indicao do local (casa) objeto da diligncia e o nome do seu respectivo proprietrio ou morador e, no caso da busca pessoal, o nome da pessoa sobre a qual recair a diligncia. A no indicao no mandado do local para realizao da diligncia significa que o ingresso naquela residncia no est autorizado5 e, por consequncia, a prova obtida ser considerada ilcita. 4 OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris, 2009, p. 368 5 OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris, 2009, p. 368

  • 438

    Nas interceptaes telefnicas, a provisionalidade ou faticidade (caractersticas inerentes s medidas cautelares) se fazem presentes na Lei 9.296/96, quando no pargrafo nico do artigo 2, exige que: Em qualquer hiptese deve ser descrita com clareza a situao objeto da investigao, inclusive com a identificao e qualificao dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

    Como assevera AVOLIO, se a interceptao no repousasse sobre um fato delituoso certo e determinado, daria margem a abusos, ferindo-se de morte a garantia do sigilo telefnico.6 Acrescenta-se o posicionamento de GRECO FILHO, que esclarece: Mera suspeita ou fatos indeterminados no autorizam a interceptao7. Assim, a Lei vincula existncia das medidas cautelares probatrias co-existncia da situao ftica que as originou, tornando-as limitadas a seu objeto principal. Trata-se de uma delimitao objetiva do fato que se quer comprovar8. No basta que se delimite o fato que se quer investigar, mas tambm os sujeitos da investigao, ou seja, contra quem ser determinada a medida de busca e apreenso ou interceptao telefnica. essencial, portanto, que se delimite, tanto no pedido formulado quanto na deciso de decretao, a situao ftica objeto da medida e seus sujeitos, at mesmo porque da situao ftica que sero extrados os pressupostos probatrios: a existncia de indcios razoveis de autoria ou participao em

    6 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilcitas. Interceptaes telefnicas, ambientais

    e gravaes clandestinas. 4. ed. rev. e ampl. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 227 7 GRECO FILHO, Vicente. Interceptao telefnica. Consideraes sobre a Lei n. 9.296, de

    24 de julho de 1996. 2. ed., rev., atual. e ampl., (com a colaborao de Joo Daniel Rassi), 3. tiragem. So Paulo : Saraiva, 2008, p. 28 8 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, V I. Niteri, Rio de Janeiro :

    Impetus, 2011, p. 1083

  • 439

    infrao penal punida com recluso9 ou fundadas razes que autorizem a busca domiciliar.10 Conclui-se, portanto, que nas medidas cautelares probatrias, diante da interferncia na esfera de intimidade e privacidade do indivduo, faz-se necessria a delimitao dos fatos e sujeitos objeto da investigao e da produo probatria, gerando uma vinculao ao procedimento principal, pois, as medidas cautelares tm carter instrumental e no podem ter um fim em si mesmas.

    Tanto a definio do fato objeto da investigao como do sujeito passivo da busca e apreenso e da interceptao telefnica conduziro para a soluo de problemas que surgem no curso da materializao das medidas cautelares probatrias, denominados de encontro fortuito de outros fatos ou de outros envolvidos11, ou, ainda, do desvio da vinculao causal12, o que ser objeto de anlise mais detida no tpico seguinte.

    9 GOMES, Luiz Flvio. MACIEL, Silvio. Interceptao Telefnica. Comentrios Lei 9.296, de

    24.07.1996. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 103 10

    DUTRA, Luciano. Busca e Apreenso Penal da legalidade s ilegalidades cotidianas. Florianpolis: Conceito Editorial, 2007, p. 64. 11

    Luiz Flvio GOMES e Silvio MACIEL utilizam a expresso encontro fortuito, assim definido: O encontro fortuito pode ser denominado de serendipicidade: trata-se de um neologismo que significa algo como sair em busca de uma coisa e descobrir outra (ou outras), s vezes at mais interessante e valiosa. Vem do ingls serendipity (de acordo com o Dicionrio Houaiss), onde tem o sentido de descobrir coisas por acaso. Serendip era o antigo nome da ilha do Ceilo (atual Sri Lanka). A palavra foi cunhada em 1754 pelo escritor ingls Horace Walpole, no conto de fadas Os trs prncipes de Serendip, que sempre faziam descobertas de coisas que no procuravam. (grifo no original) (GOMES, Luiz Flvio. MACIEL, Silvio. Interceptao Telefnica. Comentrios Lei 9.296, de 24.07.1996. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 106) 12

    Aury LOPES JUNIOR, trata do tema sob o enfoque do desvio da vinculao causal e do princpio da especialidade da prova. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 539)

  • 440

    3 - Encontro fortuito de provas e seus limites na medida cautelar probatria de busca e apreenso

    A medida cautelar de busca e apreenso corresponde a meio de obteno de prova e, como tal, instrumento utilizado pelas autoridades para investigar e recolher no processo os meios de prova para soluo do caso penal.

    Contudo, importante ressaltar que esse meio de obteno de prova implica em restrio de direitos fundamentais. H, em tais medidas, especialmente quando cumpridas em residncias, evidente leso aos direitos fundamentais de privacidade e intimidade. A propsito, BARICHELLO13 assinala que quando do cumprimento de uma medida cautelar de busca e apreenso, representantes do Estado adentram a um domiclio, com autorizao judicial, invadindo a privacidade do acusado, expondo sua intimidade coletividade.

    Por isso a demanda de autorizao judicial para que tenham lugar. Com a mediao judicial se objetiva que o sacrifcio dos direitos individuais em destaque seja o menor possvel.

    Assim, nenhuma medida cautelar ter validade se no for submetida ao controle jurisdicional, em respeito ao princpio do due process of law, consagrado no art. 5, LIV da Constituio Federal14.

    Trata-se de uma reserva de jurisdio15, necessria ao controle das medidas cautelares que somente podero ser aplicadas para atingir sua finalidade instrumental.

    13

    BARICHELLO, Tito L. A busca e apreenso domiciliar no Processo Penal e os Crimes Contra a Ordem Econmica. Revista Jurdica do UNICURITIBA n 23 - 2009-2. 14

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v II, 6. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011, p. 63 15

    LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, V I. Niteri, Rio de Janeiro : Impetus, 2011, p. 1070

  • 441

    Portanto, a deciso autorizativa da medida excepcional deve limitar o ato policial ao contexto jurdico e ftico do seu deferimento. O cumprimento da medida dever sempre estar restrito apurao do crime que ensejou a deciso.

    No estudo dos meios de obteno de provas na esfera criminal, um dos princpios que regem o tema o da especialidade. A propsito, destaque-se a seguinte passagem doutrinria:

    Ello significa, que la resolucin judicial se otorga para una investigacin especfica y determinada, es decir, es una resolucin especialmente otorgada para ese objeto de investigacin concreto y no para outro.16

    Esse princpio, portanto, retrata uma vinculao causal, em que a autorizao judicial para a obteno da prova naturalmente vincula a utilizao naquele processo (e em relao quele caso penal).17 Portanto, a deciso est vinculada ao pedido e vinculante em relao ao material apreendido, estando a busca e apreenso restrita apurao daquele crime que ensejou a deciso judicial.

    A respeito da delimitao do contedo do mandado, LOPES JUNIOR leciona:

    Deve ser delimitado o objeto ou objetos buscados, para evitar um substancialismo inquisitrio. Se o que se busca uma arma, que se faa a busca direcionada para isso, no estando a autoridade policial autorizada a buscar e apreender documentos, cartas ou computadores18.

    16

    ECHARRI CASI, Fermn Javier. Prueba ilcita: conexin de antijuridicidad y hallazgos casuales. In Revista del Poder Judicial. Madrid, n 69, p.261-301, 2003. p.287. 17

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.569. 18

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 706/707.

  • 442

    A observncia dos limites definidos no mandado de busca e apreenso essencial, pois seu descumprimento acarreta na violao deslegitimada do domiclio do investigado, violando, assim, o artigo 5, inciso XI, da Constituio Federal, com evidente leso no autorizada do direito privacidade e intimidade.

    Sobre esse aspecto, TAPIA19 ensina que a ingerncia estatal no momento de cumprimento da ordem judicial suprime o direito a intimidade do individuo com um nico objetivo: de permitir que as agncias policiais obtenham os meios de prova previamente identificados e taxativamente descritos (apreender uma arma de fogo, gravar dilogos vinculados ao fato investigado, etc.).

    O autor destaca que em um Estado Democrtico, os registros domiciliares e as interceptaes telefnicas no devem dirigir-se descoberta de crimes em geral, mas servem para embasar a investigao preparatria daqueles fatos punveis que constituam o objeto de um processo judicial em curso.20

    O doutrinador ainda destaca a obligacin de indicar el delito perseguido para no convertir la diligencia en uma actuacin de bsqueda ilimitada e indiscriminada de datos. 21

    19

    19

    TAPIA, Juan F. Descubrimientos Accidentales em el curso de um registro domicilirio o una intervencin de comunicaciones. El problema de los hallazgos casuales? O causales?. In Revista Del Derecho Penal. Buenos Aires: Instituto de Ciencias Penales, p.673. 20

    TAPIA, Juan F. Descubrimientos Accidentales em el curso de um registro domicilirio o una intervencin de comunicaciones. El problema de los hallazgos casuales? O causales?. In Revista Del Derecho Penal. Buenos Aires: Instituto de Ciencias Penales, p.673. 21

    TAPIA, Juan F. Descubrimientos Accidentales em el curso de um registro domicilirio o una intervencin de comunicaciones. El problema de los hallazgos casuales? O causales?. In Revista Del Derecho Penal. Buenos Aires: Instituto de Ciencias Penales, p.674.

  • 443

    A busca, desse modo, no surge aleatria, indeterminada ou indeterminvel, mas se vincula com o que importa para a originria persecuo penal, que ensejou a ordem de busca.22

    Sublinhe-se que a situao em que, ao se buscar provas para um determinado crime, so encontradas provas atinentes a outras infraes penais, denominada pela doutrina como encontro fortuito de prova. Conforme PACELLI DE OLIVEIRA, fala-se em encontro fortuito quando a prova de determinada infrao penal obtida a partir de busca regularmente autorizada para a investigao de outro crime.23

    Descrevendo o que seria essa hiptese, o autor acima citado exemplifica:

    Quando, na investigao de um crime contra a fauna, por exemplo, agentes policiais, munidos de mandado judicial de busca e apreenso, adentram em determinada residncia para o cumprimento da ordem, espera-se, e mesmo exige-se (art. 243, II, CPP), que a diligncia se realize exclusivamente para a busca de animais silvestres. Assim, se os policiais passam a revirar as gavetas ou armrios da residncia, de se ter por ilcitas as provas de infrao penal que no estejam relacionadas com o mandado de busca e apreenso. Em semelhante situao, como bvio, o local revistado jamais abrigaria o objeto do mandado judicial.24

    O principal objetivo dessa restrio o controle judicial da atuao dos agentes policiais, pois, em caso contrrio, o mandado de busca e apreenso permitiria que a casa da pessoa investigada fosse devassada sem qualquer critrio. A autorizao judicial para a entrada na casa limita a colheita de provas relativas a crime previamente determinado, o que significa dizer que o ingresso na residncia para outra finalidade no est autorizado.

    22

    PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da Busca e da Apreenso no Processo Penal. 2. Ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.109. 23

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 322. 24

    OLIVEIRA, op. cit, p. 322.

  • 444

    A respeito da validade da prova obtida em decorrncia de encontro fortuito ou casual (decorrente de interceptao telefnica e de cumprimento de mandado de busca) h na doutrina e na jurisprudncia diversas formas de visualizao.

    Cabe destacar, de incio, o magistrio de CAMARGO ARANHA25 que defende o ponto de vista de que a prova encontrada fortuitamente no poder ser, de forma alguma, utilizada no processo, j que no estava prevista na investigao e, tampouco, na autorizao proferida pela autoridade judicial. Justifica este autor sua posio sublinhando que a prova obtida atravs do cumprimento destas diligncias deve corresponder ao fundamento apresentado e que serviu de base para deciso autorizadora da medida. Do contrrio, se estaria utilizando de uma prova ilcita quanto ao modo como colhida, j que foge dos preceitos legais que exigem um pedido com fundamentao certa, contra pessoa determinada, e que, como tal, serviu de base autorizao judicial concedida.

    COSTA ANDRADE, ao lecionar sobre o entendimento da Suprema Corte Alem (BGH) acerca de conhecimentos fortuitos de provas entende que s possvel o aproveitamento de uma prova encontrada quando se investiga outro crime se houver conexo entre os dois delitos: Estava lanado o princpio da proibio de valorao dos conhecimentos fortuitos .26

    Ainda, continua o autor: na doutrina aceita-se generalizadamente a tese da jurisprudncia, segundo a qual >.27

    Saliente-se que tal raciocnio pode - e deve ser utilizado no somente nos casos de interceptao telefnica, quando ao se investigar um crime se descobre a prova de outro como, tambm, nas situaes de cumprimento de 25

    ARANHA, Adalberto Jos Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7.ed. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 295. 26

    ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as Proibies de Prova em Processo Penal. Coimbra: Coimbra, 2006. p.308. 27

    ANDRADE, op. cit., p.309/310.

  • 445

    mandados de busca, quando destinada aquela colheita da prova de um certo tipo de crime, descobre-se a prova de outro. Com mais razo ainda se chega concluso de que o raciocnio serve, tambm, para aquelas situaes em que h interceptaes telefnicas e em decorrncia destas se expede mandado de busca e no cumprimento deste se encontra objeto que, a princpio, demonstraria a prtica de infrao penal diversa daquela para a qual existem investigaes em decorrncia das quais se emitiu a ordem judicial.

    Com relao ao encontro fortuito de provas em interceptaes telefnicas, far-se- anlise mais detida logo adiante.

    Ainda conforme o magistrio do autor portugus atrs citado, por crimes do catlogo entendem-se aqueles crimes elencados no mandado de busca e apreenso, ou que estejam diretamente relacionados a eles, o que significa dizer que no pode ser valorada a prova atinente queles crimes que no guardam qualquer relao com o delito que originou a expedio do mandado.

    Ressalte-se que no razovel qualquer autorizao legal ou judicial que propicie o descobrimento genrico de infraes penais. Isso implicaria conceder autorizaes em branco para violao dos direitos fundamentais das pessoas. A propsito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Habeas Corpus de grande repercusso nacional, firmou o entendimento de que o cumprimento de mandados de busca e apreenso indiscriminadamente violam frontalmente dispositivos constitucionais e constituem verdadeiras devassas s vidas dos cidados:

    AFRONTA S GARANTIAS CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5, INCISOS XI, XII E XLV DA CONSTITUIO DO BRASIL. De que vale declarar, a Constituio, que "a casa asilo inviolvel do indivduo" (art. 5, XI) se moradias so invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, s porque o habitante suspeito de um crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto sem especificar o que se deve buscar e sem que a deciso que determina sua expedio seja precedida de perquirio quanto possibilidade de adoo de meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polcia autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou no da investigao. Eis a o que se pode chamar de autntica "devassa". Esses mandados ordinariamente autorizam a apreenso de computadores, nos quais

  • 446

    fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda atingir. De que vale a Constituio dizer que " inviolvel o sigilo da correspondncia" (art. 5, XII) se ela, mesmo eliminada ou "deletada", neles encontrada? E a apreenso de toda a sorte de coisas, o que eventualmente privar a famlia do acusado da posse de bens que poderiam ser convertidos em recursos financeiros com os quais seriam eventualmente enfrentados os tempos amargos que se seguem a sua priso. A garantia constitucional da pessoalidade da pena (art. 5, XLV) para nada vale quando esses excessos tornam-se rotineiros. 28 (destaques nossos)

    Traado esse quadro e considerando posies do Egrgio Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto, razovel concluir que no encontro casual da prova esta , em regra, invlida. Afasta-se a proibio de validao da prova quando demonstrada a existncia de conexo entre as infraes antes investigadas e aquela cuja descoberta foi casual.

    claro que se pode lanar objeo ao raciocnio traado nas linhas anteriores com a afirmao no sentido de que aceita a argumentao expendida, o Estado, atravs dos rgos policiais, no poderia, exemplificativamente, colher prova (e realizar a priso em flagrante) em caso de encontro fortuito de grande quantidade de drogas voltada ao trfico, decorrendo o encontro casual de interceptao telefnica e de posterior expedio de mandado de busca para apreenso de documentos comprobatrios de fraude caracterizadora de outro delito, como o de evaso de divisas. Entretanto, ressalte-se que o raciocnio a ser feito reclama aplicao do princpio da proporcionalidade: ainda que o trfico de drogas no seja conexo aos crimes investigados possvel a realizao de flagrante (com conseqente validao da prova). E isso por dois motivos: a) A altssima lesividade da conduta; b) O crime de trfico de entorpecentes demanda aplicao de pena de pena de recluso o que, conforme a lei 9.296/96 autoriza interceptao telefnica. 28

    STF - HC 95009, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-06 PP-01275 RTJ VOL-00208-02 PP-00640. Tal deciso se refere ao caso Dantas-Opportunity.

  • 447

    4 - Encontro Fortuito de provas e seus limites na medida cautelar probatria de interceptaes telefnicas

    Conforme explanado anteriormente, o art. 2, pargrafo nico da Lei 9.296/96 exige, de forma explicita, a delimitao do fato objeto da investigao e seus sujeitos. Na interpretao de ARAJO DA SILVA, duas concluses decorrem do referido dispositivo legal:

    (...) a deciso judicial que deferi-la deve esclarecer os seus exatos limites, evitando assim eventuais abusos na apurao de fatos desconexos com o objeto da investigao ou relacionados a terceiros estranhos apurao criminal, e somente ser possvel sua admisso para a persecuo de crimes em andamento, no se prestando a medida para a investigao de infraes que sequer tiveram incio de execuo, sob pena do direito intimidade, que deve ser entendido como regra, restar demasiadamente vulnerado.29

    A exigncia contida no art. 2, pargrafo nico, da Lei 9.296/96, visa evitar diligncias indeterminadas, sendo a delimitao da situao objeto da investigao, do fato investigado, do fato objeto da prova, do fato que se quer comprovar,30 requisito imprescindvel para decretao da medida.

    Em anlise comparativa, a validao da prova encontrada fortuita ou casualmente decorrente de interceptao telefnica regulada pelo Direito alemo, dando-se dentro de certos limites, dentre eles o de que o crime descoberto componha um rol expressamente determinado (contido no 100a do Cdigo de Processo Penal tedesco) e que guarde relao com aquele

    29

    SILVA, Eduardo Arajo da. Crime Organizado. Procedimento Probatrio. 2 ed., So Paulo : Atlas, 2009, p. 92 30

    GOMES, Luiz Flvio. MACIEL, Silvio. Interceptao Telefnica. Comentrios Lei 9.296, de 24.07.1996. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 104

  • 448

    investigado. A propsito, o magistrio de CLAUS ROXIN, eminente catedrtico da Universidade de Munique:

    Para los llamados hallazgos casuales, esto es, para los conocimientos que no conciernen al hecho punible com relacin al cual fue ordenada la vigilncia telefnica, el 100,b, V, establece uma regulacin especial en virtud de la cual la valoracin entra em consideracin solo para comprobar los hechos de la lista del 100 o delitos relacionados com ellos. 31

    Segundo LOPES JUNIOR, o material probatrio obtido atravs da medida cautelar de interceptao telefnica est vinculado ao crime objeto da deciso que autorizou a medida. H, assim, uma limitao ao uso indiscriminado deste material:

    Inicialmente, preciso compreender que o ato judicial que autoriza, por exemplo, a obteno de informaes bancrias, fiscais ou telefnicas com o sacrifcio do direito fundamental respectivo plenamente vinculado e limitado. H todo um contexto jurdico e ftico necessrio para legitimar a medida que institui uma especialidade da medida. (...) Essa deciso, ao mesmo tempo em que est vinculada ao pedido (imposio do sistema acusatrio), vinculante em relao ao material colhido, pois a busca e apreenso, interceptao telefnica, quebra de sigilo bancrio, fiscal, etc, est restrita apurao daquele crime que ensejou a deciso.32 (grifo no original)

    O princpio da especialidade da prova e sua vinculao causal, segundo LOPES JUNIOR33, visam evitar investigaes abertas e indeterminadas,

    31

    ROXIN. Claus. Derecho Procesal Penal. Trad. de Gabriel E. Crdoba e Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2000, p. 202. 32

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 539 33

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 540

  • 449

    afastando o substancialismo inquisitorial34 que ocorre quando h um desvio de foco no fato objeto da investigao com o fim de abranger todo e qualquer ilcito porventura praticado pelo acusado.

    Assim, duas hipteses podem ocorrer em relao ao desvio de vinculao causal da prova: a) autorizao para interceptao telefnica para apurar determinado delito e no curso da medida so descobertas outras infraes praticadas pelo sujeito passivo da interceptao; b) autorizao para interceptao telefnica para apurar determinado delito e no curso da medida surge a descoberta de outras infraes penais praticadas por terceiro.

    Na primeira hiptese, segundo assevera LOPES JUNIOR, trata-se de um ilegal desvio causal da prova autorizada35. O autor aponta como absurda a hiptese de, por exemplo, ser autorizada interceptao telefnica para apurar crime de trfico de drogas e sendo revelada hiptese de crime de sonegao fiscal, ser este material probatrio utilizado para dar incio a outro processo visando punir o acusado por este segundo delito.36 Da mesma forma, em se tratando de delitos praticados por terceiro (segunda hiptese) contra os quais no foi autorizada a medida cautelar de interceptao telefnica, LOPES JUNIOR37 repudia a utilizao do material probatrio, pois, segundo o autor, a prpria gravao das conversas de terceiros com o acusado j constitui grave violao ao direito intimidade (o que no caso da interceptao telefnica inevitvel), no sendo legtima a utilizao destas conversas como material probatrio para incriminar o terceiro interlocutor contra o qual no foi autorizada e devidamente fundamentada a deciso.

    34

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 540 35

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 541 36

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 541 37

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 541-542

  • 450

    Apesar de repudiar a utilizao indiscriminada de provas obtidas com desvio de vinculao causal em interceptao telefnica, LOPES JUNIOR conclui que o material obtido poder ser utilizado como starter ou notcia-crime para dar incio a novas investigaes:

    (...) sem negar a possibilidade de que a prova obtida a partir do desvio causal, sirva como starter da investigao do novo crime (se preferir, como notcia-crime), sendo assim uma fonte de prova, mas no como prova. No ser a prova, mas um elemento indicirio para o incio da investigao, de modo que nova investigao pode ser instaurada e novas buscas, interceptaes, etc. podem ser adotadas. Mas a prova desse crime deve ser construda de forma autnoma.38 (grifou-se)

    Outros doutrinadores que tratam do tema, dentre eles SCARANCE FERNANDES, GOMES e MACIEL, tentam encontrar um ponto mdio para soluo do encontro fortuito de outros fatos ou de outros envolvidos, levando em considerao a existncia de conexo39 entre o fato objeto da interceptao telefnica e os novos fatos detectados. Para SCARANCE FERNANDES40, o material probatrio obtido em interceptao telefnica regularmente autorizada, somente ter valor em relao a outros fatos ou sujeitos no determinados na deciso que autorizou a medida, se existir conexo entre o crime investigado e os fatos obtidos 38

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 543 39

    LOPES JUNIOR admite com ressalva a utilizao das regras de conexo como justificativa para autorizar a utilizao das provas obtidas a partir do desvio causal: As regras da conexo podem ser admitidas como forma de relativizar o princpio da especialidade da prova, mas exigem sempre uma leitura restritiva desse conceito, bem como a demonstrao da real existncia dos elementos que a compe. O que no se pode tolerar a fraude de etiquetas, onde a conexo engrendrada para permitir o desvio da vinculao causal imposta pelo princpio da especialidade. (grifou-se) (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 545-546) 40

    FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5. ed. rev. atual. e ampl. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007 p. 109-110

  • 451

    fortuitamente. Aqueles fatos que no forem conexos servem, ao menos, como fonte de prova ou notitia criminis, para dar incio a uma nova investigao e at mesmo uma nova interceptao telefnica independente41. Nessa mesma linha so os ensinamentos de GOMES e MACIEL42, quando afirmam que para aproveitamento da prova obtida atravs de interceptao telefnica, necessrio que haja identidade, congruncia entre o fato e o sujeito passivo indicados na deciso e o fato e o sujeito passivo concretamente investigados, sendo que qualquer desvio do princpio da congruncia ou da identidade deve ser levado ao conhecimento do juiz para que realize o efetivo controle judicial desta nova situao. Admitem GOMES e MACIEL o aproveitamento do material probatrio obtido atravs de encontro fortuito em interceptao telefnica desde que haja conexo ou continncia entre o fato objeto da investigao e os novos fatos encontrados. Assim, concluem os autores:

    (...) se o fato objeto do encontro fortuito conexo ou tem relao de continncia (concurso formal) com o fato investigado, vlida a interceptao telefnica como meio probatrio. Essa prova deve ser valorada pelo juiz. (...) Tambm, se descoberto o envolvimento de outra pessoa no mesmo crime investigado (a continncia do art. 77 do CPP), tambm vlido tal meio probatrio.43

    Para os autores por ltimo citados caso o material encontrado no tiver nenhuma relao de conexo com o fato investigado ou quando os fatos cometidos por terceiros no tenham nenhuma relao de continncia com o

    41

    Seguindo este posicionamento POLASTRI LIMA aponta como melhor o meio termo adotado por Scarance Fernandes, invocando ao final de sua exposio o princpio da proporcionalidade para justificar a utilizao do material probatrio em crime diverso, em especial quando se tratam de crimes graves como o seqestro ou o homicdio. (LIMA, Polastri Marcellus. Tutela cautelar no processo penal. Lumen Juris : Rio de Janeiro, 2005, p. 313) 42

    GOMES, Luiz Flvio. MACIEL, Silvio. Interceptao Telefnica. Comentrios Lei 9.296, de 24.07.1996. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 107 43

    GOMES, Luiz Flvio. MACIEL, Silvio. Interceptao Telefnica. Comentrios Lei 9.296, de 24.07.1996. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 108

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    investigado, no poder ser utilizado como meio probatrio, tratando-se, nesta hiptese, de encontro fortuito de segundo grau44, servindo apenas como notitia criminis para dar incio a novas investigaes45.

    Postura semelhante tambm adotada por GRECO FILHO46, que admite o aproveitamento da prova obtida em encontro fortuito resultante de interceptao telefnica, desde que a nova infrao detectada no se enquadre nas limitaes contidas no art. 2 da Lei 9.296/96 e que haja uma relao com o primeiro fato investigado, seja por conexo, continncia ou concurso de crimes47. Acrescenta o autor que seria uma limitao excessiva no permitir a utilizao do material obtido em encontro fortuito, uma vez que a atividade criminosa, especialmente a organizada, no se limita a uma especialidade de crime. Ressalta, porm, que mesma nestas hipteses necessria a vinculao com o fato principal.

    44

    GOMES, Luiz Flvio. MACIEL, Silvio. Interceptao Telefnica. Comentrios Lei 9.296, de 24.07.1996. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 108 45

    No mesmo sentido, LIMA: (...) se a interceptao telefnica conduzir a descoberta de fatos sem que haja qualquer hiptese de conexo ou continncia, os elementos a obtidos no podem ser valorados como prova pelo magistrado, o que no impede, todavia, sua utilizao como notitia criminis para deflagrar novas investigaes. (grifo no original) (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, V I. Niteri, Rio de Janeiro : Impetus, 2011, p. 1087) 46

    GRECO FILHO, Vicente. Interceptao telefnica. Consideraes sobre a Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996. 2. ed., rev., atual. e ampl., (com a colaborao de Joo Daniel Rassi), 3. tiragem. So Paulo : Saraiva, 2008, p. 36-38 47

    Luiz Flvio GOMES diverge do entendimento de GRECO FILHO, quanto utilizao do critrio de concurso formal para aproveitamento da prova obtida em encontro fortuito. Assim leciona: Como vimos, cremos que o critrio da conexo seja vlido para resolver a questo. Mas s nas hipteses de conexo e continncia (estritamente interpretadas) que a prova ser vlida. No nosso entendimento no parece acertada a ampliao para qualquer hiptese de concurso de crimes. Em muitas ocasies, no concurso material, por exemplo, no contaremos com nenhum tipo de conexo apta ao aproveitamento da interceptao (grifou-se) (GOMES, Luiz Flvio. MACIEL, Silvio. Interceptao Telefnica. Comentrios Lei 9.296, de 24.07.1996. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 109)

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    No tocante ao critrio da conexo ou continncia LOPES JUNIOR48 admite que em determinados casos a prova encontrada em desvio causal possa ser utilizada, porm os conceitos de conexo adotados pela sistemtica do CPP devem ser interpretados restritivamente de forma a no dar azo a eventuais abusos de interpretao, especialmente quando tratar-se de conexo probatria (art. 76, III do CPP) ou conexo objetiva ou teleolgica (art. 76, II do CPP), onde o aproveitamento da prova somente poder ocorrer quando concretamente evidenciadas tais hipteses.

    Outras hipteses comentadas por LOPES JUNIOR49 so a conexo intersubjetiva (art. 76, I, do CPP) e a continncia (art. 77, I, do CPP). Na primeira hiptese o autor assevera que a viabilidade da utilizao da prova est relacionada intersubjetividade concursal (concurso de agentes), exemplificando que a busca e apreenso realizada na casa de um dos c-reus, pode gerar material probatrio em relao a todos. Situao semelhante ocorre em relao continncia, pois, segundo o autor, a prova obtida de um dos rus passar a integrar o processo no qual tambm figura(m) o(s) c-reu(s).50

    Sobre a conexo e continncia, finaliza LOPES JUNIOR51 afirmando sua posio de que a prova obtida em desvio causal no poder atingir a terceiro, ressaltando que nos casos de conexo e continncia comentados, o c-reu no se trata de terceiro, mas sim parte no processo.

    Assim, para os doutrinadores referenciados, o critrio da conexo ou continncia52 pode servir como balizador para o aproveitamento da prova

    48

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 544 49

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 545 50

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 545 51

    LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 545 52

    Ainda que em breve manifestao, AVOLIO concorda com os demais doutrinadores sobre o critrio da conexo ou continncia. (AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilcitas.

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    oriunda de encontro fortuito ou obtida por desvio causal. Tratando-se de fatos no conexos, o material servir como notitia criminis para investigao de novos fatos.

    Contudo, alguns doutrinadores adotam postura e critrios diversos a respeito do tema.

    Para CAMARGO ARANHA53 nem mesmo a existncia de conexo entre o fato objeto da interceptao e novo fato seria suficiente para autorizar a utilizao da prova obtida, sendo que sustenta sua posio com base nos argumentos de DAMSIO DE JESUS54, para o qual, a prova obtida atravs de encontro fortuito no vlida em nenhuma hiptese. Complementando sua exposio, CAMARGO ARANHA55 sustenta que a nica hiptese possvel de utilizao da prova seria a descoberta de novo suspeito em relao ao mesmo fato objeto da deciso que autorizou a interceptao telefnica.

    Outra postura a adota por PRADO56 que aponta dois critrios para anlise do encontro fortuito: s se admite a interceptao telefnica em crimes punidos com recluso; e, o princpio da obrigatoriedade da ao penal pblica incondicionada.

    Interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. rev. e ampl. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 230) 53

    ARANHA, Adalberto Jos Q. T. de Camargo. Da prova no Processo Penal. 7 ed., rev. e atual., So Paulo : Saraiva, 2008, p 295 54

    JESUS, Damsio Evangelista de. Valor da prova obtida por escuta telefnica. Boletim IBCCRIM, So Paulo, v. 1, n. 9, out. 1993, p. 24, apud, ARANHA, Adalberto Jos Q. T. de Camargo. Da prova no Processo Penal. 7 ed., rev. e atual., So Paulo : Saraiva, 2008, p 295 55

    ARANHA, Adalberto Jos Q. T. de Camargo. Da prova no Processo Penal. 7 ed., rev. e atual., So Paulo : Saraiva, 2008, p 296 56

    PRADO, Geraldo. Limite s Interceptaes Telefnicas: a Jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia no Brasil e a Alterao Introduzida no Cdigo de Processo Penal Portugus (Lei n 48/2007). In: Processo Penal do Brasil e de Portugal : estudo comparado. As reformas portuguesa e brasileira. Org. L. G. Grandinetti Castanho de Carvalho. Coimbra : Ed. Almedina, 2009, p. 134

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    Inicialmente PRADO57 esclarece que no poder ser utilizada a prova obtida em encontro fortuito proveniente de interceptao telefnica, se a nova infrao penal descoberta no for punida com pena de recluso (ex.: contravenes penais, crimes punidos com deteno, infraes de menor potencial ofensivo), pois, este o limite estabelecido no art. 2, inciso III da Lei 9.296/96 que deve ser interpretado restritivamente.58

    O segundo critrio adotado por PRADO59 o princpio da obrigatoriedade da ao pblica incondicionada, princpio que, segundo o autor, no se restringe somente ao penal, estendendo-se investigao preliminar, por interpretao do contido no art. 5, I, do Cdigo de Processo Penal60. Assim, para PRADO61, uma vez detectada a existncia de crime que se procede mediante ao pblica incondicionada, ainda que em encontro fortuito no curso de interceptao telefnica, dever da autoridade policial 57

    PRADO, Geraldo. Limite s Interceptaes Telefnicas: a Jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia no Brasil e a Alterao Introduzida no Cdigo de Processo Penal Portugus (Lei n 48/2007). In: Processo Penal do Brasil e de Portugal : estudo comparado. As reformas portuguesa e brasileira. Org. L. G. Grandinetti Castanho de Carvalho. Coimbra : Ed. Almedina, 2009, p. 134 58

    No mesmo sentido LOPES JUNIOR considera ilegal a utilizao da prova quando o novo crime investigado por desvio causal no for punido com pena de recluso, citando como exemplo o delito descrito no art. 2 da Lei 8.137/90. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 541). 59

    PRADO, Geraldo. Limite s Interceptaes Telefnicas: a Jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia no Brasil e a Alterao Introduzida no Cdigo de Processo Penal Portugus (Lei n 48/2007). In: Processo Penal do Brasil e de Portugal : estudo comparado. As reformas portuguesa e brasileira. Org. L. G. Grandinetti Castanho de Carvalho. Coimbra : Ed. Almedina, 2009, p. 135 60

    Cujo teor o seguinte: Nos crimes de ao pblica o inqurito policial ser iniciado: I - de ofcio; (...). 61

    PRADO, Geraldo. Limite s Interceptaes Telefnicas: a Jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia no Brasil e a Alterao Introduzida no Cdigo de Processo Penal Portugus (Lei n 48/2007). In: Processo Penal do Brasil e de Portugal : estudo comparado. As reformas portuguesa e brasileira. Org. L. G. Grandinetti Castanho de Carvalho. Coimbra : Ed. Almedina, 2009, p. 135

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    investigar o novo crime62 (por fora do princpio da obrigatoriedade) independentemente da existncia de conexo ou continncia com o crime objeto da interceptao telefnica.

    Em contrapartida, AVOLIO63 apresenta forte restrio utilizao do material obtido em encontro fortuito relativo interceptao telefnica, mesmo com a finalidade de servir apenas como notitia criminis para incio de novas investigaes. Para o autor, somente seria cabvel a utilizao do material para dar azo nova investigao em casos em que fosse admissvel a priso em flagrante por tratar-se de crime permanente (ex.: seqestro), ou para adoo de medida urgente como a desativao de uma bomba ou evitar a consumao de delito grave64, invocando-se, nestes casos, o princpio da proporcionalidade. Finaliza afirmando que a autorizao indiscriminada do resultado da

    62

    No mesmo sentido, FEITOZA: Quanto s infraes penais sujeitas ao penal pblica incondicionada, a prpria autoridade policial ou o Ministrio Pblico que esto tomando cincia da outra infrao penal j tem o dever de agir de ofcio. (FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal. Teoria, Crtica e Prxis. 7 ed, ver, ampl., e atual. de acordo com as Leis 11.983/2009, 12.015/2009; 12.030/2009; 12.033/2009 e 12.037/2009. Niteri, RJ : Impetus, 2010, p. 824) 63

    AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilcitas. Interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. rev. e ampl. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 230-231 64

    A proposta de AVOLIO assemelha-se ao sistema italiano, onde se admite qualquer encontro fortuito, desde que o fato descoberto constitua infrao em que a priso em flagrante seja obrigatria. Assim explica TONINI: Em regra, os resultados das interceptaes so utilizveis como prova somente no mbito do procedimento em que so determinadas. Permanecem, no entanto, utilizveis como notitia criminis para outros procedimentos. Todavia, podem ser utilizadas em outros procedimentos quando forem indispensveis para a averiguao dos delitos para os quais obrigatria a priso em flagrante (art. 270 do CPP). (TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Traduo de Alexandra Martins, Daniela Mrz. So Paulo : Editora Revista do Tribunais, 2002, p. 252)

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    interceptao em relao a outros fatos configura a chamada interceptao prospectiva65, de todo repudivel.

    Postura bastante distinta das j apresentadas adotada por FEITOZA66, que admite a utilizao do material probatrio resultante de encontro fortuito ou desvio causal em interceptao telefnica, ainda que no exista conexo com o fato objeto da interceptao e independentemente da espcie de pena ou gravidade do novo crime apurado. O autor vale-se do argumento de que estaria cumprida a finalidade da medida cautelar estabelecida em lei (Art. 1 da Lei 9.296/96), ou seja, obteno de prova em investigao criminal ou instruo processual penal. Assim, dispensa-se a utilizao do princpio da proporcionalidade.

    Por fim, cabe citar o posicionamento adotado por PACELLI DE OLIVEIRA em relao teoria do encontro fortuito de provas. Ao iniciar sua explanao, o autor salienta:

    Fala-se em encontro fortuito quando a prova de determinada infrao penal obtida a partir da busca regularmente autorizada para a investigao de outro crime. (...) A teoria, embora, em um primeiro exame, possa parecer um excessivo zelo com a tutela do devido processo legal, justifica-se plenamente. (...)67

    Conclui o autor, em primeira anlise que a teoria, portanto, presta-se a justificar a adoo de medidas acautelatrias em favor da proteo do direito

    65

    AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilcitas. Interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes clandestinas. 4. ed. rev. e ampl. So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 231 66

    FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal. Teoria, Crtica e Prxis. 7 ed, ver, ampl., e atual. de acordo com as Leis 11.983/2009, 12.015/2009; 12.030/2009; 12.033/2009 e 12.037/2009. Niteri, RJ : Impetus, 2010, p. 823-824 67

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15. Edio, rev. e atual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011, p. 367

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    intimidade e/ou privacidade, de modo a impedir o incentivo prtica do abuso de autoridade68, conforme j apontado anteriormente. Porm, ao tratar da medida cautelar probatria de interceptao telefnica e sua aplicao no campo da chamada criminalidade macroeconmica ou criminalidade organizada, PACELLI DE OLIVEIRA adota postura bastante diversa em relao aplicao da teoria do encontro fortuito de provas, sob o argumento de que a teoria no pode transformar-se em instrumento de salvaguarda de atividades criminosas. So os seguintes argumentos adotados pelo autor para justificar a possibilidade de utilizao do material obtido fortuitamente em interceptao telefnica e que diga respeito a outros crimes diversos daquele objeto da medida cautelar, quando tratar-se de investigaes relacionadas criminalidade organizada ou macroeconmica:

    (...) quando, no curso de determinada investigao criminal, autorizada judicialmente a interceptao telefnica em certo local, com a conseqente violao da intimidade das pessoas que ali se encontram, no vemos por que recusar a prova ou a informao relativa a outro crime ali obtida. A tanto no se prestaria a teoria do encontro fortuito, dado que a sua finalidade e ratio essendi nem de longe seria atingida. Em tal situao, se at as conversas mais ntimas e pessoais dos investigados e das pessoas que ali se encontrassem estariam ao alcance do conhecimento policial, por que no o estaria a notcia referente prtica de outras infraes penais?69

    Ora, no a conexo que justifica a licitude da prova. O fato, de todo relevante, que, uma vez franqueada a violao dos direitos privacidade e intimidade dos moradores da residncia, no haveria razo alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou no com recluso. Isso porque, uma coisa a justificao para a autorizao da quebra de sigilo; tratando-se de violao intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra coisa o aproveitamento do contedo da interveno autorizada; tratando-se de material relativo prova de

    68

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15. Edio, rev. e atual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011, p. 368 69

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15. Edio, rev. e atual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011, p. 368

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    crime (qualquer crime), no se pode mais argumentar com a justificao da medida (interceptao telefnica), mas, sim, com a aplicao da lei.70 (grifo no original)

    Em que pese o posicionamento adotado pelo autor, refuta-se o argumento de que, diante dessa nova modalidade de delinqncia (criminalidade organizada e macroeconmica), justifica-se o emprego de medidas invasivas e violadoras de direitos fundamentais, com aplicao de regras distintas, o que levaria, conforme LOPES JUNIOR, a uma perigosa aproximao com o maniquesmo (e reducionismo) do direito (processual) penal do inimigo71. Assim, ainda que a interceptao telefnica seja um instrumento legal de obteno de provas, deve ser usada nos estritos limites de sua legalidade, afastando-se interpretaes que levem violao desmedida de direitos e garantias fundamentais. Cabe destacar a lio de PRADO ao tratar dos limites interceptao telefnica:

    O emprego da tcnica na investigao de crimes violentos, ou derivados da criminalidade organizada, nacional ou transnacional, ou ainda de crimes socioeconmicos cujos autores no so aqueles, a rigor, selecionados pelo Sistema Penal acentua a seduo e parece justificar a medida. Isso, porm, no pode encobrir o que realmente ocorre: a supresso da intimidade do investigado. Essa intimidade e, mais, a inviolabilidade das suas comunicaes telefnicas so direitos fundamentais! (grifou-se) 72

    70

    OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15. Edio, rev. e atual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011, p. 369 71

    LOPES JUNIOR faz severa crtica aos argumentos utilizados por PACELLI para justificar uma postura diferenciada na aplicao da teoria do encontro fortuito de provas em relao criminalidade organizada ou macrocriminalidade. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v I, 3. ed., Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p. 539-540) 72

    PRADO, Geraldo. Limite s Interceptaes Telefnicas: a Jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia no Brasil e a Alterao Introduzida no Cdigo de Processo Penal Portugus (Lei n 48/2007. In: Processo Penal do Brasil e de Portugal : estudo comparado. As

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    A interceptao telefnica ou qualquer outro meio de obteno de provas no poder servir como instrumento de preveno de riscos ou perigos, nem servir como instrumento de uma poltica criminal securitria.73 Conclui-se, ento, que a faticidade ou provisionalidade so caracatersticas ou princpios de grande relevncia no estudo das interceptaes telefnicas, diante dos reflexos aqui explanados. Constata-se na Lei 9.296/96 a necessidade de delimitao ftica do objeto da interceptao e de seus sujeitos, evitando ampliar de forma indiscriminada a utilizao do material probatrio obtido atravs desta medida cautelar.

    5 - Consideraes finais

    O presente artigo teve como objeto o estudo das teorias do encontro fortuito de provas e desvio de vinculao causal quando da concretizao de medidas cautelares probatrias de busca e apreenso e interceptao das comunicaes telefnicas. Preliminarmente, demonstrou-se a extrema necessidade de delimitao do fato e dos sujeitos objetos da investigao e a vinculao do material probatrio obtido em relao a esses fatos e sujeitos. As medidas cautelares probatrias, diante de seu carter instrumental, devem ter um objetivo principal (obteno da prova da infrao penal) e esto sempre vinculadas a esse objetivo principal, jamais podendo ter um fim em si mesmas.

    reformas portuguesa e brasileira. Org. L. G. Grandinetti Castanho de Carvalho. Coimbra : Ed. Almedina, 2009, p. 119 73

    HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertrio. Traduo de Regina Greve. Coord. e Supervisor Luiz Moreira. Belo Horizonte : Del Rey, 2007, p 129-130

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    Portanto, a finalidade instrumental das medidas cautelares probatrias deve estar bem delimitada na deciso que as autoriza, tratando-se do necessrio controle jurisdicional do ato. Demonstrou-se que as medidas cautelares probatrias de busca e apreenso e interceptao das comunicaes telefnicas exigem a aplicao do princpio da provisionalidade ou faticidade, ou seja, somente ser possvel a decretao de tais medidas quando demonstrada uma situao ftica concreta que as autorize, gerando uma vinculao a essa situao ftica. Contudo, buscou-se demonstrar a necessidade de interpretao e anlise em relao aos limites de utilizao do material probatrio obtido fortuitamente ou com desvio de vinculao causal na concretizao das medidas cautelares probatrias ora referenciadas.

    Assim, constatou-se que somente podem ser consideradas lcitas as provas obtidas com estrita vinculao ao objeto e sujeitos determinados na deciso que autoriza a busca e apreenso ou interceptao telefnica.

    Havendo encontro fortuito de outros fatos ou sujeitos, ou desvio da vinculao causal, somente podero ser aproveitadas as provas obtidas com relao a fatos conexos (conexo ou continncia) com a situao ftica objeto das medidas.

    Tratando-se de fatos no conexos ou de terceiros no relacionados com o fato originrio, os elementos probatrios serviro como notitia criminis para novas investigaes, observando-se os demais requisitos autorizadores das medidas cautelares.

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