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  • Publicado em Presena Pedaggica, vol 18, n 105, mai-jun. 2012.

    EDUCAO

    Joo Valdir Alves de Souza

    [email protected]

    Professor de Sociologia da Educao na

    Faculdade de Educao da Universidade

    Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG).

    Termo que evoca mltiplos significados, a educao pode ser vista como

    algo bastante simples, posto que todos costumam ter sobre ela uma opinio, e

    ao mesmo tempo extremamente complexo, uma vez que poucos autores

    chegaram a dar-lhe uma definio precisa. Seu amplo uso no senso comum

    parece no exigir para o termo muita explicao. At mesmo dentro das

    faculdades de educao a palavra parece ter adquirido um significado to

    amplamente reconhecvel que j no nos parece ser necessrio perguntar o

    que educao. Como partimos do pressuposto de que todos j sabem o que

    educao e, portanto, j no precisaramos discutir seu significado, o

    conceito adquiriu tal generalidade a ponto de diluir sua especificidade.

    Parte, pelo menos, da elasticidade do conceito repousa na crescente

    confuso entre termos correlatos, a comear pela indistino entre educao e

    escolarizao. Algo semelhante acontece com ensino, instruo e educao.

    Ao consultar os dicionrios mais utilizados na lngua portuguesa, notamos que

    eles trazem como sinnimos termos que so bastante distintos. Torna-se

    necessrio apontar, aqui, os elementos centrais dessa distino.

    Escolarizao termo pouco usual entre ns. Contudo, na maior parte

    das vezes em que a palavra educao utilizada, o mais correto seria o

    emprego de escolarizao. A crescente centralidade que a instituio escola

    adquiriu no mundo moderno/contemporneo, associada reivindicao de que

    a ela caberia a maior parte da tarefa de formar as novas geraes para um

    mundo em mudana, levou indistino entre educao e escolarizao.

    Quando um poltico afirma que sua prioridade o investimento em educao,

    de modo geral, de escola que ele fala. Do mesmo modo, uma campanha

    nacional levada a efeito pelo movimento Todos pela Educao pretende,

  • basicamente, ampliar quantitativa e qualitativamente processos de

    escolarizao.

    Mas outras distines so necessrias a fim de se obter um pouco mais

    de clareza sobre o que seja educao. O ensino o ato de tornar possvel uma

    aprendizagem. Pode existir uma aprendizagem sem ensino, mas no existe

    ensino que no esteja orientado a um aprendiz. Ensinar transmitir a algum

    um conhecimento sobre algo. Por isso, so termos sempre remetidos a uma

    relao: ensino/aprendizagem. Qualquer pessoa dotada da capacidade de

    discernimento capaz de ensinar algo a algum. O mundo moderno,

    caracterizado por rpidas transformaes, passou a exigir um corpo de

    profissionais especialmente formados para ensinar os professores , uma

    vez que o ensino domstico passou a no ser mais suficiente para inserir as

    novas geraes em um mundo cada vez mais globalizado.

    A instruo o ensino portador de uma utilidade prtica, orientado para

    uma aplicao imediata, para a soluo de problemas concretos. Instruir

    transmitir um conhecimento que permite uma instrumentao, isto , a

    formao de determinada habilidade para realizar uma tarefa, orientar um

    procedimento, criar algo novo. Instruo pblica foi, por muito tempo, o termo

    adotado para se referir ao ensino ministrado na rede escolar oficial. Caiu em

    desuso quando o termo educao escolar, ou formal, passou a designar o

    que se esperava da escola. O vocbulo instruo continua, contudo, a compor

    manuais necessrios orientao dos usurios da enorme quantidade de

    novos equipamentos lanados no mercado. Mas, do mesmo modo que o

    instrutor de autoescola ensina algum a dirigir e o instrui em relao ao que

    fazer para conseguir a habilitao, esse ensino/instruo guarda longa

    distncia em relao educao, que coisa de outra natureza.

    A educao uma prtica social que existe em toda e qualquer

    sociedade humana, em todos os tempos e lugares, desde o momento em que

    essas sociedades, ao produzirem smbolos e normas, acharam por bem

    transmitir essa produo s novas geraes. Primeiramente, sem escolas e

    profissionais especializados no ofcio. Posteriormente, em rede de escolas

    constitudas como sistema. A educao sempre uma ao intencional,

    orientada por um valor (financeiro, poltico, sociocultural, tico, esttico)

    assumido como relevante em cada sociedade, seja para conservar uma dada

  • realidade, seja para transform-la. O que distingue essa prtica social de

    outras prticas sociais a intencionalidade da ao que, independentemente

    do lugar e do tempo em que acontece, de receber ou no esse nome, e ter ou

    no uma elaborao terica, tem por finalidade introduzir as novas geraes no

    mundo da cultura. Essa dimenso valorativa, que os gregos chamavam

    Paideia, constitui a essncia do ideal de formao humana que a educao

    passou a assumir cada vez mais com maior intensidade. Da a positividade

    associada a ela desde tempos imemoriais.

    Essa positividade assumiu, com o socilogo francs mile Durkheim,

    sua forma mais elaborada. H mais de cem anos, Durkheim j questionava o

    entendimento demasiadamente amplo que a educao havia adquirido. Um

    dos poucos autores a elaborar uma definio sociologicamente precisa para o

    termo, Durkheim chamava a ateno para o fato de que ao aceitar que tudo

    educao perde-se a especificidade da ao a que se pode chamar

    efetivamente educativa. Ele questionava os autores que entendiam a educao

    como o resultado das mltiplas influncias exercidas por todas as pessoas

    sobre cada indivduo, ou das influncias do meio ambiente sobre as pessoas.

    Afirmava, ainda, que a educao, mais que jogo de influncias recprocas,

    uma ao deliberada, intencionada, de um tipo particular de sujeitos as

    geraes adultas sobre outros sujeitos as geraes novas que vinham ao

    mundo e precisavam ser socializadas.

    Aps analisar o que havia em comum na educao de diversas

    sociedades, em diferentes tempos e lugares, e a partir de um dilogo crtico

    com diversos autores que haviam escrito sobre educao, Durkheim chegou

    seguinte definio: A educao a ao exercida pelas geraes adultas sobre aquelas que ainda no esto maduras para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criana um certo nmero de estados fsicos, intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade poltica quanto pelo meio especfico ao qual ela est destinada em particular. (DURKHEIM, 2011, p. 53)

    Se Durkheim no um autor mais presente na literatura sobre

    educao, isso se deve ao fato de ele ser considerado conservador, motivo

    pelo qual, na academia, predominou a influncia de outros autores

    considerados mais progressistas. Mas difcil encontrar autores que, como

    Durkheim, associaram to intensamente a educao crtica construtiva e

  • tarefa de reconstruir a sociedade. Mesmo que seja passvel de crtica sua

    concepo de geraes adultas educadoras de geraes novas, h trs

    elementos insuperveis na sua definio: a concepo de educao como uma

    ao deliberada; sua dimenso social; seu aspecto ao mesmo tempo uno e

    mltiplo.

    A educao uma ao deliberada, orientada por um valor tomado por

    referncia. Muitos autores que tm diferentes e influentes concepes de

    educao, ainda que no tenham elaborado dela uma definio precisa,

    reconheceriam isso. Ela tem um propsito e um horizonte claramente definidos.

    a tcnica social de Karl Mannheim; a educao emancipatria de

    Theodor Adorno; a organizao da cultura pelo intelectual orgnico em

    Antonio Gramsci; a voz da autoridade em Hannah Arendt; a prtica da

    liberdade em Paulo Freire. Em todos eles fica claro que a educao nunca

    neutra. Ela est sempre assentada em uma dimenso valorativa. Durkheim,

    para quem a educao uma ao moral, afirma que um ensino s

    educativo na medida em que for de natureza a exercer sobre ns mesmos,

    sobre nosso pensamento, uma ao moral, isto , se ele mudar alguma coisa

    no sistema de nossas ideias, nossas crenas, nossos sentimentos

    (DURKHEIM, 1995, p. 314). Se a educao no fosse uma ao deliberada,

    orientada, calculada, que mobiliza sentimentos e interesses a seu favor, o que

    justificaria manter um sistema escolar em seu nome?

    A educao sempre um processo social. Ainda que pais, professores e

    pregadores se constituam como mediadores entre sociedade e indivduo, cada

    pessoa tomada isoladamente nunca produto da ao de um nico educador.

    Em cada um de ns subsistem dois seres, diz Durkheim. Um o ser individual,

    constitudo por traos singulares da personalidade que nos distinguem de todas

    as outras pessoas. O outro o ser social, constitudo a partir de um sistema de

    ideias, sentimentos e crenas que no se encontram em cada indivduo tomado

    isoladamente, mas expressam os grupos nos quais estamos inseridos. So as

    crenas religiosas, a moral, as tradies identitrias, as opinies coletivas de

    toda espcie. Formar esse ser social em cada um de ns constitui a tarefa

    bsica da educao. Ela a socializao metdica das novas geraes.

    Alm de ao deliberada e processo social, a educao sempre

    orientada pelo duplo aspecto, uno e mltiplo, simultaneamente. No aspecto

  • uno, de universal, a educao constitui uma base comum de conhecimentos

    compartilhados indistintamente por todos os indivduos de uma determinada

    coletividade. Segundo Durkheim, no h povo em que no exista certo nmero

    de ideias, de sentimentos e de prticas que a educao deve difundir para

    todas as crianas, indistintamente, seja qual for a categoria social a que

    pertenam. Pode ser um ideal religioso, a lngua materna, a lgica matemtica

    ou os princpios de classificao cientfica. Na definio de Durkheim, isso

    corresponde s exigncias do conjunto da sociedade poltica. Na legislao

    educacional, corresponde ao que conhecemos por ncleo comum, isto ,

    aquilo que cabe s escolas de norte a sul do Pas, independentemente das

    diferenciaes regionais, transmitir a todos os pblicos escolares.

    O aspecto mltiplo da educao diz respeito a tudo o que expressa

    diversidade sociocultural. Essa diversidade o produto da diferenciao social

    produzida ao longo do tempo, nos diversos lugares ao redor da Terra. Existe,

    tambm, uma diferenciao que foi sendo produzida em decorrncia da diviso

    do trabalho, sobretudo da diviso tcnica do trabalho que resultou do modo

    capitalista de produo. Na definio de Durkheim, isso corresponde s

    exigncias do meio especfico ao qual cada criana est particularmente

    destinada. Na legislao, corresponde parte diversificada, isto , quilo que

    cabe a cada comunidade particular reivindicar como parte da educao

    destinada a afirmar e preservar sua identidade.

    Na realidade, a educao varia muito de acordo com o lugar e o tempo

    em que realizada, do mesmo modo que autores diferentes elaboraram

    diferentes concepes de educao. Ela existe de modo a tornar possvel a

    formao dos tipos de sujeitos que cada sociedade deseja para si. Reconhecer

    essas diferenas perceber que existem diferentes sociedades, diferentes

    culturas e diferentes modos de pensar a educao e realiz-la na prtica. Alm

    de ser o meio pelo qual cada uma dessas culturas pode ser reproduzida de

    gerao a gerao, a educao tambm o meio pelo qual trocas simblicas

    podem ocorrer entre diferentes sociedades. Essa a fora da educao, diz

    Carlos Rodrigues Brando. Ela permite a ampliao do repertrio cultural de

    uma sociedade, criando e recriando valores e normas, ideias e saberes,

    hbitos e crenas, etc.

  • Mas a educao acontece, ainda, de modo desigual entre os diversos

    tipos de sociedade e os diversos tipos de sujeitos que as compem. No

    podemos deixar de reconhecer que, para alm da diversidade cultural, existem

    relaes de desigualdade social que permitem a alguns povos exercer a

    dominao sobre outros, fazendo da educao o instrumento fundamental

    dessa dominao. o caso da educao do colonizador, que no serve para o

    colonizado, diz Brando. Nessas situaes de desigualdade h pessoas e

    comunidades inteiras s quais negado o acesso a determinados bens

    culturais, justamente os mais valorizados em determinada sociedade. O prprio

    educador, muitas vezes pensando que age em nome da liberdade, pode estar

    na realidade legitimando as condies em que a dominao exercida. E essa

    a fraqueza da educao.

    No entanto, mesmo reconhecendo seus limites, o que d fundamento

    ideia de educao e mobiliza tantos educadores ao redor do mundo o

    sentimento coletivo de que, em nome de certo ideal, seu trabalho levado a

    efeito com vistas ora conformao do indivduo estrutura social, ora

    formao plena do cidado livre e emancipado ou, ainda, o sujeito poltico

    disposto a lutar pela transformao da realidade.

    Indicaes de leitura

    ADORNO, Theodor. Educao e emancipao. So Paulo: Paz e Terra, 2006.

    ARENDT, Hannah. A crise da educao. In: ______. Entre o passado e o

    futuro. So Paulo: Perspectiva, 2000.

    BRANDO, Carlos Rodrigues. O que educao. 33. ed. So Paulo:

    Brasiliense, 1995.

    DURKHEIM, mile. A evoluo pedaggica. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995.

    ______. Educao e sociologia. Petrpolis: Vozes, 2011.

    FREIRE, Paulo. Educao como prtica da liberdade. 30. ed. Rio de Janeiro:

    Paz e Terra, 2007.

    GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organizao da cultura. 8. ed. Rio de

    Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991.

    MANNHEIM, Karl. A educao social do homem. In: FORACCHI, Maria Alice

    (Org.). Mannheim. So Paulo: tica, 1982.