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EM CONCUPISCÊNCIA. Lucas cominato

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Uma revista registro. Um registro revisitado. Que passeia por algumas inconclusões.

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Page 1: Em concupiscência

EM CONCUPISCÊNCIA.

Lucas cominato

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Qual a distancia que existe entre aquilo que propomos, para aquilo que realmente é? Em arte, as possibilidades são inúmeras e a probabilidade de mudanças no meio do percurso, da pesquisa ou do processo é muito grande. É quase um fato na verdade. Neste caso, a performance Em Concupiscencia, faz parte de um projeto meu (ou seria uma fase?) chamado: Estudos Sobre o Vermelho. Nestes estudos foram produzidas obras em diversas linguagens artísticas, todas com um resultado satisfatório daquilo que pensei (se é que existem resultados satisfatóri-os...), porém quando fiz minha performance, a impressão, a devolutiva do publico presente foi totalmente diferente do contexto que planejava, do que eu estava querendo dizer, sobre minha pesquisa tratando o vermelho neste caso para o lado da definição da palavra concupiscência, que trazia condensada todos meus pensamentos daquele momento:

Inclinação a gozar os bens terrestres, particularmente os prazeres sensuaisganancia por propriedades materiaisaspiração por satisfações sexuaisdesejo libertinolascívia carnalDesejo desenfreadoambiçãopecado estimulado através de três áreas do ser humano: carne (corpo físico), olhos (alma), soberba da vida (espirito).

Tão diferente que a obra que começou com um propósito, mudou completamente o seu sentido enquanto proposta e ficou aberta para novos desdobra-mentos, colocando em questões alguns pontos levantados nos dois próximos textos, um escrito por mim, com palavras sobre a performance com o título: Minhas impressões pós-performance – Em concupis-cência, mostrando como tudo aconteceu de dentro, e outro texto, este escrito pelo estudante de Artes Visuais, educador e artista Cadu Gonçalves, com o titulo: De Casulo à Visceras: o silencio do vermelho, mostrando um olhar critico, lucido de quem estava vendo pelo lado de fora.

São dois pontos de vistas, são inúmeras as possibilidades de interpretações. E dessa maneira, o vermelho interpela-nos.

Introdução a uma inconclusão.Lucas cominato estudante de arte, artista visual e arte-educador

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Estar no mundo como transeunte, como cidadão já não é seguro. Viver não é seguro, você é inseguro quanto o que você é, o que você faz, o que você quer. Você cidadão, é um conjunto de pele e um emaranhado de carne, só. Houve um grande desejo de realizar uma ação onde eu estivesse visível, mesmo que os olhos do publico desviassem rapidamente para alguma coisa mais habitual de um cotidiano repetitivo, mas teriam por algum instante ver-me. (Verme?)

Estar a céu aberto, solto no meio da multidão é perigoso, absolutamente vulnerável a qualquer tipo de ação. Eu sabia que fazer ações em espaços públicos seria e é estar sujeito à interferências, porém para uma primeira vez no que dizem "estado performático", meu corpo-atuante-receptivo mostrou-se pronto e agora calejado para novos rumos e pesquisas.

Tudo que é pensado antes de começar a fazer o que havia sido proposto em papel (não tive testes, creio que a obra ganha força na autenticidade do momento) é perdido, é alterado, é agregado ao momento em que se dá. Imaginei que seria de um jeito a costura da peça, ela se deu de outra maneira, porém muito mais interessante do que planejava, a linha feita de corda não foi contínua como pensava, teve que ser cortada em pedações, dando nós, amarrando-os por hora uns aos outros. Porém a parte técnica interessa somente a mim, o olhar estrangeiro não percebe e nem poderia perceber essas sutilezas. O que estes corpos, essas pessoas percebem é o que interessa e o que é interessante. Imóvel, parado, morto, estátua. O devagar, o nulo, a não-ação incomodou, inquietou, irritou, intrigou.

Enquanto estava enclausurando-envolvendo-desapa-recendo-trancando-mexendo-me tudo bem, é mais um louco tentando passar alguma coisa com sua arte. Um louco em movimento não é perigoso, o perigo está na vulnerabilidade, o perigo é não matar, não assustar, não estar estando. Isso foi e é acima de tudo o que mais perturbou. Levei puxões, ameaças, chutes, cutucadas, obtive muitos risos, muitas caras de desaprovação (que eu sabia pelos suspiros em forma de: que bela merda!). Mas eu estava ali, sem fazer nada, morto, um pedaço de carne no chão, um pedaço coberto de vermelho, costurado por linhas pretas, jogado no meio da área de convivência da frente de minha faculdade. (Morta?)

MinhasEm concupiscência. impressões pós-performance Em concupiscência.Lucas Cominato

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Provavelmente eu ficaria menos intrigado com a situação que passei se essas mesmas pessoas fossem de cursos extremamente distantes da linguagem artística, mas não. Ficaria menos surpreso talvez. Mas a arte é e será ainda motivo de olhares desdenhosos e risos acompanhados com um braço apontando: -Olha lá gente, mais um artista, há-há-há..." Mas não fiz nada, fiquei parado, deitado no chão, apenas absorvendo o que eu ouvia, sentindo a presença de pessoas ao meu redor, sentindo o silencio, não sentindo o tempo passar, sentindo frio, sentindo minha respiração, sentindo dor, sentindo sentimentos. Esse é o grande erro em que eu e muitas outras pessoas que fazem arte temos: sentimos. Ter sentimentos talvez um pouco mais aflorados, uma percepção um pouco mais aguçada sobre as coisas faz com que tentemos através do nosso único meio que é a arte conseguir expressar o que queremos.

Para os desavisados que estão lendo este texto ser sensível não faz de você menos homem e nem menos mulher, isso é mais um pensamento robótico enraizado em sua cabeça. Enfim, somos sensíveis, sentimos o mundo, sentimos o outro e pelo outro. Sentimos pelo lugar que vivemos e sinto uma grande vontade de terminar esse texto dizendo que felizmente minha imobilidade dentro do tecido vermelho vai continuar, minha vontade de produzir arte, discutir arte, escrever arte, vai continuar. Felizmente a maneira de olhar o mundo através do sensível faz da minha pessoa cada vez mais humano, a ponto de perceber que eu sinto, sinto muito por você não poder ser quem você é.

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Sob uma temperatura de 15oC e uma dúvida discreta sobre tirar ou não os sapatos, oprimeiro sinal de que a performance começará foi dado.De uma mala preta Lucas Cominato retira uma coleção de vermelhos, tecidos costurados já vividos, transformados em trama para o desenvolvimento da ação. Ao se sentar, sobre a manta vermelha, na área externa do Prédio 2 do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, vem o silêncio: nós de um extenso fio preto começam a ser desfeitos e uma tesoura pontuda começa a furar os tecidos. É a hora de se transformar em casulo.

Dos poucos presentes no início de Em Concupiscên-cia, acontecem os maiores tempos de observação: o tempo de um cigarro. Do restante dos olhos, ocorrem breves visualizações, pescoços, que em sua maioria viram rapidamente para a esquerda e seguem rumo à entrada do prédio. Esses relances observam um ser fechado, agora, em uma relação intima. Ele se deita e do ângulo em que o observo, parece fazer por conta própria, uma intervenção cirúrgica. Considero feliz a escolha dos diversos tons de vermelho, afinal os cortes da carne, os órgãos internos, as paixões e os outros significados atribuídos à cor não possuem o mesmo tom. Suas pinturas não possuem o mesmo tom, mas o vermelho se faz presente, orgânico da carne o do corpo, fonte de pesquisa e inquietações para o artista. Inquietações com a cor, como a da artista carioca Fernanda Gomes com o branco, e ruído dos materiais, quase sempre restos, resíduos que resultam em silenciosas composições, algo muito próximo à Em Concupiscência. A experiência com o trabalho de Lucas, no momento da performance, e enquanto escrevo este texto, me remetem à uma frase dita por Fernanda Gomes durante a montagem de sua obra na 30a Bienal de São Paulo, em que fala do poder da arte em se comunicar com os mortos. E, de fato, Lucas Cominato, apesar de estar bem vivo durante a performance, apresenta a impossibilidade da descrição verbal, a palavra não cabe, mas a comunicação existe.

É a partir da altura de seus pés que o fio preto atravessa os tecidos, o casulo se forma. O artista está concentrado no ato de costurar que se põe íntimo aos olhos de quem observa. Esse fato, e provavelmente por ainda possuir uma identidade (seu rosto ainda não foi coberto) e por que não dizer, por também estar munido de uma tesoura, criou uma linha,uma barreira que permanece muito tempo sem ser ultrapassada, as pessoas não penetram no espaço da ação, apesar de não haver nenhuma delimitação gráfica, nenhum aviso de “não se aproxime”. Sua costura prossegue e o silêncio também.Uma garota se aproxima e a “barreira” é por alguns momentos rompida, ela não tem medo, vê de perto o corpo, que neste momento está deitado e costurado até o pescoço. Lucas se transforma numa massa amórfica, estatelada no chão, violentamente parada e misteriosa, lembrando de algum modo, as Situações criados por Artur Barrio durante a década de 1970, por sua forma, por sua cor, por aspectos de matéria morta, por, enfim estar em um ambiente de passagem e ser recebido com estranheza (e talvez repúdio, como quase toda ação desenvolvida pelos alunos de artes visuais no espaço da universidade).Enquanto o casulo-corpo-massa repousa, junta-se ao seu entorno um grupo de pessoas, como curiosos que parecem esperar pela retirada do corpo no local de um crime realizado há pouquíssimo tempo. Nisso, a id, foi aflorada pelo ruído vermelho sem identidade, o rosto do artista já não aparece mais, ele está vulnerável. Apesar dos passantes e observadores continuarem seus afazeres, fumando seus cigarros, bebendo seus cafés, junto à trouxa vermelha, percebo agora o desejo tátil. As pessoas tocam, alguns de forma brusca, pisam e até mesmo encostam um isqueiro na massa de tecido, a impossibilidade de identificar o que há dentro daquela trouxa, o ato de não esboçar qualquer reação realizado pelo artista, irrita alguns que observam. E o tempo de observação é agora de dois, três cigarros e um café entre eles.

O início de Em Concupiscência, que era de profunda intimidade e delicadeza toma em sua hora final, outras dimensões, o silêncio da performance torna-se conversa, reação, toma veios políticos, potências questionadas pelo próprio ambiente em que é realizada. Será um mendigo? Afinal, parafraseando uma estudante com quem conversei durante o fim da ação, não condiz com o nível econômico dos alunos da Belas Artes, ter um mendigo dormindo na entrada principal da faculdade.Pequenos movimentos são realizados pelo corpo. Aglomeram-se muitas pessoas, já não há mais ninguém na área ocupada pelo artista, todos passam a ser plateia e na primeira tentativa de romper o invólucro com a tesoura, um silêncio sepulcral paira no ambiente. A tesoura corta o vermelho, o corpo possui uma identidade e está trêmulo por conta do frio, a carne de tecidos está completamente aberta. A performance terminou.

De casulo à vísceras: o silêncio do vermelho Por: Cadu Gonçalves

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Expediente

Artista: Lucas CominatoFotos: Amanda CastroTextos: Lucas Cominato / Cadu GonçalvesDesign: Igor Brasa

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