em direção a um conceito de literacia histórica

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  • Educar, Curitiba, Especial, p. 131-150, 2006. Editora UFPR 131

    Em direo a um conceito deliteracia histrica*

    Towards a concept ofhistorical literacy

    Peter Lee**

    RESUMO

    Este trabalho pretende esboar consideraes iniciais e muito provisrias deuma noo utilizvel de literacia1 histrica. Est sustentado sucintamente emalgumas consideraes filosficas sugeridas pelos trabalhos de Bevir,Collingwood, Lorenz, Oakeshott e Rsen, com a finalidade de decidir o quepoderia se includo de forma til em tal noo. Mais substancialmente, empre-ga pesquisas empricas recentes para sugerir qual considerao/aplicao deliteracia histrica poderia ser discutida. Qualquer considerao til exige pres-tar ateno em dois componentes: primeiro, as idias dos estudantes sobre adisciplina de histria; segundo, sua orientao em direo ao passado (o tipode passado que eles podem acessar, e a relao deste com o presente e ofuturo). Pesquisas conectando esses dois componentes de literacia histricativeram seu incio recentemente, apesar da abordagem terica de Rsen dirigida conscincia histrica ter inspirado a investigao do segundo componente jh algum tempo em partes da Europa. Argumenta-se que o principal projetopara educao histrica deve ser o desenvolvimento de estruturas histricasaproveitveis do passado, que no sejam histrias de festas, mas que permi-tam aos estudantes assimilarem novos eventos e processos, tanto no passadoou no futuro e que sejam eles mesmos adaptveis ao se defrontar com novomaterial recalcitrante. Instrumentos chaves daqui sero idias adequadamente

    * Texto traduzido do original Towards a concept of Historical Literacy por ElizabethMoreira dos Santos Schmidt, Luciana Braga Garcia, Maria Auxiliadora Schmidt e Tnia BragaGarcia.

    ** Professor na History Education Unit - School of Arts and Humanities, Universityof London Institute of Education- Bedford Way, London WC1H 0AL E.mail:[email protected]

    1 N.T.: A palavra literacy foi traduzida por literacia, acompanhando a forma jutilizada em textos do autor traduzidos em Portugal.

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    sofisticadas sobre consideraes histricas, junto com conceitos proximamen-te relacionados, como significado, interpretao e mudana.Palavras-chave: Educao histrica; Orientao; Estrutura; Conceitos desegunda ordem; Compreenso histrica.

    ABSTRACT

    This paper attempts to sketch an initial and very provisional account of aworkable notion of historical literacy. It draws briefly on some philosophicalconsiderations suggested by among others the work of Bevir,Collingwood, Lorenz, Oakeshott and Rsen in order to decide what might beusefully included in such a notion. More substantially, it employs recentempirical research to suggest what an account of historical literacy mightneed to address. At the very least any useful account ought to pay attentionto two components: first, students ideas about the discipline of history;second, their orientation towards the past (the kind of past they can access,and its relationship to the present and future). Research connecting thesetwo components of historical literacy has only recently begun, althoughRsens theoretical approach to historical consciousness has inspiredinvestigation of the second component for some time in parts of Europe. Itis argued that a major project for history education must be the developmentof usable historical frameworks of the past that are not party histories, butallow students to assimilate new events and processes, whether in the pastor the future, and are themselves adaptable in the face of recalcitrant newmaterial. Key tools here will be adequately sophisticated ideas abouthistorical accounts, together with closely related concepts such as significance,interpretation and change.Key-words: Historical education; Orientation; Framework; Second-order;concept; History understanding.

    Conhecendo e compreendendo histria

    Figuras pblicas e a imprensa usualmente no tm dificuldade com oque conhecer a histria. Sam Wineburg ridiculariza, de forma eficaz,queixas do sculo passado de que o ensino pobre ou mtodos modernossignificam alunos que no conhecem os fatos mais simples e bvios(WINEBURG, 2000). Ele aponta que o lamento permanece o mesmo, apesar

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    do fato de que a teoria e a prtica educacional, junto com as sociedades queas sustentam, terem mudado. Uma caracterstica igualmente estranha dosmtodos modernos que em qualquer ponto do sculo passado em queocorriam e quo mal fossem ensinados, produziram uma gerao segura osuficiente da superioridade de seus prprios conhecimentos histricos paralamentar sua ausncia na gerao seguinte.

    Todos que conhecem qualquer coisa sobre educao histrica con-cordam que h mais na histria do que o conhecimento de lembranas deeventos passados, mas nem sempre h concordncia sobre o que essemais deveria ser, e que, na confuso da vida escolar, a prtica pode variarenormemente, mesmo num nico sistema nacional. No Reino Unido, du-rante as quatro ltimas dcadas, a importncia de ensinar os alunos sobre adisciplina de histria tem sido amplamente reconhecida, mesmo que cen-tralizaes recentes sob os auspcios de instituies governamentais te-nham confundido muitas das idias desenvolvidas nos anos 80. Entretanto,mesmo sem qualquer retrocesso, a educao histrica no Reino Unido estlonge de ser satisfatria. No se trata de que algum tenha repentinamenterevelado um novo problema; aps a experincia dos ltimos trinta anos deateno s questes disciplinares, mais fcil enxergar o que est faltando.Uma forma de colocar o problema dizer que ainda falta um conceitoadequado de literacia histrica.

    Em direo ao conceito de literacia histrica

    Durante as trs ltimas dcadas, a educao histrica no Reino Unidoexibiu uma tenso entre duas preocupaes diferentes. Entre muitos pro-fissionais (professores, examinadores e pesquisadores) o interesse se con-centrou no significado e em como desenvolver a compreenso dos alunosna disciplina de histria. Entrementes, alguns professores, muitos historia-dores e o pblico leigo estiveram mais interessados no que os alunos deve-riam saber sobre o passado no final dos seus cursos escolares. Claramenteno h um conflito necessrio entre essas duas preocupaes, mas deve-mos, todavia, lembrar-nos que lidar com um deles no necessariamentefazer qualquer avano sobre o outro.

    mais fcil realizar observaes agora, no incio do sculo 21, doque h 20 anos, sobre o porqu devemos enfatizar as conexes entre os

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    dois conjuntos de preocupaes. A pesquisa nos forneceu um quadro deta-lhado dos tipos de idias sobre histria que os alunos conseguem reter, e cada vez mais claro que algumas dessas idias no esto meramente nocaminho de aprender histria, mas fazem-na parecer uma atividade dbia eftil. Portanto, quando falamos sobre o que os estudantes sabem sobrehistria, podemos adivinhar melhor o que deve ser entendido se os fatosque o pblico quer que nossos alunos recordem so considerados comoconhecimento sobre tudo. Alm disso, no contexto das ltimas trs dca-das de filosofia de histria, deveria apenas ser necessrio apontar que oconhecimento histrico no consiste em itens descontnuos e que histri-as2 no podem ser tratadas como um acmulo de eventos.

    No entanto, embora possamos saber mais sobre as idias que os estu-dantes trazem para a histria, apenas comeamos a pensar claramente so-bre a forma real de conhecimento que queremos que eles adquiram quandoconcluem a disciplina de histria na escola. O pblico e os historiadoresprofissionais no esto errados em se preocupar com o que os estudantessabem, embora eles possam no compreender bem a natureza do proble-ma. De fato, devemos ter cuidado ao falar sobre o problema at quetenhamos um quadro bem claro do que queremos. Precisamos de umanoo operacionalizvel de literacia histrica.

    FIGURA 1 MATRIZ DISCIPLINAR DE JRN RSEN

    2 N.T.: Utilizou-se a forma histrias correspondendo ao termo ingls story usadopelo autor.

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    O trabalho de Jrn Rsen sobre conscincia histrica, e particular-mente, sua matriz disciplinar (figura 1), pode ser um ponto inicial auxili-ar, ainda que haja espao aqui somente para insuficientes breves notas. Odiagrama de Rsen conecta a histria e a vida prtica cotidiana (RSEN,1993, p. 162). Nossos interesses dirigem nossa compreenso histrica, aqual, por sua vez, permite que nos orientemos no tempo. Mas a histriaacadmica simplesmente no responde s demandas da vida cotidiana parasustentar digamos a identidade nacional. A histria acadmica produzum excedente terico alm da necessidade da identidade de sujeitos atuan-tes e esse excedente terico deve ser visto como uma realizao racionalcaracterstica da narrativa histrica orientada por pesquisas. Assim, a his-tria transcende a particularidade da orientao de senso comum da aodentro do mundo-vida e em si uma realizao histrica, com suas pr-prias regras metodolgicas e prticas, guiadas pela teoria. Ela pode, emconseqncia, assumir uma postura crtica em direo aos interesses edemandas da vida prtica (MEGILL, 1994).

    Rsen enfatiza que o aprendizado histrico no pode ser somente umprocesso de aquisio da histria como fatos objetivos; ele envolve tam-bm conhecimento histrico, comeando a atuar como regra nos arranjosmentais de um sujeito (RSEN, 1993, p. 87). Em outras palavras, tal co-nhecimento no deve ser inerte, mas deve agir como uma parte da vida doaprendiz. Por seu papel em nos orientar no tempo, a conscincia histricatem uma funo prtica (RSEN, 1993, p. 67). A histria no pode, deacordo com o ponto de vista de Rsen, se contentar com um pluralismolento proliferando mltiplas perspectivas com nenhuma possibilidade dedecidir entre perspectivas em um objetivo, isto , caminhointersubjetivamente obrigatrio (RSEN, 1993, p. 53). Portanto, a tarefa dahistria nos fornecer um senso da nossa prpria identidade, mas

    de uma forma que estimule e facilite nossa cooperao com outras pessoas,outras naes e outras culturas. Uma vez que a humanidade, no sentidoamplo da palavra, o estgio no qual as relaes inter-humanas soordenadas, a humanidade deve ser a base sobre a qual toda histria escrita. (ANKERSMIT, 1998, p. 88).

    Ao reconhecer a histria como algo que transcende a orientao desenso comum, mas ainda unindo-a em caminhos complexos com aes

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    no mundo cotidiano, a considerao de Rsen sobre a conscincia histri-ca sugere alguns princpios para construir um conceito de literacia histri-ca. Uma primeira exigncia da literacia histrica que os alunos entendamalgo do que seja histria, como um compromisso de indagao com suasprprias marcas de identificao, algumas idias caractersticas organiza-das e um vocabulrio de expresses ao qual tenha sido dado significadoespecializado: passado, acontecimento, situao, evento, causa,mudana e assim por diante (OAKSHOTT, 1983, p. 6). Isso sugere queos alunos devem entender, por exemplo:

    - como o conhecimento histrico possvel, o que requer um concei-to de evidncia;

    - que as explicaes histricas podem ser contingentes ou condicio-nais e que a explicao de aes requer a reconstruo das crenas doagente sobre a situao, valores e intenes relevantes (BEVIR, 1999, 2002;COLINGWOOD, 1993, 1999; DRAY, 1995; VAN DER DUSSEN, 1981);

    - que as consideraes histricas no so cpias do passado, mastodavia podem ser avaliadas como respostas para questes em termos (aomenos) do mbito do documento que elas explicam, seus poderes explicativose sua congruncia com outros conhecimentos. (LORENZ, 1994, 1998; BEVIR,1994).

    H mais na histria do que somente acmulo de informaes sobre opassado. O conhecimento escolar do passado e atividades estimulantes emsala de aula so inteis se estiverem voltadas somente execuo de idiasde nvel muito elementar, como que tipo de conhecimento a histria, eesto simplesmente condenadas a falhar se no tomarem como refernciaos pr-conceitos que os alunos trazem para suas aulas de histria. Aqui apesquisa tem algo a dizer.

    Histria como contra-intuitiva: o aparato de compreenso

    O projeto do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos daAmrica How people learn HPL (Como as pessoas aprendem) resu-me princpios chaves de aprendizado e ao contrrio da maioria das teoriasgenricas de aprendizado reconhece que operam em reas diferentes,uma das quais a histria (BRANSFORD; BROWN; COCKING, 1999). O primei-

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    ro princpio chave do HPL, derivado dos ltimos trinta anos de pesquisa, o centro das consideraes deste trabalho.

    Os alunos vo para as salas de aula com pr-conceitos sobre como funcionao mundo. Se suas compreenses iniciais no so levadas em conta, podemfalhar em entender novos conceitos e as informaes que lhes so ensinadosou podem aprend-los para uma prova, mas revertem para seus pr-conceitos fora da sala de aula (DONOVAN; BRANSFORD; PELLEGRINO, 1999).

    Quais idias os alunos trazem para a histria? As pessoas quase sem-pre assumem que a histria uma matria de senso comum sem asabstraes encontradas em cincias ou matemtica. Esse pode ser um pon-to de vista profundamente equivocado. Se observarmos as respostas dosalunos para uma ampla variedade de questes de pesquisa em uma gamaconsidervel de circunstncias, encontramos uma srie de idias bsicas.

    Primeiro, muitos alunos vem o passado como permanente. Para al-guns, isso porque a pergunta como sabemos? simplesmente no surge:h somente uma histria porque dito assim no livro (Kimberley, 6a srie.3A menos que seja afirmado de outra forma, todos os exemplos so do projetoChata: Concepts of History and Teaching Approach, do Conselho de Pesqui-sas Econmicas e Sociais). A idia de que o passado ocorreu da forma pelaqual ocorreu, seja ela qual for, uma viso senso comum perfeitamenteutilizvel. Algo em histria somente pode acontecer de uma forma. Eu acor-dei hoje de manh. Eu no estaria certa se escrevesse que dormi. As coisass acontecem de uma forma e ningum pode mudar isso (Sarah, 7a srie).Mas esse conceito causa problemas quando tratado como equivalente idiade que h somente uma descrio verdadeira do passado: A vida real sacontece uma vez, assim, h somente uma histria. (Christopher, 7a s-rie). Para os alunos que pensam dessa forma, o passado como uma paisa-gem distante, atrs de ns, simplesmente fora do alcance, fixa e eterna. Nonos surpreende que os alunos pensem assim, dado que aprendem o quesignifica dizer a verdade em situaes em que a verdade conhecida e a

    3 A sexta srie na Inglaterra corresponde s idades de 10 a 11 anos, isto , a mesmaidade da quinta srie nos EUA. Portanto, a stima srie inglesa corresponde sexta srienorte-americana (11-12), e a nona srie corresponde oitava norte-americana (13-14).

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    prova se voc diz ou no como ela era. O desafio materno voc quebrouo vidro? pode tratar o passado como uma prova permanente para a verda-de, porque a memria de aes muito recentes parece dar acesso ao passa-do em um mundo prtico no qual as convenes tomadas como a histriaverdadeira so tidas como certas. A histria no assim.

    A segunda idia que conhecemos coisas como certas, somente seas vemos (ou fazemos) diretamente, e qualquer coisa menos do que a cer-teza no conhecimento real, e , ento, suspeito. Conhecimento pela pr-pria experincia , assim, o modelo para todo conhecimento. Segue que anica maneira pela qual poderamos realmente saber sobre o passado seriase estivssemos l quando aconteceu e tivssemos testemunhado, como osalunos nunca cansam de explicar: impossvel dizer o que realmente acon-teceu porque no estvamos l (Betty, 6a srie). Alguns estudantes sopreparados para conciliar: poderia haver um livro que tivesse sido escritopor algum quando isso aconteceu ou talvez se voc encontrasse umdirio velho ou algo poderia ajudar (Emily e Sally, 6a srie). No podemosestar certos se no estvamos l, mas se algum estava l para ver e relatarfielmente, no est tudo completamente perdido. Infelizmente isso no re-solve o problema, como os adolescentes logo percebem. Se, para nossoconhecimento, dependermos do passado em relatos, somos dependentesdas pessoas dizerem verdadeiramente o que aconteceu, e os alunos sa-bem que mesmo se ningum realmente mentisse, ainda assim poderiamdistorcer a verdade para seus prprios fins geralmente porque eles pos-suem posicionamentos. No final, se quisermos um conhecimento seguro,somente estando l ser suficiente.

    Terceiro, a histria nos conta o que aconteceu. Desde que o queaconteceu seja constitudo de eventos ou aes localizadas muito especi-ficamente no tempo e espao, isto se torna equivalente ao que poderia tersido testemunhado. Os alunos tendem a pensar no que aconteceu emtermos de eventos particulares e diminuem a larga escala da histria parapoder ajust-la. (BARTON, 1996). Novamente, isto perfeitamente razo-vel: a vida cotidiana experimentada em eventos pessoais, em fatias dedeterminado tamanho. Assim, processos, estado dos relacionamentos emudanas so sujeitos a eventificao (termo cunhado por Lis Cercadillo).

    Finalmente, afirmaes sobre o passado so reduzidas para caber nessaontologia empobrecida. Tudo o que os historiadores dizem assumido comoalgo que deve ser testvel pelas afirmaes testemunhadas. claro que, narealidade, muito do que interessa aos historiadores (por exemplo: proces-sos em larga-escala e mudanas lentas, sem mencionar explicaes ou es-

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    trias) no poderia, logicamente, ter sido testemunhado, apesar de elemen-tos e evidncias de que possam ter existido.

    Muitos estudantes, ento, operam com um conjunto de idias quefuncionam bem na vida cotidiana, mas que tornam a histria impossvel.Porque h um passado permanente, somente uma considerao verdadeirapode ser feita. O passado consiste de eventos testemunhveis, ento asafirmaes dos historiadores sobre o que aconteceu so como depoi-mentos de testemunhos de segunda mo. (Assim, um aluno bem informa-do percebe que fontes primrias so mais confiveis do que fontes se-cundrias). J que no estvamos l para ver o passado, e somente o co-nhecimento direto nos fornece conhecimento confivel, no temos comorealmente saber o que aconteceu (LEE; ASHBY, 2000; LEE, 2005).

    FIGURA 2 ALGUMAS IDIAS DO DIA-A-DIA QUE FAZEM A HISTRIA CONTRA-INTUITIVA

    Se nos movermos de um nvel de declaraes singulares para o nvelde histrias, descobrimos que estas idias levam os alunos a tratarem con-sideraes histricas como cpias de um passado fixo, fornecendo de for-ma imaginria o quadro completo. Na vida cotidiana, a noo de verda-de total inteligvel, em situaes nas quais o contexto prtico produzconvenes claras de relevncia (como num julgamento de assassinato),mas para a histria, a considerao completa do passado no faz sentido.Alunos que pensam que isto possa existir so como o cronista ideal deDanto, que observa como o rio do tempo conduz eventos do futuro para opresente e registra tudo, enquanto o rio verte sobre o penhasco para dentrodo passado (DANTO, 1965). Mas o passado em histria nunca pode ser

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    assim, primeiro porque pode ser descrito por um infinito nmero de for-mas, e segundo porque tambm dinmico, mudando com eventos subse-qentes. Em 1920 no podamos logicamente no podamos dizer OTratado de Versailles lanou as sementes para regras nazistas na Alema-nha, enquanto que em 1940 tal descrio era ao menos uma das possveis.A invaso do Iraque no pode agora ser descrita como uma abertura de umlongo perodo de estabilidade no meio-leste ou o incio do declnio do podermundial dos EUA, mas ambas podero ser uma descrio vlida daqui a100 anos. A gama de descries vlidas aplicveis ao passado muda com aocorrncia de novos eventos e processos. As consideraes histricas soconstrues, no cpias do passado.

    A compreenso de como as afirmaes histricas podem ser feitas, edas diferentes formas nas quais elas possam ser mantidas ou desafiadas, uma condio necessria para a literacia histrica, mas no suficiente. Seos alunos que terminam a escola so capazes de usar o passado para ajud-los a atribuir sentido ao presente e ao futuro, eles devem levar consigoalguma histria substantiva. O problema parece ser menos com nosso en-tendimento de como construir o conhecimento profundo dos estudantesdo que com nossa habilidade de fornecer a eles um grande quadro.

    Passado dos alunos: os instrumentos de orientao

    Quando pedimos para os alunos pensarem sobre o presente e o futu-ro, em qual extenso eles delineiam os seus estudos do passado? Ser queeles podem acessar uma estrutura coerente? Pesquisas no Reino Unidoapenas iniciaram a colocao dessas questes, mas num estudo piloto depequena escala, que demonstra nada sobre coisa alguma, contudo nospermite algumas especulaes. Dez entrevistas foram conduzidas em duasescolas (uma compreensiva/extensiva e outra seletiva em Essex), com 30alunos de nove, doze e treze anos, em grupos de trs. As duas escolastinham departamentos de histria bem sucedidos.4 A anlise limitada, massugere alguns temas para discusso.

    4 O critrio de sucesso, aqui, inclui a performance em exames pblicos de alunos de 16e 18 anos, e avalia a Histria quando ela uma disciplina opcional.

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    Est claro que nesta oportunidade os estudantes da amostra tinhamdificuldades at de lembrar o que estudaram em Histria na escola. Roger,de 18 anos, que abandonou Histria aos 14 anos, para estudar Cincias,no era diferente dos alunos mais velhos.

    Entrevistador: O que voc lembra de ter feito?Roger: Feito? Principalmente coisas como os romanos e este tipo de

    histria.Entrevistador: Voc consegue lembrar outra coisa alm dos romanos?

    O que, depois deles?Roger: Segunda ou primeira guerra mundial.Entrevistador: Ento so os romanos e depois a segunda e a primeira

    guerra mundial?Roger: Estou tentando pensar. Obviamente isto foi h um bom tempo,

    mais de quatro anos.Entrevistador: Aconteceu algo entre os romanos e a segunda guerra

    mundial, alm da primeira guerra?Roger: No. Isso era tudo. (risadas).Enquanto alunos de 14 anos conseguiam lembrar um pouco mais so-

    bre o que estudaram, a tendncia foi de uma lista desarticulada, geralmenteproduzida aps esforo considervel. As guerras mundiais foram acessadasprimeiro (o que no surpreende, j que a segunda guerra mundial aindaestava sendo estudada), mas s vezes, tpicos escolares primrios como oEgito Antigo pareceram quase como destaques. Os romanos foram menci-onados invariavelmente, com aluso menos freqente batalha dos Hastings(do que a Conquista da Normandia como tal), os Tudors, a Guerra Civil eocasionalmente a Revoluo Industrial.

    Quando perguntado aos alunos Se voc tivesse que resumir a hist-ria britnica at ento a partir do que voc fez na escola ou em casa,incluindo TV, filmes, livros ou qualquer coisa mais que tipo de histriavoc diria que houve?, houve um pequeno sinal de estrutura coerente. Apergunta difcil at mesmo com sugestes, como Que ttulo poderiaresumir tudo? Qual seria o enredo (ou os enredos)? Quais so os temas?Em nenhuma situao as respostas foram congruentes com aquelas apre-sentadas na entrevista.

    Os trs jovens de 14 anos, do prximo exemplo, no puderam menci-onar eventos, mas somente Obi pde oferecer uma concepo organizada(os resumos foram retirados de uma longa discusso).

    Fay: Houve invases, Vikings e tal, Revoluo Industrial. Tivemos omaior imprio, a melhor marinha. Tivemos a peste...

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    Entrevistador: Mas no nessa ordem!Fay: No, no nessa ordem, claro, e tempos e tempos atrs ramos

    considerados brbaros porque fomos rudes com as pessoas, gostvamosmuito de guerras.

    Entrevistador: Certo.Obi: Independncia de, talvez, invases e coisas. Os pases comea-

    ram a aceitar o que era deles e o que no era, poderia ser a introduo dosdireitos das mulheres e o sistema eleitoral na Bretanha. As pessoas estosendo capazes de tomar decises que afetam o pas e toda a sociedadetornou-se mais independente.

    Trs, de 17 anos (da mesma escola), que atingiram notas elevadas noGCSE e estavam estudando histria no nvel A, no forneceram considera-es totalmente diferentes. Paul e Grace trocaram, com sofrimento, consi-deraes organizadas.

    Paul: Penso que uma auto-defesa, contra povos que tentam invadira ilha. Alemanha na segunda guerra mundial, voc tem invases de Vikings,e previamente a isso, no tenho certeza de como foi bem defendido, masdepois, s recentemente eu penso que as pessoas comearam a sair paraoutras pessoas, para o outro lado das guas...

    Grace: Sim, penso que definitivamente guerra e tal...Entrevistador: Ento a histria da Bretanha principalmente a hist-

    ria da guerra?Grace: Bem, no como guerras e lutas e tal, mas como se estivsse-

    mos em guarda, de outros pases e tal, e estivemos envolvidos na primeirae segunda guerra mundial e coisas anteriores a essas.

    Paul: Eu ia s dizer que temos que procurar nossos prprios interesses[inaudvel] com as ilhas. A unio com a Europa pode, de alguma forma,garantir mais segurana, mas as pessoas, elas esto querendo nos adicio-nar as suas colees, como a Alemanha tentando nos invadir, ento elesteriam o conjunto completo da Europa.

    O tema auto-defesa contra a invaso estendido pelos alunos paraincluir outras situaes e momentos histricos, pessoas que comearam air... ao outro lado da gua, mas permanece verdadeiramente de mo nicae preocupado com segurana. Eddie forneceu uma considerao mltiplade mudana.

    Eddie:...a monarquia sempre teve o poder, e ento, obviamente veio oparlamento e ento coisas como a Guerra Civil e etc, e eventualmente, istolevou ao sistema democrtico atual. Ns estamos na vanguarda, uma esp-cie de lderes da democracia, e eu poderia dizer que parece o tipo de obje-

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    tivo ao qual nos direcionamos; e eu no diria que isso vai envolver nadamais, com exceo de talvez, quero dizer que a famlia real j perdeu gran-de parcela do seu poder, e acho que isso poderia desaparecer, esta seria anica mudana, eu poderia dizer. E ento, industrialmente, houve a Revo-luo Industrial e continuamos na dianteira, e eu diria agora, apesar deno pensar o que poderia haver um patamar estvel de industrializaoporque, obviamente, a tecnologia sempre muda as coisas, eu diria queramos razoavelmente estveis...

    A nica ligao com o crescimento da democracia, que o objetivoao qual nos direcionamos e a Revoluo Industrial parece ser a idia deestarmos frente. A noo da Bretanha ter alcanado um patamar est-vel, sugere que as mudanas esgotaram-se, mas como a tecnologia sem-pre altera a estabilidade, isso qualificado. A idia de que mudana tenhaestacionado porque o ponto final foi alcanado carregada de dificuldades,mas pode apontar uma noo interessante do que a democracia pode ser,talvez ela prpria tenha derivado de uma concepo implcita referenciadano passado. A mudana tecnolgica comumente vista como contnua,ligada idia de senso comum de progresso (BARTON, 1996), mas mesmoaqui alguns alunos estavam inclinados a pensar que o principal impacto doscomputadores, por exemplo, j terminou. A resposta de Eddie serve comoum aviso contra a justificativa comumente dada para a histria no currculoescolar que enfatiza compreender como estamos aqui hoje. Se o prop-sito da educao histrica pensado e ensinado nesses termos, haver operigo de cair na armadilha de alimentar a propenso de os estudantes ve-rem o presente como auge, e logo imaginar que improvvel que a mudan-a afete suas prprias vidas de forma fundamental.

    As histrias, na maioria das respostas, so fragmentadas e esboadas,alm de baseadas em referncias especficas muito limitadas; as favoritasso a Segunda Guerra Mundial, os Vikings, a Guerra Civil, a RevoluoIndustrial e a unio da Europa. A maior parte das respostas lida com even-tos, e no estados de coisas ou processos, e embora a mudana estejaclaramente presente, ela geralmente parece ser tratada ela mesma como umevento. Essa ontologia restrita pode ser o fator crucial para impedir osalunos de desenvolverem um quadro mais organizado e til do passado. Hpouca apreenso de temas relacionados um com o outro, ou direes dife-rentes de mudanas.

    Alguns dos alunos que deixaram de lado a histria aos 14 anos, apre-sentaram repetidamente caractersticas nacionais ao invs de qualquer es-trutura diacrnica coerente. Igor (17 anos), por exemplo, sugeriu como

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    os britnicos esto sempre querendo se colocar na frente para lutar bata-lhas de outras pessoas, eu acho, e fazendo a sua ao mesmo tempo. Elecitou a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais e o apoio para a guerraamericana contra o terrorismo. Helen (tambm 17) adicionou: Suponhoque sejamos uma nao um tanto quanto egosta porque estamos ajudandosomente a Amrica em benefcio prprio porque eles nos protegem, no foiassim na Segunda Guerra Mundial? E, voc sabe, quando comeamos aSegunda Guerra com a Alemanha foi principalmente para que no fsse-mos invadidos, realmente.

    Ambos os alunos admitiram que no tinham verdadeiramente nenhu-ma memria da histria antes da 9a srie, apesar de Helen ter dito que na 9asrie no teve realmente um professor. Uma considerao final para elucidarum quadro mais amplo persuadiu Helen a dizer espontaneamente: Somen-te um pas forte que sempre teve um rei e uma rainha, voc sabe, se envol-veu em vrias guerras e tal, pode ter uma certa influncia no mundo. Aquesto no que esses alunos no sabem nenhuma histria (eles sabemalgo sobre alguns eventos), mas no esto acostumados a pensar em ter-mos de um grande quadro, achando difcil ir alm da extrapolao frag-mentada do passado recente. Eles podem estar at projetando o presente devolta ao passado, e depois para a frente novamente.

    Deve-se enfatizar uma vez mais que, segundo todas as medidas usu-ais, os departamentos de histria de onde vieram os estudantes eram bemsucedidos, mas as respostas nesta amostragem para uma srie de questessobre o futuro, presente e passado, indicam que qualquer que fosse o co-nhecimento do passado que os alunos precisassem chamar, ele no apare-ceria organizado como uma ferramenta de orientao poderosa ou flexvel.Alguns dos alunos de 18 anos apelaram para verses mais complexas dopassado. Mas as entrevistas obtidas em totalidade (no somente perguntasdiretas sobre os temas da histria inglesa) so consistentes em sugerir queo acesso a uma estrutura histrica til no pode ser considerado comosendo comum, mesmo entre os alunos que esto se especializando emhistria at os 18 anos. No podemos generalizar a partir desse tipo deamostragem, mas ela sugere que deve haver algo aqui que merece ser in-vestigado numa escala maior (LEE, 2002).

    Adicionalmente s entrevistas, as respostas escritas foram obtidas de60 alunos, com questes sobre como iriam decidir qual partido polticoapoiar, se seria mais fcil ou difcil conseguir empregos nos prximos cin-co anos e como lidar com questes raciais na Bretanha. As perguntas fo-ram feitas em primeiro lugar sem mencionar o passado, mas assim que os

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    alunos responderam, foram questionados A histria no ajudaria? (paracada problema). Cerca da metade das respostas disseram que a histria noajudaria e cerca de um tero disse que sim (alguns alunos sentiram que nopoderiam dizer). A caracterstica interessante das respostas, no entanto, que ambos, aqueles que pensaram que a histria ajudaria a decidir, e aque-les que a histria no ajudaria, forneceram a mesma razo: as coisas mu-dam. As respostas sugerem que so dois pontos de vista de mudana paratrabalhar aqui, uma relacionada ao acaso e no previsvel, e outra inteligvelem algum grau. Esta ltima viso, claro, significa que compreender dire-es e tempo estendido, e caractersticas referenciadas no passado do com-portamento humano (por exemplo planos e polticas) crucial para se to-mar decises no presente (para alguns desses termos veja LEE, 1984;OLAFSON, 1979; ROGERS, 1984; SHEMILT, 1983). Se os achados nesse estu-do piloto no so ilusrios, voltamos-nos aqui para a relao chave entrequestes de orientao (o passado que nos ajuda na vida cotidiana) e com-preenses disciplinares. A matriz de Rsen parece ser um mapa apropriadopara pensar sobre os temas centrais para qualquer concepo genuna daliteracia histrica.

    Literacia histrica: compreenso e estruturas histricas

    Se os estudantes so capazes de se orientarem no tempo, vendo opresente e o futuro no contexto do passado, eles devem estar equipadoscom dois tipos de ferramentas: uma compreenso da disciplina de histriae uma estrutura utilizvel do passado. Os alunos que nunca vo alm dasconcepes do senso comum da histria acharo mais fcil aceitar versesprontas do passado, ou alternativamente rejeitar todo o empreendimentocomo inerentemente fraudulento. Mas, mesmo que os alunos tenham umsenso de que o conhecimento histrico possvel, junto com algum enten-dimento de como os historiadores organizam e explicam o passado, istono promove, neles mesmos, a estrutura substantiva que os alunos preci-sam para orientao. claro que, se estiverem equipados com um kit deferramentas intelectuais para se surpreender com as discordncias dos his-toriadores, e no esperarem consideraes histricas para espelharem opassado, tero alguma chance de desenvolver um grande quadro, ao con-

  • LEE, P. Em direo a um conceito de literacia histrica.

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    frontarem a multiplicidade de consideraes plausveis oferecidas pelo mundofora da escola. Elas podem ser boas para reconhecer e demonstrar cuidadovoltado para o passado prtico, designado para provar este ou aquele pontosobre quem ns (ou outros) somos, e o que ns (ou eles) devemos fazerdepois (OAKESHOTT, 1962). Mas h pouca evidncia para sugerir que issovir automaticamente, mesmo com esse tipo de educao histrica, se nadafor feito para desenvolver uma estrutura histrica utilizvel. Adaptando umametfora de Ros Ashby, como se os alunos nas escolas do Reino Unidofossem sacudidos pela intemprie, mas ningum se incomoda de contarpara eles sobre o clima. Eles podem at estar cientes dos recortes dameteorologia como atividades secretas, sabendo, por exemplo, que os ci-clones quase sempre trazem ventos e chuvas, mas permanecem frustradosem saber como obtemos os padres sazonais que temos, enquanto que aidia de que tais padres so parte de um mundo vasto totalmente ausen-te.

    Esse problema de fragmentao e paroquialismo aplica-se ao nvel doentendimento disciplinar e estruturas do passado. Na compreenso disci-plinar as atividades quase sempre so substitudas por conceitos que elasdeveriam ensinar (por exemplo, os alunos classificam causas sem compre-ender como as explicaes funcionam, ainda pensando que causas sosimplesmente um tipo particular de evento). Ao aprender sobre o passado,os alunos so ensinados sobre Hastings, esposas de Henrique VIII e Hitler,mas nada sobre as formas pelas quais a organizao social humana tem sedesenvolvido, abandonando aquilo de que depende. (Pergunte para crian-as novamente emprestando de Ros Ashby por que elas esto na escolae no cultivando alfaces e torna-se claro que mesmo a noo bsica de umexcedente simplesmente no parte de seus aparatos mentais).

    Ento, como poderemos ensinar uma estrutura histrica utilizvel (UHF)que vai alm dos fragmentos eventificados ou caractersticas nacionais,mas no est reduzido ao que os russos chamavam de party-history? Hespao aqui somente para esboar algumas caractersticas chaves do UHF.(Veja SHEMILT, 2000 e LEE, 2002 para mais discusses). Uma estruturadeve ser um ponto de vista geral de padres de mudanas a longo prazo,no um mero esboo de histria folheando picos do passado. Deve serensinada rapidamente e sempre revisitada, pois assim os alunos podemassimilar novas histrias em relao estrutura existente ou adaptar a mes-ma. Seguindo Rsen, essa matria deve ser a histria humana, no algunssubconjuntos privilegiados dela. Uma UHF ir seguir, inicialmente, amplosdesenvolvimentos nas sociedades humanas, questionando sobre os padres

  • LEE, P. Em direo a um conceito de literacia histrica.

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    de mudana na subsistncia humana e na organizao poltica e social. Osalunos podem fazer suas prprias perguntas sobre o significado das mu-danas, como a mudana de caar e colher para produzir, ou a mecanizaoda agricultura. Ser que o significado permanece o mesmo quando faze-mos perguntas diferentes? Qual o efeito de perguntar quantas pessoasuma certa rea pode suportar, ao contrrio de perguntar qual o impactoque essas mudanas causam no ambiente, ou qual a variedade de alimentoque era disponvel para pessoas comuns? Os alunos podem sugerir seusprprios critrios para acessar a mudana, e ver as formas nas quais ahistria (de qualquer maneira simplificada) muda como um resultado,fazendo suas prprias interpretaes, no numa fantasia juvenil, masacessando o significado da mudana e os temas modelos. Uma estruturapermitir aos alunos elabor-la e diferenci-la no encontro com novas pas-sagens da histria, consolidando sua coerncia interna, fazendo conexesmais complexas entre os temas e subdividindo e recombinando temas parapropsitos diferentes. Isso enfaticamente no advogar uma narrativa pa-dronizada, abandonar uma metanarrativa como a busca pela liberdadeque representa papel importante na histria dos Estados Unidos da Amrica(PENUEL; WERTSCH, 1998). A UHF deve ser uma estrutura aberta, capaz deser modificada, testada, aperfeioada e mesmo abandonada, em favor dealgo mais, de forma que os alunos sejam encorajados a pensar e refletirsobre as suposies que fazem ao testar e desenvolver sua estrutura. Dife-rentes alunos sairo da escola com diferentes estruturas.

    At o presente no temos demonstraes para esse tipo de UHF. Amaior aproximao pode ser o tipo de temtica e o desenvolvimento deestudos de escala estendida do tempo, pioneiramente proposta pelo ProjetoHistria Escola (SHP) (por exemplo, medicina pelo tempo) e pelo Proje-to Histria Cambridge (por exemplo, povos, poder e poltica). Precisa-mos fazer progressos em duas frentes. A pesquisa necessria para quenos permita entender as idias que estruturam as relaes dos alunos como passado e os tipos de passado que eles tm acesso. Simultaneamentedevemos tentar desenvolver abordagens prticas que construam nossoconhecimento das idias dos alunos e os tipos de passado aos quais tmacesso. Pesquisa e prtica devem andar juntas com o desenvolvimento docurrculo e com a contribuio dirigida por professores em estudos pilotosem pequena escala.

    A Histria cercada de concorrentes que declaram produzir bonscidados ou pensadores crticos. Um conceito vlido de literacia histricapoderia esboar os diferentes elementos na educao histrica e executar

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    as funes que esses substitutos parciais usurpam, mas precisamenteporque so parciais no conseguem obter. Um conceito de literacia hist-rica oferece uma agenda de pesquisas que une o trabalho passado comnovas indagaes. quase um trusmo que a dicotomia entre a educaohistrica como compreenso disciplinar e como histria substantiva sejafalso. Um conceito de literacia histrica demanda ir alm disso ao comeara pensar seriamente sobre o tipo de substncia que a orientao necessita eo que as compreenses disciplinares devem sustentar naquela orientao.

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    Texto recebido em 16 fev. 2005Texto aprovado em 17 nov. 2005