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PLAN/PETTERIK WIGGERS “Fracassar em incluir as necessidades e preocupações das mulheres e meninas explicitamente no trabalho humanitário enfraquece a eficiência dos esforços de auxílio.” Michelle Bachelet, Diretora Executiva, UN Women 42 “Eu quero ter alguém a quem recorrer se houver algum problema. Devemos ser capazes de dizer aos nossos governos que precisamos de ajuda, que precisamos de abrigo, de comida, de trabalho, de escola, de lugares onde podemos nos lavar com privacidade. Eu quero uma maneira de ser ouvida.” Sheila, 16, Filipinas Tome uma atitude: plan-international.org/girls 1 Consultar as meninas adolescentes em todos os estágios da preparação e resposta para desastres. 2 Treinar e mobilizar as mulheres para trabalhar em equipes de resposta à emergência. 3 Fornecer serviços direcionados para meninas adolescentes nas áreas centrais de educação, proteção e saúde sexual e reprodutiva. 4 Incluir financiamentos para proteção contra a violência baseada em gênero na primeira fase da resposta de emergência. 5 Coletar dados desagregados por sexo e idade, para mostrar as necessidades das meninas adolescentes e informar o planejamento de programas. Pontos Chave de Ação ‘Por Ser Menina’ é um relatório anual publicado pela Plan que avalia o estado atual das meninas no mundo. Embora as mulheres e crianças sejam reconhecidas em políticas e planejamentos, as necessidades e direitos das meninas frequentemente são ignorados. Os relatórios fornecem evidências, incluindo as vozes das próprias meninas, sobre por que elas precisam ser tratadas de maneira diferente de meninos e mulheres adultas. Eles também usam informações de pesquisas primárias, particularmente um pequeno estudo iniciado em 2006, acompanhando 142 meninas em nove países. Relatórios anteriores trataram de educação, conflitos, empoderamento econômico, cidades e tecnologia, e como meninos e jovens homens podem apoiar a igualdade de gênero. A Plan é uma agência de desenvolvimento internacional, e trabalha com crianças e suas comunidades, em 50 países em todo o mundo, há mais de 75 anos.

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Page 1: Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres …...de 2013). 7 UNESCO. ‘Educação para Todos, Relatório de Monitoramento Global: Juventude e Habilidade: Colocando a Educação

Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres

P L A N / P E T T E R I K W I G G E R S

“Fracassar em incluir as necessidades e preocupações das mulheres e meninas explicitamente no trabalho humanitário enfraquece a eficiência dos esforços de auxílio.”

Michelle Bachelet, Diretora Executiva, UN Women42

“Eu quero ter alguém a quem recorrer se houver algum problema. Devemos ser capazes de dizer aos nossos governos que precisamos de ajuda, que precisamos de abrigo, de comida, de trabalho, de escola, de lugares onde podemos nos lavar com privacidade. Eu quero uma maneira de ser ouvida.”

Sheila, 16, Filipinas

Tome uma atitude: plan-international.org/girls

1 Consultar as meninas adolescentes em todos os estágios da preparação e resposta para desastres.

2 Treinar e mobilizar as mulheres para trabalhar em equipes de resposta à emergência.

3 Fornecer serviços direcionados para meninas adolescentes nas áreas centrais de educação, proteção e saúde sexual e reprodutiva.

4 Incluir financiamentos para proteção contra a violência baseada em gênero na primeira fase da resposta de emergência.

5 Coletar dados desagregados por sexo e idade, para mostrar as necessidades das meninas adolescentes e informar o planejamento de programas.

Pontos Chave de Ação

‘Por Ser Menina’ é um relatório anual publicado pela Plan que avalia o estado atual das meninas no mundo. Embora as mulheres e crianças sejam reconhecidas em políticas e planejamentos, as necessidades e direitos das meninas frequentemente são ignorados. Os relatórios fornecem evidências, incluindo as vozes das próprias meninas, sobre por que elas precisam ser tratadas de maneira diferente de meninos e mulheres adultas. Eles também usam informações de pesquisas primárias, particularmente um pequeno estudo iniciado em 2006, acompanhando 142 meninas em nove países. Relatórios anteriores trataram de educação, conflitos, empoderamento econômico, cidades e tecnologia, e como meninos e jovens homens podem apoiar a igualdade de gênero. A Plan é uma agência de desenvolvimento internacional, e trabalha com crianças e suas comunidades, em 50 países em todo o mundo, há mais de 75 anos.

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Por Ser MeninaO E S T A D O D A S M E N I N A S N O M U N D O 2 0 1 3

Em Duplo Risco:Meninas Adolescentes e Desastres

RESUMO EXECUTIVO

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Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres

Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres

“Os desastres não discriminam, mas as pessoas sim... Os desastres reforçam, perpetuam e aumentam a desigualdade de gênero, tornando situações ruins ainda piores para as mulheres.”

Tornando a redução de riscos de desastres sensível a gênero: políticas e direcionamentos práticos

“Eu acho que o pior desafio foi o fato de não sermos capazes de falar. A comunidade não reconhecia que tínhamos algo importante a dizer, porque éramos jovens e mulheres.”

Xiomara, 19, El Salvador1

Os desastres não são vividos em um vácuo. O que acontece

com meninas adolescentes em tempos assim está diretamente

relacionado a atitudes para com mulheres e meninas na

comunidade em geral e nos contextos político, econômico,

social e cultural. Também é afetado pela família da qual elas

vêm, bem como seu status, idade, bem-estar material e uma

série de outros fatores ligados ao país em que elas vivem e aos

grupos sociais aos quais pertencem.

Portanto, uma menina de 17 anos em uma favela em Dhaka irá passar por uma enchente ou terremoto de forma diferente de

uma menina de 12 anos em uma aldeia em El Salvador, ou outra de 14 anos na Austrália. Mas o que elas têm em comum é que,

com muita frequência, até onde o auxílio humanitário está envolvido, longe dos olhos realmente significa longe do coração – e

das mentes.

Desastres e crises têm um efeito negativo sobre todos os envolvidos. Pessoas morrem e são feridas, perdem suas famílias e seus

meios de subsistência. Mas se você for uma mulher, e particularmente se for uma adolescente, desastres e crises podem colocar

você em maior risco do que se for homem; especialmente em sociedades onde as meninas já são menos privilegiadas do que

seus irmãos. O motivo pode ser resumido em uma simples palavra: poder.

É a relativa impotência das mulheres e crianças em muitas sociedades que as torna mais vulneráveis durante desastres. Embora

frequentemente haja pouca distinção entre mulheres e meninas ou homens e meninos, em geral, as mulheres e crianças têm 14

vezes mais chances de morrer em um desastre do que homens e meninos2. Em 2010, um estudo no Paquistão revelou que 85

por cento das pessoas desalojadas por enchentes eram mulheres e crianças3 e durante o tsunami da Ásia, em 2004, morreram

cerca de 45.000 mulheres a mais do que homens4.

Uma pesquisa da London School of Economics (LSE) em 141 países revelou que os meninos geralmente recebem tratamento

preferencial nos esforços de resgate5. A pesquisa cita a história de um pai que, “quando se viu incapaz de impedir que seu filho

e filha fossem arrastados por uma onda durante o ciclone de 1991 em Bangladesh, soltou a mão da filha, porque ‘[este] filho

1 Entrevista com Jean Casey, Coordenadora de Projeto: Relatório ‘Por Ser Menina’, Plan International El Salvador. 2012 2 Peterson, Kristina. ‘Do Campo: Questões de Gênero na Resposta e Recuperação de Desastres’. Natural Hazards Observer, Edição Especial sobre Mulheres e Desastres 21, No. 5 (1997) http://www. colorado.edu/hazards/o/archives/1997/may97/may97a.html#From 3 Action Aid Paquistão. ‘Reconstruindo Vidas Depois das Enchentes de 2010’. Action Aid Paquistão, 2011. 4 Telford, John, John Cosgrove, e Rachel Houghton. ‘Avaliação Conjunta da resposta internacional ao tsunami do Oceano Índico: Relatório de Sintese.’ Londres: Coalizão de Avaliação do Tsunami (TEC), 2006. Nota do Relatório: Esta estimativa se baseia nas taxas de mortalidade diferencial demonstradas na Figura 2.3, aplicadas ao número total de mortos e desaparecidos para cada área, com a taxa de mortalidade da área mais próxima sendo aplicada a áreas para as quais nenhum dado sobre mortalidade estava disponível, e a distribuição de população estimada onde a mortalidade específica de cada área não estava disponível. Falando mais especificamente, nem todos eram mulheres adultas, já que taxas de mortalidade feminina um pouco mais altas também foram verificadas entre menores de 15 anos em algumas localidades. 5 Neumayer Eric e Thomas Plumper. ‘A Natureza de Gênero dos Desastres Naturais: o impacto de eventos catastróficos sobre a lacuna de gênero na expectativa de vida, 1981-2002.’ London School of Economics and Political Science, 2007, http://www2.lse.ac.uk/geographyAndEnvironment/whosWho/profiles/neumayer/pdf/Article%20in%20Annals%20(natural%20disasters).pdf (último acesso em 10 de maio de 2013).

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tem de carregar a linhagem da família’.”

Para muitas meninas adolescentes, um grande desastre simplesmente se soma aos riscos individuais que elas têm de

enfrentar em sua vida cotidiana. Isto é especialmente verdadeiro se elas vêm de famílias pobres, embora a violência e a

discriminação possam afetar as meninas independentemente de sua origem. Em todo o mundo, mais de um quarto das

meninas passam pela experiência do abuso sexual e da violência; 66 milhões ainda não estão na escola; e no mundo em

desenvolvimento, uma em cada três meninas se casa antes de seu décimo oitavo aniversário.6,7,8

“Durante e imediatamente depois de um desastre, somos forçadas a trabalhar todos os dias para ganhar algum dinheiro. Temos que enfrentar os olhares lascivos dos proprietários de terras e dos outros homens que nos contratam para o trabalho temporário nas fazendas. O modo como eles nos ameaçam também é uma forma de abuso sexual.” Meninas da Aldeia Babiya, Nepal9

Entretanto, o risco enfrentado por meninas adolescentes é apenas um lado da história. Muitas, como esta menina

de 16 anos de Nagapattinam, demonstram coragem e iniciativa: “No dia do tsunami, eu agarrei o bebê de dois dias e os dois meninos pequenos, e corri para o terraço da minha casa quando a enchente começou.”10

Então, por que é importante reexaminar como a comunidade humanitária trata das necessidades das meninas adolescentes em desastres? Em primeiro lugar, porque o número de desastres está aumentando – houve 90

por ano na década de 70 e quase 450 por ano na última década.11, 12

Em segundo lugar, sabemos que os desastres afetam, de forma devastadora, os

países e pessoas que menos têm condições de lidar com eles – nove entre dez

desastres e 95 por cento das mortes causadas por desastres acontecem no mundo

em desenvolvimento. 13,14 Para as crianças e jovens envolvidos, os efeitos

negativos dos desastres podem durar pelo resto de suas vidas, como o Relatório

de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas aponta: “A desnutrição não é um

problema que acaba quando as chuvas voltam, ou quando as águas da enchente

baixam. Ela cria ciclos de desvantagem que as crianças carregarão consigo pelo

resto de suas vidas.”15

Em terceiro lugar, o que está acontecendo com as meninas adolescentes durante

os desastres é algo previsível e prevenivel, e assim, constitui uma violação de seus direitos por lei. Os direcionamentos

podem existir, mas não estão sendo seguidos. “A igualdade de gênero não é um luxo nem um privilégio,” diz um

artigo interagências de 2012 sobre gênero e segurança. Está baseada em modelos legais internacionais que incluem: a

legislação internacional de direitos humanos, os direitos humanos das mulheres, e os direitos das crianças.16

Em quarto lugar, na prática, as comunidades humanitárias e de desenvolvimento frequentemente trabalham em

espaços separados. Isto tem um efeito negativo sobre grupos como meninas adolescentes, que podem se tornar

invisíveis em ambos os contextos. Em 2015, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio serão reformulados. Até lá,

existe uma crescente discussão global sobre desafiar os “negócios usuais” reestruturando o desenvolvimento e o que se

conhece como gerenciamento de riscos de desastres (DRM).

Agora é a hora de nos concentrarmos nas meninas adolescentes e tratarmos de uma grande lacuna na programação

humanitária e de desenvolvimento.

6 WHO. ‘Saúde Feminina: Folha de Fatos No. 334. ’ OMS, 2009, http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs334/en/index.html (último acesso em 13 de maio de 2013). 7 UNESCO. ‘Educação para Todos, Relatório de Monitoramento Global: Juventude e Habilidade: Colocando a Educação em Prática. ’ Paris: UNESCO, 2012. 8 UNICEF. ‘Estado das Crianças do Mundo 2011: Adolescência, uma Idade de Oportunidade. ’ Nova York: UNICEF, 2011. 9 Plan Nepal. ‘Impacto da Mudança Climática sobre as Crianças no Nepal. ’ Plan Nepal e o Centro Nacional de Redução de Riscos de Desastres do Nepal, 2012. 10 Plan International Ásia, Escritório Regional. ‘Crianças e o Tsunami: Engajamento com as crianças na resposta e recuperação de desastres e redução de riscos: Aprendendo com a participação das crianças na resposta ao tsunami. ’ Tailândia: Plan International Ásia, Escritório Regional, 2005. 11 Os especialistas divergem, mas os motivos para isto incluem a mudança climática, a urbanização rápida, a pobreza e a degradação ambiental. 12 Mazurana, Dyan, Prisca Benelli, Huma Gupta e Peter Walker. ‘Sexo e Idade Importam: Melhorando a Resposta Humanitária em Emergências. ’ Feinstein International Center, Tufts University, Agosto de 2011. 13 Swarup, Anita, Irene Dankelman, Kanwal Ahluwalia e Kelly Hawrylyshyn. ‘Enfrentando a tempestade: Meninas adolescentes e a mudança climática. ’ Plan International, 2011. 14 Leoni, Brigitte e Tim Radford. ‘Os Desastres sob uma Lente Diferente: Por detrás de cada efeito, há uma causa – um Guia para Jornalistas Cobrindo a Redução dos Riscos de Desastres. ’ UNISDR, 2011. 15 UNDP. ‘Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/8. Lutando contra a mudança climática: solidariedade humana em um mundo dividido. ’ Nova York: UNDP, 2007. 16 Persaud , Christine. ‘Direcionamento de Gênero e Segurança para a Divulgação do Gênero no Gerenciamento de Riscos de Desastres, Documento da EISF. ’ Fórum de Segurança da Interagência Europeia (EISF), 2012.

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Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres

Uma questão de sobrevivência: saúde e bem-estar em desastres

“Isto tem sido muito difícil para a minha família e para mim. Nós perdemos entes queridos, nossos corações doem, e temos dificuldades para encontrar comida e um lugar para viver... Minha mãe nos diz que temos que acreditar no amanhã, acreditar em um futuro. Eu acredito, mas às vezes é difícil, quando tudo parece estar desmoronando.”

Sheila, 16, província de Rizal, Filipinas, depois do Furacão Ondoy 17

As meninas adolescentes enfrentam problemas de saúde específicos durante um desastre ou emergência, e mesmo

assim estes problemas são frequentemente ignorados por aqueles responsáveis pela assistência humanitária. O acesso

ao alimento e à água (prioridade da assistência humanitária) é a chave para a sobrevivência das meninas, mais o acesso a

informações sobre saúde, inclusive a saúde sexual e reprodutiva; a provisão de serviços de saúde apropriados e suprimentos

para as meninas, bem como os meios de acessar estes serviços; a privacidade e os espaços seguros; e a sensação de que

suas necessidades de saúde específicas são reconhecidas e tratadas também por aqueles no poder.

“Existe uma enorme tendência a relatar números em massa – latrinas construídas, toneladas de alimentos distribuídas,

escolas reabilitadas – sem saber quem usa aquelas latrinas, quem consome os alimentos, e quem frequenta a escola.”

Valerie Amos, Sub-Secretária Geral das Nações Unidas para Assuntos Humanitários e Coordenadora do Auxílio Humanitário

O Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) aponta para três subgrupos de adolescentes que estão correndo

riscos particulares em desastres e emergências. Duas das três categorias são de meninas:

• Adolescentes muito jovens (10-14 anos), especialmente meninas, correm o risco de sofrer exploração e abuso sexual por

causa de sua dependência, falta de poder, e falta de participação nos processos de tomada de decisões.

• Meninas adolescentes grávidas, particularmente aquelas menores de 16 anos, correm um risco maior de problemas

durante o parto como a obstrução, uma emergência obstétrica ameaçadora que pode acontecer quando a pélvis imatura

é muito pequena para permitir a passagem do bebê pelo canal do parto. Serviços emergenciais de obstetrícia não

estão disponíveis com frequência em situações de crise, aumentando o risco de morbidez e mortalidade entre as mães

adolescentes e seus bebês.

• Adolescentes marginalizadas, inclusive aquelas HIV-positivas, com deficiências, adolescentes não heterossexuais,

grupos indígenas e de migrantes, podem enfrentar dificuldades ao acessar serviços, por causa do estigma, do

preconceito, da cultura, do idioma ou de limitações mentais ou físicas. Elas também correm o risco de serem afetadas

por uma pobreza ainda maior e pela exploração e abuso sexual, devido à sua falta de poder e participação.

Em um desastre, o desmoronamento

das famílias e dos serviços de saúde

pode deixar as adolescentes sem

acesso às informações e serviços

de que elas precisam sobre

saúde sexual e reprodutiva. Para

meninas e jovens mulheres, este é

precisamente o momento quando

sua situação, idade e sexo lhes

coloca sob um maior risco de uma

gravidez indesejada, um aborto

inseguro, infecções sexualmente

transmissíveis (ISTs) e o HIV.

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17 Haver, Jacquelyn. ‘Pesquisa para a Plan International, Relatório ‘Por Ser Menina’ 2013: Experiências das Meninas com Desastres na Província de Rizal, Filipinas. ’ Janeiro de 2013.

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‘Não é fácil quando você sente fome’ – meninas adolescentes e o abuso e a exploração sexual

“O mundo não tem feito um bom trabalho em reconhecer a violência baseada em gênero e/ou a exploração em campos. Isto ainda acontece, e mesmo que existam mecanismos para relatar estes abusos, muitas vezes os beneficiários não estão conscientes de seus direitos, ou não existe um processo apropriado estabelecido para realizar um acompanhamento.”

Jeni Klugman, Director of Gender and Development, World Bank

Quando um desastre leva meninas adolescentes pobres e suas famílias a uma pobreza ainda maior, sua única opção,

frequentemente, é vender o único bem que possuem – seus corpos. Um estudo do Human Rights Watch nos campos do

Haiti depois do terremoto revelou um grande número de meninas e mulheres que estavam vendendo sexo porque não

tinham uma alternativa para alimentar seus filhos e a si mesmas.

“A gente precisa comer”, diz Gheslaine, que vive em um campo em Croix-de-Bouquets, no Haiti. “As pessoas tentam

sobreviver como podem. As mulheres têm relações com os homens para poder alimentar seus filhos. Isso acontece

muito. A minha filha tem 12 anos, e não tem amigos nos campos, porque acontece que mesmo as meninas mais jovens

são pressionadas a fazer sexo em troca de coisas. Eu não trabalho. Não tenho pais para me ajudar. Então, por um dólar,

você faz sexo. Infelizmente, as mulheres ficam grávidas às vezes, mas se tivéssemos acesso a planejamento, poderíamos

nos proteger... Não é bom praticar a prostituição, mas o que mais podemos fazer?”18

As pesquisas primárias para este relatório sobre os efeitos de longo prazo do Furacão Ondoy, em 2009, nas Filipinas,

revelaram meninas adolescentes lutando contra problemas semelhantes. Anna, de 13 anos, disse: “É difícil, outras pessoas não têm nada para comer, e elas aceitam se envolver em ações ruins só para ter algo para comer; você não sabe o que fazer, nem com quem falar quando isto acontece.” 19

Em muitas sociedades, o abuso e a violência são um assunto tabu. O estupro traz vergonha para a menina, e mesmo

em países mais ricos, os juízes e o sistema judicial podem culpar a vítima ao invés do estuprador.

Em Tamil Nadu, na Índia, depois do tsunami, muitas jovens mulheres como esta não se atreveram a denunciar o que

havia lhes acontecido por medo de se tornarem excluídas socialmente: “Eu tenho 17 anos. No campo de refugiados, quando eu estava dormindo durante a noite, fui estuprada. Eu não sabia o que havia acontecido comigo. Eu não conheço o rosto do homem. Eu tive um sangramento muito forte. Não falei disso com ninguém. Agora, vejo algumas modificações no meu corpo e quando minha mãe me levou ao hospital me disseram que eu estou grávida.” 20 No Haiti, o Human Rights Watch revelou que muitas mulheres e meninas não procuraram ajuda após um estupro,

depois do terremoto, porque tinham vergonha de falar sobre o que havia acontecido. Mary, de 15 anos, esperou oito

dias antes de contar a uma prima adolescente sobre ter sido estuprada, e só contou a ela porque sabia que a prima

havia passado pela mesma experiência: “Antes de conversar com ela sobre o estupro, eu estava com muita vergonha, mas disse a mim mesma que ela também havia sido estuprada, e eu poderia contar a ela sobre a minha situação.” 21

Desastres também podem levar a um aumento nos casos de casamento infantil. Pesquisas na Somália, Bangladesh

e Niger revelaram que o casamento infantil frequentemente é percebido pelas famílias como uma medida protetiva, e

usado como resposta comunitária a uma crise. 22

“Muitas meninas aqui sofrem. Aos 13 anos de idade, elas se casam e abandonam a escola. Elas ficam grávidas porque a família não tem dinheiro, e vende as meninas em troca de dinheiro, já que não possuem o dinheiro para o dote. As meninas, aos 13 anos, desenvolvem fístula23 e frequentemente morrem.”

Zabium e Idie, 15, do Niger 24

18 Human Rights Watch. ‘“Ninguém se lembra de nós”: O Fracasso em Proteger o Direito de Mulheres e Meninas a Saúde e Segurança no Haiti pós-terremoto. ’ EUA: Human Rights Watch, 2011. 19 Jacquelyn Haver para a Plan, 2013. 20 Relatório das Pessoas. ‘Violência contra mulheres no contexto pós-tsunami: Índia, as Maldivas, Puntland [Somália], Sri Lanka, e Tailândia. ’ Chennai: Relatório das Pessoas e Action Aid Índia, 2007. 21 Human Rights Watch, 2011 22 World Vision. ‘Desatando o Nó: Explorando o Casamento Precoce em Estados Frageis. ’ Reino Unido: World Vision, Março de 2013. 23 Uma ruptura entre o canal do parto e a bexiga ou o reto, causada por uma longa obstrução no parto, resultando em incontinência. Mais comum em mulheres grávidas jovens, cujos corpos ainda não estão totalmente desenvolvidos para o parto. 24 Entrevista com Jean Casey, Coordenadora de Projeto: Relatório ‘Por Ser Menina’, Plan International. Niger, 2012.

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Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres

Apesar do fato das convenções internacionais, assinadas por muitos países, proclamarem que o casamento infantil é

uma violação dos direitos humanos, a prática ainda é amplamente disseminada. 25,26 Um relatório revelou que de 16

países, 11 registraram mais da metade das jovens mulheres casadas antes dos 18 anos de idade. 27 E algumas meninas

se casam ainda mais cedo – um relatório de 2012 estimou que 1.5 milhões de meninas menores de 15 anos se casam

todos os anos.28

Dando a sua cabra ao seu vizinho: o casamento adolescente na crise alimentar do Sahel29

A região do Sahel tem enfrentado uma série de grandes crises alimentares. Pesquisas realizadas para este relatório no Níger revelaram duas tendências opostas em relação ao casamento infantil em tempos de crise. Das 135 meninas adolescentes entre 12 e 19 anos de idade entrevistadas durante discussões de grupos

focais, 64 por cento já estavam casadas e 39 por cento já tinham filhos. A idade média do casamento era de 14 anos. Mas a situação é complexa: as crises alimentares têm efeitos opostos sobre o casamento infantil em

diferentes comunidades. Em Tillaberi e em parte de Dosso, as crises parecem ter reduzido o casamento infantil. Em Maradi, elas parecem ter aumentado a prática. Isto pode estar relacionado à etnia – os Haoussa e os Peuls, que vivem em Maradi, frequentemente casam suas filhas muito cedo, enquanto que esta prática é menos comum entre os Zarma, que vivem em Tillaberi e partes de Dosso. Na região de Tillaberi, um grupo focal com oito meninas disse que as crises alimentares reduziram o

casamento infantil. Uma menina afirmou: “Em tempos de crise alimentar, não temos nada para comer; nossos pais não têm nada para comer; e nossos vizinhos não têm nada para comer. Se você oferecer sua filha em casamento a outro membro da comunidade, que está na mesma posição que você, se arrisca a perder, porque o homem a quem você deu a sua filha é tão pobre quanto você. Ele vai se casar com a sua filha, mas é certo que ela irá voltar para a sua casa para buscar comida. É como se você tivesse vendido a sua cabra ao seu vizinho porque não tem como alimentá-la, mas ela voltasse sempre para a sua casa para comer.” A pesquisa revelou que as crises alimentares aumentaram a idade do casamento para homens jovens,

porque eles não tinham como sustentar uma esposa. Por outro lado, em Maradi e partes de Dosso as crises alimentares pareceram aumentar o número de meninas que se casavam cedo. Uma das participantes em uma discussão de grupos focais disse: “Se você tiver uma família grande, com muitas meninas, e não tiver nada para comer nem para alimentar os seus filhos, e um homem rico chegar e disser a você que gosta de uma de suas filhas, o que você deve fazer? Você vai dizer “não” e observar os seus filhos morrendo de fome, ou aceitar e deixar que ele leve a sua filha, cuide dela, e, além disso, lhe dê uma boa soma em dinheiro?”Os pais nas comunidades de Maradi também dizem que a falta de dinheiro é um dos fatores que levam

os pais a casar suas filhas muito cedo. Em contraste com os meninos, que podem emigrar para procurar trabalho em outros países e enviar dinheiro para as famílias, as meninas são um peso porque mesmo que ajudem com os trabalhos domésticos, precisam ser alimentadas em tempos de fome. Um dos pais de Kaiwa, no departamento de Tessaoua, resume a situação nos seguintes termos: “Se você se recusar a conceder a mão da sua filha em casamento enquanto ela ainda é jovem e bonita, quando a fome chegar, ela fará qualquer coisa para encontrar algo para comer. Se você não tiver como alimentá-la, ela se arriscará a trazer vergonha para a família. Como chefe da família, você tem a responsabilidade de preservar seus filhos e a honra da sua casa; neste caso, se você conhecer um homem que tenha os meios de sustentar a sua filha, é melhor dá-la para ele, e assegurar que ela vai viver como uma boa muçulmana.”

25 Nações Unidas. ‘A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. ’ Nações Unidas, http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/text/econvention.htm (último acesso em 15 de maio de 2013) 26 Escritório de Gordon e Sarah Brown. ‘Fora do casamento, dentro da escola: combatendo o casamento infantil através da educação. Um artigo de Gordon Brown. ’ Escritório de Gordon e Sarah Brown, 2012. 27 Escritório de Gordon e Sarah Brown, 2012. Citando: ICF International. ‘MEDINDO AS DHS. ’ Pesquisas Demográficas de Saúde (pesquisa mais recente). 28 Escritório de Gordon e Sarah Brown, 2012 29 Oumar Basse, Yssa e Natalie Lucas. ‘Proteção das Meninas e Meninos Adolescentes nas Crises Alimentares do Sahel: Relatório Geral. ’ Encomendado para o Relatório ‘Por Ser Menina’. Plan International, janeiro de 2013.

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‘Mandem as suas filhas para a escola’ – a importância da educação

“Minha mensagem para as mulheres no Congo, no Sahel, em toda parte é: mandem as suas filhas para a escola. Esta é a melhor coisa que vocês podem fazer pelo futuro delas.”

Kristalina Georgieva, Comissária Europeia para a Cooperação Internacional,Auxílio Humanitário e Resposta a Crises30

“Uma geração sem educação está condenada. Precisamos ser ouvidas e participar; precisamos de um futuro. Temos o direito à educação e queremos ir à escola.”

Betty, 17, jovem desalojada, norte de Uganda31

Muito já se falou sobre a natureza empoderadora da educação para as meninas. A educação lhes dá a habilidade de

se tornarem cidadãs ativas e a possibilidade de mais escolhas em suas vidas. Isto significa que, como adultas, elas têm

mais probabilidades de ganhar a vida e ajudar a tirar suas famílias da pobreza. Também é mais provável que os filhos

delas sobrevivam à infância e recebam uma melhor educação. Este é o motivo pelo qual a estudante de 15 anos Malala

Yousufzai, do Paquistão, estava disposta a arriscar sua vida para que as meninas pudessem receber uma educação.32

Felizmente, em muitos países, números cada vez maiores de meninas estão, agora, frequentando a escola. Entretanto,

durante uma emergência, a educação frequentemente é interrompida, às vezes permanentemente. E é exatamente

nestes tempos que a educação é particularmente importante. “A educação traz estabilidade, normalidade e rotina

para a vida de uma criança, o que é absolutamente essencial, especialmente quando elas são deslocadas,” diz Radhika

Coomaraswamy, Representante Especial da Secretaria Geral para Crianças e Conflitos Armados.33

A Rede de Interagências pela Educação em Emergências (INEE) cita três modos pelos quais a educação pode beneficiar

meninas adolescentes em desastres:34

1 Pode oferecer proteção física. Quando uma menina está em um ambiente seguro de aprendizado, ela tem menos

chances de ser sexualmente ou economicamente explorada ou exposta a outros riscos, como o casamento infantil.

2 Pode oferecer um espaço seguro

psicossocial que ajude as meninas a

compreender o que está acontecendo

ao seu redor. Pode fornecer uma

sensação de rotina e benefícios em

longo prazo para a promoção dos

direitos e responsabilidades das

crianças.

3 Pode ser o veículo para a

comunicação de mensagens que

salvam vidas: as escolas podem agir

como centros para a disseminação

de mensagens sobre a lavagem

das mãos, a redução dos riscos de

doenças, como evitar a infecção pelo

HIV e como acessar serviços de saúde

e alimentos em uma emergência.

30 Plan International. ‘Gazeta dos Direitos das Meninas. ’ Plan International. 11 de outubro de 2012, http://www.plan-eu.org/content//uploads/2012/10/Girls-Rights-Gazette-text-only-version.doc (último acesso em 15 de maio de 2013). 31 Comissão das Mulheres Refugiadas. ‘Meninas Adolescentes. ’ Comissão das Mulheres Refugiadas, http://www.womensrefugeecommission.org/programs/adolescent-girls (último acesso em 15 de maio de 2013). 32 Barr, Robert. ‘Atentado contra Malala Yousufzai: Adolescente paquistanesa se recupera de ataque do Talibã. ’ Huffington Post. 19 de outubro 2012, http://www.huffingtonpost.com/2012/10/19/malala-yousufzai-shooting_n_1986127.html?utm_hp_ref=malala-yousafzai (último acesso em 23 de abril de 2013). 33 Nações Unidas. ‘A educação traz estabilidade, normalidade e rotina para a vida de uma criança (Radhika Coomaraswamy). ’ Nações Unidas. 18 de março de 2009, http://www.youtube.com/ 34 INEE. ‘Igualdade de Gênero na educação e através da educação: Guia de Bolso da INEE para Gênero. ’ Genebra: INEE, 2010.

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Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres

Um estudo nas regiões Oeste e Central da

África sobre o impacto da guerra, do HIV e de

outras situações de alto risco revelou que em

relação à pergunta “O que faz você feliz?”, a

resposta mais comum entre todas as crianças

foi “a participação na escola”.35 E isto tanto

para os meninos como para as meninas;

na verdade, as meninas defenderam esta

alternativa com mais força que os meninos. Os

autores disseram: “Parece que o simples fato

de estarem matriculadas na escola, terem suas

mensalidades pagas, receberem livros e irem

bem nos exames é uma fonte de bem-estar

para as crianças.”

A HISTÓRIA DE HAYMANOT36

Haymanot vive na zona rural da Etiópia. A história dela ilustra os efeitos cumulativos da seca, que podem fazer com que as meninas abandonem a escola.Em 2008, Haymanot tinha 12 anos e vivia com sua tia. Ela ia para a escola em uma cidade próxima.

Mas sua mãe ficou doente, e ela foi para casa para cuidar dela e de seu irmão e irmã menores. Como a mãe da menina não podia mais trabalhar, a renda da família caiu e eles tinham muito pouco para comer. Inicialmente, Haymanot ia para a escola durante a tarde e trabalhava pela manhã. Então, sua irmã também ficou doente. Ao mesmo tempo, havia uma seca na área, e as colheitas fracassaram. Sua mãe explica: “Havia seca na comunidade inteira. Deus não nos deu chuva, e não havia pasto nem grãos. Nós não tínhamos comida.”Como resultado, Haymanot teve que abandonar a escola e ir trabalhar em uma fábrica de trituração

de pedras. Ela diz que a decisão foi sua, mas que: “Eu me sinto muito mal, porque não estou indo para a escola e minha mãe está doente.” Sua mãe também reconhece que não foi bom para Haymanot abandonar a escola: “Ao tirá-la da escola, sei que estou prejudicando as oportunidades dela no futuro”.Então, Haymanot contraiu malária, e ficou doente, com diarreia, vômito e febre, piorados por sua

pesada carga de trabalho em casa e na fábrica. A vida era muito difícil, e finalmente Haymanot e sua mãe decidiram que embora ela tivesse apenas 15 anos, o casamento lhe ofereceria segurança e proteção, já que sua família enfrentava uma situação tão difícil. O marido dela, escolhido por sua família, é um funcionário público. Ela pode deixar de trabalhar na fábrica.A vida de Haymanot é difícil. Mas a história dela também ilustra sua capacidade de adaptação. Seu

trabalho duro e atitude forte também fortaleceram a sua reputação em sua comunidade. Sua mãe disse: “Algumas pessoas, que sempre a viam trabalhando, a admiravam e diziam: ‘Como ela consegue trabalhar e suportar tantas dificuldades nesta idade?’”Hoje, Haymanot diz que sua vida melhorou, e espera demorar um pouco para ter filhos e voltar para a

escola no próximo ano – se seu marido permitir.

What makes you happy?

Church

Health

Basic needs/rights

School

Family

BoysGirls

0% 10% 20% 30% 40%

Playing/peer groups

35 Morgan, Jenny e Alice Behrendt. ‘Sofrendo em Silêncio: O impacto psicossocial da guerra, do HIV e de outras situações de alto risco sobre meninas e meninos nas regiões oeste e central da África’. Plan International. 2009. 36 Baseado em Portela, Orgando, Maria Jose e Kirrily Pells (a ser publicado em 2013). ‘‘Eu dependo da ajuda dos meus filhos’: fatores de risco e proteção para crianças que passam por choques. ’ Em: Boyden, J e M Bourdillon (Eds.). ‘Crescendo na Pobreza: Descobertas de Vidas Jovens.’ Basingstoke: Palgrave Macmillan. 37 Naomi Alfini, Becky Marshall e Ravi Karkara. ‘Fortalecendo a Participação de Meninas e Meninos no Programa de Resposta ao Tsunami: um relatório de oficina. ’ Save the Children, 2005. 38 Correspondência com Fabian Böckler, Oficial de Gerenciamento de Riscos de Desastres da Plan Alemanha. Ver também: Geere, J A, P R Hunter e P Jagals. ‘Carregar a água doméstica e suas implicações para a saúde: um estudo-piloto de análises e métodos mistos na província de Limpopo, África do Sul.’ Environ Health 9, no. 52 (26 de agosto de 2010), http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20796292 39 Pesquisa online sobre Meninas Adolescentes e Emergências; Pesquisa conduzida pela Equipe de Relatórios da campanha ‘Por Ser Menina’, 2013. 40 Entrevista com Jean Casey, Coordenadora de Projeto: Relatório ‘Por Ser Menina’, Plan International. El Salvador, 2012. 41 Jean Casey, El Salvador, 2012. 42 Bachelet, Michelle. Comentário sobre o ‘Índice de Resposta Humanitária 2011: Enfrentando o Desafio de Gênero. ’ DARA, http://daraint.org/humanitarian-response-index/humanitarian-response-index-2011/ (último acesso em 6 de junho de 2013). Em março de 2013, Michelle Bachelet renunciou a seu cargo como Diretora Executiva da UN Women para concorrer a um segundo mandato como Presidente do Chile.

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Parte da solução: a participação das meninas adolescentes

Existem muitos exemplos de meninas adolescentes que mostraram coragem, sabedoria e iniciativa frente a um desastre,

apoiando suas famílias e até mesmo salvando vidas. Estas histórias são incomuns, não porque sejam ocorrências raras,

mas porque raramente são contadas pela comunidade humanitária ou pela mídia. Este silêncio está diretamente

relacionado a uma maior discriminação de gênero – por exemplo, frequentemente é útil ter mulheres por perto se

quisermos encorajar as meninas adolescentes a falar, mas no trabalho relacionado a desastres existem poucas mulheres

em qualquer posição de autoridade.

Se os adultos não ouvem as crianças, meninas e meninos de todas as idades, durante os desastres, erros podem ser

cometidos. Para dar um exemplo: “Nos esforços de alívio e reconstrução depois do terremoto de 2001 em Gujarat, na

Índia, que matou mais de 11.000 pessoas, várias das estruturas para melhorar as vidas das crianças foram consideradas

perigosas, porque não haviam sido adequadamente examinadas, a partir de uma perspectiva centrada na criança. O

projeto colocou vidros em janelas que poderiam ser facilmente removidos e quebrados por crianças curiosas, construiu

parquinhos que eram perigosos, e instalou banheiros com descargas que as crianças não conseguiam alcançar, e que

exigia uma água a que as famílias das crianças não tinham acesso.”37 De forma semelhante, os organizadores dos

campos instalaram caixas d’água que, com uma capacidade de 20 ou mesmo 50 litros, eram pesadas demais para que

as meninas carregassem, quando cheias. Ninguém pensou em verificar isto com as próprias meninas, embora buscar

água seja uma tarefa que normalmente cabe às meninas de uma família.38

Em nossa pesquisa online, os respondentes dos diferentes grupos afirmaram que ‘consultas significativas com meninas

adolescentes’ tiveram pouca frequência: a mais alta ocorreu entre o grupo de água e saneamento (47 por cento) e a

mais baixa no grupo de proteção (26.8 por cento).39 E ainda assim, 83 por cento dos respondentes identificaram isto

como uma prioridade importante no planejamento e na programação humanitária.

Quando as meninas participam totalmente, Francisco Soto, conselheiro de gerenciamento de riscos de desastres,

explica que as coisas começam a mudar: “Este treinamento [de Redução de Riscos de Desastres], que começou como

uma oficina quando eles [os jovens] tinham 12 anos, abriu um caminho para uma mudança de desenvolvimento

comunitário positiva, e em longo prazo. Agora, os jovens, e particularmente as jovens meninas, são vistos como

líderes capazes de suas comunidades. As jovens mulheres participam tanto quanto os jovens homens. Na verdade,

com frequência as jovens mulheres participam mais; são as primeiras a levantar as mãos, e falam mais. Elas têm

coragem. Este é um indicador que revela que as jovens mulheres estão avançando, e que sabem que possuem os

mesmos direitos que os rapazes.”40

“Para mim, na minha vida pessoal, o treinamento tem me ajudado de várias formas. Aumentou a minha autoestima, me ajudou a não me sentir inferior a outras pessoas porque sou uma jovem mãe... e eu conheço meus direitos, sei como defender meus direitos, e como impedir que eles sejam desrespeitados.”

María Elena, 18, El Salvador41

Simplesmente sobreviver a um terremoto, enchente ou seca não é o único objetivo do trabalho humanitário. Deve

também ser prioridade para as comunidades humanitárias e de desenvolvimento assegurar que aqueles que sobrevivem,

particularmente os mais vulneráveis, tenham o apoio de que precisam para aceitar as perdas e superar o trauma, e os

recursos necessários para reconstruir suas vidas, bem como se preparar para crises futuras.

No que diz respeito às meninas adolescentes, isto não está acontecendo. Evidências de pesquisas primárias demonstram

que as comunidades humanitárias e de desenvolvimento estão fracassando em tratar das necessidades das meninas

adolescentes. Elas estão fracassando em assegurar que as meninas tenham os conhecimentos, habilidades e recursos, e

que sejam capazes de sobreviver ao impacto de uma possível seca, enchente ou terremoto. Elas estão fracassando em

atender as necessidades das meninas, quando são expostas a maiores riscos, depois de um desastre. Meninas saudáveis e

educadas podem se tornar líderes em momentos de resposta e recuperação em suas comunidades. Mas as meninas que

são forçadas a deixar a escola cedo, que ficam doentes, que não têm acesso a métodos contraceptivos quando precisam,

que engravidam muito cedo, ou que são forçadas a vender seus corpos para sobreviver, enfrentam consequências

potencialmente desastrosas, que as afetarão não apenas durante o período do desastre, mas pelo resto de suas vidas.

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Em Duplo Risco: Meninas Adolescentes e Desastres

Atualização do estudo “Escolhas Reais, Vidas Reais”O estudo ‘Escolhas Reais, Vidas Reais’ agora em seu sétimo ano, está acompanhando 142 meninas vivendo

em nove países ao redor do mundo – Benin, Togo, Uganda, Camboja, Vietnã, Filipinas, El Salvador, Brasil e República Dominicana. O estudo usa entrevistas e discussões em grupos focais com parentes e membros da comunidade, para fornecer um retrato detalhado da realidade das vidas das meninas. Nascidas em 2006, todas estão completando sete anos este ano.

Fatores de risco para as meninasNão são apenas grandes eventos, como uma

enchente, um terremoto ou uma guerra – desastres

internacionalmente reconhecidos – que tornam as

meninas e jovens mulheres especialmente vulneráveis.

O custo cada vez mais alto de vida e o risco crescente

de desastres naturais são constantes preocupações para

muitas famílias. Vivendo em pobreza crônica, ameaçadas

pela escassez de alimentos e pela infraestrutura precária,

a vida é uma luta diária contra um desastre pessoal

iminente.

Este stress diário é frequentemente ignorado, mas pode

ter um impacto significativo sobre a capacidade das

meninas e jovens mulheres de construir capital social

e econômico, permanecer vivas e saudáveis e acessar

educação.

Algumas famílias estão tomando decisões estratégicas que irão, no futuro, assegurar que elas corram menos riscos.

Estas decisões incluem a construção de redes sociais mais fortes, o aumento de suas oportunidades de subsistência, e a

diminuição do trabalho doméstico entre meninas em idade escolar. Muitos pais estão conscientes de que a educação é

a chave para a redução de riscos, mas mandar suas filhas para a escola nem sempre é uma simples questão de escolha

ou vontade. A proteção contra riscos também pode significar uma limitação ao movimento das meninas e seu acesso

à educação.

Desde muito cedo, as meninas do nosso estudo têm sido ativamente encorajadas a imitar os trabalhos de suas mães e avós. Agora,

quase todas têm tarefas regulares para executar.

Cintia, no Brasil, explica: “Eu faço algumas coisas em casa, quando chego da escola: varro o chão, limpo o sofá, arrumo as camas e varro o terraço e o quintal.” No Camboja, a mãe de Sipha, Han Ra

nos contou que: “Ela acorda às seis horas da manhã,

escova os dentes e toma banho sozinha. Ela me ajuda a

cuidar do meu bebê e toma o café da manhã antes de ir

para a escola, caminhando. A escola fica a cerca de 10

minutos de distância. De tarde, ela cuida do irmãozinho

enquanto ele dorme, por cerca de três horas”. A nossa

pesquisa também revela a extensão dos riscos diários

enfrentados pelas meninas por causa destes papeis e

responsabilidades de gênero. Neste pequeno estudo,

seis meninas, infelizmente, morreram; pelo menos

duas delas por causa de acidentes domésticos – uma,

em um incêndio na cozinha de casa, e a outra se afogou

em um rio próximo, usado no lugar de instalações de

saneamento adequadas.

Cintia.

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Sipha e sua mãe.

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Reduzindo o risco, “protegendo” as meninas Agora que as meninas estão crescendo e

frequentando a escola regularmente, estamos vendo

como esta maior exposição ao mundo externo a suas

casas está produzindo preocupações sobre os riscos

que elas enfrentam. Outros estudos demonstram que

as preocupações dos pais sobre o trajeto até a escola

crescem na medida em que as meninas se aproximam

da puberdade, quando o risco da violência sexual é

percebido como maior.

Por enquanto, a maioria dos pais está preocupada

com suas filhas terem que atravessar ruas ou rodovias

movimentadas. A mãe de Consolata, no Benin, diz:

“O perigo é que a escola está localizada perto da

rua, em um cruzamento, e, portanto, é um local muito movimentado.” Durante a estação chuvosa em El Salvador,

Yacqueline não podia chegar à escola devido às enchentes. Sua mãe diz: “Quando as ondas são muito fortes, o mar

invade as ruas. Os carros não conseguem passar e as crianças não conseguem andar pelas calçadas.”

O risco da violência também é muito real para algumas meninas. No Brasil, Eloiza, de seis anos, diz: “Minha mãe não permite que eu e minha irmã brinquemos [lá fora] com os meninos.” Os pesquisadores da área

confirmam que a comunidade é insegura; existem denúncias regulares de roubos, assaltos, brigas de gangues e

assassinatos. Os pesquisadores comentaram: “A família de Eloiza se preocupa muito com a segurança da casa. Eles

nos contaram que vão aumentar a altura do muro do quintal

e instalar uma cerca elétrica.”

Kevyllen, de sete anos, que vive no Brasil, afirma: “Eu não gosto dos criminosos na rua. Eu gostaria de ser advogada e trabalhar no tribunal para colocar os criminosos na cadeia.” Em El Salvador, muitas famílias que participam do estudo

vivem com um constante medo por sua segurança pessoal.

Algumas das mães das meninas são sobreviventes da violência

sexual. Como confirmado pelas meninas mais velhas que

entrevistamos este ano nas Filipinas, Vietnã e El Salvador, o

medo da violência sexual aumenta em tempos de incerteza e

desastres. Esta situação pode frequentemente expor as lacunas

entre os sonhos e expectativas das meninas e suas famílias (de

ir para a escola secundária ou para a universidade) e a realidade

(ficar em casa com a família até o casamento).

No último ano, relatamos as reflexões e experiências das mães

das meninas, através de uma série de entrevistas sobre suas

histórias de vida. A maioria destas mulheres recebeu algum

tipo de educação formal, e como resultado disto, elas estão

determinadas a verem suas filhas frequentando a escola para

terem a chance de uma maior igualdade de gênero e uma vida

mais satisfatória. Sabemos que esta geração de mães está

comprometida a apoiar o direito de suas filhas à educação. É

a partir da determinação delas, apesar da pobreza e dos riscos

que suas famílias enfrentam, que podemos começar a ver um

futuro melhor para as menina.

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Consolata e sua mãe.

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Eloiza e sua família.

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