encontro com o autor josé jorge letria: apresentação do escritor
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Encontros com autor:
José Jorge Letria
14 de janeiro de 2016
Biblioteca escolar
Fernão Mendes Pinto
Em A vida segundo Goya, obra lida por muitos dos alunos presentes neste
Encontro com autor, José Jorge Letria define-se como “pai, marido, avô,
jornalista, escritor e cidadão” (p. 134). Podemos acrescentar os atributos de
poeta, compositor, cantor, amador de cães e de gatos, apreciador de arte
e de literatura, homem da revolução de abril, homem de cultura e da sua
defesa, figura eminente da sociedade portuguesa.
Os mais novos não terão ainda consciência – mas tê-la-ão ao longo deste
encontro – do privilégio de estarem na presença de José Jorge Letria, natural
de Cascais, vila na qual exerceu a função de vereador da Cultura entre 1994
e 2002, jornalista nos mais importantes jornais portugueses, homem da
rádio e da televisão, homem de abril e um dos mais destacados nomes da
canção política em Portugal, a par de nomes como Zeca Afonso ou Adriano
Correia de Oliveira, tendo sido agraciado com a Ordem da Liberdade, em
1997.
Como escritor, é autor de múltiplas obras publicadas em diferentes géneros,
da poesia à prosa, passando pelo romance histórico, pelo teatro, pela literatura
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infanto-juvenil, pelo ensaio…Obras traduzidas em várias línguas e distinguidas
com reconhecidos prémios nacionais e internacionais.
A sua escrita é fluída e apaixonante, como o é a sua relação com os animais
domésticos, que deu origem a títulos como Amados cães, Amados gatos,
Coração sem abrigo ou A vida segundo Goya, uma das obras que José
Jorge Letria apresentou em Sesimbra, numa noite de verão de 2015, na Feira
do Livro, à qual me desloquei com a intuição de que aquele encontro com o
autor seria promissor de futuro. Com a intuição de que aquele encontro
marcaria uma diferença no meu percurso como professora bibliotecária, já que
o meu encontro com o seu livro Coração sem abrigo, há uns anos, assinalou
um marco no meu percurso de leitora. E assim foi.
Posso dizer que há em mim um antes e um depois da leitura de Coração sem
abrigo, obra que gostaria que fosse reeditada, muito lida na nossa Biblioteca
Escolar e que frequentemente recomendo a alunos, funcionários, professores e
toda a comunidade educativa.
Perdoem-me se comecei a apresentar o escritor e vos parece que falo de mim.
A verdade é que estou convencida de que a nossa relação com os livros e os
escritores (particularmente com a literatura, como acontece com outras formas
de arte, como a pintura ou a escultura) – essa relação – faz-se do contacto
pessoal e da emoção estética, do elo de beleza (no conteúdo e na forma) entre
a obra, o autor e o leitor.
Por isso, poder-vos-ia dizer que José Jorge Letria é autor de destacados
prémios como dois Grandes Prémios da Associação Portuguesa de Escritores,
dois Prémios Eça de Queirós – Município de Lisboa, o Prémio Internacional
UNESCO, o Prémio Anual de Poesia de Barcelona, o Prémio Plural (México), le
Prix International des Arts et des Lettres (Paris) ou ainda, entre outros, o
Prémio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Poder-vos-ia ainda lembrar
que estão na presença do presidente da Sociedade Portuguesa de Autores
e do Comité Europeu de Sociedades de Autores.
Poderia lembrar-vos de tudo isto e muito nos honra a presença na Escola
Secundária Fernão Mendes Pinto e na nossa biblioteca desta figura ímpar da
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cultura portuguesa. Claro que sim. Mas o que nos toca, o que nos congrega
aqui é o facto de sermos leitores da obra de José Jorge Letria e de guardarmos
na memória os instantes deliciosos e únicos da nossa relação com o narrador
de histórias de sonhos, de amizades, de cumplicidades e diálogos ou
monólogos ouvidos por outro ser, ainda que não humano. Histórias que
nos engrandecem como seres humanos, como leitores no seu todo,
agigantados pelo universo do sonho e da poesia para o qual os seus livros nos
transportam.
Ler José Jorge Letria é, de facto, agigantar os afetos, transformá-los e
deixá-los povoarem-se por aqueles que antes não amávamos – ainda que só
os amemos na ficção, como me acontece com os animais, afeto que teve a sua
porta de acesso em Cão como nós, de Manuel Alegre, a que se sucedeu a
leitura de Coração sem abrigo, de José Jorge Letria, que retrata a solidão e a
cumplicidade terna entre um sem-abrigo e o seu cão, em monólogos que se
assemelham a diálogos, pela densidade narrativa e emocional com que o autor
impregna o texto e nos envolve, mesmo àqueles que só se relacionam com os
animais no domínio ficcional, onde eles não mordem e não têm cheiro nem
pelo nem causam alergias.
Porque a literatura é esse universo de metamorfose do disfórico, de
transformação da realidade, lugar de sonho e de fantasia, de vida a
transformar-se, pelas mãos dos poetas, dos escritores e dos homens sensíveis
e próximos como o que hoje nos honra com a sua presença, que muito, muito
agradecemos: José Jorge Letria.
Maria Carla Crespo
(Professora bibliotecária)
14 de janeiro de 2016