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Eleonora Hoffmann1 Cláudio José de Almeida Mello2 RESUMO: Uma das missões do professor de português é a de formar leitores competentes. Buscou-se concretizar essa missão, realizando atividades em conjunto com a equipe pedagógica da escola, com professores das demais disciplinas, bem como com familiares de estudantes de 5ª série do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Castro Alves – Ensino Fundamental e Médio, no Município de Quedas do Iguaçu, Paraná. Para isso, baseou-se em práticas de ensino fundamentadas em estudos já realizados por vários educadores. Os resultados obtidos mostram que, com atividades diferenciadas e corretamente aplicadas, é possível mudar o panorama educacional que se descortina atualmente. PALAVRAS-CHAVE: Leitura; família; leitores competentes. Abstract: One of the missions of Portuguese teacher is to form competent readers. One searched to materialize this mission, carrying through activities in set with the pedagogical team of the school, with teachers of others disciplines, as well as with students families of 5th grade of Basic Education, of State College Castro Alves -Basic and Average Education, situated in Quedas do Iguaçu, Paraná. For this, it was based on practical of education based on studies already carried through by some educators. The gotten results show that, with differentiated activities and correctly applied, it is possible to change the educational panorama that is discloses currently. KEY WORDS: Reading; family; competent readers. O Brasil conseguiu, nos últimos anos, uma importante conquista na área educacional: a imensa maioria das crianças em idade escolar está nas 1 (Professora de Língua Portuguesa -PDE/2007 -SEED-PR) 2 (Departamento de Letras – UNICENTRO – Guarapuava – PR)

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Eleonora Hoffmann1 Cláudio José de Almeida Mello2

RESUMO: Uma das missões do professor de português é a de formar leitores competentes. Buscou-se concretizar essa missão, realizando atividades em conjunto com a equipe pedagógica da escola, com professores das demais disciplinas, bem como com familiares de estudantes de 5ª série do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Castro Alves – Ensino Fundamental e Médio, no Município de Quedas do Iguaçu, Paraná. Para isso, baseou-se em práticas de ensino fundamentadas em estudos já realizados por vários educadores. Os resultados obtidos mostram que, com atividades diferenciadas e corretamente aplicadas, é possível mudar o panorama educacional que se descortina atualmente.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; família; leitores competentes.

Abstract: One of the missions of Portuguese teacher is to form competent readers. One searched to materialize this mission, carrying through activities in set with the pedagogical team of the school, with teachers of others disciplines, as well as with students families of 5th grade of Basic Education, of State College Castro Alves -Basic and Average Education, situated in Quedas do Iguaçu, Paraná. For this, it was based on practical of education based on studies already carried through by some educators. The gotten results show that, with differentiated activities and correctly applied, it is possible to change the educational panorama that is discloses currently.

KEY WORDS: Reading; family; competent readers.

O Brasil conseguiu, nos últimos anos, uma importante conquista na área educacional: a imensa maioria das crianças em idade escolar está nas

1 (Professora de Língua Portuguesa -PDE/2007 -SEED-PR) 2 (Departamento de Letras – UNICENTRO – Guarapuava – PR)

salas de aula, recebem merenda e mais de 100 milhões de livros didáticos lhes são enviados pelo governo a cada ano. Assim, finalmente, venceu-se, a barreira da quantidade. Falta, porém, vencer a da qualidade. Não é mais aceitável que se continue produzindo estudantes incapazes de compreender um texto ou de realizar habilmente cálculos matemáticos básicos, habilidades imprescindíveis para o desenvolvimento de um cidadão completo.

Felizmente, alguns avanços já estão sendo apontados: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador do Ministério da Educação e Cultura, que afere o nível de ensino das primeiras séries do ensino fundamental passou de 3,8 em 2005 para 4,2 (em uma escala de 0,0 a 10,0) em 2007. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) também apontou um salto de 37 para 51 (em uma escala de 0 a 100), nas notas do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM).

Como se pode perceber, houve uma sensível melhora. Porém, pergunta-se: é o suficiente? A resposta, com certeza, não.

Essa grande deficiência pode ser atribuída, em grande parte, à incompetência dos alunos brasileiros na leitura. Prova disso, são os dados mostrados em uma das últimas avaliações do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), os quais retratam a nossa condição de leitores num conjunto de 32 países. Participaram dessa prova, jovens na faixa etária de 15 anos, que demonstraram o perfil dos leitores brasileiros. Os alunos realizaram várias tarefas com diferentes tipos de textos. Essas tarefas abrangiam desde a recuperação de informações específicas até a demonstração de compreensão geral, interpretação de texto e reflexão sobre seu conteúdo e suas características, obedecendo a três dimensões: a forma do material de leitura; o tipo de tarefa de leitura, o que corresponde às várias habilidades cognitivas próprias de um leitor capaz e

o uso para o qual o texto foi construído. O resultado afirmou que os estudantes brasileiros lêem mal.

Além disso, a Revista Educação (2007), divulgou o Índice Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), o qual demonstra que apenas 26% do total da população entre 15 e 64 anos consegue ler textos mais longos estabelecendo relações e fazendo inferências.

No cotidiano escolar, é comum ouvir-se reclamações de professores de várias disciplinas de que os alunos não conseguem dar as respostas esperadas porque não conseguem interpretar adequadamente o que lhes é questionado.

Para agravar o problema, segundo Cláudio Mello, nos espaços escolares, a biblioteca, que deveria ser uma local amplamente divulgado e visitado por estudantes ávidos por ler, por saber mais, é, muitas vezes, local em que se depositam materiais indesejados ou, até mesmo, professores e funcionários que atrapalham em outros setores.

Outro fator que interfere diretamente na formação de leitores é que os pais dessas crianças e adolescentes, normalmente não são leitores, para servir-lhes de parâmetros, de exemplos a serem seguidos. Ou seja, esses pequenos cidadãos em formação espelham-se em pessoas para quem a leitura não é uma prática interessante nem mesmo necessária para o desenvolvimento de um ser humano mais completo, capaz e conhecedor de seus direitos e deveres.

Assim sendo, procurou-se, com essa proposta de intervenção, apresentada neste trabalho, formar leitores interessados, que tenham prazer no ato de ler; mas, acima de tudo, tenham competência para ler, interpretar, fazer inferências, concordar, discordar das idéias dos autores lidos. Se os alunos estiverem capacitados a isso, com certeza, terão maior sucesso não só nas tarefas escolares, mas também, fora do ambiente escolar.

Portanto, é necessário e urgente, que se faça algo para mudar esse cenário, pois se queremos crescer como nação, necessitamos, antes, criar

cidadãos capazes. E essa capacidade passa pela formação de leitores competentes.

Esse trabalho, além de procurar melhorar a formação de leitores, traduz, ainda, os resultados da Proposta de Implementação na Escola, prevista no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), criado e oferecido pela Secretaria de Estado da Educação (SEED), do Estado do Paraná. Para participar dessa modalidade de capacitação e formação continuada, foram chamados apenas os professores que se encontravam no último nível de avanço na carreira do magistério estadual. Houve inscrição dos interessados, os quais fizeram um prova, onde somente os classificados dentro do número de vagas ofertados em cada disciplina foram chamados para participar da capacitação. No primeiro ano, todos ficaram totalmente afastados da sala de aula, realizando atividades diversas nas instituições de ensino superior. No caso da professora autora desse artigo, do Núcleo Regional de Educação de Laranjeiras do Sul, a instituição indicada foi a UNICENTRO da cidade de Guarapuava. No primeiro semestre, todos elaboraram a referida proposta de implementação de uma atividade, visando à superação de alguma grande dificuldade da escola. No segundo semestre, elaboraram materiais didáticos e coordenaram, como tutores, os Grupos de Trabalho em Rede (GTR), em que participaram professores das mais variadas regiões do estado. A Proposta de Implementação na Escola também esteve disponível a esses professores da rede estadual de ensino participantes dessa modalidade de capacitação à distância, sendo que eles também aplicaram, em suas escolas, parcial ou totalmente, o que estava previsto na proposta. Segundo depoimento deles, foram obtidos resultados animadores com os seus alunos.

Além das atividades realizadas na UNICENTRO, os professores participaram também de seminários na cidade de Foz do Iguaçu, com

muitas palestras importantes para a capacitação dos profissionais de educação.

No primeiro semestre do segundo ano, ocorreu a efetiva aplicação da proposta dos professores nas escolas. Essa fase implicou, necessariamente, numa articulação e integração com a direção, equipe pedagógica e demais professores da escola, pois a importância de atividades que visem ao crescimento do número de leitores competentes deve ser percebida e perseguida por todos os profissionais da educação.

Para finalizar, no segundo semestre deste ano, foram feitos os registros de todas as atividades, bem como das conclusões a que se chegou, no presente artigo.

A experiência de leitura foi desenvolvida com alunos de 5ª série do Ensino Fundamental, turno matutino, do Colégio Estadual Castro Alves – Ensino Fundamental e Médio, situado na Vila residencial Salto Osório, onde está estabelecida a Usina Hidrelétrica de Salto Osório, no Município de Quedas do Iguaçu, Paraná.

A referida proposta pretende fazer com que alunos iniciantes da segunda fase do Ensino Fundamental (5ª série) cheguem ao término do Ensino Médio como verdadeiros leitores e não os chamados leitores “por obrigação”, apenas para cumprir alguma tarefa escolar.

Nessa perspectiva, o principal objetivo é a criação de leitores competentes.

Como subsídio, foram analisados e considerados muitos estudos acerca do tema, já realizados por diversos educadores.

Para se compreender as razões pelas quais se chegou a essa situação, é necessário se rever a evolução do ensino em geral, bem como da Língua Portuguesa no Brasil.

A Língua Portuguesa, como disciplina escolar, passou a integrar os currículos escolares brasileiros somente nas últimas décadas do século

XIX. Contudo, a preocupação com a formação do professor dessa disciplina

teve início apenas nos anos 30 do século XX. O seu ensino, porém, mantinha uma característica elitista até meados do século XX, quando ocorre o processo de democratização da escola, multiplicando o número de alunos, com características totalmente diferentes, com necessidades e exigências culturais diferenciadas.

As teorias acerca da linguagem apontam, ao longo dos tempos, diferentes concepções e metodologias para o seu ensino. Ao se analisar atentamente essa trajetória, constata-se que a linguagem é o meio mais eficaz de acesso, ou não, ao poder (GNERRE, 1991).

Historicamente, o ensino de Língua Portuguesa iniciou-se com os jesuítas, que partiam de práticas pedagógicas que visavam à hegemonia da metrópole (Portugal) e da Igreja Católica. Durante o período colonial, falava-se a língua tupi-guarani, chamada de Língua Geral. O português era utilizado nos documentos, ou seja, na burocracia. Na segunda metade do século XVIII, o Marquês de Pombal, no entanto, extinguiu essa situação, ao decretar a obrigatoriedade do uso da língua portuguesa e a expulsão dos jesuítas do Brasil. Assim, o ensino passou por mudanças: passou-se a ministrar aulas régias, ou seja, aulas isoladas, avulsas, sobre o estudo das Humanidades, normalmente por professores despreparados e mal pagos, indicados pela Coroa com a aprovação da Igreja.

A partir de 1808, com a vinda da Família Real portuguesa, foram instaladas as primeiras instituições de ensino superior no Brasil. Eram, porém, destinadas somente aos filhos da elite social da época e o ensino da Língua Portuguesa continuou negligenciado.

No final do século XIX, somente então, é que o seu ensino passou, ainda em segundo plano, a fazer parte dos currículos escolares. Nessa época, o ensino começou a voltar-se para a formação profissional, pois o

Brasil, já independente de Portugal, iniciava seu crescimento e industrialização. Fortalece-se o utilitarismo da educação, abrindo-se, cada vez mais, às classes mais populares. Em 1871, oficializou-se a disciplina de

Português e decretou-se o cargo de Professor de Português, o que valorizou o ensino da língua materna em detrimento ao Latim. Para isso, muito contribuíram os escritores, principalmente os românticos, que defendiam o nacionalismo em todos os sentidos.

Em 1922, esse tema foi retomado pelos jovens e revolucionários escritores do movimento modernista, que defendiam o uso de uma linguagem popular, rompendo com os modelos clássicos. O ensino, no entanto, continuou a ser elitista até meados do século XX, quando se iniciou a expansão do ensino primário público.

Com a Lei n.º 5692/71 instituiu-se a educação tecnicista que, em Língua Portuguesa, apresentava a linguagem como meio de comunicação. A linguagem passou a ser discutida dos pontos de vista da Sociolinguística, da Análise do Discurso, da Semântica e da Lingüística Textual.

Como se pode perceber, a Literatura ainda não havia conquistado seu espaço. O principal instrumento de trabalho, nesse sentido, era baseado apenas em trechos de obras dos considerados cânones literários e objetivava a religiosidade e o nacionalismo.

Nos anos 70, com o autoritarismo do regime ditatorial militar, o seu ensino delimitou-se apenas ao, então, segundo grau, sendo apresentado apenas sob um ponto de vista estruturalista e/ou historiográfico.

Na década de 80, com o fim da ditadura militar, surgem, no Brasil, novas discussões e proposições para o ensino da Língua Portuguesa, finalmente incluindo, de forma incisiva, a Literatura. Regina Zilbermann, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, doutora em Letras pela Universidade de Heidelberg, Alemanha, publica vários livros, principalmente sobre a Estética da Recepção, uma proposição feita pelo alemão Hans Robert Jauss. João Wanderley Geraldi, da Universidade de Campinas, também propõe mudanças para o ensino dessa disciplina. A Secretaria de Estado da Educação apresenta o Currículo Básico do Paraná, em que propunha uma perspectiva de análise mais

aprofundada dos textos, bem como a proposição de textos significativos e com menos ênfase na conotação moralista. Porém, essa sugestão também não satisfez as reais necessidades dos educandos.

No final da década de 90, surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais, propondo uma reflexão acerca dos usos da linguagem oral e escrita. Contudo, o currículo, baseado em competências e habilidades, vincula-o ao mercado de trabalho, dando à leitura uma forma utilitarista, com uma abordagem meramente conceitual no Ensino Fundamental e, até mesmo, desconsiderando-a no Ensino Médio.

Atualmente, continua-se a discutir a respeito do ensino da língua portuguesa e todos os professores apontam a necessidade de se ter um leitor crítico, capaz.

Ângela Kleiman afirma que estratégias de leitura não são exclusividade do professor de língua portuguesa, como, normalmente, é alardeado. São atividades inerentes à função profissional de todos os educadores, pois não se deve ficar à espera do colega de Português, uma vez que são todos falantes da mesma língua. O que deve mudar, segundo ela, é a abordagem do tema.

De acordo com Pedro Demo (2006), o ser humano lê para compreender a realidade e para pensar, elegendo a cidadania como a referência maior. Para ele, lemos para dar conta da realidade e de todos os desafios que dela recebemos ou a ela impomos.

Para Marisa Lajolo (1982), o texto deve ser lido não apenas para decodificar a mensagem, mas sim, para atribuir a ele uma carga de significados, estabelecendo relações de sentido com outros textos. Requer, também, que se compreenda o tipo de leitura que seu autor pretendia que o leitor fizesse e concordar com ela ou, ao contrário, discordar totalmente de sua aspiração, dando-lhe outros significados.

Em conferência proferida no 1º. Fórum da Educação Paulista (10 a 12 de agosto de 1983), Marilena Chauí utilizou uma excelente imagem

para descrever a relação professor/aluno na atividade de leitura: o diálogo do aprendiz de natação é com a água, não com o professor, que deverá ser apenas o mediador desse diálogo aprendiz-água. Na leitura, o diálogo do aluno é com o texto. O professor, mera testemunha desse diálogo, é também leitor e sua leitura é apenas uma das leituras possíveis (in Geraldi, 1984).

Segundo Aguiar e Bordini (1987), a riqueza polissêmica literária é que contribui definitivamente para que o leitor possa encontrar o que não é possível ou não sabe experimentar na vida real. Pode-se afirmar, portanto, a presença da função da evasão na Literatura, que tão bem faz ao ser humano.

Ainda, segundo elas, devem ser oferecidos aos alunos livros com temáticas próximas às suas realidades e interesses, que levantem questões significativas para eles.

Com esses conceitos em mente, é necessário que o professor, antes de definir que livro escolher, considere alguns pontos:

• A importância e/ou o tipo de leitor: referências que Hans Robert Jauss chama de horizontes de expectativas e para os quais Regina Zilberman afirma ter que se considerar o ponto de vista social, intelectual, ideológico, lingüístico e literário do educando/leitor. • Segundo Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar, com seu método recepcional, a operacionalização desses horizontes de expectativas se processará nas seguintes etapas: determinação do horizonte de expectativas, atendimento do horizonte de expectativas, ruptura do horizonte de expectativas, questionamento do horizonte de expectativas e, finalmente, ampliação do horizonte de expectativas dos alunos.

• Critérios de seleção dos textos: ao lado da metaleitura (estudo do texto, aspectos literários, organização da língua), deve-se optar por leituras que consigam motivar os jovens para uma finalidade imediata do sentido do texto. O leitor precisa ser enredado de forma tal, que queira ler outros textos, pois, como afirma João Wanderley Geraldi, não existe leitor de um livro só (1985). Para tanto, segundo Geraldi, deve-se oferecer uma grande variedade de títulos, para que analisem e escolham livremente o que irão ler (1984). • O leitor e o espaço: Ainda para Geraldi, não só o professor deve servir de “modelo” para os alunos. Deve-lhes ser oportunizado a familiarização com outros ambientes, tais como bibliotecas escolares, bibliotecas públicas, bem como a troca de livros entre os alunos, entre professores e alunos, aumentando o circuito da leitura (1985). Portanto, faz-se necessário encontrar espaços mais atrativos para a execução da leitura. • Ampliação da possibilidade de leitura a outros leitores: estabelecer um tempo e um espaço em que se propicie a leitura a outros membros da comunidade escolar, tais como: diretores, orientadores, supervisores, funcionários de secretaria, auxiliares de serviços gerais, motoristas dos ônibus escolares, pais, irmãos, e quem mais puder participar dessa atividade. A oralidade, a leitura e a escrita e análise lingüística, como práticas de ensino da Língua Portuguesa, são atividades inseparáveis na vida.

Sendo a escola, ainda, um dos espaços mais importantes na formação de seres humanos capazes de ler e interpretar o mundo, faz-se necessário que o professor consiga se aproximar dos alunos no intuito de ampliar o seu próprio horizonte de leituras e, se possível, expandi-lo a quem o cerca.

A leitura com qualidade, objeto de estudo desse trabalho, é pré-requisito para a melhoria da qualidade de interpretação geral dos alunos.

A ação da leitura compreende o contato do aluno com uma ampla variedade de textos, discursos produzidos numa igualmente ampla variedade de práticas sociais; o desenvolvimento de uma atitude responsiva diante dos textos. Deve ser a familiarização com diferentes textos produzidos: notícias, crônicas, piadas, poemas, artigos, reportagens, ensaios, propagandas, charges, romances, contos; percebendo neles a presença de um sujeito, de uma intenção (SEED, Orientações Curriculares, Departamento de Ensino Médio, 2006).

Segundo as orientações das Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa DCE), da Secretaria de Estado da Educação, cabe ao professor a tarefa ser o mediador de novas estratégias que propiciem ao aluno ler com competência, os mais diversos tipos de textos. A leitura é definida como um processo de produção de sentido, efetivado a partir de interações sociais ou relações dialógicas que ocorrem entre o leitor, o texto e o autor. O leitor deve ser considerado como alguém que possui conhecimentos prévios, o que lhe permite fazer análises e inferências sobre o texto.

Ainda, segundo as DCE, a leitura é um processo em que um texto leva a outro, apontando o leitor como um ser singular, importantíssimo.

O conteúdo estruturante, discurso como prática social, desdobra-se em práticas de oralidade, leitura e escrita.

No que se refere à prática da leitura, o aluno passa a ter um papel ativo, considerado como o responsável por reconstruir o significado do texto.

Assim sendo, prevê-se uma atividade de conscientização de alunos e familiares sobre a importância da leitura significativa, propondo-se, com esse trabalho de pesquisa e aplicação, discutir modelos mais adequados,

que desenvolvam, no estudante, o gosto e/ou o hábito de ler.

Mas o que é hábito? Segundo o Dicionário Aurélio (Ferreira, 2005, p. 446) é “1. Disposição adquirida pela repetição freqüente dum ato, uso, costume.” Duas palavras logo nos saltam à vista: adquirida e freqüente. Logo, não se pode chamar de hábito de leitura um ligeiro namorico com esse ou aquele livro. Da mesma forma, conclui-se que não se nasce com o gene da leitura.

De acordo com Laura Constância Sandroni e Luiz Raul Machado (1987), o hábito da leitura pode e deve ser comparado ao hábito de se alimentar, ou seja, a criança comerá o que a sua família ou grupo social comer. Portanto, a criança desenvolverá um vínculo maior e mais facilmente com o hábito da leitura, se a sua família, seres representativos de seu universo, também assim o fizerem. Dessa forma, os pais que lêem, com certeza terão filhos leitores. O que, segundo eles, preocupa, é que não possuímos muitos pais com o perfil de bons leitores. Logo, a escola é o lugar possível, não o ideal, para incutir na criança ou no jovem o hábito de ler.

Além disso, segundo eles, é primordial incentivar a formação de leitores, obedecendo ao princípio do estímulo ao prazer de ler aliado à busca de estratégias que utilizam recursos adequados à realidade dos alunos.

Portanto, a leitura requer novos posicionamentos em relação às práticas de ensino, seja pela discussão crítica dessas práticas, seja pelo envolvimento direto dos professores na construção dessas possibilidades.

Buscando atingir os objetivos, propuseram-se 5 etapas, assim desenvolvidas:

As atividades de sondagem iniciaram quando a professora, em conversa com os alunos, nas primeiras aulas do ano letivo, percebeu que

todos gostavam de falar sobre seus familiares, sobre seus irmãos, sobre seus avós, sobre si mesmos, determinando, assim, o horizonte de

expectativas dos mesmos. O tema seria esse: histórias do cotidiano das famílias.

Na seqüência, partiu-se para a tentativa de fascinação dos familiares com relação à atividade que seria desenvolvida. Os pais dos alunos foram convidados a participar de uma reunião com a professora proponente e a equipe pedagógica da escola. Surpreendentemente, dos 35 pais de alunos da turma, 30 atenderam ao chamado e vieram à reunião. Uma constatação: 9 pais ou mães de crianças dessa turma, haviam sido, quando estudantes, alunos da professora proponente da experiência, o que estabeleceu um certo vínculo afetivo e de cumplicidade entre eles. Participou, também, como convidada, uma mãe de gêmeos de outra série do colégio, a qual, por ter casado muito cedo, não concluiu os estudos básicos no ensino regular. Essa senhora deu um depoimento sobre a importância da leitura na formação intelectual do ser humano. Quando ela falou, muitos se emocionaram, inclusive ela mesma. Ela contou que depois de ter tido três filhos, conversou com o esposo e ambos resolveram voltar a estudar, terminando o Ensino Médio, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Porém, segundo ela, o fator mais importante para o desenvolvimento de sua capacidade de aprendizagem, era a leitura que ela fazia diariamente. Em sua casa, informou ela, os livros não ficam nas estantes e, sim, espalhados por toda a casa. Dessa forma, em qualquer lugar a que se chegue, eles estão lá, pedindo para serem abertos e lidos. Atualmente, seu filho mais velho cursa Medicina Veterinária e a leitura continua fazendo parte do cotidiano dele. A professora, então, pediu aos pais para que colaborassem com a atividade, lendo com seus filhos. Essa seria a função deles na atividade. O pai de uma aluna posicionou-se

dizendo que, apesar de ter cursado o ensino superior, jamais havia lido um livro e que seria um desafio participar da leitura, juntamente com a filha. Obviamente, nem todos os pais ficaram assim tão entusiasmados com a idéia, sendo que uma mãe chegou a comentar que leitura era função da

escola e não obrigação dos pais. Aqueles que não puderam vir à reunião, telefonaram para saber como seria e se comprometeram a fazer a atividade.

A próxima etapa atenderia aos anseios dos alunos. Assim, no dia seguinte, durante a aula de Português com a turma, a professora levou-os à biblioteca e todos puderam olhar, observar, tomar conhecimento do ambiente, da distribuição dos livros nas estantes, foram orientados sobre os empréstimos e, finalmente, cada um pôde escolher um título, dentre os que a professora já havia deixado separados para eles e levar para casa. Eram, aproximadamente, 50 livros. Todos eles, obviamente, já lidos pela referida educadora. Na aula posterior, vários alunos pediram para trocar o livro, pois a leitura não estava agradando. Isso feito, recomeçaram a ler e na terceira aula, ainda houve dois alunos que resolveram trocar a obra, o que também foi feito.

Todos de posse dos livros, iniciou-se a leitura em família. Cada criança, com seus familiares, fazia a atividade conforme melhor se encaixasse. A cada aula com a turma, a professora, por breves momentos, tecia comentários, questionava sobre o andamento da leitura e oportunizava a alguns para que se manifestassem a respeito. Houve, alguns, que até vieram pedir auxílio para entender alguma palavra ou algum trecho da história.

Ao final de um mês, era hora de perceber os efeitos. Os pais vieram para nova reunião e se posicionaram a respeito da atividade. A maioria compareceu e afirmou ter lido o livro, fazendo, inclusive, comentários sobre o mesmo. Apenas a mãe citada anteriormente como sendo contra a experiência, afirmou que ela não tinha tempo para isso e que leitura é algo cansativo, que ela dorme quando tem de ler. Outros, no entanto, sentiram-se muito bem acompanhando os filhos e houve, até,

quem percebesse dificuldades de leitura do filho ou filha, bem como de interpretação de idéias e fatos dos livros. Pôde-se observar, com isso, que

grande número de pais praticamente não acompanhava o desenvolvimento escolar dos filhos, pois pensavam que isso não era função deles, que isso era tarefa exclusiva do professor. Os pareceres deles foram anotados e a reunião, encerrada.

Após os pais, os alunos também foram ouvidos. Em sala de aula, eles foram questionados a respeito do processo. Receberam uma folha com vários questionamentos, como: nome do livro, quem havia acompanhado a leitura em casa, como e em que horário isso era feito, qual a passagem da história que mais havia chamado atenção, se houve alguma modificação na rotina da casa, qual foi a sensação que ele(a) sentiu ao fazer essa leitura com a família e se havia considerado a atividade proveitosa. As respostas de todos foram interessantes, que, pelo menos um familiar havia acompanhado a leitura, que a maioria lia à noite, que haviam se sentido muito bem lendo em família e que havia valido à pena.

Todos questionados e ouvidos, pôde-se passar à potencialização. Essa etapa, a professora iniciou com o conto O bisavô e a dentadura, de Sylvia Orthof. Para as anotações acerca da atividade, ela disponibilizou um caderno, o qual ia sendo levado, a cada dia, por um aluno, juntamente com

o exemplar do livro (Literatura em minha casa, Quem conta um conto , vol. 2, FTD, distribuído às escolas pelo Ministério da Educação) em que estava o conto, a partir da página 54. Os alunos levavam o livro, liam em família e anotavam suas impressões no caderninho. Dia seguinte, entregavam ao colega, o qual seguia a mesma rotina. Depois de todos terem lido o conto, eles tiveram como tarefa de casa conversar com os familiares mais velhos, para constatar se, na família deles, havia acontecido algo parecido ou alguma história engraçada que pudesse ser relatada. Considerando o texto lido, todos trouxeram esses “causos” para relatar. Passou-se, então, à atividade escrita. Os alunos escreveram suas

histórias, a professora as recolheu, leu, fez anotações, sugeriu

modificações, correções e as devolveu a todos. Isso feito, todos passaram à atividade de reescrita do texto, com nova leitura pela professora e acabamento de texto pelos alunos. Só então, quem quis, a maioria, leu em voz alta aos colegas, as histórias ocorridas em sua família. Todos perceberam que fatos engraçados podem ocorrer com qualquer pessoa e em qualquer casa e se divertiram muito, ouvindo seus colegas.

Como texto para a continuidade dessa etapa, os alunos levaram para ler, com seus familiares, Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. Após o término da leitura, em sala de aula, os alunos fizeram uma atividade sobre a história, comparando os fatos do livro com o que eles também vivenciam: se a mãe deles também guarda lembrancinhas de quando eles eram bebês, se eles conheceram seus bisavós, como eles se imaginam como avós ou bisavós no futuro, se haviam entendido o enredo, se eles também já perceberam que há uma diferença entre palavras utilizadas na atualidade e as do passado, entre outras perguntas.

Aponta-se, portanto, a partir dessa proposta, uma didática para o ensino da disciplina de Língua Portuguesa, à qual se propõe a denominação de “Didática de Leitura em Família”, que fica assim sintetizada:

1. Sondagem de possibilidades temáticas: é a primeira etapa, onde o professor, em conversas com seus alunos, estabelecerá qual o tema que, naquele momento, chama atenção da maioria; 2. Enredamento dos familiares: momento em que estes serão conscientizados sobre o seu papel de modelos para seus filhos, além de tomarem conhecimento do tema e se comprometerem a participar; 3. Atendimento: hora em que os alunos tomarão conhecimento do espaço da biblioteca, analisarão livros e selecionarão o qual vão ler; 4. Percepção dos efeitos: momento em que pais e alunos poderão se expressar, dando suas colaborações, suas interpretações, seus sentimentos acerca dos textos lidos e das atividades como um todo;

5. Potencialização: como a última etapa, é a ocasião em que se pode estimular a leitura de outras obras com o mesmo tema, para, ao final, se perceber se a prática possibilitou o crescimento intelectual dos alunos, bem como de seus familiares. Dessa forma, pode-se perceber que essa proposta está permeada pelas teorias dos diversos educadores citados anteriormente.

Para o desenvolvimento das atividades, foram utilizados, aproximadamente, cinqüenta títulos de livros infanto-juvenis, os quais foram julgados adequados à idade e correspondentes às expectativas dos alunos envolvidos.

Um recurso, não-material, foi uma grande tentativa de persuasão, de sedução para a leitura. Sempre que se fazia referência à leitura, às obras em questão, era necessário e de suma importância que a emoção brotasse, os olhos brilhassem de contentamento. Outra forma de valorização da leitura, foi realizar as atividades sempre desvinculadas de notas, ou seja, as respostas não eram dadas para se atribuir um valor, apesar de o nosso sistema educacional ser baseado em nota para aprovação.

Com o desenvolvimento das atividades e com os resultados expressos por pais e alunos, pode-se considerar que há, sim, formas de envolver crianças e seus familiares na prática da leitura prazerosa e significativa. Além disso, pode-se perceber que a leitura é uma excelente forma de socialização de conhecimento, em que o aluno, leitor, possui um papel ativo, ou seja, é responsável por construir e reconstruir o sentido do texto.

Recomenda-se que os familiares e os professores dos educandos sirvam de exemplos a estes, lendo em sua presença sempre que possível. Com isso, eles perceberão a importância da leitura na sua formação. Além disso, é importante que se façam comentários a respeito do que se leu, que pode ser uma obra literária, um texto jornalístico, instrucional,

informativo, um informe publicitário, uma charge, uma piada, pois isso poderá despertar nos educandos o desejo de também se informarem. Deve-se, também, oportunizar a eles a possibilidade de se manifestarem oralmente a respeito do que leram, valorizando o seu desempenho.

Obviamente, as atividades aqui descritas não podem ser consideradas como a solução definitiva, mas como uma possibilidade de se envolver os educandos em práticas estimulativas de leitura.

Percebe-se que, apesar de as previsões, com o avanço tecnológico a que chegaram as sociedades industrializadas modernas, terem apostado no fim do livro, este permaneceu como veículo de informação e formação, ou seja, a tecnologia não o substituiu. Aliás, a relação do leitor com o livro reflete uma estado passional, que resulta em bem-estar e conhecimento.

Finalmente, esse não é um trabalho pronto, acabado. É, antes, apenas a conclusão de uma etapa. Em conversa com os alunos, eles já manifestaram vontade de que a próxima atividade gire em torno de contação de piadas ou declamação de poemas. Portanto, é um eterno sondar, enredar, atender, perceber efeitos e potencializar que, com certeza, apontam para significados diferenciados na eterna batalha pela conquista de novos e competentes leitores.

A professora proponente pretende acompanhar, uma vez que sua posição na escola lhe permite isso, esses alunos, até que essa turma chegue à 3ª série do Ensino Médio. Então, poderá ser feita nova análise, na expectativa de que eles demonstrem terem-se tornado leitores no total sentido da palavra. No momento, sente-se que esses educandos, juntamente com seus familiares, já estão com novos posicionamentos, diferentes posturas com respeito à leitura, o que já significa um grande progresso didático.

REFERÊNCIAS

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DEMO, Pedro. Leitores para sempre. Porto Alegre : Mediação, 2006.

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