elisa pinto de oliveira - dissertação

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1 UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS LINGSTICOS E LITERRIOS EM INGLS

A RELEVNCIA DE SE ENSINAR/APRENDER A LNGUA INGLESA NA ESCOLA PBLICA: o discurso de pais e alunos.

Elisa Pinto de Oliveira

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingsticos e Literrios em Ingls, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Letras.

Orientadora: Prof. Dr. Marisa Grigoletto

So Paulo 2007

2 UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS LINGSTICOS E LITERRIOS EM INGLS

A RELEVNCIA DE SE ENSINAR/APRENDER A LNGUA INGLESA NA ESCOLA PBLICA: o discurso de pais e alunos.

Elisa Pinto de Oliveira

So Paulo 2007

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DEDICATRIA

Ao Guilherme, Igor, Felipe e Hugo,meus filhos, meus amores, que fazem tudo valer a pena. Sem vocs nada tem sentido. Ao Charles, meu marido, meu grande amor, amigo, companheiro, fiel escudeiro, que muito sacrificou para tornar possvel a realizao do meu sonho.

Perdoem a cara amarrada, perdoem a falta de abrao, perdoem a falta de espao, os dias eram assim (Ivan Lins)

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AGRADECIMENTOS

Aos pais e alunos que se prontificaram a responder as perguntas dos questionrios e das entrevistas, sem a colaborao dos quais esta pesquisa no teria sido possvel. Agradeo especialmente Diretora Maria Helena Catini Capagnucci que me permitiu coletar os dados em sua escola.

Prof Dr Marisa Grigoletto, minha orientadora, pela enorme pacincia em ler meus textos e por sua generosidade para com minhas limitaes.

CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior, pela bolsa de mestrado concedida para a elaborao do projeto.

Prof Dr Ana Maria G. Carmagnani e Prof Dr Walkyria Monte Mr, pela valiosa leitura crtica que realizaram quando da minha qualificao.

Aos mestres do Programa de Estudos Lingsticos e Literrios em Ingls, cujas aulas eu assisti, pelos mundos descortinados.

Aos colegas de turma de Mestrado, amizades novas conquistadas, pelas discusses proveitosas, companheirismo e cumplicidade.

Ao Prof. Dr. Leland E. McCleary, por ter acreditado no meu potencial e sempre ter me incentivado.

Prof Dr Glria Maria de Palma, minha querida amiga, pelas valiosas sugestes dadas ao trabalho e por emprestar os ouvidos aos desabafos.

minha famlia que sempre me incentiva a seguir lutando. Sem seu amor e carinho, nada do que fiz at hoje teria sido possvel.

Ao Pai Celestial pelo amparo e conforto em todos os momentos, especialmente nos de desnimo.

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BANCA EXAMINADORA

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6 RESUMO OLIVEIRA, E. P. de A relevncia de se ensinar/aprender a lngua inglesa na escola pblica: o discurso de pais e alunos. 2007. 128 f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007. O presente trabalho tem como objetivo analisar o discurso de pais e alunos do ensino mdio da rede estadual com relao relevncia de se ensinar/aprender a lngua inglesa (LI) no Brasil de hoje. Trata-se de uma pesquisa cuja metodologia e aporte terico esto fundamentados na Analise de Discurso de linha francesa de Michel Pcheux. A coleta dos dados para anlise foi realizada na Escola Estadual Prof. Christino Cabral, localizada no municpio de Bauru, Estado de So Paulo, a partir de entrevistas gravadas com pais e alunos desta escola e questionrios com perguntas abertas, respondidas somente por alunos. A anlise das representaes discursivas de pais e alunos sobre o ensino/aprendizagem da LI revelou que seu discurso est ancorado na tendncia neoliberal-tecnicista da Filosofia da Educao brasileira, bem como est perpassado pelo discurso neoliberal-capitalista presente na mdia. Identificou-se que a LI vista como um instrumento a ser usado nas questes pragmticas relacionadas ao mercado de trabalho, globalizao, ascenso social e status, no sentido de aprender ingls para conseguir melhores condies na vida profissional e pessoal. Concluiu-se que tanto a ideologia neoliberal-tecnicista quanto a neoliberal-capitalista influenciam a construo das posies identitrias imaginrias dos pais e alunos, levando-os a se representarem em uma posio identitria inferior do falante de LI. Isso cria um desejo nos pais de que seus filhos atinjam uma posio melhor que as suas prprias e, nos alunos, um desejo de serem to bons quanto os falantes de LI, o que a ideologia diz somente ser possvel de se atingir atravs do saber/falar esta lngua. Palavras-chave: identitria. Anlise de Discurso. Pais e alunos. Lngua Inglesa. Ideologia. Posio

7 ABSTRACT OLIVEIRA, E. P. de The pertinence of teaching/learning the English Language in public schools: the discourse of parents and students. 2007. 128 f. Dissertation (Masters Degree) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007. The purpose of the present study is to analyze the discourse of state public high school parents and students with regards to the pertinence of teaching/learning the English language (EL) in Brazil today. The methodology and theory of this research is based on the French Discourse Analysis of Michel Pcheux. The data for the analysis was obtained at Escola Estadual Prof. Christino Cabral, located in the municipality of Bauru, State of So Paulo, through taped interviews with parents of students and students attending the school and an open question survey that was only answered by students. The analysis of the discursive representations of parents and students about teaching/learning the EL disclosed that the keystone of their discourse is the neoliberal technicist Brazilian Philosophy of Education and that it is within the neoliberal capitalist discourse that has been present in the media. It was verified that the EL is seen as an instrument to be used in pragmatic matters in connection with the labor market, globalization, social ascension and status, in the sense of learning English in order to attain better conditions in ones professional and personal life. The conclusion reached is that both the neoliberal technicist and the neoliberal capitalist ideologies influence the construction of the imaginary identitary positions of parents and students, leading them to represent themselves at an identitary position that is inferior to that of an EL speaker. That creates a desire in the parents that their children reach a position that is better than their own and, in the students, a desire to be as good as EL speakers, which the ideology says only to be possible of attaining by knowing/speaking that language. Key words: Discourse Analysis. Parents and students. English Language. Ideology. Identitary position.

8 LISTA DE ILUSTRAES Quadro 1 Campo semntico do universo do trabalho............................................................87 Quadro 2 Comparao entre as formulaes explicativas negativas e positivas...................92

9 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Dados dos alunos escolhidos como amostragem ...................................................71

10 SUMRIO

INTRODUO.......................................................................................................................12 CAPTULO I - Filosofia da Educao: um retrospecto histrico das correntes e tendncias da educao brasileira.....................................................................................................21 1. Concepes Fundamentais de Filosofia da Educao...........................................................21 1.1 Concepo humanista tradicional.......................................................................................22 1.2 Concepo humanista moderna..........................................................................................22 1.3 Concepo analtica............................................................................................................24 1.4 Concepo dialtica............................................................................................................25 2. Tendncias e Correntes da Educao Brasileira...................................................................28 2.1 Predomnio da tendncia humanista tradicional (At 1930)...............................................29 2.2 Equilbrio entre as tendncias humanista tradicional e humanista moderna (1930-1945)..30 2.3 Predomnio da tendncia humanista moderna (1945 1960).............................................32 2.4 Crise da tendncia humanista moderna e articulao da tendncia tecnicista (1960 -1968 )...33 2.5 Predomnio da tendncia tecnicista e a concomitante emergncia de crticas pedagogia oficial e poltica educacional (a partir de 1968) ....................................................................34 3. Educao e sociedade: redeno, reproduo e transformao...........................................36 3.1 Educao como redeno da sociedade..............................................................................36 3.2 Educao como reproduo da sociedade...........................................................................38 3.3 Educao como transformao da sociedade......................................................................40 4. Tendncias pedaggicas da prtica escolar...........................................................................41 4.1 Pedagogia liberal.................................................................................................................41 4.1.1 Tradicional.......................................................................................................................42 4.1.2 Renovada..........................................................................................................................42 4.1.3 Tecnicista.........................................................................................................................43

11 4.2 Pedagogia progressista........................................................................................................44 CAPTULO II - Assujeitamento ideolgico vs. enfrentamento e resistncia....................47 1. O ideolgico funcionando atravs do enunciador genrico..................................................50 2. O enunciador genrico reforando o silenciamento constitutivo..........................................61 2.1 World English resistncia e enfrentamento......................................................................67 CAPITULO III - O que perpassa o discurso dos pais e alunos?........................................71 1. Ancoragem neoliberal-tecnicista..........................................................................................72 2. A heterogeneidade do discurso e do sujeito..........................................................................78 2.1 A influncia da mdia..........................................................................................................88 2.2 Um discurso fundador.........................................................................................................94 2.3 Reiterao dos sentidos.....................................................................................................100 CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................105 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................109 APNDICES..........................................................................................................................114

12 INTRODUO

Os discursos sobre a necessidade do ensino e da aprendizagem da lngua inglesa (LI), na sociedade brasileira contempornea, apresentam, em geral, formulaes discursivas marcadas por argumentos positivos; destacando-se dentre eles o valor do domnio deste cdigo para se atingirem melhores condies e oportunidades profissionais, assim como, a obrigatoriedade para se iniciar e desenvolver pesquisas na carreira acadmica. O status profissional e as condies de trabalho intelectual determinam a necessidade do domnio da LI queles que desejam conquistar um lugar de prestgio. Esta formao discursiva recorrente, principalmente, entre os profissionais que atuam na educao e, tambm, entre os pais que percebem o grau de exigncia e competitividade em que se encontra o mercado de trabalho. Muito embora os alunos enfrentem srias dificuldades na aprendizagem da LI, reconhecem tambm a importncia da disciplina no currculo escolar. A representao do ensino e da aprendizagem da LI como algo indiscutvel o que se ouve freqentemente, mas apenas uma das possveis manifestaes do sentido que a sociedade formula a respeito do ensino e do uso de uma lngua estrangeira (LE) que se impe como fora ideolgica. O discurso resultante do senso comum foi o ponto de partida para esta pesquisa, com o objetivo de conhecer melhor a discursividade de pais e alunos do Ensino Mdio da rede pblica estadual quanto ao valor do ensino/aprendizagem da LI e provocar deslocamentos no imaginrio institudo (por pais, alunos e, principalmente, professores e futuros professores) acerca da importncia do ensino/aprendizagem de LI no Brasil. O conceito de heterogeneidade discursiva faz supor que o conjunto de vozes de pais e alunos constitua-se numa polifonia que talvez revele representaes construdas sobre iluses e fantasias, originadas de outros discursos assimilados atravs de outras autoridades discursivas: discursos dos professores, dos especialistas, da mdia a que eles tm acesso.

13 O objeto desta investigao centra-se nas representaes discursivas de pais e alunos sobre o ensino/aprendizagem da LI, no contexto de uma escola pblica de Ensino Mdio no estado de So Paulo, quanto relevncia de se ensinar/aprender esta lngua no Brasil de hoje, atravs da anlise discursiva da relao entre os enunciados e os sentidos que os atravessam. Frente necessidade de se conhecer melhor e refletir criticamente sobre as diferentes representaes que levam os sujeitos a formularem diversos discursos, o objetivo geral da pesquisa proposta refletir sobre o ensino/aprendizagem da LI na rede pblica. Portanto, os objetivos especficos desta investigao so: a) Constituir um corpus para saber o que pais e alunos do Ensino Mdio da rede pblica dizem a respeito do ensino/aprendizagem da LI; b) Identificar em qual(quais) corrente(s) e tendncia(s) da Filosofia da Educao est ancorado o discurso dos pais e alunos entrevistados; e c) Verificar qual(quais) outro(s) discurso(s) perpassam o discurso destes pais e alunos. Esta pesquisa visa a responder as questes: o que dizem pais e alunos do Ensino Mdio da rede pblica estadual sobre a importncia de se aprender/ensinar a LI? A que formaes discursivas remetem as representaes identificadas nos seus enunciados? Os investimentos econmicos, humanos e de tempo no ensino de LI no Estado no correspondem aos resultados obtidos. H uma crtica generalizada: os professores, os alunos e os pais esto sempre insatisfeitos e criticam-se mutuamente, reagindo ao fracasso que no conseguem superar. Inmeros estudos vm sendo feitos nos ltimos anos na rea de ensino e aprendizagem de lnguas estrangeiras no Brasil, inclusive, vrias pesquisas procuram as causas da inconsistncia do ensino/aprendizagem de LI no pas como, por exemplo, as dissertaes de mestrado de Uechi (2006) e Sousa (2006). Como a grande maioria desses

14 estudos est voltada para o que dizem e para o fazer dos professores, consideramos que ouvir, tambm, as vozes das outras partes envolvidas no processo contribui para uma descrio mais realista das condies em que se d a tentativa de ensinar/aprender uma LE. Embora as condies no sejam as mais adequadas ao ensino/aprendizagem obrigatrios de uma LE, ainda assim possvel ouvir aqueles que so sujeitos do processo. Refletir sobre esses discursos, fenomenologicamente, uma forma mais efetiva de compreender as causas do fracasso e criar a possibilidade de retomar a discusso sobre o ensino/aprendizagem da LI nas escolas pblicas estaduais; levando em considerao os discursos daqueles que nunca foram ouvidos antes (os pais). O corpus da nossa pesquisa constitui-se de entrevistas gravadas com pais e alunos do Ensino Mdio da Escola Estadual Prof. Christino Cabral, na cidade de Bauru, interior do estado de So Paulo, bem como de questionrios com perguntas abertas que foram respondidos por alunos voluntrios da mesma escola. Vale ressaltar que os pais e alunos entrevistados no tm nenhum grau de parentesco entre si, visando a uma maior diversidade de opinies. Escolhemos esta escola para a coleta de material de pesquisa devido heterogeneidade dos alunos, oriundos de diversas classes econmicas e de diferentes grupos scio-culturais e tnicos de vrios bairros. Tambm nos pareceu relevante o fato de a escola ser a nica a abrigar um Centro de Estudos de Lnguas (CEL) 1 no municpio de Bauru, pois este elemento

Em 10 de agosto de 1987, por meio do Decreto n 27.270, foram criados os Centros de Estudos de Lnguas (CELs), na Rede Estadual de Ensino. A Secretaria da Educao, dando cumprimento deciso poltica do Governo do Estado de So Paulo de integrao latino-americana, constituiu uma Comisso para a implantao das disciplinas de Lngua Espanhola e de Histria da Amrica Latina no quadro curricular das escolas estaduais. A criao dos CELs surgiu como a medida mais vivel para introduo da Lngua Espanhola, uma vez que a incluso de lnguas estrangeiras modernas no currculo, assegurada pelos dispositivos legais vigentes, concentrava-se no ensino de ingls. A Resoluo SE n 193, de 18 de agosto de 1988, d uma nova redao ao pargrafo nico do artigo 1 da Resoluo SE n 271/87, passando a considerar o ensino da lngua espanhola como preferencial e no exclusivo nos CELs, permitindo assim, estender aos alunos a oferta dos outros idiomas de interesse. Fonte: SECRETARIA DA EDUCAO DO ESTADO DE SO PAULO . Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas. Disponvel em: http://cenp.edunet.sp.gov.br/CEL/historia.htm. Acesso em: 25 jun. 2005.

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15 poderia nos trazer maiores subsdios quanto importncia que estes pais e alunos do ao ensino de LE de modo geral. Como professora de LI, porm com uma histria de vida um pouco diferente do convencional, na qual primeiro adquirimos e, depois, aprendemos a LI, criamos um espao privilegiado no nosso discurso para essa lngua, ou seja, construmos um discurso que tem valorizado o aprendizado da LI. Alm disso, acreditamos que extremamente importante produzir deslocamentos sobre o que se est ensinando/aprendendo. Dessa forma, estes dois fatores nos levaram escolha da Anlise de Discurso de linha francesa de Pcheux (AD) como metodologia e como aporte terico para ajudar a intervir em construes discursivas do porqu se est aprendendo/ensinando (se deve aprender/ensinar) a LI, alm do que, descobrir os motivos e causas deste discurso nos parece fundamental. Os professores e futuros professores de LI necessitam refletir sobre e repensar: a) o porqu se ensina a LI na rede pblica, b) como este ensino foi estabelecido no Brasil , e c) qual o seu locus nesta sociedade aculturada. Os professores tambm necessitam ter uma viso crtica do significado da sua prtica e do seu trabalho, ou seja, precisamos nos perguntar: Trabalho para quem? Quem meu senhor? O senhor do professor o senhor cujo discurso est implcito no discurso dos pais e alunos? As respostas para estas perguntas, acreditamos, somente so possveis de se perceber atravs da anlise desses discursos. A AD leva a perceber a terceira dimenso do ensino: a primeira a do contedo, a segunda so as abordagens e metodologias que devem levar ao sucesso do aprendizado e a terceira a ideolgica, em outras palavras, qual a razo para esta lngua ser colocada como um bem necessrio e que deve ser adquirido. O ensino/aprendizagem da LI, nas escolas estaduais, matria complexa, principalmente porque, j se sabe, no depende de uma s voz (Bakhtin, 1979), tampouco de um nico discurso e sim de redes discursivas que formam os sentidos das representaes

16 (Grigoletto, 2003a). Se no estivermos atentos polifonia e s redes discursivas que o cercam, dificilmente saberemos em que resulta. Saber o que dizem as principais vozes implicadas no processo, isto , em que consiste o discurso dos pais e alunos sobre a necessidade do ensino da disciplina, implica analisar seus discursos, lugar de produo de sentidos e de identificao dos sujeitos; identificao esta que, segundo Grigoletto (2003a), se apresenta numa ligao bastante estreita entre discurso e identidade, pois ao se questionar a identidade enquanto unidade e completude do ser para exibir a argumentao, encontra-se a descontinuidade, a impossibilidade de inteireza de qualquer sujeito. Ao buscarmos compreender o sujeito como disperso, sujeito cindido, dividido, atravessado pelo inconsciente, nos depararemos com pontos no discurso que remetem a identificaes inconscientes, introjetadas sempre a partir do Outro. Quando se fala em identidade, preciso compreend-la sempre em movimento, em constante mutao, como posies identitrias influenciadas pela relao existente com as discursividades que se manifestam no processo scio-histrico-ideolgico de produo dos sentidos e dos prprios sujeitos. Para fundamentar estes conceitos, inclusive determinando as etapas da abordagem, nos apoiamos no que diz Orlandi (2000), que afirma ser preciso levar em conta o instrumental da AD para compreender o modo de funcionamento desse discurso. Dessa forma, as condies de produo do discurso, ou seja, o sujeito, a situao, o contexto histrico-social e ideolgico so o ponto de partida para a apreenso das relaes de sentido que perpassam o conjunto das vozes que se deseja analisar (Orlandi, 2000). Compreende-se que a escolha da AD como instrumental terico demanda ultrapassar o nvel lingstico do texto, penetrar na formao discursiva e ideolgica (Brando, 2004), fundamentando-se, principalmente no conceito de ideologia, de discurso e de linguagem. Faz-se necessrio, ento, determinar as funes desempenhadas pelo sujeito que perde, neste contexto, sua imanncia e passa a constituir-se numa fala, em que outras falas se expressam.

17 De acordo com Maingueneau (1997), citando a concepo de polifonia segundo Ducrot, todo discurso tecido pelo discurso do outro, toda fala est atravessada pela fala do outro. Portanto, ao analisar os discursos dos pais e alunos, pode-se estabelecer a

interdiscursividade que apontar as convergncias e divergncias, as homogeneidades e heterogeneidades que perpassam as vozes, e como elas se relacionam ideologicamente. Pode-se pressupor que o discurso de pais e alunos esteja submetido ideologia capitalista globalizante (Zeichner, 2001, Grigoletto, 2003a); ou que a necessidade que se v no ensino/aprendizagem seja, em parte, uma representao de um complexo de inferioridade inculcado pela opresso colonialista dos pases economicamente mais fortes (Pennycook, 1994, Grigoletto, 2003a); ou que a necessidade da aprendizagem se manifeste pelo desejo de ascenso social e/ou profissional. Notam-se vrios fatores influindo nas condies de produo do discurso: subjetivos, ideolgicos, sociais, econmicos; todos se cruzando e construindo sentidos. Os modos de funcionamento desses discursos e seus efeitos distinguiro seus tipos: autoritrios, polmicos ou ldicos; como tambm a possibilidade de suas misturas. (Orlandi, op.cit.). Antes que se possa proceder anlise propriamente dita, importante relembrarmos alguns conceitos bsicos da AD que contribuiro para um melhor entendimento da anlise que faremos. No empreendimento da AD, a questo da constituio de sentido junta-se da constituio do sujeito na figura da interpelao. A tese de Althusser (1974) de que a ideologia interpela os indivduos em sujeitos tomada pela AD para verificar o funcionamento do discurso e seus efeitos de sentido. O autor diz que enquanto sujeitos praticamos ininterruptamente a ideologia, representando a relao imaginria dos indivduos com suas condies reais de existncia. Ela transforma os indivduos em sujeitos atravs do que o autor chama interpelao, ou seja, o ser humano cria formas simblicas e imaginrias de representao da sua relao com a realidade (idias, valores, normas e regras de conduta),

18 que ditam aos membros da sociedade o que e como devem pensar, o que devem valorizar, o que devem fazer e como devem fazer, sendo que tudo isso se torna concreto por meio das relaes vividas e representadas atravs da participao dos indivduos em certas prticas dentro de aparelhos ideolgicos concretos (por exemplo, a escola e a famlia). Orlandi (1999) refere-se ideologia como uma relao necessria entre a linguagem e o sujeito; desta forma, a autora avana alm dos conceitos de ideologia como concebidos por Althusser (1974), apresentando-a com maior pertinncia para a AD ao re-significar a ideologia a partir da considerao da linguagem. Como podemos ver, para a AD, tanto o sujeito quanto o sentido so constitudos no discurso e se processam simultaneamente pela interpelao ideolgica. Brando (2004, p. 79) esclarece:Trazendo essas colocaes para o terreno da linguagem, no ponto especfico da materialidade do discurso e do sentido, Pcheux (1975, p. 145) diz que os indivduos so interpelados em sujeitos-falantes (em sujeito de seu discurso) pelas formaes discursivas que representam na linguagem as formaes ideolgicas que lhes correspondem.

Outrossim, Orlandi (op.cit.) explica que ao mesmo tempo em que interpelado (afetado) pela ideologia, ele ocupa uma posio na formao discursiva que o determina. Da mesma forma que no h sujeito do discurso, e sim posies do sujeito, as palavras s adquirem sentido dentro de uma formao discursiva. Dito de outra maneira, as palavras no tm um sentido nelas mesmas; elas mudam de sentido de acordo com as posies daqueles que as empregam, em relao s formaes ideolgicas nas quais estas posies se inscrevem. Portanto, o discurso o efeito de sentido construdo por locutores com diferentes perspectivas, de acordo com os lugares e posies que ocupam. Brando (ib.id.) ressalta, ainda, que o elemento importante de anlise o espao de trocas entre diversas formaes discursivas escolhidas com propsito especfico. Esse espao de trocas o que a AD chama de interdiscursividade, cuja caracterstica principal , conforme

19 Charaudeau e Maingueneau (2004), o ponto de articulao de formaes discursivas que se estruturam a partir de formaes ideolgicas. Para Orlandi (op. cit.), o interdiscurso aquilo que a AD chama de memria discursiva, ou seja, o saber discursivo que possibilita o dizer e que volta na forma do prconstrudo (o j dito). O interdiscurso fornece dizeres que interpelam a maneira como o sujeito significa em uma certa situao discursiva. Tudo o que j se disse sobre algo e todos os dizeres que j significaram, atravs de enunciados de diferentes sujeitos sobre o mesmo assunto, esto, de certo modo, significados nessa memria discursiva. A observao do interdiscurso nos permite remeter um dado dizer a toda uma filiao de dizeres, a uma memria, e a identific-lo em sua historicidade e formao poltica e ideolgica, elementos que engendram formaes discursivas. De acordo com Maingueneau (2000, p. 68), todas as formaes sociais que podem ser caracterizadas por uma determinada relao entre classes sociais pressupem a existncia de posies polticas e ideolgicas e, citando Pcheux, reitera que essas posies no so o feito de indivduos, mas que se organizam em formaes que mantm entre si relaes de antagonismo, de aliana ou de dominao. Maingueneau (ibid.) continua citando Pcheux para esclarecer que essas formaes ideolgicas englobam uma nica ou diversas formaes discursivas que se interligam, determinando o que pode e deve ser dito, de acordo com uma posio determinada em uma conjuntura especfica. A pertinncia do instrumental da AD para esta pesquisa se confirma pelo fato de que a AD, no seu conjunto, possibilita a tentativa de compreenso do processo de produo de discursos e de seus efeitos de sentido. O funcionamento discursivo pode permitir observar o(s) componente(s) ideolgico(s) que organiza(m) o discurso dos pais e alunos entrevistados, ou seja, como sua(s) representao(es) circula(m) no fio do discurso para a manuteno das relaes de poder que implicam no que Foucault (2004) chama de interdio e excluso da

20 ordem do discurso. No funcionamento discursivo encontra-se ainda a base para identificar, sob o dito, as marcas e os vestgios implcitos ao texto (os no-ditos). Com o intuito de tentar alcanar os objetivos propostos, faremos, primeiramente, uma abordagem das diferentes concepes da Filosofia da Educao aplicadas Educao Brasileira ao longo dos anos, mesclada a um breve apanhado da histria da educao no Brasil para, nos captulos seguintes, tratarmos da anlise propriamente dita. Ressaltamos que, para os subsdios histricos, nos baseamos em Aranha (1996), Hilsdorf (2003) e Piletti (1997). Quanto parte da Filosofia da Educao, baseamo-nos, principalmente, em Saviani (1983, 1986), Gadotti (1995, 2004) e Luckesi (1990). A escolha destes foi feita porque apresentam uma posio com a qual nos identificamos.

21 CAPTULO I

Filosofia da Educao: um retrospecto histrico das correntes e tendncias da educao brasileira

O propsito deste captulo apresentar algumas posies de estudiosos da Educao e educadores que procuram mostrar a influncia das diferentes concepes na Educao Brasileira ao longo dos anos. Visa, tambm, a auxiliar na identificao de quais correntes e tendncias estariam por trs do discurso dos pais e alunos quando se referem s suas preocupaes e expectativas relacionadas com a Educao, tema do Captulo II. Tendo em vista o objetivo deste captulo, relatamos a classificao sistemtica das diferentes concepes de Filosofia da Educao 2 , segundo Saviani (1983). Cumpre ressaltar que somente as mudanas que consideramos importantes para a nossa anlise sero abordadas. Desse modo, esta discusso no tem a inteno de apontar todos os fatos pertinentes evoluo de nossa Educao. Pretendemos apenas realar alguns aspectos que influram (e continuam influindo) na Educao Brasileira conforme a compreendemos nos dias de hoje.

1. Concepes Fundamentais de Filosofia da Educao

Aps o estudo das diversas correntes e o exame da evoluo da organizao escolar desde meados do sculo XIX quando a sociedade atual adquire contornos definidos com a consolidao do poder burgus, Saviani (ib.id.) chegou s concluses que, resumidamente, passamos a expor.

2

Para fins desta pesquisa, o termo Filosofia da Educao significar a concepo articulada luz da qual se interpreta e/ou se busca imprimir determinado rumo ao processo educativo.

22 1.1 Concepo humanista tradicional

A concepo humanista, tanto na verso tradicional quanto na moderna, abarca um vasto conjunto de correntes que tm em comum o fato de sua compreenso da educao ter origem na viso existencialista de homem, na qual o homem visto como constitudo por uma essncia imutvel, cabendo educao conformar-se essncia humana. Por esta razo, as mudanas so consideradas acidentais. Existem, ainda de acordo com Saviani (1983, p. 24-25), duas vertentes dentro da concepo humanista tradicional: (a) a vertente religiosa que tem suas razes na Idade Mdia e cuja manifestao mais caracterstica se apresenta nas correntes do tomismo 3 e do neotomismo 4 e (b) a vertente leiga, centrada na idia de natureza humana e elaborada pelos filsofos modernos j como expresso da ascenso da burguesia e instrumento de consolidao de sua hegemonia. Esta ltima inspirou a construo dos sistemas pblicos de ensino com as caractersticas de laicidade, obrigatoriedade e gratuidade. Esta concepo tradicional privilegia o adulto e considera o homem como completo e acabado, donde a educao se centra no educador, no intelecto e no conhecimento.

1.2

Concepo humanista moderna

De modo diferente da concepo tradicional, a viso de homem na concepo humanista moderna est centrada na existncia, na vida e na atividade. Assim, a existncia precede a essncia, ou seja, a natureza humana mutvel, determinada pela existncia.3

Doutrina escolstica de S. Toms de Aquino, telogo italiano (1225-1274), adotada oficialmente pela Igreja Catlica e que visa a conciliar o aristotelismo com o cristianismo. Cf. FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Mdio Dicionrio. Rio de Janeiro: Editora Nova, 1980, p. 1663. 4 Corrente doutrinria cujo representante principal Jacques Maritain, filsofo francs (1882-1973), e caracterizada sobretudo pela tentativa de abordar a problemtica filosfica contempornea sob a perspectiva tomstica; neo-escolstica. (Ferreira, op.cit., p. 1184). Ghiraldelli Jr. (2002, p. 58) explica: No Brasil, os neotomistas tiveram uma forte influncia na organizao do ensino Superior no estatal, a partir dos anos de 1930, ainda que tenham comeado o trabalho j nos anos de 1910.

23 Na viso moderna, declara Saviani (1983, p. 25), uma vez que o homem considerado completo 5 desde seu nascimento e inacabado 6 at sua morte, o adulto no pode se constituir em modelo. Esta filosofia defende a predominncia do psicolgico sobre o lgico,

conseqentemente, desloca o centro do processo educativo do adulto para a criana (o educando), para a vida e para as atividades da existncia. Esta concepo admite a existncia de formas descontnuas na educao. Considera-se que a educao segue um ritmo vital que varia de acordo com as diferenas existenciais ao nvel dos indivduos e admite-se um vai-evem onde o psicolgico predomina sobre o lgico, ao invs de se considerar a educao como um processo continuado que obedece a esquemas predefinidos e segue uma ordem lgica. A concepo humanista moderna compreende as seguintes correntes: Vitalismo 8 , o Historicismo 9 , o Existencialismo 10 e a Fenomenologia 11 . o Pragmatismo 7 , o

Para a filosofia humanista moderna, a existncia do homem precede a sua essncia, resultando desse princpio seu conceito de homem: um ser completo desde o nascimento e inacabado at a morte, (Saviani, 1986, p.25). Gadotti (2004. p. 9) faz um alerta: a pedagogia da existncia toma o homem como ele e no como deve ser em funo de uma essncia imutvel. ... A pedagogia da existncia no pode confundir-se com a pedagogia existencialista. Enquanto a pedagogia da existncia uma pedagogia bifila, uma pedagogia do sentido da vida, da esperana, do amor, a pedagogia existencialista uma pedagogia necrfila, dramtica (Sartre), pedagogia da desesperana (Heidegger), do desespero (Kierkegaard), uma pedagogia da condenao (Stirner, Nietzsche). A pedagogia da existncia fundamenta-se na teoria da evoluo da vida, no desenvolvimento da natureza (Darwin) e no desenvolvimento social (Herbert Spencer, 1820-1903). Alm de Rousseau h outros expoentes dessa corrente do pensamento pedaggico, como John Dewey (pedagogia da ao) e Paulo Freire (educao como prtica da liberdade). 6 Gadotti (1995) nos lembra que, para Marx, o homem no algo dado, acabado. Ele processo, ou seja, tornase homem e, isto, a partir de duas condies bsicas: a) ele produz-se a si mesmo e, ao faz-lo, se determina como um ser em transformao, como o ser da prxis e; b) esta realizao s pode ter lugar na histria. 7 Para o pragmatismo, uma corrente filosfica norte-americana que surgiu na segunda metade do sculo 19, cujos pioneiros foram Charles Peirce, John Dewey e William James, o conhecimento tem um carter essencialmente prtico. O conhecer, nas suas mltiplas formas, no tem a finalidade de chegar ao conhecimento das verdades tericas, mas um processo de adaptao ao ambiente, visando a assegurar a sobrevivncia do homem. Fonte: http://www.odialetico.hpg.ig.com.br/filosofia/pragmatismo_e_neopragmatismo.htm. Acesso em: 22 nov. 2005. 8 Doutrina que afirma a necessidade de um princpio irredutvel ao domnio fsico-qumico para explicar os fenmenos vitais. Cf. FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Mdio Dicionrio. Rio de Janeiro: Editora Nova, 1980, p. 1757. 9 O Historicismo consolida a matria imaginria fundamental da ocidentalidade em termos de conhecimento, recolhendo tudo para dentro de um antropocosmo: nada est realmente fora da histria, nada pode ser pensado de fora da histria. Essa razo se disseminar por todas as reflexes sobre o real. Suas premissas no ficam somente nos limites da escola historicista, mesmo porque sua trajetria se confunde com a construo da Histria, podendo ser reconhecidas em Kant ou Condorcet, em Hegel ou em Marx, em Dilthey ou em Marheineke, em Heidegger ou em Lukcs, em Spengler ou em Toynbee, em Sartre e em Aron, em Bloch ou em Braudel, em Duby e Aris ou em Le Goff, invadindo bem mais que o conhecimento, se tornando o regulador dos corpos, das produes, da linguagem, das mdias, do sonho e do desejo. Fonte: http://www.unir.br/~primeira/artigo183.html. Acesso em: 22 de nov. de 2005.

5

24 1.3 Concepo analtica

A concepo analtica de Filosofia da Educao no pressupe uma viso de homem, tampouco um sistema filosfico geral. Neste caso, a tarefa da Filosofia da Educao efetuar a anlise lgica informal da linguagem educacional, visto que a linguagem educacional uma linguagem no formalizada, no cientfica (Saviani, op.cit., p.26). A Lgica Informal, segundo Groarke (2004), uma tentativa de desenvolver uma lgica que possa ser usada para avaliar, analisar e aprimorar os raciocnios informais que ocorrem em relacionamentos interpessoais, propagandas, debates polticos, argumentos legais e nos comentrios sociais encontrados em jornais, televiso, Internet e outras formas de comunicao de massa. Em muitos casos o desenvolvimento da lgica informal motiva-se pelo desejo de desenvolver um modo de anlise e avaliao do raciocnio comum que seja capaz de se tornar parte do ensino geral, e de compor e aprimorar o raciocnio pblico, a discusso e o debate. Neste sentido, os interesses da lgica informal tm grande proximidade com os interesses do Movimento Pelo Pensamento Crtico, cujo objetivo consiste em desenvolver um modelo de ensino que d maior nfase investigao de carter crtico. A anlise informal postula que o significado de uma palavra pode ser determinado apenas em funo do contexto lingstico em que Termo usado para designar a filosofia de pensadores que se preocupam com a existncia finita do homem no mundo, descartando questes metafsicas como a imortalidade e a transcendncia. Como aplicado a filsofos muito diferentes, h quem negue sua existncia como escola de pensamento. Os nomes mais identificados com o existencialismo so os dos franceses Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). um movimento do sculo XX, mas tem fortes razes na obra de filsofos do sculo XIX, como Sren Kierkegaard (1813-1855) e Nietzsche. Os existencialistas rejeitam o princpio do cartesianismo de que o homem existe porque pensa. Para eles, o ser humano pensa porque existe. A conscincia, para os existencialistas, no antecede a experincia. Ela parte da existncia, que, por sua vez, construda com a vivncia, o contato com outras pessoas e objetos. O prprio homem cria essa existncia em funo de seus sentimentos, desejos e, principalmente, de suas aes. Ele se forma a partir de suas escolhas. Fonte: http://www.superzap.com/biblioteca/?cat=filosofia&page2=existencialismo. Acesso em 22 nov. de 2005. 11 Edmund Husserl, filsofo alemo fundador da Fenomenologia, um mtodo para a descrio e anlise da conscincia atravs do qual a filosofia tenta obter um carter estritamente cientfico, achava que os filsofos estavam complicando a teoria do conhecimento, em lugar de considerarem com objetividade o fenmeno da conscincia como experimentado pelo homem. O que importava, para ele, era o que se passava na experincia de conscincia, atravs de uma descrio precisa do fenmeno. Por isso deu o nome de "fenomenologia" sua teoria que deveria ser uma cincia puramente descritiva, para somente depois passar a uma teoria transcendental experincia, ou seja, para alm do mtodo cientifico. Fonte: http://www.cobra.pages.nom.br/fc-husserl.html acesso em 22 nov. 200510

25 utilizada 12 , isto , a anlise informal julga no ser necessrio ultrapassar o mbito da linguagem corrente (seu emprego) para se compreender o significado das palavras; no d importncia ao contexto scio-econmico-poltico (histrico).

1.4

Concepo dialtica

Para melhor entendermos a concepo dialtica, necessrio que primeiro faamos seu resumo histrico e sua conceituao, conforme apresentados por Delius et al. (2001). O substantivo dialtica vem do grego dialegein e significa, de acordo com Delius et al. (ib.id., p. 112), arte da discusso. O prefixo dia d idia de reciprocidade ou de troca, ento que dialegein trocar palavras ou razes, conversar ou discutir. Em Scrates, a dialtica era usada como mtodo de ensino para descobrir as

contradies do pensamento, provocando no discpulo a ecloso do conhecimento a maiutica 13 . Como viso de mundo, como filosofia, a dialtica nasceu antes de Scrates. Veio de Herclito que viveu no sculo VI a.C. Herclito ensinou que tudo est em transformao, num total processo de mudana constante. Tudo muda to rapidamente, dizia ele, que no possvel banhar-se duas vezes num mesmo rio (GADOTTI, 1995. p.16). O movimento oCf. conceitos da Lingstica Pragmtica. Para uma melhor compreenso citamos duas definies de Lingstica Pragmtica: (i) ELLIS, R. (l994, p. 23) que aponta: Pragmatics is the study of how language is used in communication. It covers a wide range of phenomena including deixis ( i.e. the ways in which language encodes features of the context of utterance), conversational implicature and presupposition (i.e. the way language is used to convey meanings that are not actually encoded linguistically), illocutionary acts (i.e. the use of language to perform speech acts such as stating, questioning, and directing), conversational structure (i.e. the way in which conversations are organized across turns), and repair (i.e. the conversational work undertaken to deal with miscommunications of various kinds); e (ii) LEECH. G; THOMAS, J. (1990, p. 174), que explicam: [...] pragmatics was born out of the abstractions of philosophy rather than of the descriptive needs of linguistics (and this, it will be argued below, accounts in part for the difficulties which were later experienced by linguists when they tried to apply pragmatic models to the analysis of stretches of naturally-occurring discourse). Even when pragmatics started to become important for linguistics, it was again, at least in the English-speaking world, informed by the work of philosophers. 13 Mtodo socrtico de interrogao, como a parteira d luz os corpos, procura dar luz os espritos para levar seus interlocutores a descobrirem a verdade que eles trazem em si sem o saber. Por extenso, mtodo pedaggico que permite ao mestre apenas dirigir a pesquisa do aluno, este devendo encontrar a verdade por sua prpria reflexo. Fonte: www.ceismael.com.br/oratoria/oratoria028.htm Acesso em: 3 abr. 200612

26 atributo fundamental das coisas sua substncia. A realidade no apenas Ser, ela no , por igual, apenas No-Ser. A realidade uma tenso que liga... Ser e no-Ser (CIRNE-LIMA, 1996, p.19). Esta postura vai imputar a Herclito a criao do princpio de contradio. Delius et al. (op.cit) esclarecem que, ao contrrio de Herclito, Parmnides, seu contemporneo, sustentava que o movimento uma iluso e que a realidade imutvel. Este filsofo o responsvel pelo princpio de identidade, que vai ser uma espcie de lei fundamental da filosofia ocidental, que pode expressar-se desta forma: A=A, isto , todo ente igual a si mesmo, ou um objeto no pode ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto igual e diferente a si mesmo. Ora, exatamente este princpio de identidade que vai ser questionado pela filosofia dialtica de Herclito, o qual admite que um objeto pode ser, ao mesmo tempo, e sob o mesmo aspecto, igual a, e diferente de, si mesmo. Temos, pois, em Herclito os traos fundamentais da Dialtica: dois plos que se excluem: tese e anttese. O terceiro elemento a sntese s ser explicitado, mais tarde, por Hegel. Diante do princpio de identidade e do princpio de contradio, Aristteles optou pelo primeiro, criando sobre ele sua Lgica Formal que vai comandar o pensamento durante a Idade Mdia e parte da Idade Moderna. A realidade no muda. a esttica prevalecendo sobre a dinmica. Por ter firmado o terceiro tempo da dialtica a sntese, Hegel se projeta como o criador da dialtica moderna. Entretanto, Hegel acredita que a dialtica no pode restringir-se a uma afirmao/negao. O mundo fsico e, sobretudo, o mundo humano no podem resistir a este atrito contnuo. Entre a positividade da tese e a contundncia da anttese, deve-se colocar a luva da sntese que, na viso hegeliana, a integrao do que h de bom na tese e o que h de bom na anttese, ou seja, a dialtica no s afirmao, no s contrariedade, tambm consenso. As caractersticas da dialtica, ainda segundo Delius et al. (2001), so:

27 a) A contradio (negao) a prpria substncia da dialtica; b) Totalidade. Sem esta caracterstica, a dialtica no tem sentido. Mais do que outras filosofias, a dialtica viso de conjunto. Na totalidade se concretiza o velho princpio: sem a viso do todo, no se compreendem as partes; c) Simultaneidade. Na dialtica, tudo acontece ao mesmo tempo. No h um antes e um depois; d) Criticidade. Por sua estrutura de afirmao, negao da afirmao e negao da negao, a dialtica se credencia como a filosofia mais crtica que possa existir, at o presente momento; e) Ausncia de hierarquia. Na dialtica, uma coisa no mais importante do que outra. Tudo importante, por isto a filosofia que, segundo os autores, melhor se presta para fomentar a igualdade entre os homens e a conservar os ecossistemas. O princpio dialtico da contradio (negao) - tudo se ope - enuncia um paradoxo: para haver oposio entre os elementos, necessrio que eles estejam interligados. esta interligao que faz a diferena entre termos contrrios e termos contraditrios em que no existe nenhuma interligao. A transformao das coisas s possvel por que no seu interior coexistem foras opostas tendendo simultaneamente unidade e oposio (Gadotti, 1995, p.26). Afinal, ento, o que dialtica? A dialtica pode ser entendida, segundo Gadotti, op.cit.), como a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento humano. Ou seja, a filosofia dialtica pode ser definida como modelo mental dos processos de modificao e desenvolvimento do mundo; entretanto, a negao no pode ser absoluta. Caso contrrio, se interromperia o fio do dilogo, uma vez que dialtica o dilogo das coisas entre si; das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens.

28 Como vimos, assim como a concepo analtica, a concepo dialtica tambm no coloca determinada viso de homem em seu ponto de partida. Interessa-lhe o homem como conjunto das relaes sociais, ou seja, a concepo de educao est articulada com o horizonte das relaes scio-econmicas de determinada poca. Assim, parafraseando Saviani (1983), para compreendermos qual a sua perspectiva na anlise do fenmeno educativo precisamos passar pelo seu modo de compreender a sociedade. Considera que a tarefa da Filosofia da Educao explicitar os problemas educacionais; contudo, entende que os problemas educacionais no podem ser compreendidos a no ser atravs de referncia ao contexto histrico (scio-econmico-poltico) em que esto inseridos, ou seja, captando o modo especfico de articulao da educao com o conjunto das relaes sociais. Porque esta concepo encara a realidade como essencialmente dinmica e explica o dinamismo pela interao recproca do todo com as partes que o constituem, bem como pela contraposio das partes entre si, determinada formao social, sob a dependncia das contradies que lhe so inerentes, gera sua prpria negao, desenvolvendo-se progressivamente em direo a uma nova formao social. Nesse contexto, declara Saviani (1983, p. 29), o papel da educao ser colocar-se a servio da nova formao social em gestao no seio da velha formao at ento dominante.

2. Tendncias e Correntes da Educao Brasileira

A diviso histrica apresentada a seguir foi proposta por Saviani (1983), que toma como base as quatro concepes de Filosofia da Educao resumidas no tpico 1, acima. J os subsdios histricos que sero inseridos doravante, so o resultado de um apanhado que fizemos da leitura de Aranha (1996), Hilsdorf (2003) e Piletti (1997).

29 2.1 Predomnio da tendncia humanista tradicional (At 1930)

A educao humanista e elitista dos padres da Companhia de Jesus prevalecia na poca do Brasil Colonial. Os jesutas, como ficaram conhecidos os padres desta ordem, empenhavam-se no trabalho de catequese dos ndios e fundaram inmeras escolas de ler e escrever, mas a nfase maior dada escola secundria destinada aos filhos dos colonos e ao encaminhamento dos futuros padres. O aparente descaso com a educao devia-se a uma economia dependente e exclusivamente agrria, que no exigia mo-de-obra qualificada. Em 1759, quando os jesutas foram expulsos, o Marqus de Pombal deu incio organizao do ensino pblico propriamente dito. Refletindo as preocupaes tpicas do sculo XVIII, o Sculo das Luzes, encontramos a educao leiga (no-religiosa), livre (independente de privilgios de classe) e universal (acessvel a todos). No havia mais sentido atrelar a educao religio, como faziam as escolas confessionais, nem aos interesses de uma classe, como queria a aristocracia uma vez que, como declara Aranha (1990, p. 157), o Iluminismo exalta o poder da razo humana de traar seus prprios caminhos, longe da tirania dos reis e das supersties religiosas. Com a vinda da famlia real para o Brasil, em 1808, deu-se nfase criao de escolas de nvel superior, deixando os demais nveis ao abandono. Permanecia, ainda, a viso

aristocrtica do ensino, e a nica diversificao encontrada refere-se clientela que busca a escolarizao, decorrente do aparecimento da burguesia que residia nas cidades e se preocupava com o comrcio e a burocracia. Esse segmento da sociedade da poca aspirava adquirir status e desejava a educao dada elite. Ainda aps a Independncia, o quadro educacional permaneceu inalterado de maneira geral, dado que persistia o regime de escravido e o modelo econmico continuava sendo o agrrio-exportador dependente.

30 Neste perodo, que se estendeu at o sculo XX e foi marcado por grandes mudanas poltico-econmicas, uma vez que o Brasil passa de Colnia a Imprio e de Imprio Repblica, vemos a tendncia humanista tradicional se manifestar nas suas duas vertentes, a religiosa e a leiga. Na vertente religiosa a corrente inspiradora o tomismo, que se manifesta desde a poca do Brasil Colnia com a escola jesutica. J na vertente leiga percebe-se a influncia de vrios autores europeus de tal modo que, se se pode falar a em corrente, o seu nome seria ecletismo. (Saviani, 1983, p. 34). No incio do sculo XX, ainda sob inspirao da tendncia humanista tradicional, desperta o entusiasmo pela educao, que, em termos brasileiros, se traduz como a fase da escola redentora da humanidade. 14 Nesta poca, as idias liberais so retomadas e

debatidas intensamente, portanto diversos movimentos sociais advogam a extenso da escolaridade obrigatria e gratuita a toda a populao como instrumento de participao poltica. Trataremos da relao entre educao e sociedade e das concepes pedaggicas propriamente ditas mais adiante nos tpicos 3 e 4 deste mesmo captulo.

2.2

Equilbrio entre as tendncias humanista tradicional e humanista moderna (1930 - 1945)

O ndice de analfabetismo da populao, ento predominantemente rural, era altssimo e a situao s comeou a mudar quando, aps a Primeira Guerra Mundial, o processo de industrializao e urbanizao do pas foi acelerado e mais acentuado aps 1930. Assim, a demanda de escolarizao, aumentou uma vez que predominava a economia agrriaexportadora.

14

Cf. LUCKESI (1990).

31 Diferentes reformas educacionais marcaram a dcada de 20 em vrios estados brasileiros, pois a escola entra em crise por no poder atender procura. Essas reformas foram incentivadas pelo iderio liberal escola-novista, que considerava possvel reformar a sociedade pela reforma do homem, atravs da escolarizao. O Manifesto dos pioneiros da educao nova foi publicado em 1932, documento que defendia a escola leiga, nacional e gratuita, a organizao da educao popular e a erradicao dos privilgios. A partir do final da dcada de 20, em especial a partir de 1930, o advento do escolanovismo 15 desloca as preocupaes educacionais do mbito poltico para o tcnicopedaggico e, atravs desse deslocamento, o escolanovismo aliado ao trabalhismo 16 cumpre a funo de desmobilizao das foras populares, resultando em instrumento de hegemonia da classe dominante (Saviani, ib.id., p. 35). A tendncia humanista moderna toma impulso e aps 1930 ela est em condies de medir foras com a tendncia humanista tradicional, o que faz durante os debates em torno da Constituinte. O conflito entre elas est representado pelo iderio dos pioneiros da escola nova (tendncia humanista moderna) e pelo iderio catlico (tendncia humanista tradicional). O equilbrio obtido porque, segundo Saviani (ib.id., p. 35),O Estado administra e concilia o conflito, cujo resultado registra um equilbrio de foras traduzido no texto da Constituio de 1934. Com efeito, a Constituio incorporou tanto as teses da LEC (Liga Eleitoral Catlica) como a quase totalidade das propostas dos pioneiros.

15 A Escola Nova brasileira foi marcada fundamentalmente pela inteno de socializar e normalizar os indivduos e pela democratizao do acesso escola. escola foi destinada a responsabilidade de reordenar a sociedade, atravs do ajustamento dos indivduos nova realidade, ou seja, s vicissitudes do mercado de trabalho e aos novos padres socioculturais. Estes traos tm permitido caracterizar o escolanovismo brasileiro como marcadamente guiado por intenes normalizadoras, racionalizadoras e disciplinadoras. Mas preciso reconhecer que tal movimento incorporou vrias vertentes do pensamento poltico e filosfico, sempre considerando a infncia como momento inicial do processo de transformao do indivduo em ser social. Fonte: http://www.anped.org.br/24/P0251803934623.rtf. Acesso em 10 dez. 2005 16 Movimento idealizado por Getlio Vargas, o trabalhismo introduziu no cenrio poltico brasileiro o conceito de povo, fortalecendo o trabalho frente ao capital atravs da criao de polticas pblicas especficas, que deram ao trabalhador brasileiro, alm de benefcios materiais, uma dimenso da possibilidade de seu bem-estar social. Fonte: http://oglobo.globo.com/infoglobo/quemlesabe/diversos/default_brizola.htm. Acesso em 10 dez. 2005

32 2.3 Predomnio da tendncia humanista moderna (1945 1960)

Foram ainda os educadores progressistas da escola nova que retomaram na dcada de 50 a defesa da escola pblica enquanto os catlicos conservadores e defensores da escola particular se opuseram reivindicao daqueles. Por trs desse debate se achava a disputa pelo espao de poder que mais tarde, na poca da ditadura, viria a ser acrescida da disputa pelas verbas pblicas que, para os catlicos, deveriam ser encaminhadas tambm para as escolas particulares. Com a reabertura democrtica em 1945 fica cada vez mais evidente o predomnio da tendncia humanista moderna, momento em que surgem correntes como o psicologismo pedaggico, predominante na dcada de 40, o sociologismo 17 , que toma fora na dcada de 50, e o economicismo 18 (tpico da ideologia neoliberal 19 ) que se delineia no incio dos anos 60 e que, de acordo com Saviani (ib.id.), j representa a crise da transio para a tendncia tecnicista. No final da dcada de 50 o conflito escola particular (catlica)/escola pblica retomado e a defesa da escola pblica feita sob inspirao da tendncia humanista moderna que, acrescida dos iderios da corrente liberal-pragmtica, se prolonga na tendncia tecnicista.Cincia que interpreta a educao como um processo social, cujo principal defensor foi Emile Durkheim. Durkheim praticou o realismo social, no sentido de que a sociedade est acima dos indivduos, como entidade sui generis, com propriedades especficas, tal como um composto qumico, que no apenas a soma das partes; existe algo acima do homem individual, a sociedade, dentro de cujo contexto ele se forma, sendo pois finalmente um produto da mesma. A partir disto, Durkheim desenvolveu uma filosofia e sociologia da educao. A sociologia de Durkheim no v no final dos problemas sociais uma soluo pela simples resoluo das classes em luta a se superarem umas s outras pela liquidao dialtica, mas pelo consenso do acordo. Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/novo/2216y840.htm. Acesso em: 16 jan. 2006 18 Hall (2003) declara que economicismo significa, de acordo com muitos tericos marxistas, ver a formao social como reflexo do econmico sem nenhuma outra fora estruturadora ou determinante em si mesma, no levando em conta nenhuma perspectiva simblica ou as conjunturas histricas. 19 O neoliberalismo, verso moderna do liberalismo (vide Nota 21 da presente dissertao), resultado do encontro de duas correntes do pensamento econmico. A primeira vem da escola austraca, aparecida nos finais do sculo XIX tendo a frente Leopold von Wiese e a segunda formada pela chamada escola de Chicago, tendo Milton Friedman como seu expoente. Na filosofia neoliberal, os homens no nascem iguais, nem tendem igualdade. A desigualdade um estimulante que faz com que os mais talentosos desejem destacar-se e ascender ajudando dessa forma o progresso geral da sociedade. Assim, a sociedade o cenrio da competio, da concorrncia e o mercado quem regula tudo: faz os preos subirem ou baixarem, estimula a produo, elimina o incompetente e premia o sagaz e empreendedor. Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/atualidade/neoliberalismo2.htm. Acesso em: 16 de jan de 200617

33 Cabe observar que a Igreja, principalmente por meio dos movimentos de Ao Catlica, tende a se comprometer concretamente na defesa dos interesses populares passando, por esta via, a organizar o M.E.B. (Movimento de Educao de Base). Neste mesmo perodo surge, tambm, o Movimento Paulo Freire de Educao de Adultos que, na opinio de Saviani (op.cit., p. 37), guarda ntida inspirao crist.

2.4

Crise da tendncia humanista moderna e articulao da tendncia tecnicista (1960 1968)

Diversos movimentos de educao popular, de ampla repercusso, surgem no incio da dcada de 60 com o intuito de conscientizar o povo quanto sua situao. A nfase era colocada ora na alfabetizao, ora na educao de base, mas sempre no sentido da difuso e preservao da cultura popular. Dentre esses grupos que se espalharam pelo pas, de grande relevncia destacarmos o Movimento de Cultura Popular (MCP) de Recife, onde, de acordo com Aranha (1990, p. 162), o educador Paulo Freire elaborou uma teoria educacional original e um mtodo de alfabetizao inovador que posteriormente teve repercusso mundial. O governo brasileiro tinha a inteno de usar o mtodo de Paulo Freire, entretanto, o golpe militar de 1964 extinguiu o ento Plano Nacional de Alfabetizao (PNA) e paralisou as demais atividades, acusando-as de subverso da ordem. A Revoluo de 64, incapaz de acionar mecanismos de persuaso para manter a hegemonia, como fez a Revoluo de 30, viu-se obrigada a lanar mo da represso para garantir o domnio. Ao mesmo tempo, buscou racionalizar os recursos existentes para montar um poderoso aparato persuasivo alicerado nos meios de comunicao em massa e em recursos tecnolgicos sofisticados, o que culminou na reformulao do ensino superior (Lei

34 5540/68) e na reorganizao do ensino que passou a ser denominado de 1 e 2 graus (Lei 5692/71). Conseqentemente, a maior parte dos estudos e iniciativas na rea de educao em nvel de ps-graduao passa a se inspirar na tendncia tecnicista. Com efeito, Saviani (op.cit.) afirma que a maioria das dissertaes e teses concludas at dezembro de 1977, por ele levantadas para a realizao do seu trabalho intitulado Tendncias e Correntes da Educao Brasileira, segue a orientao tecnicista. Saviani (ib.id., p. 39) reitera queTal constatao coincide com a anlise de Luiz Antnio Cunha que, em relao quilo que chamou de descaminhos da pesquisa na Ps-Graduao em Educao, identificou, a partir de 1968, a prevalncia espontnea do estrangeirismo, na sua verso norte-americanista e, em decorrncia, do economicismo, do computacionismo, do tecnicismo, do sistemismo.

2.5

Predomnio da tendncia tecnicista e a concomitante emergncia de crticas pedagogia oficial e poltica educacional (a partir de 1968)

Depois do golpe, durante a ditadura militar, segundo Aranha (ibid. p. 163), a educao seguiu uma tendncia tecnicista sob a influncia norte-americana, resultante dos acordos MEC-USAID 20 feitos entre tcnicos brasileiros e norte-americanos. Como

apresentado no tpico anterior, houve duas reformas importantes na histria da educao brasileira neste perodo de ditadura: as reformas educacionais para o ensino superior em 1968 e as reformas para o ensino mdio em 1971. Outros dados importantes, para nossa anlise, encontramos em Piletti (1997, p. 121):A reforma de 1971 modificou a estrutura anterior do ensino. O antigo curso primrio (de quatro a seis anos) e o antigo ginsio foram unificados num nico curso de 1o. grau, com durao de oito anos. Os ramos profissionais existentes no antigo ginsio industrial, comercial, agrcola e normal desapareceram. O ensino de 1o. grau no oferece formao profissional, mas destina-se to-somente educao geral. (...) Pela reforma de 1971, o ensino de 2o. grau tornou-se todo ele profissionalizante. (...) Mais de duzentas habilitaes profissionais foram regulamentadas pelo Conselho Federal de Educao.(...) todos os estabelecimentos foram obrigados a implantar habilitaes profissionais, mesmo sem as mnimas condies para tanto. (nosso grifo)

United States Agency for International Development (rgo Pblico dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).

20

35 Quanto aos contedos, Piletti (ibid., p.122) relata:A reforma de 1971 aumentou o nmero de matrias obrigatrias em todo o territrio nacional. Sem contar o ensino religioso, facultativo para os alunos, o ncleo comum obrigatrio passou a abranger dez contedos especficos: um de Comunicao e Expresso (Lngua Portuguesa); trs de Estudos Sociais (Geografia, Histria e Organizao Social e Poltica do Brasil); dois de Cincias (Matemtica e Cincias Fsicas e Biolgicas); e quatro Prticas Educativas (Educao Fsica, Educao Artstica, Educao Moral e Cvica e Programas de Sade). Como conseqncia ficou prejudicada a liberdade dos sistemas estaduais e dos estabelecimentos de introduzirem outras matrias. Disciplinas mais reflexivas que podem favorecer a discusso crtica como filosofia, sociologia, psicologia etc. deixaram de ser ministradas no ensino de 2o. grau. (nosso grifo)

Assim, chegamos nova lei de diretrizes e bases da educao (LDB), cuja elaborao foi prevista pela nova Constituio promulgada em 5 de outubro de 1988. O novo projeto de lei de diretrizes e bases da educao nacional teve uma tramitao tumultuada de oito anos no Congresso Nacional e foi finalmente sancionada pelo Presidente da Repblica no dia 20 de dezembro de 1996 como lei n. 9.394/96. Apesar das importantes inovaes introduzidas pela nova lei, o que se observa que o discurso dos pais, e qui, tambm, as prticas escolares da rede pblica, continuam presos aos discursos e prticas neoliberal-tecnicistas, cada vez mais voltados para o mercado de trabalho em conseqncia do capitalismo explcito que vivenciamos. Hilsdorf (2003, p. 130), declara: uma possvel permanncia das marcas da escola da ditadura na organizao e nas prticas da atualidade pois sabemos que as ocorrncias no plano das mentalidades se movem na temporalidade das longas duraes acresce que no consensual que as novas medidas tenham contemplado as necessidades do todo da sociedade, uma vez que seus dispositivos autorizam uma interpretao de reforo do vis privatista verificvel nas dcadas anteriores.

Contudo, paralelamente ao predomnio da tendncia tecnicista surge, na dcada de 70, um conjunto de estudos que Saviani (ib.id.) chama de tendncia crtico-reprodutivista. O autor declara que tal tendncia se desenvolveu sob a influncia da teoria do sistema do ensino enquanto Violncia Simblica 21 e da teoria da escola enquanto Aparelho Ideolgico de

21

Cf. BOURDIEU, P. e PASSERON, J. C. A Reproduo: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1975.

36 Estado. 22 Apesar desta tendncia acabar acentuando uma postura pessimista e imobilista nos meios educacionais, ela promoveu a denncia sistemtica da pedagogia tecnicista implementada pela poltica educacional ao mesmo tempo em que abalava as estruturas da crena na autonomia da educao em face das relaes sociais. A tendncia dialtica emerge, ento, com o propsito de captar o modo especfico de articulao da educao com o conjunto das relaes sociais. Saviani (op.cit., p. 39) advoga que esta tendncia nos levaria a compreenderque o espao prprio da educao o espao da apropriao/desapropriao/reapropriao do saber e que esse espao est atravessado pela contradio inscrita na essncia mesma do modo de produo capitalista: a contradio capital-trabalho. Sendo o saber fora produtiva e sendo, a sociedade capitalista, caracterizada pela propriedade privada dos meios de produo, a classe que detm os meios de produo se empenha em se apropriar do saber desapropriando-o da classe trabalhadora.

3. Educao e sociedade: redeno, reproduo e transformao

As trs tendncias filosfico-polticas 23 de interpretao da educao que resultam em formas de agir no contexto da prtica pedaggica, sumariamente apresentadas neste tpico, so as tendncias descritas por Luckesi (1990, p. 37-52).

3.1

Educao como redeno da sociedade

A tendncia redentora entende a sociedade como constituda de um conjunto de seres humanos que vivem e sobrevivem num todo orgnico e harmonioso (Luckesi, ib.id., p.38), onde h desvios de grupos e indivduos, seja porque so novos elementos (as novas geraes), seja porque, por qualquer motivo, esto margem desse todo. O que importa incorporar 2223

Cf. Althusser (1974).

Filosficas, porque um conjunto de idias e crenas constituem o seu sentido e polticas, porque constituem um direcionamento para sua ao.

37 sua estrutura todos estes elementos. Portanto, a educao teria por finalidade manter e conservar a sociedade atravs da adaptao dos indivduos ao todo social. Neste contexto, a educao, em vez de receber as interferncias da sociedade, interfere nos destinos do todo social. Segundo Luckesi (ib.id.), Comenius, autor da obra Didtica Magna: Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos, publicada em 1657, fornece um exemplo tpico dessa concepo de educao como redentora da sociedade pois, acreditava que o mundo fora criado bom e harmnico por Deus e que pela desobedincia o ser humano (nas figuras de Ado e Eva) havia introduzido o desequilbrio e o pecado. Mas, para o autor, havia solues. Uma delas era a redeno dos pecadores por Jesus Cristo e, a outra, Deus havia colocado nas mos de todos: seguir os seus ensinamentos. Comenius, ento, aponta o caminho da educao como o meio mais eficaz de redimir esta sociedade; entretanto, no acreditando nas possibilidades de re-equilibrar a sociedade a partir dos adultos, a educao somente teria a fora de redimir a sociedade se investisse seus esforos nas geraes novas, formando suas mentes e dirigindo suas aes a partir dos ensinamentos, uma vez que um dos primeiros ensinamentos das Escrituras Sagradas que o nico caminho eficaz para corrigir as corrupes humanas a reta educao da juventude. Luckesi (op.cit.) conclui que a tendncia redentora prope uma ao pedaggica otimista, do ponto de vista poltico, acreditando que a educao tem poderes quase que absolutos sobre a sociedade. essa tendncia de dar educao a finalidade filosficopoltica de redimir a sociedade, Saviani (1986, p. 9) chama de teoria no crtica da educao devido ao fato de ela no levar em conta a contextualizao crtica da educao dentro da sociedade da qual ela faz parte.

38 3.2 Educao como reproduo da sociedade

A segunda tendncia de interpretao do papel da educao na sociedade a que afirma que a educao parte integrante da sociedade e a reproduz. De forma diversa tendncia redentora, a tendncia reprodutora aborda a educao como uma instncia dentro da sociedade e exclusivamente ao seu servio. No a redime de seus desvios, mas a reproduz no seu modelo vigente de forma a perpetu-la. Uma vez que a interpretao da educao como reprodutora da sociedade implica entend-la como um elemento da prpria sociedade, ela passa a ser determinada por seus condicionantes histricos (econmicos, sociais e polticos), colocando-se a servio dessa mesma sociedade e de seus condicionantes. Saviani (1987, p.19-20) chama esta tendncia de teoria crtico-reprodutivista da educao, devido ao fato de ela pretender apenas demonstrar como atua a educao dentro da sociedade e no como ela deve atuar, alm do que, por si mesma, a educao serve de reprodutora dessa sociedade. Para o objetivo de descrever a educao como reproduo da sociedade, Luckesi (1990) segue as reflexes de Althusser (1974), as quais resumiremos a seguir. A partir de pressupostos marxistas, Althusser (ib.id.) faz um estudo sobre o papel da escola como um dos aparelhos ideolgicos do Estado, como uma das instncias da sociedade que veicula a sua ideologia dominante, para reproduzi-la, pois, para perenizar-se, a sociedade necessita reproduzir-se em todos os seus aspectos. Ou seja, para assegurar-se a produo preciso que seja assegurada a reproduo dos meios produtivos que garantam a sua manuteno ou o seu incremento, uma vez que estes meios no so infinitos e inesgotveis. No entanto, a produo de bens materiais e sua reproduo no se realizam sem outro elemento bsico: a fora de trabalho. E, como qualquer outro elemento, ela no infinita e

39 inesgotvel, o que exige tambm a sua multiplicao para que seja substituda quando necessrio. Assim, a fora de trabalho til de duas formas para o sistema produtivo. Do ponto de vista biolgico e do ponto de vista cultural. Sua primeira utilidade se traduz na

multiplicao biolgica dos homens (mo-de-obra quantitativa) e, a segunda, na formao profissional (mo-de-obra qualitativa), segundo as diferentes necessidades da diviso social do trabalho. Desta forma, a reproduo qualitativa da fora de trabalho de que necessita a sociedade capitalista delegada escola que, segundo Althusser (op.cit.), o principal aparelho ideolgico de Estado. Ela permite e garante a hegemonia poltica, sustentadora do poder, pelo processo de reproduo das relaes de produo vigentes na sociedade j que ela no s qualifica para o trabalho, transmitindo o saber fazer, como tambm introjeta valores que garantem a reproduo comportamental compatvel com a ideologia dominante (o saber comportar-se). Com isso, de acordo com a anlise de Althusser (ib.id.), junto ao saber vem acoplado o saber interpretar a sociedade do ponto de vista dos interesses da classe dominante. O termo formao, utilizado para definir os fins da atividade escolar, expressa bem o papel de reprodutora do sistema que desempenha a escola. Formar quer dizer dar forma a, padronizar segundo um modelo. Ento que, na viso reprodutivista de Althusser, faam o que fizerem os professores no sentido de melhorarem suas prticas, seus mtodos e materiais, tudo ser em vo, tendo em vista que sempre reproduziro a ideologia dominante e, conseqentemente, a sociedade vigente. Luckesi (op.cit) afirma que a tendncia reprodutivista crtica em relao compreenso do papel da educao na sociedade, porm pessimista, porque no encontra qualquer sada para ela, a no ser submeter-se aos seus condicionantes.

40 3.3 Educao como transformao da sociedade

A terceira, e ltima, tendncia que Luckesi (ib.id.) apresenta a que tem como perspectiva a compreenso da educao como mediao de um projeto social. No redime nem reproduz a sociedade, servindo de meio, junto a outros meios, para realizar um projeto de sociedade que pode ser conservador ou transformador. A tendncia transformadora pretende demonstrar que possvel compreender a educao dentro da sociedade, com seu papel ativo e com seus condicionantes histrico-sociais, porm com a possibilidade de trabalhar pela sua democratizao. Ou seja, ela pode ser uma instncia social, entre outras, na luta pela

transformao da sociedade, na perspectiva de sua democratizao efetiva e concreta, atingindo os aspectos polticos, sociais e econmicos. Assim sendo, esta terceira tendncia pode ser chamada de crtica na medida em que no cede ao otimismo ilusrio e na medida em que interpreta a educao como uma instncia dialtica que serve a um projeto, a um modelo, a um ideal de sociedade, trabalhando para realiz-lo na prtica. Para tanto, a tendncia transformadora medeia este projeto, como explicita Luckesi (op.cit., p. 49):se o projeto for conservador, medeia a conservao; contudo, se o projeto for transformador, medeia a transformao, se o projeto for autoritrio, medeia a realizao do autoritarismo; se o projeto for democrtico, medeia a realizao da democracia.

Portanto, Luckesi (ib.id.) conclui que a educao, por si, no ser mecanicamente reprodutivista, podendo ser reprodutora, mas no necessariamente; uma vez que pode ser criticizadora, estando a servio de um projeto de libertao das maiorias dentro da sociedade. No entanto, como este processo, dentro da sociedade capitalista, se d de maneira contraditria, o autor prope desvendar as prprias contradies da sociedade e utiliz-las para agir estrategicamente e trabalhar criticamente pela sua transformao.

41 4. Tendncias pedaggicas da prtica escolar

Neste tpico trataremos das concepes pedaggicas propriamente ditas, conforme abordadas por Luckesi (op.cit, p. 53-75), com o intuito de aprofundarmos a compreenso da articulao entre filosofia e educao, isto , como a Filosofia da Educao se sedimenta em uma pedagogia. Para desenvolver a abordagem das tendncias pedaggicas Luckesi (ib.id.) utiliza como critrio a posio que cada tendncia adota em relao s finalidades sociais da escola e organiza o conjunto das pedagogias em dois grupos, onde a perspectiva redentora representada pelas pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias progressistas. No entanto, o autor nos alerta para o fato de que tanto as tendncias quanto suas manifestaes no so puras nem mutuamente excludentes, sendo que em alguns casos elas se complementam e, em outros, divergem, o que torna qualquer tentativa de classificao tarefa bastante limitada.

4.1

Pedagogia liberal

A pedagogia liberal (cujas bases esto sedimentadas no liberalismo 24 que, mesmo tendo cado sob severa crtica, enquanto doutrina poltica e social, durante o final dos anos 30, no foi posto de lado no campo pedaggico) sustenta a idia de que a escola tem por funo24 Doutrina de carter, ao mesmo tempo, econmico e poltico, calcada na idia de liberdade individual. Em sua dimenso econmica, trata-se da defesa da liberdade de comprar e vender bens, sustentculo das modernas economias de mercado. Em sua dimenso poltica, o liberalismo teve o sentido de ser um conjunto de salvaguardas (liberdades), obtidas pelas classes burguesas durante o processo histrico de sua ascenso condio de classes dominantes, contra o poder discricionrio do rei ou da nobreza, em nome da liberdade do povo. A questo naquele momento (sculos XVII e XVIII) era a obteno de salvaguardas polticas (pblicas) que livrassem as atividades econmicas (privadas) da intervenincia arbitrria do soberano absolutista. Nesse sentido, a histria do liberalismo est intimamente ligada da democracia. Nos Estados Constitucionais a partir do sculo XIX (estados liberal-democrticos), liberalismo e democracia assumiram caractersticas complementares: o liberalismo ofereceu as garantias individuais pressupostas pela democracia e esta ofereceu o mtodo, o procedimento para a escolha pblica. (Nota de Alberto Tosi Rodrigues, especial para este livro). Ghiraldelli Jr. (2002, p. 48).

42 preparar os indivduos para o desempenho de papis sociais, de acordo com as aptides individuais, por isso os indivduos precisam aprender a se adaptar aos valores e s normas vigentes na sociedade de classes atravs do desenvolvimento da cultura individual. Dentro da pedagogia liberal esto as seguintes tendncias:

4.1.1 Tradicional

Na tendncia tradicional, a pedagogia liberal se caracteriza por enfatizar o ensino humanstico, de cultura geral, no qual o aluno educado para atingir, pelo prprio esforo, sua plena realizao como pessoa.

4.1.2 Renovada

A tendncia liberal renovada enfatiza, igualmente, o desenvolvimento das aptides individuais, porm, a educao um processo interno que parte das necessidades e interesses individuais necessrios para a adaptao ao meio. Assim, o ensino centrado no aluno e no grupo e apresenta-se, de acordo com Luckesi, em duas verses distintas: (a) renovada progressivista (ou pragmtica), onde o mais importante o processo de aquisio do saber do que o saber propriamente dito, ou seja, trata-se de aprender a aprender; e (b) renovada nodiretiva, orientada para os objetivos de desenvolvimento pessoal e para as relaes interpessoais, onde o papel da escola a formao de atitudes, motivo pelo qual est mais preocupada com os problemas psicolgicos do que com os pedaggicos ou sociais. Dessa forma, os processos de ensino visam a facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos.

43 4.1.3 Tecnicista

A tendncia liberal tecnicista tem como funo a preparao de recursos humanos, mais especificamente, mo-de-obra para a indstria. A sociedade industrial e tecnolgica estabelece, de forma cientfica, as metas polticas, sociais e econmicas enquanto a educao treina nos alunos, igualmente de forma cientfica, os comportamentos de ajustamento a essas metas. Dessa maneira, o essencial deixa de ser o contedo da realidade e passa a ser as tcnicas de descoberta e aplicao das leis que o tecnicismo advoga estarem contidas na realidade. O tecnicismo v a educao como um recurso tecnolgico por excelncia, utilizando-se do enfoque sistmico, da tecnologia educacional e da anlise experimental do comportamento. De acordo com Kuenzer e Machado (1988, p. 34) 25 , apud. Luckesi (1990, p. 56), a educao, na pedagogia tecnicista, encarada como um instrumento capaz de promover, sem contradio, o desenvolvimento econmico pela qualificao da mo-de-obra, pela redistribuio da renda, pela maximizao da produo e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da conscincia poltica indispensvel manuteno do Estado autoritrio.

A influncia da pedagogia tecnicista, segundo Luckesi (1990), teve sua origem na segunda metade dos anos 50 atravs do PABAEE (Programa Brasileiro-americano de Auxlio ao Ensino Elementar). Entretanto, foi introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo de adequar o sistema educacional orientao poltico-econmica do regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalizao do sistema de produo capitalista. Os marcos de implantao do modelo tecnicista so, conforme j apresentamos anteriormente, as leis 5.540/68 e 5.692/71, que reorganizam o ensino superior e o ensino de 1 e 2 graus.

KUENZER, A. Z.; MACHADO, L. R. S. Tecnicismo: a pedagogia tencicista. In: MELLO, G. N. (Org.) Escola Nova, Tecnicismo e Educao Compensatria. So Paulo: Edies Loyola, 1988.

25

44 4.2 Pedagogia progressista

A pedagogia progressista pode ser dividida em trs tendncias: (a) a libertadora, mais conhecida como a pedagogia de Paulo Freire; (b) a libertria, que rene os defensores da autogesto pedaggica; e (c) a crtico-social dos contedos que, diferentemente das anteriores, enfatiza a primazia dos contedos no seu confronto com as realidades sociais. As tendncias libertadora e libertria valorizam a experincia vivida como base da relao educativa e tm em comum o antiautoritarismo e a autogesto pedaggica. Conseqentemente, valorizam mais o processo de aprendizagem grupal, que implica na participao em discusses, assemblias, votaes, do que os contedos de ensino. Em funo disto, a prtica educativa somente faz sentido numa prtica social junto ao povo, razo pela qual preferem as modalidades de educao popular no-formal. (Luckesi, 1990, p. 64). A tendncia da pedagogia crtico-social dos contedos entende a escola como mediao entre o individual e o social, ou seja, o aluno (concreto e inserido num contexto de relaes sociais), pela interveno do professor e por sua prpria participao ativa, passa de uma experincia inicialmente confusa e fragmentada (sincrtica) a uma viso sinttica, mais organizada e unificada. No que a primeira apreenso da realidade, por parte do aluno, seja errada, mas necessria a ascenso a uma forma de elaborao superior, conseguida pelo prprio aluno, com a interveno do professor. Entretanto, no basta que os contedos sejam apenas ensinados, preciso que se liguem, de forma indissocivel, sua significao humana e social, pois dessa articulao resulta o saber criticamente reelaborado. O papel do professor, ento, duplo: propiciar o acesso do aluno aos contedos, ligando-os com a experincia concreta dele, o que Luckesi (op.cit., p. 70) chama de relao de continuidade, e, simultaneamente, proporcionar elementos de anlise crtica que ajudem

45 o aluno a ultrapassar a experincia, os esteretipos, as presses difusas da ideologia dominante a ruptura. Resumindo, a atuao da escola consiste na preparao do aluno para o mundo adulto e suas contradies, fornecendo-lhe um instrumental por meio da aquisio de contedos e da socializao, para uma participao organizada e ativa na democratizao da sociedade. Assim, para os seguidores desta tendncia, a valorizao da escola como instrumento de apropriao do saber o melhor servio que se presta aos interesses populares, j que a prpria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torn-la democrtica. Como pudemos observar, dentro da educao progressista existem trs grupos de entendimento do sentido da educao na sociedade que podem ser expressos pelos conceitos que seguem: (i) a educao como redeno; (ii) a educao como reproduo; e (iii) a educao como um meio de transformao da sociedade. Para agirmos com um nvel

significativo de conscincia na prtica pedaggica, sentimos a necessidade de compreender essas perspectivas para, ento, criticamente produzir uma compreenso que venha a nortear o nosso trabalho. No acreditamos na tendncia redentora que se prope a sanar as enfermidades da sociedade, adaptando os indivduos ao modelo ideal de sociedade, cujo intuito final atender aos interesses dominantes. Tampouco acreditamos na tendncia reprodutivista que afirma que a educao no outra coisa alm de uma instncia de reproduo do modelo de sociedade ao qual serve. Apesar de uma pregar que a educao a instncia que corrige desvios do modelo social vigente e a outra advogar que a educao reproduz o modelo social vigente, para ambas, a organizao da sociedade tida como natural e a-histrica. As formas de viso que diferem: a primeira otimista e a segunda, pessimista. Acreditamos na educao como transformao porque tem por perspectiva compreender a educao como servindo de meio para a realizao de um projeto de sociedade

46 e porque os tericos desta tendncia no negam que a educao tem papel ativo na sociedade, nem recusam reconhecer os seus condicionantes histrico-sociais. Ao contrrio, consideram a possibilidade de agir a partir dos prprios condicionantes histricos, com a possibilidade de trabalhar pela democratizao da educao. Concordamos com Luckesi (1990, p. 05) quando diz que a educao, a partir da perspectiva da tendncia transformadora, ... poder ser reprodutora, mas no necessariamente; desde que poder ser criticizadora. Poder estar, pois, a servio de um projeto de libertao das maiorias dentro da sociedade. Para finalizar este captulo, consideramos necessrio explicar que o retrospecto histrico das correntes e tendncias da educao brasileira, enquanto expresso da Filosofia da Educao, foi realizado para melhor entendermos em qual viso (ou em quais vises) de educao est ancorado o discurso dos pais e dos alunos sobre a relevncia do ensino/aprendizagem da Lngua Inglesa (LI) no Brasil de hoje, conforme analisaremos nos prximos captulos.

47 CAPTULO II

Assujeitamento ideolgico vs. enfrentamento e resistncia

Tendo apresentado alguns dos conceitos da AD e as concepes de Filosofia da Educao (bem como as tendncias e correntes da Educao Brasileira e as tendncias pedaggicas da prtica escolar), ambos pertinentes ao nosso trabalho, passaremos agora a refletir sobre o dispositivo de anlise. Porque as filiaes histricas podem se organizar em memrias, e as relaes sociais em redes de significantes, pode haver ligao, identificao ou transferncia26 de formaes discursivas que abrem a possibilidade para a interpretao. Os enunciados so o lugar desta interpretao, uma vez que so a manifestao do inconsciente (o Outro, da psicanlise) e da ideologia (o outro, conforme conceito de Authier-Revuz, 2004) na produo dos sentidos e na constituio dos sujeitos. Como sugere Orlandi (1999), importante lembrar que a interpretao faz parte do objeto de anlise, isto , o sujeito que fala interpreta e o papel do analista buscar expor (descrever) esse gesto de interpretao do sujeito que constitui o sentido submetido anlise. Alm disso, no h descrio sem interpretao, o que nos alerta para o fato de que o prprio analista est envolvido na interpretao. Orlandi (1999, p. 60-61) esclarece:Por isso necessrio introduzir-se um dispositivo terico que possa intervir na relao do analista com os objetos simblicos que analisa, produzindo um deslocamento em sua relao de sujeito com a interpretao: esse deslocamento vai permitir que ele trabalhe no entremeio da descrio com a interpretao.

Sabemos que o dispositivo do analista no lhe permite trabalhar numa posio neutra, portanto, faz-se necessrio que sua posio seja relativizada em face da interpretao de forma a atravessar o efeito de transparncia da linguagem e da literalidade dos sentidos. Para26

Transferncia aqui significa, segundo conceito de Orlandi (1993), o deslizamento, ou deslocamento, do(s) lugar(es) das idias na constituio dos sentidos encontrados nas formaes discursivas.

48 tal, o analista deve compreender o movimento da interpretao inscrito no objeto simblico que seu alvo e assim o faz ao colocar-se numa posio deslocada que lhe permita contemplar (teorizar) o processo de produo dos sentidos em suas condies de produo: o como se diz, o quem diz, em que circunstncias, de que lugar se fala (relaes de sentido e de foras), e que imagem se tem daquilo ou de quem se fala (formaes imaginrias). A anlise feita por etapas que correspondem tomada em considerao de propriedades do discurso referidas a seu funcionamento, (Orlandi, 1999, p. 77). Na primeira etapa, o analista faz a passagem da superfcie lingstica para o objeto discursivo. Seu referente o texto. Na segunda etapa, faz a passagem do objeto discursivo para o processo discursivo; a, seu referente a formao discursiva. E, por ltimo, h a interpretao do processo discursivo luz da formao ideolgica. Este dispositivo e procedimentos de

anlise conduzem construo do sentido que dever levar em conta o dito e o no-dito. A dimenso da nossa preocupao inicial era o que est na superfcie discursiva (o desejo do sucesso profissional e acadmico). Com o intuito de compreender a relevncia do ensino/aprendizagem da LI para a concretizao deste desejo de sucesso profissional e acadmico, analisaremos o discurso dos pais de alunos do Ensino Mdio da Escola Estadual Prof. Christino Cabral na cidade de Bauru, So Paulo. Dessuperficializar o discurso dos pais, ou seja, buscar o real do sentido em sua materialidade lingstica e histrica, uma forma de conhecer melhor as representaes sobre o ensino de LI. Para tanto, nossa anlise buscar colocar o dito em relao ao no dito, o que o sujeito diz a partir de um lugar com o que dito a partir de outro, o que dito de um modo com o que dito de outro. Em outras palavras, buscar naquilo que o sujeito diz, aquilo que no est dito mas que da mesma forma constitui os sentidos das suas falas. Assim, ultrapassar a opacidade do discurso dos pais seria um ponto de partida que aprofundaria as reflexes dos professores de LI a respeito do que se espera do ensino pblico.

49 Dentre os pais entrevistados, escolhemos uma amostragem composta de seis pais que cursaram o Ensino Fundamental e Mdio em escolas pblicas brasileiras:

P1 tem 40 anos, licenciado em histria (porm nunca exerceu a profisso), trabalha com informtica e adquiriu a LI na Inglaterra;

P2 tem 52 anos, concluiu o ensino mdio, trabalha no comrcio e iniciou curso particular de LI, porm no chegou a conclu-lo;

P3 tem 45 nos, engenheiro agrnomo, atualmente trabalha com vendas e concluiu curso particular de LI;

P4 tem 64 anos 27 , dona de casa, estudou at a 4 srie do ensino fundamental e nunca freqentou aulas de LI, seja no ensino regular, seja em escola particular de lnguas;

P5 tem 38 anos, funcionria pblica, concluiu o ensino mdio e um curso particular de LI (tendo, inclusive, feito curso de conversao para aprimoramento, porm sem nunca sair do pas); e

P6 tem 46 anos, pintor de placas e faixas, concluiu o ensino mdio e iniciou curso particular de LI, porm no chegou a conclu-lo. Para analisar o discurso dos pais, a primeira categoria levantada a dos que sabem e

dos que no sabem ingls. Considerando que os que sabem ingls declaram domi