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Encontrando e avaliando notícias científicas

Lição 2

Encontrando e avaliando notícias científicas

Julie Clayton

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Curso On-line de Jornalismo Científico

2.1 Introdução

Como jornalista científico(a), você tem duas opções: esperar que as pautas venham até você ou correr atrás delas.

Se você esperar que as pautas cheguem até você, talvez por meio de press releases, você pode ter muitas opções para escolher, mas é provável que os outros veículos de comunicação da ciência tenham as mesmas notícias.

Correr atrás de suas próprias pautas requer mais trabalho, mas pode ser mais gratificante se você puder encontrar notícias menos batidas – talvez uma exclusiva. E, especialmente para jornalistas que trabalham em países em desenvolvimento, esta pode ser a única maneira de descobrir as pesquisas que estão em andamento em sua região.

Além disso, se você está trabalhando para um veículo de comunicação pela primeira vez, certamente é uma boa ideia começar com uma notícia que ninguém mais cobriu. Não precisa ser um grande furo – uma matéria pequena, mas interessante, é suficiente para começar.

Esta lição é voltada para jornalistas, sobretudo de países em desenvolvimento, que desejam desenvolver suas habilidades para encontrar e avaliar fontes de notícias científicas.Ao completá-la, você estará mais familiarizado(a) com uma gama ampla de fontes de notícias, incluindo internet, e terá considerado alguns critérios-chave para avaliar a importância de uma pauta, a validade de uma afirmação e a credibilidade de um(a) cientista.

2.2 O que são boas fontes?

Ideias para matérias de ciência podem surgir de muitas fontes diferentes, e como um ou uma jornalista aproveita cada fonte vai depender dos recursos disponíveis, incluindo acesso à internet.

Fontes primárias são as pessoas que falam com você sobre algo de que elas participam diretamente. Elas podem ser cientistas responsáveis pela pesquisa, pacientes envolvidos em um ensaio clínico... Elas oferecem sua própria visão do que está acontecendo.

Fontes secundárias são mídias, eletrônicas ou não, que ficam entre o jornalista e a fonte primária. E não são exclusivas do jornalista.

Possíveis fontes para matérias de ciênciaFontes primárias:• Não-cientistas: políticos, vizinhos, outros jornalistas etc.• Entrevistas particulares com cientistas e especialistas• Entrevistas coletivasFontes secundárias:• Veículos de comunicação• Press releases• Boletins eletrônicos• Fóruns de discussão• Sites de organizações científicas e empresas• Publicações (exemplo: artigos científicos)

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O(a) jornalista pode escolher usar algumas fontes mais do que outras, dependendo do tipo de pauta que ele ou ela está buscando.

2.3 Ideias da vida cotidiana?

Jornalistas científicos não devem menosprezar o valor de experiências do dia-a-dia como um ponto de partida para boas matérias. Elas podem vir de amigos, familiares, vizinhos, pessoas no supermercado ou outros jornalistas.

Falar sobre questões cotidianas como nutrição para crianças pode levar a reportagens investigativas sobre a importância da amamentação em oposição ao uso de fórmulas alimentares para bebês ou sobre dar às crianças alimentos com açúcar, gordura hidrogenada, aromatizantes artificiais e outros aditivos.

Quando as questões se originam do cotidiano das pessoas, o(a) jornalista “automaticamente” tem uma maneira de relacionar a ciência à vida do seu público.

2.4 Transforme a crise numa vantagem

Matérias de outros veículos podem inspirar notícias para o seu veículo.Por exemplo, Wanzala Justus escreveu esta nota, em inglês, sobre “biolatrinas”, [http://www.islamonline.net/servlet/Satellite?c=Article_C&cid=1157962459731&pagename=Zone-English-HealthScience%2FHSELayout] – uma nova solução para o problema do descarte de lixo – pautada por uma matéria televisiva de uma colega da Kenyan Broadcasting Corporation.

Uma crise ou controvérsia coberta por repórteres de política ou temas sociais pode ter um ponto de vista científico. A reportagem em ciências pode trazer uma nova dimensão importante para a cobertura da mídia.

Um bom exemplo é a reportagem de Nadia El-Awady no portal SciDev.Net, em inglês[http://www.scidev.net/en/features/israelipalestinian-research-walking-on-eggshells.html], sobre colaborações inesperadas entre cientistas israelenses e palestinos, apesar da grande separação política entre os dois países.

2.5 Cobrindo as fronteiras da ciência

A interface entre a ciência e outros aspectos culturais e sociais é um campo fértil para encontrar notícias. Jornalistas podem explorar o novo panorama trazido por uma pesquisa científica para um debate sobre convicções fortes e estabelecidas.

O debate pode ser sobre a medicina científica e tradicional, por exemplo, como na matéria, em inglês, sobre um suposto remédio à base de ervas que, segundo documentos elaborados por religiosos, seria a cura para o HIV [http://www.islamonline.net/servlet/Satellite?c=Article_C&cid=1164545906466&pagename=Zone-English-HealthScience%2FHSELayout]. O autor, Tamer El-Maghraby, tomou o cuidado de equilibrar a matéria, incluindo comentários de outros cientistas sobre o tema. Além disso, ele descreveu as limitações do estudo em termos de amostra reduzida e falta de validação via publicação em revistas científicas, cujos artigos são revisados por cientistas.

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O embate entre a medicina científica e tradicional também é abordado na matéria a seguir, da BBC:Cientista critica presidente da Gâmbia por prometer curar Aids[http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/02/070202_presidenteaidscg.shtml]

Em outro exemplo (em inglês), Wanzala Justus fala sobre o ressurgimento do interesse por remédios tradicionais que está ocorrendo no Quênia por causa do HIV e estudos de sua eficácia científica. [http://www.islamonline.net/servlet/Satellite?c=Article_C&cid=1157365890516&pagename=Zone-English-HealthScience%2FHSELayout]. A idéia da matéria veio da fala de um médico tradicional durante um Congresso Internacional de Medicina Tradicional em Nairóbi.

Veja, ainda, outro exemplo semelhante em:Programa anti-Aids na África pede ajuda aos curandeiros[http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/boston/2004/12/26/ult583u214.jhtm]

Religião e ciência são outra fronteira instigante. Repórteres de ciência podem somar uma nova dimensão, por exemplo, a discussões sobre se o sacerdote tem poder de cura ou se as crenças religiosas têm bases biológicas.

2.6 Assinando boletins eletrônicos

Muitos jornalistas científicos com acesso fácil à internet usam boletins eletrônicos para serem rapida-mente informados sobre novidades da área e receber press releases. Decidir que boletins assinar é uma questão de estratégia pessoal. Pode ser útil assinar os boletins mais famosos, mas também é impor-tante procurar fontes menos conhecidas.

Entretanto, é melhor não se restringir a notícias recebidas por e-mail: elas não são exclusivas e vão aparecer em outros veículos.

Para dar às matérias uma abordagem original, tente usar um ângulo local – por exemplo, entrevistando especialistas locais para saber suas visões sobre uma descoberta que aconteceu do outro lado do mundo.

Além disso, também pode ser útil combinar informações de boletins eletrônicos com outras notícias recentes. Então, se você recebeu uma pauta sobre uma nova usina geotérmica, procure mais informações sobre o tema em outras fontes.

Preste atenção a fatos que vão acontecer no futuro. Se você encontrar o aviso de uma coletiva de imprensa que se dará em um mês, ou o anúncio de uma pesquisa que terá resultados daqui a um ano, trabalhe com vistas ao futuro. Vá coletando informações adicionais. Editores adoram repórteres que já têm sua pesquisa concluída quando uma notícia acontece.

2.7 Lidando com cientistas

Jornalistas têm o privilégio de poder falar diretamente com as pessoas, incluindo as mais famosas ou poderosas. Outros profissionais não podem fazer isso o tempo todo, então os jornalistas devem aproveitar ao máximo esse acesso. Há uma máxima que diz que todo repórter – incluindo o de ciência – deve conhecer três pessoas novas todo dia.

A grande vantagem de conversar com os cientistas individualmente, em vez de vê-los falar publicamente num evento como uma entrevista coletiva, é que um encontro privado tende a revelar

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melhor o que está realmente acontecendo, para além das aparências. Onde quer que você encontre os cientistas – numa conferência, num laboratório, no trabalho de campo ou em qualquer outro lugar – eles podem estar disponíveis para falar com a imprensa. Como em qualquer entrevista, eles podem indicar que parte do que estão falando deve ser considerado oficioso ou “em off” (da expressão em inglês off-the-record), ou seja, não deve ser divulgado. Se eles têm resultados preliminares de pesquisas que ainda não estão prontos para publicação, eles podem aceitar divulgar mais detalhes em um momento mais apropriado.

Jornalistas científicos que respeitam essas preocupações podem construir relações de confiança com os cientistas, manter contato e reencontrá-los no futuro, quando eles estiverem prontos para falar com a mídia. Manter uma boa ligação com os cientistas é um ótimo investimento!

2.8 Mas como encontrar um ou uma cientista para entrevistar?

Jornalistas de países em desenvolvimento podem ter pouca informação sobre a pesquisa realizada em sua região porque os pesquisadores frequentemente não têm recursos para divulgar seus trabalhos. Outros cientistas trabalham com instituições estrangeiras que os fazem publicar suas pesquisas em revistas fora do país, não em publicações locais.

Mas, com um esforço extra, o(a) jornalista pode descobrir quem está fazendo pesquisa em sua região.

Há muitos caminhos possíveis. Tente visitar colegas que trabalham com medicina, hospitais e institutos de pesquisa. Procure por cartazes anunciando conferências e seminários. Anote as informações e ligue para os organizadores – eles geralmente ficam felizes com o interesse dos jornalistas. Assim, você poderá fazer novos contatos com pessoas de quem precisará no futuro.

Se você agendou uma entrevista com um pesquisador ou pesquisadora, procure sempre descobrir o que outros cientistas do mesmo departamento ou instituição estão fazendo. As pessoas frequentemente comentarão projetos que acabaram de começar: anote seus nomes e entre em contato um ano depois.

Além disso, você pode consultar agências financiadoras, membros do governo, organizações internacionais de pesquisa e programas de conferências – isso é mais fácil de fazer pela internet.

2.9 Usando a internet para procurar informações científicas

A vantagem da internet sobre outras fontes de informação é a sua velocidade, seu potencial para encontrar informações atualizadas e a quantidade de informação disponível.

Se você desejar fazer uma pesquisa mais profunda sobre os cientistas da área médica, você pode usar a internet para achar bancos de artigos on-line como o PubMed, da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, em inglês:[http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?DB=pubmed]

Você também pode usar a ferramenta de busca Google Acadêmico para encontrar links para resultados de pesquisa de diferentes cientistas e seus perfis, contatos e áreas de especialização. Além disso, no Brasil, por exemplo, existe uma ferramenta on-line de pesquisa de currículos e contatos de cientistas chamada Plataforma Lattes [http://lattes.cnpq.br/], mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), onde é possível procurar especialistas por nome ou por área de atuação. Procure conhecer outras ferramentas disponíveis em sua região.

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Você pode encontrar links para notícias científicas e imagens em SciDev.Net (em inglês):

Links de notícias científicas[http://www.scidev.net/en/news/]

Links de fontes em divulgação científica[http://www.scidev.net/en/science-communication/links/]

Links para fontes de imagens de uso livre[http://www.scidev.net/en/content/image-link-archive/]

Observação: Antes de reproduzir textos ou imagens de terceiros em seu veículo, certifique-se de ter a autorização necessária. Algumas agências disponibilizam material gratuito para reprodução, mas, em qualquer caso, lembre-se de dar o devido crédito.

No entanto, é importante lembrar que o uso da internet tem muitas limitações:

• Nem sempre é fácil julgar a credibilidade das informações encontradas na internet – é importante checar os fatos com mais de uma fonte.• Especialmente em países em desenvolvimento, nem todos os cientistas e suas instituições ou associações científicas têm recursos para divulgação via internet. Não conseguir localizar informações on-line sobre cientistas locais, por exemplo, na Bolívia, não significa que eles não estejam fazendo trabalhos interessantes.• Lembre-se que a internet é apenas uma ferramenta e que você não deve depender completamente dela. É comum que os jornalistas parem de usar outros métodos que podem ser mais efetivos localmente, como sair da redação e encontrar pessoas nas universidades e centros de pesquisa.Para informações adicionais sobre a falta de recursos em que os jornalistas de países em desenvolvimento se encontram quando não têm internet, leia o testemunho de Patrick Luganda (seção 22).

2.10 Cobrindo eventos científicos

Eventos científicos são uma boa oportunidade para encontrar muitos pesquisadores num lugar só e ter muitas ideias.

E são um ótimo gancho para colocar a ciência nas páginas dos noticiários. Eles são acontecimentos científicos significativos porque reúnem especialistas renomados numa determinada área, que podem se encontrar somente uma vez por ano ou a cada dois anos. Os pesquisadores apresentam e discutem novas ideias, resultados e conclusões, e algumas vezes fazem recomendações com impacto na vida da sociedade – até para atrair a atenção da mídia.

Mas participar de um evento como repórter pode ser cansativo ou mesmo frustrante se você não estiver preparado ou preparada e não ousar falar com as pessoas diretamente.

É melhor se preparar antes de cobrir um evento assim – com alguma leitura prévia sobre o tema do evento você estará em melhores condições de julgar que cientistas estão apresentando algo novo e ficará mais bem preparado ou preparada para uma entrevista.

Se as apresentações dos especialistas forem difíceis de compreender, não desanime. Elas podem, pelo menos, lhe ajudar a fazer perguntas. E sempre escute cuidadosamente as discussões

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que seguem as palestras. Assim, na entrevista, você poderá fazer perguntas que vão além da apresentação do(a) cientista.

Uma pergunta que sempre funciona é: “Que tendências importantes estão emergindo deste evento?”Outra questão sempre útil é: “Com quem mais você acha que eu deveria conversar?”

Para mais sugestões de perguntas úteis para fazer durante uma entrevista, veja a Lição 3 deste curso – “A entrevista”.

Eventos também podem ajudar o(a) jornalista a ter ideia do status de um(a) pesquisador(a) na comunidade científica – se o(a) especialista está dirigindo um simpósio ou fazendo uma apresentação formal, isso pode significar que ele(a) é respeitado(a) por outros especialistas na área.

Conversar com os cientistas, em vez de se restringir às suas apresentações, pode levar a ganhos inesperados, como uma notícia que ainda não foi apresentada ao público ou novas sugestões de pessoas e lugares para visitar. Em vez de escrever diretamente de uma conferência, o(a) jornalista pode coletar ideias de matérias para o futuro e terminar a apuração por telefone ou e-mail.

Exemplo:Esta matéria premiada, em inglês, [http://www.islamonline.net/English/Science/2004/05/article09.shtml] sobre poluição da água levou dois anos de apuração gradual até que a autora, Nadia El-Awady, encontrasse a maneira certa de fazê-la. O contato inicial havia sido uma conversa com representantes de ONGs e do governo que participaram do Fórum Mundial da Água. Em conversas posteriores e workshops, a jornalista ouviu falar de um projeto que julgou ser uma boa base para uma matéria relacionada. Mas foi só depois de uma visita a campo e de estabelecer uma boa relação com os cientistas que El-Awady teve acesso a informações a que outros jornalistas não tiveram – e foi isso que formou a base da reportagem.Jornalistas podem usar os eventos como uma maneira de encontrar especialistas para dar comentários independentes sobre as pesquisas – durante o evento ou em oportunidades futuras. E, é claro, os cientistas também podem ser entrevistados sobre temas diferentes dos que eles estão apresentando nas palestras. Se eles disserem que algo não faz parte do seu campo de expertise, diga que você só precisa de uma ideia inicial, então você pode formular boas questões para os cientistas que entrevistará em seguida.

Também é bom lembrar que, se um ou uma cientista está falando publicamente para uma plateia, suas palavras estão no domínio público e jornalistas têm o direito de usá-las em suas matérias.

Jornalistas de países em desenvolvimento podem não ter recursos para viajar para conferências internacionais, a menos que elas estejam acontecendo na sua região. Mas isso não impede que eles façam matérias usando a conferência como mote.

Se você não pode participar de uma conferência, pode achar detalhes sobre os temas e palestrantes na internet. Você pode fazer entrevistas durante o evento por telefone ou e-mail, se os organizadores lhe ajudarem a entrar em contato com os cientistas.

Para muitos jornalistas científicos, na maioria das vezes os programas dos eventos científicos parecem técnicos demais para permitir julgar que palestrantes valem a pena contatar. Nesse caso, tente entrar em contato com os organizadores – seus contatos geralmente estão disponíveis no site do evento – para perguntar-lhes que palestras eles recomendariam aos jornalistas.

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Além disso, quando se trata de uma grande conferência, é possível que haja uma equipe de assessoria de imprensa que já tenha selecionado possíveis pautas, preparado press releases e organizado entrevistas coletivas. Esta equipe pode incluí-lo em seu mailing ou entregar-lhe os releases pessoalmente.

Alguns jornalistas científicos se baseiam somente nas notícias pré-selecionadas pela assessoria de imprensa para fazer a sua cobertura de um evento. As matérias podem ser excelentes e abordar os principais tópicos da conferência, mas lembre-se: é possível que haja boas pautas a serem descobertas durante o evento que podem não ser temas de press releases. Elas podem ser as suas exclusivas!

2.11 Dilemas éticos

Em países em desenvolvimento, a única oportunidade para os jornalistas cobrirem eventos pode ser recebendo subsídios para isso. Essa situação pode causar um dilema para o(a) jornalista se os patrocinadores o(a) pressionarem para fazer matérias que elogiem o evento. O mesmo acontece quando as empresas se oferecem para pagar despesas de viagem e taxas de inscrição, mas esperam uma cobertura positiva em troca.

É importante que os jornalistas se lembrem de manter sua independência editorial e não se deixem influenciar ou subornar, deixando de lado seu julgamento crítico. Se isso significa perder patrocínios no futuro, esta pode ser uma decisão difícil, especialmente se o(a) jornalista não é bem pago(a) no local onde trabalha. Mas a independência é fundamental para manter sua reputação profissional como “caçador(a) da verdade”.

É claro que essas questões éticas nem sempre são fáceis de resolver e, dependendo do país, da cultura e dos veículos de comunicação, certos problemas podem ser solucionados de diferentes maneiras.Em geral, a transparência é a melhor regra. Se alguém paga sua viagem, você deve avisar o seu editor ou editora e, se possível, também o seu público – por exemplo, colocando um box no final da matéria que diga: “O(a) jornalista viajou a convite de...” Além disso, é sempre bom discutir problemas éticos e experiências com os colegas.

2.12 Pautas de publicações científicas

Alguns jornalistas podem cobrir novos trabalhos que acabam de ser publicados em revistas científicas (ou que já estão aprovados para publicação). Eles podem ter acesso ao próprio artigo ou relatório científico diretamente com os cientistas que fizeram o trabalho, pesquisando o conteúdo das revistas científicas ou via press release. Outro tipo de fonte interessante são os artigos de revisão, que oferecem uma visão mais ampla do que já foi publicado sobre determinado tema.

É bom ter em mente que, mesmo que esses artigos sejam direcionados à comunidade científica, eles podem conter boas ideias de pauta. Por outro lado, frequentemente os jornalistas podem ficar perdidos diante da linguagem técnica e do jargão científico. Por isso, é importante saber onde procurar as informações mais úteis contidas nos artigos.

Exemplo 1:Veja, por exemplo, um trabalho recente de pesquisadores da Califórnia que viram que as nuvens de poluição que ocorrem na Índia estão causando prejuízos às plantações de arroz, porque bloqueiam parte da luz solar de que essas plantas precisam. A descoberta foi publicada na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), em um artigo de livre acesso, em inglês:[http://www.pnas.org/cgi/content/full/103/52/19668].

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O título, “Integrated model shows that atmospheric brown clouds and greenhouse gases have reduced rice harvests in India” (Modelo integrado mostra que nuvens atmosféricas marrons e gases de efeito estufa reduziram as colheitas de arroz na Índia), como o resto do artigo, pode não parecer muito interessante para a maioria dos jornalistas. Sem problemas: eles são escritos para um público de cientistas familiarizados com esse campo de estudo.

Em contraste, um press release [http://www.eurekalert.org/pub_releases/2006-12/uoc--rap120106.php] também em inglês, sobre o mesmo artigo, “Reducing air pollution could increase rice harvests in India” (Reduzir a poluição do ar pode aumentar a colheita de arroz na Índia), apresenta a mensagem dos cientistas de uma forma mais útil para os jornalistas.

Você pode ver alguns exemplos de matérias que foram publicadas sobre este tema (todas em inglês) clicando nos links a seguir:

[http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/6206766.stm][http://www.newscientist.com/article/dn10722-brown-haze-over-india-harming-rice-harvest.html] [http://www.thehindubusinessline.com/2006/12/06/stories/2006120602951200.htm]

E como os jornalistas podem encontrar as informações de que precisam nos artigos científicos originais?

Por sorte, os artigos da PNAS são escritos para uma comunidade interdisciplinar de leitores, num estilo mais acessível do que o usado em revistas mais especializadas.

Os artigos seguem algumas convenções já estabelecidas, e o caminho mais curto para um ou uma jornalista conseguir informações úteis é ler o primeiro parágrafo – geralmente o resumo ou sumário – e, em seguida, ler a discussão e as conclusões, no final do artigo.

Jornalistas mais animados (e com bons livros de consulta sobre o tema pesquisado) podem querer analisar também as seções de métodos e resultados para conseguir alguns detalhes extras. Isto pode ser útil para se preparar para uma entrevista com os pesquisadores ou para adicionar dados à sua matéria. Mas, em geral, é melhor pedir diretamente ao cientista uma explicação sobre seus métodos e resultados – espera-se que, assim, a explicação seja mais compreensível e menos técnica.

Exemplo 2:Outro exemplo da PNAS é este artigo [http://www.pnas.org/cgi/content/full/103/36/13463], em inglês, sobre a descoberta de um gene que pode ser, em parte, responsável pelos altos índices de nascimentos prematuros entre os afro-americanos. Um jornalista poderia facilmente deixar o artigo passar despercebido por causa de seu título muito técnico: “A functional SNP in the promoter of the SERPINH1 gene increases risk of preterm premature rupture of membranes in African Americans” (Um SNP funcional no promotor do gene SERPINH1 aumenta o risco de ruptura prematura de membranas em afro-americanas).

O resumo do artigo também é muito técnico. A introdução, porém, oferece algumas informações iniciais bastante úteis. Mas é na discussão que os cientistas são um pouco mais claros quanto à relevância de seu trabalho, sobretudo com a frase “... representa um fator de risco significativo para o nascimento prematuro em afro-americanos”. Um jornalista poderia pegar esta frase e conseguir mais informações com uma entrevista.

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Você pode ver exemplos de notícias em inglês relacionadas a este artigo nos links:

[http://www.newscientist.com/article/dn9802-race-difference-in-us-miscarriage-ratesilluminated.html][http://www.foxnews.com/story/0,2933,209685,00.html?sPage=fnc.health/pregnancy]

A BBC Brasil também publicou matéria sobre o tema:[http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2006/08/060822_bebeprematuroaw.shtml]

2.13 Avaliando a qualidade da sua fonte

Encontrar notícias é o primeiro passo do jornalismo. O seguinte – igualmente importante – é julgar a confiabilidade de sua fonte.

De que vale um veículo fazer uma matéria exclusiva sobre um “diário de Hitler” e vender milhões de cópias em uma semana (como a revista alemã Stern fez na década de 1980) e perder a maioria dos leitores uma semana depois, quando a fraude foi descoberta?

Da mesma maneira, o jornalismo em ciência tem critérios especiais a serem aplicados para separar a ciência de boa ou má qualidade.

Mesmo em ciência, você pode estar lidando com uma fraude!

A questão é: como saber?

Sua reputação pode depender de sua habilidade de fazer isto, sobretudo se você está escrevendo sobre algo que o(a) cientista aponta como de extrema importância.

A maioria dos cientistas é honesta. Alguns, porém, tentarão exagerar suas declarações, talvez por terem evidências não tão boas. Outros, ainda, podem tentar ganhar publicidade com uma afirmação que tem pouco ou nenhum fundamento, ou que se baseia mais numa observação sem compromisso do que num estudo rigoroso.

E não-cientistas também podem tentar enganar a mídia dizendo que possuem evidências científicas para provar alguma coisa.

Exemplo:Clique no link a seguir para ler, em inglês, um exemplo de fraude de pesquisa na África do Sul, envolvendo afirmações infundadas sobre um tipo de tratamento com ervas contra HIV.Bolognesi, N., “Bad Medicine” (Medicina de má qualidade), Nature Medicine 12: 723-724 (2006)[http://www.nature.com/nm/journal/v12/n7/full/nm0706-723.html]

Outro exemplo recente de fraude é o do sul-coreano Hwang Woo-Suk, que enganou não só os jornalistas, mas a própria revista Science:[http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=49315]

Pode ser útil usar as questões apresentadas a seguir para descobrir se a pessoa que você está entrevistando parece oferecer informações honestas e confiáveis sobre seu trabalho ou se ela está exagerando sua importância.

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1. O(a) cientista foi recomendado(a) por uma fonte confiável? Esta pode ser outro(a) cientista, uma sociedade científica ou outra organização, como associações de caridade aos doentes.

2. Para quem o(a) cientista trabalha? (Uma empresa ou universidade de boa reputação?)

3. Como o estudo foi financiado? Confira se foi por dinheiro público ou privado lendo relatórios anuais, artigos científicos e sites. Um trabalho financiado com dinheiro público, por exemplo, terá passado pela apreciação de especialistas antes de ser selecionado para receber financiamento.

4. O que o(a) cientista publicou anteriormente? Procure publicações prévias, por exemplo, via PubMed ou Google Acadêmico. Tenha em mente, porém, que nem todos os cientistas têm toda a sua informação pessoal ou profissional na internet, sobretudo em países em desenvolvimento, onde o acesso à rede permanece limitado e as pesquisas científicas são publicadas em revistas que não têm recursos para se tornarem acessíveis on-line.

5. O(a) cientista parece se beneficiar da venda de algum produto relacionado à pesquisa? Muitas revistas científicas pedem aos cientistas que falem sobre qualquer interesse financeiro, pois alguns cientistas inescrupulosos não mencionam isso em suas publicações. Cada vez mais é comum que cientistas sejam também sócios ou proprietários de empresas que têm interesse na divulgação de determinados fatos. O(a) jornalista pode precisar, então, investigar um pouco mais – por exemplo, perguntando aos contatos do(a) cientista por que eles estão fazendo certa afirmação em determinado momento (seria para coincidir com determinada flutuação na estocagem e distribuição de produtos, por exemplo?).

6. A citação do(a) cientista foi publicada em uma revista científica confiável? Afirmações de cientistas feitas diretamente à mídia, sem passar antes por uma revisão de outros cientistas, devem ser tratadas com cuidado, porque a qualidade da pesquisa não foi validada.

Não se preocupe se você, no começo, ficar perdido ou perdida tentando julgar a reputação de um(a) cientista, tiver dificuldades em avaliar seus artigos ou não souber quem procurar para pedir conselhos. Com o tempo, você conhecerá os campos específicos de pesquisa e seus praticantes, e será mais fácil julgar a importância de uma afirmação, saber quem buscar para pedir ajuda e descobrir em quem confiar.

Outra dificuldade é tentar ser objetivo quanto às afirmações de cientistas com quem você se relaciona pessoalmente. Aí há o perigo de que o seu julgamento possa estar influenciado. Neste caso, é melhor checar com colegas que não conheçam o(a) cientista em questão.

Você pode não reconhecer cada charlatão, pois alguns disfarçam incrivelmente bem. Mas você pode, pelo menos, evitar divulgar trabalhos que não valem a pena. E talvez você tenha, algumas vezes, oportunidades de expor casos de fraudes científicas.

Nesse caso, seja cuidadoso(a). Expor uma fraude pode implicar sérias consequências legais para os cientistas envolvidos e para o(a) próprio(a) jornalista. Para mais informações sobre isso, veja a seção 21 desta lição, que traz uma experiência vivida pela jornalista Natasha Bolognesi.

Se você suspeita estar diante de uma pesquisa negligente ou mesmo de uma fraude, a decisão de publicar ou não uma matéria sobre tal trabalho é sua. Sua reputação está em jogo, então pode ser melhor só noticiar pesquisas cientificamente consistentes (baseadas em evidências). Por outro lado, falar sobre as falhas de uma pesquisa também pode dar uma boa matéria.

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Exemplo:Veja, na coluna “Bad Science” (Ciência de má qualidade) do jornal inglês The Guardian, alguns exemplos (em inglês) de como jornalistas podem fazer uma boa matéria sobre as falhas de algumas afirmações científicas.[http://www.guardian.co.uk/life/badscience/]Para mais dicas sobre como julgar a qualidade de uma pesquisa e mesmo identificar uma fraude, veja, on-line, o Guia de Divulgação Científica do SciDev.Net (em espanhol):[http://www.scidev.net/es/science-communication/]

2.14 Questão (1)

Na tabela a seguir, visite os links para ver exemplos de diferentes tipos de notícias científicas e indique

que tipo de fonte o jornalista parece ter usado para escrever cada matéria (primária ou secundária).

GlaxoSmithKline realiza últimos testes com nova vacina contra malária na África[http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2008/11/11/glaxosmithkline_realiza_ultimos_testes_com_nova_vacina_contra_malaria_na_africa_2108241.html]

África: tuberculose fora de controle[http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=26580]

Risco para o Brasil é mínimo, mas existe[http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=24624]

Cientistas criam sistema para detectar formação de “tsunamis”[http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/06/28/ult1809u8440.jhtm]

Parceria internacional lança medicamento contra a malária[http://www.fiocruz.br/ccs/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1738&sid=9]

Médicos búlgaros são condenados à morte na Líbia[http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2004/05/040506_libyag.shtml]

Sinal verde para o maior telescópio[http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=61600]

Matéria

Vacina protege bebês e crianças contra malária, diz estudo[http://www.estadao.com.br/vidae/not_vid290520,0.htm]

Antiga vacina contra tuberculose é melhor[http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL10795-5603,00-ANTIGA+VACINA+CONTRA+TUBERCULOSE+E+MELHOR.html]

Fonte primária ou secundária

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2.15 Questão (2)

Visite os links a seguir para ler press releases que anunciam avanços científicos:Foguete desenvolvido na UnB fará teste de motor[http://www.aeb.gov.br/conteudo.php?ida=5&idc=145&id=923]

Proteína de cobra combate melanoma[http://www.uerj.br/modulos/kernel/index.php?pagina=174&cod_noticia=2520]

Parceria público-privada resulta em avanço científico no desenvolvimento de uma vacina da malária[http://www.malariavaccine.org/files/Montreaux%20Media%20Briefing/Press-release-portuguese.htm]

Responda às perguntas a seguir:

1. Quem divulgou o press release?

2. Quais os interesses e objetivos da equipe que divulgou o press release? (Por exemplo, eles trabalham para uma universidade, para uma empresa privada e/ou para o governo?)

3. Qual é a reputação dos cientistas cujo trabalho está sendo anunciado?

4. Qual é o contato para mais informações disponibilizado pelo release? (É o contato do cientista, da organização ou da assessoria de imprensa?)

5. Os cientistas publicaram artigos prévios em revistas científicas confiáveis?

6. As citações e os contatos são fornecidos por especialistas independentes?

2.16 Questão (3)

No PubMed [http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?DB=pubmed], organizado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, você pode fazer buscas, por exemplo, por um tema ou pelo nome de uma pessoa ou instituição e, assim, encontrar publicações relevantes. O resultado vai indicar nomes, endereços e alguns endereços de e-mail dos cientistas envolvidos, assim como outras publicações relevantes dos autores (em inglês).

Questão 3a) No PubMed [http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?DB=pubmed], organizado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, procure por “climate change”+“Africa”+“rainfall”+“drainage” (o conteúdo do portal é todo em inglês). Você vai produzir uma lista de artigos, incluindo um cujo título é “Changes in surface water supply across Africa with predicted climate change” (Mudanças no suprimento de água da superfície na África segundo mudanças climáticas previstas). O primeiro autor é M. de Wit, da Rede Africana de Observatórios da Terra (AEON, na sigla em inglês) e do Departamento de Ciências Geológicas da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.

Clicando no nome do autor, você verá outras publicações dele, e, no lado direito da tela, artigos relacionados de diferentes grupos de pesquisa. Esta é uma maneira de procurar nomes de diferentes grupos de pesquisa que trabalham num mesmo tema – isso lhe oferece uma gama de opções se você está procurando por especialistas em determinada área do conhecimento.

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Curso On-line de Jornalismo Científico

b) Em relação a ensaios clínicos para novas drogas ou vacinas, tente consultar uma base internacional de ensaios clínicos, como a dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos[http://www.clinicaltrials.gov/] ou as bases listadas na revista eletrônica de acesso livre PloS Clinical Trials [http://journals.plos.org/plosclinicaltrials/resources.php]. As duas são em inglês.

2.17 Questão (4)

Em alguns casos, sobretudo em relação a tratamentos para doenças, você pode questionar a confiabilidade da pesquisa só de observar o site da empresa que o oferece.

Veja, por exemplo, a página da Secomet [http://www.secomet.com] (em inglês), que vende o remédio à base de ervas contra HIV mencionado na seção 13.

Em alguns casos, sobretudo com respeito a tratamentos para doenças, você pode identificar os sinais de alerta para uma pesquisa questionável apenas olhando o site da empresa que vende o tratamento.

Responda às perguntas a seguir e compare as informações sobre as duas empresas.

Pergunta

A empresa afirma ter uma cura ou forma de reverter a doença em questão?

Secomet[http://www.secomet.com]

Há evidências científicas para as afirmações publicadas em revistas científicas com revisão por pares?

O tratamento é disponibilizado apenas por um fabricante ou diretamente com as pessoas que o desenvolveram?

Há divulgação de informações sobre a segurança do produto?

Todos os componentes do medicamento são identificados de forma precisa, em relação à bioquímica e às quantidades usadas?

O produto foi testado em ensaios clínicos controlados?

Amgen[http://www.amgen.com/]

O produto é registrado no conselho que controla os medicamentos (se houver) no país onde ele é vendido?

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Encontrando e avaliando notícias científicas

Para investigar questões relativas a novos tratamentos médicos, você também pode seguir os passos abaixo (adaptados do material de SciDev.Net, disponível, em inglês, em[http://www.itrainonline.org/itrainonline/mmtk/hivaids.shtml]):

• Procure informações adicionais sobre as afirmações, os cientistas e as empresas, usando, para isso, uma ferramenta de busca geral, como o Google. Assim você encontrará textos escritos anteriormente sobre a empresa, incluindo seu website, com press releases e informações sobre os membros da equipe. Você pode checar suas referências e afiliações.

• Para dicas do que procurar, veja, em inglês, a lista “How to spot HIV/AIDS Fraud” (Como descobrir uma fraude sobre HIV/Aids), da Rede de Informações sobre Aids do Novo México[http://www.aidsinfonet.org/fact_sheets/view/206].

• Veja também alguns exemplos, em inglês, de “AIDS-Related Quackery and Fraud” (Charlatanismo e fraudes em relação à Aids), em Quackwatch:[http://www.quackwatch.org/01QuackeryRelatedTopics/aids.html].

• Procure por especialistas independentes que possam fazer comentários isentos sobre as pesquisas. Universidades locais, institutos de pesquisa, agências de financiamento, hospitais, departamentos de governo e ONGs podem recomendar bons especialistas que desejam falar com a mídia.

• Outra alternativa é encontrar os especialistas por meio de suas publicações sobre o tema em questão. Você pode usar o PubMed [http://ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?CMD=search&DB=PubMed] ou uma base de ensaios clínicos (por exemplo, na Rede de Ensaios de Prevenção ao HIV [http://www.hptn.org], na Rede de Ensaios em Vacinas de HIV [http://www.hvtn.org/] ou no site Aids Info [http://www.aidsinfo.nih.gov]), todos em inglês.

• Você também pode visitar sites de eventos sobre o tema e conferir quem foram os palestrantes escolhidos (seus resumos podem estar disponíveis on-line).

2.18 Exercício (1)

Cadastre-se para receber boletins por e-mail das listas a seguir (ou faça uma busca em seu arquivo on-line). Discuta com o seu mentor (se você tiver um) o quão úteis essas fontes parecem ser para seus leitores em comparação às suas fontes usuais.

2.19 Exercício (2)Boletim eletrônico

EurekAlert! (em inglês)[http://www.eurekalert.org/]

Global Health Reporting (em inglês)[http://www.globalhealthreporting.org/]

Science and Development Network (em inglês e espanhol)[http://www.scidev.net]

Science in Africa (em inglês)[http://www.scienceinafrica.co.za]

Foco das notícias

Todas as áreas da ciência e tecnologia

Saúde, sobretudo, HIV, tuberculose e malária

Ciência e tecnologia em países em desenvolvimento

Pesquisa científica na África

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Curso On-line de Jornalismo Científico

Para encontrar cientistas em sua região via internet, tente os seguintes passos:

1. Use ferramentas de busca como Google, Yahoo! e MSN, usando termos apropriados ao tema e localidade escolhidos (exemplo: “pesquisa em dengue” e Brasil).

2. Acesse os links indicados e veja que organizações fornecem contatos de pesquisadores na sua região.

3. Você pode encontrar a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e algumas pesquisas sobre dengue que estão sendo feitas por esta instituição.

4. Veja se as organizações que você encontrou na busca também listam eventos e conferências sobre o tema. Eles podem oferecer informações úteis e ideias de pautas. Vale a pena entrar em contato com os organizadores ou cientistas participantes e obter informações sobre o que eles estão fazendo. Eles podem se tornar tema para um perfil ou uma reportagem.

5. Estes passos podem ser repetidos para muitos temas diferentes, de modo a revelar organizações de pesquisa que têm sites e contatos dos pesquisadores.

Observação: Muitos centros de pesquisa na América Latina e na África ainda não têm páginas na internet, e você só poderá encontrá-los como colaboradores de outras organizações. Além disso, muitos sites podem estar desatualizados. E, por fim, lembre-se de que, se alguém tem um site pouco atraente, isso não significa que sua pesquisa também seja assim.

2.20 Exercício (3)

Siga os passos abaixo usando a internet:

1. Use uma ferramenta de busca como o Google para encontrar links para conferências científicas sobre um determinado tema (exemplo: use como termos de pesquisa “congressos sobre HIV” e “África” ou “simpósio sobre mudanças climáticas” e “Brasil”).

2. Como alternativa (em inglês), use um diretório eletrônico como Conference Alerts

ProMed-Mail (em inglês)[http://www.promedmail.org/pls/promed/f?p=2400:1000]

Nature Press Release (em inglês)[http://press.nature.com/press/servlet/Content]

Agência Fiocruz de Notícias[http://www.fiocruz.br/ccs]

Ciência Hoje On-line[http://cienciahoje.uol.com.br/]

Jornal da Ciência[http://www.jornaldaciencia.org.br]

Agência Fapesp[http://www.agencia.fapesp.br/]

Doenças infecciosas

Todas as áreas da ciência e tecnologia

Pesquisa em saúde no Brasil

Todas as áreas da ciência e tecnologia

Política científica no Brasil

Diversas áreas da ciência e tecnologia

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Encontrando e avaliando notícias científicas

[http://www.conferencealerts.com/] ou o calendário de eventos de SciDev.Net [http://www.scidev.net/events/]. Assim, você conseguirá links para as páginas de várias conferências.

3. Explore os sites de eventos para encontrar suas programações, incluindo lista de palestrantes, temas e resumos das apresentações.

Desta maneira, você pode encontrar cientistas e temas que podem ser de interesse de seus leitores. Se você já tem alguma informação sobre o assunto, vai se sentir mais confiante para julgar que cientistas podem apresentar avanços significativos em determinado campo de pesquisa.

Com o seu mentor (se você tiver um), faça um plano de que eventos científicos você deseja cobrir nos próximos seis meses, presencialmente ou à distância. Juntos, vocês podem começar a selecionar tópicos de interesse e palestrantes e decidir como vocês podem usar este material, por exemplo com matérias, reportagens especiais, programas etc.

2.21 Experiência pessoal 1, por Natasha Bolognesi

Desafios experimentados na reportagem investigativa em medicina em relação à ciência de má qualidade

Natasha Bolognesi [http://www.wfsj.org/projects/page.php?id=131#bolognesi]

O que um jornalista deve fazer se tiver a percepção de que um cientista fez uma declaração falsa? Nesse relato pessoal, a jornalista sul-africana Natasha Bolognesi conta como denunciou Stephen Leivers, da empresa Secomet, em Stellenbosch, e Girish Kotwal, da Universidade da Cidade do Cabo (UCT, na sigla em inglês), por divulgar um remédio à base de ervas como uma cura para a Aids, sem comprovação científica. A reportagem foi publicada, em inglês, na Nature Medicine, em 28 de junho de 2006 (vol 12, page 273-4) [http://www.nature.com/nm/journal/v12/n7/abs/nm0706-723.html].

Conselhos gerais (aprendidos no trabalho) para investigar e escrever sobre fraudes em Aids:

• Durante a apuração de temas relacionados à Aids, mantenha o “detector de mentiras” sempre ligado.

• Siga seus instintos e apure os fatos a fundo: um jornalista responsável deve denunciar com base em uma apuração segura, portanto, cheque os fatos várias vezes – você não vai querer arcar com as consequências de repassar informações incorretas, sobretudo quando a(s) pessoa(s) que você está denunciando pode(m) perder seu emprego e reputação. E você também não quer correr o risco de ser processado por difamação.

• Qualquer tratamento que se ofereça para a Aids deve ser investigado nos mínimos detalhes para aferir sua validade. Isso vale especialmente na África do Sul, onde a tolerância do governo frente às opções naturais de tratamento para a doença dá aos charlatães (como Leivers) carta branca para agir.

• Acompanhe cuidadosamente o processo de revisão por pares, porque o estudo pode não estar pronto para divulgação.

• É trabalho do jornalista responsável identificar os charlatães e denunciá-los.

• GRAVE TODAS AS ENTREVISTAS para se proteger no caso de uma negação ou queixa futura.

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• Se possível, fale com um advogado quando o material que você está trabalhando for particularmente delicado.

• Persevere – não se deixe abater por armadilhas legais ou ataques pessoais das pessoas que você vai denunciar.

Origem da investigação sobre a associação de Girish Kotwal com a Secomet

Cheguei à empresa Secomet, em Stellenbosch, enquanto apurava outra matéria de saúde sobre resistência das bactérias. Minha pauta me encaminhou para esta “maravilhosa” organização que fabrica e vende produtos à base de ervas contra uma ampla gama de infecções por bactérias e vírus. Entrevistei, então, seu diretor e fundador, Stephen Leivers.Durante minha primeira entrevista com ele, que foi simplesmente para checar se eu deveria citar seus produtos em minha matéria, Leivers começou a falar sobre seu maravilhoso Secomet V, um remédio contra a Aids...

Processo de apuração

Desde o princípio, meus instintos diziam que este tratamento era bom demais para ser verdade. Mas eu quis acreditar nele, porque a ciência por trás do processo parecia promissora e instigante. O escritório de Leivers parecia um laboratório científico acima da média do mercado – grande, arejado e cheio de tubos de ensaio, recipientes com culturas de bactérias e computadores processando informações. E o próprio Leivers era um microbiologista...

Primeiro desafio: apurar a validade científica da pesquisa

Ironicamente, meu primeiro desafio não foi conseguir informações com Leivers e Kotwal (eles estavam muito felizes em contar histórias e falar dos resultados dos experimentos in vitro na expectativa de que eu ficasse surpresa com suas evidências de “eficácia cientificamente comprovada”). O verdadeiro desafio foi olhar para todas as informações e besteiras que eles me apresentaram e questionar a validade de suas afirmações.

Perguntei a Leivers se a pesquisa que resultou no Secomet V foi revisada por outros cientistas. Sim, ele disse, e me deu cópias de dois artigos publicados escritos por pesquisadores da UCT e da Universidade de Pisa, na Itália. Ele também me deu uma cópia de uma matéria sobre o Secomet V publicada em uma revista popular. Até então, tudo bem.

Mas eu ainda não estava totalmente convencida, então fui para casa fazer o meu trabalho. Como estava em dúvida, pedi a pessoas com formação científica (um jornalista científico que já havia sido pesquisador, um imunologista do hospital Tygerberg, na Cidade do Cabo, e um clínico local que trabalhava com Aids) que olhassem os documentos. Eles foram unânimes em afirmar que a pesquisa foi realizada de forma inadequada e pobre. Além disso, vi que a pesquisa não foi revisada por outros cientistas, porque os artigos publicados nos Anais da Academia de Ciências de Nova York não passam por um processo rigoroso de revisão por pares.

A matéria na revista popular comprovou tudo isso – ela era totalmente não-científica, e Kotwal, um virologista famoso, procurou divulgação em revistas populares e não científicas, além de ter sido citado de forma relacionada à Secomet. Aviso de alerta!

Segundo desafio: entrevistando um cientista famoso do qual você desconfia

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Encontrando e avaliando notícias científicas

Depois de apurar as questões que narrei anteriormente, li os artigos com um olhar crítico, assinalando inconsistências e contradições como:

• Afirmações da eficácia do medicamento in vivo baseadas em evidências precárias – não havia dados científicos que justificassem a oferta desse medicamento para o público.

• Evidência de toxicidade in vitro.

• Evidência de efeitos mutagênicos.

• Conflito de interesses.

Era a hora de entrevistar o primeiro autor do principal artigo – o professor Girish Kotwal, diretor de virologia no Instituto de Doenças Infecciosas da UCT.

Não sou cientista, sou jornalista de saúde, então precisei me certificar de que havia compreendido o artigo antes de poder entrevistar Kotwal. Para isso, tive ajuda de fontes científicas importantes. Depois de organizar as informações, preparei minhas perguntas e fui me encontrar com Kotwal.

A entrevista foi difícil. Kotwal divagava e frequentemente contradizia a si mesmo, então tive que fazer a mesma pergunta de diferentes maneiras para conseguir as respostas de que precisava.

Quando comecei a fazer perguntas mais diretas em relação à sua descoberta de toxicidade no extrato da planta, ele evitou respondê-las por pelo menos dez minutos e tive que pressioná-lo para que ele finalmente admitisse que o extrato não era 100% seguro para administrar às pessoas. Foi difícil, mas ele admitiu. Daí por diante ele se tornou cada vez mais desconfiado – na medida em que percebeu que eu não tinha admiração por ele e Leivers, mas, sim, dúvidas.

Terceiro desafio: voltando a Leivers para uma segunda entrevista presencial e uma terceira por telefone

Segunda entrevista presencial com Leivers

Estava tudo bem. Agora eu tinha tudo o que precisava para conseguir informações comprometedoras de Leivers, que, por sua arrogância, encantava-se com facilidade. O desafio para mim, aqui, era não ficar melindrada em fingir admirar o trabalho de Leivers para conseguir as informações que eu queria.

Entrevistas por e-mail e telefone com Kotwal e Leivers

Isso foi mais difícil. Contei a Leivers e Kotwal que o ângulo da minha matéria seria a denúncia e os dois estavam, compreensivelmente, muito agressivos. Leivers recusou-se a provar que ele tinha aprovação do comitê de ética e do Conselho de Controle de Medicamentos (MCC, na sigla em inglês) para realizar testes em humanos com o Secomet V (ele afirmava ter essa aprovação, mas na verdade não tinha). E depois se negou a fazer qualquer outro comentário. Kotwal pediu que tudo o que ele havia me dito anteriormente fosse considerado oficioso e tentou justificar seus comentários favoráveis ao Secomet com argumentos humanistas.

Quarto desafio: – perseverando a despeito das cartas de advogados e outras ameaças

Recebi um e-mail do advogado de Leivers pedindo para ler uma cópia da minha matéria antes da publicação (um pedido impossível de atender). Leivers acusou-me de procurar pautas “sujas” para uma matéria sensacionalista e disse que meu nome ficaria “sujo” também. Também recebi telefonemas

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silenciosos durante este período – alguém me telefonava e ficava apenas respirando do outro lado. Tenho certeza de que era Leivers. As ligações pararam depois que a reportagem foi publicada.

Kotwal ameaçou-me com uma ação legal por difamação. Ele também escreveu ao editor da Nature Medicine pedindo que eles não publicassem a minha matéria porque ela era um exemplo de mau jornalismo.

Essas ameaças de Kotwal também pararam após a publicação do artigo e devo dizer que a perseverança valeu a pena, porque beneficiou o público.

Quinto desafio: difamação contra mim após a publicação do artigo ‘Bad Medicine’ (“Medicina de má qualidade”)

Depois que meu texto foi publicado, a empresa Secomet atualizou seu site (www.secomet.com). Em sua página principal, eles colocaram meu nome e referências para o artigo e para a cobertura da mídia sobre o tema. Até hoje (janeiro de 2008), uma seção inteira do site é dedicada a comentários difamatórios e infundados sobre minha reportagem e a de outros veículos que repercutiram a pauta.

Mas não levo os comentários a sério e recomendo a qualquer um que passa por isso a continuar com seu trabalho e denunciar ainda mais os difamadores, se possível. Uma denúncia bem pesquisada e fundamentada fala por si mesma.

2.22 Experiência pessoal 2, por Patrick Luganda

Os desafios de cobrir ciência em países em desenvolvimento

Patrick Luganda [http://www.wfsj.org/projects/page.php?id=131#luganda]

Introdução

O jornalismo científico tem o potencial de transformar a sociedade. Porém, existe uma visão reducionista do que o jornalismo científico envolve. Frequentemente nos vemos em eventos científicos, procurando novas invenções ou drogas e destacando o que os líderes da indústria estão fazendo.

Mas há muito mais no jornalismo científico do que isso. E as matérias de ciência que afetam a vida do público-alvo? O que a nova descoberta ou invenção significa para as vidas de milhões de pessoas que lutam contra pobreza, ignorância, doença e suas consequências? A verdade é que a ciência está à nossa volta. O bom jornalismo científico deve incluir e promover a ciência do cotidiano em que vivemos. Como relacionar com o reino animal e vegetal? Como podemos sobreviver e viver melhor usando a ciência?

Os desafios de cobrir ciência

Jornalistas que trabalham em países em desenvolvimento enfrentam muitos desafios na busca de pautas sobre ciência, sobretudo:

a) Falta de acesso às principais fontes de informações para jornalistas que vivem em comunidades rurais em muitos países em desenvolvimento. A conexão com a internet e as ligações telefônicas são difíceis, e os jornalistas estão muito longe das capitais, onde os cientistas mais importantes em geral estão.

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Encontrando e avaliando notícias científicas

b) Necessidade de encontrar pautas de ciência relevantes para uma audiência leiga, de baixa instrução, pobre e com pouco acesso aos veículos de comunicação modernos.

c) Dificuldade de envolver nas matérias os beneficiários das tecnologias e informações científicas.

Como podemos vencer esses desafios?

a) Falta de acesso às principais fontes de informações

Como os jornalistas podem trabalhar com acesso deficiente à internet e ao telefone, estando longe das grandes cidades onde os cientistas importantes vivem? Primeiro, você pode escrever sobre um problema local – e ver que cientistas estão tentando resolvê-lo.

Minha maior reportagem – aquela que me deu reconhecimento – foi feita em uma área rural, e criou oportunidades que eu não imaginava. Era sobre a colheita de mandioca. Em 1987, cientistas começaram a fazer pesquisas de campo em algumas partes do país sobre plantações de mandioca que estavam sendo destruídas por aquilo que os pesquisadores identificaram como “doença do mosaico da mandioca”. Comecei escrevendo sobre a experiência de fazendeiros que arrancavam as plantas de mandioca e descobriam que elas não haviam produzido bulbos na raiz. A escassez de comida se espalhou. Cientistas do Programa Nacional de Mandioca começaram a pensar em intervenções para restaurar a produtividade. Segui de perto a equipe de cientistas que estava desenvolvendo variedades de mandioca mais tolerantes e resistentes. Outras intervenções incluíram evitar que plantas afetadas se espalhassem para áreas de plantações sadias. Foi desafiador contar essas histórias de maneira correta. Enviar a mensagem errada para a comunidade de fazendeiros poderia causar muitas consequências ruins. Houve até um político importante que afirmou que o vírus da mandioca tinha sido introduzido por cientistas para conseguir fundos para a pesquisa!! Cobri o desenrolar dessa história até a introdução de novas variedades de mandioca que podiam tolerar a doença – para o jornal New Vision e em transmissões semanais para a Rádio Uganda.

A lição que levei disto foi que é preciso ser paciente para estabelecer contatos. Eu tinha começado coletando aspas oficiais do ministério da agricultura, saúde e ambiente, mas, mais tarde, quando participei de entrevistas coletivas e eventos, pude entrevistar cientistas – eles já conheciam meu nome dos jornais. É difícil saber quem contatar primeiro, mas, depois de fazer colegas confiáveis na comunidade científica, eles podem indicar outros especialistas.

Cientistas vão recebê-lo com prazer em seu local de trabalho se você seguir o protocolo correto. Em geral, eles vão primeiro mostrar o que vocês acordaram previamente. Evite confrontos a todo custo – eles já tiveram confrontos suficientes em seu trabalho.

Jornalistas menos experientes devem conversar com colegas mais experientes de seu veículo. Sempre encorajei essa aproximação entre jornalistas, porque ela melhora a qualidade do trabalho. Porém, algumas pessoas são naturalmente egoístas e não querem compartilhar suas fontes. Mesmo assim, vale a pena tentar, porque elas podem lhe dar algumas dicas de que direção seguir.

Além disso, faculdades de ciências, sobretudo agronômicas e florestais, e outros institutos de ensino são boas fontes de professores e especialistas. O conselho nacional de ciência e tecnologia ou equivalente também é uma fonte interessante. No interior do país, você pode pedir a pesquisadores em campo que o levem a fazendeiros e outros pesquisadores. Na maioria dos países, há também associações científicas com diretórios de quem é quem em um determinado campo de pesquisa: telefone e exercite boas práticas de entrevista para conseguir as informações que você deseja.

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b) A necessidade de encontrar pautas de ciência relevantes para uma audiência leiga ec) Envolver os beneficiários da ciência e tecnologia

Jornalistas precisam ponderar a importância da ciência em países em desenvolvimento. Veja um assunto que afeta a vida cotidiana das pessoas, como o clima. Quando chove muito na África ou quando há secas prolongadas, desastres estão a caminho. Por muito tempo, matérias sobre clima na África estiveram associadas a morte, sofrimento e desespero. Mas, em vez disso, a mídia pode falar sobre como a ciência está sendo usada na África para enfrentar os problemas relacionados a eventos climáticos extremos. Com a transmissão de informações importantes, a vida dos fazendeiros pode mudar. Há muita informação sobre clima e tempo que pode ser disponibilizada para os fazendeiros para que eles tomem decisões cruciais. A mídia do nordeste africano noticia previsões de tempo para comunidades de fazendeiros. As matérias também falam dos possíveis impactos e do que os fazendeiros precisam fazer para reduzir o risco de desastres e assim beneficiar suas fazendas e atividades cotidianas. Essas matérias geralmente saem pouco depois do Fórum Panorama da Ciência Climática, que acontece duas vezes por ano. Além de prever as chuvas, as matérias podem explicar os efeitos delas na produção agrícola, na saúde, na geração de energia, no turismo e na aviação civil. Outras matérias cobrem desastres como inundações, secas, deslizamento de terras, surtos de doenças e efeitos na produção de comida. Principalmente, as matérias podem trazer aspas de cientistas e sua visão do que está acontecendo, inclusive indicando soluções de curto prazo.

Escrever sobre a ciência do clima é uma maneira de:

a) Olhar para as aplicações da ciência e da tecnologia em comunidades rurais, e considerar as implicações da ciência na sociedade;

b) Comunicar o impacto da ciência sobre o público;

c) Destacar como a ciência influi em determinada comunidade;

d) Escrever mais frequentemente matérias que mudam a vida das pessoas.

Outro exemplo é olhar para como a boa alimentação melhora a saúde e o bem-estar das pessoas em países em desenvolvimento. Poucas famílias em povoados rurais ou comunidades urbanas mais pobres comem bem. A nutrição deficiente leva a atendimentos hospitalares mais frequentes e ataques de doenças. Jornalistas podem encontrar nisso uma oportunidade para apresentar a ciência de uma forma interessante e atraente.

Uma matéria sobre desnutrição ou boa nutrição pode ser feita do campo, por exemplo. Incluindo informações extras sobre o tema, a matéria serve a dois propósitos: informa sobre a situação local e educa os leitores sobre as principais causas do problema e como evitá-las. A introdução de uma variedade melhorada de batata, por exemplo, poderia melhorar a nutrição de mulheres grávidas e crianças com menos de cinco anos.

Jornalistas também podem escrever sobre como as novas tecnologias podem mudar vidas, mesmo em termos de intervenções simples como o uso de madeira melhorada ou fornos de cozinha que usam carvão vegetal – eles consomem menos madeira e produzem muito pouca fumaça. Estas invenções geralmente têm outros conteúdos científicos relacionados que servem como mote para matérias boas de ler e gratificantes de escrever.

Exemplo: o forno de cozinha melhorado como uma boa matéria de ciênciai. Qual é a essência da matéria? Onde está a ciência por trás do forno de cozinha que usa carvão

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Encontrando e avaliando notícias científicas

vegetal? O novo forno permite um uso mais eficiente da madeira e, assim, reduz a quantidade de energia necessária para cozinhar. Atualmente, comunidades urbanas do continente africano usam milhões de toneladas de carvão vegetal devido ao suprimento caro e ineficiente de energia elétrica. Fornos de carvão melhorados significam, então, menos árvores sendo derrubadas para produzir carvão vegetal.

ii. Quem se beneficia disto? Mulheres e crianças que precisam procurar por madeira na sua região e até mesmo viajar vários quilômetros para buscar apenas uma pequena quantidade de galhos. Elas podem economizar tempo e energia para outras atividades se usarem fornos mais eficientes que requerem menos combustível. Há também um benefício para a saúde: reduzir a quantidade de fumaça produzida também ajuda a reduzir problemas respiratórios em mulheres e crianças. Mais tempo pode ser dedicado à produção agrícola e ao bem-estar da família. É uma situação em que as famílias, as comunidades e os governos saem ganhando.

iii. Que outras ciências estão envolvidas além da nova tecnologia para os fornos? Jornalistas podem entrevistar pesquisadores florestais e agrícolas sobre as economias que o novo forno trará para as florestas em termos de redução do desmatamento. Os cientistas da área do clima podem ter um ponto de vista sobre o efeito disso nas mudanças climáticas, uma vez que, quanto menor o desmatamento, mais árvores estarão disponíveis para absorver dióxido de carbono. Há possibilidade de fazer uma ligação com créditos de carbono? Deixe que os especialistas comentem isso!

iv. Como o jornalista pode encontrar um ângulo para a sua matéria e especialistas para entrevistar? Vá além da imprensa tradicional para seguir novos caminhos. Em Kampala, Nairóbi e outros grandes centros urbanos da África Oriental, artesãos locais estão fabricando várias versões desses fornos melhorados. Jornalistas podem entrevistá-los para entender o que eles estão fazendo e, em seguida, visitar universidades para encontrar cientistas que possam explicar a ciência por trás da tecnologia e as questões mais amplas relativas à conservação de energia e fontes energéticas alternativas em países em desenvolvimento. Muitos desses cientistas estão disponíveis na região, mas eles também têm colegas em países desenvolvidos. Em Uganda, na Universidade de Makerere, especialistas importantes podem ser encontrados na Faculdade de Tecnologia, no Departamento Florestal e no Departamento de Estudos de Gênero.

Veja os links a seguir para mais informações sobre os fornos de cozinha melhorados (em inglês):

• Índice de discussões sobre tecnologias para economizar energia com fornos melhorados em vários países[http://www.crest.org/discussiongroups/resources/stoves/Countries/]

• Renewable Energies For Fighting Poverty (Energias renováveis para combater a pobreza)[http://www.eed.de/fix/files/doc/agke_2006_renewablesandpovertyreduction.pdf ]

Outros temas que podem servir de ponto de partida para jornalistas incluem:

• geração de energia e indústria

• saúde e planejamento populacional

• demografia

• irrigação e colheita de água

• animais domésticos, vida selvagem e turismo

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• indústria de aviação

• aplicações e adoção de biotecnologias

• HIV/Aids, malária e outras doenças

Em cada caso, essas são questões que afetam diretamente a vida cotidiana das pessoas. Ciência e tecnologia podem trazer novas ideias e potencial para a mudança. Porém, também podem trazer medos e levar a mitos e meias-verdades. Jornalistas devem lembrar:

• Cientistas produzem as tecnologias, mas frequentemente não têm poder ou dinheiro para alcançar os usuários finais. A mídia pode ajudar a preencher esta lacuna.

• Entrevistas com formuladores de políticas sobre como eles podem incluir as últimas descobertas científicas em suas decisões podem dar boas matérias.

• Fale com as pessoas afetadas pelas inovações, mas, ao mesmo tempo, procure informações e opiniões de especialistas locais ou internacionais, se você tiver acesso à internet.

• Pergunte aos especialistas sobre estatísticas atualizadas, por exemplo, sobre a demografia da população. O que os números significam para a vida das pessoas? Pergunte a economistas e cientistas sociais sobre as implicações mais amplas para a sociedade.

• Descubra diferenças de opinião ou conflitos entre grupos de pessoas e apresente os argumentos científicos que embasam suas posições.

• Procure por ONGs e organizações que afirmam ter soluções – eles podem oferecer informações e histórias, mas lembre-se de que eles refletem apenas um lado da situação.

• A indústria geralmente apresenta seus produtos como soluções para os problemas, mas jornalistas científicos devem permanecer céticos em relação a isso e verificar todas as informações apresentadas, sem se deixarem levar pelo marketing que as empresas podem fazer.

• Explore a cooperação crescente entre o setor privado e as organizações públicas em muitas áreas.

• Descubra os medos que as pessoas têm em relação às aplicações da ciência e da tecnologia. Veja que mitos e meias-verdades estão circulando nas comunidades, mas evite se perder em meio às divisões e controvérsias.

• Em relação a saúde e doença, opte por uma abordagem ampla de novos tratamentos e curas em potencial, e dê a oportunidade de os cientistas comentarem sobre eles. Você pode estar diante de uma descoberta científica importante. Acompanhe o desenrolar dos acontecimentos com uma investigação precisa.

Conclusão

Por fim, gostaria de incentivar os jornalistas a ir além do press release. Lembre-se de que todos os jornalistas que participam de uma coletiva terão o mesmo material. É preciso ter fontes que lhe permitam incrementar sua matéria rapidamente, sob a pressão dos prazos. Aprenda também a fazer ligações entre sua pauta atual e algumas matérias anteriores – elas podem fornecer informações básicas para o seu texto. E não há mal algum em contatar novamente suas fontes para refrescar a memória...

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Encontrando e avaliando notícias científicas

Há centenas de pautas a serem exploradas, pesquisadas e escritas para vários públicos. Olhando ao redor podemos encontrar temas instigantes e interessantes que ajudam a dar cor ao nosso trabalho. Este pode ser um ponto decisivo na sua carreira como jornalista científico. Temos que criar veículos de comunicação vibrantes, que tenham a capacidade de promover mudanças e desenvolvimento por meio de relatos inovadores sobre ciência e tecnologia.

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