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Acórdão-1ªC RO 0000696-60.2010.5.12.0023 Gjamlp-cak EMPRESA PROMOTORA DE VENDAS. INTERMEDIAÇÃO DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO PARA FINANCEIRA E/OU INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. MESMO GRUPO ECONÔMICO. EMPREGADO- BANCÁRIO. A personalidade jurídica da empresa promotora de vendas e intermediária de operação de crédito, financiamento e investimento para outras do mesmo grupo econômico constitui obstáculo meramente formal para a caracterização de operações tipicamente financeiras e bancárias, que, não obstante legais e aparentemente distintas, não transpõem o salutar preceito contido no art. 9º da CLT, visto colidirem frontalmente com os princípios da proteção e da primazia da realidade. Por isso, o labor emprestado por empregado nesse tipo de empresa deve ser tido como de típico bancário. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, provenientes da Vara do Trabalho de Araranguá, SC, sendo recorrentes 1. BANCO ITAUCRED FINANCIAMENTOS S.A. E OUTROS (2), 2. LIZANDRA DANIEL CANTELLI e recorridos OS MESMOS. 11829/2011

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Acórdão-1ªC RO 0000696-60.2010.5.12.0023Gjamlp-cak

EMPRESA PROMOTORA DE VENDAS. INTERMEDIAÇÃO DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO PARA FINANCEIRA E/OU INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. MESMO GRUPO ECONÔMICO. EMPREGADO- BANCÁRIO. A personalidade jurídica da empresa promotora de vendas e intermediária de operação de crédito, financiamento e investimento para outras do mesmo grupo econômico constitui obstáculo meramente formal para a caracterização de operações tipicamente financeiras e bancárias, que, não obstante legais e aparentemente distintas, não transpõem o salutar preceito contido no art. 9º da CLT, visto colidirem frontalmente com os princípios da proteção e da primazia da realidade. Por isso, o labor emprestado por empregado nesse tipo de empresa deve ser tido como de típico bancário.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, provenientes da Vara do Trabalho de Araranguá, SC, sendo recorrentes 1. BANCO ITAUCRED FINANCIAMENTOS S.A. E OUTROS (2), 2. LIZANDRA DANIEL CANTELLI e recorridos OS MESMOS.

11829/2011

RO 0000696-60.2010.5.12.0023 -2

Inconformados com a sentença das fls. 329/336, que acolheu em parte os pedidos formulados na petição inicial, recorrem ambas as partes a este Regional.

Pelas razões das fls. 338/344, pretendem os demandados afastar o enquadramento da autora como bancária, eximirem-se da condenação ao pagamento de indenização por utilização de veículo próprio da trabalhadora, de diferenças de verbas rescisórias e do terço constitucional de férias e da multa prevista no art. 467 da CLT.

A autora, ao seu turno (fls. 358/365), visa seja reconhecida a revelia do primeiro réu, sejam os demandados condenados ao pagamento de horas extras, indenização por assédio moral, rescisão indireta do contrato de trabalho e diferenças de comissões.

Contrarrazões são ofertadas às fls. 372/376 e 389/392 pelos réus e pela autora respectivamente.

Não há intervenção do Ministério Público do Trabalho no feito.

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos ordinários e das contrarrazões, por estarem preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

A assertiva da autora de que a autenticação mecânica da guia de depósito recursal da fl.

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356 não se apresenta legível não prospera.

Os demandados ofertaram seu recurso por meio do sistema de peticionamento eletrônico (STDI), tendo sido a sua peça, conforme os regulamentos aplicáveis à espécie, impressa por esta Justiça Especializada.Compulsando o arquivo informatizado enviado pelos réus, facilmente pode ser verificada o registro de recebimento do depósito pela instituição bancária:MÉRITO

1 – QUESTÕES PREJUDICIAISPor conterem os recursos das partes questões prejudiciais às demais insurgências, as analiso em primeiro lugar.

1.1 – REVELIA E CONFISSÃO DOS RÉUS

Refuto de plano a pretensão da autora de decretação da revelia com a aplicação da pena de confissão ao primeiro reclamado, pela alegação de que o preposto que compareceu à audiência não era seu empregado.

O mesmo deve ser dito em relação à forma da carta de preposição ofertada pelos demandados.

É manifesto o ânimo de defesa dos réus.

Em relação à primeira hipótese, somente haveria falar em confissão ficta do Banco-réu caso o preposto por ele trazido (empregado de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico) desconhecesse os fatos da causa e das circunstâncias que os envolvem, de

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molde a propiciar ao Juízo a sua perfeita elucidação (§ 2° do art. 343 do CPC), o que não se configurou no caso dos autos.

No que tange ao fato de as cartas de preposição carreadas pelos demandados (fls. 149 e 155) constituírem cópia dos documentos originais, melhor sorte não lhe assiste.

Como bem destacou o Juízo de origem, não há nos autos qualquer indício de que a constituição dos prepostos pelos demandados não constitua a realidade.

Não há perder de vista que o Processo do Trabalho está pautado no princípio da informalidade e da simplicidade das formas, sendo inclusive esta Justiça Especializada pioneira em direção à virtualização do processo, no qual as partes apresentam todos os documentos por meio de simples cópias digitais.

Não há perder de vista que o próprio legislador, sensível ao avanço das relações processuais permitiu aos próprios advogados atestarem a autenticidade dos documentos apresentados em fotocópias (art. 830 da CLT e inc. IV do art. 365 do CPC).

Nego provimento.

1.2 – ENQUADRAMENTO DA AUTORA COMO BANCÁRIA

Os reclamados insurgem-se contra o enquadramento da autora como bancária.

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Dizem que as atividades por ela desempenhadas como operadora de negócios – intermediação de financiamento e arrendamento das operações de crédito exclusivamente na compra de veículos, não são assemelhadas aos efetivos integrantes daquela categoria, mas ligadas aos objetivos da empresa empregadora, que não se enquadra na condição de instituição financeira.

A parte-autora relata, na inicial, haver sido contratada para exercer as funções de operadora de crédito, realizando suas atividades que consistiam na liberação de recursos do primeiro réu visando à aquisição de automóveis por terceiros, tarefas essas que afirma se enquadrarem no disposto do art. 17 da Lei nº 4.595/1964.

Postulou, em decorrência, a aplicação do art. 224 da CLT e demais prerrogativas concedidas aos bancários.

A sentença deve ser mantida.

Em face da realidade que emerge dos autos, enfatizo que o enquadramento da parte-autora na categoria dos bancários se dá por força de que a segunda ré está equiparada a instituições dessa natureza, sendo que a admissão de outro enquadramento colide com os princípios da proteção e da primazia da realidade e estimula a fraude vedada pelo art. 9º da CLT.

Dos autos extrai-se que a segunda ré tem por principal atividade a captação de carteira de créditos e financiamentos para o primeiro réu, concedendo empréstimos, selecionando crédito, valorando riscos

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inerentes à concessão de empréstimos e administrando carteiras de clientes, via de regra grandes concessionárias, que contratam os serviços da demandada para fazer as vezes de financiador dos crediários próprios, visto que a segunda ré confunde-se com a bandeira Itaú, responsável inclusive pela análise de crédito.

Ultrapassadas as etapas burocráticas da negociação, o primeiro réu demandado, como banco múltiplo que é, disponibiliza os valores que a segunda demandada concede a título de crédito, realizando, ainda, posteriormente, a cobrança dos valores devidos.

São os próprios réus que indicam a realidade contratual da autora e atestam a sua ativação em atividade eminentemente bancária (fl. 340-verso):

É no âmbito dessa figura do correspondente que a segunda reclamada atua por conta e ordem das instituições financeiras, com respaldo em contratos de prestação de serviços de correspondente firmados.

Os referidos contratos, além de regularem a atividade de promoção de vendas de produtos bancários, também regulam o exercício de outras atividades típicas de correspondente bancário, tais como: recebimento de títulos e documentos em pagamento, prospecção de potenciais clientes e posterior encaminhamento destes às agências do banco para a concessão de financiamentos, etc.

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(sublinhei).

Ademais, como bem salientado na sentença, os contratos intermediados pela autora eram firmados pelo primeiro réu e não pela sua empregadora, a exemplo do documento da fl. 132.

Como se vê, não há falar em mera terceirização de atividade não bancária, mediante contratação de pessoa jurídica prestadora de serviços, mas sim desmembramento de atividades inerentes ao objeto social do primeiro demandado, de forma interposta por empresa do mesmo grupo econômico. Evidente que as atividades desempenhadas pela segunda ré são indispensáveis ao atingimento do objetivo social do primeiro réu, sendo absolutamente aplicável à hipótese a Súmula nº 55 do TST.

Cumpre ainda adicionar que a prova oral produzida vem corroborar as assertivas da autora, respaldando a decisão proferida em primeiro grau, merecendo destaque o fato de as próprias liberações dos créditos serem efetivados pela autora via sistema informatizado do primeiro réu.

Além disso a prova oral também revelou que a autora usava uniforme e crachá com o logotipo do ITAÚ, sendo que a primeira testemunha por ela trazida, proprietário de uma concessionária de veículos usados, nunca ouvira falar no nome da segunda demandada.

O documento da fl. 46, extraído do sitio da segunda ré na Internete (www.finaustria.com.br) também é esclarecedor:

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Caro cliente,

Informamos que a Fináustria - FINANCEIRA que atua com operações de crédito direto ao consumidor (CDC), voltada principalmente ao financiamento de veículos - foi adquirida em fevereiro de 2003 pelo Banco Itaú.

Esclarecemos que o Banco Itaú dará continuidade aos contratos estabelecidos por esta financeira. Assim, todos os serviços contidos neste site (www.finaustria.com.br) estão garantidos e disponíveis no site Itaucred. Para acessá-lo clique aqui1.

Por sua vez, do estatuto social da segunda ré (Fináustria Assessoria, Administração, Serviço de Crédito e Participações S.A.) consta o seguinte (fl. 148):

Cláusula 2º - Objeto – A sociedade tem por objeto: (a) o encaminhamento a instituições financeiras de pedidos de financiamentos e/ou empréstimos a pessoas físicas e/ou jurídicas; (b) o encaminhamento a sociedades de arrendamento mercantil de pedidos de realização de operações de arrendamento mercantil por pessoas físicas e/ou jurídicas; (c) o encaminhamento a empresas financeiras ou não, de solicitações de cessões de crédito e

1 http://www.itaucred.com.br/index.htm

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assunções de dívida formulados por pessoas físicas e/ou jurídicas; (d) a cobrança amigável, ou administração dessa cobrança, por si ou por terceiros subcontratados, de créditos de propriedade de terceiros; (e) a prestação de serviços de análise de riscos e análise de créditos e compilação de dados cadastrais; (f) a prestação de serviços de remoção, avalização, controle e administração de bens móveis apreendidos; (g) a administração de operações nas modalidades de cartão de crédito, cartão de débito, cartão de financiamento e/ou de empréstimo, meios eletrônicos de pagamento e similares, através da celebração de contratos e/ou convênios com empresas comerciais e instituições financeiras ou não, inclusive na qualidade de procuradora de usuários, consumidores e/ou financiados; (h) o encaminhamento a sociedades de capitalização, de seguros e/ou outras autorizadas a operar no Brasil, de pedidos de emissão de títulos de capitalização e/ou quaisquer tipos de seguros, formulados por pessoas físicas e/ou jurídicas; (i) a participação em outras sociedades, comerciais ou civis, no País e no exterior, na qualidade de sócia ou acionista; (j) a realização de todos e quaisquer atos, por si ou por meio de terceiros contratados para tanto, para efetivamente fazer serem cumpridas

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as atividades previstas e descritas neste objeto social.

Da leitura do referido objeto social fica claro que a empresa explora atividade intimamente ligada à atividade bancária.

O reconhecido enquadramento profissional da demandante como bancária é consentâneo, aliás, com o regramento das instituições financeiras estabelecido pela Lei nº 4.595/1964, não prevalecendo a argumentação em sentido contrário.

Prescreve, com efeito, o art. 17 da Lei nº 4.595/1964, no que interessa, que se consideram instituições financeiras as pessoas jurídicas “que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros”, exatamente como constatado na situação dos autos.

A Resolução nº 3.110/2003 do Banco Central do Brasil, por isso, não favorece aos recorrentes, já que foi identificado que o trabalho prestado pela reclamante se insere na atividade-fim do Banco, razão pela qual ileso o art. 192 da Constituição Federal.

Por fim, não estar a autora inicialmente vinculada ao sindicato dos bancários não viola o art. 577 da CLT ou contraria a Orientação Jurisprudencial nº 9 da SDC do TST, porquanto decisão contrária beneficiária a própria torpeza da segunda ré, já que ciente do seu objeto social, buscaria evitar as normas

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convencionais dos bancários mediante a alegação de que não participou das negociações.

Nego provimento ao recurso dos réus nesse particular.

2 – RECURSO DOS RÉUS

2.1 - UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO

Os recorrentes pretendem eximir-se da condenação ao pagamento da indenização pelo desgaste do veículo próprio utilizado em serviço, arbitrada em R$3.000,00 pelo Juízo de origem.

Dizem que a autora sequer mencionou a quantidade de quilômetros rodados mensalmente e, tampouco, comprovou que possuía veículo próprio ao tempo da contratualidade.

A insurgência não prospera.

É evidente que a autora se utilizava de veículo próprio em benefício da sua empregadora.

Do contrário não teria sido exigido que ela subscrevesse o documento da fl. 135, que visava eximir a segunda ré da responsabilidade por qualquer sinistro envolvendo ela e o seu veículo.

O e-mail da fl. 134, enviado aos operadores de negócio, também revela que a ausência da subscrição daquele documento importaria na ausência de pagamento do combustível referente ao mês de fevereiro de

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2010, o que também indica que apenas essa despesa era ressarcida à autora.

Assim, correta a sentença ao se pautar na prova testemunhal produzida pelos próprios demandados.

A única testemunha por eles indicada, exercente da mesma atividade da autora, foi categórica ao afirmar que recebem apenas combustível, nada sendo adimplido pela depreciação do veículo (fl. 291).

O fato de a testemunha ter asseverado que poderia efetivar a troca de óleo com o crédito recebido da sua empregadora não implica reconhecer que todas as demais despesas decorrentes das utilização do veículo eram ressarcidas, até mesmo porque afirmou que, quando o valor adimplido para gastos com combustível não era suficiente para fazer frente a essa despesa, ela deveria pagar do próprio bolso, para posterior ressarcimento, ou negociar com o gestor o aumento da quantidade de combustível recebida.

Como também constou da decisão objurgada, não há razão para concluir que a autora tivesse grande discrepância de quilometragem rodada em relação à testemunha dos réus, que afirmou receber o equivalente a quatro tanques por mês.

Ainda que a quilometragem rodada pela autora não atingisse os 2.000 km mensais indicados na sentença, considerando o tempo de contrato de trabalho, ou seja, mais de cinco anos e meio de labuta, é bastante razoável o valor nela arbitrado a título de indenização por

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depreciação do veículo da demandante (R$3.000,00).

Vale destacar que a própria legislação de imposto de renda estipula para fins de depreciação legal (ou fiscal), a vida útil de veículos leves em cinco anos, o que implica numa depreciação de 20% (vinte por cento) ao ano, ou seja, muito maior do que a fixada na sentença.

Estranho que não tenham os réus carreado aos autos a comprovação dos pagamentos efetivados, o que eventualmente poderia conduzir a uma conclusão diversa.

Nego provimento ao recurso nesse tópico.

2.2 - DIFERENÇAS DE VERBAS RESCISÓRIAS E DO TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. MULTA PREVISTA NO ART. 467 DA CLT

Aduzem os réus que as verbas rescisórias adimplidas à autora no TRCT (fl. 258) foram devidamente apuradas com base no seu salário fixo e na média das comissões.

Razão lhes assiste.

Ao contrário da conclusão contida na sentença, em que pese tenha sido consignado no campo 21 do TRCT da autora (remuneração para fins rescisórios) o valor de R$1.537,99, o pagamento do 13º salário e das férias proporcionais levou em consideração as comissões indicadas à fl. 259.

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Para a apuração da gratificação natalina proporcional (3/12), foi considerado o salário-base da autora (R$1.537,99) e, bem assim, a média aritmética das comissões de janeiro a março de 2010 (R$2.640,78), atingindo-se a quantia de R$1.044,68, exatamente como consta do termo rescisório ((R$1.537,99 + 2.640,78) x 3 ÷ 12 = R$1.044,68).

Compulsando esse mesmo documento também verifico que a autora recebeu a título de férias proporcionais R$2.641,60.

À fl. 259 consta o demonstrativo da média das comissões/prêmios percebidos nos últimos doze meses anteriores à data da rescisão contratual (R$1.433,85), bem como o valor do salário base da autora (R$1.537,98), totalizando, para fins rescisórios, a quantia de R$2.971,84.

Considerando que a admissão da demandante ocorreu em 16-08-2004, fazia jus em 05-04-2010 a 8/12 de férias proporcionais.

Partindo do valor da remuneração para fins rescisórios, obtenho como contraprestação de 8/12 de férias com o terço constitucional o mesmo valor contido no termo rescisório (R$2.971,84 x 8 ÷ 12 x 4 ÷ 3 = R$2.641,60).

Como se vê, ainda que não tenha a empregadora da autora discriminado no seu TRCT o valor do terço constitucional de férias, foi ele integrado na

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rubrica “FERIAS PROPORC NTR (000008)”.

Dessarte, dou provimento ao recurso a fim de excluir da condenação o pagamento de diferenças de verbas rescisórias e do terço constitucional de férias.

Por não haver verbas rescisórias incontroversas a serem adimplidas, também impõe-se seja excluída da condenação a obrigação das rés de adimplirem a multa prevista no art. 467 da CLT.

3 – RECURSO DA AUTORA

3.1 - HORAS EXTRAS

Foi indeferida a pretensão relativa às horas extras por entender o Juízo de origem que as atividades da parte-autora eram eminentemente externas, incompatível com o controle da jornada, enquadrando-se, assim, na exceção prevista no inc. I do art. 62 da CLT.

Ela insurge-se contra esse entendimento, argumentando que os documentos juntados pelos réus indicam que laborava das 9h às 18h, sendo-lhe devido, na qualidade de empregada bancária, ao menos o pagamento da 7ª e 8ª horas como extras, ou seja o pagamento das horas excedentes da 6ª.

Também aduz que havia controle da sua jornada por meio de telefone fixo ou de celular e que comprovou a labuta em finais de semana, fazendo jus ao adimplemento das horas extraordinárias e intervalos intrajornadas suprimidos, conforme a jornada declinada na petição inicial.

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Merece parcial guarida a pretensão.

Efetivamente os documentos ofertados pelas próprias rés indicam que a autora fora admitida para laborar ao menos das 9h às 18h com uma hora de intervalo intrajornada (fls. 195 e seguintes).

Estranhamente (ou de forma proposital e deliberada), deixaram inclusive de trazer aos autos o contrato de trabalho da obreira, que, por obviedade, traria anotada a labuta ordinária de 8 horas diárias e 44 horas semanais.

O trabalho aos sábados está demonstrado pelos documentos juntados com a petição inicial, a exemplo da fls. 42, 91, 94, 96, 99, 100, 105/115.

Não há perder de vista que a autora laborava junto a concessionárias de veículos, oferecendo os produtos comercializados pelos réus (financiamentos, leasing, etc.), fazendo os correspondentes repasses à loja fornecedora do veículo e que essa atividade empresarial se estende pelo horário comercial, inclusive sábados.

Assim, ainda que concorde com a conclusão contida na sentença no sentido de que a autora não estava sujeita a controle de jornada, já que o mero estabelecimento de contatos telefônicos com seus superiores para tratar de assuntos afetos a sua atividade laboral não tem o condão de implicar em controle de horário, ainda que indireto, há horas extras e adicional extraordinário a ser quitado.

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Isso porque, tendo ficado mantido o seu enquadramento como bancária, ao menos em relação ao tempo de labuta tido contratualmente como normal (de segundas a sextas feiras das 9h às 18h, com uma hora de intervalo intrajornada, e quatro horas aos sábados), deve haver o adimplemento de horas extras e o adicional para aquelas laboradas, de forma incontroversa, além da 6ª diária e da 30ª semanal.

Outrossim, em diversos dos documentos mencionados alhures, também há comprovação de que havia labuta aos domingos. Essa ativação também está demonstrada, por exemplo, nos documentos das fls. 98, 103, 104, 116, atinentes aos negócios fechados pela autora em dias de repouso.

E mesmo ao trabalhador externo não é dado ao empregador exigir a labuta em dias ou horários de descanso sem a devida contraprestação do trabalho realizado.

Mesmo que não tivesse o empregador a obrigação de controlar minuto a minuto a jornada da autora, o dia de efetiva labuta e os turnos de trabalho deveria manter registro, mormente nos dias de feirões.

Com efeito, observado o disposto no art. 359 do CPC, no princípio da razoabilidade e na prova testemunhal, que confirma a ativação da autora em feirões, arbitro a sua labuta nessas ocasiões, sem prejuízo da jornada para a qual fora a obreira contratada, em dois sábados no período vespertino (4 horas cada um) e dois

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domingos no período matutino e vespertino (8 horas cada um) por mês.

Por fim, não há intervalo intrajornada suprimido a ser quitado à autora, dado ao caráter externo das suas atividades.

Reforça esse entendimento, o próprio depoimento da autora, quando afirma que “atendia as concessionárias e lojas de revendas de carros; que não tinha um local físico fixo”, “que eventuais ligações fazia ou das lojas, ou de seu próprio celular” (fl. 287, destaquei).

Assim, como dito alhures, o uso do telefone celular, enfatizado pela parte-autora em suas razões recursais, não implica em controle de jornada, porquanto poderiam inclusive servir ao mero repasse de informações necessárias aos contatos com clientes, imediatos ou futuros, não assegurando sequer que o empregado estivesse em atividade. No caso, não se trata de uso do aparelho para realizar chamadas que exigissem atendimento imediato, mas para facilitar o trânsito das informações, justamente dispensando a necessidade de comparecimento diário a uma sede da ré ou a um local de trabalho específico.

Dessarte, observado o tempo de labuta fixado, dou provimento parcial ao recurso a fim de condenar os réus a pagarem à autora o seguinte:

a) em relação ao salário-base (fixo) são devidas as horas além da 6ª

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diária e 30ª semanal, com o adicional legal ou convencional (o que for mais favorável, sendo de 100% para o trabalho em dias de repouso), apuradas a partir do divisor 180;

b) em relação à parte variável, também para a labuta excedente da 6ª diária e 30ª semanal, é devido apenas o adicional legal ou convencional (o que for mais favorável, sendo de 100% para o trabalho em dias de repouso), calculado sobre o valor-hora das comissões e prêmios recebidos no mês, considerando-se como divisor o número de horas efetivamente trabalhadas;

c) por habitual a extrapolação da jornada legal, observado o limite do pedido, são devidos reflexos em descansos semanais remunerados referentes às horas laboradas em domingos e nas verbas rescisórias (13º salário proporcional – 3/12, férias proporcionais com 1/3 – 8/12 e depósito do FGTS do mês da rescisão).

3.2 - ASSÉDIO MORAL E RESCISÃO

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INDIRETA

Pretende a autora ver os réus condenados ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes do assédio moral que diz ter sofrido ao longo da contratualidade.

Em razão do mencionado assédio moral visa seja reconhecida a rescisão indireta do seu contrato de trabalho.

Sem razão.

Efetivamente, a condição de empregador não lhe dá o direito de exigir dos seus empregados – subordinados – a submissão a situações humilhantes e constrangedoras, extrapolando o seu poder de mando no momento em que coloca o empregado em condições que lhe tragam evidentes constrangimentos.

A constante exposição do trabalhador a situações de constrangimento perante si próprio e diante dos colegas implica humilhação, situação que rompe o equilíbrio psicológico e repercute na imagem e na esfera íntima do indivíduo, pois representam atos contrários ao sentimento de honra e dignidade elementar da pessoa humana e do trabalhador.

Trata-se de garantia constitucional pétrea, porquanto proclama a Carta Federal a "dignidade da pessoa humana", assim como o “valor social do trabalho”, como uns dos fundamentos do "Estado Democrático de Direito" (art. 1º, incs. III e IV).

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Preceituou o legislador serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, item X), bem como concedeu "o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem" (inc. V).

No Direito Trabalhista é de grande relevância a análise das situações em que possa haver assédio moral e consequente dano, na medida em que é um dos seus fundamentos garantir a dignidade do trabalhador.

Entretanto, na situação exposta nesta ação não vislumbro tenham os réus ultrapassados os limites legais do seu poder diretivo.

A cobrança de metas, por si só, dentro de parâmetros aceitáveis e que possam ser atingidas pelos empregados, não implica em dano moral ao trabalhador.

Das correspondências eletrônicas juntadas pela autora às fls. 50/54, 58 e 78 e seguintes denoto haver apenas que se tratam de mensagens de estímulo para o atingimento das metas, sempre efetivadas de forma urbana, como por exemplo, “queria agradecer pelo esforço e empenho de todos neste final de semana” (fl. 78), “estamos no caminho e eu sei que vamos chegar lá” (fl. 88), “conto com todos” (fl. 89), “Este será o nosso final de semana!” (fl. 92), etc.

Expressões como “sangue nos olhos”, “faca nos dentes” e “pé no fundo”, dentre outras

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semelhantes, não podem ser descontextualizadas do inteiro teor das respectivas mensagens.

Vale destacar que os e-mails das fls. 48 e 49, os mais enfáticos e quiçá questionáveis (por depreciativos) dentre todas as outras correspondências eletrônicas apresentadas pela autora, não têm o seu nome relacionado como destinatário.

Outrossim, embora tenha asseverado em seu depoimento pessoal que além de e-mails enviados para a equipe de trabalho, também recebia correspondências eletrônicas individuais, não juntou aos autos nenhuma prova nesse sentido, já que os documentos juntados às fls. 50/54, 58 e 78 e seguintes destinaram-se ao grupo de trabalho.

Assim, também não há falar em acolhimento do seu pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho.

Nego provimento.

3.3 - DIFERENÇAS DE COMISSÕES

Inconforma-se a demandante com o indeferimento do seu pleito de diferença de comissões.

Afirma que os documentos das fls. 67/76 (demonstrativos mensais de remuneração variável) foram confeccionados pelos próprios réus e neles estão indicados os percentuais de comissões a ela devidos.

Pede, assim, seja reconhecido o valor médio de R$ 40.635,07 a título de comissões mensais a ela

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devidas.

Não prospera a recorrência.

Em que pese conste dos documentos das fls. 67/76 percentuais variáveis de comissões em razão do volume de produção, assim entendido o total mensal bruto de créditos aprovados em nome do operador de negócios, isso não quer significar que essas porcentagens, para fins de apuração das comissões e/ou prêmios devidos ao trabalhador, devam ser aplicadas sobre as respectivas quantias.

Evidente que nem todo o valor do crédito negociado constitui em lucratividade do agente financeiro, não sendo crível tenha sido estabelecida a incidência de comissões sobre o valor dos próprios valores repassados às concessionárias.

O que vislumbro nesta ação é que a autora trilhou caminho deveras ambicioso, para não dizer ganancioso, quando poderia ter percorrido percurso muito mais razoável, quiçá questionando os descontos sobre a real base de incidência das suas comissões (VLR ACUMULADO NPV), os quais poderiam, em uma análise perfunctória, implicar em transferência, a ela, dos riscos do negócio empresarial, tais como a inadimplência contratual do tomadores dos créditos (“valor inadimplência”), “valor risco”, “valor custo”.

Mas isso não foi postulado, sendo defeso ao julgador proferir decisão além ou fora do pedido.

Nego provimento.

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Pelo que,

ACORDAM os membros da 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER DOS RECURSOS. No mérito, por igual votação, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DOS RÉUS para excluir da condenação o pagamento de diferenças de verbas rescisórias e do terço constitucional de férias e, bem assim, da multa prevista no art. 467 da CLT. Sem divergência, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DA AUTORA para, observado o tempo de labuta e demais parâmetros fixados no voto da Exma. Juíza Relatora, condenar os réus ao pagamento de horas extras, adicional de horas extras e reflexos. Arbitrar o valor provisório à condenação em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

Custas no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), pelos réus.

Intimem-se.

Participaram do julgamento realizado na sessão do dia 26 de outubro de 2011, sob a Presidência do Exmo. Juiz Jorge Luiz Volpato, as Exmas. Juízas Águeda Maria L. Pereira e Viviane Colucci. Presente a Exma. Procuradora do Trabalho Ângela Cristina Pincelli.

ÁGUEDA MARIA LAVORATO PEREIRA

Relatora

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