eliézer de souza perruci luiz carlos dos santos júnior ... · devido ao contexto histórico em...

53
Eliézer de Souza Perruci Lucas Rangel de Castro Soares Luiz Carlos dos Santos Júnior Marcelo Mendes Wey Berti Rafael Gustavo de Almeida Viana O DIA DO SENHOR Uma teologia bíblica da perspectiva profética Monografia apresentada ao Prof. Carlos Osvaldo Cardoso Pinto em cumprimento parcial dos requisitos da matéria Teologia Bíblica do Antigo Testamento II CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA SEMINÁRIO BÍBLICO PALAVRA DA VIDA Atibaia 2003

Upload: vodat

Post on 08-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Eliézer de Souza Perruci

Lucas Rangel de Castro Soares

Luiz Carlos dos Santos Júnior

Marcelo Mendes Wey Berti

Rafael Gustavo de Almeida Viana

O DIA DO SENHOR Uma teologia bíblica da perspectiva profética

Monografia apresentada ao Prof.

Carlos Osvaldo Cardoso Pinto em

cumprimento parcial dos requisitos da

matéria Teologia Bíblica do Antigo

Testamento II

CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA

SEMINÁRIO BÍBLICO PALAVRA DA VIDA

Atibaia

2003

1

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 2

2 ORIGEM E CONCEITOS RELACIONADOS À EXPRESSÃO “O DIA

DO SENHOR” ...................................................................................................... 3

3 EXPECTATIVAS DO POVO HEBREU SOBRE O DIA DO SENHOR .... 5

4 A PERSPECTIVA PROFÉTICA SOBRE O DIA DO SENHOR................. 7

4.1 Período Pré-Exílico ....................................................................................................7

4.1.1 Obadias ...............................................................................................................8

4.1.2 Joel....................................................................................................................10

4.1.3 Amós.................................................................................................................12

4.1.4 Oséias ...............................................................................................................16

4.1.5 Isaías .................................................................................................................18

4.2 Período Exílico .........................................................................................................22

4.2.1 Sofonias ............................................................................................................23

4.2.2 Jeremias ............................................................................................................28

4.2.3 Ezequiel ............................................................................................................30

4.3 Período Pós-Exílico ..................................................................................................36

4.3.1 Ageu .................................................................................................................36

4.3.2 Zacarias.............................................................................................................38

4.3.3 Malaquias .........................................................................................................42

2

4.4 Visão Profética Vetero-Testamentária......................................................................44

5 CONCLUSÃO.............................................................................................. 50

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................................... 51

2

1 INTRODUÇÃO

O Dia do Senhor é um tema pouco explorado na atualidade, pois, dentro de

um mundo influenciado pelo pós-modernismo, este é um tema muito duro e, por muitas vezes,

difícil de ser entendido. A situação torna-se mais complicada por causa de alguns líderes que

não tem a ousadia ou o esforço de estudar tal tema, e de outros que o exploram de maneira

distorcida, passando para o rebanho de Deus uma visão errônea da realidade desse tema.

Constantemente o cristão tende a levar uma vida que, externamente é muito

bonita e cheia de rituais, enquanto internamente, é marcada pela iniqüidade. Isso é agravado

pelo fato dele pensar que o seu viver aqui não influencia em nada no seu relacionamento com

Deus, afinal, ele é filho do Rei e merece toda a sorte de bênçãos que lhe bem desejar.

O povo israelita também pensava da mesma forma. Criam que, pelo fato de

serem o povo que Deus separou para ser o povo de Sua aliança, as bênçãos sempre viriam

independente de sua fidelidade para com Yahweh. Eles também criam que o Dia do Senhor

seria uma espécie de panacéia. Um grande remédio que iria resolver todos os seus problemas.

Todas as nações inimigas seriam punidas por terem se atrevido a tocarem no povo eleito de

Deus.

Porém os profetas, enviados por Deus, vieram a Israel para corrigir essa

visão distorcida sobre o Dia do Senhor. Eles expandiram este conceito, mostrando que este

evento abrange muito mais do que a punição de outras nações, o Dia do Senhor seria um

evento que também envolveria a salvação e a punição do próprio Israel.

O objetivo deste trabalho é, de maneira clara e objetiva, demonstrar qual era

a visão que Israel possuía e o que foi corrigido e expandido pelos profetas a respeito do

evento do Dia do Senhor.

3

2 ORIGEM E CONCEITOS RELACIONADOS À

EXPRESSÃO “O DIA DO SENHOR”

Essa expressão é parte integrante da escatologia bíblica. Os profetas

olhavam para o dia do futuro quando o Deus de Israel, que repetidamente visitou Seu povo na

História, os visitaria finalmente a fim de julgar os ímpios, redimir os justos, e expurgar todo

mal da terra. Existem diversas expressões equivalentes ao termo “Dia do Senhor”, tais como:

“Naquele Dia”, “O Dia”, “Aquele Dia”, “Últimos Dias”. Estas expressões aparecem mais de

75 vezes no Antigo Testamento. Isso evidencia sua importância nas Escrituras proféticas. Tais

textos revelam que a idéia de julgamento é preponderante. Todas estas expressões designam a

divina visitação e salientam a sua qualidade, e não tanto o tempo de sua ocorrência. Por

conseguinte, o Dia do Senhor denota tanto as visitações divinas na história (Am 5.18; Jl 1.15),

com também a visitação escatológica final (Jl 3.14, 18; Sf 3.11, 16; Zc 14.9).

É de suma importância identificar quais são as idéias por trás do termo “dia”

(heb. ���). Este é o mais importante conceito de tempo no Antigo Testamento, pelo qual

pode-se expressar tanto um instante quanto um período de tempo. Pode significar o período de

iluminação natural (em contraste com o período de escuridão); o período de vinte quatro

horas; a idéia geral e indefinida de “tempo”; um instante no tempo; e também um período de

um ano (caso em que a palavra aparece no plural). A expressão Dia do Senhor pode ser usada

de forma escatológica ou não. É um dia de juízo e/ou benção. Existem também expressões

semelhantes que podem referir-se a acontecimentos ordinários e esperados (Is 21.6) ou a

escatológicos , como “naquele dia” ����������; e que podem referir-se a acontecimentos no

futuro em geral (Dt 31.29) tal como “últimos dias” �����������������.

Para uma melhor análise, os usos da expressão Dia do Senhor precisam ser

considerados. Amós 5.18-20, a primeira passagem onde encontramos seu uso no sentido mais

abrangente, demonstra que esta expressão já fora padronizada no vocabulário popular. Para o

4

povo, significa o dia quando Yahweh haveria de intervir, a fim de colocar Israel acima das

demais nações, independente da fidelidade de Israel para com Ele. Acreditavam que nesse dia,

Yahweh se ergueria para desbaratar todos os seus inimigos e salvar Israel de um modo

espetacular. Entretanto, Amós declara que o Dia do Senhor significa juízo também para Israel.

O que Amós acrescentou ao termo não foi a idéia de um julgamento qualquer, mas sim a idéia

de um julgamento moral.

Outros profetas, conscientes dos pecados de outras nações, como também

dos de Israel, declararam que o Dia do Senhor virá contra nações específicas como castigo por

terem subjugado o povo de Deus. Podendo-se destacar: a Babilônia (Is 13.6, 9), o Egito (Jr

46.10), Edom (Ob 15), e muitas nações (Jl 2.31; 3.14; Ob 15).

Em algumas passagens se concebe como iminente o Dia do Senhor, mas

todos o consideram como o tempo da divina irrupção na história, de maneira espetacular. A

extensão do Dia do Senhor tem sido uma questão de debate entre os intérpretes das Escrituras.

Alguns situam o Dia do Senhor apenas como os anos de tribulação enquanto outros o vêem no

período compreendido entre a tribulação até o final do milênio.

O Dia do Senhor é, desta maneira, a ocasião quando Yahweh intervirá

ativamente para punir o pecado, que terá chegado ao seu clímax. Esse castigo poderá ocorre

de diversas maneiras, pois Yahweh não só punirá a Israel por seus pecados, mas também as

nações que permaneceram como inimigos do Senhor.

5

3 EXPECTATIVAS DO POVO HEBREU SOBRE O

DIA DO SENHOR

É de extrema importância para o estudo do dia do Senhor na literatura

profética o fato de haver um contraste entre a visão dos profetas, que será tratada adiante, e a

visão do povo acerca do Dia do Senhor. Este contraste é perceptível na própria literatura

profética nas advertências contra aqueles que ansiavam pelo dia do Senhor.

Devido ao contexto histórico em que Israel viveu durante o período do reino

dividido, a expectativa primordial dos hebreus com relação ao dia do Senhor possuía um

caráter essencialmente político-militar. Visto que os conflitos com as nações vizinhas eram

constantes, os israelitas ansiavam pelo dia em que o Senhor traria a paz absoluta para o seu

povo através da destruição completa das nações inimigas. Neste dia, Israel exerceria o

domínio sobre todas as nações e viveria numa condição de profunda prosperidade.

A tristeza e o medo provocados pela instabilidade social, política e bélica

dariam lugar a um estado de gozo e paz completos. O julgamento de Yahweh cairia somente

sobre as demais nações, sendo Israel o povo que gozaria de uma posição privilegiada que não

seria julgada. Esta visão é decorrência de uma interpretação equivocada das alianças. Deus

realmente estabeleceu pactos incondicionais com Israel, mas o desfrutar das bênçãos da

aliança deuteronômica dependia da obediência exclusiva do povo a Yahweh.

Com o decorrer da história do reino dividido, esta visão foi sofrendo alguns

acréscimos decorrentes de acontecimentos históricos envolvendo Israel e Judá. Durante e

depois do exílio babilônico, além de esperar pela destruição dos seus inimigos, o povo

aguardava a restauração de Israel como um país unificado.

O grande problema das expectativas israelitas concernentes ao Dia do

Senhor era a falta de uma compreensão correta do aspecto espiritual deste evento. O juízo

contra as nações não se dará simplesmente por vingança de guerra, mas como preço justo pelo

6

pecado praticado por tais povos. Conseqüentemente, Israel também seria incluído no juízo

divino, segundo as suas práticas pecaminosas. A própria restauração política de Israel tem um

forte cunho religioso, pois o rei davídico que restaurará a nação também será um sacerdote,

não da casa de Arão, mas da ordem de Melquisedeque.

O ministério profético buscou corrigir as distorções presentes nos anseios

hebreus acerca do Dia do Senhor, porém o povo preferiu a apostasia e, conseqüentemente,

sofreu a disciplina do Senhor.

7

4 A PERSPECTIVA PROFÉTICA SOBRE O DIA DO

SENHOR

Conforme demonstrado anteriormente, a perspectiva de Israel era que o Dia

do Senhor seria uma panacéia de todos os males da sociedade daquela época, mesmo sendo

um conceito desconhecido pela nação1. Porém, Deus usa o ministério dos profetas para

expandir a visão limitada que Israel possuía em relação a esse tema. Sendo assim é necessário

compreender a perspectiva profética sobre o Dia do Senhor.

4.1 Período Pré-Exílico

Sendo o ministério profético basicamente a atuação divina no seu povo,

através de homens específicos, para advertir e conclamar a uma restauração do

relacionamento entre o povo da aliança e Yahweh, e proclamar o juízo decorrente da apostasia

em que a nação vivia, o entendimento da interação dos profetas com o seu contexto se faz de

suma importância para o início do estudo da perspectiva profética sobre o Dia do Senhor.

Tratando-se, especificamente, do período compreendido entre a divisão do reino de Israel sob

um monarca da dinastia davídica e a queda dos dois reinos formados desde então, é necessário

entendermos o caminho percorrido pelos dois reinos até o ponto culminante da sua

incredulidade para com Deus.

Após a morte de Salomão, o trono de Davi sofreu uma crise provocada por

Roboão. Esta crise culminou com a divisão do reino surgindo assim o reino de Judá, que

compreendia as tribos de Judá e Benjamim, e o reino de Israel que compreendia as dez tribos

do norte. O reino de Judá permaneceu sob o governo dos descendentes de Davi, mas isso não

garantiu uma série de bons reinados. Logo com Roboão a idolatria foi fortalecida em Judá,

1 KAISER, Walter C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1980. p. 202

8

sendo estabelecidos lugares altos, pedras sagradas e postes de Aserá. O próprio rei estava

envolvido com rituais de prostituição idólatra2. Grande parte dos reis que passaram depois de

Roboão mantiveram uma postura apostata, com exceção de alguns poucos que

implementaram reformas religiosas na nação. Mesmo havendo algumas reformas, o coração

do povo se mantinha inclinado para a idolatria, o que fez com que a dedicação de Judá para

com Deus jamais passasse da superficialidade.

Se em Judá a situação espiritual era ruim, em Israel era ainda pior. O mais

perto do culto verdadeiro a Yahweh que foi difundido pelos reis do norte foi o culto sincrético

centralizado em Betel e Dã criado Jeroboão. Nenhum dos reis de Israel durante o reino divido

pode ser considerado bom diante dos olhos do Senhor. O governo do norte foi marcado por

trocas de dinastias causadas por conspirações internas.

A situação internacional também contribui para o nosso estudo. Durante este

período houve o surgimento do império assírio que foi ampliando as suas conquistas se

tornando a grande potencia mundial até a sua queda pelas mãos dos babilônicos. O avanço da

Assíria e as constantes lutas com os arameus, edomitas, filisteus, moabitas, árabes, além do

Egito, tiveram grande influência no curso que os dois reinos tomariam até a queda definitiva.

Todos os profetas viveram em íntimo contato com a situação em que os seus

países viviam, e este contexto influenciou o seu ministério de advertência ao povo de Deus.

Eles sabiam que a apostasia seria punida e que Deus estava agindo na história para disciplinar

o Seu povo.

4.1.1 Obadias

O livro de Obadias é muito peculiar no que diz respeito à reconstrução

histórica que faz ao prenunciar o juízo para Edom. Segundo seus relatos, os descendentes de

Esaú (Gn 36), irmão gêmeo de Jacó, seriam punidos por não fazerem nada enquanto

Jerusalém era invadida, por saquearem Judá e por terem construído barreiras na estrada para

impedir a fuga do povo3 por ocasião da invasão dos filisteus e árabes em 848-841 a.C.

O livro possui uma divisão muito clara o que facilita compreender o termo

2 MERRILL, Eugene H. História de Israel. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. p. 345. 3 RYRIE, Charles C. A Bíblia Anotada. São Paulo:Mundo Cristão, 1994. p. 1123.

9

“Dia do Senhor” dentro do seu contexto. O primeiro segmento do livro fala sobre o juízo de

Edom (vv.1-9), seguido da demonstração do seu comportamento para com Judá (vv.10-14) e

fala sobre o julgamento de todas as nações no “Dia do Senhor”, e a “restauração de Judá”.

Essa perspectiva de Obadias sobre o Dia do Senhor parece muito restrita. O

anúncio contra as nações é claro: “Por que o Dia do Senhor está prestes a vir sobre todas as

nações” (v. 15). A restauração de Judá também: “Mas no monte de Sião haverá livramento”

(v. 17). Essa visão demonstra um aspecto punitivo de Deus exclusivo às nações. Israel não

parece ser incluído nessa punição.

O caráter dessa punição pode ser percebido como a Vingança do Deus da

Aliança contra as nações que realizaram qualquer espécie de malefício ao Seu Povo. Essa

observação pode ser compreendida à luz da Aliança Abraâmica, que afirma: “Amaldiçoarei os

que te amaldiçoarem” (Gn.12.2). Obadias sobre isso afirma: “...como tu fizeste, assim se fará

contigo: teu malfeito tornará sobre tua cabeça” (v. 15b).

Contudo, existe um problema muito sério com respeito ao período da

redação desta “profecia”. Segundo indícios internos do livro, percebe-se que o autor faz

menção de uma destruição feita por Edom (vv. 11-14). D.W.B. Robinson afirma que essas

colocações dizem respeito à destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, em 586 a.C4.

Entretanto, Ryrie demonstra a possibilidade de que esse evento narrado por Obadias possa ser

colocado em uma data anterior. Segundo ele houveram quatro invasões significativas de

Jerusalém: a primeira foi realizada por Siraque em 926 a.C (1Re.11.14-25); a segunda pelos

filisteus, entre 848-841 a.C. (2Cr.21.16-17); a terceira pelo rei Joás de Israel, durante o

reinado de Jeorão, em 790 a.C. (2Re.14.13-14); a quarta pela Babilônia entre 606-586 a.C.

(2Re.24-25)5.

Com essa colocação de Ryrie, é notória a possibilidade de que o evento

narrado por Obadias seja inserido na segunda invasão. Mas essa colocação não define a

questão da data do documento. Entretanto, pode-se ressaltar que a conotação da expressão Dia

do Senhor em Obadias, que se refere apenas ao livramento futuro de Israel e a punição das

nações, parece muito restrita para ser datada como posterior a invasão babilônica.

4 ROBINSON, D.W.B. O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 867. 5 RYRIE, Charles C. Op Citp p. 1123.

10

A expressão hebraica �������� para Dia do Senhor vem apenas associada

com a idéia de iminência deste Dia, marcado pela presença do termo �����. Esse conceito,

somado ao fato de que neste documento é apenas demonstrado o juízo das outras nações,

demonstra que estava em pleno acordo com a expectativa judaica desse “Dia”.

Como foi demonstrado, a esperança de Israel era que Yahweh interviria na

história para promover juízo às nações que o afligiam, enquanto lhes promoveria salvação.

Obadias parece cônscio desta idéia, e sua visão profética fundamenta essa perspectiva. Assim,

não existiriam problemas em datar esse documento por volta do ano 841a.C. Então, fica

evidente o caráter positivo dessa profecia, no ponto de vista de Israel. A mensagem, mesmo

sendo marcada pelo juízo de Deus, demonstra a salvação para o povo, que era o momento

mais esperado por eles.

Dessa forma, pouco pode ser extraído sobre a expressão “Dia do Senhor”, a

não ser que este tem um caráter punitivo das nações que se levantarem contra os da “casa de

Jacó”, somado ao livramento destes. Porém, o versículo 21 faz uma menção muito importante

quando afirma: “...o reino será do Senhor”. O povo de Deus não duvidava do Seu controle

Soberano sobre a história, mas sempre aguardou a plena expressão e reconhecimento de Seu

Governo. Essa certeza era a maior glória do povo, que esperava ansiosamente por esse dia.

4.1.2 Joel

A palavra de Deus veio a Joel em um momento de extrema calamidade no

meio do povo. Ele pregou e registrou sua admoestação por meio da figura de uma invasão de

gafanhotos (v. 1.4). Segundo seu relato, essa invasão seria forte e devastadora dando um

clima de punição ao seu livro, embora também existisse um caráter benevolente da ação de

Deus, pois se houvesse um arrependimento genuíno, haveria salvação (vv. 2.18-27).

Assim pode-se perceber o caráter progressivo da literatura de Joel, que se

apresenta punitiva para o povo de Israel (vv. 1.1-2.11), se estende com a conclamação deste

povo ao arrependimento (vv. 2.12-17), demonstra o zelo de Yahweh para a reconstituição do

Seu povo (vv. 2.18-27) e salvação do mesmo (vv. 2.28-32), bem como a punição das outras

nações (vv. 3.1-17).

Dentro dessa estrutura muito bem elaborada, Joel tece alguns aspectos do

Dia do Senhor. Charles C. Ryrie chega a afirma que “o dia do Senhor, tema principal da

11

profecia de Joel, envolve uma intervenção especial de Deus nos acontecimentos da história

humana”6. Embora o Dia do Senhor esteja intimamente ligado a essa intervenção especial de

Deus na história, a partir de Joel, pode-se perceber um aspecto mais abrangente e tenebroso

com respeito a esse dia. Isso pode ser observado pelas palavras que Joel associada à expressão

“Dia do Senhor”.

A palavra integrada ao Dia do Senhor, em Joel 2.11, “Grande” (Heb.

�����), tem conotações importantes no que diz respeito à conceituação do termo. A palavra

hebraica expressa o sentido de grandeza, em termo de magnitude e extensão, número,

intensidade, importância. Dentro do contexto do livro de Joel, a expressão “grande é o Dia do

Senhor”, parece referir-se à sua Intensidade, pois, desde o início do livro, Joel enfatiza o

caráter punitivo deste Dia, demonstrando o levantar de um povo que será grande (Heb. ���,

no sentido quantitativo; Jl.2.2) e poderoso (Heb. �����,que carrega o sentido de poder em

número), como valentes (Jl.2.7) e homens de guerra que executam as ordens do Senhor. Esse

aspecto de intensidade pode ser observado por outra expressão referente a esse Dia, que é

“mui terrível” (Heb.�����������).

A intensidade expressa pela palavra “grande” não diz respeito à amplitude

do evento, mas ao ardor punitivo daquele dia, fato observado nos primeiros momentos do

livro. No capítulo 2, versículo 2, Joel faz uma descrição desse dia como um “dia de

escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão”.

Ao observar essa frase cunhada por Joel, é complicado concordar com a

perspectiva de Hubbard que afirma como aspecto mais importante do Dia, a compaixão e não

a ira, demonstrando que “Javé estava pronto para mudar”7 e que o papel do profeta era

preparar o povo para isso.

Com certeza Hubbard não atentou para a colocação inicial do profeta sobre

esse dia “Ah! Que dia! Por que o Dia do Senhor está perto, e vem como assolação do Todo-

Poderoso” (v. 1.15). A palavra “assolação” (heb. ����) pode ter o sentido de destruição,

devastação, ruína. Assim, fica evidente o aspecto de intensidade desse “Dia”.

6 RYRIE, Charles Caldwell. A Bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1991. p. 1108. 7 HUBBARD, David Allan. Joel e Amós. São Paulo:Vida Nova, 1996. p. 25

12

Contudo, não podemos descartar as considerações que Joel faz sobre a

demonstração do zelo de Deus para com seu povo, pois, após o chamamento para

arrependimento, Joel enfatiza a provisão divina para a terra (vv. 2.18-19). Essa atitude deve

ser encarada como motivo de louvor para toda a terra (v. 2.21). Porém, nesta esfera de

provisão, Deus conclama o Seu povo a alegrar-se, pois Ele vai reconstituir a nação,

devolvendo-lhe o que foi devorado pelos gafanhotos.

Segue-se que, para Joel, o Dia do Senhor tem por cerne a demonstração da

punição de Deus, embora envolva a demonstração de Seu zelo. Mas ainda não está completo

esse conceito, pois no fim do livro pode ser observado um aspecto de paz e prosperidade para

Israel, enquanto seus inimigos foram destruídos (vv. 3.19-21).

Dessa forma percebe-se que para Joel, o Dia do Senhor é um Dia de

punição, julgamento, primeiro de Israel (vv. 1.15-2.11) e depois das nações (vv. 3.1-17), mas

que envolve um aspecto de salvação, livramento para as nações (vv. 2.21) e para Israel (v.

2.23) e de paz e prosperidade a Israel e a Judá (vv. 3.18-20).

4.1.3 Amós

Amós residia em Tecoa (vilarejo que se situava a 16 quilômetros de

Jerusalém), e tinha por ocupação o pastoreio de ovelhas quando recebeu o chamado divino

para exercer o ministério profético. Então viajou para o norte, até Betel, para pregar no que

era um terreno virtualmente estrangeiro. Ele profetizou na época de Uzias, rei de Judá (791-

740 a.C.), que governava uma nação prospera, mas sob a influência direta de Jeroboão II, rei

de Israel (793-753 a.C.). Externamente, seu reinado foi o ápice da monarquia do reino do

Norte, ao passo que, internamente, foi um período marcado pela idolatria e corrupção (2Rs

14.24-25).

A mensagem de Amós destina-se a todos aqueles que ignorando o ensino e

os mandamentos de Yahweh, fizeram aquilo que era bom aos seus próprios olhos e se

deixaram levar pela idolatria e pela luxúria. A sua profecia pode ser dividida de duas formas:

a primeira parte trata-se do julgamento que Deus trará no Seu dia, a todas as nações pagãs.

Primeiramente, Amós relata a benevolência e paciência de Deus para com essas nações,

mostrando que o Senhor suportou os seus numerosos atos de rebelião (Am 1.3,6,9,11,13;

2.1,4). Depois, ele descreve como será o julgamento divino para essas nações.

O primeiro povo a ser julgado é o povo de Damasco, que é julgado pela sua

13

crueldade com os outros povos. Charles Ryrie chega a afirmar que “os siros de Damasco

literalmente ‘trilhavam’ e deformavam os corpos dos seus prisioneiros de guerra com ferros

de arado crivados de pontas agudas”8. Deus então penaliza essa nação de três formas: o

extermínio da descendência de Hazael, rei dos sírios de Damasco (Am 1.4), a destruição de

Damasco e do vale do Áven que, provavelmente, era um centro de culto pagão, e a deportação

desse povo para Quir, que mais tarde foi efetuada pelo rei Tiglate-Pileser III da Assíria.

Os próximos neste julgamento são os filisteus. E desta vez, quatro cidades

são levadas ao banco dos réus: Gaza, uma cidade que ficava próxima ao Egito e era conhecida

pelo tráfico de escravos; Asdode, situada a 33 quilômetros de Gaza; Ascalom e Ecrom. A

transgressão descrita é o tráfico de escravos, que era, provavelmente, uma transação comercial

em que os filisteus atacavam as cidades vizinhas de Judá e Israel e vendiam seus prisioneiros

aos edomitas, os piores inimigos dos israelitas. O anúncio do julgamento, segundo Hubbard, é

ampliado para mostrar o poder devastador de Yahweh. A frase final resume de toda a

calamidade dizendo que o último grupo de sobreviventes, sofre um destino ainda pior do que

os que foram exilados. Hubbard diz que “... nestes discursos somente aqui a fórmula é

ampliada de modo a incluir ������� e também o nome ����, reforçando assim a observação

quanto ao poder e à autoridade divina”9.

Agora, Deus volta os seus olhos para o norte, para a cidade de Tiro. Há

indícios que demonstram que este relato vem logo depois do relato da Filístia, por causa da

semelhança da transgressão de ambas: o comércio de escravos com Edom. Porém, para Tiro

existem dois agravantes: eles negligenciaram uma aliança feita com algum povo que não é

relatado, e, pelo fato de se situarem em uma ilha, seus habitantes eram autoconfiantes e criam

que ninguém poderia derrota-los. Por isso Tiro é julgada com um fogo que comerá (heb.

�������) toda a cidade.

Depois de participar dos dois últimos julgamentos, chega a hora de Edom

ser sentenciado. A sua acusação principal é a guerra impiedosa contra seu irmão, referindo-se

a Esaú e a Jacó, os antepassados dos edomitas e israelitas (Gn 25.19-26). Hubbard afirma, que

a guerra de Edom contra os de Israel é dominada por uma ira cruel que “não cessa de

8 RYRIE, Charles Caldwell. A bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1991. p. 1114 9 HUBBARD, David Allan. Joel e Amós. São Paulo: Vida Nova, 1996. p. 150

14

despedaçar suas vítimas”10. As duas cidades edomitas, tanto Temã quanto Bozra, são alvos

adequados para o juízo divino, pois, com certeza, corre através dessas cidades o comércio de

escravo que levou o povo de Edom a tal sentença.

Amós continua sua lista de julgamentos e chega aos amonitas. Este povo é

acusado pela sua crueldade para com as mulheres de Gileade, especificamente para com as

grávidas a quem eles, sem nenhuma piedade, literalmente rasgaram seus ventres com o

propósito de satisfazerem seus desejos depravados. A sua condenação é bastante severa. Deus

mandará fogo que consumirá a nação, aqui representada pela sua principal cidade, Rabá, e

também com a deportação desse povo junto com o seu rei e seus príncipes.

É chegada a hora dos moabitas serem julgados. Este povo é acusado,

principalmente, por dizimar o povo de Edom. É interessante notar o que Deus faz com as

nações pagãs. Primeiramente, Deus utiliza a nação de Moabe para executar a sentença sobre

Edom. Agora Moabe é julgado exatamente por causa de “ser utilizada por Deus” na

dizimação a Edom. A sentença divina é, mais uma vez, fogo que consumirá totalmente as

fortalezas das cidades de Moabe. Haverá também grande tumulto e todos os governantes

dessa nação serão exterminados.

O Senhor agora volta os seus olhos para o seu povo. Independente da sua

divisão política, Deus os pune, principalmente, por causa de sua negligência para com a Sua

Lei. Nesta época a nação de Judá, apesar de ser governada por um rei aparentemente justo

(Uzias), o povo de Judá era extremamente influenciado pelo reinado de Israel (Jeroboão II).

Por causa de toda essa transgressão, Deus os julga com severidade e não poupa nem a cidade

de Jerusalém.

Finalmente, Amós termina o seu discurso de julgamento para as nações com

o relato da nação que era menos esperada pelo povo a quem ele pregou: a nação de Israel. Os

israelitas pensavam que esse julgamento era apenas para as nações vizinhas e que eles

estariam sempre debaixo da benção divina independente da fidelidade do povo para com Ele.

É interessante perceber que Israel, ao contrário das ouras nações, recebe diversas acusações.

Quatro delas são citadas como motivo de julgamento: vender os pobres como escravos (Am

2.6), perverter a justiça dos oprimidos (Am 2.7), relações sexuais ilícitas (Am 2.7) e tirar

10 HUBBARD, David Allan. Joel e Amós. São Paulo: Vida Nova, 1996. p. 152

15

vantagens financeiras dos pobres (Am 2.8). Um fato interessante nesta quatro acusações é que

elas têm algo em comum: todas são fruto de abuso de poder. Sobre essas acusações, Hubbard

afirma:

Os credores, fazendo uso de propinas, perseguições financeiras ou provas fraudulentas, vendiam pessoas inocentes... Isso, no mínimo, viola as leis que exigem um tratamento humano para os escravos, violação essa que tornava o crime de Israel pior que o de Gaza... Pais, aproveitando da obediência filial e da incapacidade da mulher para defender seus direitos, alegavam autoridade patriarcal para manterem relações sexuais com suas noras, apesar das leis de Israel, que proibiam claramente tal confusão de relações sexuais. Parece que não se tem em vista a escrava nem a prostituta, pois Amós emprega a palavra ������� , mulher jovem moça, para descreve-la.11 (grifo pessoal)

Se parasse neste ponto, as acusações que se tem em mão já seriam

suficientes para condenar Israel. Porém, Amós ainda não acabou o seu discurso. Agora ele dá

uma verdadeira aula sobre a história israelita, relembrando-os de tudo que Deus realizou pelos

seus antepassados e por eles (Am 1.9-11). O castigo para Israel é mais severo do que para as

outras nações, principalmente, por causa da sua negligência (Am 1.12) para com a revelação

dada somente a eles através de profetas e nazireus (Am 1.11). Deus então desfere a sentença

para Israel dizendo que não restará nenhum sobrevivente e que até os mais valentes e mais

treinados para a guerra sairão correndo de medo naquele dia. Deus, mais uma vez, relembra o

povo de Israel que tudo tem uma conseqüência lógica (Am 3.2-7), ou seja, que todas as

conseqüências que Israel sofrerá são devido às suas ações para com Deus. Essa passagem traz

uma lembrança da aliança deuteronômica, onde se Israel obedecesse, seria abençoado, porém,

se desobedecesse, as maldições prescritas viriam.

A partir do capítulo 5, Amós começa a dar descrições de como será,

realmente o dia do Senhor. Como foi dito acima, o povo israelita mantinha a tradição de que o

dia do Senhor seria de julgamento apenas para as outras nações e que eles estariam sempre

debaixo da benção de Deus não importando o modo de como eles agiam para com Ele. Amós,

então mostra a realidade do dia do Senhor para o Seu povo. Deste ponto em diante, Amós

expõe que dia do Senhor será terrível para todo aquele que despreza os seus mandamentos e

faz o que Ele reprova, incluindo da nação de Israel.

Amós continua a atacar verbalmente os dois maiores males de Israel: uma

adoração sem uma preocupação com a justiça (vv. 5.18-27) e a preguiça e calmaria sem a

11 HUBBARD, David Allan. Joel e Amós. São Paulo: Vida Nova, 1996. p. 160

16

consciência da iminente calamidade (v. 6.14). E agora ele volta-se para aqueles que desejam o

Dia do Senhor. Feinberg diz que alguns afirmam que nesse grupo havia escarnecedores que se

atreviam a desafiar o Senhor a fazer o pior que pudesse. Apesar de ter uma possível

explicação, é preferível ver que neste texto o profeta se refere a pessoas que falam

piedosamente e, simultaneamente, praticam ações perversas12. Estas pessoas são hipócritas e

enganam-se a si mesmas. E, no meio de todo este pecado, eles desejavam o Dia do Senhor

pois achavam que seria um dia de glória e livramento para todo o Israel.

Amós explica-lhes que o dia do Senhor é dia de trevas para o ímpio. A

palavra utilizada por ele para qualificar a expressão “Dia do Senhor” é ����� que significa

escuridão ou obscuridade. É interessante analisar como essa palavra é utilizada em outros

textos. Essa palavra aparece 51 vezes em todo o Antigo Testamento e, na maioria das vezes

em que ocorre, ela traz consigo o sentido de morte, escuridão extraordinária e pode até ser

vista como uma espécie de sinônimo de ����� (����).

Então, através disso, pode-se perceber claramente que o Dia do Senhor ao

qual Amós estava se remetendo era, na realidade, um grande e terrível dia de julgamento para

os que viviam uma vida hipócrita diante de Deus. A história, contada por Amós, sobre o

homem que foge do leão e do urso para ser picado por uma cobra em sua própria casa,

enfatiza mais ainda o caráter abrangente e punitivo desse dia. Em outras palavras, ninguém,

incluindo os israelitas, que vivesse uma vida hipócrita escaparia de tamanho castigo.

4.1.4 Oséias

O profeta Oséias exerceu o seu ministério durante os anos dos reis Uzias

(792-740 a.C.), Jotão (750-731 a.C.), Acaz (735-715 a.C.) e Ezequias (729-686 a.C.), de Judá;

e de Jeroboão II (793-753 a.C.) de Israel. O fato de Oséias não ter citado os reis que reinaram

no reino do Norte durante o período compreendido entre o fim do reinado de Jeroboão II e o

fim do seu ministério pode significar uma mudança de residência (ou de interesse) de Israel

para Judá durante o curso do seu ministério. Devido ao fato de Jeroboão II ter sido o último

rei da dinastia de Jeú13 e o último reinado que gozou de alguma estabilidade em Israel, a

proposta de que Oséias não tinha interesse profético no reinado dos reis posteriores a 753 a.C.

12 FEINBERG, Charles L. Os profetas menores. São Paulo: Vida, 1996. p. 104 13 Zacarias, filho de Jeroboão II foi assassinado no seu sexto mês de reinado.

17

parece explicar a ausência de citações referentes aos governantes do reino do Norte deste

período.

A situação religiosa de Israel, testemunhada pelo profeta, durante o reinado

de Jeroboão II era de total apostasia. Apesar das conquistas territoriais e da liderança política

total do monarca, cada vez mais a nação se afastava de Deus e se afundava na idolatria,

atribuindo a deuses pagãos a paz que havia em Israel naqueles dias. Este afastamento de Israel

para com Yahweh é ilustrado pelo próprio casamento do profeta com Gômer.

Um fator que contribuiu para a insistência de Israel na apostasia foi a

situação pacífica gozada pelo reino durante o reinado de Jeroboão II. Os ataques dos reis

assírios, tão freqüentes no século nono, foram interrompidos devido a outros conflitos e a

nação pôde prosperar. Durante a trégua assíria, Israel ampliou os seus domínios chegando a

conquistar Damasco.

Neste contexto, Oséias adverte Israel sobre as conseqüências do seu

“adultério” contra Yahweh e, quase sem esperanças de ser ouvido, chama a nação ao

arrependimento. Oséias fala do juízo divino de Israel pela sua apostasia e mostra que a pior

conseqüência deste afastamento é o seu abandono temporário por parte de Deus o que

causaria grandes sofrimentos para todo o povo. Porém, o profeta é consciente do caráter

incondicional da aliança e traz a promessa de restauração ao povo de Deus.

O conceito do Dia do Senhor no livro de Oséias está inserido no contexto da

restauração definitiva da esposa traidora de Yahweh (Israel) na sua posição de povo separado

para ser o receptor das bênçãos contidas nas alianças. Oséias garante que aquilo que o Senhor

havia dito a Abraão não foi nem será revogado, mas tem o seu pleno cumprimento preparado

para o Dia do Senhor. Dentro da mensagem profética de Oséias, o conceito do Dia do Senhor

está presente, sempre se referindo à época de restauração nacional de Israel e à época em que

Deus fará que a sua aliança seja cumprida.

A expressão “Dia do Senhor” não ocorre no livro de Oséias. Entretanto,

pode-se identificar este conceito em pelo menos dois trechos do livro. O primeiro deles se

encontra logo no primeiro capítulo, quando o profeta fala do dia de Jezreel. O lugar onde Jeú

matou Jorão e todo o restante da casa de Acabe chamava-se Jezreel. Deus ordenou que Oséias

pusesse este nome no seu filho mais velho como alusão a este ocorrido, mas também ao fim

da dinastia de Jeú que ocorreria futuramente. Porém, no fim do primeiro capítulo (v. 2.2 no

18

TM), Oséias tira a carga negativa do nome e afirma que a restauração de Israel se dará no dia

de Jezreel, que não mais denota morte, mas agora é uma alusão à benção futura quando

Yahweh irá reabilitar o seu povo para que desfrutem das bênçãos das alianças. Esta

reabilitação se dará sob o governo de um líder único para todo o povo (v. 1.10) que será

novamente completamente reunido.

Pode-se identificar claramente o Dia do Senhor em mais um trecho

relacionado à restauração futura de Israel. A partir do versículo 14 do segundo capítulo do

livro de Oséias, o profeta fala da promessa divina de reatar os laços com a sua esposa

adúltera. Isto acontecerá exclusivamente por iniciativa de Yahweh, pois ele continua fiel à sua

aliança, ainda que o seu povo o abandone. Naquele dia, o Senhor irá purificar definitivamente

o seu povo da idolatria (v. 2.17) e irá estabelecer Israel na terra prometida para sempre (v.

2.23). Será um tempo de grande prosperidade para Israel, pois a mão do Senhor novamente

estará sobre eles. O Senhor será sensível aos pedidos de Israel e, novamente, o povo

desfrutará de um relacionamento privilegiado com Deus.

O profeta Oséias continua o seu livro falando do juízo de Deus para com o

seu povo, mas a fidelidade de Deus para com a sua aliança continua presente no discurso do

profeta, o mantendo consciente de que, por maior que fosse a apostasia de Israel, Yahweh

jamais abandonaria o povo da aliança, pois não pode negar a Si mesmo.

4.1.5 Isaías

Isaías foi, sem a menor dúvida, o maior de todos os profetas do Antigo

Testamento, pois seu pensamento e doutrina cobriam uma gama tão variada de assuntos

quanto seu ministério foi de longa duração. Embora seus escritos possam ser divididos em

duas partes: os capítulos 1-39, vinculados ao julgamento, e os capítulos 40-66, enfatizando o

consolo prioritariamente; o livro forma uma unidade devido aos seus próprios aspectos de

continuidade, tal como a expressão “Santo de Israel” que ocorre doze vezes na primeira parte

e quatorze vezes na segunda parte14.

Pode-se dividir as profecias de Isaías em dois grupos. Ao primeiro

pertencem as que têm seu ponto de partida nos acontecimentos de sua época, embora se

14 KAISER, Walter C. Jr. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 212

19

concentrem em um futuro distante. Um segundo grupo inclui profecias que não apenas

predizem o futuro, mas também tem seu ponto de partida numa época posterior à de Isaías;

isto é, especialmente na época do cativeiro babilônico. Estas profecias mencionadas em

último lugar, que muitos estudiosos alegam não serem de Isaías, encontram-se principalmente

nos capítulos 40-66.

O contexto em que Isaías viveu é de grande importância para o

entendimento da visão do profeta a respeito do Dia do Senhor. Ele exerceu seu ministério nos

dias de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, todos reis de Judá. O seu ministério foi direcionado ao

reino do Sul, mas ele pôde testemunhar a queda de Israel em 722 a.C., o que é um fator

relevante no pano de fundo do profeta. É neste contexto histórico que o profeta Isaías prediz

acerca dos eventos que acontecerão “naquele dia”, e isto certamente influenciou suas

palavras. Isto posto, é importante salientar algumas ocorrências no livro, quando Isaías

discorre a respeito do Dia do Senhor.

Em seu livro, ele revela que o propósito de Yahweh abrangia todas as

nações da terra. Estas se levantariam e cairiam de acordo com o Seu plano (vv. 14.24-27).

Quando o orgulho nacional destas nações se exaltou, como resultado do sucesso das ações

imperialistas contra outros povos, elas foram advertidas a não mais se orgulharem da sua

ascensão sobre outros países, pois cada uma destas nações foi usada como instrumento nas

mãos de Yahweh para disciplinar Israel. Mesmo sendo instrumentos estabelecidos por Deus a

sua atuação não era livre, se ultrapassassem os limites de Yahweh seriam punidos na mesma

moeda, pois Deus levantaria outra nação para aplicar a disciplina contra o seu povo.

No entanto, há um aspecto futuro na idéia de Isaías do “Dia do Senhor”.

“Naquele dia” Judá aterrorizaria o Egito segundo o plano do Senhor dos Exércitos (vv. 19.16-

17), e um soberano severo oprimiria seus próprios súditos egípcios (vv. 19.20). Yahweh, no

entanto, libertaria o Egito de modo milagroso de tal maneira que este país faria uma terceira

parte da adoração ao Senhor, juntamente com Israel e Assíria, tendo uma herança do Senhor

junto com estas duas nações (vv. 19.24-25). Assim, embora o Senhor tivesse de ferir o Egito,

Ele o sararia ao enviar um juiz e “salvador”, assim como fizera em favor de Israel no tempo

dos juízes. Então o Egito adoraria ao Deus vivo juntamente com Israel (vv. 19.18-19, 21-22).

O Senhor agora volta Sua atenção para Seu povo. Israel não está seguindo

os caminhos do Senhor. Devido aos seus costumes pagãos e pensamentos mundanos, o povo

perdeu o favor do Senhor. O comércio que havia florescido durante o reinado de Uzias e

20

Jotão, fora uma das razões pelas quais Judá, em seu mundanismo, se havia esquecido da sua

vocação como povo do Senhor. Portanto, o profeta considera com aversão os tesouros de

prata e ouro que se haviam ajuntado em Judá (como em Israel durante o reinado de Jeroboão

II). Semelhantemente, Isaías condena os pensamentos mundanos que motivavam o acúmulo

desses tesouros, e que se demonstra especialmente pela arrogância a que ele havia levado (vv.

2.11ss).

Em Isaías 2.8 identifica-se outra razão para a ira do profeta: a terra está

cheia de ídolos. O povo havia condescendido à loucura dos pagãos e se ajoelhara diante da

criação de seus próprios dedos (vv. 44.10). Desta forma, os arrogantes se degradaram, quer

pertencessem à plebe, quer às classes mais altas. Por causa deste pecado o Senhor traria

julgamento (vv. 2.10-22). A descrição do julgamento aqui não é de um julgamento em

particular (e.g. destruição através dos seus inimigos; cap. 3), mas de um juízo em seu caráter

abrangente, o “Dia do Senhor”.

O Senhor virá para julgar, quem será capaz de manter-se em pé? Há razão

para entrar nas cavernas e se esconder em buracos no chão (cf. v.2.19). Todos pecaram, tanto

os grandes como os pequenos. Todos ansiaram por coisas elevadas, e serão rebaixados. A sua

autodegradação espiritual será apropriadamente castigada pela degradação externa. Só o

Exaltado, o Senhor, permanece (vv. 2.11, 17).

Por esta razão o dia do juízo é chamado de dia em que o Senhor Todo-

poderoso reservou para todos os orgulhosos e soberbos. Este é o Dia do Senhor (vv. 2.11, 12,

17; 13.6, 9). Nos profetas este é o dia em que o Senhor se revela em majestade para derrubar

os Seus inimigos (e também para salvar o Seu povo – mas esta idéia está em segundo plano

aqui cf. vv. 4.2-6). Esta é a descrição do juízo final no Antigo Testamento, e, no espaço de

tempo entre a profecia e este evento escatológico, houve julgamentos específicos que o

prefiguraram.

O ponto central do julgamento é o homem. Por esta razão ele é mencionado

tanto no início como no fim do “dia do Senhor”. Ninguém que esteja separado do Senhor,

permanece grande, inclusive os ídolos diante dos quais o povo tanto se curvava. “Naquele

Dia”, O povo (vv. 2.20) reconhecerá a desvalia dos ídolos que fizeram com tanto cuidado. Em

seu desespero, eles os jogarão fora. Ninguém se lembrará mais deles, a não ser os ratos e

morcegos. O quadro será de desolação completa.

21

“Naquele dia” em Isaías 4.2 refere-se à era messiânica de salvação que

irrompe depois do julgamento. Israel não seria totalmente destruído. A promessa da

preservação de um remanescente ocorre repetidamente em Isaías (vv. 6.13; 7.3). Para eles um

novo período de glória nascerá. “Naquele Dia”, um adorno muito superior aos falsos enfeites

dos dias da sua vaidade os espera (v. 3.18). As suas vestimentas, os seus ornamentos e a sua

glória serão chamados “o Renovo do Senhor” e o “fruto da terra”.

Finalmente, a salvação que o Messias traz é retratada de outra maneira, a

saber: a figura da volta de Israel do exílio, que foi profetizado por Isaías (vv. 5.13; 6.12) e de

fato iniciado com a invasão assíria em 722 a.C e as três ocupações babilônicas (605, 597 e

586 a.C.). Na era messiânica que virá, o Senhor Todo-poderoso (v. 6.1) estenderá pela

segunda vez a Sua mão (como por ocasião do êxodo do Egito c.f. v. 11.16), isto é, Ele

demonstrará o Seu poder para remir e libertar os israelitas que vivem no exílio. Eles serão

chamados de remanescente (vv. 7.3; 10.20), separados das nações gentílicas. Eles voltarão

como remanescente que sobreviveu ao julgamento e escapou à opressão. Assim, “naquele

dia” de todos as partes do mundo Ele trará os que pertencem ao Seu povo de volta a Canaã.

“Naqueles dias”, quando Israel experimentar a libertação dada pelo seu

Deus, os cânticos da sua juventude serão renovados e o povo cantará novamente como nos

dias antigos. O cântico de louvor que se segue agradece ao Senhor porque depois de um

período de ira o Seu furor foi amenizado e a abundância de consolação foi concedida a Israel.

Isaías proclama profecias não só para Israel e Judá, mas também às nações

gentílicas. Sendo a Babilônia a primeira nação contra quem Isaías proclamou. Devemos notar

que mais do qualquer outro reino, a Babilônia representa nas Escrituras o poderio mundial que

é hostil a Deus. Foi na Babilônia que o orgulho humano desafiou o governo de Deus, desde a

época em que foi construída a torre de Babel (vv. 13.11, 13ss). Portanto, a predição da queda

da Babilônia encabeça apropriadamente a série de profecias contra nações gentias, e tem um

âmbito muito mais abrangente. Um exército vem de longe para destruir a Babilônia bem como

toda a terra. O profeta tem em vista o vasto Império Babilônico que abrangia, quase que

inteiramente, o mundo conhecido na época. Este tempo Isaías denomina “Dia do Senhor”. Isto

revela que, para o profeta, o juízo de Babilônia será junto com o juízo final sobre todas as

nações. O cumprimento propriamente dito mostrará que os dois juízos estão separados por

muitos séculos, mas essencialmente eles são um, sendo o primeiro um tipo do segundo.

O profeta ainda proclama o juízo de Deus “naquele dia” contra Damasco,

22

Efraim (vv. 17.1-9), Egito (v. 19.16), apesar de, no mesmo capítulo, profetizar que o Egito

será abençoado “naquele dia” (vv. 19.18-24); contra a Etiópia (v. 20.6), contra Jerusalém (vv.

22.8, 12) e contra Sebna, administrador do palácio (v. 22.20). No capítulo 24, são

mencionados os “reis da terra” (v. 24.21). Isto não acontece porque o profeta procura pelo mal

apenas nos grandes da terra – o julgamento se abate sobre todos (vv. 24.1-3) – mas porque

eles são os representantes da humanidade pecaminosa, particularmente da luta da humanidade

para se exaltar contra Deus. O juízo vem sobre todo o orgulho da criatura (v.2.12) e em duas

partes: primeiro os reis são tangidos para masmorras, em seguida são “visitados” depois de

muitos dias com uma perspectiva de serem levados diante de um juiz.

Isaías 27.1 diz: “Naquele dia, o Senhor, com sua espada severa, longa e

forte, castigará o Leviatã, serpente veloz, o Leviatã, serpente tortuosa; matará no mar a

serpente aquática” (NVI). Charles C. Ryrie afirma que o Leviatã e a serpente são símbolos

dos inimigos de Deus, que serão feridos pelo Seu juízo. Possivelmente os dois Leviatãs

representam a Assíria e a Babilônia. A serpente aquática ocorre repetidamente como um

símbolo do Egito (vv. 51.9; Sl 74.13). A conseqüência desta vitória lê-se nos versos 12 e 13

do mesmo capítulo.

Com a costumeira peça de ligação, “naquele dia”, Isaías traz agora no

capítulo 28 verso 5, uma sentença de restauração. Do castigo se salvará um remanescente que

terá o Senhor como coroa única. Por estas razões o profeta descreve em Isaías 52.6, “Naquele

dia”, isto é, no grande dia da redenção, Israel aprenderá por experiência que coisas

maravilhosas e esplêndidas estão ligados a este nome. Que o Senhor diz que, a despeito de

todos os inimigos, Ele se levantará em Sua grandeza, graça e fidelidade.

4.2 Período Exílico

O período exílico é marcado pelas atividades proféticas de Sofonias,

Jeremias e Ezequiel no que tange ao “Dia do Senhor”. Estes escreveram para o povo com o

objetivo de ressaltar o perigo que ainda estava por vir, descrevendo de maneira particular o

evento. Entretanto, a particularidade no estilo literário de cada autor enriquece a conceituação

do Dia do Senhor como um evento. Assim é necessário compreender essas particularidades

observando cada autor.

A compreensão acerca do Dia do Senhor dos profetas do exílio com certeza

foi influenciada pelo fato deles terem presenciado o castigo de Deus vindo sobre o povo da

23

Aliança. Com certeza foram dias de escuridão com respeito a forma como Yahweh agiria com

o seu povo. Muitos rejeitaram o caráter incondicional das alianças, pensando que Deus havia

definitivamente abandonado o seu povo.

Com a queda do reino do Norte em 722 a.C., surgiu um problema teológico

envolvendo o caráter das alianças. O Senhor não mais suportara a rebeldia de Israel, por isso

enviou os assírios para disciplinar a nação, desintegrando-a totalmente e dispersando a sua

população por várias regiões do império. Judá observou este acontecimento com apreensão,

pois a disciplina de Deus para com Israel envolvia fatores que, aparentemente, iam de

encontro com as estipulações das alianças, tais como a saída do povo da terra prometida.

Tanto o povo quanto os profetas de Judá tinham consciência do verdadeiro motivo pelo qual

Israel havia sofrido a disciplina divina – a apostasia. Porém, a compreensão desta realidade

não era interpretada de forma semelhante pelos profetas e pelo povo. Judá não queria buscar o

arrependimento, antes julgava ser a nação intocável. Os profetas viam que o destino de Judá

seria o mesmo de Israel, se permanecesse da impiedade.

Com as três invasões de Jerusalém em 605, 597 e 586 (esta última

culminando com a destruição do templo), ficou provado que as advertências dos profetas

eram fundadas e que a ira do Senhor se lançaria contra Judá. Por ocasião destas três invasões,

Nabucodonosor levou grande parte da população de Judá para o cativeiro em Babilônia.

Assim como Israel, Judá fora tirado da sua terra.

Apesar de não estarem na sua terra natal, os judeus foram tratados de forma

razoável durante o exílio. Muitos deles começaram negócios e prosperaram, alguns chegaram

a ocupar altos postos no governo e, de forma geral, se adaptaram bem ao estilo de vida da

Babilônia. Aparentemente, este era o fim de Judá como nação unida e habitando na terra

prometida.

Neste contexto, os profetas tiveram um papel fundamental na reafirmação

da aliança com Yahweh. Eles compreendiam que Deus estava disciplinando o seu povo, mas

que também operaria uma restauração completa do povo de Israel no Dia do Senhor.

4.2.1 Sofonias

O livro de Sofonias é o nono na coleção profética da literatura dos hebreus,

sendo considerado mais um dos profetas menores. Porém, as declarações feitas e os juízos

propostos não soam menores em nada em relação a outros profetas. Muito pelo contrário, são

24

abrangentes às nações enquanto específica na afirmação dos detalhes envolvidos na execução

desse juízo, no qual está incluso o próprio povo de Judá e Jerusalém (v. 1.4).

A Palavra do Senhor veio a Sofonias nos dias de Josias, pouco antes do

grande reavivamento em Judá em 621 a.C. e, segundo Carson, a composição desse livro pode

ser datada em cerca de 627 a.C.15

Sofonias marca o início de uma nova linha de profetas que deveria incluir

Jeremias, Habacuque e Ezequiel, todos os que procuraram salvar Judá da sorte que já tinha

envolvido o reino do Norte. Sua visão dos adventos futuros é muito clara, porém negativa.

Suas colocações não deixam espaço para dúvidas, pois são precisas e completas,

demonstrando um “lado negro” das profecias. Dentro desse aspecto tenebroso, Sofonias

escreve de maneira muito sistemática. O profeta inicia com a demonstração do juízo contra

Judá e Jerusalém (vv. 1.2-18), anexado a um convite ao arrependimento (vv. 2.1-3) e, por fim,

somado a uma declaração de juízo contra outras nações (vv. 2.4-15) e às profecias de bênção

para as nações (vv. 3.9-10) e para Israel (vv. 3.11-20).

O início do livro não é nada simpático, pois começa com a seguinte

declaração de Deus: “De fato consumirei todas as cousas sobre a face da terra” (v. 1.2). E

ainda “consumirei os homens e os animais, consumirei as aves do céu, os peixes do mar, e as

ofensas com os perversos, e exterminarei os homens de sobre a face da terra”.

Por esta razão, diz-se que Sofonias demonstra o lado negro das profecias.

Sua mensagem é centrada no juízo a ser executado por Deus, e que este não será brando. Ele

começa afiançando este sobre Judá e Israel quando diz “estenderei a minha mão contra Judá, e

contra todos os habitantes de Jerusalém”. Em 1.7, este castigo � mostrado sob uma

perspectiva terrível: Judá é um sacrifício aos olhos de todos (�����, fala de sacrifícios

comunitários, e o radical fala de matança violenta), e os convidados s�o os da babilônia. O

fato do Senhor usar uma nação mais ímpia do que Judá como instrumento do castigo que não

pouparia nenhuma parte de Jerusalém (vv.1.10-13), atingindo todos os nobres e os que

gozavam de algum prestígio (vv. 1.8-9), soou para o povo como algo terrível.

Esse pronunciamento divino pela boca de Sofonias tem por motivo a

apostasia do povo que importou para si os ídolos de outros povos (v. 1.4), bem como seus

15 CARSON, J.T. Sofonias introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2002.

25

sacerdotes enquanto buscava uma adoração que não tem como alvo o Senhor (v. 1.5).

Contudo a declaração não está completa, pois nesse ponto Deus adverte o povo dizendo que O

Dia do Senhor está Perto (cf. 2Re.22.16-20).

A partir deste ponto as afirmações tornam-se mais claras. Pois nesse Dia, o

juízo virá sobre os oficiais, filhos do rei, todos que usam roupas estrangeiras, os que sobem o

pedestal dos ídolos e aos apegados ao vinho que dizem que o Senhor não faz nem bem nem

mal (vv. 1.8-12). Todas essas especificações de juízo demonstram a postura apóstata do povo

de Deus, incluindo a menção aos filhos do rei. Estes, segundo Carson, eram devassos e em

parte responsáveis pela situação do povo por denegrirem o estado moral e religioso das

estipulações de Deus ao reedificar altares associados à adoração de Baal16, introduzindo um

sincretismo religioso no povo.

Assim, o pronunciamento do juízo de Deus, como de costume nas profecias,

vem em acordo com a agressão feita pelo povo sentenciado. São notáveis as especificações

feitas no v.13: “Por isso serão saqueados os seus bens, e assoladas as suas casas, e edificarão

casas, mas não habitarão nelas, plantarão vinhas, porém, não lhes beberão o vinho”. Como se

não bastasse anunciar um momento de devastação do povo, Deus demonstra um período em

que o povo não experimentaria prosperidade.

Dentro desse quadro tenebroso encontra-se o Dia do Senhor associado a um

predicativo do sujeito que qualifica e expande a expressão. A palavra “amargo” (Heb. ���) é

comumente aplicada à comida, ou até mesmo à água. Outras vezes diz respeito a dores físicas

e sentimentos humanos. Neste caso, a expressão está ligada ao conceito que está presente no

campo semântico da palavra hebraica: prejudicial, danoso. Assim podemos perceber que este

Dia é também a execução do juízo através de atos prejudiciais e danosos. Tal juízo é fruto da

apostasia do povo.

Essas especificações são bem ampliadas pelo versículo 15 que atribui

diversos adjetivos a esse dia: “Aquele dia é dia de indignação, dia de angústia, dia de alvoroço

e desolação, dia de escuridade e negrume, dia de nuvens e densas trevas”. A palavra referente

a indignação é �������, que traz o sentido de fúria, raiva transbordante. Essa expressão está

ligada à punição intensa, aplicado a Judá, que será executada em um futuro próximo.

16 CARSON, J.T. Op Cit

26

Referente à angústia tem-se a palavra hebraica �����. Essa palavra denota dilema, aflição,

amargura, desgosto. Assim, essa expressão demonstra o conceito de amargura desse dia, que

será de aborrecimento para o povo de Deus. Alvoroço e desolação são correspondentes a

������e �������, ambas denotando ruína, devastação. A intensidade desses sinônimos juntos

proporcionam uma perspectiva tenebrosa desse dia que trará juízo e destruição, mostrando o

que foi dito nos versículos 1.2-3. Assim nota-se claramente que o Dia do Senhor não é dia de

festa e de libertação para o povo, mas um dia de punição pelas afrontas feitas ao Senhor da

Aliança, que é fiel aos Seus decretos e Pactos (Dt. 28) e os anuncia ao Seu povo.

Porém, Sofonias oferece ao povo um convite ao arrependimento. Um pedido

para que o povo se concentre e se examine, pois eles se encontravam numa situação

deplorável. Mas o arrependimento deve ser rápido, “antes que saia o decreto, pois o dia vai

como a palha; antes que venha sobre ti o furor da ira do Senhor, sim, antes que venha sobre ti

o Dia da Ira do Senhor” (v. 2.2). Esse versículo demonstra a iminência desse dia e o

caracteriza como a manifestação da Ira de Deus para aqueles que estão em desacordo com o

Seu plano. Por isso, o profeta diz: “buscai o Senhor, vós todos os mansos da terra, que

cumpris o seu juízo; buscai a justiça, buscai a mansidão; porventura lograreis esconder-vos no

dia da ira do Senhor” (v. 2.3). Assim, é clara a demonstração da punição ao povo de Deus

nessa manifestação do dia da ira do Senhor.

Agora, o tema do Dia do Senhor é aplicado às outras nações a partir do

versículo 2.8. Filisteus, moabitas, amonitas, ass�rios e etíopes n�o escapar�o do juízo do

Senhor. É Interessante notar que nos versículos 3.1-7, o castigo sobre as nações serve de

advertência a Judá. Aqui segue o mesmo modelo de entrega de profecias outrora utilizado por

Am�s: primeiro o anúncio de castigo �s nações vizinhas, depois ao próprio povo de Judá. De

fato, em N�meros e Jeremias, a expressão "ira do Senhor" sempre � utilizada em rela��o ao

povo da aliança.

Existe outro aspecto que pode ser observado no que diz respeito ao dia do

Senhor. Ao pronunciar o juízo divino a Moabe e a Amom (vv. 2.8-11), nota-se um aspecto

positivo para o povo de Deus, onde se lê: “o restante do meu povo os saqueará, e os

sobreviventes da minha nação os possuirão” (v. 9b). Essa colocação parece prenunciar o que

seria dito com mais clareza no momento das profecias de bênçãos para o povo de Deus (vv.

3.11-20): “Os restantes de Israel não cometerão iniqüidade, nem, proferirão mentira, e na sua

boca não se achará língua enganosa; por que serão apascentados, deitar-se-ão, e não haverá

27

quem os espante”.

A expressão “remanescente de Israel” corresponde ao termo hebraico

������������������, que aparece oito vezes no Antigo Testamento. Al�m de Sofonias, tr�s

profetas mencionaram este remanescente: Ezequiel, Jeremias, e Miquéias (Jr 6.9; 31.7; Ez 9.8;

11.13; Mq 2.12). Para todos eles, este remanescente estava em perigo devido aos pecados do

Judá infiel. A ora��o sempre � que o remanescente seja poupado.

Os profetas que fazem qualquer menção sobre esse remanescente,

expandindo esse tema, são posteriores a Sofonias. Assim vale notar o que Sofonias fala sobre

o assunto. Ele qualifica esse remanescente no versículo 3.12 como oprimido e pobre

(�����������). A primeira palavra, embora traduzida como "humilde” (ARA), fala de

opressão, aflição. É um povo que sofre as amarguras de um sistema social injusto, um sistema

de quase escravidão. É um povo que espera por uma nova salva��o, s� que agora dentro de

sua própria terra.

Assim, encontramos ecos da prega��o de Am�s (Am 2.7; 4.1; 5.11). A

injustiça social n�o pode passar desapercebida no dia do Senhor, e Sofonias concorda com

isto, pois o profeta via em seu tempo uma grande necessidade de uma reforma social, apesar

de Judá estar sendo governada por um rei piedoso. Josias foi posto no trono pela intervenção

do povo da terra ����������� (cf. 2Rs 21.24), que representava a camada da população mais

humilde (Gn 42.6; Ex 5.5), e promoveu uma das maiores reformas religiosas e sociais de

todos os tempos em Judá. Portanto, a ascensão desse rei pelas m�os do povo pobre,

possivelmente os camponeses, revela uma verdadeira revolução em Judá. Eles se tornaram

parte do cumprimento do Dia do Senhor.

Por isso, Sofonias prossegue em 3.13 mostrando o que se espera desse

remanescente de Israel. Será um povo puro, que não cometer iniqüidade. A palavra

iniqüidade nesta passagem � uma tradução de �������. A raiz tem o sentido básico de

"desviar-se" e, trazendo para o campo moral, desviar-se do caminho reto e bom. Este desviar-

se provoca atos violentos e at� homicídios. Assim como faziam os opressores de Judá.

Da mesma forma, o remanescente não proferirá mentira. O termo hebraico

usado para mentira nesta passagem é �����, que define a mentira consciente. Se o mundo

mente, o remanescente n�o deve assim proceder. Afinal, o que profere mentiras n�o escapar

(Pv 19.5), antes perecer (Pv 19.9). Na sua boca n�o se achará língua enganosa. Ou seja, uma

28

língua que engane pela astúcia (��������). Jeremias reclama do profeta que engana para

disto tirar beneficio (Jr 14.14; 23.26). O que o Senhor mandar dizer, isso falar o

remanescente.

Para Sofonias, o remanescente adquire claros tons escatológicos.

Promoverão uma revolução muito mais intensa do que a do "povo da terra". Ser um período

áureo, no qual o Senhor em pessoa estar no meio deles – em Jerusalém, a cidade santa. Por

isso o versículo 3.17 afirma: "O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para te

salvar; ele se deleitar em ti com alegria; calar-se- por seu amor, regozijar-se- em ti com

júbilo".

4.2.2 Jeremias

Jeremias viveu os últimos dias do reino de Judá, antes do exílio. Ele

começou o seu ministério durante o reinado do rei Josias (640-609 a.C.), com quem mantinha

relações bastante cordiais, pois, Josias era um rei bom que temia a Deus. Porém, após a sua

morte, Jeremias passou a sofrer grandes perseguições. O maior motivo de sua perseguição foi

a denúncia por ele feita contra o espírito rebelde do povo e contra os atos dos sucessores de

Josias. Por causa disso, ele foi ameaçado, preso e humilhado. Contudo, mesmo que algumas

vezes tenha reclamado, Jeremias continuou firme alertando sobre o julgamento que viria.

Israel, mais uma vez, não deu ouvidos à palavra do Senhor e, como

conseqüência, o juízo divino veio sobre eles. Porém, dentro do cativeiro, o Senhor continuou

a falar por meio de Jeremias e, desta vez, as palavras de Jeremias foram de ânimo para a

nação de Israel. O juízo divino agora cairia sobre as nações que subjugaram o Seu povo. Deus

faria com que todas as nações que se opuseram a Israel sofressem um duro castigo. E para

Israel, Deus estaria preparando uma nova aliança.

Ás profecias, por Jeremias proferidas, dizem que Deus acabaria atingido

seu objetivo para com Israel, mas somente após um período de julgamento purificador e de

exílio. Deus não toleraria qualquer infidelidade no meio de seu povo. O julgamento

exterminaria os que faziam pouco caso da Aliança e abriria caminho para o estabelecimento

de uma nova aliança.

Como conseqüência da constatação da apostasia de Judá, o profeta Jeremias

emitiu várias declarações de Juízo para o povo. Ele percebia que a destruição do reino do sul

29

era iminente, e que a ira de Deus iria se revelar contra o seu próprio povo como conseqüência

do seu afastamento da aliança de Yahweh. As declarações do profeta têm uma profunda

ligação com esta realidade, mas a sua consciência do caráter incondicional da aliança sempre

está presente, mesmo durante as ocupações dos babilônios, testemunhadas por ele.

O conceito do “Dia do Senhor” é usado em referência ao juízo e castigo que

Yahweh aplicará tanto no seu próprio povo quanto nas nações que foram hostis a ele. No que

diz respeito a Israel, o Dia do Senhor também será o tempo em que Deus restaurará

definitivamente o seu povo como nação independente na terra prometida e sob um monarca

davídico. Esta restauração ainda não ocorreu, porém muitos dos castigos específicos às nações

vizinhas de Judá, profetizados por Jeremias, já foram executados, e, muitos deles, o próprio

profeta pôde testemunhar nos seus dias.

Quanto às declarações a Judá, Jeremias destaca o caráter da justiça de Deus

contra todos aqueles que não temem ao Senhor, e isso não exclui o povo da Aliança. A ira de

Deus se faria presente em todas as nações devido à sua impiedade e a destruição será

completa (vv. 25.30-38). Esta declaração, embora dirigida aos líderes das nações, se refere ao

grande dia futuro em que o Senhor destruirá todos os que não o buscam, inclusive os da casa

de Israel.

Este dia está relacionado ao juízo de Israel, mas também à restauração final

e completa do Povo da Aliança (vv. 30.5-9). Esta restauração está intimamente ligada ao juízo

das nações, pois, antes da instauração do reino davídico em Israel, Yahweh destruirá as

nações iníquas. Israel será finalmente um povo livre do jugo das nações que por tanto tempo o

escravizou. Nestes versículos o Dia do Senhor pode ser visto de duas perspectivas distintas. A

primeira está relacionada ao grande sofrimento que Judá passará (vv. 5-7). A segunda

perspectiva é a da restauração definitiva de Israel como povo santo de Yahweh e em quem Ele

cumprirá a Sua aliança.

Os últimos sete capítulos do livro de Jeremias apresentam o juízo de

Yahweh para com as nações que oprimiram Israel. O primeiro juízo emitido por Jeremias foi

direcionado ao Egito. A profecia previa a destruição das forças egípcias pelos babilônicos

(povo do Norte). Isto aconteceu com a campanha de Nabucodonosor em Carquemis em xx

a.C e com o avanço dos babilônicos sobre o Egito que cumlminou com a ocupação de Mênfis

e Tebas, que ocorreu em cerca de 567 a.C. O segundo juízo foi direcionado aos filisteus. Estes

tiveram a sua terra invadida pelo faraó Neco II em 609 a.C., mas a profecia de Jeremias se

30

refere à invasão vinda do Norte – uma referência aos babilônicos – que invadiram a Filistia

em 604 a.C. Moabe, Amom e Edom também tiveram o seu juízo profetizado por Jeremias.

Todos estes povos caíram sob o domínio babilônico. O mesmo aconteceu com Damasco. O

instrumento de Yahweh para executar o seu juízo a todas estas nações também seria punido

no seu devido momento, nem mesmo a poderosa Babilônia escaparia da ira do Senhor. Os

capítulos 50 e 51 prevêem o castigo divino para o Império caldeu. Babilônia foi dominada por

Ciro em 539 a.C.

A exemplo dos outros profetas, Jeremias também expande o conceito do

“Dia do Senhor” que Israel mantinha por tradição. Ele mostra ao povo judeu que as nações

serão julgadas por terem subjugado o povo de Yahweh, como todo o Israel esperava. Porém a

palavra de Jeremias também é dirigida para o povo judeu, mostrando assim que o “Dia do

Senhor” é dia de punição para todo aquele, incluindo o Seu povo, que ignora os seus

mandamentos. O julgamento divino sobre o Seu povo tinha por propósito purifica-lo afim de

torna-lo apto para o cumprimento da aliança que Yahweh preparou para Ele.

4.2.3 Ezequiel

Ezequiel foi levado para a Babilônia após a segunda incursão de

Nabucodonosor a Jerusalém em 597 a.C. Viveu grande parte de sua vida no exílio, onde foi

comissionado por Deus e exerceu o ministério profético. Durante o período em que Ezequiel

profetizou, Judá vivia a condenação prometida por Yahweh. Esta condenação se deu devido

ao povo ter se afastado de Deus. Este afastamento foi causado pela idolatria da nação em

oposição a uma vida de santidade diante do Deus que havia escolhido Israel entre todas as

demais nações. Deus entregou Judá nas mãos dos seus inimigos visando disciplinar o Seu

povo, o que ocorreu através do exílio na Babilônia, a maior potência da época.

Pode-se identificar no livro de Ezequiel o conceito do Dia do Senhor sendo

utilizado pelo profeta com dois sentidos aparentemente distintos, mas ligados ao propósito

futuro de Deus de restaurar definitivamente a Israel como nação separada e completamente

purificada. O primeiro uso que o profeta faz da expressão está relacionada ao aspecto

histórico do juízo de Israel e das nações. O dia do Senhor é o dia em que Deus julga

severamente àqueles que são rebeldes aos seus mandamentos. Para Israel, esta condenação

não envolve a destruição completa do povo, pois Yahweh tem com eles uma aliança eterna e

31

irrevogável. Como decorrência disto, o juízo para Israel é acompanhado com a promessa da

restauração futura do povo da Aliança.

Com relação às demais nações, o julgamento será baseado no mal feito

contra Israel. Este juízo é uma decorrência da Aliança Abraâmica, que prescrevia maldição

divina para àqueles que amaldiçoassem Israel. Os juízos contra as nações, assim como o juízo

contra Israel, foram executados num determinado momento da história antiga. Estes juízos

foram executados no Dia do Senhor, ou seja, momentos onde Deus interviu para julgar as

nações a fim de cumprir o seu propósito para com a nação do Pacto. Porém, é importante

destacar que estas ocasiões passadas apontam para o grande Dia final, quando o Senhor

trouxer o juízo (para as nações pagãs) e a restauração (para Israel) definitivos ao mundo.

O profeta também fala sobre este grande dia final. O Senhor tem um plano

para Israel que não pode ser frustrado. Israel será recolocado na sua posição de povo separado

por Deus para revelar a Sua glória no mundo. Naquele dia, Deus irá eliminar o mal

definitivamente e fará o seu povo subir novamente a sua terra, o templo será reconstruído e a

glória do Senhor virá novamente habitar o templo.

No capítulo 7, o profeta aborda o tema do dia do Senhor, ele proclama a

toda à terra prometida a vinda do juízo de Deus. Os versículos 2-13 consistem em três

oráculos curtos, todos de teor semelhante, ligados pela frase comum: “o fim vem”, “vem a tua

sentença”, “vem o tempo”. O fato de que a mensagem precisava de tanta reiteração pode ser

compreendido somente dentro do fundo histórico da crença popular na inviolabilidade de

Jerusalém. A destruição dela era inconcebível à mente israelita. O povo apesar de continuar

apóstata, depositava sua confiança na profecia de Isaías, que afirmava que o Templo de Deus

e a cidade de Deus ficariam de pé. No entanto, a situação nos dias de Ezequiel era diferente.

Depois de cerca de 150 anos, a mensagem de Isaías já não poderia mais ser uma justificativa

para a crescente apostasia do povo. A ira de Yahweh sobre o povo era inevitável. O povo

vivia o passado, mas Deus estava julgando o presente.

Para Ezequiel, a destruição de Jerusalém era um ato de intensidade quase

apocalíptica. Este fato foi o ponto culminante de séculos de pecado e de longanimidade

divina. O padrão não poderia se repetir para sempre: Deus deveria agir frente a tamanha

rebeldia. O Senhor já havia agido inúmeras vezes piedosamente poupando o seu povo, mas

agora finalmente diz: “Os meus olhos não te pouparão, nem terei piedade”.

32

Sua sentença (vv. 7, 10) nos apresenta um problema não solucionado. A

palavra hebraica ���������ocorre, fora destes versículos somente em Isaías 28:5, onde

significa “diadema” ou “grinalda”. Uma palavra semelhante em aramaico significa “’manhã”,

mas isto normalmente sugeriria benção e não calamidade. Outros pensam numa “reviravolta

dos eventos” e, portanto, no “infortúnio”, e assim veio a ser usada a palavra sentença. Não

pode, no entanto, ser descrita como sendo qualquer coisa mais do que uma boa conjectura que

se encaixa no contexto. A descrição de Deus assim: eu, o SENHOR, é que firo (v. 9) clama

por alguma emenda por aqueles que deixam de ver a ironia que existe em grande parte dos

escritos proféticos. Para os ouvintes e os leitores que estavam acostumados a nomes de Deus

tais como “Jeová-Jire” e “Jeová-Nissi” (Gn 22.14; Ex 17.15), deve ter sido tremendamente

impressionante vê-Lo descrito como “Jeová-Makkeh”. O Senhor que provera e protegera

estava a postos para ferir.

De 14-22, embora o povo se prepare para resistir à desgraça iminente (v.

14), a defesa é inútil. Diante daquilo que está vindo, os joelhos ficarão fracos como água (v.

17). A única coisa que os defensores poderão fazer é vestir-se de pano de saco (v. 18) e jogar

seu dinheiro fora das ruas (v. 19), a sua prata e o seu ouro será impotente, desta vez, para lhes

fazer bem algum. Nenhuma soma de dinheiro poderá comprar alimento quando o alimento

não está disponível. Deste modo, as próprias coisas que os israelitas desviados tinham

prezado, e que tinham sido o motivo da queda deles, ficariam sendo como sujeira no dia da ira

de Deus (vv. 19, 20). Esta palavra, �����, pertence à linguagem da impureza feminina, e

expressa o nojo que será sentido não somente das suas riquezas, como também das suas

preciosas jóias (v. 20), que tinham usado para enfeitar de modo dispendioso os seus ídolos17.

Muito mais horripilante ainda será que o recesso (v. 22; Lit. “lugar de estima”) sofrerá

profanação pelos estrangeiros. Esta é uma referência clara ao Templo, que é descrito em

termos igualmente carinhosos em 24:21, 25. As palavras emotivas aqui empregadas são uma

lembrança sadia ao leitor de que, quando Deus age em julgamento, Ele mesmo sofre dor e

mágoa bem como aqueles aos quais Sua santidade condenou.

Nos versículos 23-27, o profeta exclama: “faze a cadeia para levar os

exilados para o cativeiro”. O hebraico, porém é difícil, e LXX junta as palavras com o

versículo anterior, trazendo o sentido de “e farão desolação”. Como isso ocorre

17 Taylor, John B., Ezequiel. Mundo Cristão, 1984. pp.87.

33

freqüentemente o que podemos ver é o olhar de desespero do tradutor, desespero que tem seu

paralelo naquela dos israelitas aflitos que, no meio do seu sofrimento, buscarão paz (v. 25),

mas será tarde demais, pois os canais reconhecidos da atuação divina (os profetas) já terão

sido bloqueados. Os profetas, sacerdotes e anciãos nada terão para dizer (v. 26): o rei, o

príncipe, e o povo ficarão incapacitados no seu desespero (v. 27).

O profeta agora volta-se para o aspecto do Dia do Senhor contra os povos

que colaboram na destruição de Jerusalém. Diversos oráculos no capítulo 25 condenam a

atitude de Amon (vv. 25.1-7), Moabe (vv. 25.8-11), Edom (vv. 25.12-14) e os filisteus (vv.

25.15-17), a estes poderíamos acrescentar o oráculo contra Tiro em 26.1-6, e também os

contra o Egito no capítulo 32.

Deus traz o seu juízo sobre os povos estrangeiros mediante o mal que elas

causaram a Israel, porém este juízo não culmina somente em julgar estes povos e condená-los,

mas acima de tudo cumprir os seus propósitos para com a nação escolhida, visando a futura

restauração definitiva da mesma.

Todavia o que é mais importante é o que ele deve comunicar aos exilados,

com a visão de um provérbio antigo muito repetido naquela época podemos saber como eles

pensavam: “Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados” (v.

18.2). É justificação do passado; ao mesmo tempo, protesto de inocência e censura velada a

Deus. É justo o que se passou? Existe motivo para que paguem justos por pecadores?

Ezequiel não se deixa enganar, para ele, se torna evidente que todos, pais e filhos, comeram

uvas verdes, que todos se tornaram escória (vv. 22.18-22). De qualquer maneira, como

princípio válido com respeito ao futuro, ele anuncia que doravante Deus julgará a cada um de

acordo com o seu comportamento. Esta superação de mentalidade coletivista, cedendo lugar à

responsabilidade individual, constitui-se num dos grandes progressos na história teológica de

Israel (ver caps. 18 e 33.12-20).18

Ao mesmo tempo, após a queda, Ezequiel denuncia com maior clareza os

responsáveis pela mesma. Em 22.25-31 aparecem cinco grandes grupos principais (príncipes,

sacerdotes, nobres, profetas, latifundiários) os quais acumulavam crimes em Jerusalém. O

capítulo 34 responsabiliza pela injustiça os pastores (reis) e os poderosos, mas justamente é

18 Schökel, Alonso L., Diaz J.L. Sicre, Profetas II. São Paulo: Paulinas, 1991.p.696.

34

este capítulo que nos abre caminho para uma visão nova. Depois de acusar os responsáveis

pelo rebanho e os membros mais fortes, Deus anuncia que ele próprio apascentará as suas

ovelhas, que procuraram seguindo o seu rasto (vv. 34.11-16).

É a partir daí que se começa a ver que não há como se prender unicamente

ao aspecto destruidor e terrível do dia do Senhor, mas também devemos entender o aspecto

restaurador do dia do Senhor para com o seu povo e para com o mundo num geral também.

O capítulo 36 fala da renovação da natureza, diz que os próprios montes

sobre os quais a espada desceu e também a destruição (cap. 6) ouvem agora uma palavra de

consolo: “vós, montes de Israel, lançareis ramos e produzireis frutos..., sereis lavrados e

semeados”. Todo o território recupera sua vida anterior: “serão repovoadas as cidades as

cidades e as ruínas reconstruídas, multiplicarei sobre vós os homens e o gado e farei que sejais

habitados como antes”. Mas o aspecto mais importante é a mudança interior do homem:

“Borrifarei água sobre vós e ficareis puros... Dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo

espírito novo, tirarei de vosso coração de pedra e vos darei coração de carne” (vv. 36.25-28).

Porém o povo ainda não está em condições de ouvir estas promessas, eles só

pensam em: “os nossos ossos estão secos, a nossa esperança esta desfeita” (v.37.11). Por

outro lado, este povo que se julga morto, sem futuro, ouve conjuro que os faz retornar à vida

(vv. 37.1-14). Nesta nova existência ficarão superadas as antigas tentações regionalistas;

conforme o indica a ação simbólica das duas achas de lenha (vv. 37.15-24), “já não

constituirão duas nações, nem tornarão a dividir-se em dois reinos”. Há, porém, algo mais

importante, Deus concluirá então a nova aliança e habitará permanentemente com o seu povo

(vv. 37.26,27). Enquanto ocorre o oferecimento da nova aliança (v. 36) e restabelecimento

espiritual da nação (v. 37), há a invasão de Israel por inimigos (v. 38). Logo após então ocorre

o livramento sobrenatural de Israel (v. 39) e o derramamento geral do Espírito (vv. 39.25-27).

Ezequiel 40 – 48 são o desenvolvimento particular de 37.27-28, “quando o

meu santuário estiver para sempre no meio deles”.

Chega-se com isto ao ponto culminante. O castigo mais duro que Deus

podia infligir a Israel era a destruição do templo e o desaparecimento de sua Glória. Assim

disse a visão de 8-11. Agora, porém, quando tudo mudou, novo templo vai ser construído

(caps. 40-42), para o qual voltará a Glória do Senhor (vv. 43.1-5).

A descrição deste templo é a descrição de um dos templos históricos do

35

povo de Israel. Um templo simbólico que retrata alguma realidade espiritual, um templo

futuro que há de ser construído e utilizado por Israel.

Ao falar que era como um dos templos históricos podemos perguntar, seria

o templo de Salomão? Provavelmente não, pois a descrição das dimensões são diferentes

(côvado diferente, provavelmente um côvado e um palmo), os portões são diferentes, as

edificações, utensílios e adornos diferentes e santidade diferente19. Logo podemos chegar a

conclusão que Ezequiel 40 - 48 não descreve o templo de Salomão.

Alguns acham que poderia se referir ao templo de Zorobabel, mas as

dimensões também são diferentes, o sistema de culto é diferente, pois o templo pós-exílico

seguia o modelo adotado anteriormente por Israel e este não. O ritual que era feito no templo

de Zorobabel seguia as prescrições mosaicas, não houve manifestação (registrada) da vinda da

glória de Deus nos termos descritos por Ezequiel. A ausência de tal registro, caso tivesse ele

acontecido, é algo impossível. Sendo assim podemos concluir que o templo de Ezequiel 40 –

48, não descreve o templo pós-exílico.

Alguns ainda falam que a descrição seria simbólica. O templo indicaria a

glória futura de Israel (Hoelema20, Taylor), que ele significa novos céus e nova terra

(Marshal), outros falam que é a igreja (Philip Hughes), Cristo e a sua ��������� (Keil). Mas a

conclusão que se chega é que a sua natureza pouco determina o significado do símbolo em

relação à realidade tencionada e a multiplicidade de detalhes tornam esta hipótese muito

problemática.

Outros falam que ele é descrito como uma realidade do futuro. Idéia de que

o templo revela a glória futura de Israel, mas situa esta glória nos limites do mistério e da

geografia, concorda com as expectativas menos detalhadas, mas não menos futuristas de

personagens como Isaías 2.2-4, Ageu 29 e Jeremias 2. Reflete-se nas expectativas dos

essênios.

Alguns problemas que se vêm em relação a esta posição são: a igreja é o

templo atual e na nova Jerusalém de apocalipse não haverá templo (amilenistas), os sacrifícios

19 Ao pé da colina onde o Templo de Salomão se situava, existiam os sepulcros dos reis; mas no caso deste templo descrito em Ezequiel, toda a colina será santificada; cf. 2Re 21.18, 26.

20 Hoekema entende que acontecerá na nova terra.

36

descritos por Ezequiel são simbólicos, pois Jesus o sacrifício perfeito já foi oferecido

(amilenistas e alguns Pré-milenistas). Se os sacrifícios são simbólicos, por que o templo

precisa ser literal? Ezequiel afirma que os sacrifícios são expiatórios, são essas algumas

questões que geram problemas com a posição descritiva como uma realidade futura.

Ezequiel proclama o conceito do Dia do Senhor, abordando aspectos

históricos que apontam para o grande Dia final, quando o Senhor irá trazer o juízo final (para

as nações pagãs) e a restauração definitiva (para Israel) ao mundo.

4.3 Período Pós-Exílico

O Império Babilônico caiu pelas mãos dos Persas. Este povo foi ganhando

destaque no cenário internacional com as suas conquistas territoriais chegando a prevalecer

sobre a cidade de Babilônia em 539. O imperador persa Ciro II, implantou uma política de

benevolência para com os povos vassalos, além de permitir que todos os exilados do período

babilônico voltassem para as suas terras de origem.

O povo judeu exilado se beneficiou desta permissão, porém nem todos

decidiram voltar para a Palestina devido à prosperidade de que gozavam na Babilônia.

Zorobabel e Neemias promoveram dois retornos em massa para a terra prometida,

conseguindo inclusive autorização do império Persa para reconstruir Jerusalém, inclusive o

templo de Yahweh.

O retorno de judeus para Jerusalém não significa a restauração da nação,

pois os judeus ainda eram vassalos do império Persa. Neste ambiente de reconstrução e

restauração do sistema religioso israelita, os profetas Ageu, Zacarias e Malaquias exerceram o

seu ministério cônscios de que a verdadeira e definitiva restauração de Israel se dará no Dia

do Senhor.

4.3.1 Ageu

Ageu, o primeiro dos profetas da restauração, não tem história registrada

sobre sua pessoa. Ele era o embaixador do Senhor (v. 1.13) e seus testemunhos estão

seguramente entesourados com o seu divino Empregador.

Por falta de dados históricos sobre a pessoa de Ageu, não é possível

determinar com precisão o período coberto por sua vida. Alguns dizem que Ageu, pertenceu

37

ao período pré-exílico, por causa da suposição de que este conhecera o Templo de Salomão

(v. 2.3). Mas para sustentar essa opinião, teríamos que dizer que Ageu, ao transmitir sua

mensagem, tinha por volta dos 80 anos. Não é impossível, mas é pouco provável, pois

contextualmente nota-se que a afirmação feita por Deus por meio do profeta (vv. 2.1-2). O

texto que Ageu fala com pessoas que estiveram presentes no período de Salomão (“Quem há

entre vós...”). É mais razoável acreditar que Ageu tenha nascido no período do exílio, embora

sua idade não possa ser datada com clareza.

Sua missão é clara, estimular o povo à construção do Templo do Senhor,

demonstrando a reprovação divina para o povo (vv. 1.3-12), a reação do povo à repreensão

(vv. 1.12-15) e o estímulo a Zorobabel e Josué (vv. 2.1-9), o chamamento para purificação

(vv. 2.10-19) e confiança no porvir (vv. 2.20-23). O período de Ageu é muito peculiar e por

isso suas advertências são particulares. Nota-se que o livro gira em torno da reconstrução do

templo, quer reprovando o povo ou encorajando seus líderes. Desta forma, o caráter profético

de sua obra é pouco perceptível. A mensagem do livro de Ageu, embora esteja muito ligada

ao fator material do Templo, não degradou o caráter vital da “religião” israelita. Todo esse

prisma pode ser observado pela preocupação com a reconstrução do templo, pois isto

significava o retorno à adoração a Yahweh.

Assim, dentro dessa perspectiva peculiar que tem Ageu, pouco se percebe

sobre o Dia do Senhor. Ageu cita essa expressão quando conclama o povo à confiança no

futuro: “Farei abalar o céu e a terra; derrubarei o trono dos reinos e destruirei o carro e os que

andam nele; os cavalos e os seus cavaleiros cairão, um pela espada do outro. Naquele dia, diz

o Senhor dos Exércitos, tornar-te-ei, ó Zorobabel (...) servo meu (...) diz o Senhor, e te farei

um anel de selar; por que te escolhi, diz o Senhor dos Exércitos” (2.21-23).

É notório que este “anel de selar” é um objeto de prestígio. Porém parece

também estar ligado às atividades de um rei que, para validar um documento ou decreto,

selava-o com cera quente e pressionava sobre a cera o seu anel. Assim, Deus dará a Zorobabel

uma postura de autoridade. Segundo J. McIlmoyle essa identificação de autoridade a

Zorobabel está ligada com a sua restauração prometida ao trono como descendente de Davi21

e a rejeição de Jeconias (Jr.22.24). Dessa forma fica implícito o caráter de preservação deste e

21 MCILMOYLE, J. Ageu. São Paulo: Vida Nova, 2002.

38

de preferência por este, pois Deus o escolheu (2.23b).

É necessário relevar que esta consagração será feita “naquele dia”. Como

demonstrado pelo versículo 22, será em um tempo em que os tronos dos reinos e suas forças

seriam derrubados, e seus exércitos destruídos. Nota-se um caráter profético nesta afirmação,

onde se pode relaciona-la ao conceito do Dia do Senhor, que será um dia em que haverá a

manifestação de alguém com poder e prestígio de Deus, escolhido por ele, para ter a posição

de servo dEle.

As afirmações de Ageu não são muito claras, mas assemelham-se

diretamente com as descrições de Is.9.2-7, 11.1-3, Mq 5.2-4 e Jr.23.5 que apontam para um

libertador davídico, o Ungido, que teria essa postura em um futuro almejado pelo povo. Nota-

se que, embora pouco se afirme sobre o Dia do Senhor neste livro, ele concorda com os

profetas anteriores no que diz respeito a um caráter messiânico daquele dia. Sem contar que

esta mensagem serviria como estímulo à sua platéia que estava completamente desanimada

com o retorno do exílio.

Então, chega-se a conclusão que Ageu tem um papel importante na

conceituação do tema dia do Senhor reafirmando esse caráter messiânico incluso neste, e que

seu livro, muito estimulou seu público alvo a servirem primeiramente a Deus, e depois a

preocuparem-se com seus supostos problemas.

4.3.2 Zacarias

Zacarias é mencionado em Esdras 5.1; 6.14, junto com Ageu, como um dos

principais artífices da reconstrução do templo. As datas do seu livro coincidem com esta

indicação. É necessário identificar o profeta Zacarias com o “Zacarias, filho de Ado”, do qual

fala Neemias 12.16. Muitos autores assim fazem, e deduzem deste dado a origem sacerdotal

do profeta. Outros negam que tal identificação seja válida.

No tocante à época, é valido o que se disse sobre Ageu. Dois grandes temas

ocupavam os judeus daquele tempo: a reconstrução do templo e a restauração escatológica. Se

Ageu tinha dado mais importância ao primeiro e apenas breve apêndice ao segundo, Zacarias

faz o contrário. Sem esquecer o tema do templo, ele fixou a sua atenção em descobrir a era

39

escatológica que previu estar próxima.22

Pode-se dizer que o livro de Zacarias é dividido em duas partes, 1-8 e 9-14,

isso porque alguns comentaristas dizem que somente os primeiros oito capítulos seriam de

autoria do profeta e os outros seriam um possível acréscimo. A apresentação do profeta se dá

diante do primeiro oráculo (vv. 1.1-6), que trata de uma exortação à conversão, a fim de que

não aconteça aos seus contemporâneos o mesmo que aconteceu com os seus antepassados.

Os seis primeiros capítulos são divididos em oito visões com uma série de

pequenos oráculos inseridos entre eles, porém alguns comentaristas falam que o número

original de visões seriam sete. Talvez a descrição pudesse ser representada da seguinte

maneira:

1a visão: os cavalos de cores; punição das nações e bênção de Jerusalém (1.8-16)

2a visão: os quatro chifres e os quatro ferreiros; punição dos gentios (2.1-4)

3a visão: o homem com o cordel, glória de Jerusalém (2.5-9)

4a visão: o candelabro de ouro, as sete lâmpadas e as duas oliveiras; exaltação de Zorobabel e de Josué, governador e sumo sacerdote, respectivamente (4.6, 10b-14)

5a visão: o rolo voando; punição dos ímpios (5.1-4)

6a visão: a mulher no recipiente; a iniqüidade habita em Babilônia, onde ela é bem acolhida

7a visão: os quatro carros; punição do norte (6.1-8)23

Da abordagem literária do livro podemos dizer que as visões seguem um

esquema trimembre: descrição do visto-pergunta do profeta-resposta do anjo intérprete.24 O

mais interessante é notar a relação entre as visões. As duas primeiras e as duas últimas têm

por objeto os países estrangeiros que maltrataram Judá. As três centrais preocupam-se pela

restauração judaica. E tudo isso converge na quarta visão, a qual fala dos dois grandes

dirigentes, político e religioso, do novo povo de Deus. Todas as ilusões que os judeus

alimentaram desde que partiram para o exílio encontram-se aqui concretizadas: Deus torna-se

benigno para com o seu povo, castiga seus adversários, enche de glória Jerusalém e concede a

Jerusalém governantes dignos da nova situação.

Alguns acréscimos foram feitos a essa estrutura (provavelmente o próprio

22 Schökel, Alonso L., Diaz J.L. Sicre, Profetas II. São Paulo: Paulinas, 1991.p.1176. 23 Schökel, Alonso L., Diaz J.L. Sicre, Profetas II. São Paulo: Paulinas, 1991.p.1177 24 Idem, Ibid.

40

Zacarias os tenham feito). Mas essas inserções posteriores não modificaram o conteúdo dos

capítulos, já que as idéias fundamentais (punição dos inimigos, glória de Judá, governo de

Josué e de Zorobabel), ficaram reforçadas, mesmo que a estrutura inicial fique mais obscura e

mais confusa.

Os capítulos 7 e 8 são formados por uma série de oráculos em aparente

desordem. O capítulo 7 começa com uma consulta ao sacerdote para saber se é necessário

continuar lamentando e jejuando. A resposta de Zacarias vem nos versículos 8. 18 e 19,

dizendo que não só o jejum do quinto mês, mas também os outros irão se transformar em

gozo, alegria e festa. Atualmente entre a pergunta (vv. 7.1-3) até a resposta (vv. 8.18,19)

encontram-se textos com um caráter diverso, mas sem que haja uma unanimidade entre os

estudiosos. No que diz a desordem, ela tem certa explicação. A consulta do jejum (vv. 7.1-3),

ocasionou a inserção da crítica do mesmo (vv. 7.8-14). Ao mesmo tempo, o castigo de

Jerusalém trouxe como conseqüência o anúncio da sua restauração nos versículos 8. 1-17.

É interessante lembrar que o profeta faz referência à reconstrução do templo

(v. 1.16) e promete a Zorobabel que terminaria a obra “não pela força, nem com riquezas, mas

sim com a ajuda do espírito de Deus” (cf. 4.6b-10a). Esta reconstrução abre caminho para um

era de prosperidade e de bênção.

No entanto é perceptível que, o que mais interessa a Zacarias é esse novo

mundo futuro. É este o tema fundamental das suas visões. A punição dos inimigos como

medida prévia, seguida da restauração gloriosa de Jerusalém governada por Josué e

Zorobabel. A glória, porém, advém principalmente da presença de Yahweh, a qual o profeta

se refere com freqüência (vv. 2.9b, 14-16; 8.3, 23). Com isso a cidade ficará aberta não só aos

judeus, como também a todos os povos que desejarem adorar Yahweh.

Portanto pode-se dizer que a mensagem de Zacarias inspira-se na de

Ezequiel como também desenvolve mais plenamente a de Ageu. Zacarias, no entanto, não se

preocupa só com o futuro, para ele o presente possui grande valor e a sua tarefa no momento

histórico não consiste somente em colocar pedra sobre pedra, é converter-se (vv. 1.1-6). O

culto por si só não é suficiente (vv. 7.4-7).

Percebe-se então que o conteúdo da mensagem de Zacarias é constituído de

diferentes linhas proféticas. Por vezes ele nos lembra a geração de Amós, de Isaías ou de

Miquéias, aos quais ele alude sem os mencionar expressamente, com o seu marcado acento

41

social. Outras vezes ele remete-se ao conteúdo profético de Ezequiel, com o seu ideal de

restauração política e cultural.

Quanto a segunda parte dos escritos de Zacarias, a primeira parte é

constituída por três grandes blocos. O primeiro desenvolvendo temas típicos do hino ao Deus

guerreiro, as suas conquistas (vv. 1-7), a chegada ao templo (v. 8), entronização (vv. 9-10),

libertação dos cativos (vv. 11-14), banquete final e prosperidade (vv. 15-17). A passagem de

10.1 e 2 pode ser considerada fora de contexto a princípio, porém pela sua referência à chuva,

talvez ela se adapte perfeitamente com o final do anterior (v. 9.17), revelando o Deus que na

história aparece também como Senhor da natureza e garante não só o êxito político-militar,

mas também a prosperidade material.

O segundo bloco repete temas já abordados como, a batalha (vv. 10.3-7), o

retorno dos exilados em uma série de novo êxodo (vv. 10.8-11a), a derrota dos inimigos (v.

11b) e o louvor final ao Deus salvador (v. 12). O fragmento 11.1-3 desnorteia no início.

Porém, considerando que as imagens do cedro e do leão aplicavam-se às potencias

estrangeiras, percebe-se que estes versículos servem para salientar a derrota dos inimigos.

A seguir vem a alegoria dos dois pastores. Existem diversas discussões

sobre o assunto, mas o que deve-se salientar é que em qualquer das hipóteses, a alegoria

descreve uma situação muito difícil do povo/rebanho, que se torna cada vez mais dura por

culpa dele mesmo. No entanto, a atividade do mal pastor e a dispersão irão transformar-se em

prova purificadora e então, no final, haverá um resto que invoque a Yahweh e se reestabeleça

uma aliança com Ele.

Em resumo esses dois blocos do trecho de 9-11 falam da superação da

prova, do Deus guerreiro que derrota os seus inimigos e liberta os exilados. Porém o primeiro

concede importância ao tema messiânico (vv. 9.9-10) e o segundo não. Aqui, o mal não se

acha fora do povo, mas dentro dele. O que importa não é derrotar os inimigos, e sim purificar

o povo.

Analisando o capítulo 12, encontra-se um novo título. A partir daqui até o

final do livro, este pode ser dividido em sete seções, que começavam todas com a mesma

frase: �������� �����������ou “acontecerá naquele dia” (vv. 12.3,9; 13.2,4; 14.6,8,13).

Entretanto, é difícil acreditar ser esta a fórmula que estrutura os capítulos e sim o conteúdo

dos oráculos. Em 12.1-13, o profeta fala do combate escatológico entre Jerusalém e todas as

42

nações (vv. 1-8), mas ainda assim, a derrota dos inimigos não abre caminho para o grande

cântico de vitória, mas para gigantesca lamentação (vv. 12.9 - 13.1). A purificação do coração

segue a purificação do país, expulsando dele os ídolos e os falsos profetas (vv. 13.2-6).

O capítulo final mistura temas já conhecidos dos capítulos anteriores com

outros novos. Inicia-se falando do combate escatológico e da teofania (vv. 1-5), e abre

caminho para a época paradisíaca (vv. 6-11). Nos versículos 12 a 15, volta a ressoar o tema da

batalha. Os sobreviventes dele irão até Jerusalém para celebrar a realeza de Yahweh na festa

dos Tabernáculos (v. 16), e aquele que não o fizer será punido (vv. 17-19). O capítulo conclui

com um apêndice que fala da exorbitante santidade de tudo quanto houver em Jerusalém e do

desvanecimento dos mercadores do templo (vv. 20-21). Talvez o maior valor destes oráculos

tão diferentes seja a insistência na realeza de Yahweh (vv. 14.9,16,17).

4.3.3 Malaquias

Apesar de ter um livro com conteúdo profético fantástico com seu nome,

nada se sabe sobre Malaquias e a sua auto-apresentação em 1.1. Não existem citações vétero-

testamentárias que indiquem ou sugiram algo sobre sua pessoa, caráter, pais, cidade natal,

cargo ou data de seu ministério. Conseqüentemente nasce um problema no que diz respeito à

data deste documento, tornando o último de seis livros proféticos não datados.

Apesar disso, pode-se levantar algumas afirmações no livro que indiquem o

período histórico em que está inserido o profeta e sua profecia. A primeira indicação interna é

o fato de que os edomitas tinham sido levados do monte Seir, mas não tinham voltado (vv.

1.3-4). Isso implica em dizer que a data da redação deve ser posterior a 585 a.C. Outra

indicação pode ser vista na colocação de que os exilados tinham voltado, reconstruído o

templo e caído no comodismo e na formalidade (vv. 1.6ss). Isso implica em que existe um

bom tempo entre o regresso e este prenuncio de apostasia do povo. Outro indicativo relevante

é que o povo está subordinado a uma autoridade persa que aceita suborno (v. 1.8). Há ainda

mais um indício, pois os problemas de caráter moral encontrados nesse livro são semelhantes

aos encontrados em Esdras e Neemias (cf. materialismo, casamento misto). Segue-se que a

data pode ser aproximada à 430 a.C., após o retorno de Neemias para a Pérsia em 432 a.C.

Sobre isso, Ellisen diz:

Malaquias foi a voz profética final, contemporâneo de Esdras, sacerdote e historiador que escreveu antes e depois dele. Foi o último mensageiro divino para o

43

povo da aliança do Antigo Testamento, ministrando cerca de 1000 anos depois de Moisés, o primeiro profeta e primeiro escritor bíblico25.

À luz desse comentário, pode-se notar que o período de Malaquias é

complicado, pois, embora o templo estivesse terminado, o sistema religioso restaurado e o

muro já estar de pé, o povo não correspondia a esses fatos. O estado espiritual do povo não

estava nada correto, e é sobre essas inadequações que vêm as advertências de Deus.

Ao ter em mente as advertências de Deus, é notório o esquadro em que é

redigido o livro. Logo de início existe duas declaração de contrastes, onde a primeira expressa

o contraste entre o amor de Deus e a infidelidade do povo (v. 1.2) e a segunda relaciona o

aborrecimento para com Esaú e sua descendência com a Grandeza do Senhor (1.3-5).

Existe, nesse contraste demonstrado, especificamente no v.5 uma afirmação

que pode ter um sentido ambíguo. Segundo alguns liberais a colocação “fora dos termos de

Israel” implica em algum tipo de reconhecimento de Yahweh e de Sua Salvação expresso fora

das estipulações da Lei de Deus. Esse tipo de pensamento pode ser definido com Inclusivismo

soteriológico, que não tem o menor respaldo bíblico.

A fim de sanar qualquer dúvida sobre a expressão é necessário compreender

o significado de “termo” no texto. A palavra hebraica referente a esta é ������, e denota um

sentido de limite, território e borda no sentido territorial, e tem qualquer conceito de

legislação. Assim é notório que a expressão refere-se à manifestação divina fora da região de

Israel, e não fora das estipulações determinadas por Ele.

Ainda assim outros definem que essa manifestação fora de Israel é para

salvação em outras nações, como se a frase fosse dita pelas outras nações. Contudo o contexto

não é favorável a esse tipo de conclusão irrisória. O contexto está sobre a manifestação da

IRA de Deus sobre a Nação de Edom, “povo contra quem o Senhor está irado para sempre”.

E diante dessa afirmação, Israel reconheceria a grandeza de Deus, como é percebido na frase

“os vossos olhos o verão, e vós direis...”. Fica então óbvio que a conclusão Inclusivista é

infundada.

Logo, é notório que as declarações de Yahweh, no que tange o Dia do

25 ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 1991. p. 342

44

Senhor, estão primariamente situadas sobre Israel. Contudo, a manifestação da Ira de Deus

inclui seu povo, pois, a partir do versículo 6, Deus faz alegações diretas ao povo falando sobre

sua desonestidade (vv. 1.6-14), sua infidelidade pactual (vv. 2.1-9), sua devassidão moral

incluindo casamentos mistos (vv. 2.10-12) e divórcios (vv. 2.13-16), impiedade (v. 2.17),

furto (v. 3.7-12) e arrogância (vv. 3.13-15). Nesse contexto de perversidade do povo de Deus,

existem alguns que são considerados como “os que temiam ao Senhor”. Esses serão poupados

no Dia do Senhor pois são considerados como tesouro particular para Ele. Essa atitude visa

demonstrar a diferença entre o que serve a Deus e o que não serve, o justo e o perverso. (vv.

3.16-18)

A expressão Dia do Senhor acontece apenas uma vez no livro (v. 4.5)

associado a características singulares, como “grande” e “terrível”. A palavra grande já foi

comentada anteriormente, mas sobre terrível (���) nada foi declarado. Esta palavra está

intimamente ligada ao medo, temor diante a uma demonstração devastadora. Assim fica

notório o caráter deste dia, como demonstrado em outros profetas, de destruição, sendo este

ainda enfatizado no versículo 4.1, quando diz que será este dia como uma fornalha, onde

todos os soberbos e todos os que comentarem perversidade queimados, abrasados por Deus a

ponto de não terem nem raiz nem ramo.

Entretanto, não parece ser essa a única marca deste dia descrito por

Malaquias, pois no seguinte versículo diz: “ele converterá o coração dos pais e filhos, e o

coração dos filhos aos pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição”. Esse

versículo demonstra um aspecto pouco claro sobre esse dia, pois se refere a Elias mencionado

no versículo 5, que parece ser aludido no versículo 3.1, onde Deus se refere ao Seu

mensageiro que vai à Sua frente preparando Seu caminho como marca antes do Grande e

Terrível Dia do Senhor. Embora seja complexo definir quem possa ser esse, fica claro que

com sua manifestação existe a possibilidade de libertação desse juízo preanunciado.

4.4 Visão Profética Vetero-Testamentária

“Israel acreditava que, se houvesse um breve período de inocência e ventura

no limiar da história, o clímax verdadeiro e o coroamento da história se reservavam para o

45

futuro. Tinha a firme convicção de que o melhor estava por vir26”. J.M.P Smith afirma que “o

desenvolvimento da idéia do dia de Yahweh na história israelita foi marcado, não tanto pela

adição, de tempos a tempos, de novas características, quanto pela expansão e aprofundamento

de elementos já presentes27”.

Como demonstrado, a frase “Dia de Yahweh” funcionava como a expressão

da esperança israelita no momento histórico em que Deus ergueria a Israel a ponto de ser

triunfante perante seus inimigos de um modo espetacular, observado em Obadias. Contudo

Amós transforma a frase “no símbolo iminente do julgamento de Israel28”.

Amós 5.8, diz: “Ai de vós que desejais o Dia do SENHOR! Para que

desejais vós o Dia do SENHOR? É dia de trevas e não de luz. Como se um homem fugisse de

diante do leão, e se encontrasse com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostando a

mão à parede, fosse mordido de uma cobra”. Esses versos parecem demonstrar uma

expectativa do povo de Israel com respeito ao Dia do Senhor, como se isso fosse algo

positivo. O relato de Amós expressa mais que um conceito de julgamento, mas de terrível

sofrimento.

Sofonias apresenta uma declaração mais abrangente desse conceito, pois

inclui no Dia do Senhor o julgamento de outras nações. “Está perto o grande Dia do

SENHOR; está perto e muito se apressa. Atenção! O Dia do SENHOR é amargo, e nele clama

até o homem poderoso. Aquele dia é “dia de indignação, dia de angústia e dia de alvoroço e

desolação, dia de escuridade e negrume, dia de nuvens e densas trevas, dia de trombeta e de

rebate contra as cidades fortes e contra as torres altas” (Sf 1.14-16). O aspecto de julgamento

é parte da expressão Dia do Senhor, mas o que é expandido é a idéia do julgamento moral

contra todo e qualquer homem, dentro ou fora de Israel, como parece sugerir Joel 2.2: “dia de

escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão! Como a alva por sobre os montes, assim

se difunde um povo grande e poderoso, qual desde o tempo antigo nunca houve, nem depois

dele haverá pelos anos adiante, de geração em geração”.

Contudo Joel demonstra que o “Dia do Senhor” não é meramente um

26 ROWLEY, H.H., A fé em Israel. São Paulo: Paulinas. 1977. pg.191 27 SMITH, J.M.P, American Journal of Theology, V, 1901, p.53 28 ROWLEY, H.H. Op Cit. pg.191

46

momento punitivo, mas um evento, que envolve punição e salvação. Pois, Joel fala que

“acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas

filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e

sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias.Mostrarei prodígios no céu e na terra:

sangue, fogo e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes

que venha o grande e terrível Dia do SENHOR. E acontecerá que todo aquele que invocar o

nome do SENHOR será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem

salvos, como o SENHOR prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o SENHOR

chamar”.

Obviamente não é possível a todos esse salvamento, mas é para aqueles que,

entre os sobreviventes, o SENHOR chamar. Assim nota-se um prisma maior no que se refere

ao Dia do Senhor, pois esta está além do Juízo de Israel e das Nações. Essa visão é

demonstrada também por Isaías, no momento em que seus escritos denotam mais uma nuance

apocalíptica. Em Isaías 24.20s lê-se: “A terra cambaleará como um bêbado e balanceará como

rede de dormir; a sua transgressão pesa sobre ela, ela cairá e jamais se levantará. Naquele dia,

o SENHOR castigará, no céu, as hostes celestes, e os reis da terra, na terra. Serão ajuntados

como presos em masmorra, e encerrados num cárcere, e castigados depois de muitos dias”.

Esse trecho demonstra o aspecto punitivo do Dia do Senhor, mas pouco depois, em Isaías 25.9

está escrito que “Naquele dia, se dirá: Eis que este é o nosso Deus, em quem esperávamos, e

ele nos salvará; este é o SENHOR, a quem aguardávamos; na sua salvação exultaremos e nos

alegraremos”.

Dessa forma percebemos que o Dia do Senhor é muito mais que um

momento de Juízo ou Julgamento, mas um evento que envolve esses aspectos somados ainda

com o Livramento do povo.

Outro ponto que merece atenção é o fato de que as profecias incluem

aspecto universalista, fato que é pouco observado em todo o Velho Testamento, embora esteja

fortemente presente. Segundo Rowley, “a fé dos israelitas não é exclusivamente deles, mas

pode ser compartilhada por homens de outras nações e raças, que se reunirão ao Senhor e ao

Seu povo29”. A idéia presente nesse aspecto não diz respeito a salvação de todos, sob qualquer

29 Idem. pg.201

47

forma de manifestação de crença, mas no conceito de que “a religião do Yahwismo estava

aberta a todos os homens30”. Isso é evidente na história de Raabe, Rute, Jonas, entre outros

exemplos expresso no Velho Testamento.

Uma conclusão, ainda obscura, que se pode retirar do conceito do Dia do

Senhor é que está aberto a outras nações, não só o Juízo, mas a possibilidade de Salvação. É o

que parece sugerir Zacarias, em 2.11: “Naquele dia, muitas nações se ajuntarão ao SENHOR e

serão o meu povo; habitarei no meio de ti”. H.G. Michel observa que isso significa a

aceitação do convite de Isaías 45.22: “Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da

terra; porque eu sou Deus, e não há outro”, somado a idéia da ilimitada extensão da Aliança

Abraâmica31 (“...em ti serão benditas todas as famílias da terra“).

Isaías indica ainda de forma mais aberta e específica a situação desses, que

são considerados como prosélitos quando afirma: “Aos estrangeiros que se chegam ao

SENHOR, para o servirem e para amarem o nome do SENHOR, sendo deste modo servos

seus, sim, todos os que guardam o sábado, não o profanando, e abraçam a minha aliança,

também os levarei ao meu santo monte e os alegrarei na minha Casa de Oração; os seus

holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar, porque a minha casa será

chamada Casa de Oração para todos os povos”.

Ao observar esses textos pode-se concluir que o Dia do Senhor tem um

caráter internacional, no que diz respeito a Julgamento e Livramento, embora ambas tenham

suas condicionais.

Todas as passagens do Antigo Testamento que apresentam de maneiras

várias a visão da Idade Áurea ou do Dia do Senhor, são comumente denominadas

messiânicas. Embora essa afirmação tenha suas conotações perigosas, tais como a imposição

do cumprimento total na vida do Senhor Jesus Cristo, expressa um aspecto muito relevante

para a conceituação do terno, em termos de Velho Testamento.

Em algumas das passagens que apresentam a esperança vétero-

testamentária, encontra-se com um líder davídico, representante divino no governo universal.

Em Isaías 9.2-7, é possível observar esse aspecto: “O povo que andava em trevas viu grande

30 Idem. pg.200 31 MICHEL, H.G, The International Critical Commentary Haggai and Zacariah, 1912, p.144

48

luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz. Tens

multiplicado este povo, a alegria lhe aumentaste; alegram-se eles diante de ti, como se

alegram na ceifa e como exultam quando repartem os despojos. Porque tu quebraste o jugo

que pesava sobre eles, a vara que lhes feria os ombros e o cetro do seu opressor, como no dia

dos midianitas; porque toda bota com que anda o guerreiro no tumulto da batalha e toda veste

revolvida em sangue serão queimadas, servirão de pasto ao fogo. Porque um menino nos

nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será:

Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se

aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o

estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do

SENHOR dos Exércitos fará isto”.

Fato semelhante é observado em Isaías 11.1-3: “Do tronco de Jessé sairá um

rebento, e das suas raízes, um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito

de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de

conhecimento e de temor do SENHOR. Deleitar-se-á no temor do SENHOR; não julgará

segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos; mas

julgará com justiça os pobres e decidirá com eqüidade a favor dos mansos da terra; ferirá a

terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso”.

Em analogia a passagem de Isaías 9, encontra-se a passagem de Miquéias

5.2-4: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de

ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os

dias da eternidade. Portanto, o SENHOR os entregará até ao tempo em que a que está em

dores tiver dado à luz; então, o restante de seus irmãos voltará aos filhos de Israel. Ele se

manterá firme e apascentará o povo na força do SENHOR, na majestade do nome do

SENHOR, seu Deus; e eles habitarão seguros, porque, agora, será ele engrandecido até aos

confins da terra”. Está passagem demonstra o governo sobre toda a terra, no nome e no

exercício da força de Senhor.

Ao observar esse conceito, é fácil relembrar da passagem da bênção de Jacó

em Gênesis 49 que diz que o cetro de Judá e o bastão de comando se afastarão dentre os pés

dAquele a quem os povos devem obediência.

Semelhantemente, Jeremias afirma que o Senhor suscitará um rebento novo

a Davi (Jr 23.5), um renovo de justiça, “o qual reinará verdadeiramente e com sucesso, e

49

administrará a justiça e o direito neste país”. Aqui, no entanto, nada se diz com respeito à

universalidade desse governo, o que não implica em diversidade alguma de concepção, já que

não seria razoável exigir que um escritor exprimisse todo o seu pensamento sobre

determinado assunto toda vez que sobre ele se pronunciasse. Mas o fato mais incrível é a

descrição do caráter desse governo, que será executado em justiça, como demonstram todos

os outros oráculos que dizem respeito a essa universalidade, dentro desse aspecto messiânico.

Assim é notável a existência uma íntima ligação entre o Dia do Senhor e a

manifestação do Messias prometido, e que o resultado é absolutamente positivo, conforme

demonstra Habacuque: “Pois a terra se encherá do conhecimento da glória do SENHOR,

como as águas cobrem o mar” (Hb 2.14).

50

5 CONCLUSÃO

Infelizmente o Dia do Senhor continua a ser mal interpretado pela igreja

brasileira. Prova disso é a atitude de muitos crentes para com Deus e para com o próximo.

Este erro também se reflete na literatura cristã e até na sua hinódia, onde, por vezes, canta-se

com alegria e júbilo a chegada do dia do Senhor.

O Dia do Senhor é dia de alegria somente para aqueles que estão preparados

para ele. Para aqueles que vivem uma vida hipócrita, ou seja, uma vida que é coberta de

rituais e cerimônias religiosas e transmite uma aparência de santidade, mas na realidade é uma

pessoa totalmente longe de Deus em seus atos e pensamentos, este dia será terrível. Isto

deveria causar na igreja, além da alegria, uma santa preocupação. Em outras palavras, cada

crente deveria constantemente perguntar-se se está preparado para o Dia do Senhor.

Os pastores e líderes têm por dever pregar e ensinar de uma perspectiva

bíblica e saudável a respeito deste tema. Cai sobre seus ombros a responsabilidade de criar no

rebanho que Deus lhes concedeu para que cuidassem, este santo temor a respeito do Dia do

Senhor.

Este dia será um Dia de intervenção, em que o próprio Deus irá agir, sem

intermediários, para purificar o seu povo e cumprir o seu propósito nele. Por isso urge a

necessidade de que cada crente faça uma auto-avaliação diária sobre sua vida diante de Deus,

para que ele, estando preparado, receba com alegria este grande e tremendo dia.

51

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BALDWIN, J. G. Ageu, Zacarias e Malaquias. São Paulo: Vida Nova, 1972.

CARSON, J.T. Sofonias introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova

CRABTREE, A. R. Teologia do Velho Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1991.

DAVIDSON, F. O novo comentário da bíblia. 3ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.

DOUGLAS, J. D. O novo dicionário da bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.

ELLISEN, Stanley A. Conheça melhor o antigo testamento. São Paulo: Vida, 1993.

FEINBERG, Charles L. Os profetas Menores. São Paulo: Vida Nova, 1996.

GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética. São Paulo: Vida, 2002.

GRONINGEN, Gerard Van. Revelação messiânica no Velho Testamento. Campinas: LPC, 1995.

HARRISON, R. K. Jeremias e Lamentações. São Paulo: Vida Nova, 1980.

HUBBARD, David Allan. Joel e Amós. São Paulo: Vida nova, 1996.

KAISER, Walter C. Jr, Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1984.

KIDNER, Derek. A mensagem de Oséias. São Paulo: ABU, 1993.

LEA, Larry. Nem uma hora? Venda Nova: Betânia, 1989.

MALKOMES, Robinson. Manual bíblico vida nova. São Paulo: Vida Nova, 2002.

MERRILL, Eugene H. História de Israel. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

MESQUITA, Antônio Neves de. Estudo nos livros de Jeremias e Lamentações de Jeremias. Rio de Janeiro: JUERP, 1979.

MCILMOYLE, J. Ageu. São Paulo: Vida Nova, 2002.

PENTECOST J. Dwight. Manual de escatologia. São Paulo: Vida, 2002.

RIDDERBOS, J. Isaías. São Paulo: Vida Nova, 1986.

ROBINSON, D.W.B. O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2002

ROWLEY, H.H., A fé em Israel. São Paulo: Paulinas, 1977.

RYRIE, Charles Caldwell. A bíblia anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1991.

SCHÖKEL, L. Alonso, DIAZ, J. L. Sicre. Profetas I. São Paulo: Paulinas, 1920.

SCHÖKEL, L. Alonso, DIAZ, J. L. Sicre. Profetas II. São Paulo: Paulinas, 1920.

SMITH, Ralph L. Teologia do antigo testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001.

TAYLOR, John B. Ezequiel. São Paulo: Vida Nova, 1984.

VON RAD, Gerhard. Teologia do antigo testamento. São Paulo: ASTE, 1986. v. 1,2.