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Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

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Page 1: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Elementos para a leitura dos textos filosóficos

Frédéric Cossuta

Page 2: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Capítulo II – Os conceitos filosóficos

• A filosofia procede por conceitos.

• Porém, é preciso evitar a ilusão do positivismo lógico, que pretendia construir uma linguagem ideal sobre o modelo da lógica formal.

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O conceito é um intermediário entre o vivido e o abstrato

• A filosofia é reexame e redefinição de conceitos.

• Os conceitos não são dados, mas construídos.

• Esta elaboração constitui uma parte importante da atividade filosófica.

• É preciso, portanto, analisar o movimento que instala os conceitos fundamentais de uma teoria.

Page 4: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Não há uma língua filosófica, mas um uso filosófico da língua

• A filosofia constitui o seu próprio vocabulário, apropriando-se das categorias oferecidas pela língua natural.

• Em uma filosofia unidades de sentido são fixadas, ligadas, hierarquizadas, constituindo um universo de significação autônomo, na medida em que obedece a regras rigorosas de coerência interna.

Page 5: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• Uma densa rede de categorias tende a produzir um quadro de inteligibilidade do real.

• O conceito não é apenas uma entidade assinalável através de um vocábulo, mas exerce uma função de organização da ordem interna do discurso. Confere unidade ao discurso em suas reaparições.

Page 6: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Análise da forma como esta função é elaborada nos textos filosóficos:

• A construção da função conceitual é um processo de instauração de sentido, ou seja:

a) Um conceito não é dado previamente a uma filosofia;

b) Os conceitos não são isolados, mas forma um sistema de relações e remissões;

c) A significação do conceito se constrói pela relação entre os diversos contextos discursivos em que ele é empregado;

Page 7: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

d) O sistema filosófico como um todo delimita o sentido dos conceitos;

e) Este sistema forma o ‘campo conceitual’ de uma filosofia;

f) É o conceito que faz o sistema, mas é também o sistema que faz o conceito (p. 65).

Page 8: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Semântica Conceitual:

• É preciso distinguir o uso de um conceito das operações explícitas de determinação de seu sentido.

• O conjunto destas operações através das quais o filósofo deliberadamente explicita a significação das expressões que ele emprega denomina-se ‘semântica conceitual’.

Page 9: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Nessas operações, o núcleo definicional deve conter:

• O termo significante (escolha do termo, fixação do significante);

• O sentido (diferenciação entre conceitos, relações entre conceitos; características ou traços definicionais; reintrodução do conceitos em contextos discursivos diversos);

• A referência (elemento extralingüístico, exemplo, caso particular).

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Podem ser acrescidas, ainda:

a) Explicitações metassemânticas: argumentos ou comentários externos ao conceito, mas que incidem sobre a justificação e o esclarecimento do uso do termo significante;

b) Explicitações metatextuais: comentários, no texto, que ajudem a elucidar o próprio texto onde são feitos esclarecimentos sobre o uso ou o significado dos conceitos.

Page 11: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Conseqüências filosóficas:

• O filósofo deverá elucidar filosoficamente seu próprio uso da linguagem.

• Os procedimentos de instauração de sentido são fundamentais na elaboração de uma doutrina.

• As escolhas definicionais não são arbitrárias. Devem ser justificadas.

Page 12: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• A justificação do próprio processo definicional, ou seja, a definição de definição ou as condições de definibilidade podem ser feitas em algum momento da obra de um filósofo.

• As preocupações que concernem à significação conceitual não são externas à atividade filosófica, mas desempenham um papel fundamental na constituição de um universo de significação autônomo.

Page 13: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

A semantização conceitual e a exploração das virtualidades da língua:

• Cada filosofia, de algum modo, reinventa a linguagem.

• Porém, o faz a partir da língua natural e deverá manter esta relação com a língua natural para o seu entendimento – isto é, há uma dimensão pedagógica do conceito.

Page 14: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• Substantivação: A constituição de conceitos pressupõe um mecanismo que permite submeter todas as formas à categoria nominal.

• Exemplos:

ser – o ser – o ser no mundo...

Aqui – o aqui – o ser-aqui...

O mundo – a mundanidade...

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• Essa operação substantivante, tendo por vocação acentuar o movimento dos ‘existentes’ apreendendo-os através de suas formas originais, é a mesma que utiliza toda a tradição filosófica desde Platão para, ao contrário, ‘substantificar’, imobilizar as flutuações do devir sob categorias nominais.

• É um procedimento que permite fixar objetos-de-pensamento mediante uma forma lingüística.

Page 16: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• Embora remetendo a objetos denotados, a conceitualização categoriza propriedades que são atribuídas apenas indiretamente a objetos do mundo.

• Embora constitua um universo autônomo de significação onde a referência ao mundo deve ser posta entre parênteses, há o paradoxo de que os conceitos devem ser relacionados com o vivido.

Page 17: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

O conceito como função:

• Um conceito categoriza o real ou o ser integrando-os no domínio do dizível.

• O conceito não é uma palavra, nem a coisa, nem a sua relação, como também não é a imagem mental que lhe está associada. Ele é um objeto do pensamento construído dentro da ordem da representação, pela qual tentamos reatribuir, de forma unívoca e explícita, a significação que queremos dar às palavras, às coisas e à sua relação.

Page 18: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• Instauração e devir conceitual - Se uma das tarefas filosóficas essenciais consiste em proceder à conceitualização, é preciso considerar que uma outra parte desta tarefa consiste em retrabalhar o sistema de conceitos atribuindo-lhe novas propriedades ou reelaborando os elementos que o definem.

Page 19: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• O estatuto dos conceitos em um texto filosófico supõe portanto a análise das operações pelas quais o filósofo explicita a relação entre termo significante, sentido e referência.

• Este trabalho de definição, de escolha de termos e das regras de uso, que instaura a conceitualidade de uma doutrina, constitui a semântica filosófica.

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• Definir um conceito consiste, portanto, em fixar sentido, referência, produzir suas relações e fornecer as regras que permitam sua reutilização. Ela deve:

a) Identificar o conceito e dar-lhe um ‘nome’;

b) Explicitar as propriedades do termo;c) Descrever um exemplo ou exposição

dos elementos denotados.

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• O núcleo de uma definição contém seus constituintes mínimos. Pode ser determinada através de uma ‘cláusula definicional’, como em Espinosa (p.54).

• A expansão de uma definição explicita ou enriquece este núcleo.

• Uma expansão pode dizer respeito à conveniência de um nome para o conceito ou: a) fornecendo exemplos; b) elaborando paráfrases que explicitem a referência e o sentido.

Page 22: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

As definições:

• Têm uma função ‘estabilizadora’ em uma doutrina;

• Articulam ‘sentido’ e ‘referência’;

• Geram o campo conceitual de uma doutrina.

Page 23: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Porém:

• Embora o conceito esteja definido em algum lugar preciso de uma doutrina, ele se vê perpetuamente enriquecido no decorrer de suas utilizações, ao ponto de ser o sistema inteiro que constitui seu contexto de definição.

• Nada limita o enriquecimento da sua significação.

• Portanto, o conceito é mais que o fixado, mas consiste em uma função que coordena sentido, termo e referência, na multiplicidade de seus empregos e no desenvolvimento do seu uso.

Page 24: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

Assim:

• Pelo seu sucessivo enriquecimento, obtém-se duas formas de estruturação dos conceitos: a) pelas relações entre conceitos; b) pela hierarquização de conceitos.

• Estas duas formas de expansão e estruturação, presentes no texto filosófico, permitem ao mesmo um andamento interno em que o universo de sentido se desdobra sobre si mesmo.

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Da língua ao conceito:

• A língua natural não constitui não apenas o veículo, mas um meio dotado de autonomia e vida própria, dentro da qual o filósofo tenta abrir um caminho em direção ao conceito.

• Portanto, uma filosofia depende menos do vocabulário que ela emprega do que da maneira como o pensamento procede para produzir sentido.

Page 26: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• Campo nocional – é o conjunto de terminologia preexistente à doutrina; são expressões semiconceitualizadas, extraídas de um uso exterior à doutrina de um filósofo.

• Campo conceitual – é formado pela integração da terminologia numa totalidade sistemática.

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• Na construção do campo conceitual podem ocorrer substantivações, construção de neologismos, recorrência às etimologias, metaforizações, dentre outros processos (vide, também, p. 64-65). Além disso, todos os recursos da língua comum podem ser utilizados.

• Não há conceito fora de um processo de pensamento.

Page 28: Elementos para a leitura dos textos filosóficos Frédéric Cossuta

• O campo conceitual não visa diretamente ao ‘real’, mas constrói uma representação ‘ideal’ ou intelectual dele.

• A filosofia se caracteriza pela auto-explicação de suas categorias semânticas (onde, inclusive, as relações entre conceitos podem se tornar também conceitos; e onde o conceito de conceito se define internamente à doutrina).

• Ela própria está, enquanto objeto do mundo, sujeita ao esquema conceitual que ela organiza.