enade e exame de ordem

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CONGRESSO 180 ANOS DO ENSINO DO DIREITO NO BRASIL E A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA Associação Brasileira de Ensino do Direito – ABEDi Secretaria de Reforma do Judiciário - Ministério da Justiça Universidade de Brasília – Faculdade de Direito A CONTRARIEDADE ENTRE O ENADE E O EXAME DE ORDEM NO DIREITO José Carlos de Araújo Almeida Filho. Mestre em Direito (UGF/RJ). Professor de Direito Processual Civil na Universidade Católica de Petrópolis e na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico. Membro dos Institutos: Associação Brasileira para o Ensino do Direito (ABEDI); Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP); Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC). RESUMO: Pretendemos, com o presente trabalho, apresentar a discrepância entre o Exame de Ordem e o ENADE, analisando, pelo aspecto sociológico, a organização de conhecimento na qual se deve pautar qualquer Instituição de Ensino Superior. Na Introdução, adotando o tema do Congresso, inserimos um breve e resumido histórico da política adotada nos Cursos Jurídicos, desde os oitocentos do Séc. XIX, época em que uma política acadêmica se apresentava bem delimitada, ou seja, a formação de bacharéis para ocupação de cargos públicos e políticos. A partir deste ponto de partida, ingressamos nos objetivos do trabalho, que têm por escopo analisar o sistema educacional, a política de incentivos para os docentes e discentes e a necessidade de ampliar-se a pesquisa para uma perfeita avaliação institucional. Adotamos o método empírico, além de análise por amostragem de dados contraditórios obtidos nos Exames de Ordem e ENADE. Os resultados nos mostram que há necessidade de se inserir a ABEDi como órgão legitimado a pesquisar melhores modelos de avaliação. Concluímos o trabalho demonstrando nossa preocupação com a qualidade do ensino jurídico, necessitando maior empenho por parte do Governo, repensando políticas adotadas, especialmente no campo tributário, que acaba por interferir em toda a situação acadêmica. PALAVRAS-CHAVES: Ensino Jurídico; Avaliação Institucional; Exame de Ordem e ENADE.

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Artigo apresentado e aprovado no Congresso da Associação Brasileira de Ensino do Direito, em comemoração aos 180 Anos de Ensino Jurídico. Discrepância entre Exame de Ordem e ENADE.

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CONGRESSO 180 ANOS DO ENSINO DO DIREITO NO BRASIL E A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

Associação Brasileira de Ensino do Direito – ABEDi

Secretaria de Reforma do Judiciário - Ministério da Justiça Universidade de Brasília – Faculdade de Direito

A CONTRARIEDADE ENTRE O ENADE E O EXAME DE ORDEM NO DIREITO

José Carlos de Araújo Almeida Filho. Mestre em Direito (UGF/RJ). Professor de Direito Processual Civil na Universidade Católica de Petrópolis e na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico. Membro dos Institutos: Associação Brasileira para o Ensino do Direito (ABEDI); Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP); Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC).

RESUMO: Pretendemos, com o presente trabalho, apresentar a discrepância entre o Exame de Ordem e o ENADE, analisando, pelo aspecto sociológico, a organização de conhecimento na qual se deve pautar qualquer Instituição de Ensino Superior. Na Introdução, adotando o tema do Congresso, inserimos um breve e resumido histórico da política adotada nos Cursos Jurídicos, desde os oitocentos do Séc. XIX, época em que uma política acadêmica se apresentava bem delimitada, ou seja, a formação de bacharéis para ocupação de cargos públicos e políticos. A partir deste ponto de partida, ingressamos nos objetivos do trabalho, que têm por escopo analisar o sistema educacional, a política de incentivos para os docentes e discentes e a necessidade de ampliar-se a pesquisa para uma perfeita avaliação institucional. Adotamos o método empírico, além de análise por amostragem de dados contraditórios obtidos nos Exames de Ordem e ENADE. Os resultados nos mostram que há necessidade de se inserir a ABEDi como órgão legitimado a pesquisar melhores modelos de avaliação. Concluímos o trabalho demonstrando nossa preocupação com a qualidade do ensino jurídico, necessitando maior empenho por parte do Governo, repensando políticas adotadas, especialmente no campo tributário, que acaba por interferir em toda a situação acadêmica. PALAVRAS-CHAVES: Ensino Jurídico; Avaliação Institucional; Exame de Ordem e ENADE.

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A CONTRARIEDADE ENTRE O ENADE E O EXAME DE ORDEM NO DIREITO

INTRODUÇÃO. I. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL. II. EXAME DE ORDEM E AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL, ANALISANDO A QUESTÃO DA SOCIOLOGIA EDUCACIONAL. III. DISCREPÂNCIA NOS EXAMES. UNIFICAR SERIA A SOLUÇÃO? CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

INTRODUÇÃO Estudando a questão do Ensino Jurídico, desde a sua origem

no Brasil, observamos a nítida necessidade de o Império criar, em terras

brasileiras, suas Escolas de Direito, com a finalidade de talharem homens para

ocuparem cargos públicos e políticos1.

A Faculdade de Direito do Largo de São Francisco é exemplo

clássico desta necessidade, tanto assim que o próprio anexo, prédio ao lado das

Arcadas, consistia em curso para que os estudantes secundaristas ascendessem

a tão almejada Escola de Direito. Desde as aulas no anexo, visualizamos

personagens como Julius Frank e Líbero Badaró, cujas personalidades políticas

marcaram, sobremaneira, os estudantes da época. Visualiza-se, por exemplo, a

criação de sociedades secretas, além da enorme participação dos ingressos na

Faculdade de Direito de São Paulo na Maçonaria.

Havia, nos oitocentos do Séc. XIX, uma política de ensino

orientada ao que se pretendia –, sendo desnecessário detalhar os grandes nomes

de nossa história, como Ruy Barbosa, Barão do Rio Branco, dentre tantos outros,

que trilharam os rumos da política. Personagens estas que participaram da

Burschenschaft, ou, simplesmente, Bucha e da Maçonaria. Esta política de ensino

1 Destacamos, aqui, que o tema de nossa dissertação de mestrado possui o título O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Século XIX. Orientação da Profa. Dra. Margarida Lacombe, com banca formada pelos Profs. Drs. Eliane Junqueira (PUC-RJ) e Arno Wehling (UGF-RJ). Obtenção do título no ano de 2005, pela Universidade Gama Filho/RJ.

2

acabou por refletir na ciência política, sendo conhecido por bacharelismo, como

se vê na tese de doutoramento do Prof. Dr. Theotonio Simões2.

Na introdução de sua tese, assim afirma SIMÕES:

“Uma tônica foi constante no discurso político dos movimentos “renovadores” da década de 20, prolongando-se na seguinte. Insiste-se em que o Brasil era o país dos bacharéis. Este seria um traço específico da República Velha que era preciso liquidar. Muitos dos males nacionais, ao longo da literatura política, foram imputados ao bacharelismo e este identificado com o bacharel típico: o bacharel em ciências jurídicas e sociais, o bacharel em Direito. Este ponto, aceito sem maiores discussões, à medida que o pensamento dos vencedores de 30 foi se implantando, é visto, ainda hoje, como uma “deformação brasileira” do que deveria ser o “verdadeiro processo democrático”. Uma vez aceita esta premissa básica, contrapor-se uma cultura da eficiência à cultura bacharelesca foi um passo. O discurso é conhecido: os bacharéis representariam uma visão voltada para o exterior, principalmente para a França, com idéias que não corresponderiam à Realidade Nacional.”

Uma política educacional, ainda que determinada pelo Império

– o que não se pode admitir nos dias atuais – era seguida e se apresentava de

grande importância. Havia uma tendência nítida no seio da academia e o curso de

Direito se apresentava como centro para o governo. O que visualizamos nos dias

de hoje é bem diverso, mas serve como parâmetro para pensarmos na

homogeneidade dos exames de Ordem e das avaliações institucionais.

As instituições, empiricamente falando, não possuem um perfil

acadêmico definido, diversamente do início das instituições de ensino do Direito

em nosso país. E, ainda que assim pudéssemos admitir, os exames são

homogêneos, sem se levar em conta o perfil de cada Instituição de Ensino

Superior.

Mas a questão de fundo a ser examinada é a seguinte: o

ENADE, efetivamente, avalia o curso? Poderia o ENADE servir como uma

vingança velada do estudante ao seu próprio curso?

2 SIMOES, Theotonio. Os Bacharéis na Política — A Política dos Bacharéis. Disponibilizada pelo autor, através da Internet. Obtido por meio eletrônico: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/bachareisteo.html>. Acesso 03 nov. 2007.

3

Outra questão de suma importância a ser pesquisada é: há

diferença entre os números do ENADE e do Exame de Ordem?

A preocupação que começa a se desenhar tem por objetivo

fazer pensar em um exame específico, para os cursos de Direito, a fim de a

avaliação não destoar quando tratamos de avaliação institucional e Exame de

Ordem. A idéia inicial trazida nesta introdução, quanto aos cursos de Direito do

Séc. XIX, tem por fim demonstrar um perfil da época: a necessidade de se

construírem bacharéis para a política. Hoje, contudo, não há um perfil, ainda que

soframos os reflexos do Pombalismo e do início de nossas Escolas (São Paulo e

Olinda).

Trataremos, neste trabalho, das avaliações que se realizam,

direta e indiretamente, no curso de Direito, ou seja, o ENADE e o exame de

Ordem, procurando adotar uma política de avaliação que se enquadre à realidade

da Faculdade de Direito e não seja, necessariamente, uniforme em sua aplicação,

mas unificada. Até mesmo porque a Ordem dos Advogados do Brasil lança,

periodicamente, seu selo de qualidade, de acordo com o desempenho da IES.

Nem sempre a avaliação da OAB segue a mesma linha do ENADE.

I. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL As Instituições de Ensino Superior passaram a ser avaliadas a

partir da promulgação da Lei no. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases), com a

finalidade de aperfeiçoar o ensino superior em nosso país.

A avaliação institucional é método complexo e deveria estar

atenta, como pesquisa que é o ENADE, a todas as variáveis. Diversamente, o que

visualizamos, é uma pesquisa por amostragem, que nem sempre conduzirá a um

resultado satisfatório para as Instituições de Ensino Superior. Há uma dicotomia

enorme a ser visualizada: avaliação institucional e gestão acadêmica. Sem uma

política interna de ensino bem definida, não se poderá avaliar a gestão

4

acadêmica. Por outro lado, havendo uma heterogenia no que se refere a esta

gestão, não podemos apontar o ENADE como a melhor forma de avaliar o curso

de Direito. O mesmo se diga quanto ao Exame de Ordem.

Somente como exemplo, os estudantes, em diálogos muitas

vezes observados nos corredores de uma IES, afirmam que irão se esforçar ao

máximo para a realização do Exame de Ordem (afinal de contas, disto depende o

futuro deles, inclusive para contagem de lapso temporal na advocacia para

concursos públicos), ao passo que quanto ao ENADE afirmam que vão zerar a

prova, porque não gostam da direção da IES. Esta variável deveria ser levada em

consideração, ou, pelo menos, avaliar a prova deste mesmo estudante em

conjunto com a prova realizada no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil.

Podemos admitir, por experiência na docência, que o ENADE

vem sendo desvalorizado pelos estudantes e está servindo de base para

prejudicar a própria instituição. Mas este pensamento dos estudantes está longe

de avaliar a instituição como um todo. Uma política de gestão acadêmica poderia

embasar a conscientização dos estudantes, mas também verificamos não ser

adotada nas nossas Faculdades de Direito. O modelo dos exames (ENADE e

OAB) ainda é falho.

Ao visualizarmos o sítio do ENADE, na Internet3, verificamos

o que se entende por este exame:

“O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), tem o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. O Enade é realizado por amostragem e a participação no Exame constará no histórico escolar do estudante ou, quando for o caso, sua dispensa pelo MEC. O Inep/MEC constitui a amostra dos participantes a partir da inscrição, na própria instituição de ensino superior, dos alunos habilitados a fazer a prova.”

A questão maior é: aferir o rendimento dos estudantes, e, com

isto, avaliar a IES? Mas do próprio conceito do referido exame se extrai que os 3 Obtido por meio eletrônico. Disponível em <http://www.inep.gov.br/superior/enade/enade_oquee.htm>. Acesso em 02 nov. 2007.

5

conteúdos programáticos são levados em consideração4. Sabemos que nem

todos os cursos possuem o mesmo perfil e nem todos possuem o mesmo

conteúdo programático. Um exemplo marcante desta discrepância é a disciplina

de Direito e Informática5, sendo que em determinados cursos a mesma é

obrigatória, em outras disciplinas eletivas, e, finalmente, nem se possui dita

disciplina. Mas é certo que questões relativas a este possível novo ramo do

Direito possam ser inseridas no ENADE·.

A amostragem também não se apresenta como a melhor

forma de pesquisa e o fato de constar no histórico escolar do estudante o

resultado, em nada o afetará, porque não se pode aferir o CR6 pelo ENADE.

Adotemos como exemplo os resultados do ENADE, na cidade de Petrópolis, no

ano de 2006:

A partir do exame do ENADE de 2006, podemos verificar a

discrepância no Exame de Ordem, porque a Universidade Católica de Petrópolis,

por exemplo, recebeu o selo de qualidade em 2007. Deve-se, aqui, afirmar que

apenas oitenta e sete (87) IES´s do Brasil foram contempladas como de

excelência pela OAB7.

4 Pelo texto do art. 3º., III, da Lei no. 9.394/96, podemos verificar a pluralidade de idéias e concepção pedagógicas. E, aqui, temos um problema na hegemonia do exame. 5 Também denominada: Direito Eletrônico, Direito da Informática, Legislação em Informática, Direito Informático, Direito Telemático, Direito das Novas Tecnologias etc. 6 Coeficiente de rendimento. 7 A fim de demonstrar o perfil institucional, o curso de Direito da Universidade Católica de Petrópolis foi contemplado com prêmio pela Editora Abril. Mais detalhes em <http://www.ucp.br/atualizacoes/noticias/ucprecebeestreladaeditoraabril.htm>.

6

Ao receber o selo de qualidade no ano de 2007, temos o

resultado do Exame de Ordem relativo ao ano de 2006. Mesmo assim, como se

verifica do quadro acima, a nota foi três (03), com IDD negativo.

O denominado IDD8 parte de um pressuposto equivocado e

na própria definição do ENADE, podemos observar que o método não é seguro,

ou totalmente eficaz9:

“Um dos aspectos mais importantes na avaliação da qualidade de um curso está na observação de o quanto o curso contribuiu para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas, das competências profissionais e conhecimento do aluno. Na literatura científica sobre medidas educacionais, isso tem sido chamado "valor agregado". Entretanto produzir uma medida do valor agregado interpõe inúmeros obstáculos metodológicos. Somente uma metodologia sofisticada, tanto no controle de variáveis estranhas, quanto na repetição de medidas equivalentes nos estudantes no início e final do curso, tornaria possível produzir um índice que indicasse, com relativa segurança, a contribuição média de um determinado curso para o desenvolvimento de seus alunos.”

As denominadas variáveis estranhas, podem partir desde a

intenção do estudante em prejudicar a IES aonde estudou, como a um extremado

cansaço, devido à bateria de provas de final de curso, TCC´s, Exame de Ordem,

formatura, o excesso de trabalho etc.

8IDD Índice: Indicador de Diferença Entre os Desempenhos Observado e Esperado O Indicador de Diferença Entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) tem o propósito de trazer às instituições informações comparativas dos desempenhos de seus estudantes concluintes em relação aos resultados obtidos, em média, pelas demais instituições cujos perfis de seus estudantes ingressantes são semelhantes. Entende-se que essas informações são boas aproximações do que seria considerado efeito do curso. O IDD é a diferença entre o desempenho médio do concluinte de um curso e o desempenho médio estimado para os concluintes desse mesmo curso e representa, portanto, quanto cada curso se destaca da média, podendo ficar acima ou abaixo do que seria esperado para ele baseando-se no perfil de seus estudantes. O IDD Índice varia, de modo geral, entre -3 e +3, sendo o desvio padrão sua unidade de medida da escala do IDD. Assim se um curso possui IDD positivo, como IDD=+1,5, isso significa que o desempenho médio dos concluintes desse curso está acima (1,5 unidades de desvios padrão) do valor médio esperado para cursos cujos ingressantes tenham perfil de desempenho similares. Valores negativos, por exemplo, IDD=-1,7, indicam que o desempenho médio dos concluintes está abaixo do que seria esperado para cursos com alunos com o mesmo perfil de desempenho dos ingressantes. Obtido por meio eletrônico. Disponível em <http://enade2005.inep.gov.br/novo/Site/?c=CUniversidade&m=mostrar_lista_area>. Acesso 03 nov. 2007. 9 http://enade2005.inep.gov.br/novo/Site/doc/nota_tecnica_IDD.pdf

7

É preciso, dentro da política educacional pátria, identificarmos

todos os fatores e criarmos variáveis complexas e bem delineadas. Unificar o

Exame de Ordem e o ENADE poderia ser a solução. Ou, aplicar, para fins de

avaliação da Instituição de Ensino Superior, uma nova variável: o desempenho do

estudante no Exame de Ordem e extrair um número mais próximo da realidade.

II. EXAME DE ORDEM E AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL, ANALISANDO A QUESTÃO DA SOCIOLOGIA EDUCACIONAL.

O ENADE não leva em consideração o resultado obtido no

Exame de Ordem e vice e versa. Possuímos, para a aferição de qualidade do

curso de Direito, dois exames, que não produzem os mesmos resultados, como

analisamos no item anterior.

Não nos parece difícil entender a discrepância, como também

afirmado anteriormente. Mas é preciso que as Instituições de Ensino Superior

estejam atentas para os diversos fatores que interagem com o estudante. O

próprio perfil do estudante de Direito é diverso dos demais cursos. Muitos

estudantes estão, desde o primeiro dia de aula, preocupados com a prova do

concurso público que irão prestar; outros, por sua vez, estão deveras cansados

no final do dia, porque trabalharam a fim de manter o seu estudo. A idéia do

bacharel não está tão distante daquela do Séc. XIX.

A sociologia, em especial a da educação, vem sendo

renegada. Adotando o pensamento do sociólogo da educação Evaldo Vieira10, “a

Sociologia da Educação exige tratamento analítico dos seres estudados, com

fundamento nos princípios sociológicos.” Segundo Vieira, sem uma análise

sociológica, nos padrões propostos, englobando todo o sistema educacional, “ (...)

a pesquisa educacional é “tocada” sociologicamente, mas não constitui

investigação sociológica.”

Na medida em que avançamos a idéia de possuirmos dois

exames a aferir os estudantes de Direito, concluímos que ambos são falhos. E 10 VIEIRA, Evaldo. Sociologia da Educação. Reproduzir e transformar. FTD, 3.ed., São Paulo, 1996, p. 34.

8

assim podemos admitir porque a Instituição de Ensino Superior também está

sendo avaliada, sem a devida atenção para todos os fatores. A formação ética se

encontra inserida neste contexto e admitimos importante que os valores éticos

sejam implementados no interior de cada Instituição.

Ivan Rocha11 trata da questão da organização das

universidades, como pólos de irradiação de conhecimento, traçando um

paradigma fundamental para o pleno desenvolvimento da educação: a ética, após

discorrer sobre as inovações no Japão e na Coréia do Sul, aonde a educação

vem se ampliando e visualizando o conhecimento para a formação profissional,

geradora de bens e serviços:

“Na nossa perspectiva, julgamos que isso seria muito pouco para o Brasil, pois carecemos de formação de cidadãos, com valores éticos, que contribuam à construção de uma nova sociedade, mais solidária e menos injusta, não apenas de profissionais competentes. A formação de cidadãos com competências individuais e coletivas, entendida como requisito essencial, de sobrevivência das instituições de ensino superior, sobretudo particulares, implica adoção de novos conceitos, e avaliação com base em indicadores de qualidade, não necessariamente os mesmos que têm sido usados pelas instâncias reguladoras.”

Mais do que em qualquer outro curso, no Direito a ética deve

ser a matriz de todo o ensinamento. Mas não nos adianta passar o pensamento

da ética, como norte, se as instituições não estiverem atentas para as suas

próprias necessidades. Quando tratamos próprias necessidades, visualizamos a

instituição como um todo: gestores, administradores, pessoal, professores e

estudantes. Trata-se de uma complexa empresa a Instituição de Ensino Superior

e esta complexidade aumenta quando se está diante de uma Universidade.

Ivan Rocha amplia a sua concepção quando atesta que as

IES´s “precisam valorizar a criatividade dos educandos e dos docentes, bem

como estimular as atividades de pesquisa, realmente integradas aos processos

11 ROCHA, Ivan. Gestão de Organizações de Conhecimento. Uiversa, Brasília, 2004, p. 137.

9

de ensino. Esses são requisitos essenciais à educação libertadora e de

qualidade.12”

A fim de valorizar a docência, inserimos um ponto factual: a

necessidade de valorização dos mestres e doutorandos, por parte do CNPq e

demais órgãos de fomento13. Hodiernamente o que visualizamos é um grande

incentivo aos doutores e quase nada – senão nada – para os mestres, que, em

tese, poderão se transformar em doutores.

Certo é que a política para a formação de doutores é

fundamental, mas sem o devido incentivo aos mestres, a valorização e

aprimoramento de todo o contexto educacional pode estar emergindo em uma

crise.

E, neste ponto, encontramos três vertentes: dicotomia entre

os exames; avaliação sem atenção para a qualidade; e, falta de incentivo do

próprio Governo. Os três pontos devem ser concebidos e analisados sob o ponto

de vista de sociologia educacional, a fim de integrarem-se, todos, na sua IES.

III. DISCREPÂNCIA NOS EXAMES. UNIFICAR SERIA A SOLUÇÃO?

A questão da unificação entre o Exame de Ordem e o ENADE

parece, prima facie, um grave problema a ser enfrentado. Seria salutar a

unificação? Seria viável?

Entendemos que a resposta possa ser positiva, ou seja, é

possível unificar o Exame de Ordem, com o ENADE, ou, se assim não se puder

admitir, por questões políticas (de um lado o MEC, e, de outro, a OAB), ao menos

os índices obtidos entre um e outro exame deva ser adotado para fins de

avaliação externa da Instituição de Ensino Superior.

A idéia de unificação, ou, pelo menos, adoção dos índices,

também necessitará de uma política interna da Ordem dos Advogados do Brasil. 12 Idem 13 Vide art. 3º., VII, da Lei no. 9.394/96. A norma não faz distinção entre doutores e mestres, mas os órgãos de fomento somente vêm permitindo a participação em seus editais de doutores. O Governo Federal deve estar atento para esta realidade. Valorizar o docente é valoriza-lo em todos os níveis de formação e titulação.

10

Os exames são realizados em diversos Estados da Federação, através de seus

Conselhos. Diversamente, o ENADE é aplicado universalmente. Tratando-se de

país de proporções continentais, as diferenças não são visualizadas.

O Exame de Ordem vem sendo debatido e se procuram

soluções para os próximos exames, inclusive com a participação da Universidade

de Brasília14. As instituições que oferecem o curso de Direito são as mais

prejudicadas com a duplicidade de dois exames.

Admitimos, neste processo de avaliação, estruturação e

coordenação dos cursos de Direito, externamente, a necessidade de inserção da

ABEDi15. A propósito, na revista Direito Hoje16, em artigo escrito por Marcelino

Barroso de Carvalho17, ao asseverar que “a democratização do acesso ao ensino

superior trouxe como conseqüência crescente perda de qualidade”, revela a

importância da ABEDi neste cenário de normas, resoluções e estruturações

curriculares.

Para a idealização de uma perfeita avaliação institucional,

aliando-se os exames prestados pelos estudantes, a ABEDi deveria ter uma

participação efetiva nos debates envolvendo o Ministério da Educação e a OAB.

Através de seus diretores e associados, provocar, em eventos como o que hora

se realiza, como preparatório para o V Congresso Nacional de Ensino do Direito,

debates sobre a avaliação institucional, seja na sua modalidade interna, seja na

sua modalidade externa.

A ABEDi poderia estar inserida nesta questão, ora levantada,

para que estudos acerca da avaliação unificada dos exames possa ser uma

realidade: Exame de Ordem e ENADE. Entendemos ser possível e viável a

avaliação unificada, mas fazemos a proposição de estudo ampla, a fim de os

14 A propósito: notícia veiculada no sítio do Conselho Federal da OAB, em <http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=11631>, demonstra esta preocupação. 15 Associação Brasileira de Ensino do Direito. 16 DIREITO HOJE. Ano I, n. I, 2007.Teresina, PI. (não consta o ISSN). 17 CARVALHO, Marcelino Barroso de. O Ensino Jurídico e as Novas Diretrizes Curriculares, op.cit. p.16/18.

11

números apresentados por um e outro exame estarem inseridos no cômputo de

avaliação da instituição.

Reforçamos a idéia de o ENADE, por não interferir,

diretamente, na vida acadêmica e profissional do estudante18, em especial a do

Direito, diante da existência do Exame de Ordem, pode se tornar em um elemento

de retaliação à instituição. Esta retaliação, contudo, apesar de antiética, não

poderá ser enquadrada no desempenho do curso de Direito, nem de sua

administração, porque diversos fatores externos podem provocar a insatisfação

do estudante.

A possibilidade de greves, variação do corpo docente,

licenciamento de docentes para participação de eventos, cursarem seu mestrado

ou doutorado etc., poderá interferir, diretamente, na participação do discente na

prova. Diversamente, quanto ao Exame de Ordem, o discente está mais atento à

sua necessária aprovação.

Unificar, estudar um novo modelo ou inserir a ABEDi neste

contexto são idéias a serem pensadas.

CONCLUSÃO Tendo em vista a necessidade do estudante em ser aprovado

no Exame de Ordem, sendo certo que este deve passar por enorme

reformulação, como a própria instituição vem estudando, a idéia de unificação

com o ENADE, para os cursos de Direito, não parece de toda descartável. Mas,

dada as peculiaridades do curso de Direito, atores outros devem participar deste

processo, incluindo-se, aqui, a ABEDi.

Acaso a idéia de um estudo aprimorado a ser realizado pela

ABEDi, em parceria com o Ministério da Justiça, o Ministério da Educação, o

INEP e a Ordem dos Advogados do Brasil, não vislumbre a possibilidade de 18 Assim afirmamos porque nem mesmo a Lei no. 10.861/2004, conseguiu pacificar esta questão.

12

unificação dos exames, não se pode destacar que o empirismo do presente

trabalho seja uma realidade. A discrepância entre os exames é flagrante e

prejudica, sobremaneira, na avaliação da instituição como um todo.

Propomos, assim, a partir da criação de um GT (Grupo de

Trabalho) no âmbito da ABEDi, tendo em vista a sua abrangência nacional, que

professores de todas as Unidades da Federação participem de uma ampla

pesquisa, especialmente dirigida aos discentes, a fim de os mesmos tecerem

seus comentários acerca dos exames em questão.

A Ordem dos Advogados do Brasil deveria participar desta

ampla pesquisa, adotando-se a metodologia de Survey, assim descrita por Earl

Babbie19, por ser a melhor a identificar a pesquisa nas ciências sociais. A nossa

proposição é repensar ambos os exames.

Para que a pesquisa surta um efeito satisfatório, a questão

que envolve este trabalho deve constar do questionário a ser encaminhado aos

estudantes, ou seja, se eles admitem prudente ou oportuna a integração das

avaliações, porque o Exame de Ordem não perde esta característica.

Nosso modelo da avaliação, conforme as lições de Cláudio

Cordeiro Neiva e Flávio Roberto Collaço20, ainda apresentam deficiências:

“É certo que muitos outros países consumiram décadas de esforços até constituírem um sistema de avaliação com elevados níveis de aceitabilidade e credibilidade. No entanto, a história desses esforços em nosso país revela mais que dificuldades de ordem técnica ou de acordos sobre conceitos e métodos, procedimentos e conseqüências. A escalada de regulamentação aponta direções claramente identificáveis: a) uma corrida muito mais de ordem político-administrativo-burocrática do que propriamente de ordem técnico-científica-funcional, muito provavelmente resultante da cultura de descontinuidade que marca a gestão governamental nos assuntos da educação; b) um viés equivocado no seu sentido punitivo-

19 BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisa de Survey. Ed. UFMG, Minas Gerais, 2003. 20 NEIVA, Cláudio Cordeiro. COLLAÇO, Flávio Roberto. Temas Atuais de Educação Superior – proposições para estimular a investigação e a inovação. ABMES, Brasília, 2006, p. 175/176.

13

midiático, em lugar de uma visão pedagógica-corretiva e de um sentido estimulador-indutor da qualidade e da melhoria progressiva; c) uma proposta demasiadamente complexa e onerosa, em lugar de arranjos simples, com alto poder de explicação, convencimento e indução à melhoria.”

Em termos de políticas governamentais, encontramos, ainda,

um contra-senso enorme. Ao mesmo tempo em que as Universidades

confessionais, que são filantrópicas e assistenciais por natureza, necessitam de

recursos e insumos para o desenvolvimento de suas pesquisas, o Governo

Federal vem, constantemente, cassando o CEBAS – Certificado de Entidade

Beneficente e Assistência Social –, certificado este que garante e imunidade

tributária prevista na Constituição.

A gestão acadêmica passa por uma turbulência de enormes

proporções, porque deve estar atenta a uma gestão de conhecimento (e, em

muitos casos, a IES está mais preocupada com uma gestão meramente

administrativa), a fim de aprimorar seu corpo docente, refletindo, diretamente, no

corpo discente. Mas deve estar preocupada com o pagamento de sua folha, além

dos enormes encargos tributários acarretados pela cassação dos CEBAS.

Conciliar tanta divergência em um país como o nosso, sem

incentivo à pesquisa, sem a manutenção da imunidade tributária e sem que haja

recurso para o aperfeiçoamento do corpo docente, passando por uma política de

incentivo aos mestres e não somente aos doutores, causa enormes distorções em

toda a sistemática de avaliação e gestão acadêmica.

As IES´s não podem gerir apenas academicamente. Precisam

conciliar os diversos fatores que interferem neste ambiente que é de amplo

conhecimento. A inadimplência dos estudantes, aliada à falta de investimento

e/ou manutenção da imunidade tributária, retira da instituição o pensamento

dirigido ao conhecimento e passa a ser direcionado para a obtenção de verbas.

Os corpos docente e discente sentem as variações neste

ambiente de total insegurança, de mudanças curriculares bruscas, enfim, de uma

falta de política dirigida ao verdadeiro conhecimento.

14

Educar, como se tornou jargão no ambiente acadêmico

passou a ser um sacerdócio. Contornar situações adversas, manter um corpo

discente atento às necessidades institucionais e integrá-lo no sistema da

instituição, e vice e versa, culmina com a aplicação de dois exames: o ENADE e o

Exame de Ordem.

Precisamos parar! Parar e repensar este modelo educacional,

procurar discutir a unificação dos exames, a fim de evitar uma distorção, ou pelo

menos, incentivar as instituições, mantendo-se a imunidade tributária, com a

devida compensação através de melhoramento de seu corpo docente.

Inserir a ABEDi neste modelo de uma nova concepção

educacional no ambiente jurídico não somente é importante, como é necessário.

Finalizamos afirmando que uma ampla pesquisa deva ser

realizada, a fim de identificarmos a discrepância entre os resultados obtidos nos

Exame de Ordem e ENADE.

Identificados os problemas, as soluções devem ser pensadas:

a) unificação dos exames;

b) adoção, na pesquisa percentual, dos valores obtidos em cada exame;

c) adotar variáveis confiáveis;

d) avaliar as condições adversas que envolvem as instituições;

e) promover uma política pública de incentivo aos mestres, em termos de

obtenção de bolsas, apresentação de projetos e valorização, pelo CNPq,

através de fomento para aqueles que não possuem o título de doutor.

São questões que devem ser estudadas pelos diversos

órgãos que interferem na aferição das Faculdades de Direito. Finalmente, como

forma de ampliar a qualidade das instituições, deverá o Governo Federal repensar

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a situação das entidades filantrópicas, que sempre contribuíram para a criação de

uma Universidade em nosso país.

A preocupação com o aspecto financeiro interfere na

organização de conhecimento, na gestão do pensamento, e se dirige ao

pensamento matemático financeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisa de Survey. Ed. UFMG, Minas Gerais, 2003. BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. Lúmen Júris, 2.ed., Rio de Janeiro, 2000. CARVALHO, Marcelino Barroso de. O Ensino Jurídico e as Novas Diretrizes Curriculares, in DIREITO HOJE. Ano I, n. I, 2007.Teresina, PI. (não consta o ISSN). CERQUEIRA, Daniel de. FRAGALE FILHO, Roberto. O Ensino Jurídico em Debate. Millenium, Campinas, 2007. CUNHA. Paulo Ferreira da. Dip, Ricardo. Propedêutica Jurídica – uma perspectiva jusnaturalista. Millenium, Campinas, 2001. NEIVA, Cláudio Cordeiro. COLLAÇO, Flávio Roberto. Temas Atuais de Educação Superior – proposições para estimular a investigação e a inovação. ABMES, Brasília, 2006. OLIVEIRA, Rômulo André Alegretti. Ensino Jurídico no Brasil – qualidade e risco. UPF, Rio Grande do Sul, 2003. POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. Cultrix, São Paulo, 1972. SIMOES, Theotonio. Os Bacharéis na Política — A Política dos Bacharéis. Disponibilizada pelo autor, através da Internet. Obtido por meio eletrônico: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/bachareisteo.html>. Acesso 03 nov. 2007. VIEIRA, Evaldo. Sociologia da Educação. Reproduzir e transformar. FTD, 3.ed., São Paulo, 1996. ROCHA, Ivan. Gestão de Organizações de Conhecimento. Uiversa, Brasília,

2004.