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ELABORAÇÃO DE AVALIAÇÃO ESCOLAR DE LÍNGUA PORTUGUESA SOB O VIÉS DAS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES YONEYAMA, Mayara Nobuei Segantini – PUCPR [email protected] Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Nos últimos anos, com o fortalecimento do ENEM, do SAEB e do PISA, a avaliação escolar tornou-se mais complexa, por isso, essa pesquisa visa investigar como as avaliações escolares têm acompanhado essa tendência, analisando como foram elaboradas algumas questões de uma avaliação escolar de língua portuguesa, coletada no ano de 2009, em uma instituição de ensino particular de Curitiba, considerando o viés das competências e habilidades. Para isso, é verificado se essas questões avaliam as competências e habilidades, elencadas na Matriz de Referência para o ENEM (2009). Primeiramente, é apresentado esse conceito, em um âmbito geral, considerando os estudos de Luckesi (2006), Machado (2002), Perronoud (1999) e Macedo (2008). Em um segundo momento, são expostas as competências no campo da linguagem, para as quais se utilizou as pesquisas de Antunes (2008), Jurado & Rojo (2006) e Kleiman (2006). E após isso, são analisadas as questões que compõe o corpus dessa pesquisa, observando-se esses aspectos, de clareza na elaboração, de adequação ao ensino de língua materna e de enquadramento nas competências e habilidades presentes na Matriz de Referência para o ENEM (2009). Com essa investigação, constatou-se que a maior parte das questões selecionadas avaliam habilidades presentes na Matriz de Referência para ENEM (2009) e auxiliam no ensino de língua materna, ainda que algumas delas possam induzir ao erro. Nesse sentido, essa pesquisa pretende contribuir para a reflexão sobre a importância da elaboração das avaliações escolares, já que elas contribuem significativamente para o ensino- aprendizagem, ao mostrarem ao professor o que já foi aprendido e o que precisa ser retomado, direcionando sua prática docente. Palavras-chave: Avaliação escolar. Competências e habilidades. Língua materna. Introdução A pesquisa descrita neste artigo surgiu de um trabalho de conclusão de curso e pretende apresentar em resumo a investigação sobre a elaboração de avaliações escolares de

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ELABORAÇÃO DE AVALIAÇÃO ESCOLAR DE LÍNGUA

PORTUGUESA SOB O VIÉS DAS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

YONEYAMA, Mayara Nobuei Segantini – PUCPR

[email protected]

Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo Nos últimos anos, com o fortalecimento do ENEM, do SAEB e do PISA, a avaliação escolar tornou-se mais complexa, por isso, essa pesquisa visa investigar como as avaliações escolares têm acompanhado essa tendência, analisando como foram elaboradas algumas questões de uma avaliação escolar de língua portuguesa, coletada no ano de 2009, em uma instituição de ensino particular de Curitiba, considerando o viés das competências e habilidades. Para isso, é verificado se essas questões avaliam as competências e habilidades, elencadas na Matriz de Referência para o ENEM (2009). Primeiramente, é apresentado esse conceito, em um âmbito geral, considerando os estudos de Luckesi (2006), Machado (2002), Perronoud (1999) e Macedo (2008). Em um segundo momento, são expostas as competências no campo da linguagem, para as quais se utilizou as pesquisas de Antunes (2008), Jurado & Rojo (2006) e Kleiman (2006). E após isso, são analisadas as questões que compõe o corpus dessa pesquisa, observando-se esses aspectos, de clareza na elaboração, de adequação ao ensino de língua materna e de enquadramento nas competências e habilidades presentes na Matriz de Referência para o ENEM (2009). Com essa investigação, constatou-se que a maior parte das questões selecionadas avaliam habilidades presentes na Matriz de Referência para ENEM (2009) e auxiliam no ensino de língua materna, ainda que algumas delas possam induzir ao erro. Nesse sentido, essa pesquisa pretende contribuir para a reflexão sobre a importância da elaboração das avaliações escolares, já que elas contribuem significativamente para o ensino-aprendizagem, ao mostrarem ao professor o que já foi aprendido e o que precisa ser retomado, direcionando sua prática docente.

Palavras-chave: Avaliação escolar. Competências e habilidades. Língua materna.

Introdução

A pesquisa descrita neste artigo surgiu de um trabalho de conclusão de curso e

pretende apresentar em resumo a investigação sobre a elaboração de avaliações escolares de

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língua portuguesa, sob o viés das competências e habilidades, tão em voga nos últimos anos

devido ao surgimento do ENEM.

Como corpus para a pesquisa utilizou-se quatro provas coletadas em uma instituição

de ensino particular da cidade de Curitiba e este artigo trará a descrição de algumas questões

de uma dessas provas, sobre como se avaliaram as habilidades em cada questão e quais

conteúdos foram trabalhados. A partir disso, considerar-se-ão as consequências que isso

acarreta à aprendizagem e ao ensino de língua materna. Cabe mencionar ainda, que se

escolheu analisar a transposição das habilidades pertencentes à Matriz de Referência para o

ENEM 2009 para as questões, devido ao fato de que a instituição de ensino está preparando

os alunos, no término da Educação Básica, para a realização do ENEM. Além disso, é

importante destacar a dificuldade exigida para essa transposição, visto que a abordagem das

competências e habilidades é recente e os professores ainda não se habituaram a essa nova

forma de trabalho, pouco mudando o enfoque tradicional baseado nos conteúdos e no nível de

conhecimento.

Ademais, a prova que será analisada, apresenta tanto questões objetivas quanto

discursivas, e, nesse sentido, serão investigadas, também, algumas implicações relacionadas à

má formulação, tais como a clareza e a objetividade dos enunciados. Com base nesses fatos,

será possível entender a aplicação da avaliação por meio de habilidades e competências.

Desse modo, pretende-se fazer uma análise de caráter qualitativo, sobre as competências e

habilidades, cuja escolha se dá pela relevância que essa nova abordagem traz para o ensino-

aprendizagem. Essas competências e habilidades são organizadas em uma matriz de

referência para nortear a elaboração de avaliações nacionais externas, como o ENEM e o

SAEB.

Inicialmente, cabe uma revisão bibliográfica dos principais conceitos referentes a esse

aspecto.

O conceito de competências e habilidades

Para Perrenoud (1999, p. 7) competência é “uma capacidade de agir eficazmente em

um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. Em

outras palavras, para o desenvolvimento de uma competência, é necessário os procedimentos

de utilização, integração e mobilização de recursos cognitivos. Como, por exemplo, o

conhecimento, partindo desde os mais elementares até aos mais complexos, em que o

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indivíduo ultrapassa tais conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação e de sua

vivência. O autor, também, elucida que, apesar de conhecimento e competência serem

complementares, apenas a transmissão de conhecimentos não contribui para a construção de

uma competência, na qual, fundamentalmente, é preciso que haja mobilização. Entretanto,

para isso, é imprescindível que se tenha tempo. A quantidade de conhecimentos pertencentes

ao currículo, por sua vez, não permite que isso se torne possível.

O professor, ao optar por construir competências, precisa deixar de ser um mero

transmissor de informações, passando a mediar e a propor situações-problema para que haja

um ambiente favorável ao desenvolvimento delas. Essa transformação precisa também ocorrer

na organização da gestão escolar, como explicitado pelo autor. Por isso, essa escolha

influencia, igualmente, a avaliação, já que é mais fácil avaliar conhecimentos do que

competências (PERRENOUD, 1999, p. 16). A partir disso, identificar-se-á qual dessas

alternativas se reflete nas avaliações que constituem o corpus analisado nesta pesquisa.

O ensino por meio do desenvolvimento de competências atualmente está em voga,

porém até que ponto ele se faz presente na realidade das escolas brasileiras?

Machado (2002) aborda que, décadas atrás, a organização da escola, desde o currículo

até a carga horária, era voltada para o ensino de disciplinas, as quais seriam responsáveis pela

aprendizagem; elas deveriam preparar o aluno que chegasse ao fim da Educação Básica para a

aprovação no vestibular. Nos últimos anos, no entanto, com a reforma do Ensino Médio e o

ENEM trouxe-se à tona questionamentos sobre essa organização do trabalho docente

eclodindo então uma crise, que perdura já há algum tempo. O autor expõe ainda, que o

crescimento dessa alternativa tem causado desentendimentos sobre o tema, pois ao se optar

pela organização escolar por meio de competências, deve-se deixar de lado as disciplinas. Ao

contrário, a escola é, e continuará sendo, disciplinar, do modo que o que se deve alterar é a

reconfiguração dos espaços e do tempo do trabalho escolar, para que se “revitalize os

significados dos currículos como mapas do conhecimento que se busca, da formação pessoal

como a constituição de um amplo espectro de competências...” (MACHADO, 2002, p. 139)

Ainda sobre a definição de competência e habilidade, Macedo (2005) propõe três

formas para o entendimento de competência, as quais se “referem a dimensões diferentes e

complementares de uma mesma realidade”: i) como condição prévia do sujeito, herdada ou

adquirida, que pode ser entendida ou como talento herdado ou como a apreensão de uma

capacidade; ii) como condição do objeto, independente do sujeito que o utiliza, nesse caso,

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considera-se apenas a máquina e o objeto do sujeito que o usa; iii) relacional, a qual depende

da forma com que se relacionam os fatores exigidos para a realização de uma tarefa. E

destaca, também, que competência é “uma habilidade de modo geral”, e habilidade é “uma

competência de ordem particular, específica”. De modo que, para um indivíduo ser

competente ele precisa ter uma série de habilidade, porém, ser competente não diz respeito a

apenas a soma de habilidades. (MACEDO, 2005, p. 20)

A propósito da avaliação, Macedo (2002) aborda que em questões de múltipla escolha,

o aluno deve, por exemplo, ter as competências de leitura, comparação, raciocínio, para que

analise qual das alternativas corresponde corretamente ao que fora proposto no enunciado. Ao

elaborar o texto de uma questão o professor, utilizando-se dos seus conhecimentos, leva em

conta os objetivos e os meios que se buscam com essa avaliação. Sendo que, “uma boa

questão deve propor um percurso entre uma situação de partida, que corresponde à proposição

do enunciado, até um ponto de chegada, que corresponde à escolha da alternativa, suposta

pelo avaliado como a que melhor representa a resposta correta.” (MACEDO, 2002, p. 122)

As competências relacionadas ao campo da linguagem

No âmbito das competências relacionadas ao campo da linguagem, a escola precisa

trabalhar com quatro práticas linguísticas: a leitura, a escrita, a oralidade e a análise

linguística. A partir disso, neste artigo serão consideradas as práticas sociais de leitura, já que

as provas analisadas visam, teoricamente, medir o grau de letramento do aluno. E ainda,

porque os sistemas de avaliação como o ENEM e o SAEB, têm a prática leitora como foco

para a avaliação.

Sobre a leitura, é importante considerá-la como “uma atividade de interação entre

sujeitos e que supõe muito mais que a simples decodificação dos sinais gráficos”

(ANTUNES, 2008, p. 67), para que se tenha uma transformação no ensino de língua materna.

Ou seja, a leitura não é apenas ação mecânica de decodificação do que está no texto e sim um

ato interlocutivo, como abordam Jurado e Rojo (2006), as quais explicam que, no ensino da

língua, deve haver o desenvolvimento de capacidades como:

Saber avaliar e interpretar os textos representativos das diferentes manifestações da linguagem; saber julgar, confrontar, defender e explicar as suas ideias, de modo a tomar uma posição consciente em relação ao ato interlocutivo, que, no contexto do ensino de leitura, é a situação de leitura do texto. (JURADO; ROJO, 2006, p. 39)

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A partir disso, as autoras expõem que o discente precisa construir sua competência

investigativa e compreensiva, para que desenvolva essas capacidades. Sendo que, em contato

com os textos, isso implica saber refletir sobre os usos da língua, analisando os elementos

responsáveis por esses usos e pelas formas de dizer – “o contexto, os interlocutores, os

gêneros discursivos, os recursos utilizados pelos interlocutores para dizer o dito e não dito”

(JURADO; ROJO, 2006, p. 39). Aborda-se, ainda, que confluentes com essas capacidades, o

aluno precisa também, ter a competência de contextualizar, socioculturalmente, os textos que

lhe são oferecidos, isto é, precisa ser capaz de reconhecer os enunciados e compreendê-los

como um produto sociocultural dos contextos de uso. Assim, é preciso formar leitores capazes

de analisar criticamente acontecimentos sociais e políticos presentes na sociedade. Sobre

esses aspectos, esta pesquisa analisará se as provas medem essas competências, se consideram

esses usos sociais da linguagem.

Antunes (2008) aborda que a atividade de leitura é complementar à de escrita, e que,

por esse aspecto, caracteriza-se como atividade de interação entre sujeitos. Nesse sentido, o

leitor é um dos sujeitos da interação, pois ele precisa estabelecer significações sobre o texto,

para isso, é necessário que se tenha conhecimentos prévios, os quais não se limitam

unicamente a conhecimentos linguísticos. Além de que a autora expõe que a leitura: a)

favorece a ampliação dos repertórios de informação do leitor; b) possibilita a experiência

gratuita do prazer estético; c) permite compreender as especificidades da modalidade escrita,

entre outros.

Para tanto, Kleiman (2006) aborda que as práticas escolares de uso da escrita devem

desenvolver as competências básicas de comunicar, representar, investigar, compreender e

contextualizar, estabelecidas nos PCNEM e nos PCN+. Nesse sentido, segundo as Diretrizes

Curriculares da Educação Básica, “praticar a leitura em diferentes contextos requer que se

compreendam as esferas discursivas em que os textos são produzidos e circulam, bem como

se reconheçam as intenções e os interlocutores do discurso.” (BRASIL, 2008, p. 57)

Dessa forma, como explicado, a leitura ultrapassa a decodificação do código e implica

competências, como compreender diferentes linguagens, analisando-as e agindo, por meio

delas, na sociedade. Com base nessas exposições, será investigada a maneira como se trata a

leitura na avaliação selecionada.

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Descrição e análise dos dados sob a perspectiva da Matriz de Referência para o Enem

2009 e dos aspectos linguísticos discursivos da língua

Após as exposições sobre as competências e habilidades e as competências

relacionadas ao campo da linguagem, neste artigo, será descrito e analisado como ocorreu o

trabalho com os conteúdos de língua portuguesa e o tratamento dado às competências e

habilidades presentes na Matriz de Referência de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

para o ENEM (2009), em uma prova de língua portuguesa para o 3° ano do Ensino Médio,

coletada em uma instituição de ensino particular de Curitiba no ano de 2009, composta por

dez questões, incluindo-se tanto questões objetivas quanto discursivas. Neste artigo serão

analisadas 6 dessas 10 questões.

Na primeira questão analisada, há um cartoon que tem com tema os costumes sociais

que envolvem as campanhas eleitorais no Brasil. Em (1), solicita-se que o educando indique

qual das alternativas emprega o recurso linguístico responsável pelo efeito de humor.

(1) Dos recursos linguísticos presentes nos quadrinhos, o que contribui de modo mais decisivo para o efeito de humor é a: a) pergunta que está subentendida no primeiro quadrinho. b) primeira fala do primeiro quadrinho. c) falta de sentido do diálogo entre candidato e cabo eleitoral. d) utilização de “Fulano”, “Beltrano’ e “Sicrano” como nomes próprios. f) ambiguidade que ocorre no uso da expressão “pelas costas”.

Figura 1 – Cartoon

Fonte: Avaliação escolar analisada, 2009

Na questão (1), pode-se notar a aplicação da habilidade 21 (H21): “reconhecer em

textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de

criar e mudar comportamentos e hábitos”. Em outras palavras, no cartoon, há um recurso

linguístico cujo objetivo é causar humor e despertar a reflexão sobre o comportamento

brasileiro em meio a campanhas eleitorais. Questões como essa, que retratam a aplicabilidade

da língua, são muito importantes para o ensino, uma vez que tomam a língua como atividade

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interacional e como atuação social. Com relação à resposta certa, essa deveria ser o item “e”,

no entanto, emprega-se equivocadamente o termo “ambiguidade”, visto que a polissemia da

expressão “pelas costas” causa humor: no primeiro quadrinho, o personagem refere-se ao

sentido denotativo, enquanto que, no segundo, o outro personagem entende pelo sentido

literal, conotativo. Portanto, o termo correto, na alternativa “e”, seria “polissemia”. Além

disso, há também outro item com informações verdadeiras: a alternativa “d”, podendo-se

induzir ao erro.

A questão (2) é composta por dois itens abertos:

(2) Examine a tirinha e responda ao que se pede.

a) O sentido do texto se faz com base na polissemia de uma palavra. Identifique essa palavra e explique por que a indicou. b) A tirinha visa produzir não só efeito humorístico mas também efeito crítico. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta.

Figura 2

Fonte: Avaliação escolar analisada, 2009

Assim como na questão anterior, na letra “a)”, de modo parcial, também há a

ocorrência da H21, pois é preciso que o discente reconheça a palavra polissêmica presente nos

quadrinhos e explique a escolha. Já, na letra “b)”, há a avaliação da habilidade 23 (H23):

“Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela

análise dos procedimentos argumentativos utilizados”. Dizendo de outra forma, a questão

pretende avaliar a finalidade do gênero textual tirinha. Entretanto, o enunciado está mal

formulado, pois a pergunta “Você concorda com essa afirmação?”, pressupõe respostas

positivas, quanto negativas, visto que considera a opinião pessoal do educando. Porém, a

afirmativa “A tirinha visa produzir não só efeito humorístico mas também efeito crítico” não

admite uma resposta negativa; dessa forma, tem-se aqui mais uma questão cujo o enunciado

pode induzir ao erro.

A questão (3) foi retirada de um exame de vestibular: “(3) (FUVEST – ADAPTADA)

O termo sublinhado no trecho “Senti que ela fruía nisso um prazer silencioso e longo”

apresenta um elemento anafórico de coesão “nisso”. A que ele se refere no texto?”

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No item (3), o aluno precisa compreender a qual termo ou expressão o elemento

anafórico se refere, desse modo, há a avaliação da habilidade 18 (H18): “Identificar os

elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de

textos de diferentes gêneros e tipos”, já que esse recurso coesivo referencial contribui para a

estruturação do texto. Esse tipo de abordagem auxilia na reflexão que o ensino de língua

materna deve promover a respeito dos mecanismos presentes nas línguas, sejam eles

macrotextuais ou microtextuais, como esse, para que ele esteja apto a construir e ler diferentes

gêneros textuais, sendo a coesão referencial fundamental para isso.

Logo após, há uma entrevista da Revista IstoÉ com Robert Weisberg e a questão (4)

que, parcialmente, trabalha com a habilidade 1 (H1): “Identificar as diferentes linguagens e

seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação”,

já que propõe que o aluno assinale a alternativa que melhor exemplifica ou explica a

exposição que faz a respeito da diferenciação do “gênio” em relação às demais pessoas.

Contudo, a questão trabalha unicamente com o processo de interpretação:

ISTOÉ - Quais são os equívocos mais comuns a respeito das pessoas altamente criativas? Weisberg - O primeiro é que apenas um tipo específico de pessoa é criativa, e que ela usa processos mentais diferentes do restante dos seres humanos. Existe um mito de que os gênios usam processos inconscientes para criar suas obras ou têm patologias mentais que contribuem no processo criativo. Isso não é verdade. ISTOÉ - Mas não se pode dizer que são pessoas comuns. Weisberg - As diferenças existem, claro. Picasso, por exemplo. Um aspecto bem distinto dele foi sua produtividade. Ele trabalhava o tempo todo e queria, propositadamente, criar coisas novas. Quase todos nós podemos aprender a desenhar. Não acho que essa habilidade seja o que o diferencia do restante, mas talvez o desejo de produzir algo novo, que afete o mundo. Entrevista de Robert Weisberg concedida a Leoleli Camargo, IstoÉ, nº 2013, página 6, 04/06/08. (4) Ao responder à revista como o entrevistado procura desmistificar a figura do gênio? a) Citando Picasso, porque estudos comprovam que sua herança genética foi responsável pela sai produtividade e versatilidade como artista. b) Mencionando patologias mentais, porque concorda que distúrbios, como a esquizofrenia, são responsáveis pela criatividade dos gênios. c) Considerando pertinente a hipótese de que a criação ocorre pela associação do trabalho constante com o desejo de produzir algo novo. d) Sugerindo a tese de que a criação de coisas novas é uma capacidade comum a todos, sendo raros, porém, aqueles que podem desenhar. e) Levantando hipótese de que os processos mentais beneficiam-se de estimulantes químicos para facilitar o processo criativo.

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O gabarito da questão (4) é a alternativa “c”, pois é a única verdadeira. No entanto, as

demais são plausíveis e poderiam ser possíveis. Cabe destacar ainda, que o professor-autor

omitiu a autoria da questão, visto que em pesquisa na internet, detectou-se que essa questão

pertenceu à prova de vestibular da FUVEST em 2008.

Em seguida, a questão (5) procura avaliar a H26: “Relacionar as variedades

linguísticas a situações específicas de uso social”, esse tipo de abordagem é proveitoso para a

conscientização da adequação de cada variante nas mais diversas situações de uso da língua.

(5) A linguagem publicitária, no intuito de seduzir o potencial comprador do produto anunciado, costuma fazer uso da variante lingüística típica dessa grupo de consumidores. É o que ocorre com o texto que segue, dirigido para a grande massa de vestibulandos de todo o país, jovens dominantemente enquadrados na faixa etária entre 17 e 19 anos.

É massa, brother Brother, dentro dessa nova edição do Vestibular 500 Testes tem tudo para que o próximo vestiba role na maior. (...) Ah, tem lista de livros e uma série de dicas que você precisa ficar por dentro antes de encarar os exames. Vestiba 500 Testes, especial do Guia do Estudante. Desencana, brother. Vestibular agora é manha. Suponha que esse mesmo produto seja endereçado a um segmento de mercado mais sofisticado, como, por exemplo, candidatos ao Concurso de Admissão à carreira diplomática do Instituto Rio Branco. Reescreva o texto, usando a variante culta escrita.

A linguagem do anúncio publicitário está adequada à finalidade, ao objeto e ao público

alvo, para os quais o anúncio foi elaborado. No entanto, é imprópria a transposição que o

professor-autor da prova pede para que aluno faça, pois, a reescrita do anúncio torna-se

inadequada devido ao contexto de uso, já que candidatos ao concurso para a carreira

diplomática não recorreriam à nova edição do Vestibular 500, visto que, o concurso exige

curso completo de graduação e trata de conteúdos mais complexos que os exigidos nos

vestibulares. Desse modo, o intuito da questão é bom, porém a forma como foram trabalhadas

as variantes linguísticas não contempla os reais contextos de uso da língua.

Quanto à questão (6), nota-se a tentativa de se propor uma situação de aplicabilidade

da língua:

(6) Compare os dois trechos que seguem:

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a) A Universidade está estudando formas de punição aos professores do departamento que não mantêm produção científica regular. b) A Universidade está estudando formas de punição aos professores do departamento que não mantém produção científica regular. Suponha que você, dentro dessa Universidade, tenha produção científica regular, mas pertença a um departamento que não tenha a mesma regularidade. Qual dessas versões acima é mais conveniente a você? a ou b? Explique sua resposta.

Pelo comando da questão, as alternativas “a” e “b” devem apresentar uma distinção

semântica, porém, para compreender esse diferencial o aluno precisa perceber que o verbo

“manter” se refere a sujeitos distintos nas duas frases. Em “a” faz referência a “professores” e

em “b” a “departamento”. Essa diferenciação das pessoas gramaticais do sujeito altera a

concordância verbal devido ao emprego do acento. Dessa forma, percebe-se como cada

oração tem significados diferentes, e como o reconhecimento da norma padrão é importante

para a utilização da língua em situações comunicativas. Por isso, essa questão busca avaliar a

habilidade 27 (H27): “reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas

diferentes situações de comunicação”.

As questões (7) e (8) não abordam nenhuma habilidade da Matriz de Referência, uma

vez que para sua resolução, é preciso apenas o conhecimento específico sobre acentuação

conforme o novo acordo ortográfico trabalho. O nível de conhecimento não abrange nenhuma

competência e habilidade, visto que é preciso que haja apenas o processo de evocação de um

determinado conhecimento:

(7) Considerando-se as alterações provenientes do acordo ortográfico, todas as palavras devem ser acentuadas na alternativa: a) pudico, pegada, rubrica, baiúca b) gratuito, avaro, para (verbo), anzois c) abdomen, leem, pebleia, rainha d) magoo, leem, plebeia, rainha e) contribua, atrinuimos, caiste, vem (pl. verbo vir) (8) Com base no novo acordo ortográfico, há erro de acentuação em: a) O repórter havia afirmado que a canoa da República andava órfã. b) Ontem você não pôde vir por água no fogo e souberam disso através dos colegas. c) Rui vem de ônibus, lê o jornal e sempre procura saber o nome dos partidos que retêm o uso do poder. d) Ainda não soube o porquê de sua desistência do vôo de ontem e) “Deus te abençoe” era o grito de para que acalmava a meninada na hora de dormir.

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Cabe enfatizar ainda, que, apesar de serem frases soltas e descontextualizadas,

exercícios como esses também são importantes, pois, no momento, o país vive um período de

adaptação a novas regras propostas pelo acordo ortográfico e talvez seja esse o propósito do

professor-autor da prova. Em síntese, pode-se observar que a maior parte das questões

selecionadas avaliou habilidades, na Matriz de Referência para o ENEM 2009.

Considerações finais

Após as considerações realizadas, é importante ressaltar como as avaliações, muitas

vezes, não cumprem seu objetivo essencial, que é o de encaminhar as práticas docentes, de

modo a favorecer a aprendizagem. As questões que induzem ao erro provocam uma reflexão a

respeito do papel que a avaliação tem dentro da sala de aula. Sobre isso, Luckesi (2006)

elucida que a elaboração das provas é realizada para “provar”, ou então, para “reprovar” os

alunos e não para auxiliá-los em sua aprendizagem. Dessa forma, a avaliação escolar está

voltada apenas para a promoção, sendo que o que importa é a nota. A partir disso, é possível

notar como a avaliação interna da escola, muitas vezes, não promove o feedback para o

professor, pois está centrada apenas na concepção de exclusão. Por isso, este trabalho

investigou a maneira como essas provas foram elaboradas, já que se constitui relevante, não

só para a sociedade, mas também para os professores de língua portuguesa e todos os

profissionais de educação, ao considerar-se que os processos avaliativos podem comprometer

a qualidade da avaliação. Pode-se perceber como a elaboração de instrumentos de avaliação

escolar interna é ainda pouco fundamentada. A escola e as aulas de português devem

promover a formação integral do cidadão, para que esteja apto a atuar na sociedade, a

conhecer e a produzir os mais diferentes gêneros textuais, a ler criticamente as mensagens e

textos que lhe são ofertados, a utilizar a norma padrão, entre outras competências.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Maria Irandé. Aula de português: encontro & interação. 6ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Documento Básico. 2001. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/download/catalogo_dinamico/enem/2001/documento_basico_enem_2001.pdf >. Acesso em: 12 maio 2010.

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