ena de orte - static.fnac-static.com file95 11. a oralidade suja por vezes o silêncio antes e após...

16
2018 J orge A guiar O liveira P ENA DE M ORTE

Upload: duongque

Post on 07-Feb-2019

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

2018

Jorge Aguiar Oliveira

p e n a d e m o r t e

COLAR CHUNGA

para Carlos Alberto Machado

85

1.

a garganta inflamadapor estilhaços de haveres que ficaram por dizer

a vida quase inteira

o pus cola a epigloteà agonia eléctricados terminais segundos

86

2.

ninguém serve para nada ninguém serve ninguém

olhamo-nos uns aos outros de vazio sem nada sabermos de nós

a podre lentidão da bruma asfixia

87

3.

como um livro o revólver é para usar na embriaguez duma glória estrangulando restos de pouco ar

a fala perdida corta

um agrafo no cérebro da morte

88

4.

ajeitou a corda no pescoçopontapeando o banco até o arco-íris fugir escapando a sombrareflectida no caco

do espelho abandonado das nossas vidas miseráveis

89

5.

uma coleira de lâminas ao pescoço

andar desfigurado versus ventania demoníacaa urgência dum adeus

cortes fatais a infecção um desfecho em tripa

90

6.

somos dos que falham sempre em qualquer lugar

os passos no desertoali mesmo à nossa frenteesperavam descrentes

espicha sangue das palavras sequestradasna garganta

91

7.

a culpa é sempre do ausente na garganta do bota abaixo sob os resíduos do presente

colares de fumos e vísceras

92

8.

a linguagem inocenteensopada em ácidos no sofrimento do grito melancólico pouco resta além das sobras inúteis do mundo

93

9.

engolir em secoaprender a engolir em seco

os lábios descoladosna trasladação dos beijosremate final no carril

a viagem desfigurada

94

10.

este silêncio habita nas veias e nas tripas das imagens loucas

vida com morte dentro

a agonia da poesia escuta-se melhorno íntimo do silêncio

95

11.

a oralidade suja por vezes o silêncio

antes e após a mortetactear como um cego a invisível matériapara entender o fio da navalha na gorjaparando o sofrimento do tresloucado silêncio por se estar vivo

96

12.

a inveja levou-te a declamar

um dia ainda costuroum colar de arame farpadopara essa goela esgotode coices urbanos

a mão na garganta aperta