efeitos erosivos observados em campos agrícolas das áreas

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79 Manifestações do Risco Dendrocaustológico Efeitos erosivos observados em campos agrícolas das áreas montanhosas do Centro de Portugal na sequência de incêndios florestais * Introdução De entre os numerosos efeitos surgidos na sequência da destruição da floresta pelos fogos florestais, vamos apenas analisar alguns aspectos de natureza ecológica, relacionados com efeitos erosivos causados em campos agrícolas, situados em áreas montanhosas do Centro de Portugal. Como teremos oportunidade de verificar, as situações que ocorrem com mais frequência, resultam do simples abandono das parcelas agrícolas, enquanto que, as mais graves, embora também decorram desse abandono, devem-se, ainda, a episódios pluviosos particularmente intensos. Nestas condições, os efeitos dependem, sobretudo, da intensidade da precipitação e do tipo de campo sobre que actuam. Quanto a este último aspecto, distinguem-se, fundamentalmente, três tipos de propriedades agrícolas. 1. Tipos de campos agrícolas Quanto à génese, podemos considerar três tipos fundamentais de campos agrícolas que, genericamente, designamos pelos seus nomes populares: cavadas (1) , quelhadas ou quelhórios (2) e varjas ou várzeas (3) . * A Península Ibérica - um espaço em mutação, Actas,VI Colóquio Ibérico de Geografia, Porto, 1995, p. 999-1009. 1 Denominação que deve ter tido origem na principal actividade humana, a cava, que envolve o cultivo deste tipo de campos. 2 Socalcos de terra arável, estreitos e, por vezes, muito compridos. 3 Parcelas planas e relativamente extensas, marginando as principais linhas de água.

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Efeitos erosivos observados em campos agrícolasdas áreas montanhosas do Centro de Portugal na

sequência de incêndios florestais*

Introdução

De entre os numerosos efeitos surgidos na sequência da destruição dafloresta pelos fogos florestais, vamos apenas analisar alguns aspectos denatureza ecológica, relacionados com efeitos erosivos causados em camposagrícolas, situados em áreas montanhosas do Centro de Portugal.

Como teremos oportunidade de verificar, as situações que ocorrem commais frequência, resultam do simples abandono das parcelas agrícolas,enquanto que, as mais graves, embora também decorram desse abandono,devem-se, ainda, a episódios pluviosos particularmente intensos.

Nestas condições, os efeitos dependem, sobretudo, da intensidade daprecipitação e do tipo de campo sobre que actuam. Quanto a este últimoaspecto, distinguem-se, fundamentalmente, três tipos de propriedadesagrícolas.

1. Tipos de campos agrícolas

Quanto à génese, podemos considerar três tipos fundamentais de camposagrícolas que, genericamente, designamos pelos seus nomes populares:cavadas(1), quelhadas ou quelhórios(2) e varjas ou várzeas(3).

* A Península Ibérica - um espaço em mutação, Actas,VI Colóquio Ibérico de Geografia, Porto, 1995,p. 999-1009.

1 Denominação que deve ter tido origem na principal actividade humana, a cava, que envolve o cultivodeste tipo de campos.

2 Socalcos de terra arável, estreitos e, por vezes, muito compridos.3 Parcelas planas e relativamente extensas, marginando as principais linhas de água.

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Os campos do tipo “cavada”, consistem no aproveitamento natural dasvertentes onde o declive é mais suave e onde existia um solo menos pedregosoe mais espesso, formado normalmente sobre depósitos de vertente comcaracterísticas periglaciares.

As “quelhadas” constituem o tipo de campos mais frequente nas áreasmontanhosas, resultando da construção de estreitos patamares de terra arável,escalonados ao longo da vertente, assentes em muros de suporte, feitos depedra solta, e protegidos das águas de escorrência das vertentes, por meio dediques, também de pedra solta, os quais bordejam “valados” cavados na rocha,para receber e conduzir as águas pluviais4.

Muitos destes patamares foram instalados em antigas linhas de água, cujosleitos foram, muitas vezes, desviados para a periferia. Os efeitos erosivosprovocados pela água das chuvas costumam ser mais graves nos campos que,normalmente, se encontram nestas condições.

As “várzeas” consistem, essencialmente, em parcelas alongadas erelativamente extensas, bordejando os principais cursos de água. Para a suaconstrução aproveitaram-se, nos cursos de água mais importantes, osrespectivos leitos de cheia, que se protegeram das enxurradas, através de diquesmarginais de pedra solta (fig. 1-B) e, por vezes, de paredões transversais, paraquebrarem a velocidade e, por conseguinte, o ímpeto da corrente.

Nos vales secundários, ocupam o fundo do vale, tendo sido edificadas aexpensas de robustos muros de suporte transversais ao leito, os quais, nalgunscasos, possuem mais de uma dezena de metros de altura e apresentam, notopo, mais de dois metros de largura. Nestas circunstâncias, para “encanar” oleito das ribeiras, o homem usou, fundamentalmente, três processos, emfunção do declive das vertentes que os definem e dos caudais por eles escoados.

O mais comum, corresponde em regra a vales dissimétricos e consiste naabertura de um canal artificial na bordadura dos campos entretantoconstruídos, os quais eram protegidos das cheias através de diques.

4 Quando a bacia de recepção destes valados é reduzida, o dique de pedra solta é, quase sempre, substítuídopor uma pequena elevação de terra, feita à custa da terra retirada das valas durante a sua construção emantida com os materiais que, todos os anos, ficavam nelas abandonados, e lhes eram retirados duranteas operações de limpeza.

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Normalmente, os campos são construídos na vertente soalheira, quase semprecom menor declive, sendo o canal artificial colocado na base da vertenteumbria, naturalmente menos aproveitada para a agricultura (fig. 1-A).

Menos frequentemente, manteve-se o leito no seu antigo talvegue, salvopequenos acertos de pormenor, em duas circunstâncias. Uma delas, ocorriaquando as vertentes apresentavam declives suaves, excepto nas imediações doleito, onde se verificavam acentuadas rupturas de declive. Nesta situação, oscaudais foram canalizados para galerias subterrâneas, através de extensosaquedutos, deixando irreconhecíveis as antigas linhas de água (fig. 1-C).Outras vezes, quando o declive de ambas as vertentes é muito acentuado, oleito ficou marginado dos dois lados por muros de suporte, suficientementealtos para impedir que mesmo as pontas de cheia mais violentas atingissem oscampos e, também, para que, em função do elevado declive de vertente,pudessem ter largura suficiente para serem cultivados (fg. 1-D).

Os campos pertencentes ao primeiro dos tipos descritos são os maisprimitivos, tendo sido menos trabalhados pelo homem, eram apenas usadospara cultivar centeio, através de um esquema de cultura rotacional, plurianual.

Ao período de cultivo do centeio, seguia-se um outro de absoluto pousio,durante o qual, pouco a pouco, se desenvolvia a vegetação natural característicadas encostas serranas (urze, carqueja, tojo, giesta...). Quando atingia suficientedesenvolvimento, era, de novo, roçada. Entretanto, as raízes das urzes- as torgas - eram arrancadas e aprovitadas para, no próprio local, fazer carvãovegetal. A tudo o resto, folhas e ramos, ateava-se-lhes o fogo, procedendo-se à“queimada”. Nos dias seguintes, sobre as cinzas já frias era lançada a sementedo centeio e enterrada. A “cavada” estava feita. Restava aguardar pelocrescimento do cereal para depois da ceifa, se seguir novo período de pousio.

Esta técnica foi também usada para semear grande parte da floresta deresionosas que, antes da vaga de incêndios, cobria as serras do Centro dePortugal. Com efeito, os agricultores, à medida que pretendiam transformar assuas parcelas agrícolas em áreas florestais, procediam a uma última cavadaonde, além da semente do centeio, também lançavam penisco. Depois da ceifa,os jovens pinheiros bravos prosseguiam o seu lento desenvolvimento, tendoacabado por constituir a maior mancha contínua de pinheiro bravo da Europa,

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como foi amplamente noticiado através dos meios de comunicação social.Os quelhórios eram usados para plantar oliveiras e, sob elas, realizavam-se

culturas de sequeiro. Onde havia água para rega, eram utilizados, como asvárzeas, para praticar culturas de regadio, numa agricultura promíscua,produzindo-se, essencialmente, milho, batata, vinha em corrimão e produtoshortícolas, muitos deles em íntima associação com árvores de fruto.

Dos três tipos de campos descritos, os mais produtivos, porque dispunham deágua em abundância, eram as várzeas. Além disso eram aqueles em que se dispendiamenos esforço. Com efeito, por serem mais extensos e planos, eram os únicos que,muitas vezes, permitiam o recurso a animais domésticos, essencialmente bois, paraauxiliarem na faina agrícola. A sua platitude permitia-lhes, ainda, dispensar certastarefas que eram imprecendíveis nas quelhadas, tais como fazer o cadabulho(5),empalhar(6) e enleirar(7), onde o homem não só teve que criar o solo mas, onde,além disso, todos os anos tinha de lutar arduamente para o conservar.

A acentuada diminuição da população serrana ocorrida nas últimasdécadas, bem como a progressiva alteração da sua estrutura etária, social eprofissional, levou ao abandono de grande parte das terras agrícolas. As cavadasforam o primeiro tipo de campo a sentir os efeitos desta transformação.Seguiram-se-lhes as terras mais afastadas as aldeias e, por fim, até mesmo asfazendas confinantes com as povoações vão sendo abandonadas.

5 Operação que consiste em cavar uma vala, com cerca de meio metro de largura e com 20 a 30 centímetrode profundidade, no sentido do comprimento da quelhada, no lado de menor cota e em transportaressa terra para o lado oposto, de cota mais elevada, onde era depositada. A primeira tarefa era,normalmente das mulheres que transportavam a terra em cestas, à cabeça. Este árduo trabalho, destinava--se a compensar, de certo modo, o transporte de solo efectuado pela água da rega, evitando-se assimque o solo se acumulasse na base da quelhada, ou fosse arrastado para a seguinte, enquanto na partesuperior passava a aflorar a rocha nua.

6 Tarefa que é executada antes da primeira rega e depois da “sacha”, nome que advém de esta operaçãose realizar com um sacho e que tem por finalidade arrancar as plantas daninhas. A “empalha” decorrequando as plantas são ainda jovens e consiste em colocar sobre a terra arável uma certa quantidade dematéria orgânica (caruma, palha, mato) com a finalidade de travar a erosão provocada pela água darega.

7 Denominação dada à primeira rega, feita com um caudal muito reduzido, quer para não ravinar osolo, quer para permitir que toda a matéria orgânica colocada na “empalha” seja agora calcada com ospés e, ao mesmo tempo, com o sacho, à medida que a água vai escorrendo, de modo a que a matériaorgânica penetre ligeiramente no solo, evitando-se assim que a água passe sob ela e arraste o solo.

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Fig. 1- Corte esquemático, simplificado, de vales serranos modificados pelo ser humanopara aproveitamento agrícola.

A - Ilustrando os tipos de campos e de encanamentos dos leitos mais frequentemente usados.1. Cavadas; 2. Quelhadas (A - de sequeiro;B - de regadio); 3. Várzeas; 4. Talvegue antigo;5. Novo álveo artificial; 6. Dique marginal o novo leito; 7. Vinha (A - em corrimão; B - emlatada); 8. Muro de suporte, transversal ao leito; 9. Muros de suporte das quelhadas; 10.Valado; 11. Dique ou elevação de terra; 12. Perfil da vertente antes da intervenção antrópica;

13. Escadas de ligação entre os diferentes patamares.B - Aproveitamento do leito de cheia para construção da “várzea” e encanamento lateral do

curso de água;C - Encanamento subterrâneo, em túnel, com aproveitamento agrícola do vale em toda a sua extensão.D - Encanamento do leito a céu aberto, sem desvio.

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As alterações, entretanto introduzidas pelo homem, no perfil de equilíbriodinâmico das vertentes, essencialmente ao longo do último século, acabampor vir a ser anuladas pelos agentes erosivos, sempre em contínua procura doperfil de equilíbrio dinâmico das vertentes, se o homem, entretanto deixar deas conservar. Essa destruição é particularmente acelerada quando as vertentes,situadas a montante dos campos, ficam sem vegetação, em virtude da suadestruição pelos incêndios florestais.

2. Consequências da falta de vegetação

A destruição da vegetação pelo fogo, deixa as vertentes serranas expostasdirectamente à actuação dos agentes erosivos, em particular à erosão hídrica,facilitando o fortalecimento da sua actuação. O fogo não só destrói a vegetaçãoarbórea, arbustiva e rasteira, mas também consome a manta morta e, muitas vezes,até a própria matéria orgânica do solo, deixando tudo reduzido a cinzas,mineralizado. Algumas das propriedades físicas e químicas do solo, especialmenteaquelas que mais têm a ver com o crescimento da vegetação, são alteradas.Pensemos, por exemplo nas modificações introduzidas na temperatura e nahumidade do solo, ou nos próprios nutrientes, desde os sais minerais à matériaorgânica em decomposição. Do mesmo modo, outras propriedade físicas do solo(textura, porosidade, permeabilidade, estrutura, agregação) que afectam ainfiltração e a movimentação da água no solo e, por conseguinte, a própriaescorrência superficial, são também profundamente alteradas.

Nestas circunstâncias, em função da falta de vegetação que foi destruídapelo fogo e das alterações povocadas a nível do solo, os processos erosivosintensificam-se grandemente:

a) as gotas de água das chuvas passam a embater directamente na superfícietopográfica, no solo, e, por conseguinte, aumenta o efeito de salpico(splash) preparando, como consequência, uma maior quantidade dematerial para ser transportado;

b) a falta de atrito, antes provocado pela vegetação, permite que a velocidade deescoamento superficial da água das chuvas aumente substancialmente;

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c) o aumento de velocidade, por sua vez, provoca a diminuição dainfiltração, a qual, além disso, também dimimui devido à alteração daspropriedades físicas do solo;

d) a diminuição da infiltração faz com que aumente a quantidade de águade escorrência e de escoamento superficial;

e) uma maior quantidade de água disponível à superfície permite aorganização mais rápida da escorrência, passando de laminar e difusa aconcentrada num período de tempo mais curto;

f) em função da mais rápida organização da drenagem, do acréscimo decaudal superficial e da maior velocidade de escoamento, a força viva doescoamento sub-aéreo organizado aumenta substancialmente;

g) maior força viva, determina maior competência de tranporte, logo, podeser transportada uma maior quantidade de carga sólida;

h) existindo maior força viva e maior quantidade de carga sólida, maior é opoder erosivo.

Estão, pois, reunidas as condições para que a erosão aumenteassustadoramente tanto sobre as vertentes, como ao longo dos canais fluviais,sempre que a vegetação é destruída pelo fogo e, em especial, onde os depósitosde cobertura, constituídos por materiais mais finos, são mais espessos e, ainda,quando as precipitações são mais intensas.

Como muitas das vertentes foram aproveitadas pelo ser humano para nelasconstruir campos agrícolas, vejamos alguns dos efeitos erosivos causados pelasmodificações introduzidas ao equilíbrios dessas vertentes.

3. Efeitos erosivos em campos agrícolas

A gravidade dos efeitos erosivos produzidos na sequência de incêndiosflorestais têm a ver com o tipo de campo e com o tempo e estado de abandono.

Em circunstâncias normais, apenas os campos que foram usados paracavadas, abandonadas há mais tempo e menos trabalhados pelo homem, logo,menos protegidos, sofrem sistematicamente, quando desprovidos devegetação, os efeitos erosivos da água das chuvas (fot. 1). Os outros tipos de

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campos são afectados com muito menos frequência e, apenas, na sequência dechuvas muito intensas.

Fot. 1 - Erosão superficial do solo, comformação de ravinas, em campo antes usado

para “cavadas”, no concelho de Góis.

Se, no primeiro deses casos, os efeitos erosivos são de atribuir exclusivamenteà falta de vegetação, nos outros casos, derivam do abandono dos campos,reflectido sobretudo pela falta de limpeza dos canais fluviais que os marginam.

Os fenómenos erosivos resultantes de precipitações “normais” sãorelativamente frequentes nas áreas montanhosas do Centro de Portugal e osefeitos por eles desencadeados têm muitas vezes nefastas consequências para apopulação serrana, sobretudo por lhes aumentar, ainda mais, o seu já grandeisolamento, devido aos cortes que, por vezes, provocam nas estradas(L. LOURENÇO, 1988a).

Quando as precipitações são particularmente intensas e se concentramsobre vertentes muito declivosas, a escorrência organiza-se muito rapidamente,concentrando-se e arrastando tudo o que se lhe depara por diante, incluindo

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Fot. 2 - Ruptura de dique com decomposição de materiais sobre as “quelhadas” (A) e comdestruição dos muros de suporte (B) e erosão dos solos (C), no vale da ribeira da Moura.

troncos e ramos de árvores. Estes, muitas vezes, facilitam a obstrução dos canais,pois a falta de limpeza permite que neles se deposite grande parte da carga sólidatransportada, trabalho que, muitas vezes, é facilitado tanto pelo abandono deramos e troncos que a própria corrente leva, como por toda a espécie de detritos,plásticos, latas, sucata, que o homem neles vai amontoando.

Com os canais obstruídos, as águas são obrigadas a transbordar os diques,rasgando neles aberturas proporcionais ao seu volume e cavando sulcos, porvezes muito profundos, nos antigos campos agrícolas, levando à destruiçãodos muros de suporte e, por conseguinte, à dos próprios socalcos (fot. 2 a 6).

Pelas razões antes invocadas, as águas das chuvas concentram-serapidamente, provocando cheias mais possantes, logo com maior força viva e,por conseguinte, com maior potencial erosivo, do que a mesma quantidade deprecipitação provocaria se lá existisse vegetação. Nestas condições, as pontasde cheia são mais violentas e vão fazer sentir os seus efeitos especialmente sobreos campos que bordejam os cursos de água.

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Fot. 3 - Erosão (A) e deposição de materiais(B) num campo agrícola da ribera daSorgaçosa, na sequência de uma ruptura dodique, a montante. À direita da fotografiaobserva-se o dique e o canal artificial feitos

para desvio das águas da ribeira.

Fot. 4 - Deposição de material sobre antigo campo agrícola, agora com Eucaliptus, da Quintade Belide, concelho de Góis, na sequência de ruptura do dique marginal, a montante do

tramo visível à direita.

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Fot. 5 - Sorgaçosa. Aspecto da ruptura de um dique (A) e erosão do campo agrícola (B) por elemarginado. Observa-se uma jovem laranjeira (C) tombada sobre o solo, tendo sido praticamente

arrancada pelas águas.

Fot. 6 - Pormenor da fotografia anterior, nolocal onde se deu a ruptura do dique (A). Ocanal artificial, para desvio das águasafluentes à ribeira da Safra, apresenta-seperfeitamente limpo e até polido, amontante da ruptura (B), enquanto que,para jusante, se encontra quase totalmenteobstruído pelos materiais arrancados às

vertentes (C).

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As áreas mais afectadas correspondem naturalmente àquelas que têm sidomais massacradas pelos fogos florestais, distribuindo-se pelos concelhos deArganil, Góis e Pampilhosa da Serra. Situações especialmente violentasregistaram-se em 1988, na área confinante com a linha divisória dos concelhosde Arganil e Oliveira do Hospital (L. LOURENÇO, 1988b e 1989).

Estes processos mais violentos desencadeiam-se, muitas vezes, na sequênciade um episódio excepcional, mas, depois, vão continuando, lentamente, a suamarcha de destruição, bastando para tal a manutenção de pequenos caudais.A evolução tende a, gradualmente, retomar o perfil inicial da vertente, anteriorà intervenção antrópica.

Entretanto, a grande quantidade de materiais arrancada, sobretudo nasantigas cavadas e nas quelhadas afectadas, vai ser transportada para jusante,sendo, muitas vezes, abandonada sobre os campos marginais, que, deste modoacabam por também sofrer os efeitos dos fogos, mesmo sem por eles teremsido directamente atingidos (fot. 7).

Fot.7 - Aspecto da erosão produzida na Quinta da Cal (Avô), pela ribeira de Pomares.O campo marginal ficou completamente destruído, embora situado fora da área afectada pelo

fogo, mas a jusante da mesma.

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Efectivamente, os efeitos erosivos surgidos na sequência da vegetação pelo fogo,não se limitam apenas às áreas ardidas mas, por vezes, afectam extensas áreasagrícolas a jusante, situadas junto aos rios que provêm de áreas incineradas.

E, como as consequências erosivas não se limitam a afectar a área ardida,também não se ficam por uma única actuação, na imediata sequência do fogo.Com efeito, passado um período mais ou menos longo, procede-se,normalmente, à rearborizão das áreas ardidas, com a mobilização superficialdo solo, destruindo mais uma vez a vegetação se, entretanto, lhe foi dadotempo para se regenerar. O solo volta a ver alteradas tanto a sua estruturacomo a sua textura, particularmente ao nível da compactação, e fica, de novo,directamente exposto ao embate directo das gotas de água das chuvas. Nestascondições, os materiais arrancados às vertentes são muito superiores aosarrancados na sequência directa do fogo (L. LOURENÇO et al., 1989 e 1990).

Deste modo, os efeitos erosivos provocados pelos fogos florestais não selimitam apenas à área ardida, nem ao período de tempo que se segueimediatamente ao fogo, pois tanto se estendem às áreas situadas a jusante,como se alongam por períodos bem para além dos da actuação directa do fogo.

Conclusão

Os efeitos erosivos devem-se, em primeiro lugar, à destruição da vegetação pelofogo que, deixando o solo desprotegido, é atacado pelo embate directo das águasdas chuvas. Em segundo lugar, ficam a dever-se à precipitação que, consoante a suamaior intensidade, proporciona efeitos erosivos mais ou menos graves.

As situações mais excepcionais decorrem, ainda, da intervenção antrópica,primeiro porque alterou o perfil de equilíbrio das vertentes e, depois, porqueabandonou as estruturas que construíu, especialmente deixando de fazerlimpeza aos canais que impediam os caudais de retomarem o seu curso normal.

Quando o homem deixa de intervir directamente, as vertentes retomam asua evolução normal e os processos erosivos tendem a destruir todas asalterações artificiais, de génese antrópica, tendendo a repor os antigos traçadosdas vertentes.

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Agradecimento

O autor deseja manifestar o seu vivo agradecimento à Comissão NacionalEspecializada em Fogos Florestais, pelo apoio dado para a realização destetrabalho.

A Fernando Coroado, que desenhou a figura, expressamos também o nossoreconhecimento.

Referências bibliográficas

LOURENÇO, L. (1988a) - Evolução de vertentes e erosão dos solos, nas serrasde xisto do Centro de Portugal, em consequência de incêndios florestais.Análise de casos observados em 1987. Centro de Mecânica dos Fluidos,Coimbra, 22 p.

LOURENÇO, L. (1988b) - “Efeitos do temporal de 23 de Junho de 1988 naintensificação da erosão das vertentes afectadas pelo incêndio florestalde Arganil/Oliveira do Hospital”. Comunicações e Conclusões, SeminárioTécnico sobre Parques e Conservação da Natureza nos Países do Sul daEuropa. Faro, p. 43-47.

LOURENÇO, L. (1989) - “Erosion of agro-forestal soil in mountais affected byfire in Central Portugal”. Pirineos. A journal on mountain ecology. Jaca,133, p. 55-76.

LOURENÇO, L. e MONTEIRO, R. (1989) - Qunatificação da erosão produzida nasequência de incêndios florestais. Resultados preliminares. Grupo deMecânica dos Fluidos, Coimbra, 45 p.

LOURENÇO, L., GONÇALVES, A. BENTO e MONTEIRO, R. (1990) - “Avaliação daerosão produzida na sequência de incêndios florestais”. Actas, II CongressoFlorestal Nacional, Porto, vol. II, 834-844.