efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de...

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Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira. Juliana Anacleto dos Santos 1 Bolsista Fapemig Introdução - O acesso às ocupações e a influencia do capital humano A teoria do capital humano afirma que com a modernização e a expansão do sistema educacional, o acesso às ocupações tende a se tornar mais meritocratico e menos adscritivo. Mas, o que realmente conta como mérito? Existem concepções diversas para a resposta desta questão. Americanos tendem a ver a meritocracia através do que as pessoas fazem, mais do que o que as pessoas têm. Nessa concepção as pessoas preferem ver o sucesso sócio econômico como sendo merecimento de quem trabalhou duro, comportando virtuosamente e dispondo de talento, mais do que um excepcional QI. Esta idéia tem ênfase nas habilidades técnicas e cognitivas, que podem refletir características genéticas ou herdadas. Já para Young em “The rise of the meritocracy” mérito é QI mais esforço. Meritocracia não se apresenta como simples posse de habilidades inatas e sim o que complementa essa capacidade com esforço. A estrutura das desigualdades sociais impede a habilidade de menos membros privilegiados na sociedade para demonstrar ou intensificar suas habilidades e talentos diretos no sistema educacional. Teóricos como Bourdieu sustentam que mais membros privilegiados da sociedade, em pouco espaço de tempo têm perdido a habilidade para transferir suas vantagens através de gerações em algum caminho direto, podem agora fazê- lo pelo acesso a escolaridade para seus filhos e filhas. Escolaridade para Bourdieu é assim, uma “estratégia de reprodução” que trabalha contra o princípio meritocrático. Ainda, entende o processo de exclusão de credenciais educacionais como caracterizado por uma estratégia de reprodução social utilizadas pelas elites educacionais. Mudanças nas relações de propriedade têm através do tempo impedido as classes privilegiadas a transferirem 1 É mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e doutoranda em Sociologia do programa de pos graduação em Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

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Page 1: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da

estrutura de classes brasileira.

Juliana Anacleto dos Santos1 Bolsista Fapemig

Introdução - O acesso às ocupações e a influencia do capital humano

A teoria do capital humano afirma que com a modernização e a expansão do sistema

educacional, o acesso às ocupações tende a se tornar mais meritocratico e menos adscritivo.

Mas, o que realmente conta como mérito?

Existem concepções diversas para a resposta desta questão. Americanos tendem a ver a

meritocracia através do que as pessoas fazem, mais do que o que as pessoas têm. Nessa

concepção as pessoas preferem ver o sucesso sócio econômico como sendo merecimento de

quem trabalhou duro, comportando virtuosamente e dispondo de talento, mais do que um

excepcional QI. Esta idéia tem ênfase nas habilidades técnicas e cognitivas, que podem

refletir características genéticas ou herdadas. Já para Young em “The rise of the

meritocracy” mérito é QI mais esforço. Meritocracia não se apresenta como simples posse

de habilidades inatas e sim o que complementa essa capacidade com esforço.

A estrutura das desigualdades sociais impede a habilidade de menos membros

privilegiados na sociedade para demonstrar ou intensificar suas habilidades e talentos

diretos no sistema educacional. Teóricos como Bourdieu sustentam que mais membros

privilegiados da sociedade, em pouco espaço de tempo têm perdido a habilidade para

transferir suas vantagens através de gerações em algum caminho direto, podem agora fazê-

lo pelo acesso a escolaridade para seus filhos e filhas. Escolaridade para Bourdieu é assim,

uma “estratégia de reprodução” que trabalha contra o princípio meritocrático. Ainda,

entende o processo de exclusão de credenciais educacionais como caracterizado por uma

estratégia de reprodução social utilizadas pelas elites educacionais. Mudanças nas relações

de propriedade têm através do tempo impedido as classes privilegiadas a transferirem

1 É mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e doutoranda em Sociologia do programa de pos graduação em Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

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diretamente suas vantagens a suas crianças. Como resultado eles tem utilizado o sistema

educacional para transmitir seus status intergeracionamente.

O presente artigo visa, preliminarmente, apresentar como se comporta o efeito do

capital humano no acesso as ocupações da estrutura de classe brasileira, levando em

consideração fatores adscritivos, como raça e gênero. A teoria do capital humano diz que

um aumento no capital humano aumenta o status ocupacional, ou seja, existe status

ocupacional é uma função de capital humano não obedecendo a critérios adscritivos. Já a

teoria da reprodução social diz que a seleção e alocação de indivíduos no mercado de

trabalho baseada nas credenciais educacionais são utilizadas para a manutenção de

privilégios dos grupos sociais dominantes.

Barreiras de raça no acesso as ocupações

As interpretações científicas abandonaram há tempos a idéia de raça como enraizada

em fundamentos biológicos, reconhecendo que atitudes e arranjos sociais, não biológicos,

vêm mantendo o domínio branco. Quero, portanto aqui, afirmar o quão improfícuo é o

debate sobre a inexistência de raças humanas, muitas vezes ressuscitado pelo senso comum,

visando apresentar o argumento de que senão existe raça, não há como haver racismo.

Argumento inglório, diga-se de passagem. Raça deve ser apresentada como uma criação

social, uma ficção que divide e categoriza indivíduos por aspectos fenótipos, tais como a

cor da pele, que supostamente significam diferenças subjacentes.

Para Carlos Hasenbalg, raça deve ser compreendida como um fator classificatório e

seletivo, que norteia a permanência da desigualdade social e econômica, devendo ser

incorporada como fator decisivo das chances de vida às variáveis que condicionam a

estrutura das relações sociais, influenciando a hierarquização social (Hasenbalg, 1999). Em

seus estudos com Nelson do Valle, os autores demonstram o quão necessário se faz à

utilização da variável raça contrapondo os que pensam que a mesma não desempenha um

papel significativo no processo de mobilidade social.

Silva e Hasenbalg, afirmam que os não brancos sofrem desvantagem na conversão

de sua escolaridade formal em posições na estrutura ocupacional, o que pode ser explicado

aos processos discriminatórios de raça no mercado de trabalho. No Brasil, para os autores,

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o ponto central do processo de desvantagens sofrido por pretos e pardos está na aquisição

educacional. Porém, outras formas de discriminação racial impactam a mobilidade social

dos não brancos brasileiros. Silva e Hasenbalg elencam quatro relevantes formas

discriminatórias que refletem a dificuldade da ascensão social da população de cor. A

discriminação em capital humano, quando os não brancos são impedidos de conseguir

qualificação necessária para assumir as ocupações mais elevadas; a de emprego, quando os

não brancos sofrem mais do que o proporcional com o desemprego; a discriminação

ocupacional, quando os não brancos são impedidos de assumir ocupações com maiores

rendimentos independentes da qualificação que possui; e a de salário, observada quando os

não brancos têm rendimento menor nas mesmas funções e com o mesmo número de horas

trabalhadas que os brancos, ou seja, salário desigual por trabalho igual. Algumas

considerações sobre o assunto merecem destaque:

Sobre a discriminação de capital humano, é importante destacar que as vantagens

dos brancos em alcançar altos índices educacionais dependem diretamente das vantagens

iniciais de variáveis como histórico familiar e habilidades cognitivas. Com efeito, os baixos

índices educacionais dos não brancos podem não ser efeitos diretos de discriminação, mas

sim de desvantagens iniciais condicionadas historicamente à população de cor. Quando o

assunto é ocupacional alguns fatores podem variar de uma ocupação para outra. As

hipóteses de ameaça econômica2, e do apinhamento3, demonstram que níveis maiores de

participação não branca em determinada ocupação acarretará em mais altos níveis de

discriminação racial. Em certas ocupações, pretos e pardos sofrem dupla discriminação, ou

seja, têm sua entrada dificultada, e quando obtém sucesso parcial vêem suas carreiras

bloqueadas por práticas discriminatórias. Porém, quando é aumentado o número de não

brancos nas referidas ocupações, o impacto deste bloqueio parece diminuir.

No que se refere à discriminação salarial, Silva e Hasenbalg sugerem que seu

surgimento se dá a partir das diferenças de oportunidades de carreiras e chances de

mobilidade social. Os não brancos têm maiores dificuldades na conversão de investimentos

educacionais em posições ocupacionais de melhores rendimentos, bem como na conversão

geracional, e no mercado de trabalho tendo menos facilidade na construção de suas

2Quando os trabalhadores brancos, em minoria, pressionam os patrões brancos elevando a discriminação e neutralizando o efeito decrescente dos salários. 3Quando os trabalhadores não brancos são maioria em uma determinada ocupação gerando baixos salários.

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carreiras, com efeito, recebendo menores salários. Ainda, apresentam que o preconceito e a

discriminação racial surgem na competição por benefícios simbólicos e materiais, com

vantagens para o grupo branco em relação ao não branco, sugerindo que os não brancos

estão sujeitos a um processo de “acumulação de desvantagens”.

No interessante trabalho organizado pelas pesquisadoras americanas Rebecca Blank,

Marily Dabady e Constantine Citro (2004), Measuring Racial Discrimination: panel on

methods for assessing discrimination, as autoras analisam como operam e qual o impacto

dos efeitos da discriminação racial ao longo do tempo. Estudos mostram pequenos efeitos

de discriminação em cada estágio de uma, denominada pelas pesquisadoras, área (na

contratação, avaliação, promoção e no salário ajustado ao mercado de trabalho), levando a

concluir que a discriminação é relativamente sem importância por causa dos efeitos em

qualquer ponto do tempo que são pequenos, mas os pequenos efeitos podem se acumular

em diferenças substanciais, dando origem a chamada discriminação cumulativa4.

Os efeitos da discriminação cumulativa podem ser transmitidos através das

estruturas organizacionais e sociais da sociedade. Com efeito, ações individuais não são

independentes do contexto social e econômico. Certos comportamentos de membros de

grupos raciais em desvantagem podem surgir em resposta a comportamentos sociais e

institucionais de uma sociedade preconceituosa e racista. Não brancos jovens,

especialmente negros, estão desproporcionalmente sujeitos a fatores de risco associados ao

crime, a pobre assistência médica e a segregação. Uma sociedade que perpetua fortes

diferenças raciais pode comunicar aos jovens não brancos que eles nem pensar triunfarão

dentro de uma sociedade dominante, conduzindo-os a escolherem alternativas de vida.

4 Por discriminação cumulativa entendemos uma dinâmica conceitual que captura sistematicamente processos que ocorrem no tempo e através da área (lugar). Discriminação tem efeitos cumulativos quando um incidente discriminatório afeta não somente o resultado imediato, mas também os futuros resultados em seu próprio tempo de vida ou nas próximas gerações. A discriminação cumulativa pode ser mais do que um processo aditivo no qual os efeitos do incidente discriminatório formam largas disparidades de resultados. A probabilidade de um futuro evento discriminatório acontecer pode ter sua causa relacionada a eventos discriminatórios passados, então a corrente discriminação pode aumentar a probabilidade de uma futura discriminação. Por exemplo, a expectativa de professores a cerca da performance de estudantes negros pode influenciar negativamente a performance destes estudantes.

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Barreiras de gênero no acesso as ocupações

A identidade de gênero está imersa nas complexas teias das relações sociais,

políticas, econômicas e psicológicas entre homens e mulheres; relações estas que fazem

parte da estrutura social institucionalizada da sociedade. A construção de gênero é dada

através de processos de socialização e educação dos sujeitos para se tornarem homens ou

mulheres e ainda, no estabelecimento dos padrões sociais entre eles. Desta forma gênero

organiza as interações sociais, influenciando cada aspecto de nossas vidas, estereotipando e

hierarquizando os indivíduos, sendo utilizado para explicar e justificar desigualdades. Essa

construção social de gênero, portanto constrói padrões de segregação afetando a alocação

ocupacional contribuindo para a manutenção das desvantagens femininas no mercado de

trabalho.

É possível perceber um cenário de continuidades e mudanças no debate de gênero

no mercado de trabalho. Por um lado há uma grande concentração de mulheres em

empregos de menor remuneração no setor de serviços, particularmente no segmento

informal e mais desprotegido do mercado de trabalho. Por outro, aumentou a participação

das mulheres em ocupações não manuais de melhor remuneração, em cargos de comando,

profissões de prestígio e mesmo como proprietárias de negócios no comércio e serviços.

Porém, as diferenças de ganhos entre mulheres e homens se mantêm, e não devem ser

atribuídas a diferenças em termos de números de horas trabalhadas e escolaridade, devendo

ser creditadas aos processos de discriminação. Com efeito, as desigualdades de alocação e

de renda atribuídas ao gênero têm sido interpretadas tanto no campo da economia quanto na

sociologia.

Parto da teoria neoclássica para discutir as explicações das desigualdades

enfrentadas pelas mulheres no mundo das ocupações. Baseada no ideário do capital

humano, a teoria neoclássica defende que parte importante da desigualdade de renda no

mercado de trabalho é decorrente das diferenças nas características produtivas e do campo

das preferências de mulheres e homens. Considera que cada pessoa recebe como

recompensa o chamado valor da contribuição marginal do insumo (trabalho, capital ou

renda) que ela agrega à função de produção, e seu respectivo capital humano incrementa

sua produtividade ou capacidade de contribuição para o produto. Assim, discriminação

Page 6: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

ocorre no contexto do mercado de trabalho quando homens recebem mais do que mulheres

pela mesma produtividade. Contudo, a discriminação desafia a teoria neoclássica, pois é

possível entender como sendo irracional um tratamento desigual de trabalhadores

igualmente produtivos. Daí surgem duas teorias que pretendem “ajustar” racionalização e

discriminação, a chamada teoria da discriminação estatística e a teoria do amontoamento.

A primeira considera que o empregador usaria os atributos de sexo, como uma

espécie de informação substantiva, na ausência de informação adequada para avaliar o

potencial de produtividade do trabalhador a um custo razoavelmente baixo, o que gera uma

discriminação estatística contra indivíduos pertencentes a grupos que teriam, em média,

características menos desejáveis. Já a segunda teoria, considera que a concentração de

certos grupos, como as mulheres, em determinados tipos de empregos, quaisquer que sejam

as razões que tenham levado a isso, gera como conseqüência uma oferta excedente em

relação à demanda por estes serviços, o que deprime a taxa de salário dessas ocupações.

Grusky e Charles em Occupacional Ghetos se propuseram a esclarecer alguns

enigmas da segregação ocupacional de sexo. Com esse objetivo, os autores analisam que os

esteriótipos sobre as características naturais masculinas e femininas são disseminadas e

perpetuadas através da cultura e da mídia, através das interações sociais. O avanço e a

manutenção da segregação horizontal e sua reprodução é feita em grande parte por conta

das ocupações não manuais que incorporam características que são consideradas

masculinas e das ocupações manuais incorporam características que são consideradas

femininas. Acreditam que a profundidade das raízes e extensa parte cultural acreditada

sobre a diferença de gênero são ideologicamente compatíveis com as normas liberais e

igualitárias. O essencialismo durável suporta os típicos comportamentos e identidades de

gênero e deste modo preserva a segregação de sexo horizontal nos modernos mercados de

trabalho. Com o levantar da igualdade formal, as mulheres entram cada vez mais na alta

educação e no mercado de trabalho assalariado, mas elas o fazem nos caminhos que estão

em consistência com as preferências, sanções e prejuízos esssencialistas impostos pela

sociedade. Portanto, relevante é o principio cultural que nos faz acreditar que os homens

são mais merecedores de status do que as mulheres, e que lhes cai bem posições de

autoridade e dominação. Por Ridgeway, ideologias da diferença tendem a se converterem

em ideologias de hierarquia.

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Metodologia

A metodologia utilizada neste artigo é a hipotética-dedutiva.

Hipótese

Baseada na teoria do capital humano, status ocupacional é uma função de capital

humano e não de variáveis adscritivas.

Metodologia

A metodologia utilizada neste artigo é a hipotético-dedutivo.

Modelo

Modelo de regressão multinomial

Dados

Microdados da PNAD/IBGE do ano de 2005. Tabulações feitas pela autora.

Variáveis

Variável dependente – Tipologia Macro com 5 categorias: Ativos de capital, ativos

de qualificação, ativos organizacionais, conta própria capitalizados e destituídos. A

categoria destituídos é a categoria de referencia.

Variáveis independentes – Raça, sexo, escolaridade, idade, idade², termo interativo

escolaridade e raça, termo interativo escolaridade e sexo.

Page 8: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

Tabela 1

Posição relativa das categorias de classe, distribuição percentual de brancos e

não brancos e Índice de Representação.

Tipologia Macro Total Branco Não Branco I.R. Brancos I.R. Não Brancos

Ativos de capital 4.0% 79% 21% 2.00 0.35

Ativos de qualificação 8.1% 47.4% 52.6% 1.20 0.87

Ativos Organizacionais 3.6% 41.2% 58.8% 1.04 0.97

Conta própria não precário 11.5% 35.2% 64.8% 0.89 1.07

Destituídos 72.8% 37% 63% 0.93 1.04

Total 100% 39.5% 60.5% - -

Fonte: Tabulações Especiais da autora baseadas nos micro dados da PNAD de 2005 Brancos e amarelos foram classificados como Brancos, e Pretos, Pardos e Indígenas foram classificados como Não Brancos. Índice de Representação mostra quanto os brancos e não brancos estão representados em uma categoria em comparação à sua representação global na população com uma posição de classe assinalada.

Tabela 2

Posição relativa das categorias de classe, distribuição percentual de homens e

mulheres e Índice de Representação.

Tipologia Macro Total Homens Mulheres I.R. Homens I.R. Mulheres

Ativos de capital 4.0% 84.2% 15.8% 1.39 0.40

Ativos de qualificação 8.1% 36.9% 63.1% 0.61 1.60

Ativos Organizacionais 3.6% 64.7% 35.3% 1.07 0.89

Conta própria não precário 11.5% 90.7% 9.3% 1.50 0.23

Destituídos 72.8% 56.9% 43.1% 0.94 1.09

Total 100% 60.5% 39.5% - -

Fonte: Tabulações Especiais da autora baseadas nos micro dados da PNAD de 2005 Brancos e amarelos foram classificados como Brancos, e Pretos, Pardos e Indígenas foram classificados como Não Brancos. Índice de Representação mostra quanto os homens e mulheres estão representados em uma categoria em comparação à sua representação global na população com uma posição de classe assinalada.

Page 9: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

Tabela 3

Razoes de Chance para os termos interativos Educação e Raça e Educação e Sexo

Tipologia Macro β Exp (β) Razão de Chance Sig

Ativos de capital

Educ*Raça

Educ*Sexo

-0.068

-0.356

0.934

0.701

-6.6%

-29.9%

0.000

0.000

Ativos de qualificação

Educ*Raça

Educ*Sexo

0.287

-0.133

1.332

0.875

33.2%

-12.5%

0.000

0.000

Ativos Organizacionais

Educ*Raça

Educ*Sexo

0.109

-0.304

1.115

0.738

11.5%

-26.2%

0.000

0.000

Conta própria não precário

Educ.*Raça

Educ*Sexo

-0.109

-0.321

0.896

0.726

-10.4%

-27.4%

0.000

0.000

Fonte: Tabulações Especiais da autora baseadas nos micro dados da PNAD de 2005 Brancos e amarelos foram classificados como Brancos. Pretos, Pardos e Indígenas foram classificados como Não Brancos. Variável raça classificada como binária – Brancos 1, Não Brancos 0 Variável sexo classificada como binária – Masculino 1, Feminino 0 Variável Educação – Quantitativa ordinal, anos de estudo Todos os coeficientes foram significativos num intervalo de confiança de 95%

Portadores de ativos relevantes de capitais

A categoria portadores de ativos de capitais inclui empregador com 11 ou mais

empregados, pequeno empregador e fazendeiros. O acesso a esta categoria se da em grande

medida pela transferência dos ativos de capitais de pais para filhos, seja por herança, seja

por incorporação do individuo na atividade familiar. Muito pouco se deve ao aumento do

capital humano. Nesse sentido, é possível compreender porque, mesmo sendo o efeito da

escolaridade, sobre a chance de estarem posicionados na categoria portadores de ativos de

capitais em relação a estarem na categoria destituídos de quaisquer ativos de ativos, 6.6%

Page 10: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

menor para os brancos em comparação aos negros, os brancos terem um índice de

representação de 2 e os não brancos de 0.35. Isto demonstra que o acesso às ocupações com

ativos de capital para os brancos não se da através do aumento de capital humano. Ou seja,

mesmo com menos chance de conversão de escolaridade em acesso a ocupação do que as

mulheres, os homens estão sobre representados na categoria, demonstrando que esse déficit

de conversão não os impede de serem a maioria dos ocupantes das posições com ativos de

capital.

O mesmo raciocínio pode ser usado para a interpretação do efeito da escolaridade

para homens em relação às mulheres nesta categoria de classe. O efeito da escolaridade,

sobre a chance de estarem posicionados na categoria portadores de ativos de capitais em

relação a estarem na categoria destituídos de quaisquer ativos de ativos, é 29.9% menor

para os homens em comparação as mulheres. O Índice de Representação dos homens nas

ocupações com ativos de capital é 1.39 e o das mulheres é 0.40, demonstrando que o

acesso às ocupações com ativos de capital para os homens não se da através do aumento de

capital humano. Ou seja, mesmo com menos chance de conversão de escolaridade em

acesso a ocupação do que as mulheres, os homens estão sobre representados na categoria,

demonstrando que esse déficit de conversão não os impede de serem a maioria dos

ocupantes das posições com ativos de capital.

Portadores de ativos de qualificação

A categoria portadores de ativos de qualificação inclui especialista autônomo,

empregado qualificado e empregado especialista. Os especialistas são profissionais com

nível superior e os empregados qualificados são profissionais de ensino técnico, de nível

médio. Para ter acesso a esta categoria é necessária a posse de ativos de qualificação, títulos

de ensino ou diplomas de ensino médio e/ou superior. Mas é necessário compreender que

ter o titulo não é necessariamente a porta de entrada para o acesso a ocupação, ou seja, se

faz necessário a conversão da escolaridade em efetivo emprego.

Os dados de nosso modelo nos mostram que o efeito da escolaridade, sobre a chance

de estarem posicionados na categoria portadores de ativos de qualificação em relação a

estarem na categoria destituídos de quaisquer ativos de ativos, é 32.2% maior para os

Page 11: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

brancos em comparação com os não brancos. O Índice de Representação dos brancos nas

ocupações com ativos de qualificação é 1.20 e de não brancos é 0.87, demonstrando esse

excedente na razão de chance de conversão da escolaridade dos brancos em relação às não

brancos se confirma no acesso às ocupações com ativos de qualificação, demonstrando que

essa chance a mais influencia a sobre representação dos brancos na categoria portadores de

ativos de qualificação.

Sobre os dados de nosso modelo com foco em gênero, avistamos que, o efeito da

escolaridade, sobre a chance de estarem posicionados na categoria portadores de ativos de

qualificação em relação a estarem na categoria destituídos de quaisquer ativos de ativos, é

12.5% menor para os homens em comparação com as mulheres. O Índice de Representação

dos homens nas ocupações com ativos de qualificação é 0.61 e de mulheres é 1.60,

demonstrando que o acesso às ocupações com ativos de qualificação se da em grande

medida através do aumento de capital humano. Ou seja, com menos chance de conversão

de escolaridade em acesso ocupações com ativos qualificação do que as mulheres, os

homens estão sub representados na categoria, demonstrando que esse déficit de conversão

os impede de serem a maioria dos ocupantes das posições com ativos de qualificação.

Portadores de ativos organizacionais

A categoria portadores de ativos organizacionais inclui gerentes e supervisores. É

importante esclarecer algumas diferenças entre essas duas ocupações. Os gerentes são

profissionais que tem autonomia na tomada de decisão e os supervisores são profissionais

que executam a tomada de decisão. Ou seja, mesmo tendo em comum os chamados ativos

organizacionais, referentes à questão de autoridade na organização do trabalho, os gerentes

decidem e os supervisores supervisionam a execução da decisão. Por questão analítica, o

presente trabalho opta por agregar as duas ocupações numa mesma categoria.

No modelo de regressão ora apresentado é possível destacar que o efeito da

escolaridade, sobre a chance de estarem posicionados na categoria portadores de ativos

organizacionais em relação a estarem na categoria destituídos de quaisquer ativos de ativos,

é 11.5% maior para os brancos em comparação com os não brancos. O Índice de

Representação dos brancos nas ocupações com ativos de organizacionais é 1.04 e de não

Page 12: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

brancos é 0.975. O maior efeito da escolaridade para os brancos em relação aos não brancos

se confirma no acesso às ocupações com ativos organizacionais, demonstrando que essa

chance a mais influencia a sobre representação dos brancos na categoria portadores de

ativos organizacionais.

Já em relação aos homens e mulheres, o efeito da escolaridade, sobre a chance de

estarem posicionados na categoria portadores de ativos de organizacionais em relação a

estarem na categoria destituídos de quaisquer ativos de ativos, é 26.2% menor para os

homens em comparação com as mulheres. O Índice de Representação dos homens nas

ocupações com ativos organizacionais é 1.07 e de mulheres é 0.89, demonstrando que o

acesso às ocupações com ativos organizacionais para os homens não se da somente através

do aumento de capital humano. Ou seja, mesmo com tendo a escolaridade um efeito menor

para os homens eles estão sobre representados nesta categoria. É relevante atentar para o

fato de que a maioria dos homens não se sente confortável ao serem chefiados por

mulheres, o que acaba afetando o acesso as ocupações por parte das mulheres,

transformando-se no que apresentamos como sendo discriminação ocupacional.

Conta própria capitalizados

A categoria conta própria reúne as posições de conta própria não agrícola e

agrícola6. Esta e uma categoria relativamente grande na estrutura de classes, contando com

11.5% dos indivíduos ocupados. Há entre eles uma disponibilidade de capital suficiente

para estabelecer um negocio e ser capaz de trabalhar para si próprio (Figueiredo Santos,

2002).

5 Este aparente equilíbrio racial na participação na categoria organizacional merece uma atenção

especial. Os dados da PNAD 2005 apresentam que 50% dos gerentes são brancos e 50% são pardos, não constando nenhum preto. Já entre os supervisores, 14.3% são brancos, 14.3% são amarelos e 71.4% são pardos, não aparecendo também nenhum preto. Quando, por opção teórica e analítica, a categoria raça é construída como binária (0 e 1), os pardos são classificados como não brancos e com isso há um aparente equilíbrio racial na participação desta categoria.

6 Mesmo possuindo ativos de capital, não seria correto reuni-los na categoria portadores de ativos de capital, pois há uma grande diferença de monta de seus ativos. Seria como reunir um pequeno produtor rural com um grande fazendeiro de soja, ou um taxista com um empregador do transporte coletivo.

Page 13: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

Nesta categoria o efeito da escolaridade, sobre a chance de estarem posicionados na

categoria conta própria capitalizados em relação a estarem na categoria destituídos de

quaisquer ativos de ativos, é 10.4% menor para os brancos em comparação com os não

brancos. O Índice de Representação dos brancos nas ocupações de conta própria

capitalizados é 0.89 e de não brancos é 1.07. Mesmo sendo coerente o menor efeito da

escolaridade sobre a chance de estarem ocupados na dada categoria e o índice de

representação para os brancos, é necessário atentar para o fato de que pouco afeta o

aumento do capital humano para a ocupação conta própria capitalizado, já que o individuo

trabalha para si, e o principal ativo desta ocupação é o empreendimento e não o titulo de

qualificação.

Em relação aos homens, o efeito da escolaridade sobre a chance de estarem

posicionados na categoria conta própria capitalizados, em relação a estarem na categoria

destituídos de quaisquer ativos de ativos, é 27.4% menor para eles do que para as mulheres,

sendo o Índice de Representação dos homens nesta categoria de 1.50 e das mulheres de

0.23. Ora, esta dado atesta e confirma a assertiva acima, ou seja, o aumento da escolaridade

pouco influencia a chance do individuo estar na categoria conta própria capitalizado.

Conclusões

A partir das interpretações descritas acima podemos rejeitar a hipótese apresentada

de que status ocupacional é uma função de capital humano e não de variáveis adscritivas.

As variáveis raça e gênero afetam o efeito da escolaridade para o acesso a todas as

categorias de classe mencionadas em relação à categoria destituídos de quaisquer ativos.

Mesmo sendo o status ocupacional uma função do capital humano, o efeito da escolaridade

é diferenciado por raça e gênero em todas as categorias elencadas. Ainda, foi possível

visualizar que, nas categorias portadores de ativos de capital e conta própria capitalizados o

acesso é pouco influenciado pelo aumento do capital humano, e na categoria de ativos

organizacionais a discriminação ocupacional de gênero é visível e possivelmente

persistente.

Page 14: Efeitos do capital humano por raça e gênero nas chances de acesso às posições da estrutura de classes brasileira

Referencias Bibliográficas

BLANK, Rebecca, Marilyn Dabady e Constance Citro (Ed.). Measuring Racial Discrimination: panel on methods for assessing discrimination. Washington, The National Academies Press, 2004.

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