encarte - a elite do ensino superior (banco de idéias nº 47)

16
Parte integrante da revista nº 47 - Ano XIII - Jun/Jul/Ago 2009 www.institutoliberal.org.br A elite do ensino superior Eduardo Chaves Ph.D. na área de Filosofia, da Universidade de Pittsburgh - Pensilvânia, EUA. Consultor na área de educação. As avaliações mais recentes sobre a qualidade da educação superior no Brasil situam muito poucas universidades entre as melhores do mundo. Em relação à população universitária e à população de um modo geral, nosso desempenho é inferior a países como Austrália, Taiwan e até mesmo Coréia do Sul. As universidades de maior nomeada são federais ou estaduais, especialmente as paulistas USP e UNICAMP. Temos muito poucas universidades classificadas internacionalmente entre as melhores 200 instituições de ensino do mundo. Os custos das univer- sidades públicas são proibitivos, e sua autonomia impede que se limitem salários e benefícios. Há uma tendência nas universidades públicas a transformar todos os professores em pesquisado- res, violentando suas reais vocações e baixando a qualidade média dessas pesquisas. O número de pessoal administrativo, em relação ao número de alunos na universidade pública, é absurda- mente elevado. As universidades de caráter confessional, em especial as católicas, têm sido obrigadas a aumentar os custos, o que as leva a competir com as universidades com fins lucrativos, e estas últimas vão ganhando espaço. Outra tendência nas universidades públicas é a de terem hospi- tais-escola atendendo as comunidades e dificultando o conhecimento real do custo por universi- tário. Com essa incursão na área hospitalar as universidades buscam aumentar seus recursos com verbas destinadas à saúde pública. As reitorias saem hoje de listas tríplices controladas sindical- mente pelos professores.

Upload: instituto-liberal

Post on 11-Jun-2015

1.837 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

As avaliações mais recentes sobre a qualidade da educação superior no Brasil situam muito poucas universidades entre as melhores do mundo. Em relação à população universitária e à população de um modo geral, nosso desempenho é inferior a países como Austrália, Taiwan eaté mesmo Coréia do Sul. As universidades de maior nomeada são federais ou estaduais, especialmente as paulistas USP e UNICAMP. Temos muito poucas universidades classificadasinternacionalmente entre as melhores 200 instituições de ensino do mundo. Os custos das universidades públicas são proibitivos, e sua autonomia impede que se limitem salários e benefícios.Há uma tendência nas universidades públicas a transformar todos os professores em pesquisadores,violentando suas reais vocações e baixando a qualidade média dessas pesquisas.

TRANSCRIPT

Page 1: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

Parte integrante da revista nº 47 - Ano XIII - Jun/Jul/Ago 2009

www.institutoliberal.org.br

A elite do ensino superiorEduardo Chaves

Ph.D. na área de Filosofia, da Universidade de Pittsburgh - Pensilvânia, EUA.Consultor na área de educação.

As avaliações mais recentes sobre a qualidade da educação superior no Brasil situam muito

poucas universidades entre as melhores do mundo. Em relação à população universitária e à

população de um modo geral, nosso desempenho é inferior a países como Austrália, Taiwan e

até mesmo Coréia do Sul. As universidades de maior nomeada são federais ou estaduais,

especialmente as paulistas USP e UNICAMP. Temos muito poucas universidades classificadas

internacionalmente entre as melhores 200 instituições de ensino do mundo. Os custos das univer-

sidades públicas são proibitivos, e sua autonomia impede que se limitem salários e benefícios.

Há uma tendência nas universidades públicas a transformar todos os professores em pesquisado-

res, violentando suas reais vocações e baixando a qualidade média dessas pesquisas. O número

de pessoal administrativo, em relação ao número de alunos na universidade pública, é absurda-

mente elevado.

As universidades de caráter confessional, em especial as católicas, têm sido obrigadas a

aumentar os custos, o que as leva a competir com as universidades com fins lucrativos, e estas

últimas vão ganhando espaço. Outra tendência nas universidades públicas é a de terem hospi-

tais-escola atendendo as comunidades e dificultando o conhecimento real do custo por universi-

tário.

Com essa incursão na área hospitalar as universidades buscam aumentar seus recursos com

verbas destinadas à saúde pública. As reitorias saem hoje de listas tríplices controladas sindical-

mente pelos professores.

Page 2: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 2

Page 3: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 3

Introdução e delimitaçãodo problema

azer um diagnóstico da edu-cação superior no Brasil

talvez sempre tenha sido temerário.Hoje, é mais arriscado ainda. Sãotantos os aspectos que merecemanálise, e tantas as possibilidadesdentro de cada aspecto, que é fácilse perder nos detalhes, deixandode ver o quadro mais amplo. Porisso, vou focar apenas um sub-conjunto do fenômeno: a elite daeducação superior brasileira.Mesmo aqui, sei que vou mearriscar bastante, porque lidareicom fenômenos complexos e, paralidar com eles dentro dos limitesdeste artigo, terei de simplificá-los.Além disso, mexerei com interessespoderosos. Mas se não fizesse ume outro, não teria como escreveralgo que pudesse justificar oinvestimento de tempo do leitor.

Até algum tempo atrás era re-lativamente fácil identificar osbolsões de qualidade na educaçãosuperior brasileira. Eles se situavamem umas poucas universidades(sic) de elite: as três estaduaispaulistas (Universidade de SãoPaulo – USP, Universidade Estadualde Campinas – UNICAMP, e Uni-versidade Estadual Paulista “Júliode Mesquita Filho” – UNESP); al-gumas poucas universidades dosistema federal (as UniversidadesFederais do Rio Grande do Sul –UFRGS, do Paraná – UFPR, de SãoPaulo – UNIFESP [a antiga EscolaPaulista de Medicina], do Rio deJaneiro – UFRJ, de Minas Gerais –UFMG, e de Pernambuco – UFPE);e algumas universidades parti-culares ditas comunitárias, a maio-ria delas católica (as PontifíciasUniversidades Católicas do RioGrande do Sul – PUCRGS, de SãoPaulo – PUCSP, e do Rio – PUCRJ)e apenas uma protestante, aUniversidade Presbiteriana Ma-ckenzie, de São Paulo). Dentre asinstituições federais mais espe-cializadas, o Instituto Tecnológicoda Aeronáutica – ITA, de São Josédos Campos, também deve serincluído nesse seleto grupo, apesar

de não ser, stricto sensu, umauniversidade (mas também aUNIFESP há até bem pouco temponão era).

É desnecessário frisar que, mes-mo dentro dessas instituições deelite, a qualidade existente nuncafoi uniforme, havendo áreas, cursose programas em que outras insti-tuições, não incluídas nesse gruposeleto, se destacavam mais.

O restante do sistema de edu-cação superior brasileira, até al-gum tempo atrás, tinha qualidadesofrível – o pior nível de qualidadeem geral estando com as insti-tuições particulares lucrativas iso-ladas (i.e., faculdades não inte-gradas a universidades ou centrosuniversitários).

No entanto, esse quadro mostraalguns sinais claros de mudança nomomento.

Primeiro, as universidades pú-blicas incluídas nessa categoria deelite vêm sofrendo um processo degradativa mas inexorável perda dequalidade, tanto em termos abso-lutos como relativos. Embora nemtodas as universidades incluídasnesse grupo de elite sejam públicas,alguns autores têm comparado oque está acontecendo com elascom aquilo que aconteceu com asescolas públicas de educaçãobásica há algumas décadas. Nosanos 50, por exemplo, as escolaspúblicas de educação básica eram,em geral, de qualidade bastanteboa, e as escolas particulares deeducação básica em geral peca-vam pela má qualidade. Se alguémfosse escolher as escolas de elite naeducação básica do período pro-vavelmente incluiria uma maioriade escolas públicas. Esse quadrose modificou, até mesmo inverten-do-se, em pouquíssimo tempo.

Segundo, as universidades par-ticulares comunitárias incluídas nogrupo de elite da educação su-perior brasileira, todas confes-sionais, pertencentes a igrejas (amaioria pertencendo à IgrejaCatólica), vêm enfrentando segui-das crises financeiras (e às vezespolítico-administrativas), algumasdelas gigantes, que têm produzido

uma inevitável queda em suaqualidade.

Terceiro, algumas instituiçõesde educação superior particulareslucrativas, que até aqui têm ficadofora do grupo de elite, vêm seexpandindo, consolidando, emalguns casos recebendo o apoiode capital estrangeiro e, assim,conquistando significativas fatiasdo mercado. Naturalmente, ape-nas esses fatos não constituemevidência de que sua qualidadetenha melhorado. No entanto, hásinais e evidências adicionais queindicam que depois das crises decrescimento e consolidação viráum significativo salto de qualidade,indispensável até mesmo para suasobrevivência em um mercadocompetitivo em que uma parcelasignificativa das instituições ofereceseus serviços de forma totalmentegratuita.

Algumas das causas da grada-tiva perda de qualidade dasuniversidades do pelotão de eliteda educação superior brasileiraserão discutidas a seguir. Não sepretende exaurir o assunto, masapenas chamar a atenção do leitorpara alguns elementos que talveztenham permanecido ocultosdebaixo do marketing institucionaldessas instituições de elite (que,em alguns casos, é extremamenteforte).

A real qualidade dasuniversidades de elite

brasileiras

ntes de tudo, é preciso quese diga que a qualidade das

universidades de elite brasileiras,mormente a das estaduais pau-listas (tidas como as melhoresdentre as melhores), é principal-mente qualidade aos seus própriosolhos. Quando vistas com outrosolhos e comparadas com univer-sidades de elite de outros países asuniversidades brasileiras, mesmoas de elite, ficam em posição muitopouco invejável.

Há, hoje, basicamente, doisimportantes rankings das universi-dades mundiais.

F

A

Page 4: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 4

O primeiro e mais antigo delesé o do Times Higher EducationSupplement (THES), de Londres –que, além de antigo, é muito bemconceituado. Vide o site do ran-king, onde todas as estatísticaspodem ser encontradas, em http://www.times higher education.co.uk/. Vou pegar apenas osdados dos últimos cinco anos e,depois, me concentrar em 2008:

2004: nenhuma universidadebrasileira ficou entre as duzentasmelhores do mundo; da AméricaLatina, apenas a UniversidadNacional Autónoma de México(UNAM) entrou “raspando” nesseseleto grupo, ficando em 195ºlugar;

2005: a USP apareceu noranking, em 196º lugar, e a UNAMsubiu para o 95º lugar; foram asduas únicas universidades latino-americanas a figurar no rankingdesse ano;

2006: nenhuma universidadebrasileira ficou entre as duzentasmelhores do mundo; da AméricaLatina, apenas a UNAM, em 74ºlugar;

2007: a USP voltou a figurarno ranking, aparecendo em 175ºlugar, a UNICAMP também apa-receu, em 177º lugar, e a UNAMcaiu para o 192º lugar, atrás dasduas brasileiras. Foram as únicasuniversidades da América Latina afigurar entre as duzentas melhores;

2008: a USP apareceu no ran-king, caindo para o 196º lugar;da América Latina, apareceramainda a UNAM, em 150º lugar, ea Universidad de Buenos Aires(UBA) em 197º, logo depois daUSP.

Dos emergentes, os seguintespaíses, além de México, Brasil e Ar-gentina, colocaram universidadesentre as duzentas melhores domundo em 2008, segundo o THES:

China: seis universidades, noslugares 50 (empatada com a Co-réia do Sul), 56, 113, 141, 143, e144 (mais, naturalmente, as uni-versidades de Hong Kong, perfa-zendo nada menos do que dez)

Hong Kong: quatro universi-dades, nos lugares 26, 39, 42 e

47 (todas entre as cinquenta me-lhores, portanto)

Coréia do Sul: três universi-dades, em 50º (empatada com aChina), 95º e 188º lugares

Cingapura: duas universi-dades, em 30º e 77º lugares

Índia: duas universidades, em154º e 157º lugares

Taiwan: uma, em 124º lugarTailândia: uma, em 166º lugarÁfrica do Sul: uma, em 179ºRússia: uma, em 183º.Ou seja: no total, os países

emergentes colocaram 24 univer-sidades entre as duzentas melhoresdo mundo no ranking THES de2008 – mas, das brasileiras,apenas a USP figurou, e, aindaassim, “raspando”. Só a China(incluindo Hong Kong) colocoudez. Além disso, alguns paísesemergentes, como China (semHong Kong), a região de HongKong, Coréia do Sul e Cingapuracolocaram pelo menos umauniversidade no seletíssimo grupodas cinquenta melhores univer-sidades do mundo.

Quanto a países que estão umpouco à frente dos emergentes,embora também tenham sido

colônias européias, como o Brasil,a Austrália tem sete universidadesentre as duzentas melhores (lu-gares: 16, 43, 45, 47, 83, 106 e182) e Nova Zelândia, três (lu-gares: 65, 124 e 186). Note-seque a Austrália emplaca nadamenos do que quatro univer-sidades entre as cinquenta me-lhores do mundo! – um fato notávelpara um país relativamente pe-queno, em termos de população. Sóa Austrália consegue colocar noseleto grupo das cinquenta melhoresuniversidades do mundo tantasuniversidades quanto o grupo inteirodos países emergentes.

É até injusto comparar asituação com a dos Estados Uni-dos. No entanto, trata-se de umpaís do continente americano quetambém foi colônia européia, cujacolonização começou depois dado Brasil e que tem dimensõesterritoriais semelhantes. Os Esta-dos Unidos possuem nada menosdo que 57 universidades entre asduzentas melhores do mundo(28,5%), sendo que 38 delas estãoentre as cem melhores (38% delas),21 entre as cinquenta melhores(42%), 14 entre as vinte melhores

Na América Latina, apenas a Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) ficouentre as 200 melhores do mundo.

Page 5: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 5

10% (o valor numérico dessepeso aumenta conforme operíodo em que foi recebido oprêmio: os prêmios de alunosmais recentes valem mais; nocaso do Prêmio Nobel, se ele foicompartilhado, o critério adotauma proporção)

• Número de professores atuaisque ganharam Prêmios Nobel ououtros prêmios importantes:20% (o valor numérico dessepeso aumenta conforme operíodo em que foi recebido oprêmio: os prêmios mais recentesvalem mais)

• Número de citações dos pro-fessores/pesquisadores em pe-riódicos com referees: 20%

• Número de artigos publicadosnas revistas Nature e Science nosúltimos cinco anos: 20%

• Número de artigos indexados noScience Citation Index-Expandede no Social Sciences CitationIndex no ano anterior: 20%

• Razão professor/aluno: 10%

Registre-se que todos essescritérios, exceto a razão professor/aluno, se relacionam diretamentea atividades de pesquisa.

Por aí se vê que as universidadesbrasileiras têm um caminho longoa percorrer, mesmo no caso da-quelas consideradas de elite. Éverdade que o ranking da ARWUde 2008 demonstra que, apesardos pesares, algumas universi-dades brasileiras do grupo de eliteestão se firmando numa posiçãode liderança na América Latina.Mas é uma vitória muito pequenadiante do que aspiram essasuniversidades – e da arrogânciacom que alguns de seus profes-sores, em especial da USP e daUNICAMP, se referem à qualidadede suas instituições. Eles se sentematé meio envergonhados quandosua instituição é comparada comcongêneres latino-americanas.

As causas dessa qualidade bemabaixo do desejável das universi-dades de elite brasileiras, quandocomparadas com universidades deelite estrangeiras, são muitas evariadas – e tendem a se agravar.

Vou, no que segue, mencionaralgumas, enfocando a questão, emsequência, do ângulo das universi-dades públicas, das universidadesparticulares comunitárias (confes-sionais) e das universidades parti-culares privadas (lucrativas),porque cada um desses gruposapresenta características próprias(embora essas características, emmuitos casos, se inter-relacionem).

É ocioso dizer que os desafiosda educação superior brasileira deelite são múltiplos e de naturezadiversificada. Discutirei apenas osque me parecem ser de maiorimportância. Alguns desses desa-fios – talvez a maioria – evidente-mente se inter-relacionam (como sesugeriu no parágrafo anterior).Para efeito de análise e de didática,vou organizar os fatores que afe-tam a qualidade da educaçãosuperior de nossas instituições deelite em dois grupos: fatores finan-ceiros e fatores não–financeiros.

Fatores financeiros queafetam a qualidade

ividirei minha discussão daquestão focando as univer-

sidades de elite públicas, co-munitárias e particulares lucra-tivas, nessa ordem.

Nas universidades deelite públicas

A principal das causas da máqualidade, no plano internacional,das universidades de elite públicasbrasileiras se relaciona com seumodelo de financiamento total-mente ultrapassado e com seuscustos exageradamente altos, paraos padrões brasileiros. Destacoaqui os seguintes elementos:

O modelo de financiamento

As universidades públicas bra-sileiras, aí incluídas as de elite, sãofinanciadas, pelo menos na áreada formação de graduação, comrecursos oriundos exclusivamentedos cofres públicos, visto que elassão, nessa área, totalmente gra-

D

(70%) e seis entre as dez melhores(60%). É impressionante. Apenaso Reino Unido lhe faz alguma con-corrência.

Os critérios adotados peloTHES para inclusão de uma univer-sidade no ranking, e seus respec-tivos pesos, são os seguintes:

• Avaliação pelos pares (PeerReview): 40%

• Razão professor/aluno: 20%• Número de citações dos pro-

fessores: 20%• Avaliação por recrutadores: 10%• Número de professores interna-

cionais: 5%• Número de estudantes interna-

cionais: 5%

Registre-se que nenhum dessescritérios, exceto o número de cita-ções de professores, se relacionaespecificamente com atividades depesquisa.

O segundo (e mais recente)ranking bem conhecido é oAcademic Ranking of World Uni-versities (ARWU), chinês (HTTP://www.arwu.org/). O ARWU apontaas quinhentas melhores universi-dades do mundo.

Em 2008 há seis universidadesbrasileiras entre as quinhentasmelhores:

• A USP, em 147º lugar• A UNICAMP, em 257º lugar• A UFMG, em 364º lugar• A UFRJ, em 365º lugar• A UNESP, em 465º lugar• A UFRGS, em 466º lugar

Todas elas fazem parte dogrupo de elite mencionado noinício.

Da América Latina, a UBA, daArgentina, está em 170º lugar, ea UNAM, do México, está em 185ºlugar. Encerra-se aí a participaçãoda América Latina.

Os critérios para inclusão noranking adotados pelo ARWU, e osrespectivos pesos, são:

• Número de ex-alunos queganharam Prêmios Nobel ououtros prêmios importantes:

Page 6: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 6

tuitas, não cobrando sequer umcentavo de nenhum aluno, mesmoque este seja oriundo de famíliamilionária.

A cobrança de mensalidadesdos alunos pelas universidadespúblicas brasileiras é assunto tabu,que, ao ser mencionado, geraprotestos de toda sorte, ameaçasde greve, acusações na mídia, etc.não só dos beneficiados, osalunos. É compreensível que osalunos queiram manter os pri-vilégios historicamente adquiridosnessas instituições. Mas suaretórica não é a da manutençãode privilégios, mas sim a retóricaideologizada da suposta necessi-dade de uma participação cadavez maior e mais significativa dopoder público na área da edu-cação, inclusive na educaçãosuperior. Nessa retórica os privile-giados alunos são apoiados pelosprofessores e por seus sindicatos.

Ou seja, a causa principal doproblema está numa tendênciaestatizante e antiliberal que épredominante na comunidadeacadêmica, tanto entre alunoscomo entre professores.

Destaque-se que, diferente-mente do que acontece no exterior,as universidades públicas brasi-leiras (e mesmo as universidadesparticulares) não possuem ne-nhuma tradição de buscar apoiofinanceiro para seus programaseducacionais junto a seus ex-alunos bem-sucedidos na vida. Amaior parte delas nem sequer temum escritório de ex-alunos bemorganizado, atividades voltadaspara manter o vínculo dos ex-alunos com a instituição e, espe-cialmente, mecanismos parabuscar o seu apoio financeiro.Ressalte-se que o assunto tambémé meio tabu, porque parecesugerir, para os ideólogos denossas universidades públicas, quese está tentando criar mecanismosque, com o tempo, venham adesobrigar o poder público deinvestimentos significativos naeducação superior, deixando-adependente de recursos da inicia-tiva privada (i.e., privatizando-a

– termo que, para eles, é deopróbrio).

De igual forma, algumas uni-dades internas de universidadespúblicas, em especial as unidadesda área de humanidades e ciên-cias humanas, em geral as maisideologizadas, se recusam, porpreconceitos ideológicos, a fazerparcerias, até mesmo para projetosespecíficos e isolados, junto aempresas privadas, parcerias quepoderiam permitir que captassem,através de convênios, recursosextraorçamentários. A Faculdadede Educação da UNICAMP, porexemplo, onde trabalhei por maisde trinta anos, aprovou numdeterminado momento, em suaCongregação, uma norma queimpedia a unidade de celebrarconvênios com instituições eentidades privadas – excetoaquelas ligadas a sindicatos ou apartidos políticos...

As atitudes destacadas nostrês últ imos parágrafos con-tribuem para o agravamentodo problema do financiamentodas univers idades públ icasbrasileiras, que fica dependenteexclus ivamente de recursospúblicos.

O uso dos recursos públicosdestinados à educação

A filosofia do “direito do ci-dadão, dever do estado”, queassola o país, traz, para o poderpúblico, em seus diversos níveis,uma série de reivindicações queexigiriam recursos vultosos, fossemtodas elas adequadamente aten-didas. Basta uma leitura rápida daConstituição Federal, na área doschamados “direitos sociais”, paraconstatar tudo aquilo que nossagenerosa Constituição consideradireito coletivo dos cidadãos edever do estado. A educação éapenas um desses direitos – e aEducação Superior não é nemsequer o aspecto mais privilegiadodesse direito...

Nesse quadro, o poder públicoestá pressionado, em especial pororganismos internacionais, a

concentrar seus recursos na edu-cação básica pública, onde seencontram os maiores problemasde qualidade do sistema educa-cional brasileiro, problemas essesque afetam diretamente a quali-dade dos alunos que chegam atéa educação superior.

Assim, o poder público tende,hoje em dia, e tudo indica que ofará cada vez mais, a carrear paraa área da educação básicarecursos que, historicamente, eramdirigidos à educação superior.

(No Estado de São Paulo háalguns empecilhos legais a isso,visto que há uma lei que determinaque um certo percentual mínimoda arrecadação do ICMS doEstado irá para as três universi-dades estaduais. Mas também háformas de contornar os empe-cilhos. As universidades e os sindi-catos de professores exercemcontínua pressão sobre os legisla-dores, no momento da elaboraçãodo orçamento do estado, paraaumentar esse percentual mínimo,mas essa pressão tem produzidominguados resultados até agora).

O baixo número de alunospor professor

Vindo agora para dentro dasinstituições, é forçoso reconhecerque as universidades públicas,dentre elas as de elite, enfrentamproblemas antigos de difícil solu-ção. Um deles é o número exage-radamente elevado de professores(e, é bom que se diga, também defuncionários) dessas instituições,quando comparado com padrõesinternacionais.

Essa inflação no número de pro-fessores – que as próprias univer-sidades e os sindicatos de docentesinsistem em negar – em geral sedá pela multiplicação exageradade disciplinas, numa mesma área,com ementas muito semelhantes.Criadas as disciplinas, e os depar-tamentos têm autonomia parafazê-lo, daí se argumenta que háfalta de professores, porque hádisciplinas a descoberto, e sepressiona a administração da

Page 7: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 7

universidade (que inevitavelmentefica nas mãos de professores) aencontrar recursos para contratarnovos professores. E os professoresdemandantes e os professoresadministrantes dos recursos emgeral conseguem encontrar osrecursos necessários – não raroatravés de uma série de artifíciosenvolvendo remanejamento dasverbas orçamentárias. (Por isso odireito de fazer remanejamentosinternos nas verbas orçamentáriasé parte integrante e central dachamada “autonomia univer-sitária”. Em nome dela também setem procurado rechaçar tentativas,por parte do poder público, defixar tetos percentuais para o queas instituições podem gastar compessoal.)

Havendo mais professores nosdepartamentos do que é neces-sário, prolifera a oferta de disci-plinas eletivas, não obrigatóriaspara os alunos – disciplinas essasque, para justificar a continuidadedo quadro de professores e mes-mo a sua expansão, são oferecidasquase todos os semestres e minis-tradas, às vezes, para um númeroextremamente reduzido de alunos,mesmo nos cursos de graduação.

Por isso, a razão aluno/pro-fessor dessas instituições é muitobaixa, quando comparada com ade universidades estrangeiras derenome. Alega-se, para justificar ofato, que os professores brasileirostambém são pesquisadores, e, porisso, precisam de uma cargadidática reduzida. Mais detalhessobre isso adiante.

A título de exemplo, refiro-mea um levantamento antigo que fizdentro da Faculdade de Educaçãoda UNICAMP há alguns anos. ODepartamento de Ciências SociaisAplicadas à Educação da univer-sidade, que é um dos depar-tamentos da Faculdade de Edu-cação e que “concorre” com oDepartamento de Ciências Sociaisdo Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas da Universidade e (peloque parece) e também com oDepartamento de Linguística doInstituto de Estudos da Linguagem,

lista, no catálogo de pós-gra-duação da universidade para1990, nada menos do que no-venta e quatro (sic!) disciplinas.Entre elas, “Empresa Privada eEducação”, “Educação e Em-presa” [imagino que, neste caso,a empresa seja estatal, porque aempresa privada já terá merecidodevida atenção na disciplinaanterior], “Educação Sindical”,“Educação das Populações Ru-rais”, “Educação e OrganizaçõesPartidárias”, “Aspectos Educacio-nais dos Meios de Comunicaçãode Massa”, “Meios de Comuni-cação de Massa e Educação”,“Educação e Ciências da Lingua-gem”, “Teorias Narrativas e Edu-cação”, “Teorias do Discurso eEducação”, “Formas do Discursoe Educação”, “Educação, Comu-nicação e Cultura”, “DiscursosPolíticos e Educação”, “Formas deComunicação e Educação I”,“Formas de Comunicação eEducação II”, etc. Dispensam-secomentários adicionais.

Evasão de alunos e ociosidadede vagas

Por incrível que pareça, nossasuniversidades públicas de elitetêm, em muitos de seus cursos,uma elevada ociosidade de vagas,em geral pela desistência dealunos ao longo do curso e pelonão-repreenchimento das vagas.

Parece incrível que tantos alu-nos venham a desistir de seuscursos, depois de passarem pelaverdadeira batalha que é o con-corrido vestibular dessas univer-sidades e depois de estarem numauniversidade pública de elite, naqual, além de não pagarem umcentavo, têm estacionamento degraça e comida subsidiada... Adesistência e a consequente ocio-sidade de vagas fazem com queum número razoável de profes-sores, em alguns cursos, mesmode graduação, ministre aulas paraum número mais reduzido dealunos do que doutra forma seriao caso, mesmo em cursos degraduação. Além disso, não é raro

que disciplinas oferecidas sejamcanceladas, depois do período dematrícula, por não terem tidonenhum aluno interessado nelas.Nesse caso, o professor em geralargumenta: “Eu ofereci a disciplina– não posso ser penalizado pornão haver nenhum alunointeressado nela”. Na universidadepública brasileira ninguém épenalizado por consistentementeoferecer disciplinas nas quaisnenhum aluno está interessado.

Algumas das causas da desis-tência elevada em alguns cursosserão discutidas adiante.

Problemas específicos:aposentados e hospitais

de ensino

O fato de que, na maioriadessas instituições, o quadro deaposentados onera o orçamentoda instituição, visto que os profes-sores (e boa parte dos funcio-nários) não são contratados pelasleis trabalhistas que regem otrabalho em instituições privadas,torna a situação financeira denossas universidades públicasde elite ainda mais séria. O fatode que a aposentadoria dos do-centes é integral e recebe reajustesidênticos aos do pessoal da ativa,embora seja justo para com osaposentados (entre os quais, é bomque se diga, eu me incluo), agravaa situação financeira das universi-dades públicas de elite.

Alguns desses problemas come-çam apenas agora a ser equacio-nados, de forma ainda tímida, emalgumas instituições, como, porexemplo, as universidades esta-duais de São Paulo.

Além disso, o fato de que amaioria dessas universidadesabriga enormes hospitais de ensinocujo custeio, sempre elevado,onera, em regra, o orçamento dasinstituições que os abrigam, é umproblema sério para as universi-dades públicas de elite – problemaque só agora, muito tardiamente,e, aqui também, de forma tímida,começa a ser seriamente enfren-tado. O problema é naturalmente

Page 8: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 8

sério, porque esses hospitais nãoservem apenas como hospitais deensino. Eles se inserem na rede deatendimento de saúde comohospitais (indispensáveis) de refe-rência (terciários ou mesmoquaternários). Dada, entretanto, aqualidade precária do sistemapúblico de saúde, gratuito euniversal, a demanda sobre esseshospitais é elevadíssima, fazendocom que se dediquem ao aten-dimento secundário ou mesmoprimário (este perfeitamente dis-pensável, porque nada acrescentaà sua função de ensino) – fato quefaz com que seu custo tambémnecessariamente aumente, pres-sionando ainda mais o orçamentodas universidades que os abrigam.A solução que vem sendo encon-trada é criar convênios entre ohospital de clínicas universitário eo sistema de saúde (SUS, INSS,etc.,), que pagaria os atendimen-tos feitos fora da vocação do hos-pital de clínicas, isto é, atendimentosque não são de interesse didáticopara um hospital de clínicas.

A pressão por mais verbas

Em vez de pressionar pelaequação de alguns dos problemasindicados nos itens anteriores, ocaminho encontrado pelas univer-sidades públicas de elite, tantoatravés de seus sindicatos (com-preensível) como através de seusreitores (menos compreensível, atéque se lembre do fato de que osreitores são todos professores emembros dos respectivos sindi-catos), é o de pressionar o poderpúblico por mais verbas, tanto deinvestimento (para expansão, porexemplo), como de custeio (espe-cialmente para pessoal), verbasessas que seriam necessárias paraevitar a queda de sua qualidade(seu “sucateamento”, é o termoque os sindicatos de docentespreferem utilizar), em especialdiante da concorrência da inicia-tiva privada, beneficiada porprogramas sociais do governofederal, como, por exemplo, oPROUNI.

Nas universidades deelite particulares

comunitárias

Registre-se que as universidadesparticulares comunitárias, emboranão tenham fins lucrativos, cobrammensalidades – e, em algunscasos, essas mensalidades nadaficam a dever às mensalidades dasuniversidades particulares lucra-tivas. Assim, elas enfrentam aconcorrência das universidadespúblicas, gratuitas, e das universi-dades particulares que, por escalaou eficiência administrativa, con-seguem cobrar mensalidades me-nores.

Registre-se, em segundo lugar,que as universidades comunitáriasem geral têm uma séria preocu-pação com a qualidade da educa-ção que oferecem ao público –fato que levou algumas delas aficar entre as melhores universi-dades brasileiras. No entanto, essapreocupação com a qualidadetem um elevado custo – e essecusto fica cada vez mais proble-mático, em especial no caso dasuniversidades católicas, diante defatores como os que serão a seguirlistados.

No caso das PUCs, não hácomo negar o fato de que onúmero de católicos que frequen-tam a igreja e contribuem para elavem se reduzindo de forma gra-dativa mas inexorável no Brasil, emespecial diante da concorrênciadas modalidades mais novas deigrejas protestantes (igrejas pente-costais, ou assemelhadas, ouigrejas protestantes históricas,mas ditas “avivadas” ou “reno-vadas”). Assim, a receita da igrejaque mantém as universidades caie fica mais difícil manter a qua-lidade de suas instituições educa-cionais de elite – porque, apesarde cobrarem mensalidades razoa-velmente altas, elas não sobrevivemapenas das mensalidades quecobram (sendo, também, obriga-das a dar um certo percentual debolsas de estudo para estudantescarentes em troca de seremconsideradas de utilidade pública,

fato que reduz os impostos que pa-gam).

Esse fato, em si, já indica queas universidades comunitárias deelite católicas em geral sãodeficitárias, fato que exige que aigreja que as criou e apóia tambémas banque financeiramente, pelomenos em parte.

Na verdade, quase todas asuniversidades comunitárias de elite,mas especialmente as PUCs, têmum compromisso com a manu-tenção de cursos bastante defi-citários, como é, em regra, o casodos cursos de teologia, ciências dareligião, às vezes filosofia, e afins.Esse fato as obriga ou a lançarmão de recursos da própria igrejaque, como se viu, são cada vezmais escassos, ou, então, a cobrarmais caro pelos outros cursos,não-deficitários, para que estesdeem sua cota de contribuiçãopara manter os cursos deficitários– fato que, naturalmente, aumentade modo artificial o preço dessescursos, o que evidentementeafasta alunos que poderiam deoutra forma estar interessados emcursá-los.

Quando não havia alternativaséria a elas, as universidades deelite comunitárias conseguiamcobrar preços mais elevados semperder alunos. Sua clientela emgeral estava disposta a pagar umdiferencial pela qualidade e, nocaso de pessoas para quem areligião é extremamente impor-tante, pela possibilidade de ter seusfilhos estudando em uma universi-dade da própria igreja, nas quaisdisciplinas de cunho religioso sãoobrigatórias em todos os currí-culos. Hoje, porém, existem alter-nativas sérias, para essa clientela,na forma de universidades priva-das lucrativas que, em virtude deconsolidação e boa gestão, conse-guem oferecer bons cursos apreços inferiores aos praticadospelas universidades de elite comu-nitárias – mesmo que sejam total-mente seculares.

Por conseguinte, no caso detodas as universidades de elitecomunitárias a concorrência das

Page 9: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 9

instituições de educação superiorparticulares lucrativas, que conse-guiram economias de escala pelaconsolidação e estão procurandomelhorar sua qualidade, começaa ficar bastante séria. Com aqueda de qualidade das universi-dades de elite comunitárias e amelhora (ainda que incipiente, nomomento) da qualidade dasinstituições de educação superiorparticulares lucrativas, as duascategorias em muitos locais emuitas áreas se equivalem, notocante à qualidade. As particu-lares lucrativas ainda são capazes,muitas vezes, de se beneficiar commaior flexibilidade e agilidade deprogramas sociais do governofederal, como o PROUNI.

Nessa concorrência tem ficadoevidente, muitas vezes, no caso dasuniversidades comunitárias, agestão pouco profissional dessasinstituições, não raro deixada nasmãos de padres, religiosos epastores de fé inquestionável, mascapacidade de gestão duvidosa.

Nas universidadesparticulares lucrativas

As universidades particulareslucrativas também sofrem aconcorrência das universidadespublicas, gratuitas, além, natural-mente, da concorrência dasuniversidades particulares comuni-tárias, que, tradicionalmente, têmtido maior tradição de qualidadee, por isso, melhor reputação.

Conforme dito antes, os maioresdesafios das instituições de edu-cação superior particulares lucra-tivas são a qualidade do serviçoque prestam e a concorrência – quepresta serviços muitas vezes demelhor qualidade por preço menor– ou até mesmo gratuitamente, nocaso das universidades públicas.Assim, as universidades particu-lares lucrativas enfrentam, pelolado de cima, a concorrência dasuniversidades de elite comunitárias,que, tradicionalmente, têm tidomelhor qualidade e preços com-petitivos. Mais recentemente,porém, essas universidades comu-

nitárias têm enfrentado, simulta-neamente, como vimos, não só aqueda de qualidade como tambéma necessidade de aumentar ospreços. Com isso, as instituiçõesde ensino superior lucrativasacabaram ganhando acesso a ummercado atraente de alunos relati-vamente bons que não podiammais pagar as mensalidades dasuniversidades de elite comunitáriase não conseguiam passar nosvestibulares competitivos dasuniversidades públicas de elite.Oferecendo-lhes preços maisatraentes e prometendo-lhes umamelhoria significativa de qualidade,

melhoria essa confirmada, muitasvezes, por laboratórios de infor-mática e bibliotecas razoavelmentesofisticados, as instituições de edu-cação superior particulares lucra-tivas vêm ganhando participaçãono mercado e, assim, obtendocondições para melhorar aindamais, no médio prazo, a qualidadeda educação que oferecem a seusalunos.

É provável que o fato de queessas instituições em geral têmcampi em múltiplas cidades astornará, rapidamente, instituiçõesde âmbito nacional – obrigando osórgãos competentes a fazer ajustesna legislação para que isso setorne claramente possível. O fato

de serem instituições com diversoscampi localizados em cidadesmuitas vezes distantes uma daoutra também obriga essas insti-tuições a investir pesado emEducação a Distância, algo que asinstituições de educação superiorpúblicas têm vergonhosamentenegligenciado (até debaixo daalegação – bisonha – de que nãoseria possível manter seu nível dequalidade nos cursos a distância.Até há pouco tempo alegavam amesma coisa em relação aoscursos noturnos, deixando essemercado quase que totalmentenas mãos das universidades comu-nitárias e lucrativas).

Fatores não-financeirosque prejudicam a

qualidade

qui discutirei dez causas denatureza não-financeira que

afetam negativamente a qualidadedas universidades brasileiraspúblicas, particulares comunitáriasou particulares lucrativas, tanto asde elite como as demais.

A especialização precocee excessiva

É sabido e notório que a uni-versidade brasileira oferece cursosque são especializados desde oprimeiro momento. Apesar deinúmeras tentativas de obrigá-lasa criar um “Ciclo Básico” comuma todos os cursos e programas,que deveria durar no mínimo doisanos, as universidades detonaramtodas essas tentativas. NaUNICAMP, embora tenha sidocriado até um prédio meio redondochamado de “Ciclo Básico”, ainiciativa não vingou.

Quando muito criaram-se,dentro das universidades, alguns“Ciclos Minibásicos”...

• Um “Minibásico das Exatas”,com disciplinas de Matemática,Física e Química que todos osalunos das Engenharias, bemcomo dos cursos de bachareladode Matemática, Estatística,

A

“Registre-se queas universidades

particularescomunitárias,

embora não tenhamfins lucrativos,

cobrammensalidades – e,em alguns casos,

essas mensalidadesnada ficam a deveràs mensalidadesdas universidades

particulareslucrativas.”

Page 10: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 10

Ciência da Computação, Físicae Química, deveriam fazer.

• Um “Minibásico das Ciências daSaúde”, destinado a alunos deMedicina, Odontologia, Enfer-magem, etc. Ali se incluemdisciplinas básicas de Anatomia,Fisiologia, Genética, Desen-volvimento Humano, etc.

• Um “Minibásico de Humani-dades e Ciências Humanas”,com disciplinas de Filosofia,Sociologia, Antropologia, Ciên-cia Política, História, Geografia,Literatura, Linguística, etc., quetodos os alunos da área deveriamconhecer bem.

Mas cada um desses “Mini-básicos” – de Ciências Exatas, deCiências da Saúde e de CiênciasHumanas – já é um início deespecialização na área!

No Brasil não se incentiva oaluno de Ciências Exatas a co-nhecer e explorar outras áreas, afazer um curso de literaturabrasileira, outro de filosofia, outrode iniciação à estética, outro dahistória do seu país, outro deciências sociais...

O aluno de Ciências da Saúdeé incentivado a só cursar disciplinasdentro da área da Saúde, per-dendo excelente oportunidade deconhecer e explorar as áreas deCiências Exatas, de um lado, e ade Humanidades e Ciências Hu-manas (em especial Linguística,para quem faz pesquisa sobre océrebro), do outro.

Por outro lado, também não seincentiva o aluno de Humanidadese Ciências Humanas a conhecer eexplorar outras áreas, fazendocursos introdutórios de Introduçãoao Método Científico, de Estatís-tica, de explicação de fenômenosfísicos e químicos envolvidos narealidade do dia-a-dia, de Ge-nética, de funcionamento docérebro, etc.

Mesmo no caso dos CiclosMinibásicos já há pressão, dentroda universidade, para reduzir a suaduração e o seu alcance. Imagine-se qual não seria a pressão sefosse criado e implementado um

Curso Básico digno do nome,amplo, flexível...

Assim, o aluno brasileiro já entrana universidade comprometidocom um determinado curso, por eleescolhido na inscrição no Vesti-bular, e, a menos que alguma coisadrástica aconteça, vai ficar na áreacorrespondente àquele curso, compequenas exceções. Escolhe,portanto, a especialização à qualvai dedicar a vida antes de fazervinte anos – e, muitas vezes, semconhecer bem as diferentes áreasde especialização abertas a ele.

Quando percebe que o cursono qual ingressou não era bemaquilo que ele queria, e descobreque é muito difícil, dentro da buro-cracia universitária, simplesmentemudar de curso, ele desiste –sendo esta uma das causas dadesistência a que se fez referêncianos parágrafos anteriores.

Parte da razão para essa espe-cialização precoce e excessiva sedeve ao fato de que a educaçãosuperior brasileira começou comcursos claramente voltados para aformação de alunos para o exer-cício de uma profissão: Direito,Medicina e Engenharia. Essas pro-fissões permaneceram, por muitosanos, as de melhor reputação e asmais procuradas entre a elite (e,naturalmente, entre aqueles queaspiravam chegar à elite), até que,já em dias atuais, passaram aencontrar um mercado razoavel-mente saturado em alguns centrosurbanos e vieram a sofrer forteconcorrência de novos cursos,como Computação/Informática,Propaganda e Marketing, etc.Mesmo assim mantêm, até hoje,uma atração considerável, per-manecendo o núcleo de umconjunto de cursos superioresprofissionalizantes (que inclui osvoltados para a formação deprofessores) que, de certo modo,domina a educação superiorbrasileira e a impede de ter umcaráter de formação geral, como,por exemplo, acontece em outrospaíses. Nos Estados Unidos, porexemplo, reluta-se em especializarprecocemente e, mais ainda, em

se profissionalizar a educaçãosuperior, que mantém o seu caráterde educação geral que forma apessoa para a vida e não para oexercício de uma profissão espe-cífica. O máximo de especiali-zação que lá se permite naeducação superior de graduaçãoé a opção entre um programavoltado para as Humanidades eCiências Humanas (Bachelor ofArts) e um programa voltado paraas ciências (Bachelor of Sciences)– as chamadas “duas culturas” (C.P. Snow). A profissionalizaçãoficou, nos Estados Unidos, para umnível posterior ao da graduação:é nele que se situam os cursos deDireito, Medicina, Engenharia,Administração de Empresas, etc.Até mesmo os cursos de Teologiaficam nesse nível nos Estados Uni-dos. Parece-me que essa tendênciaé muito superior à brasileira – etalvez explique a excelência não sódas grandes universidades ameri-canas, que figuram em lugaresexcelentes nos rankings mundiais,mas também dos pequenos LiberalArts Colleges, que, em muitoscasos, oferecem magnífica forma-ção geral, melhor, até mesmo, doque a oferecida pelas grandes efamosas universidades de elite. Porserem pequenos, e, muitas vezes,situados fora dos grandes centros(Grove City, Pensilvânia, porexemplo), oferecem um ambientemais personalizado em que todomundo conhece todo mundo,ambiente esse que contribui paraa formação extraclasse dosalunos.

No Brasil, porém, instituiu-se,dentro das grandes universidades,a distinção entre “Institutos” e“Faculdades” – os Institutos coma formação geral (mas aindaassim especializada), as Facul-dades lidando com a parte maisprofissionalizante dos programas.Assim, um aluno que entra pelovestibular no curso de EngenhariaElétrica, por exemplo, faz nosInstitutos de Matemática, Física eQuímica da universidade umasérie de cursos (de natureza maisgeral) que servem como base para

Page 11: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 11

a sua formação profissionalizante,e na Faculdade de Engenharia(Elétrica) faz os cursos diretamenterelevantes para a profissão quepretende exercer. Da mesmaforma, um aluno que entra pelovestibular no curso de Medicinafaz, no Instituto de Biologia, oscursos de Anatomia, Fisiologia,Genética, etc. (cursos esses àsvezes denominados “pré-mé-dicos”) e, na Faculdade de Medi-cina, os cursos médicos propria-mente ditos. Esse mecanismopretende dar uma “formaçãogeral” ao aluno, mas ela já é umaformação geral limitada e voltadapara a especialização e a profis-sionalização. Embora o mecanis-mo de créditos eletivos permita, emprincípio, que um aluno deEngenharia ou Medicina faça umcurso sobre “A Poesia RomânticaBrasileira do Século XIX”, isso éextremamente raro – se é que umdia já aconteceu.

A ênfase exagerada napesquisa

As universidades de elite brasi-leiras se consideram mais “multi-versidades” voltadas para a pes-quisa do que “universidades”voltadas para a formação. Mesmoa formação que oferecem muitasvezes tem um viés claro de pes-quisa – pretendendo formar opesquisador, que um dia poderá vira fazer pós-graduação na área,mais do que a pessoa.

O prestígio dentro das universi-dades de elite está com o pesqui-sador que obtém significativosconvênios e contratos e, assim,carreia verbas para a universidade(que, em geral, fica com 10% a35% dos recursos a título deoverhead). Esses recursos muitasvezes contemplam até mesmo aconstrução de sofisticados labora-tórios de pesquisa, a compra decaros equipamentos importados, acontratação de pessoal por forados canais de contratação regu-lares da universidade, a criação deum sistema de mordomias e perksextremamente invejado.

O aluno ingressante, ao notaros privilégios que um professor-pesquisador tem, quando compa-rado ao professor que meramentese ocupa da formação dos seusalunos, recebe clara mensagem deque o prestígio está na pesquisaespecializada, não na formaçãogeral. Isso atrai os alunos maisambiciosos para a pesquisa,levando-os a se especializar pre-cocemente na área de pesquisaque lhes parece mais interessante.

A legislação brasileira pre-coniza, para a educação superior,um princípio que determina a“indissociabilidade do ensino e dapesquisa”. Aparentemente os legis-ladores, influenciados por educa-dores, entenderam que ninguémconsegue ensinar nada bem se nãofor um pesquisador especializadonaquela área. A experiência mostraque esse princípio é falso. Não sóhá professores excelentes que nãotêm uma vocação para a pesquisa(embora leiam e reflitam muito –mas isso é outra coisa, como severá a seguir), como há muitospesquisadores de elite que sãopéssimos professores, não tendonenhuma vocação para a sala deaula nem interesse nos processosformativos. Vira e mexe tem sur-gido, dentro de nossas universi-dades de elite, tentativas de criaruma carreira de “pesquisador”paralela à de “professor”, com omesmo nível de remuneração. Opesquisador, no caso, seria “oprofessor que não precisa daraula” – ideal de muita gente quetrabalha em nossas melhores uni-versidades. “Trabalhar na universi-dade seria um dos melhores em-pregos do mundo – não fossem osalunos, que só atrapalham...” éuma frase que se houve comu-mente nelas – embora em geral ditaem tom chistoso, porque, em tese,pelo menos, a função formativa dauniversidade seria (como de fato é)prioritária.

Não há a menor dúvida de queo bom professor, o professor quese interessa pela formação de seusalunos e dela se ocupa, precisa serum leitor sério e, até certo ponto,

voraz. A experiência mostra que ocampo de leituras desse tipo debom professor é amplo, não sendorestringido artificialmente porinteresses especializados. Em ou-tras palavras, o bom professor lêbastante e lê amplamente, e usasuas leituras como objeto de refle-xão para os processos formativospelos quais é responsável.

Quanto a isso não há dúvida.A obrigação, entretanto, de que

todo professor em tempo integralem nossas universidades de elite sededique “ao ensino e à pesquisa”(nas universidades estaduaispaulistas o regime de tempo in-tegral é chamado de “Regime deDedicação Integral ao Ensino e àPesquisa” – RDIDP) faz com quetodo professor vire, por passe demágica, um pesquisador, exigindodele publicações regulares emperiódicos com referees, não raroestrangeiros, etc. Até notáveis mú-sicos, contratados pelos Institutosde Artes dessas universidades,precisam “fazer pesquisa”. Dá dó,em muitos casos, ver o que passapelo nome de pesquisa em circuns-tâncias assim.

Esse fato, além de contribuirpara a desmoralização da noçãode pesquisa, faz com que profes-sores que não têm vocação pelapesquisa nem interesse em realizá-la percam um enorme tempotentando produzir algo que possase parecer com uma pesquisa,assim atendendo as exigênciasexternas da lei e internas da univer-sidade. Seu tempo seria muito maisbem aproveitado se eles o inves-tissem na preparação de aulasmelhores.

A distração da“extensão”

Mas a pesquisa não é a única“distração” no caminho do pro-fessor que gostaria de se dedicartotalmente aos programas básicosde formação no nível da gra-duação. A mesma legislação queestipula a indissociabilidade doensino e da pesquisa também rezaque a universidade tem uma

Page 12: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 12

terceira função: a chamada“extensão de serviços à comuni-dade”.

Essa noção de “extensão” écuriosa – e estaria a requerer umaanálise cuidadosa de alguém comtempo de sobra. Na prática, elaabrange tudo o que, dentro dauniversidade, não é “cursoregular” ou pesquisa. O “cursoregular” é o curso de graduaçãoou pós-graduação, devidamenteautorizado pela universidade ereconhecido pelos órgãos compe-tentes, que é oferecido regular-mente e consta dos catálogosusados quase como “contratos”entre a universidade e seus alunos“regulares”.

Um parêntese sobre “cursos ealunos regulares” é necessário. Oaluno regular é o aluno de gra-duação que entrou, por vestibularou por transferência, em umdeterminado curso de graduaçãoda universidade ou o aluno de pós-graduação, devidamente apro-vado em processo seletivo regularde um determinado curso de pós-graduação da universidade, quefoi admitido nesse curso. Ocatálogo da universidade contémseus cursos regulares de gra-duação e pós-graduação. Como,entretanto, há mudanças razoavel-mente frequentes nos currículosdesses cursos regulares, tanto oscatálogos de graduação como depós-graduação são editadosanualmente. O aluno em geraltem o direito de fazer o seu cursosegundo o currículo especificadono catálogo do ano em que entrouna universidade – podendo, po-rém, optar por um currículo sub-sequente, se concluir que essecurrículo o beneficia. Como, emgeral, as normas universitáriaspermitem que o aluno opte pelocurrículo de um catálogo sub-sequente mas não permitem queele, tendo feito essa opção, volteatrás, os alunos deixam para fazera opção apenas próximo do finaldo curso, ocasião em que po-derão escolher qualquer currículoposterior àquele do ano de seuingresso. Há universidades em que

o computador já faz automa-ticamente uma “checagem” dohistórico escolar de cada aluno,comparando-o com todos oscurrículos dos anos posteriores aoseu ingresso para ver se ele, poracaso, já não cumpriu todas asexigências estipuladas para suaformatura...

Como dito, a “extensão” équalquer coisa que não faz partede um “curso regular” ou dapesquisa. O que isso cobre?

A extensão cobre, na áreadidática (cursos), em regra oseguinte:

• Os chamados “Cursos de Ex-tensão”, oferecidos pela univer-sidade para a “comunidade”,que não exigem, necessa-riamente, um certo nível deescolaridade mínimo para in-gresso nem possuem outros pré-requisitos fixos ou uma cargahorária mínima fixada em lei ounorma, e que fornecem aos queos completam apenas um certi-ficado de conclusão que, emregra, não tem grande valoracadêmico;

• Cursos de pós-graduação latosensu, como os de especia-cialização e aperfeiçoamento,que, apesar de regulamentadospelo Ministério da Educação nãosão regularmente oferecidos pelauniversidade e exigem diplomade graduação para ingresso,podem apresentar uma série deoutros pré-requisitos, têm cargahorária mínima (fixada atémesmo em lei ou normasfederais) e fornecem aos que oscompletam certificados que sãoimportantes em muitas institui-ções de educação superior paraingresso e promoção na carreira;

• Cursos que não se encaixambem em nenhuma das duascategorias anteriores, como oschamados MBAs, que emboraoriginalmente, nos EstadosUnidos, fossem cursos de mes-trado (MBA sendo o acrônimode Masters of Business Adminis-tration – vide http://www.unhmba. org/), aqui no Brasil

viraram um bicho meio exótico,altamente valorizado, que emmuitos casos pretende ser maisdo que um curso de especia-lização ou aperfeiçoamento,mas não chega a ser um mes-trado – e que em alguns casos émais valorizado do que ummestrado convencional.

Para que servem esses cursosde “distração”, e, assim, podemprejudicar a qualidade, especial-mente dos cursos regulares degraduação? Porque, segundo oentendimento vigente, a universi-dade pública pode cobrar poresses cursos – e, assim, elesrepresentam importante fonte derenda para a universidade e,naturalmente, para aqueles que oscoordenam ou participam de suaministração. Há MBAs oferecidospelas universidades públicaspaulistas, diretamente ou atravésde suas muitas fundações (ouequivalentes), que são extre-mamente caros – e, mesmo assim,concorridos. Que professor univer-sitário, podendo auferir dessescursos uma renda extra que, emalguns casos, chega a até 100%de seu salário-base, vai se preo-cupar muito com a qualidade doscursos regulares que não lhetrazem renda extra alguma, aindaque sejam de qualidade excep-cional?

Fora da área didática, aextensão cobre trabalhos feitospara qualquer instituição interna,envolvendo prestação de serviçosdiversos – todos, naturalmente,devidamente remunerados, auniversidade ficando com seuoverhead e quem realiza o tra-balho ficando com o grosso daremuneração.

A extensão é ou não é umadistração?

O sistema de ingresso e abusca dos privilégios

Desde que foram criados, oschamados exames vestibulares têmsofrido inúmeras modificações.Hoje, embora ainda existam, estão

Page 13: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 13

sob fogo cerrado, até do próprioMinistério da Educação, que quervê-los substituídos pelo ExameNacional do Ensino Médio –ENEM. Com isso, as instituiçõesde educação superior teriammaior flexibilidade porque, apesarde precisarem levar em conta anota do aluno no ENEM na ava-liação de suas credenciais paraentrar na universidade, esta notanão seria o único fator a ser levadoem consideração.

Embora esse desenvolvimentoseja positivo, ele é mais do quecontrabalançado pela verdadeiraguerra que se trava nos bastidorese na mídia pela obtenção deprivilégios no processo de seleçãopara as universidades – emespecial para as mais prestigiadas,entre as quais estão as de elite. Abusca de cotas, primeiro para osnegros, depois para os índios,depois para os pobres em geral,depois para os alunos egressos daescola pública (ou que tenhamcursado um certo número de anosna escola pública), tende a minaro peso do resultado, seja do examevestibular, seja do ENEM – amea-çando ainda mais a qualidade dasuniversidades de elite.

As pressões políticas para queos sistemas de seleção para auniversidade sejam devidamenteideologizados, dando preferênciasaos oriundos de determinadosgrupos étnicos ou sociais, fazemcom que se possa prever que oproblema da qualidade dosingressantes nas universidadestenderá a se agravar, no futuropróximo, com os sistemas de cotasem implantação – e, a se julgar atendência, em plena expansão.

A formação deprofessores

Jacques Barzun, eminente in-telectual americano (de origemfrancesa), por vários anos dean eprovost da conceituada Universi-dade Colúmbia, de Nova York,uma vez disse, em seu livro Tea-cher in America, que a profissãode professor universitário (pro-

fessor de educação superior) é aúnica profissão, exceto, talvez, pelamais antiga do mundo, para a qualnenhuma formação é oferecida ouexigida.

Isso é verdade no Brasil tam-bém.

De professores de educaçãobásica exige-se diploma em cursosde formação, que hoje são minis-trados obrigatoriamente em nívelsuperior (exceto em condiçõesexcepcionais), no curso de Peda-gogia (para a educação infantil epara as primeiras cinco séries daeducação fundamental) e nos cur-sos de Licenciatura (para os demaiscasos).

De professores de educaçãosuperior não se exige diploma deLicenciatura. Exige-se apenas quetenham formação superior, e, maise mais, que tenham Mestrado eDoutorado. A maior parte doscursos de pós-graduação, entre-tanto, não contempla nem delonge a formação para o exercíciodo magistério superior. Algumaspoucas instituições incluem umadisciplina chamada “Magistério do

Ensino Superior” no currículo,mas, em geral, é apenas simbólicapela superficialidade com que trataas questões que um professor vaienfrentar em sala de aula e notrato com os alunos.

Dada, porém, a qualidade doprocesso de formação de profes-sores de educação básica nasFaculdades de Educação, respon-sáveis pelo curso de Pedagogia epelos cursos de Licenciatura dentrodas universidades, é um alívio saberque elas não têm nenhuma res-ponsabilidade na formação deprofessores da educação superior.

A questão docorporativismo

Todas as profissões talvez seprotejam com um certo espíritocorporativo. Isso é claramenteverdadeiro no caso de professoresuniversitários. Poucas coisas unemtanto professores universitários dediferentes especializações e dematizes políticos diversos comocríticas feitas à corporação e aosque a administram e controlam, ou

De professores de educação superior exige-se apenas que tenham formação superior ouMestrado e Doutorado.

Page 14: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 14

seja, os próprios professores. Du-rante momentos de conflitointerno, ou de eleições para cargosdiretivos, eles se digladiam. Masbasta que alguém de fora façaalguma crítica para que se unamem defesa da instituição e dospróprios privilégios.

Um desses privilégios é areserva de mercado na direção deuma instituição que tem orçamentoque muitas vezes é maior do queo orçamento de cidades de bomtamanho. Os cargos diretivosdentro da universidade são re-servados exclusivamente paraprofessores. Hoje, na maior partedos casos, esses cargos sãovirtualmente eletivos dentro dasuniversidades públicas. Ainda seexige, na maioria dos casos, quea universidade submeta àautoridade competente (Presidenteda República, através do Ministroda Educação, Governador doEstado, através do Secretáriocompetente, que pode ser Se-cretário da Educação ou Secretáriodo Ensino Superior, ou Prefeito)uma lista tríplice de nomes (que foisêxtupla no período da ditadura)para que dentre eles se escolha odo Reitor. Há, entretanto, umacordo de cavalheiros entre aautoridade formalmente incum-bida de nomear os dirigentes e asinstituições universitárias nosentido de que a decisão dacomunidade universitária serárespeitada com a escolha doprimeiro nome da lista. Com isso,a comunidade universitária (compeso maior dos professores)escolhe seus dirigentes máximos.O mesmo processo se repetedentro da universidade, para aescolha de diretores de unidades,coordenadores de curso, chefes dedepartamento, dirigentes decentros de serviço privativos deprofessores (Centro de Compu-tação, por exemplo), etc. A ex-ceção é a Biblioteca Universitária,que, no caso de universidades quenão possuem cursos de Biblio-teconomia, geralmente é dirigidapor um bibliotecário, não por umprofessor. Mesmo no caso dos

Hospitais de Clínica ou HospitaisUniversitários, a direção em geralfica nas mãos de um professor-médico, escolhido pela comuni-dade dos docentes médicos, nãonas mãos de um administradorhospitalar especializado.

Com a implantação de umcerto nível de autonomia adminis-trativo-financeira para as univer-sidades, como acontece nasuniversidades estaduais paulistas,o Reitor, com seus assistentes,controla orçamentos que chegama ser bilionários. No caso dasuniversidades estaduais paulistas,o Conselho de Reitores tem auto-nomia até para fixar os saláriosde professores e funcionários –

obedecidos certos limites para opercentual de seus recursos orça-mentários que cada universidadepode comprometer com pessoal.Isso traz um benefício político: aredução das greves. No Estado deSão Paulo, a comunidade uni-versitária das universidades esta-duais entrava muito mais facil-mente (e, convenhamos, irrespon-savelmente) em greve por saláriosquando estes eram fixados peloGovernador do que hoje, quandosão fixados pelo Conselho deReitores, vale dizer, por três re-presentantes da comunidade.Mas, por outro lado, os Reitoresperdem autoridade diante da

comunidade, pois dela se tornammeros representantes, incumbidosde executar a sua vontade.

A interferência da política

A postura política dos pro-fessores universitários brasileiros éconhecida e notória. O Partido dosTrabalhadores e o Presidente Lulase beneficiaram do apoio de bomnúmero de intelectuais da comuni-dade acadêmica. Estes só aban-donaram o presidente, em parte,quando Lula se tornou, para eles,um direitista...

Enquanto essa era política eraalgo de foro íntimo, não causavamaiores problemas. Quando setornou engajamento e militância,entretanto, trouxe a política par-tidária para dentro da universi-dade, politizando toda a vidaacadêmica.

Com a diminuição da forçados sindicatos de trabalhadoresindustriais, o peso dos sindicatosdo serviço público cresceu –especialmente no caso de pro-fessores que, no caso das universi-dades, são membros das associa-ções de docentes, que, por suavez, são afiliadas a associaçõesregionais e nacionais que atuamem defesa do corporativismo aque já se fez menção.

No caso das universidadespúblicas, essas associações sãoinevitavelmente associadas ouvinculadas a partidos políticos.Assim, qualquer que seja aquestão dentro da universidade ospartidos políticos são ouvidos e oposicionamento das associaçõesde docentes se alinha e conformacom a orientação superior, numverdadeiro “centralismo demo-crático”.

A escolha dos dirigentes e oproblema do mérito

O fato ressaltado na seçãoanterior não seria tão grave se aescolha dos dirigentes universi-tários não fosse feita, na prática,pelo voto da comunidade universi-tária, na qual o voto dos pro-

“O Partido dosTrabalhadores e oPresidente Lula sebeneficiaram do

apoio de bomnúmero de

intelectuais dacomunidade

acadêmica. Estes sóabandonaram opresidente, em

parte, quando Lulase tornou, para eles,

um direitista...”

Page 15: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 15

fessores tem peso em geral decerca de 66,6% a 70%. Da formacomo as coisas hoje acontecem,os dirigentes universitários sãoescolhidos em pleito no qual cadaprincipal partido político tem o seucandidato, a quem dá apoio erecursos financeiros para acampanha.

Pior de tudo, quando eleito ocandidato tem de honrar seuscompromissos. Para isso carreiapara sua assessoria pessoas domesmo partido, fazendo com que,na realidade, o partido político aque está filiado, ou com cujo apoiocontou, controle a vida univer-sitária durante os quatro anos domandato. É a politização total davida acadêmica.

Num contexto assim, as deci-sões deixam de atender ao méritodas questões para satisfazer aosinteresses políticos.

A globalização e a“invasão” estrangeira

É interessante imaginar o quevai acontecer quando o capitalestrangeiro assumir o controle denossas principais instituições deeducação superior particulareslucrativas. O processo já teve inícioe ninguém conseguirá controlá-lo,nem mesmo os instintos maisxenofóbicos que dominam acomunidade acadêmica.

Quando isso acontecer, omapa da educação superiorbrasileira de elite será fatalmenteredesenhado.

A Educação a Distância

Por fim, como disse antes, asuniversidades de elite estão ficandopara trás na área da Educação aDistância. Dizem os entendidos nahistória do papel da tecnologia nasinstituições que nenhuma insti-tuição cuja tecnologia foi líder demercado em uma geração con-seguiu manter a liderança quandoa tecnologia mudou de geração.A empresa que era líder nomercado de máquinas de escrevermanuais perdeu a liderança

quando a tecnologia evoluiu paramáquinas de escrever elétricasconvencionais (isto é, ainda comtecnologia de hastes). A tecnologiaque ganhou a liderança nessemercado perdeu-a quando atecnologia evoluiu para máquinasde escrever elétricas com “es-feras”, em vez de hastes. A tec-nologia que ganhou a liderançanesse mercado perdeu-a quandoa tecnologia evoluiu para má-quinas de escrever eletrônicas com“margaridas”. A tecnologia queganhou a liderança nesse mer-cado perdeu-a quando a tecno-logia evoluiu para computadorescom processadores de texto... Ainstituição líder num estágio daevolução do mercado pareceinvestir tanto na tecnologia querepresenta que não conseguemanter a liderança no estágioseguinte.

A mesma coisa pode acontecercom nossas universidades de elite(em especial com as universidadesde elite brasileiras. Alcançaram aliderança num momento em quea educação face-a-face, “presen-cial”, era a tecnologia predo-minante. Dificilmente conseguirãomantê-la quando a Educação aDistância se tornar o modelodominante.

As universidades de elite de hojerepresentam o que pode serchamado, grosso modo, de a pri-meira grande fase do desenvol-vimento da educação superiorbrasileira.

O ambiente de ensino e apren-dizagem nessa primeira fase temsido tipicamente a sala de aula,atuando em papel subsidiário olaboratório e a biblioteca. Emtodos esses ambientes exige-se apresença física do aluno – oaprendente – dentro do campus,em geral junto do professor (aexceção sendo a biblioteca, ondeo aluno pode trabalhar sozinho).

As tecnologias usadas nessaprimeira fase têm sido principal-mente a fala, a escrita e o livroimpresso – o quadro-negro, oretroprojetor, o projetor de slidese ocasionalmente o vídeo apa-

recendo como tecnologias secun-dárias de apoio ao professor (en-sinante), e o caderno e o lápis comotecnologias secundárias de apoioao aluno (aprendente).

O mundo mudou drastica-mente ao longo dos últimos ses-senta anos – mais intensamentenos últimos 30 e mais intensamenteainda nos últimos 15. Faz, grossomodo, sessenta anos que surgiu oprimeiro computador eletrônico etrinta anos que apareceu o pri-meiro computador pessoal. E fazapenas cerca de quinze anos quea Internet deixou de ser um “brin-quedo acadêmico” e foi aberta aouso comercial e generalizado –tornando-se, inegavelmente, umadas mais explosivas tecnologiasjamais inventadas pelo homem,com um crescimento rápido evertiginoso.

Essas mudanças tecnológicasproduziram o que Alvin Tofflerchamou, em 1970, de “Choquedo Futuro”. O futuro, que antesexistia apenas nos livros de ficçãocientífica, invadiu nossa (relativa-mente) cômoda realidade e mudoua forma com que nos comuni-camos uns com os outros, ace-demos à (ou, para quem preferir,acessamos a) informação, traba-lhamos, realizamos operaçõescotidianas, como fazer compras etransações bancárias, nos relacio-namos com o governo (por exem-plo, pagando impostos e rece-bendo serviços), estabelecemos eutilizamos redes de relacionamentopessoal e profissional, mantemosrelacionamentos afetivos, nosdivertimos (o rádio e a televisão emfuturo próximo devendo migrar, ouconvergir, para a Internet).

Não há como supor que amaneira com que aprendemospasse por essa ampla e profundaonda de mudanças incólume.

O modelo de ensino tradicional,em que um professor transmiteinformações a cerca de trinta ouquarenta alunos e esses procuramabsorvê-las, guardando-as namemória ou transcrevendo-asnum caderno dentro de uma salade aula de cerca de cinquenta

Page 16: Encarte - A elite do ensino superior (Banco de Idéias nº 47)

ENCARTE ESPECIAL - REVISTA Nº 47 16

metros quadrados, é, todo ele,condicionado por um determi-nado ambiente tecnológico.

Até a bem pouco tempo ainformação era escassa e o acessoa ela difícil. A escola – aí incluídaa de nível superior, ou seja, afaculdade – precisava assumiruma função de agente transmissore disponibilizador de informações.Numa universidade, ou numcentro universitário, ou numafaculdade, a biblioteca era ocentro nevrálgico – razão pelaqual, não raro, ficava no centro docampus. A sala de aula foi asolução tecnológica encontradapara permitir o ensino de massa:um professor, em alguns casos emcima de um tablado, na frente detrinta ou quarenta alunos, falando,escrevendo com o giz no quadro-negro, fazendo indicações bi-bliográficas para posterior con-sulta, e os alunos, sentados or-denadamente, em fila, ouvindo,anotando, de vez em quandofazendo uma ou outra pergunta –para a qual o professor, em geral,tinha a resposta pronta.

Por que uma sala de aula demais ou menos cinquenta metros

quadrados, acomodando cercade trinta ou quarenta alunos?Porque esse é o ambiente em quea voz de uma pessoa pode serconfortavelmente ouvida semnecessidade de ampliação atravésda tecnologia... Por que aulas decerca de cinquenta minutos?Porque esse é o tempo máximo queuma pessoa consegue prestaratenção à fala de uma outra semnecessidade de se levantar, esticaras pernas, ir ao banheiro...

O ambiente tecnológico mu-dou drasticamente.

Hoje podemos ter acesso ainformações – escritas (textos),sonoras e visuais – a qualquermomento (anytime), de qualquerlugar (anywhere), não importaonde estejamos. Mesmo em KualaLumpur, na Malásia, já podemos,hoje, ler os jornais e revistas bra-sileiros e ouvir as rádios de SãoPaulo. Em pouco tempo vamospoder ver, de lá, os jornais datelevisão brasileira e os jogos denossos times favoritos.

Hoje nos comunicamos unscom os outros de qualquer lugardo mundo usando telefones (quemais e mais são celulares), que

são meios de comunicação um-a-um excelentes; programas demensagens instantâneas que facil-mente permitem discussões emgrupo (os chats) quando se usa acomunicação escrita; sistemas deaudioconferência e videocon-ferência, etc. Até mesmo os video-games já embutem, em suas ge-rações mais recentes, acesso àInternet, para que os usuários pos-sam jogar com pessoas que estãodistantes.

A tecnologia de comunicaçãose digitaliza, se espalha com in-crível rapidez, incorpora a escrita,a voz e o som (músicas e efeitosespeciais) e a imagem (estática ouem movimento), e se torna cadavez mais interativa, favorecendo ainteração um-a-um e muitos-com-muitos, em detrimento da comuni-cação um-para-muitos que carac-terizou o período da comunicaçãode massa.

Isso posto – e a discussãopoderia se estender, mas não hánecessidade –, fica evidente queestamos entrando, neste início doséculo XXI, numa nova fase naeducação – inclusive na educaçãosuperior: uma fase em que aeducação, em geral, e o ensino, emparticular, vão ser em grande partemediados pela tecnologia porqueas pessoas vão precisar aprendera qualquer momento – na verdadeo tempo todo – e em qualquerlugar, e a aprendizagem relevantevai envolver recursos que vão estardisponíveis na forma de texto, some imagem, o processo de apren-dizagem vai se dar na forma deprojetos e ser cada vez mais ativo,interativo, colaborativo, ocorrendoem múltiplas dimensões (não sóverticais, do professor para o aluno,mas também horizontais ou late-rais, entre alunos ou entre alunose pessoas que, na escola tradi-cional, estariam fora do processo).

Quando essa nova fase chegar,a liderança certamente mudará demãos e teremos um novo quadrona educação superior de elite noBrasil.

Desde o videogame até o ensino, a tecnologia nos dá uma maior velocidade de informação.