educaÇÃo em rolim de moura: das iniciativas privadas às

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NERI DE PAULA CARNEIRO EDUCAÇÃO EM ROLIM DE MOURA: das iniciativas privadas às ações públicas (1975-1983) UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO Campo Grande 2008

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NERI DE PAULA CARNEIRO

EDUCAÇÃO EM ROLIM DE MOURA: das iniciativas privada s às ações públicas (1975-1983)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

Campo Grande 2008

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NERI DE PAULA CARNEIRO

EDUCAÇÃO EM ROLIM DE MOURA: das iniciativas privada s às ações públicas (1975-1983)

Relatório apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Fe-deral de Mato Grosso do Sul, como requisito final para obtenção do Grau de Mestre em E-ducação, sob orientação da Professora Doutora Silvia Helena Andrade de Brito.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

Campo Grande 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA

Carneiro, Neri de Paula Si38p Educação em Rolim de Moura: das iniciativas privadas às

ações públicas (1975-1983) / Neri de Paula Carneiro - Campo Grande, MS : (222 p), 2008.

Orientadora: Silvia Helena Andrade de Brito. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul – Programa de Pós-Graduação em Educação. 1.Educação – Rolim de Moura. 2. Rolim de Moura – História. 3. Políticas Públicas – Rolim de Moura – I. Brito, Silvia Helena An-drade de. II. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul -

Programa de Pós-Graduação em Educação. III.Título.

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NERI DE PAULA CARNEIRO

EDUCAÇÃO EM ROLIM DE MOURA: das iniciativas privada s às ações públicas (1975-1983)

Relatório apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Fe-deral de Mato Grosso do Sul, como requisito final para obtenção do Grau de Mestre em E-ducação, sob orientação da Professora Doutora Silvia Helena Andrade de Brito.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________ Profª. Drª Silvia Helena Andrade de Brito

________________________________________________

Prof. Dr. David Victor-Emmanuel Tauro

________________________________________________ Profª. Drª. Regina Tereza Cestari de Oliveira

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

Campo Grande 2008

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AGRADECIMENTOS

Um trabalho desta natureza não se constrói sem a ajuda e o apoio de muitas pessoas. E mencioná-las é, não só um dever, como uma demonstração de gratidão, pois elas são co-autoras do trabalho, uma vez que sem sua ajuda e apoio não seria viável a execução da pes-quisa.

A dificuldade é que ao fazer uma lista de agradecimentos, podemos incorrer no risco e na injustiça de omitir ou esquecer alguém.

Nessa lista não poderiam ficar ausentes os “pioneiros” que nos forneceram informa-ções nem os funcionários das escolas que nos forneceram documentos e informações. Cabe um destaque especial para aquelas pessoas, aos quais chamamos de nossos “entrevistados”, por nos terem fornecido informações preciosas, sobre as experiências vividas nos primeiros tempos de Rolim de Moura.

Também não poderiam ficar ausentes nossos colegas, professores e corpo administra-tivo, das instituições de ensino em que trabalhamos durante a execução desta pesquisa. Eles souberam entender nossas ausências em função da pesquisa.

Funcionários das diversas repartições do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, de Porto Velho e Pimenta Bueno; da Secretaria de Estado da Educação, de Porto Ve-lho; da Representação de Ensino de Rolim de Moura, pela paciência e solicitude.

Nossos professores, pela capacidade em nos conduzir, com suas informações. A banca que, antes de ser examinadora, foi composta por pessoas a quem podemos

chamar de amigas: Prof. Dr. David Victor-Emmanuel Tauro e Profª. Drª. Regina Tereza Ces-tari de Oliveira, que com argúcia indicaram rumos nunca por nós imaginados.

Nossa orientadora, Profª. Drª Silvia Helena Andrade de Brito que, com sabedoria, ex-periência e, principalmente, paciência nos conduziu à este ponto final que passa a ser um rei-nício.

Minha família, esposa e filhos, Idalina Venturoso Safelicce, Raoni Ssanfelicce Carnei-ro e Maitan Sanfelice Carneiro, por terem sido compreensivos em minhas ausências, irritações e, pacientemente, souberam esperar o momento do regozijo para, exultantes, me acolher na linha de chegada.

Esses e muitos outros indicaram caminhos, veredas, trilhas que nos aproximaram de nosso objetivo. Suas indicações e palavras de reconforto foram sempre preciosas e precisas. As falhas, todas, foram cometidas por nós.

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RESUMO

Este trabalho analisa a implantação da educação escolar em Rolim de Moura/RO, no período 1975/1983. O objetivo geral é analisar as políticas públicas, as exigências e os conflitos sócio-econômicos que estiveram presentes no processo de instalação das primeiras instituições esco-lares naquela cidade, no momento histórico da instalação do município. Além disto, investiga o processo migratório referente a Rondônia e particularmente Rolim de Moura, nesse período, verificando em que medida a mobilização local interferiu para a implantação de instituições escolares naquela cidade. Para atingir estes objetivos, foi imprescindível o entendimento das categorias Estado, política pública e política educacional, bem como a análise de como uma dada forma de Estado materializou suas iniciativas, em termos de políticas públicas e, em particular, em termos de política educacional, numa região do país (Rolim de Moura-RO). É mostrado, também, o relevante papel desempenhado pela iniciativa dos moradores da região no rumo tomado pelo processo de colonização e, no seu interior, da instalação das escolas. Para tal, o trabalho foi desenvolvido com base em pesquisa documental, material bibliográfico e entrevistas sobre a instalação das primeiras escolas na cidade de Rolim de Moura, sobre as políticas que o Estado brasileiro manteve, não só para o conjunto da nação, como para a regi-ão amazônica (incluindo Rondônia) e, de modo particular em Rolim de Moura, podendo com isso entender a região inter-relacionada com a nação e a sociedade capitalista como um todo, nesse momento histórico. Neste sentido, a afirmação central do trabalho é que embora o poder público, por meio do INCRA, mantivesse uma política de instalação de instituições escolares, no caso específico de Rolim de Moura-RO, isso só aconteceu a partir da mobilização dos mo-radores da localidade. Palavras-chave: Educação – Rolim de Moura; Rolim de Moura – História; Políticas Públicas – Rolim de Moura.

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ABSTRACT This work analyses the introduction of education in Rolim de Moura/RO, in the period of 1975-1983. The general aim is to analyze the public policies, the demands and the social-economic conflicts that were present in the process of installation of the city. Besides, it investigates the migratory process related to Rondônia and specifically Rolim de Moura, in this period, checking out to what extent local mobilization interfered for the introduction of schooling institutions in that city. In order to achieve these goals, it was essential to understand the categories state, public policies and educational policy, as well as the analysis of how a certain type of state has materialized its initiatives, in the way of public policies and, particularly in the way of educational policy, in a region of the country (Rolim de Moura-RO). It also presents the relevant role fulfilled by the initiative of the residents of the region in the direction taken by the colonization process and, inside it, the installation of the schools. Thus, the work was developed based on a documentary research, bibliographic material and interviews about the installation of the first schools in the city of Rolim de Moura, about the policies that the Brazilian government held, not only for all the nation, but also for the Amazon region (including Rondônia) and, particularly Rolim de Moura, making it possible to understand the region interrelated to the nation and the capitalist society as a whole, in this historic moment. Therefore, the central affirmation of this work is that although the public power, through INCRA, did keep a policy of installation of schooling institutions, specifically in Rolim de Moura, this did not happen until the mobilization of the residents of the town. Key words: Education – Rolim de Moura; Rolim de Moura – History; Public Policies – Rolim de Moura.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AI-5 - Ato Institucional nº 5

CES - Centro de Estudos Supletivos

CEE - Conselho Estadual de Educação

DSN - Doutrina de Segurança Nacional

EFMM - Estrada de Ferro Madeira Mamoré

Emater - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado

Fundacentro - Fundação Centro de Ensino Superior de Rondônia

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LC - Lei Complementar

MEB - Movimento de Educação de Base

Minter - Ministério do Interior

PECD - Plano de Educação, Cultura e Desporto

PIB - Produto Interno Bruto

PIC - Projeto Integrado de Colonização

PIC-Gy-Paraná - Projeto Integrado de Colonização Gy-Paraná

PIN - Programa de Integração Nacional

PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

Polamazonia - Programa de Pólos Agropecuários e Agro-minerais da Amazônia

PSEC - Plano Setorial de Educação e Cultura

Psecd - Plano Setorial de Educação Cultura e Desporto

PTEC - Plano Territorial de Educação e Cultura.

SEC - Secretaria de Educação e Cultura

Sedam - Secretaria de Desenvolvimento Ambiental

SEDUC - Secretaria de Estado da Educação

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Seplan - Secretaria de Estado de Planejamento

Spvea - Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia

Sudam - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

Sudeco - Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste

UNIR - Universidade Federal de Rondônia

Usaid - Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional (United States A-

gency International Development).

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1

Localização do estado de Rondônia e do Município de Rolim de Moura. 16

Mapa 2

Localização dos PICs 21

Mapa 3

O triângulo das correntes migratórias, na década de 1980 55

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: NÚMERO DE ESCOLAS RURAIS CRIADAS EM ROLIM DE MOURA – 1975/1983 165 Tabela 2: ESCOLA PEREIRA DA SILVA: ALUNOS MATRICULADOS - 1978-1983 174 Tabela 3 ESCOLA PEREIRA DA SILVA: DESISTÊNCIA, TRANSFERÊNCIA REPROVAÇÃO - 1978-1983 175

Tabela 4 ESCOLA PEREIRA DA SILVA: DESISTÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS MATRÍCULAS – 1978-1983 176

Tabela 5 ESCOLA PEREIRA DA SILVA: TRANSFERÊNCIAS EM RELAÇÃO ÀS MATRÍCULAS – 1978-1983 177

Tabela 6 ESCOLA PEREIRA DA SILVA: REPETÊNCIAS EM RELAÇÃO À MATRICULA – 1978-1983 178

Tabela 7 TABELA 7 – ESCOLA PEREIRA DA SILVA: COMPARAÇÃO ENTRE MATRÍCULAS, REPETÊNCIAS, TRANSFERÊNCIAS E DESISTÊNCIAS – 1978-1983 178

Tabela 8 MATRÍCULA POR TURNO ESCOLA PEREIRA DA SILVA – 1978-1983 179

Tabela 9 CATEGORIAS PROFISSIONAIS QUE CHEGARAM A RONDÔNIA ENTRE 1978-1983 185

Tabela 10

MIGRANTES POR GRAU DE ESCOLARIDADE – 1979-1983 187

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO A - Roteiro de entrevista/questionário 1- Questões sobre Rolim de Moura: ANTIGOS MORADORES / PROFESSORES 2- Questões sobre Rolim de Moura: Funcionário do INCRA

ANEXO B - Documentos sobre Rolim de Moura 1- Documento provisório de posse de terra, emitido pelo INCRA indicando nome do parcelei-ro e a localização do lote. 2- “Cartão de Identificação de Parceleiro”, documento definitivo emitido pelo INCRA, indi-cando o recebimento de um lote “intransferível” de terra 3- Carta ao Governador Jorge Teixeira de Oliveira solicitando emancipação política de Rolim de Moura

ANEXO C- Fotografias de alguns pontos da cidade durante o período 1975-1983 Figura 01 – 1977: Construção considerada primeiro ponto comercial da cidade, onde teriam se hospedado as primeiras professoras ao chegar à localidade; atual cruzamento das Avenidas Norte-Sul com 25 de Agosto. Figura 2 – 1976: Primeiras construções do centro da cidade, atual Avenida 25 de Agosto Figura 3 – 1980: “Restaurante” Paca Assada. Estabelecimento comercial, espécie de estação rodoviária Figura 4 – 1983: Pátio de madeira em R. Moura. Depósito de mogno, em toras e já serrado, para exportação Figura 5 – Década de 1980: Durante a década de 1980, principalmente nos primeiros anos, a chegada de mudanças era um fenômeno intenso. Figura 6 – 1979: Escola Pereira da Silva, considerada primeira escola urbana Figura 7 – 1979: Escola Pereira da Silva, coberta com tabuinha e parede de lascas de coqueiro

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS LISTA DE MAPAS LISTA DE TABELAS INTRODUÇÃO 14

CAPITULO I:

A EXPANSÃO DAS FRONTEIRAS EM DIREÇÃO À AMAZÔNIA E RONDÔNIA 47

1- A Sociedade capitalista e o Brasil entre 1960-1980 47 2- Expansão das fronteiras nacionais em direção à Amazônia 68 3- Criação do Estado de Rondônia 80

CAPÍTULO II

A EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM RONDÔNIA NOS GOVERNOS MILITARES 88

1- O Governo Militar e a educação 89 2- A Política educacional para a Amazônia e Rondônia 113 CAPÍTULO III

ROLIM DE MOURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL DE RONDÔNIA 140

1- Rolim de Moura: O processo de formação do município 141 2- As primeiras escolas da Região 160 3- Ações públicas 189 CONSIDERAÇÕES FINAIS 198 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 205 ANEXOS 216

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INTRODUÇÃO

1- DELIMITANDO UMA ESCOLHA

Como explicar a história de uma localidade? Dentro dessa localidade como entender

algumas de suas instituições?

Antes de buscar respostas, devemos lembrar que as localidades e suas instituições po-

dem e devem ser entendidas dentro de seu contexto. Considerando que existem várias formas

a partir das quais a história de uma sociedade, de um país ou mesmo de uma determinada re-

gião de um estado, como neste caso uma região de Rondônia, o município de Rolim de Mou-

ra, pode ser estudada, apresentaremos aqui uma tentativa de explicação. Obviamente não é a

única, mas é uma das que se prestam à busca desta compreensão.

Essa afirmação em relação à história é válida também em relação à história da educa-

ção, particularizada em um recanto amazônico chamado estado de Rondônia, dentro do qual

se localiza a cidade que é o foco desta investigação. Uma investigação que fizemos não só no

contexto amazônico ou nacional, mas procurando entender a Amazônia/Rondônia, tendo co-

mo ponto de referência as transformações que se verificaram no mundo, a partir dos anos da

década de 1960. Fizemos isso porque acreditamos que mesmo os fatos que são delimitados e

contextualizados em um espaço e num tempo determinados não se explicam por si mesmos,

mas precisam ser iluminados, no seu contexto local, pelos movimentos históricos de maior

amplidão e dentro dos processos nacionais e/ou internacionais em que se inserem.

Entre as particularidades de Rondônia está seu nome. Nos tempos coloniais, a região

era conhecida como vale do Guaporé-Madeira em referência aos rios de integração por onde

passaram os bandeirantes. , sendo que seu atual território foi desmembrado dos estados do

Amazonas e do antigo Mato Grosso. Em 1943 ganhou status de “Território Federal”, com

terras desmembradas dos estados do Amazonas e do antigo Mato Grosso. Recebeu o nome de

um dos rios da região: Guaporé. Em 17 de fevereiro de 1956, em homenagem ao sertanista

Marechal Rondon, mesmo permanecendo território, foi renomeado para Rondônia. Esse nome

permaneceu com a transição para estado, ocorrida em 1981.

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O Território de Rondônia, a partir da década de 1960, apareceu como possibilidade de

ser colonizado, mas foi durante a década de 1970 que essa colonização ganhou impulso, prin-

cipalmente a partir dos Projetos Integrados de Colonização1 (PICs). Um desses PICs, o Gy-

Paraná2, foi ampliado em 1975 recebendo a denominação de “Setor Rolim de Moura”.

A região de Rolim de Moura localiza-se no centro sul do estado de Rondônia. Atual-

mente a principal atividade econômica é a pecuária de corte. No início da colonização, entre-

tanto, a base econômica era a extração de madeira e em seguida a agricultura, atividades que

se tornaram secundárias: a primeira em virtude do desmatamento, a segunda devido à lucrati-

vidade limitada em relação à pecuária desenvolvida em sistema extensivo.

A colonização da região de Rolim de Moura ocorreu a partir do início da década de

1970. O município, entretanto, surgiu pouco mais de ano após a criação do estado de Rondô-

nia, o qual se deu com base na Lei Complementar nº 41, de 22 de Dezembro de 1981 (BRA-

SIL, 2006). A instalação do estado ocorreu em 4 de janeiro de 1982, data em que é comemo-

rado o “aniversário do estado”. Por sua vez, o município de Rolim de Moura foi criado pelo

Decreto-Lei nº 071, de 05 de agosto de 19833 (RONDÔNIA, 1983), sendo que o primeiro

prefeito, indicado pelo governador, tomou posse imediatamente. Esse decreto previa a eleição

de prefeito e vereadores para coincidirem com as eleições nacionais.

A cidade de Rolim de Moura está localizada a 477 Km de Porto Velho – capital do es-

tado – e situa-se a uma altitude média de 250 metros. Suas confrontações são as seguintes:

Castanheiras, ao Norte; Santa Luzia D’Oeste e Alta Floresta D’Oeste, ao Sul; Pimenta Bueno,

São Felipe e Cacoal, a Leste e Novo Horizonte D’oeste, a Nordeste.

O acesso à cidade é feito por rodovias estaduais: Em sentido norte-sul pela RO 383,

também chamada de linha 184; em sentido leste-oeste pela RO 010, ou linha 25, que se cru-

zam, em linha reta no centro da cidade. No perímetro urbano as rodovias recebem a denomi-

nação de Av. Norte-Sul e Av. 25 de Agosto, respectivamente. As demais ruas e avenidas se-

guem a mesma configuração, dando à cidade uma formação simétrica denotando organização

e planejamento. Isso se deve à configuração do mapa do INCRA para o PIC-Gy-Paraná, Ex-

tensão Rolim de Moura. 1 Estamos utilizando a abreviatura PIC para designar o Projeto Integrado de Colonização, a qual pode ser encon-trada nos documentos do INCRA ou já consagrada pela literatura. Eventualmente poderemos nos referir ao PIC-Gy-Paraná como PIC-GPR. 2 A grafia Gy-Paraná é a mesma do nome original do projeto de colonização – PIC GY-PARANÁ, EXTENSÃO ROLIM DE MOURA – e diferente do atual nome do município, que antes fora Vila Rondônia e que hoje se denomina Ji-Paraná. 3 O Decreto 071/83 criou simultaneamente os municípios de Rolim de Moura e Cerejeiras. E fez isso a partir de dois “considerandos”, afirmando que ambas as localidades preenchiam os requisitos da lei e que essa criação era um “anseio popular manifestado nas urnas”, de uma eleição plebiscitária. (RONDÔNIA, 1983)

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MAPA 1 – BRASIL, RONDÔNIA E ROLIM DE MOURA (ilustrativo, sem Escala)

Rondônia, no sul da região Norte.

Os municípios de Rondônia, destacando Rolim de Moura e seus vizinhos.

Demarcação das linhas, de 4 em 4 km, feita

pelo INCRA

17

No mapa do projeto de colonização, verificamos a simetria de linhas note-sul, de 4 em

4 quilômetros, para a demarcação dos lotes rurais. Essas linhas, transformadas em estradas

vicinais, dão acesso à área rural do município4 sendo essa uma característica de toda a região.

Quanto à caracterização geomorfológica, um documento da Assessoria de Imprensa da

Prefeitura Municipal (ROLIM DE MOURA, 2000), afirma que a da região é formada por

“relevo em geral pouco acidentado” com manchas de terra “vermelho amarelo”, caracterizan-

do-se como de pouca fertilidade; em alguns pontos do município existe “solo arenoso e man-

chas de terra roxa”, essas sim de boa fertilidade. E do ponto de vista hídrico:

A drenagem da cidade é feita por inúmeros igarapés e riachos. Mas no perímetro do município existem rios de maior envergadura, sendo que o Rio Machado ou Ji-Paraná é o principal receptor de cursos d’água que cortam a área urbana e rural. (ROLIM DE MOURA, 2000).

Além disso, merecem destaque os rios Bamburro, Palha e São Pedro (Rolim de Mou-

ra). Este último é marco divisório entre os municípios de Rolim de Moura e Cacoal. Por den-

tro da cidade, passa, além de vários igarapés, aquele que é chamado de rio Anta Atirada5 o

qual, além de ser manancial de abastecimento, é um marco histórico para o início da cidade6.

Os rios da região são abastecidos pelas chuvas que caem de forma abundante no cha-

mado “inverno amazônico”, ou “tempo das águas”, que ocorre de outubro a março. Durante

os outros seis meses, abril a setembro, é muito raro acontecer alguma precipitação. Isso carac-

teriza um período de águas abundantes e outro período em que os níveis das águas ficam mui-

to baixos. Esse fato, acrescido do acelerado processo de desmatamento, tem gerado problemas

de abastecimento tanto na zona rural quanto urbana, inclusive com rios perenes tendo se trans-

4 O processo de ocupação ocorreu de Leste para Oeste, sendo que o ponto inicial da Extensão Rolim de Moura do PIC-Gy Paraná, corresponde à linha 208, nas proximidades da atual divisa de Rolim de Moura com o municí-pio de Pimenta Bueno. A numeração dessas linhas é decrescente em direção Oeste terminando na linha 160, nas proximidades da atual divisa com o município de Novo Horizonte do Oeste. 5 Nos primeiros anos da ocupação, as pessoas diferenciavam os rios e igarapés a partir de denominações pitores-cas como: “Igarapé da Encrenca”, “Anta Atirada”, rio “Bamburro”, entre outras denominações relacionadas a fatos, também esses, pitorescos, dos primeiros anos da ocupação. Dessa forma, foi que se denominou a esse rio, símbolo da cidade, e um dos mananciais de abastecimento urbano. Contam nossos informantes que era comum, nesses primeiros tempos, a utilização da carne de caça, como alimento. E um dos animais caçados era a anta. “uma vez matamos uma anta. Levemos a bicha arrastada até o acampamento. Foi aquela festa. Carne de anta e pinga prá todo mundo” (IDÉIAS & FATOS (f), 1998, p. 17). A partir desse fato, as pessoas passaram a se referir a esse rio como o Rio da “Anta Atirada”. 6 Informa-nos o Entrevistado D que em meados da década de 1970, o INCRA faz a abertura de uma picada, vindo de Pimenta Bueno – picada que futuramente seria a RO 010 – dando acesso à localidade em que se forma-ria o vilarejo de Rolim de Moura. O INCRA estacionou à margem direita do rio Anta Atirada e os colonos o atravessaram e, adiantando-se ao Instituto, deram início àquilo que seria a cidade de Rolim de Moura.

18

formado em temporários, além do crescente assoreamento de mananciais, fato que tem rece-

bido atenção e preocupação dos órgãos de controle e fiscalização ambiental.

Sendo uma cidade da Amazônia, o clima, evidentemente, é amazônico ou equatorial e

a pluviosidade é alta. A temperatura média se mantém próxima dos 30 ºC. Essas característi-

cas amazônicas explicam o fato de que a “vegetação dominante é a Floresta Equatorial Ama-

zônica com presenças esparsas de campos e cerrados” (ROLIM DE MOURA, 2000), com a

ressalva de que quase toda a área do município já está devastada, devido às derrubadas para

formação de lavoura, sucedida por pastagens. O mesmo documento da prefeitura municipal

assinala que em 1993 mais de 87% da área do município já estava comprometida. Atualmente

se fala em mais de 90% de desmatamento, não esquecendo que entidades como a Secretaria

de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e também a Empresa de Assistência Técnica e Ex-

tensão Rural (Emater) têm feito trabalhos de conscientização junto aos trabalhadores da área

rural a fim de recuperar parte dessa cobertura vegetal, com destaque para as campanhas de

reflorestamento das matas ciliares. Em conseqüência desse desmatamento, a situação da fauna

local

encontra-se descaracterizada, com a maioria dos animais expulsos dos seus ambien-tes naturais devido ao processo desastroso de uso e ocupação dos solos, onde, até mesmo as áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente foram submetidas à exploração por corte raso. Assim, passaram a se refugiar noutras formações flores-tais distantes. (ROLIM DE MOURA, 2000).

Em síntese, na atualidade, Rolim de Moura, em virtude do acelerado e desordenado

processo de ocupação e desmatamento, encontra-se com sua flora e a fauna bastante compro-

metidas. Além disso, podemos observar que os igarapés que passam por dentro da cidade,

embora canalizados, encontram-se em avançado estágio de degradação. Também em virtude

do solo com pouca fertilidade, a dimensão agrícola do município está comprometida, e a pe-

cuária extensiva vem se destacando, em virtude disso. Embora no longo prazo, devido a pouca

fertilidade dos solos, essa atividade também represente uma interrogação.

Do ponto de vista demográfico, podemos dizer que daqueles milhares de aventureiros

dos primeiros tempos, poucos permaneceram e se fixaram na localidade. A maioria continuou

em busca da realização de seu sonho: terra e riqueza. Os que permaneceram formaram a cida-

de em que, como ocorre de modo diferenciado em cada região do país, mantém um ciclo rota-

tivo de chegadas e saídas de migrantes7.

7 Atualmente é comum encontrarmos residências fechadas com placas de “vende-se” ou “aluga-se”, o que entre outras coisas pode indicar que seus antigos moradores já partiram, mantendo o ciclo migratório.

19

Rolim de Moura é uma das maiores cidades do interior do estado, fora do eixo da BR

364, estrada que é o principal canal de ligação de Rondônia com o sul do Brasil. Sua econo-

mia, que já teve forte influência da exploração de madeira, atualmente fundamenta-se na a-

gropecuária. Em virtude disso, começa a se desenvolver a indústria ligada à pecuária (frigorí-

fico, laticínio, curtume de couro), além de outras de pequeno porte, de beneficiamento, liga-

das à agricultura. A cidade, na década de 1980, contou com aproximadamente 200 serrarias e

foi considerada “capital da madeira”, conforme se lê na fachada do prédio que abrigou uma

estação rodoviária. Atualmente, restam poucas e pequenas indústrias de extração e beneficia-

mento de madeira, ligadas, principalmente, à produção e exportação moveleira. O comércio

atende, prioritariamente, à população local, mas devido ao fato de ser uma cidade de porte

médio e um pólo regional, moradores de municípios vizinhos complementam suas compras

nessa cidade, além de buscar em Rolim de Moura o atendimento de vários serviços públicos,

como o bancário, fazendário e médico.

A Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) indica que mais de 87% da população

é alfabetizada. O sistema escolar é atendido pelas redes municipal, estadual, federal e particu-

lar. A rede municipal atende, principalmente, a área rural, oferecendo ensino fundamental. A

área urbana conta com duas creches e três escolas que oferecem desde o ensino pré-escolar até

a nona série. Em virtude do crescente aumento da população, atualmente verifica-se um pro-

cesso de expansão da rede municipal urbana, em consonância com a atual legislação que esta-

belece as obrigações para cada uma das esferas públicas. A rede estadual, com atendimento

de ensino fundamental e médio, conta com 12 escolas. Dessas, 11 localizam-se na sede do

município, das quais 6 oferecem ensino fundamental e médio e as demais apenas o ensino

fundamental. A décima segunda escola localiza-se no distrito de Nova Estrela, oferecendo

ensino fundamental e médio. A rede federal conta com um campus da Universidade Federal

de Rondônia (UNIR), no qual são oferecidos os cursos de Pedagogia e Engenharia Agronômi-

ca, além de cursos em nível de especialização. Por sua vez, a rede particular conta com cin-

co estabelecimentos, atendendo do pré-escolar ao ensino superior. À rede particular, pertence,

também, uma instituição de ensino superior que oferece cursos de Ciências Contábeis, Admi-

nistração, Turismo, Psicologia e Direito, além de vários cursos de especialização, com pers-

pectiva de expansão na oferta de cursos de graduação voltados para o magistério. Além dessa,

outras instituições oferecem, fora de seus centros, cursos de pós-graduação em nível de espe-

cialização; além disso, algumas instituições estabeleceram centros de ensino a distância.

20

Também merece ser mencionado o fato de que uma segunda instituição particular está refor-

mando um prédio para instalar vários cursos de ensino superior, previstos para 2008.

O período para o qual voltaremos nossa atenção está compreendido entre os anos de

1975 a 1983. Como a história não é feita de fatos isolados, mas é um processo, faz-se necessá-

ria uma análise de maior extensão sobre a evolução mundial, sobretudo a partir da primeira

metade do século XX até o início da década de 1980. Dentro desse período, se desenvolveram

transformações que repercutiram no Brasil, acionando os processos sociais que ocorreram em

nosso país ocasionando, entre outras, a ocupação da Amazônia. Sendo assim, para entender a

singularidade da educação em Rolim de Moura, é necessária a análise do processo histórico

nacional e mundial do período aqui especificado: do início da ocupação da região, a partir de

1975, até a criação do município que recebeu o nome de Rolim de Moura, em 1983.

Essa delimitação espaço/temporal (1975-1983)8 justifica-se: o início da década de

1970 foi quando os primeiros migrantes chegaram e se instalaram na região. Há depoimentos

afirmando que em 1972 já havia pessoas se instalando nas proximidades de onde hoje é a ci-

dade de Rolim de Moura, o que indicaria e caracterizaria um início da ocupação. Entretanto,

tomamos como referência e ponto de partida o ano de 1975, data em que o INCRA iniciou o

processo de expansão do PIC GY-Paraná o que, como estamos mostrando, veio em resposta

ao processo sócio-econômico nacional. Nesse ano, o Instituto, começou a distribuir lotes ru-

rais e em 1976 foi feita a distribuição de lotes urbanos em virtude da formação de um vilarejo

aonde veio a ser a cidade de Rolim de Moura. Ato contínuo, começou a mobilização dos mo-

radores para a instalação da primeira escola. Nossa data limite, 1983, um ano após a criação

do Estado de Rondônia, também se caracteriza pela mobilização de moradores originando um

plebiscito, que respaldou o decreto do governador do estado para criar o município. Esse fato

implicou em mudanças nas políticas de administração local, de ocupação e da educação. Ape-

nas um panorama não se alterou: a permanência do governo militar que se impôs em 1964.

8 A pesquisa que estamos desenvolvendo retomou o processo e o período inicial da ocupação da região: início da década de 1960. Mas isso foi feito com a finalidade de compreender o processo de ocupação regional, dentro da perspectiva do governo militar, em que a região norte aparecia como que respondendo a muitas expectativas e trazendo muitas soluções, dentro do slogan do “integrar para não entregar”, baseado nos princípios da Lei de Segurança Nacional e a promoção do Brasil como “potência”, o que estava dentro dos “objetivos da Doutrina de Segurança Nacional – sustentação ideológica de todos os governos militares desde 1964 – que tinha como lemas ‘desenvolvimento com segurança’ e ‘integração nacional’” (HABERT, 2003, p. 20).

21

MAPA 2 - LOCALIZAÇÃO DOS PICs, DESTACANDO O PIC GY-PARANÁ (ilustrativo, sem escala)

Fonte: INCRA, 1971, p. 51. (adaptado para este trabalho).

22

Nosso objetivo, com este estudo, é ampliar o conhecimento e compreensão das exi-

gências que resultaram no processo de instalação das primeiras instituições escolares em Ro-

lim de Moura, no período em questão, tendo como norte as políticas públicas para a ocupação

regional e para a educação.

Para atingir esse objetivo, se foi necessário analisar os documentos atinentes a esse

processo, a bibliografia específica sobre a região, sobre as migrações, políticas públicas e so-

bre educação, bem como sobre Rondônia e Rolim de Moura. Também, foi com esse intento,

que investigamos o processo de ocupação regional, entendendo que com isso é possível com-

preender o processo de instalação das instituições escolares em Rolim de Moura. Para tanto,

além da bibliografia pertinente, nos foi útil a coleta de informações oriundas dos depoimentos

de algumas pessoas que estiveram envolvidas na dinâmica dos fatos.

Este estudo, também, pode oferecer uma contribuição para a historiografia. Até o pre-

sente, são poucos os estudos específicos sobre o processo de ocupação de Rondônia e raros os

que contemplam o processo de implantação de escolas na região. Existem alguns textos con-

tando aspectos da história dos primeiros ocupantes, entretanto são narrativas realçando aspec-

tos da vida de alguma família em particular ou com a preocupação de valorizar ações de per-

sonagens específicos. Isso não significa que não se tenham desenvolvido pesquisas em e sobre

Rolim de Moura, mas foram realizadas a partir de outras perspectivas, apenas fazendo alusões

a aspectos da história, da história da educação ou das políticas públicas para a educação.

Como verificaremos adiante, podemos dizer que Rondônia – e dentro do estado, Rolim

de Moura – desenvolveu-se a partir do processo de migração. Dessa forma, o que pretende-

mos, na realidade, é olhar para Rolim de Moura a partir das políticas públicas e educacionais;

a partir dos conflitos e contradições que levaram o governo militar a se voltar para a ocupação

da Amazônia como uma forma de minimizar ou ocultar estes mesmos conflitos e contradições

inerentes ao processo. Procuraremos mostrar que não só a expansão das fronteiras, mas tam-

bém a criação do estado de Rondônia, e de Rolim de Moura, e a conseqüente instalação de

instituições escolares foram mecanismos utilizados pelo capital a fim de acomodar os confli-

tos que estavam acontecendo ou por acontecer, em decorrência da contradição capitalista.

Noutras palavras, podemos dizer que a educação, em Rolim de Moura, no período em

questão, foi determinada por circunstâncias nacionais e internacionais bem definidas e que

podem ser compreendidas quando olhamos para a história internacional e nacional. Com essa

finalidade, fizemos leituras de obras de autores que já se dedicaram a compreender não só o

23

processo migratório como a ocupação de Rondônia/Amazônia, abrindo o horizonte para a

compreensão do processo de ocupação de Rolim de Moura.

A perspectiva deste estudo centra-se em duas frentes. Por um lado, as políticas públi-

cas para a educação nos projetos de colonização, mantidos pelo INCRA, visando entender o

processo de instalação de instituições escolares nos projetos de colonização e particularmente

no PIC Gy-Paraná, no qual se insere Rolim de Moura. De outro lado, volta-se para os possí-

veis conflitos sócio-econômicos detectados a partir da análise documental e entrevistas com

professores e colonos que participaram da instalação das primeiras instituições escolares nessa

cidade.

Em face disso, podemos colocar o problema a ser pesquisado: no caso de Rolim de

Moura, a ocupação da região e formação da cidade se fez à revelia do INCRA e dos projetos

de colonização. A ocupação asistemática e massiva obrigou o INCRA a vir atrás dos colonos,

distribuindo terra, fazendo estradas e abrindo escolas. Embora os projetos de colonização pos-

suíssem, não uma política educacional, mas a perspectiva de instalação de escolas, isso não se

aplicou – ao menos de imediato – a Rolim de Moura. Essa situação leva à indagação sobre

qual teria sido a política educacional que deu sustentação à implantação das primeiras escolas

da cidade, no momento da ocupação sistemática de Rondônia.

Essas perspectivas nos remetem a algumas questões que sintetizam nossas indagações:

Havia ou não uma política definida para a implantação de instituições escolares, em Rolim de

Moura, no início de sua colonização, entre 1975-1983? A implantação dessas instituições se

deu a partir de políticas públicas assim definidas, ou a partir da mobilização dos atores sociais

dessa localidade?

Quais foram os conflitos e exigências sócio-econômicas que resultaram na instalação

das primeiras instituições escolares de Rolim de Moura, entre 1975 e 1983, do surgimento das

primeiras habitações até a criação do município?

Como o Estado, nesse momento histórico materializou suas iniciativas, em termos de

políticas públicas, e, em particular, em termos de política educacional, nesta região do país

que recebeu o nome de Rolim de Moura?

Essas são algumas indagações que procuramos responder com este trabalho, a fim de

compreendermos não só a Amazônia e Rondônia, como também a própria constituição de

Rolim de Moura. Para isso, foram utilizadas não só as referências bibliográficas que estamos

apontando, ao lado da documentação examinada, como, também, os depoimentos dos entre-

24

vistados. Tudo isso iluminado por algumas categorias de análise que nos permitem o suporte

teórico necessário. Antes disso, entretanto, vejamos os passos metodológicos que daremos a

fim de desenvolvermos o trabalho.

2- UMA METODOLOGIA

A pesquisa que aqui apresentamos é resultante de um trabalho de coleta de informa-

ções sobre o processo de instalação das primeiras instituições escolares. A finalidade disso é

proceder ao resgate de uma dimensão da história, especificamente da história da educação

regional. Isso foi feito a partir de várias entrevistas, mas também pela análise das políticas que

o Estado brasileiro manteve não só para o país, como para a região amazônica e particular-

mente Rondônia.

O trabalho que aqui apresentamos, portanto, além de preencher uma lacuna na história

da educação de Rolim de Moura, presta um serviço à região, trazendo-a para o circuito da

discussão acadêmica. Dessa forma, além de entrar para o rol das discussões, a região terá par-

te de sua memória preservada, pois o que aqui realizamos, fizemos a partir da memória de

colonos e professores que estiveram envolvidos neste processo da implantação das escolas. E

com isso, estaremos também oferecendo aos professores locais e ao demais interessados mais

um material a ser consultado na busca de informações sobre a localidade e algumas de suas

instituições. Acreditamos que esta pesquisa esteja prestando um serviço à sociedade: do pas-

sado, ao preservar sua memória; do presente, ao disponibilizar informações.

Com isso, queremos afirmar a amplidão do campo a ser pesquisado e que admite, além

deste, outros estudos nesta mesma área ou com outros enfoques. Podemos afirmar, também,

que há pouca pesquisa, não só sobre educação, mas também sobre a memória e a cidade. A-

lém disso, a preservação da memória é sempre um serviço não ao poder publico ou à classe

dominante, mas aos trabalhadores, quase sempre esquecidos na história. Parece-nos, portanto,

necessária a preservação da memória dos trabalhadores nos processos históricos, justamente

para que percebamos e destaquemos sua ação como agentes nesses processos. Isso, entretanto,

precisa ser feito não só como registro espontâneo, assistemático como por vezes acontece,

mas com os critérios da ciência; não só para o registro de preservação, mas para a análise, a

fim de podermos conhecer os meandros e o cotidiano desses personagens, ainda, anônimos.

25

Enquanto para a história das instituições públicas seja possível, na maioria das vezes,

recorrermos aos arquivos – mesmo sabendo que muitos arquivos estão em processo de degra-

dação, devido à despreocupação com a preservação de fontes históricas – o mesmo não ocorre

com a memória dos grupos sociais ou dos movimentos sociais. Em razão disso, muitas vezes

a memória daquele que viveu o processo perde-se, pelo esquecimento ou pelo desaparecimen-

to do agente. Dessa forma, é imprescindível que se proceda ao registro, antes que a memória

se perca. E fazemos isso não só com a preocupação de não perder a versão de quem viveu o

fato, mas com o objetivo de valorizar os agentes da história: as pessoas, homens e mulheres,

que se impuseram sobre suas dores, dificuldades e até mesmo sobre dificuldades burocráticas

eventualmente criadas pelo poder público. A história pode ser estudada, portanto, não só por

meio de registros e documentos, mas também por meio da narrativa oral, mais particularmente

pela história de vida.

Devemos registrar outra preocupação – talvez a principal – que motivou esta pesquisa:

ainda é possível fazer contato direto com os agentes dos fatos, objeto deste estudo. Pesquisa-

dor e pesquisados podem se encontrar no cotidiano do universo pesquisado. E esta é uma vir-

tude deste trabalho: registrar e preservar a palavra daqueles que viveram a história educacio-

nal da região, em seu nascedouro. O trabalho poderá colaborar com a preservação da memó-

ria, como proposto por Bosi (1998), ao discutir a lembrança de velhos em Memória e Socie-

dade. E nós utilizamos aqui a mesma justificativa da autora: registrar a memória de colonos e

professores e “através dela, a vida e o pensamento de seres que já trabalharam por seus con-

temporâneos e por nós. Esse registro alcança uma memória pessoal que, como se buscará

mostrar, é também uma memória social, familiar e grupal” (BOSI, 1998, p. 37).

Em síntese: fizemos este estudo pela urgência e necessidade de registrar a palavra dos

agentes dos fatos estudados. Se hoje ainda é possível conviver com os agentes da educação

rolimourense, isso não acontecerá por muito tempo: alguns estão se mudando para outras re-

giões e outros estão sendo levados pela morte. O trabalho final é isto que o pesquisador pode

captar de toda a documentação primária e secundária que foi consultada, com a consciência de

ter feito o que era possível, mas sabendo que muito mais ainda há por fazer.

Os dados coletados junto aos entrevistados, na bibliografia e documentos que consul-

tamos, não serviram apenas como memória ou para uma descrição de fatos, mas foram obje-

tos de análise mediante a qual pretendemos compreender a região inter-relacionada com a

nação e o mundo. Estamos nos baseando na afirmação de Marx e Engels quando dizem que a

história não é sucessão de fatos ou ação de personagens heróicos, mas é a explicitação “das

26

lutas de classes” (MARX; ENGELS, [197?], p. 21). E querendo chegar a essa “concretude”

ou materialidade, seguimos alguns caminhos, lógicos e viáveis para atingir o objetivo propos-

to. Primeiramente, lançamos mão da bibliografia especializada que deu suporte teórico; da

bibliografia sobre Rolim de Moura, na qual localizamos informações que foram comparadas

às informações oriundas dos depoimentos das pessoas entrevistadas. Isso implica dizer que

realizamos uma pesquisa em duas frentes: uma delas a bibliografia e documentos, o que foi

objeto de reflexão e análise; outra, desenvolvida em campo, na forma de entrevistas com pro-

fessores, colonizadores e ex-alunos, das primeiras escolas de Rolim de Moura. Esses depoi-

mentos ajudaram a confrontar os dados documentais e teóricos, a fim de nos ajudar a compre-

ender mais claramente os processos em que foi feita a história da educação. O rol de informa-

ções daí oriundas foi analisado e agora é aqui apresentado.

Para o desenvolvimento deste trabalho, fizemos um levantamento prévio a fim de lo-

calizar pessoas que, de alguma forma, se relacionassem com o período em questão (1975-

1983). Dentro desse universo, selecionamos algumas pessoas significativas em função do

papel desempenhado não só nos anos iniciais de Rolim de Moura como, principalmente, aque-

las que de alguma forma se relacionaram com o processo de instalação das primeiras escolas

na região. O primeiro critério adotado para essa seleção de entrevistados foi a antiguidade, ou

seja, optamos sempre pela entrevista com o morador mais antigo, pelo fato de acreditarmos

serem os que conviveram mais proximamente com os episódios e o período que são objeto de

nossa investigação.

Não nos foi difícil selecionar esses antigos moradores pelo fato de que várias dessas

pessoas já eram nossas conhecidas de outras pesquisas e, em função disso, a abordagem das

mesmas, para que nos respondessem aos questionários e/ou gravassem as entrevistas (roteiro

no anexo A), não foi um problema. Todos foram gentis ao nos acolher e fornecer as informa-

ções, pois sabem que desempenharam um papel importante e têm consciência de que devem

transmitir suas memórias a fim de que elas não se apaguem na dinâmica do tempo. Conside-

rando, inclusive, que alguns desses antigos moradores se sentem menosprezados pelas autori-

dades em seu “pioneirismo”, como se lê numa entrevista do ano 2000, em que o entrevistado

afirma que gostaria de ser mais respeitado: “acho que a gente merecia mais respeito. A gente

ajudou a abrir esta cidade, fazendo carreador, fazendo estradas, fazendo ponte no braço e na

moto-serra. Foi muito sofrimento para pouca consideração das autoridades” (IDÉIAS & FA-

TOS (f), 2000, p. 20). Dessa forma, ao serem abordados por alguém que esteja pesquisando,

27

ou interessado em sua história, sentem-se valorizados por terem prestado e estarem prestando

um serviço aos descendentes.

Além disso, procuramos nos colocar na posição não só de pesquisador, mas participan-

te do processo. Algo como o que propõe Bosi (1998) ao dizer que: “a observação mais com-

pleta dos fenômenos é a do observador participante. Uma pesquisa é um compromisso afetivo,

um trabalho ombro a ombro com o sujeito da pesquisa”; como a realçar a necessidade de o

pesquisador se envolver com o objeto pesquisado, mas sem coisificá-lo, como, continua a

autora, afirmando que a pesquisa “será mais válida se o observador não fizer excursões saltuá-

rias na situação do observado, mas participar de sua vida” (BOSI, 1998, p. 38). Essa postura,

também não nos foi difícil visto residirmos na mesma localidade em que vivem nossos infor-

mantes. A proximidade geográfica nos facilitou compreender os anseios dos pesquisados ao

mesmo tempo em que nos colocou lado a lado.

Dentro de um universo de mais de 50 pessoas que localizamos e que poderiam nos

conceder informações selecionamos 149, por serem bastante significativas. Além do critério

antiguidade, optamos por pessoas que direta ou indiretamente estiveram ligadas à atividade

escolar. Algumas delas exerceram a atividade de professores, no período estudado (1975-

1983). Outras foram alunos. Alguns desses moradores exerceram atividades distintas da edu-

cacional, mas sua residência inicial havia sido nas proximidades de uma das escolas, como o

caso de um dos entrevistados, mencionado por vários dos demais, e que teria sido um dos

primeiros moradores e possivelmente o primeiro a instalar um ponto comercial no centro da

cidade. Essa, portanto, assim nos pareceu, seria uma das pessoas que mais informações pode-

riam nos oferecer. Além disso, esse informante foi um dos que mais de perto acompanhou o

processo de instalação da primeira escola no perímetro urbano, pois esta foi construída pró-

xima de sua residência. Além do fato de ter sido em seu estabelecimento comercial que aque-

les que se dizem primeiros professores da cidade se hospedaram, para erguer suas residências.

Aqui estamos identificando nossos informantes usando a denominação de Entrevista-

do acrescido de uma letra do alfabeto, começando com o “Entrevistado A” até o “Entrevistado

O”. Cabe ressalvar que na construção do texto definitivo não foram utilizadas nem citadas

todos os depoimentos, pois muitas falas repetem as mesmas idéias. Alguns dos nossos entre-

vistados já nos haviam fornecido informações, em outras oportunidades e, em razão da rique-

za de detalhes, também nos utilizamos dessas falas anteriores.

9 Além destas, fizemos outras entrevistas que não foram aqui referenciadas por não estarem devidamente docu-mentadas.

28

Além dos entrevistados especificamente para este trabalho, valemo-nos de outras en-

trevistas/informações já publicadas em anos anteriores na revista Idéias & Fatos que, no perí-

odo 1998-2000, publicou informações gerais e entrevistas com os moradores mais antigos,

numa seção denominada “Galeria dos Pioneiros”.

Atualmente, vários desses entrevistados são aposentados. Dos Seis professores entre-

vistados quatro são aposentados; uma dessas, além de ser filha de uma das professoras apo-

sentadas, e foi aluna das primeiras escolas; outro professor, no período em foco, era funcioná-

rio do INCRA. Além desses, outros dois informantes, já aposentados, desenvolvem atualmen-

te atividades autônomas. Três entrevistados são funcionários públicos, um em Porto Velho e

dois em Rolim de Moura. Dois entrevistados permanecem desenvolvendo atividades no meio

rural e hoje são pecuaristas. Um, comerciante, é filho de um dos mais antigos moradores, fez

parte dos primeiros alunos.

As idades de nossos entrevistados variam entre 40 a 70 anos. Ou seja, estamos traba-

lhando com duas gerações: os colonos que vieram atraídos por alguma perspectiva de vida

melhor; e seus filhos, já nascidos, que cresceram na cidade, alguns continuando o trabalho de

seus pais (professores), ou em outras atividades no comércio ou no meio rural.

Os nossos entrevistados, com exceção de dois nordestinos, são originários das regiões

sul e sudeste (Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina).

As entrevistas que realizamos foram feitas a partir de um questionário padrão (anexo

A). Os depoimentos foram colhidos em vídeo VHS ou fita cassete, salvo quatro exceções, em

que os entrevistados responderam por escrito. O questionário funcionou como um roteiro a

partir do qual entrevistado e entrevistador conversaram sobre o tema. Tivemos esse cuidado

com a gravação por ser um meio menos formal, a fim de deixarmos o entrevistado mais à

vontade. Além disso, os meios mecânicos podem ser mais duráveis para preservar a fala ori-

ginal. Dessa forma, poderemos retomar, sempre que necessário, a essas palavras originais.

Os documentos analisados são originários de várias fontes: do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) nos utilizamos dos Planos Nacio-

nais de Desenvolvimento (PNDs), Planos Setoriais de Educação, a Lei 5.692/71 e cópia do

Ato Institucional nº 5 (AI-5); do arquivo da Secretaria de Estado do Planejamento (Seplan) e

da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) de Porto Velho, de onde fotocopiamos os pla-

nos territoriais de educação e dados sobre as primeiras escolas estaduais; da Biblioteca do

INCRA (Porto Velho), colhemos as informações sobre o Instituto e sobre sua política a res-

29

peito da colonização e o papel das escolas, no processo de assentamento; da Representação de

Ensino de Rolim de Moura10 (REN) colhemos informações sobre a documentação das escolas

e sobre o número de alunos matriculados. A Secretaria Municipal de Educação e o Departa-

mento de Imprensa da Prefeitura de Rolim de Moura, forneceram listas de suas escolas bem

como as respectivas datas de criação (e extinção, na maioria dos casos), além de uma síntese

histórica sobre o município. A partir da lista, fornecida pela Secretaria Municipal de Educa-

ção, pudemos constatar que não só o território do município diminuiu, como também o núme-

ro de escolas.

Essa documentação foi trabalhada em leituras comparativas. Afirmações e dados da

documentação foram comparados com as informações dos depoimentos colhidos entre nossos

informantes. Pudemos constatar que em linhas gerais as informações coincidem, mas os en-

trevistados, além da informação, nos ofereceram suas interpretações de fatos cotidianos que

não se poderiam alcançar somente pela leitura de documentos antigos, como o fato de algu-

mas construções – de residências ou de escola – serem inicialmente de lascas de coqueiro e

cobertas com lona ou com tabuinha11. Além disso, só o documento não traria a informação

sobre o primado da ação dos moradores locais, sobre a ação estatal, como no caso da forma-

ção da cidade de Rolim de Moura, em que a população se antecipou aos planos e determina-

ções do INCRA.

3- O QUE JÁ FOI PRODUZIDO (revisão bibliográfica)

Um leitor desatento corre o risco de ler textos sobre a história de Rondônia, e ser leva-

do por alguns equívocos, não de datas ou cronologia, mas por uma visão linear dos fatos, em

que prevalecem as narrativas em tom de aventura e heroísmo de personagens marcantes. Não

queremos negar ou menosprezar essa forma de contar a história deste estado, pois obras dessa

natureza, principalmente as de primeira mão, têm sua importância12 visto que, em geral, tra-

tam do fato com os olhos e as mãos de quem vivenciou, fez parte, viveu e sofreu o fato narra- 10 Em Rondônia usa-se a denominação de Representação de Ensino (REN), para o órgão local que representa a Secretaria de Estado da Educação. Cada município tem sua REN. 11 Nossos informantes nos indicaram que essa forma de cobertura era a mais usada, em detrimento da folha de coqueiro, que também se usou, mas que era preterida. A lona era usada pela praticidade; a tabuinha pela durabi-lidade. 12 Alves (2003), fala dessa importância, referindo-se à história da Educação do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, dizendo que “foi relevante a contribuição dada por essas obras, pois elas contêm numerosas indicações de fatos e de eventos educacionais, além de precisarem datas e personagens [...] são os relatos sobre situações vivi-das e testemunhadas diretamente pelos autores” (ALVES, 2003, p. 34).

30

do; ou, no mínimo, esteve com ele envolvido. Esse tipo de literatura traz a informação que

deve, depois, ser analisada e contextualizada pelos pesquisadores.

Entretanto, esse tipo de literatura, não está “isenta das opiniões dos protagonistas e das

correntes de opinião resultantes de interesses ocasionais” (LEAL, 1984, p. 13). Isso não signi-

fica que se esteja dizendo, nem pretendendo a neutralidade da ciência. Pretende-se afirmar

que esse tipo de literatura tem outra finalidade. Esses textos têm o objetivo de fazer o registro

de primeira mão; pode e deve ser consultado pelo pesquisador, pois:

Onde a documentação é reduzida e não apenas detalhes, mas também decisões to-madas, ocorrências de maior importância, registro de datas e desempenho de pesso-as, permanecem somente na memória daqueles que tiveram participação direta no desenrolar dos acontecimentos, o registro histórico terá que ser feito antes que as fontes de informação deixem de existir. [...].

[...] Sem a pretensão de fazer história, desejando apenas reavivar fatos que já vão fi-cando no esquecimento, e considerando a importância da BR-364 na vida econômi-ca de Rondônia, como fator decisivo na criação das condições que permitiram a transformação do Território em Estado, aceitei relembrar episódios dos quais fui participante, procurando contribuir, ainda que com parcela reduzida, para que as novas gerações de rondonienses tenham melhores condições de conhecer um perío-do que marcou a divisão da vida de Rondônia. (LEAL, 1984, p. 13, grifos nossos).

Algo semelhante afirma Graig, dizendo que sua obra é uma “narrativa fiel de nossas

reminiscências e dos dados que conseguimos coligir” (GRAIG, 1947, p. 7, grifo nosso). Ou

seja, o autor afirma estar redigindo suas lembranças em consonância com os depoimentos de

seus companheiros que, em 1878, pretenderam “construir uma estrada de ferro que contornas-

se as quedas e corredeiras do Alto Madeira” (Ibid, p. 5). Estamos em contato, nestes casos,

com autores que tratam de suas memórias e não de historiadores. Suas obras são o que poderí-

amos chamar de porta de entrada para a pesquisa histórica.

Em função disso, podemos dizer que sobre Rondônia e Rolim de Moura podem ser

encontrados vários tipos de textos, desde estudos sistemáticos até matérias jornalísticas, ou

como classifica Centeno (2007): “Produção Memorialistica e Produção Historiográfica”, di-

zendo que “os memorialistas, envolveram-se diretamente com as questões tratadas, foram

protagonistas dos relatos e registraram impressões sobre o passado próximo ou sobre o pre-

sente, com base em suas lembranças”. Esses autores, não têm “a pretensão de abordar a histó-

ria de forma sistemática. Geralmente, escreveram sob a forma de crônicas e consultaram, so-

bretudo, fontes orais” (CENTENO, 2007, p. 33). Entre os que podem ser chamados de “me-

morialistas” encontramos um significativo volume de literatura sobre Rondônia e Rolim de

Moura.

31

A “Produção Memorialística” pode ser associada às produções daqueles autores que,

como diz Alves (2003) ao comentar a historiografia da educação de Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul, dedicam-se “de forma diletante aos estudos históricos” (ALVES, 2003, p. 36).

Isso para diferenciá-los daqueles que se dedicam a “pesquisa científica nas universidades, seja

no âmbito da história da educação [...] seja no âmbito das ciências humanas e sociais” (Ibid, p.

41). O autor reitera que na produção diletante “ocorre a sistemática repetição dos registros dos

cronistas, do texto legal e do discurso extraído do das mensagens governamentais” (Ibid, p.

39), sem análise, pois sua finalidade não é crítica, mas, em alguns casos, apenas o registro,

como tem ocorrido em relação à história de Rondônia e Rolim de Moura.

Podemos ilustrar essa produção frisando que algumas dessas obras são memórias de

seus autores e remontam ao início do século XX13. Outros textos são mais recentes, como o

livro de Meneses (2001) Retalhos para a história de Rondônia, visto que seu escopo é relatar

fatos ou arrolar documentos sobre fatos da história de Rondônia; ou então a enumeração de

datas, decretos de criação de municípios e sucessão de governadores, como feito por Matias

(1998) em Pioneiros14. Seguindo essa mesma metodologia, mas se detendo sobre o municí-

pio, Oliveira, (2001) produziu Evolução histórica e geográfica de Rolim de Moura.

Entre os que têm Rolim de Moura como objeto, mas não tratam a história cientifica-

mente podemos mencionar as obras de Pessoa (1988), Rolim de Moura: um ponto de vista, ou

o que o próprio autor chama de “álbum familiar” Rolim de Moura: Seus Pioneiros e Desbra-

vadores de Lopes (1989), obra na qual apresenta, além da trajetória de sua família, fotos da

produção agrícola, dos primeiros anos de colonização de Rolim de Moura.

Ainda sobre esta cidade, podemos mencionar algumas produções periódicas em jor-

nais ou revistas. Nós mesmos publicamos vários textos sobre Rolim de Moura, em jornais da

região e na revista “Idéias & Fatos”, a qual tinha como preocupação não a análise dos proces-

sos históricos, mas a preservação de vários depoimentos de antigos moradores.

13 Podemos inicialmente destacar algumas obras mais antigas retratando períodos anteriores ao que estamos analisando. Entre essas podemos mencionar: Rondônia, de E. Roquette-Pinto (1938), tecendo comentários sobre as nações indígenas e as atividades de Rondon, na região do atual estado de Rondônia. Outra obra antiga é Es-trada de Ferro Madeira-Mamoré: História trágica de uma expedição do norte americano Neville B. Graig (1947), na qual é narrada as aventuras e dores de uma das empreitadas norte-americanas para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A respeito dessa Ferrovia, também pode ser mencionada A Ferrovia do dia-bo, de Manoel R. Ferreira (2005). Também podemos mencionar O outro braço da cruz, com as memórias do ex-Governador Paulo N. Leal, (1984) sobre a abertura da BR 364, no último ano do governo JK. 14 Várias outras obras poderiam ser mencionadas, retratando aspectos da história de Rondônia ou da Amazônia. Só a título de exemplo mencionemos os seguintes livros: Lima (1997) Terras de Rondônia; Lima e Veloso (2002) Espaço e Sociedade Rondoniense; Reis (2001) A Amazônia e a integridade do Brasil; Lopes (2000) Ron-dônia, raízes e memórias; Hugo (2000) Cinqüenta anos do Território Federal do Guaporé

32

Entre aqueles os que se dedicaram à “pesquisa científica”, como sugere Alves (2003),

ou na classificação de Centeno (2007), fizeram uma “produção historiográfica” sobre Rondô-

nia e Rolim de Moura, podemos mencionar o livro de Teixeira e Fonseca (2001), História

Regional (Rondônia), no qual podemos encontrar várias informações passiveis de serem tra-

balhadas e cotejadas com outras pesquisas. Por sua vez o livro de Perdigão e Basségio (1992)

Migrantes Amazônicos – Rondônia: a trajetória da ilusão trata das migrações para Rondônia;

o processo é classificado como uma “trajetória da ilusão”, porque, afirmam os autores, os mi-

grantes foram usados pelo capital para “amansar” a terra que seria posteriormente repassada

aos latifundiários. Podemos mencionar, também, o livro de Lima (2001) Do Monte Nebo a

Jaru: um passado a ser conhecido, obra à qual nos reportaremos, mais à frente, em busca de

mais informações sobre o processo migratório; seus comentários remontam ao período colo-

nial até chegar aos tempos atuais15.

Alguns pesquisadores em razão de suas dissertações e teses, produziram estudos nos

quais trazem algumas informações históricas, como a dissertação de Dorosmil A. Moreira,

(2001), “Processo de Interiorização da Universidade Federal de Rondônia, de 1982-1999”,

estudo no qual o autor analisa o processo de formação de campus da UNIR em várias cidades,

especificamente o de Guajará Mirim. Por sua vez, a dissertação de Maria I. Moura (1997) Os

cursos de Letras da UNIR: Embate entre representações sociais prévias e representações

construídas em projetos de mudança, como sugere o título, analisa o curso de Letras da Uni-

versidade Federal de Rondônia. Nesses trabalhos podem ser encontrados breves comentários

sobre a UNIR, sua estrutura e processo histórico de expansão e interiorização, com criação de

alguns dos campi dessa universidade, saindo da capital para o interior do Estado. Esses estu-

dos analisam aspectos da história da educação e de políticas educacionais, mas não são produ-

ções históricas nem de história da educação.

Várias outras fontes podem ser destacadas. Mencionamos alguns periódicos como as

revistas NORTE, ligada ao campus da UNIR em Rolim de Moura e a Revista FAROL da Fa-

culdade de Rolim de Moura, além do periódico eletrônico Primeira Versão, ligado à UNIR.

Do periódico eletrônico “Primeira Versão”, entre outros destacamos o artigo de Sal-

vador Cim16 (2002) O Processo Migratório de Ocupação no Estado de Rondônia - Visão His-

15 Embora seja um olhar mais amplo, pois se dedica à História da Amazônia, o livro de Souza (1994) Breve His-tória da Amazônia pode ser mencionado, pois insere Rondônia em seus comentários. 16 Os artigos de Walterlina Brasil (2002) Ciência e Educação Superior na Amazônia e de Alberto Lins Caldas (2001) A universidade nas Rondônias, nesse mesmo periódico, são exemplos de estudos realizados por historia-dores, mas voltados para a reflexão sobre a situação educacional, no estado.

33

tórica. Por sua vez, na Revista Norte, do Campus da UNIR, em Rolim de Moura, os estudos

sobre educação e comentários sobre a ocupação do município de Rolim de Moura são coloca-

dos lado a lado. Relacionados à história destacamos os artigos de Gilmar S. Nascimento17

(1999), O homem migrante: imensidão do vazio, comentando aspectos da ocupação de Rolim

de Moura e o comentário de Arlene M. Fujihara (1999) sobre aspectos da educação superior

no município, no artigo O processo de interiorização e a formação de professores na Univer-

sidade Federal de Rondônia. Na revista da Faculdade de Rolim de Moura, Revista Farol18,

podemos destacar estudos como o de Fujihara (2005) Migração de 1970 – Um Recorte na

colonização e ocupação de Rondônia, em que aborda aspectos do processo migratório para

Rondônia e Rolim de Moura; também o nosso estudo (Carneiro, 2006) Invenção de Rondô-

nia: apontamentos para um estudo da História da Educação em Rolim de Moura, discutindo

a pertinência e a possibilidade do estudo da história da educação dessa localidade. Acentua-

mos estes estudos para mostrar que: do ponto de vista da história e da história da educação,

embora haja produção acadêmica eles são poucos se comparados a outras áreas de pesquisa.

O que afirmamos acima pode ser exemplificado na comparação com a produção em

geografia ou a partir de várias outras faces da educação. Várias teses e dissertações foram

produzidas a partir da ótica da Educação e relacionadas a Rolim de Moura, como podemos

observar com os seguintes exemplos: A dissertação Analisando a Prática Pedagógica: uma

experiência de formação de professores na educação infantil e a tese Os saberes docentes na

prática de uma alfabetizadora: um estudo etnográfico de Marli L. T. Zibetti (1999; 2005),

são trabalhos sobre educação, mas na perspectiva da psicologia e da prática pedagógica. A

dissertação de Francisco F. Moreira (2001) O Processo de Autoria em autores emergentes de

Rolim de Moura é um estudo a partir da lingüística19.

Entre os estudos tendo como ponto de referência outras temáticas ou localidades men-

cionamos a tese de Carmen T. V. Moreira (2003), Currículo e Realidade Multicultural na Fron-

teira: A Universidade Federal de Rondônia, na qual a autora analisa aspectos da educação na

região de Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia.

17 Desse autor, na revista Idéias & Fatos, destacamos: A Dor da Floresta: o processo de ocupação (Nascimento, 1999) e ainda na Revista Norte esse mesmo autor publicou Percursos e Transtornos na vida das famílias mi-grantes (NASCIMENTO, 2000). ), ambos os estudos comentando aspectos históricos da ocupação local. 18 Nessa revista ao lado de estudos voltados para a história, podemos destacar o artigo de Flávia Pansini (2006) que, como sugere o título, desenvolveu seu estudo A prática pedagógica construtivista na alfabetização: uma pesquisa em Rolim de Moura, não sobre história, mas obre outros aspectos da educação local. 19 Outros estudos, de mestrado e doutorado, ainda estão em fase de elaboração.

34

Possivelmente o maior volume de estudos sobre Rondônia esteja sendo produzido a

partir do departamento de geografia e do mestrado nessa área, mantido pela Universidade

Federal de Rondônia. Relacionados a essa área podemos mencionar os livros: Olhares sobre

a Amazônia, organizada por Nenevé, Cooper e Proença (2001); também pode ser mencionado

Geografia Médica ou da Saúde: Espaço e Doença na Amazônia Ocidental, de Paraguassu-

Chaves (2001) e A Fronteira do Guaporé, de Santos (2001). Mais antigo, mas não menos

importante é: Amazônia: Monopólio, exploração e conflitos, no qual Oliveira (1989) desen-

volve um estudo mostrando o avanço do capital sobre a região amazônica, com vários comen-

tários sobre Rondônia20.

Como podemos observar, embora tenhamos apresentado apenas algumas obras, a pro-

dução sobre Rondônia e especificamente sobre Rolim de Moura não é muito extensa, o que

pode ser visto como indicativo de campo aberto à pesquisa. Especificamente sobre educação,

a produção tem caráter mais acadêmico que as demais publicações, que privilegiam a história,

visto que esta se presta a aventuras de memorialistas e diletantes. Com a vantagem de que

essa produção pode ser objeto de estudo para aqueles que se dedicam ao estudo científico,

como o mostraram Centeno (2007) e Alves (2003).

Mesmo quando buscamos produções acadêmicas envolvendo aspectos da educação, a

dimensão histórica nem sempre está presente; ou se está presente tem a função de auxiliar

algum aspecto de outra área que esteja sendo estudada. Em todos os casos buscam-se elemen-

tos históricos a fim de dar sustentação e contextualização a outro estudo.

Outra característica que podemos observar na produção sobre Rondônia e Rolim de

Moura, tendo como pano de fundo a história, é que essa produção pode ser buscada em varias

fontes: desde jornais até revistas; de produção acadêmica a textos de memória. Podemos dizer

que autores diletantes produziram obras memorialisticas; outros produziram trabalhos siste-

matizados, mas sem a vertente científica da história; alguns com cientificidade, mas voltados

para outras áreas como a Geografia em que a dimensão histórica é um auxílio para a compre-

ensão-explicação de outros elementos ou outras dimensões distintas daquela que ora preten-

demos explorar, a da educação, vista a partir da história ou história da educação.

20 A lista de estudos sobre Rondônia, a partir da Geografia pode ser acrescentada com: o opúsculo de Batista e Botelho (1998), pelo volume de dados que oferece; as dissertações de Amaral (1994) Terra virgem, terra prosti-tuta, de Sydensticker Neto (1992) Parceleiros de Machadinho: historia migratória e as interações entre a dinâ-mica demográfica e o ciclo agrícola Rondônia. A tese de Ott (2002), Dos projetos de desenvolvimento ao desen-volvimento dos projetos: o Planafloro em Rondônia, vem das ciências sociais e a de Reis (1993) é um estudo de economia, como se depreende já no título: Expansão da fronteira no Brasil e a formação da economia de Ron-dônia.

35

Em síntese, podemos dizer que o material disponível sobre Rolim de Moura, mais do

que apresentar resultados, aponta para um considerável leque de possibilidades de pesquisas

possíveis e passiveis de serem realizadas. E aqui estamos propondo uma dessas possibilida-

des, que é a pesquisa sobre a História da Educação, desde as iniciativas privadas em vista de

sua concretização nas ações públicas, dentro do período de 1975-1983. Evidentemente não se

trata de algo definitivo nem único, mas é uma das possibilidades que pode e deve ser com-

plementada por outras pesquisas nossas ou de outros que perceberem as possibilidades que

esse objeto apresenta.

4- ALGUMAS CATEGORIAS

Antes de empreendermos a análise da documentação à qual tivemos acesso, precisa-

mos comentar algumas categorias que nos ajudarão a compreender não só o fenômeno migra-

tório como também a formação da cidade de Rolim de Moura bem como a instalação da insti-

tuição escolar, nessa cidade. Podemos dizer que as categorias de análise são as balizas a partir

das quais um trabalho desta natureza mantém o rumo das análises, dando-lhe os fundamentos

a partir dos quais o pesquisador pode evitar um elenco de meras opiniões, neste caso evitando

o memorialismo e a mera repetição de datas e fatos.

As categorias que nos darão bases para esta reflexão serão as seguintes: inicialmente, o

Estado, que materializa suas ações por intermédio das políticas públicas, sendo que uma des-

sas é a política educacional. Depois, a contradição, nos ajudará a entender algumas das rela-

ções conflituosas da sociedade capitalista. Além dessas, a hegemonia, que nos ajuda entender

como uma classe social se sobrepõe à outra. Essas categorias são canais para explicar a ação

do governo militar, não só para a criação do estado de Rondônia e especificamente de Rolim

de Moura, mas principalmente, para explicar o processo migratório, resultante de condições

históricas específicas da sociedade capitalista. Dessa forma, podemos dizer que são as migra-

ções que, como reflexo de uma política econômica e social, deram origem a Rondônia e Ro-

lim de Moura. Daí a questão colocada acima: como o Estado, neste momento histórico, mate-

rializou suas iniciativas, em termos de políticas públicas e, em particular, em termos de políti-

ca educacional, nesta região do país que recebeu o nome de Rolim de Moura?

Iniciemos com a indagação: Em que consiste essa realidade à qual chamamos de Esta-

do? Como o Estado se manifesta entre os indivíduos de uma sociedade?

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Sendo a sociedade formada por classes, o Estado manifesta-se representando um grupo

ou classe social que se articula a partir de mecanismos legais, instituições e objetivos, a fim de

se manter como grupo soberano. Dessa forma, o Estado existe como uma forma de organiza-

ção da sociedade; é “uma necessidade que existe, não importando qual seja a estrutura de

classe específica” (CARNOY, 2005, p. 74). Lembrando que esses mecanismos são articulados

e administrados por um governo, que exerce suas atividades em favor do grupo ou classe que

o constituiu, em oposição aos interesses de outro grupo ou classe. Em razão disso, não pode-

mos falar em Estado sem falar de divisão social, ou sem falar em classes sociais. A divisão

social, que tem uma base econômica, manifesta-se na política quando o grupo dominante e-

xerce seu poder, legitimando-se no poder e exercendo-o em benefício próprio e, por vezes,

concedendo benefícios à classe antagônica, a fim de evitar que ela se rebele e tenda à tomada

do poder. Por esse motivo as concessões, por vezes, não passam de artifícios, que concedem

sem entregar; conforme a afirmação de Saviani (2006), comentando a ação do Parlamento

aprovando leis e benefícios, que não serão concedidos:

Dada à maior representatividade do Parlamento em relação ao conjunto da socieda-de, pode-se compreender por que, por pressões da sociedade civil, seja possível che-gar à aprovação de leis de interesse da população sem que, entretanto, como tem o-corrido freqüentemente no Brasil, tais leis ganhem plena vigência. (SAVIANI, 2006, p. 3).

Sobre essa mesma relação antagônica, expressão da divisão social, Palhares Sá (1982)

assim se expressa:

O Estado como expressão de uma sociedade contraditória, controlada por uma clas-se, desenvolve de modo desigual seus elementos constitutivos. A sociedade política tende ao desenvolvimento das funções da sociedade civil, a autoridade e a violência sobrepõem-se à direção cultural, ou melhor, uma experiência histórica estranha à co-letividade é imposta pela força. (PALHARES SÁ, 1982, p. 11).

Essa realidade antagônica materializou-se ao longo dos anos colocando “os que possu-

em contra os que não possuem”, como demonstra Engels (1984), dizendo que “na maior parte

dos Estados históricos, os direitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as

posses dos referidos cidadãos, pelo que se evidencia ser o Estado um organismo para a prote-

ção dos que possuem contra os que não possuem” (Engels, 1984, p. 194)

Tendo isso presente, podemos perceber que Estado é uma categoria que permite diver-

sas abordagens, como o demonstra Carnoy (2005), na obra já citada. Essas várias abordagens,

37

entretanto, remontam a duas vertentes. A primeira nasceu a partir das transformações renas-

centistas que, a partir do final do feudalismo, originou o liberalismo, baseada na idéia do

“bem comum”, em que o Estado “pretende servir aos interesses da maioria, mesmo que, na

prática, nem sempre o faça” (CARNOY, 2005, p. 20). E o autor continua dizendo que a pers-

pectiva liberal não é unívoca e foi sendo lapidada ao longo dos séculos, na medida em que o

capitalismo foi se instalando nos países.

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não abo-liu o antagonismo das classes. Não fez senão substituir novas classes, novas condi-ções de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado.

Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se em duas grandes classes diame-tralmente opostas: a burguesia e o proletariado. (MARX; ENGELS, [197?], p. 22).

Embora estejam falando do conflito entre as classes, o comentário de Marx e Engels,

no Manifesto do Partido Comunista, mostra o antagonismo entre o proletariado e a burguesia.

E foi dessa sociedade burguesa, e como seu suporte, que nasceu o liberalismo e os alicerces

do Estado Liberal.

A segunda vertente nasce como alternativa e como antítese ao liberalismo. Trata-se da

perspectiva marxista de Estado. Entretanto, esta também é uma abordagem que permite múl-

tiplas interpretações (CARNOY, 2005; AZEVEDO, 2004), uma vez que “Marx não desen-

volveu uma única e coerente teoria da política e ou do Estado”. Dessa forma, “as concepções

marxistas do Estado devem ser deduzidas das críticas de Marx a Hegel, do desenvolvimento

da teoria de Marx sobre a sociedade (...) e de suas análises de conjunturas históricas específi-

cas” (CARNOY, 2005, p. 65). Isso nos leva à afirmação de que “não é correto tomar o mar-

xismo como uma simples abordagem”, diz Azevedo; e continua, mostrando que o marxismo,

por ser mais que uma abordagem, “multiplica-se em um amplo leque de tendências e teorias”.

(AZEVEDO, 2004, p. 39).

A obra de Marx, ainda de acordo com Azevedo, teve como objeto a análise do capita-

lismo. Dessa forma, sua análise ou sua visão de Estado tem a ver com o Estado Burguês com

o qual ele conviveu e do qual fez a crítica, explicitando as contradições, razão pela qual, afir-

ma a autora, Marx “ressalta a importância da luta dos trabalhadores” (AZEVEDO, 2004, p.

40). Por essa razão, os comentadores do pensador alemão afirmam que do ponto de vista mar-

xista “investigar o Estado seria uma tarefa que requereria, antes de tudo, a análise do próprio

processo da acumulação” (Ibid, p. 42).

38

Comentando a existência das diferentes tendências, Carnoy (2005) mostra que existem

vários “fundamentos” que os teóricos lançam mão para a compreensão da visão marxista de

Estado. E possivelmente o elemento central é a afirmação de que tanto a sociedade como o

Estado se organizam a partir de uma base material. Ou seja, são as condições materiais que

produzem a sociedade e o Estado. Um dos fundamentos para a compreensão do Estado é o

fato de que

Marx considerava as condições materiais de uma sociedade como a base de sua es-trutura social e da consciência humana. A forma do Estado, portanto, emerge das re-lações de produção, não do desenvolvimento geral da mente humana ou do conjunto das vontades humanas. (CARNOY, 2005, p. 65. grifos nossos).

Essa materialidade da sociedade está representada pela afirmação da sociedade de

classes. Ainda em oposição a Hegel, Marx “defendia que o Estado, emergindo das relações de

produção, não representa o bem-comum, mas é a expressão política da estrutura de classe

inerente à produção” (Ibid, p. 66, grifos nossos). E um terceiro ponto que o autor considera

fundamental no pensamento de Marx “é que na sociedade burguesa, o Estado representa o

braço repressivo da burguesia” (Ibid, p. 70, grifos nossos).

Com isso, temos que o Estado não é uma categoria de compreensão simples e envolve

alguns elementos importantes, caracterizando a sociedade de classes em que uma delas é a

dominante e a outra dominada. Essa concepção de Estado, embora não unívoca, nasce de vá-

rios elementos, começando com as críticas desenvolvidas por Marx ao idealismo hegeliano e

à sociedade burguesa. Daí a necessidade de levarmos em conta as “relações de produção” e o

“processo de acumulação” que são mecanismos por meio dos quais se manifesta o conflito ou

a “luta dos trabalhadores” dentro de “conjunturas históricas específicas”. Além disso, na soci-

edade e como um dos instrumentos do qual lança mão para manter o domínio, a classe domi-

nante cria o Estado como seu “braço repressivo”. Esse comentário do autor tem por funda-

mento aquilo que Engels descreve como a “gênese do Estado Ateniense” quando são

instauradas autoridades com poderes realmente governamentais – quando uma ‘for-ça pública’ armada, a serviço dessas autoridades (e que, por conseguinte, podia ser dirigida contra o povo), usurpou o lugar do verdadeiro ‘povo em armas’ que havia organizado sua autodefesa nas gens, nas frátrias e nas tribos. (ENGELS, 1984, p. 120. Grifo nosso).

Ou seja, a classe dominante se organiza e cria artifícios de defesa que resguardam seus

interesses, manifestando uma das características da luta de classes, pois ao salvaguardar seus

39

interesses a classe dominante o faz em oposição à classe dominada, que na sociedade capita-

lista é o proletariado.

E por que isso acontece?

A resposta é dada por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, onde os au-

tores afirmam, entre outras coisas, que a “história de todas as sociedades” é a “história das

lutas de classes”. Essa luta tem sido uma “guerra ininterrupta”, pois nela

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vi-vido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela des-truição de suas classes em luta. (MARX; ENGELS, [197?], p. 22).

A partir dessa afirmação, podemos fazer duas inferências: primeiro, a confirmação do

que já temos afirmado: a sociedade é palco de contradições que geram conflitos e esses confli-

tos são manifestações da luta de classes; segundo, a perspectiva de Estado presente nessa a-

firmação manifesta-o envolto numa contradição permanente, em que a burguesia altera e mo-

difica as relações a fim de implantar a cultura do lucro. Em poucas palavras, podemos reafir-

mar que a característica desta visão de Estado é a contradição ou a luta de classes, pois a “so-

ciedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal não aboliu os antago-

nismos de classes” (Ibid, p. 22).

Como estamos percebendo, no Estado, manifesta-se uma dimensão do antagonismo

social. Dessa forma, retomando Marx, Carnoy afirma que “não é a sociedade que molda o

Estado, mas o Estado que molda a sociedade”. Além disso, o Estado exerce seu poder dentro

da sociedade, pois “a sociedade, por sua vez, se molda pelo modo dominante de produção e

das relações de produção inerentes a esse modo” (CARNOY, 2005, p. 66). O Estado, portan-

to, nasce da necessidade que a classe mais poderosa tem de manter o domínio. Afirma Engels

que “a sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida

por antagonismos irreconciliáveis” (ENGELS, 1984, p. 191). Mais adiante continua o autor:

O Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que por intermé-dio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. (Ibid, p. 193).

O controle da sociedade não é feito sempre da mesma forma e com os mesmos recur-

sos. Saes (1990), a partir de uma leitura de Marx e Engels, mostra que o Estado assume “for-

40

mas políticas particulares”, a partir das quais exerce seu domínio. Diz o autor que para exercer

a organização e dominação de classe, o Estado assume formas distintas:

é por isso que o Estado assume formas particulares, que correspondem a modos dis-tintos de organização da dominação de classe. E mais: essas formas políticas parti-culares – ou tipos de Estado – correspondem a diferentes relações de produção: es-cravista, feudais, capitalistas. (SAES, 1990, p. 23).

Com isso podemos reafirmar o que já foi dito: não há uma única manifestação de Es-

tado como também não se pode falar em um único Estado (CARNOY, 2005; AZEVEDO,

2004). Entretanto, mesmo não havendo uma única manifestação, a manifestação existente

mantém o que poderíamos chamar de único objetivo: exercer a dominação. O Estado se esta-

belece para que um grupo – classe dominante – mantenha-se exercendo o poder sobre outro

grupo – os trabalhadores. E, no caso da sociedade capitalista, a classe dominante é o que Saes

(1990) chama de burguesia ou “Estado burguês”. Esse Estado burguês, afirma o autor, “orga-

niza um modo particular de dominação de classe”. Ele “corresponde a relações de produção

capitalistas” (SAES, 1990, p. 25) e, como tal, cria os mecanismos de que tem necessidade não

só para exercer o controle social, mas fundamentalmente para preservar a capacidade de acu-

mulação ampliada do capital. Assim sendo, na sociedade capitalista, podemos dizer que o

Estado manifesta o controle do capital sobre a sociedade, utilizando-se para isso dos mais

variados artifícios, que vão desde a força coercitiva até a ideológica.

A exemplo disso, Habert destaca o discurso grandiloqüente do governo militar, em re-

lação à expansão não só do “mar territorial estabelecido para 200 milhas” (HABERT, 2003, p.

24), como da fronteira amazônica, tentando mostrar um Brasil em vias de ser uma superpo-

tência. Projeto em que se inseriram a Transamazônica e os de colonização que visavam “dar

aos homens sem terra do Nordeste a terra sem homens da Amazônia”.

Expressando o clima reinante, o general Médici definiu o projeto [da transamazôni-ca] como sendo ‘a maior epopéia do povo brasileiro’, anunciando o início da cons-trução de uma superestrada de 5.500 km, cortando a Bacia Amazônica de Leste a Oeste, do Nordeste do Brasil à fronteira com o Peru. (HABERT, 2003. p. 20).

O Estado se impõe sobre a sociedade utilizando-se do governo, também chamado de

regime, e como tal, busca adesão e legitimidade perante o grupo social sobre quem se instau-

ra, como foi o caso do governo militar, no Brasil pós-1964:

41

Desde os primeiros momentos após o golpe de 1964 o regime tentava conseguir a-desão ao seu projeto social insistindo, arduamente, em que seus desígnios e ações estavam fundados no objetivo de instaurar o que ele denominava de ‘verdadeira de-mocracia’ no país. As pressuposições em torno desta democracia perpassavam todo o regime militar. (REZENDE, 2001, p. 1, grifos nossos).

Podemos dizer que os projetos faraônicos, além de enriquecer rapidamente as grandes

empresas (HABERT, 2003), serviram para conceder ao regime um ar de legitimidade, pois as

grandes obras davam a impressão de que o país estava em franco e acelerado crescimento, não

só no período do “milagre”, mas também depois; mesmo durante a forte repressão havia um

halo de expectativa de ascensão social e por isso os vários slogans enfatizando a grandiosida-

de deste país.

O clima de terror que a ditadura impôs foi mais intensamente vivido por aqueles se-tores e pessoas que se opuseram ao regime. A maioria não sabia o que estava acon-tecendo, muitos acreditavam no ‘milagre’ que criara expectativas de ascensão social. (HABERT, 2003, p. 32).

Isso leva a crer, como mostra Reis (2000), que a ditadura conseguiu efetivar seu con-

trole sobre a “sociedade que, afinal, nunca se rebelou de forma radical contra a ordem vigen-

te” (REIS, 2000, p. 11). Isso não anula a afirmação e a constatação da resistência de grupos

que foram duramente reprimidos com prisão e morte, mas o controle social foi eficiente ao

ponto de anular a efervescência dos conflitos que se anunciavam a partir do processo de in-

dustrialização. E mesmo a articulação política legalizada acabou se resumindo nos dois “par-

tidos consentidos” (SCHMITT, 2005) que atuaram durante o regime militar.

Apesar disso, a análise do Estado não pode ser desvinculada de todas as estruturas ou

mecanismos criados para lhe dar sustentação e ajudar em sua manutenção. Isso implica dizer

que, por vezes, ele cria artifícios independentemente da vontade do grupo social sobre o qual

governa e busca adesão para se fazer legítimo. Por esse motivo, o Estado não pode ser anali-

sado sem que se olhe para suas ações, que se manifestam nas suas políticas públicas.

Em vista disso, podemos concordar com Germano (2005), quando lança os critérios a

partir dos quais analisou o que ele chama de “Estado Militar”. Análise que leva em considera-

ção as contradições, as classes em conflito:

O Estado não será analisado como algo separado da estrutura da sociedade, das suas classes sociais e, por conseguinte, das suas contradições sociais conforme aparece à primeira vista. Ao contrário, a análise privilegiará não somente o momento estrutu-ral, mas também as diferentes conjunturas históricas. [...] e levará em conta a dupla

42

perspectiva de toda a ação política, isto é, a força e o consenso que configuram a dominação e a direção política e intelectual. (GERMANO, 2005, p. 19, grifos nos-sos).

No caso brasileiro, o domínio ideológico foi exercido não só pelas políticas públicas,

de modo geral, mas pela sua manifestação específica, que foram as políticas educacionais21,

daí a afirmação de Germano falando da necessidade de estudarmos “o projeto educacional do

Estado e, para isso, torna-se imprescindível captar os meandros em que a política educacional

foi sendo tecida”. E isso deve ser feito, continua o autor, porque “a política educacional é uma

das facetas da política social” (GERMANO, 2005, p. 21).

Podemos dizer, também, que o governo militar que se instalou no Brasil a partir do

golpe de 1964, representou mais uma faceta do que Saes chamou de “Estado Burguês”, ao

analisar a formação política do Brasil logo após a instalação da República (1888-1891). Diz o

autor que o “Estado Burguês” se organizou ao colocar de um lado os “não produtores”, se

beneficiando ou extorquindo o “sobretrabalho” daqueles que só tinham como seu a força de

trabalho e que justamente por isso são “não-proprietários dos meios de produção”. Ao se es-

truturar dessa forma, o “Estado Burguês” tornou possível a reprodução e manutenção do mo-

do de produção capitalista, pois manteve a relação de exploração. “Essa é a verdadeira relação

entre o Estado Burguês e as relações de produção capitalistas: Só o Estado Burguês torna

possível a reprodução das relações de produção capitalistas” (SAES, 1990, p. 26, grifo no

original), pois é a partir dele que se legitima a propriedade privada ao estruturar o modo de

produção capitalista, e pela acentuação das contradições sociais. Daí a necessidade do Estado,

representante da burguesia, se legitimar (REZENDE, 2001) perante o proletariado, como uma

forma de aliviar as tensões sociais em que se manifestam os conflitos.

E como o Estado realiza isso? Por intermédio de sua ação pública, que se manifesta

nas políticas públicas.

Quando se enfoca as políticas públicas em um plano mais geral e, portanto mais abs-trato isso significa ter presente as estruturas de poder e de dominação, os conflitos infiltrados por todo o tecido social e que têm no Estado o lócus de sua condensação. [...] em um plano mais concreto o conceito de políticas públicas implica considerar os recursos de poder que operam em sua definição e que tem nas instituições do Es-tado, sobretudo na máquina governamental, seu principal referente. (AZEVEDO, 2004, p. 5).

21 Este não é o espaço para esta discussão, entretanto não esqueçamos que o governo militar se fez legitimar usando também outros canais. Dessa forma se deve considerar a força ideológica exercida pela mídia e por seto-res da Igreja, e mesmo por realizações esportivas. (GERMANO, 2005; HABERT, 2003; SAVIANI, 2006).

43

O governo militar, que se instalou no Brasil, no pós-1964, era representante não dos

trabalhadores, mas da burguesia nacional e internacional formada por grandes conglomerados

industriais, banqueiros e latifundiários (HABERT, 2003; GERMANO, 2005), os quais tive-

ram no aparato militar seu apoio e braço de ação. Essa é a “estrutura de poder” que desenvol-

veu as políticas do Estado pós-64. Ou, nas palavras de Germano, o “conjunto das classes do-

minantes” que compuseram o governo que se instalou nesse período e estava constituído pela

“burguesia industrial e financeira – nacional e internacional – o capital mercantil, latifundiá-

rios e militares, bem como uma camada (de caráter civil) de intelectuais e tecnocratas”

(GERMANO, 2005, p. 17). Ou, ainda, se quisermos, podemos falar que o “Estado Burguês”,

mencionado por Saes (1990) é representante de um grupo social específico, grupo esse que se

fez representar pelas Forças Armadas (GERMANO, 2005, HABERT, 2003, REIS, 2000).

Nesse Estado, com esse governo militar, evidenciou-se um governo não mais dos três poderes

atuantes e autônomos, mas de um Executivo forte (HABERT, 2003; SAVIANI, 2006) – que

se valeu de vários recursos, inclusive os Atos Institucionais (AIs), para se impor sobre os ou-

tros poderes – e onde os vários partidos políticos, anteriores ao golpe, foram anulados para a

criação de partidos oficiais (SCHMITT, 2005). Dessa forma se dá uma

Hipertrofia do Executivo combinada com uma existência puramente simbólica dos demais poderes uma vez que estamos diante de um Poder Legislativo que não legis-la e de um Judiciário que não julga, mas que atuam conforme a vontade e a conveni-ência do executivo. (GERMANO, 2005, p 18, grifo nosso)

A caracterização da situação em que se encontrava o país naquele momento histórico

não deixa dúvida sobre o caráter ditatorial/autoritário do grupo que exercia o poder. E neste

caso, para este estudo, se faz necessária essa caracterização, uma vez que esse Estado é que

determinava não só as políticas públicas como as políticas educacionais.

Dessa forma, podemos dizer que o projeto educacional do Estado brasileiro, desenvol-

vido pelo governo militar, é resultante das políticas públicas traçadas pelo Estado autoritário e

que não contemplou as expectativas nem dos estudantes, nem dos professores e nem dos tra-

balhadores: os movimentos dos estudantes e o dos professores foram reprimidos (CUNHA;

GÓES, 2002; REIS, 2000; AZEVEDO, 2004); as expectativas dos trabalhadores, tanto no que

diz respeito a melhorias salariais, como de acesso a escola e profissionalização foram frustra-

das pela crise econômica (HABERT, 2003; GERMANO, 2005; NOGUEIRA, 1999) e pela

reestruturação do sistema de ensino em virtude da legislação e das condições de acesso e per-

manência na instituição escolar, uma vez que ao mesmo tempo excluía do acesso à universi-

44

dade e não oferecia qualificação para o trabalho (AZEVEDO, 2004; ZOTTI, 2004; SAVIANI,

2006; CUNHA; GÓES, 2002). Tudo isso caracterizou um quadro de crescente insatisfação

social. E neste caso específico, de insatisfação educacional.

O que observamos foi que o Estado desenvolveu não políticas em defesa dos interes-

ses dos trabalhadores, mas políticas “preventivas” e “compensatórias”:

Diante desse quadro de total exclusão social, o Estado vai desenvolver políticas so-ciais, de caráter preventivo e compensatório, visando amenizar os desequilíbrios ge-rados pelo processo de concentração de renda. Os governos militares, então, institu-íram políticas sociais nas áreas de habitação, previdência social para a cidade e o campo e reformas educacionais. Contudo, como se sabe, os privilegiados com essas políticas continuaram a ser os mesmos. (ZOTTI, 2004, p. 141)

Por isso, podemos dizer que quem se beneficiou com essas políticas não foram os tra-

balhadores, mas as empresas de construção, de saúde e de educação, como continua a autora,

ao afirmar que “podemos concluir que, no regime militar, prevaleceram as políticas voltadas

para o setor privado, agravando-se as desigualdades geradas no processo acumulativo” (Ibid,

p. 141; SAVIANI, 2006; CUNHA; GÓES, 2002). Isso porque os “militares no poder optaram

pelo desenvolvimento de uma política privatista no campo social, no qual se incluem as polí-

ticas educacionais” (CÊA; DORNELLAS SOBRINHO, 2000, p. 133). E especificamente so-

bre educação, em conformidade com Germano (2005) e Cunha e Góes (2002), Zotti afirma

que:

O Estado adota o discurso de valorização da educação escolar, mas permanece nele, pois as verbas para a educação pública são escassas, enquanto o governo aplica um montante elevado no setor educacional privado, apontando para o caminho da priva-tização do ensino. (ZOTTI. 2002, p. 143, grifo nosso).

Se perguntássemos o porquê disso acontecer, teríamos como resposta o fato das rela-

ções sociais serem não harmônicas, mas contraditórias, como afirmam Libâneo; Oliveira;

Toschi ao dizer que “as relações sociais nunca são harmônicas nem estáveis; ao contrário, são

tensas, conflituosas, contraditórias”, e, por esse motivo, as políticas educacionais “devem ser

compreendidas no quadro mais amplo das transformações econômicas, políticas e geográfi-

cas” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 33). Essas transformações afetaram profun-

damente o mundo capitalista, e, de modo particular no Brasil se fizeram sentir, principalmente

no processo de industrialização e no fenômeno do êxodo rural, exigindo do Estado novas pos-

turas, visando a acomodação das novas modalidades de contradição que se desenhavam no

45

panorama da sociedade. Dessa forma, o poder público, do ponto de vista social, direcionou os

migrantes para a Amazônia e do ponto de vista educacional adequou a legislação para criar

um sistema escolar voltado para o trabalho, sem que disso resultasse um sistema escolar efeti-

vamente profissionalizante. O poder hegemônico, em seus atos, em suas leis e em sua política,

transmitia à sociedade a idéia de que o governo militar estava empenhado em resolver os pro-

blemas da classe trabalhadora.

Afirmamos isso para dizer que as políticas públicas, e neste caso as educacionais, re-

fletem a hegemonia de uma classe ao mesmo tempo em que, justamente por serem hegemôni-

cas, encobrem as contradições, uma vez que a política adotada tem a finalidade de responder,

de acordo com a classe dirigente, a anseios da classe dominada em benefício da classe domi-

nante.

5- PARTES DO TRABALHO

Todas essas considerações foram sendo feitas porque nos propusemos a compreender

como o Estado, que se manifestou durante o governo militar, por meio de suas políticas públi-

cas e das políticas educacionais, concretizou sua ação na Amazônia, particularmente numa

localidade específica de Rondônia: Rolim de Moura. Estamos olhando para essa localidade

em um período determinado (1975-1983), a fim de compreender as políticas publicas que se

concretizaram na instalação da instituição escolar e sua relação com os anseios dos colonos

dessa localidade os quais se mobilizaram para promover essa instalação.

Para concretizar isso, organizamos a apresentação dos resultados da pesquisa em três

partes, ou capítulos. No capítulo primeiro nos dedicamos a compreender como foi o processo

de expansão das fronteiras em direção à Amazônia e Rondônia. Mostramos que esse avanço

teve como causa vários fatores estruturais e conjunturais do capitalismo e das relações de for-

ça e poder internacionais, naquele momento histórico. As transformações do capitalismo no

mundo e no Brasil exigiram essas mudanças, para acomodar os conflitos e como mecanismo

mediante o qual a classe dominante estrutura a dominação.

O segundo capítulo nós o destinamos à compreensão da educação no Brasil e em Ron-

dônia, durante os governos militares, no período de 1975-1983. Nessa parte do estudo procu-

ramos mostrar que a concretização das políticas educacionais foi o resultado dos fatores estru-

turais e conjunturais discutidos no capítulo anterior. Ou seja, para os conflitos que se avolu-

46

maram, encontrou-se uma alternativa que foi a expansão das fronteiras e dentro delas a pro-

messa de infra-estrutura que acolhesse não só o migrante, como o trabalhador transformado

em migrante. Dessa forma e para adequar a Amazônia ao projeto maior que era de formação

para o trabalho, desenvolveram-se nesta região, políticas não só de colonização, mas também

de oferta de infra-estrutura, sendo uma delas a escola. Entretanto, como se verá, faltaram con-

dições básicas e mínimas, como a oferta de força de trabalho qualificada para o exercício do

magistério.

Por fim, o terceiro capítulo, destina-se a entender Rolim de Moura dentro do contexto

educacional de Rondônia, a partir da documentação coletada e de depoimentos colhidos em

entrevistas. Fizemos isso com o objetivo de verificar como se concretizaram as políticas pú-

blicas e educacionais na localidade por nós observada no período estabelecido. E verificamos

que neste campo específico, a ação dos moradores locais se antecipou ao projeto oficial, tanto

no que diz respeito à instalação dos migrantes na localidade, como no que diz respeito à cria-

ção de escolas. O que o poder público previra em seu planejamento, mas não estava executan-

do, a mobilização dos atores sociais fez acontecer a seu modo: formando a cidade e acionando

a instalação das escolas. Pudemos observar que a mobilização dos atores sociais se antecipou

e acionou a ação pública.

Em síntese, podemos dizer que este é um estudo sobre a história da educação em Ro-

lim de Moura. Nossa intenção é tentar compreender alguns fatos não pelos fatos, mas para

entendê-los à luz da conjuntura nacional e internacional. Ou seja, pretendemos mostrar que

Rolim de Moura não é um fenômeno isolado e que atraiu gente aos milhares, somente por

causa de suas virtudes e potencialidades. Pretendemos demonstrar que Rolim de Moura, Ron-

dônia, a Amazônia e o Brasil são partes de um conjunto e de um processo. Um conjunto de

circunstâncias em que prevaleceu a perspectiva do capital sobre o trabalho, da classe domi-

nante sobre os trabalhadores transformados em migrantes; um processo de expansão do capi-

talismo em que o Brasil desenvolveu um modelo de ação para assegurar a hegemonia da clas-

se dominante, e onde o Estado se apresentou, em suas políticas públicas, como uma entidade

promotora dos benefícios sociais em favor dos trabalhadores, mas que na realidade esteve

executando uma ação em defesa dos interesses da classe dominante. Ou seja, a classe domi-

nante utilizou o Estado brasileiro o qual soube usar os anseios da classe trabalhadora. Assim,

se por um lado o capital dependeu dos trabalhadores para se instalar na região, por outro a

classe trabalhadora se utilizou do poder público para conquistar instituições de seu interesse.

47

CAPÍTULO I

A EXPANSÃO DAS FRONTEIRAS EM DIREÇÃO À AMAZÔNIA

E RONDÔNIA

Quais as transformações que estavam ocorrendo no mundo e no Brasil e que ocasiona-

ram a expansão das fronteiras para a ocupação da Amazônia, principalmente a partir da se-

gunda metade do século XX? Essa é a questão central que pretendemos responder neste capí-

tulo. Ou seja, pretendemos destacar, no cenário internacional e nacional, algumas transforma-

ções que exigiram e permitiram a expansão da fronteira norte, resultando na ocupação do

Centro-Oeste e do Norte do Brasil.

A finalidade da compreensão sobre o que acontecia na sociedade capitalista nacional e

mundial é entender o fenômeno das migrações internas e a conseqüente ocupação de Rondô-

nia, território – depois estado – que passou a ser apresentado como uma das soluções para as

contradições da sociedade capitalista do sul-sudeste brasileiro.

Com esse objetivo faremos um estudo do que estava acontecendo na sociedade capita-

lista no período compreendido entre as décadas de 1960 a 1980, o que nos permitirá explicar a

expansão das fronteiras em direção à Amazônia e Rondônia e também a conseqüente trans-

formação do território em estado de Rondônia, onde se localiza a cidade de Rolim de Moura.

1- A SOCIEDADE CAPITALISTA E O BRASIL ENTRE 1960-1980

Entender a educação em Rolim de Moura exige a compreensão de algumas das múlti-

plas transformações que o capitalismo provocou e sofreu no último século. O que ocorreu ao

longo das últimas décadas do século XX nos leva a situar Rondônia e a Amazônia no contexto

das transformações pelas quais estava passando a sociedade capitalista no final daquele sécu-

lo, exigindo que nós olhemos para esta localidade a partir do que estava ocorrendo em Ron-

dônia, na Amazônia e no Brasil. Essa compreensão deve ser feita a partir da perspectiva das

48

migrações, mas também, das acomodações sócio-político-econômicas que aconteceram prin-

cipalmente no período que vai do início da década de 1960 até o final da década de 1980.

Os anos da década de 1960 desenvolveram-se sob a sombra da Guerra Fria, período

em que temíamos os horrores de uma possível – mas sempre evitada – guerra global. Entre-

tanto, a partir da década de 1970, aconteceram vários encontros e acordos entre os dois expo-

entes máximos do mundo capitalista e socialista da época, a partir dos quais foi sendo afasta-

da, lentamente, a ameaça de um conflito global aberto e direto, como era o temor no contexto

da Guerra Fria.

Dessa forma, se o perigo da Guerra Fria estava se afastando, o mesmo não se podia di-

zer dos problemas econômicos, que se avolumaram a partir da década de 1970, especifica-

mente a partir de 1973, principalmente com a crise do petróleo. Essa situação se agravou tanto

que ao período das duas décadas seguintes – 1970-1980 – Hobsbawm (2001) chamou de “dé-

cadas de crise”, referindo-se à instabilidade que se instalou naquele período.

A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise. E, no entanto, até a década de 1980 não esta-va claro como as fundações da Era de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmen-te. (HOBSBAWM, 2001, p. 393)

Quando concordamos com a afirmação do autor, e com o que ele chama de “era de ou-

ro”22, especificamente as décadas de 1950-60 do pós-guerra, perceberemos que o cenário era

de uma crescente aceleração econômica, em virtude do processo de industrialização. Todas as

destruições provocadas pelas duas Grandes Guerras apresentavam um cenário que precisava

ser reconstruído. Para essa reconstrução, principalmente nos Estados Unidos, foram criadas

linhas de financiamento que injetaram valores e vigor para a reconstrução da Europa e Japão.

Dentro desse panorama, se fez necessário o desenvolvimento da indústria e, de acordo com a

análise de Brito (2001), o desenvolvimento de uma política de “pleno emprego” no pós-

guerra, o que se concretizou em vários países – veja-se o desenvolvimento industrial do Japão

– mas de modo muito mais acentuado nos Estados Unidos.

22 O autor afirma que essa denominação não foi unânime. Entretanto, durante o período de crise percebeu-se que “o mundo, em particular o mundo do capitalismo desenvolvido, passara por uma fase excepcional de sua histó-ria; talvez uma fase única. Buscaram nomes para descrevê-la: ‘os trinta anos gloriosos’ dos franceses (les trente glorieuses) a Era de ouro de um quarto de século dos anglo-americanos (...). o dourado fulgiu com mais brilho contra o pano de fundo baço e escuro das posteriores Décadas de Crise.” (HOBSBAWM , 2001, p. 253)

49

A continuidade dessas políticas durante o período da Guerra Fria, no pós-guerra, deu-se fundamentalmente por meio dos programas armamentistas e de reconstrução dos países europeus e do Japão, sustentando, desta maneira, a demanda e mantendo aquecidas as economias dos países capitalistas centrais, base da política de pleno emprego. Simultaneamente, alargaram-se os mercados para bens de capital dessas economias, pela implantação de indústrias em países da América Latina e Ásia, en-tre outros, ou pela ampliação dos financiamentos, em larga escala, nestas regiões. Também nestes casos, o manejo das condições políticas e econômicas destes países foi prática largamente utilizada, contando com o apoio decisivo dos governos das nações capitalistas hegemônicas. (BRITO, 2001, p. 265, grifo no original).

Podemos dizer que a lucrativa indústria da guerra colocou em movimento a engrena-

gem do capital que se modernizou, a fim de atender as exigências do mundo que se reconstru-

ía nos anos das duas décadas do pós-guerra. Isso nos permite dizer que se difundiu e solidifi-

cou a idéia de que a guerra é mais lucrativa que a paz visto que ela produz destruição em larga

escala, abrindo frentes de trabalho e possibilidades para a comercialização de produtos para a

reconstrução.

Além dessas alterações, que foram conflitivas e nasceram das contradições do capita-

lismo, devemos destacar que na primeira metade do século XX os acontecimentos de duas

Guerras Mundiais foram reflexos das alterações que vinham se verificando desde o século

anterior. Ou seja, as duas superpotências que emergiram da Segunda Grande Guerra se con-

frontavam para ampliar sua área de influência23. Podemos dizer que as contradições entre os

blocos socialista e capitalista chegaram ao ponto em que o confronto armado aparecia, ao

mesmo tempo, como solução para a disputa pela supremacia internacional e também como

mecanismo de ampliação e consolidação de avanços tecnológicos e do processo de industria-

lização, que tinham suas raízes na chamada “revolução industrial”

Todas essas alterações de cenário, na visão de Hobsbawm, demarcaram o que ele de-

nomina de “breve século XX”. E quando o autor se propõe a “compreender e explicar porque

as coisas deram no que deram e como elas se relacionam entre si” (HOBSBAWM, 2001, p.

13), mostra como as contradições e conflitos podem ser explicados, ao mesmo tempo em que

explicam sua influência na continuidade dos fatos e na permanente reestruturação da socieda-

de capitalista.

A partir disso, podemos dizer que os golpes militares que se sucederam na América

Latina, durante as décadas de 1960-1970, tiveram como pano de fundo, não somente eventu- 23 Hobsbawm sugere que as superpotências mantinham um acordo não formal para não atacar-se. Diz ele que as “duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de poder desigual, mas não contestado em sua essência” (HOBSBAWM, 2001, p. 224). Isso não impedia, entretanto, que aqui e acolá, surgissem confrontos particulares em que as duas superpotências estives-sem envolvidas, mas nos bastidores.

50

ais escaramuças da política interna de cada nação, mas foram reflexos do conflito Leste x O-

este (OLIC, 1996), indicando que ao lado do processo de desenvolvimento científico-

tecnológico, caminhava, paralela e simultaneamente, a disputa pela supremacia mundial que

caracterizava o fenômeno da Guerra Fria. E no caso da América Latina, aos poucos foi se

consolidando (MAIRA, 1980) e se impondo a dominação exercida pelo bloco capitalista, lide-

rado pelos Estados Unidos.

Os avanços tecnológicos levaram Hobsbawm (2001, p. 260) a dizer que “multiplica-

ram-se não apenas produtos melhorados de um tipo preexistente, mas outros inteiramente sem

precedentes, incluindo muitos quase inimagináveis”, os quais foram colocados à disposição de

quem os quisesse – ou pudesse – comprar. Mesmo com o fantasma da Guerra Fria, os avanços

tecnológicos que surgiram, permitiram que a vida cotidiana das pessoas melhorasse contínua e

rapidamente. Chama a atenção, nesse processo, o fato de que quanto maior a inovação tecno-

lógica, possibilitando maior lucro, contraditoriamente, necessitava-se de menos força de tra-

balho, quando ela não era substituída, criando outro fantasma, o do desemprego. Essa situa-

ção, que ganhou os contornos de uma crise concretizada planetariamente no final da década

de 1970, entrando pelo século XXI, ocasionou, além do desemprego, o fim do emprego. Era o

“Estado do Bem-Estar Social” perdendo sua atratividade em face da crise pela qual estava

passando o capitalismo. Dessa forma, o Estado estava se tornando impotente, ou seja, à “era

de ouro” se seguiu o “desmoronamento” e as “décadas de crise” que se evidenciaram após a

década de 1970. É ilustrativa, sobre essa situação, as palavras de Schweder (1990) dizendo:

No século XX, principalmente em sua segunda metade, as condições de trabalho e de vida têm mudado com tremenda rapidez. As coisas que cercam o dia-a-dia do homem passam por uma série de mudanças bruscas e violentas. A revolução técni-co-científica é a causa dessas mudanças contínuas [...]. A cada dia as condições de vida são enormemente mudadas, o que constitui um fenômeno até então desconhe-cido pela humanidade. A revolução técnico-científica tomou, assim, uma forma uni-versal e com isso ultrapassou todas as fronteiras seja de países desenvolvidos, seja de países em desenvolvimento. (SCHWEDER, 1990, p. 159, grifo no original).

Isso que vem recebendo a denominação de revolução técnico-científica, se por um la-

do facilitou e produziu o avanço tecnológico, na metade final do século XX, por outro, possi-

bilitou a ampliação da influência do capitalismo. Esse processo ultrapassou, e por vezes der-

rubou fronteiras, recriando o cenário mundial, no final daquele século, com todas as transfor-

mações que vimos ocorrer.

51

O conjunto dessas transformações nos permite entender que, depois de 1973, o mundo

“perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise” como afirma Hobsbawm

(2001). E uma das principais ocorreu em 1973, a do petróleo, pois desencadeou outros proces-

sos. Entretanto, possivelmente por estarem vivendo o período, autoridades e teóricos não per-

ceberam, de imediato, tudo o que estava acontecendo. Pelo menos até “a década de 1980 não

estava claro como as fundações da Era de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmente”

(HOBSBAWM, 2001, p. 393). O fato é que aquela expectativa de crescimento econômico

constante mostrava-se finita. Ele não estava acontecendo e, pelo contrário, crises estavam se

iniciando. Dessa forma e contraditoriamente, nas três últimas décadas do século XX, o avanço

do capitalismo e das inovações técnico-científicas, produziu melhor qualidade de vida e difi-

culdades para sobreviver. Eram crises que o próprio capitalismo estava sendo incapaz de res-

ponder.

Em razão disso, podemos dizer que os problemas que surgiam não eram somente pon-

tuais, pois um novo mundo estava nascendo onde “o crescente desemprego dessas décadas

não foi simplesmente cíclico, mas estrutural. Os empregos perdidos nos maus tempos não

retornariam quando os tempos melhoravam (sic): Não voltariam jamais” (HOBSBAWM,

2001, p. 403). Assistia-se ao fim de uma era. Noutras palavras, se já havia desigualdade social

e desemprego, no período dos anos 1950-1970, no pós-1970 ampliaram-se essas desigualda-

des com o agravante de que os empregos estavam se extinguido. As pessoas começaram a se

perguntar o porquê de todo desenvolvimento científico e tecnológico não estar dando conta de

construir o bem estar dos trabalhadores. Começava, também, a ficar claro que a qualidade de

vida tão almejada, contraditoriamente, estava cada vez mais presente no cotidiano da socieda-

de, mas distante do cotidiano das pessoas; os avanços apregoados como canais do bem estar

pessoal e coletivo estavam promovendo a ampliação da pobreza.

Não é demais lembrar que nesse contexto, se em meados do século XX vicejou a pers-

pectiva do Estado de Bem-Estar Social que, “serviu como uma rede de proteção social contra

os rigores e excessos da competição concorrencial”, (CARMO, 1998, p. 33), nos anos finais

desse século, a partir do início da década de 1980, ocorreria o declínio dessa concepção e se

instalou o esgotamento da perspectiva do Estado protetor. Era impossível o Estado suprir as

necessidades da população às custas da lucratividade decorrente das inovações cientificas e

tecnológicas aplicadas à produção, sendo que isso estava produzindo o desemprego. Por essa

razão a perspectiva do bem estar entrou em crise, pois o Estado teria que gastar muito além de

seu orçamento, tendo como decorrência o aumento da inflação, que por sua vez ajudou a der-

52

rubar o mito do desenvolvimento contínuo. A crise do pós-1970 pode ser resumida como a

incapacidade do Estado em “solucionar a coexistência de inflação elevada, com o baixo cres-

cimento da produção e o aumento dos índices de desemprego” (Ibid, p. 34).

Comentando essa refração da ação do Estado Singer (1996) dirá que foram várias as

circunstâncias que oneraram o Estado, piorando as condições dos trabalhadores. Tudo estava

piorando a partir de meados da década de 1970:

O aumento do desemprego, a redução do número de jovens e a enorme dificuldade para encontrarem emprego, a piora das condições de saúde, com o aumento da vio-lência e do consumo de drogas, tudo isso expandiu fortemente o gasto com os servi-ços sociais do Estado, agravando o efeito deficitário da contração da receita tributá-ria. (SINGER, 1996, p. 9).

Nisso se manifestava uma das contradições do capital: ao produzir as possibilidade e

potencialidade tecnológica, reduziu a oferta de empregos levando à redução da capacidade de

consumo e, consequentemente de arrecadação. A tendência da indústria foi refrear a produ-

ção. A economia estava parando e com isso o Estado, que era apresentado como promotor do

“Bem-Estar Social”, voltou-se para a promoção da segurança do capital, afastando-se da pres-

tação de serviços sociais. A esse respeito o mesmo Singer argumenta que o direcionamento

das ações do Estado não se voltaram para o trabalhador, mas contra ele: “É claro que a crise

do Estado de bem-estar social, induzida pela piora do desempenho econômico, foi em seguida

fortemente agravada pelos cortes de verbas para os serviços sociais (inclusive ensino) que as

políticas de ajuste estrutural passaram a impor.” (SINGER, 1996, p. 9)

Essa situação crítica indica que não era a falta de recursos que gerava o volume cres-

cente de problemas, mas estava se manifestando uma crise do próprio capitalismo. E nisso se

manifestava uma das faces do Estado que existe não para socorrer ou resolver os problemas

dos proletários, mas para socorrer o capital. Como se tratava de uma crise do capitalismo o

Estado, que é um braço da classe dominante, apresentava-se para socorrê-la. Daí que o “bem

estar” deixa de ter a conotação social que mostrava anteriormente, voltando-se para a manu-

tenção da saúde do capital.

Dessa forma, transcorreram os anos da década de 1960, que foi apresentada com gran-

des possibilidades e potencialidades, mas que na seqüência se mostrou limitada, evidenciando

conflitos e contradições. Conflitos entre os blocos socialista e capitalista; e contradições do

avanço tecnológico, podendo gerar mais qualidade de vida, mas aumentando o desemprego.

53

O Brasil, no mesmo contexto da segunda metade do século XX, passou por caminhos

tortuosos, em que vimos os reflexos das crises e contradições do capitalismo internacional.

Embora se perseguisse a meta do desenvolvimento o país permanecia com dificuldades políti-

cas e econômicas. Política em virtude da instabilidade, pois “após uma série de crises políti-

cas, que culminam com a deposição de dois presidentes - Vargas, que se suicida em 1954 e

Café Filho, em 1955 – toma posse regularmente eleito o presidente Juscelino Kubitschek”

(SINGER, 1995, p. 225). E na seqüência, a renúncia de Jânio Quadros (1961) desencadeou a

crise que instalou o governo militar. Do ponto de vista econômico verificava-se a insuficiên-

cia do capital nacional para alavancar o desenvolvimento.

Constatamos que houve crescimento no período JK (1956-61), com sua meta de “cin-

qüenta anos em cinco”, mas a industrialização que se deu nesse período, como aquela anteri-

or, no período Vargas24, estava levando o país para o endividamento principalmente em rela-

ção aos EUA e não libertou a nação dos produtos importados. Dessa forma, os “anos doura-

dos” de JK, apesar de lhe conferir popularidade, não lhe rendeu apoio político e, na seqüência,

pequenas alterações feitas por Jânio Quadros (1961) apenas aumentaram a recessão e a oposi-

ção ao seu governo, levando-o à renúncia do cargo.

O período pós-Guerra Mundial até o advento do governo militar se manifestou como

reforçador da entrada do capital internacional no país ampliando, por um lado, a aparência de

crescimento mas, por outro lado, produzindo, o “fantasma” da dívida externa e suas conse-

qüências posteriores. Mesmo teóricos que não fizeram oposição ao regime consideram que o

relativo crescimento econômico do país, nesse período, gerou “desequilíbrio e distorções”,

além de acentuar a “desigualdade regional da distribuição de renda”. Esse problema se agra-

vou depois quando, “no início dos anos sessenta, a economia brasileira penetrou num período

de sete anos de estagnação, durante o qual o PIB real cresceu a taxas anuais de 3,7%” (BAER,

1978, p. 68). Com base nisso, podemos dizer que se havia dificuldade para a manutenção do

crescimento econômico, essa era ainda maior entre os trabalhadores, que sofreram as conse-

qüências desse período de crises e da concentração da renda.

Além das dificuldades das empresas pequenas e médias, principalmente nacionais, não aconteceu a tão prometida distribuição da renda. Ao contrário, a renda se con-centrou mais com o passar do tempo. A participação dos 50% mais pobres da popu-lação economicamente ativa, caiu de 17,17% (em 1960) para 14,91% (em 1970), descendo ainda mais para 11,8% (em 1976), já em pleno governo Geisel. Em senti-

24 Uma análise das relações do Brasil e a conjuntura mundial do pós Guerra é feita por Brito (2001, p. 262-279), sobretudo para o período do segundo governo Vargas. Segundo a autora “Cada vez ficava mais claro, nas posi-ções brasileiras, no entanto, que o país permaneceria na retaguarda e que a ajuda necessária dependia diretamen-te da resolução que fosse dada aos impasses internos de desenvolvimento” (p. 279)

54

do contrário, a participação dos 5% mais ricos da população economicamente ativa aumentou de 27,69% (em 1960) para 34,86% (em 1970), elevando aos poucos para 39% (em 1976) da renda. (VIEIRA, 1985, p. 49-50).

Essa conjugação de fatores que produziu a crise econômica aliada à crise política, de-

senhou o panorama em que se desenvolvia e preparava o golpe que colocou os militares no

governo do país, a partir de 196425.

Vivia-se uma situação de crise, mas o governo militar anunciava o “Milagre Brasilei-

ro” e o então Ministro do Planejamento, Delfim Neto, não se cansava de dizer que a economia

brasileira estava crescendo e que logo seria possível “repartir o bolo”. Mas essa partilha não

aconteceu (REIS, 2000; HABERT, 2003). O que verificamos, como veremos adiante, foi o

aumento da concentração de renda26 nas mãos das grandes empresas nacionais e multinacio-

nais e a concentração fundiária nos estados do centro-sul-sudeste (GERMANO, 2005; NO-

GUEIRA, 1999; D’INCAO, 1983), fenômeno que pode ser visto como uma das explicações,

não só para os problemas agrários e urbanos nessas regiões, como também para o processo

migratório que se evidenciou a partir do final da década de 1960 e intensificou nas duas déca-

das seguintes (QUEIROZ, 1979). Esse o contexto em que foi aberta a frente amazônica de

atração de migrantes que eram, contraditoriamente, o reflexo do anunciado crescimento eco-

nômico e da concentração fundiária, que ocorria em nome da industrialização do campo. Os

mesmos migrantes que chegaram a Amazônia para preparar o processo de concentração fun-

diária dos anos seguintes. Podemos dizer que se havia crescimento, era da concentração da

renda e das terras em favor dos empresários e latifundiários em detrimento dos camponeses e

assalariados urbanos, atraídos para a Amazônia com promessa de terra farta e riqueza.

As condições sociais pioraram: apenas como esclarecimento, observe-se o total de disputas por terras em alguns anos. Em 1971 houve 37 conflitos com 12 mortos. Ao longo de 1975, registraram-se 127 conflitos, com 19 mortes. Durante o ano de 1976, a administração Geisel assistiu a outros 126 conflitos, agora com 31 mortos. Em lu-gar pois das anunciadas transformações sociais, ocorreram disputas por terras e o aumento dos imóveis rurais pertencentes a empresas estrangeiras. No período 1972 a 1975 as propriedades rurais de firmas internacionais elevaram-se em 29,2% em todo o Brasil. Comprimindo salários e contemplando o crescimento dos conflitos por ter-ras, o Movimento de 1964 dizia estar desenvolvendo o Brasil. Mas o movimento de 1964 desenvolvia o Brasil abrindo-o aos monopólios internacionais. (VIEIRA, 1985, p. 50).

25 Nesse período não foi só no Brasil que se instalaram militares no governo. Reis (2000) faz uma análise da conjuntura latino-americana para o período em questão, mostrando que aquilo que ocorreu no Brasil, como de resto na América Latina, “não foi um raio que desceu de um céu azul. Ao contrário, resultou de uma conjugação complexa de condições, de ações e de processos” (REIS, 2000, p. 12). 26 “Em 1980, os mais ricos, apenas 1% da população, concentravam uma parcela da renda quase igual ao total da renda de 50% da população – os mais pobres” (HABERT, 2003, p. 13)

55

MAPA 3 - O TRIÂNGULO DAS MIGRAÇÕES, NA DÉCADA DE 1980 (Mapa ilustrativo, sem escala)

Fonte: OLIVEIRA, 1989, p. 92 (adaptado para este trabalho)

56

Como podemos perceber, o que ocorria no Brasil era resultado, também, do que acon-

tecia no mundo. Mais especificamente, como resultado do pós-guerra. O clima quente da

Guerra Fria foi responsável pelo largo avanço científico-tecnológico que vimos acontecer

durante o século XX. Particularmente após a década de 1960, os avanços, que ocorriam no

mundo todo, no caso do Brasil, ocasionaram a abertura da frente amazônica, dentro do pro-

cesso migratório que se acentuou nas décadas posteriores a 1960, provocando o esvaziamento

do campo e conseqüente aumento populacional da cidade, como ilustra D’Incao, ao afirmar

que:

O movimento migratório responsável pelo gradativo esvaziamento do meio rural e o conseqüente esvaziamento das populações urbanas [...] deve ser entendido como parte do processo geral das migrações campo-cidade que caracteriza os países da América Latina. Como tal ele pode ser vinculado ora a fatores de desenvolvimento da estrutura capitalista no meio rural, ora à industrialização dos grandes centros ur-banos.

Deve ainda ser entendido como parte de dois grandes fluxos migratórios existentes no plano nacional: um que se iniciou com a liberação da mão-de-obra da economia rural do Nordeste brasileiro e outro que se delineou através da chamada “marcha do café” em direção ao oeste paulista. (D’INCAO, 1983, p. 67, grifos nossos)

A autora fez seu estudo em relação a uma região paulista, mas indica que o fenômeno

pode ser visto como uma ilustração do que estava acontecendo no contexto nacional e inter-

nacional, em que o avanço tecnológico provocava alterações tanto no campo como na cidade,

deslocando os trabalhadores. E foi dentro desse contexto de migração campo/cidade, que a-

conteceu também o processo migratório em direção à Amazônia, formando um triângulo mi-

gratório (Mapa 3) em que os nordestinos foram atraídos27, no início do século XX, para as

regiões de plantio de café (Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná); a partir da década de 1960 foi

se acentuado o “desenvolvimento da estrutura capitalista no meio rural”; o Estado buscou a

solução da “integração da Amazônia”. Isso nos leva a concluir que o mundo que viu aconte-

cer, no caso do Brasil, o golpe militar de 1964, já não era o mesmo daquele que se vivia nos

anos finais da década de 1970.

Enquanto ocorria o confronto de força e ideologia entre o bloco socialista e capitalista

e se desenrolava o descompasso entre avanço científico-tecnológico e o mundo do trabalho,

no Brasil estava se apostando na expansão da fronteira agrícola e na ocupação da Amazônia,

não só como resultado da conjuntura mundial, mas também como forma de resolver os impas-

27 A migração para o sul-sudeste do Brasil aparece como solução de problemas para o nordestino, pois era a região que ofereceria condições de melhoria de vida. “O sudeste sempre foi o primeiro alvo dos migrantes, como era chamado o sul maravilhoso” (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 1999, p. 30).

57

ses criados pelo processo de industrialização, concentração fundiária e possíveis distúrbios

seguidos da crise sócio-econômica, na cidade. Poderíamos dizer, por um lado, que essa ex-

pansão não foi colocada como uma alternativa para o processo de industrialização, mas era o

processo de modernização capitalista no campo (a mecanização da agricultura); e, por outro

lado, era uma possível solução para os impasses (e mesmo esgotamento) do processo de

“substituição de importações”, sendo que a modernização capitalista do campo sustentava a

ocupação do cerrado, pois ocorria no sul-sudeste e avançava sobre o cerrado do centro-oeste.

O cerrado recebeu incentivo e começou a ser ocupado nesse mesmo período, com a diferença

que para essa região foram direcionados investimentos para a “modernização agrícola”28, com

uma nova lógica29 se desenvolvendo: era o capitalismo urbano, em sua manifestação industri-

al, que forjava uma nova fisionomia, agora se fazendo, também rural, para ocupar, com suas

máquinas, o campo, e ao mesmo tempo o cerrado e a Amazônia. Podemos dizer, portanto, que

o processo de expansão das fronteiras não se volta exclusivamente para a Amazônia.

E tudo isso, afirma Singer (1995), acontecia porque o Brasil estava assumindo uma

nova configuração no cenário internacional e na “divisão internacional do trabalho”, deixando

de ser “fornecedor de produtos primários” para se integrar numa “nova divisão do trabalho,

criada pelas multinacionais, cuja participação na economia mundial capitalista passava a um

nível qualitativamente diferente” (SINGER, 1995, p. 230). Foi quando as multinacionais se

instalam no país começando, como diz o autor, a participar da “industrialização brasileira”,

ensejando as alterações e acomodações do capital, alimentando o processo migratório.

A partir disso, na perspectiva deste estudo, podemos dizer que veremos duas conjuntu-

ras completamente distintas no Brasil. A primeira, dos anos compreendidos nas décadas de

1960-1970, em que o país vivia um clima de euforia, de crescimento econômico. Era o tempo

do milagre brasileiro, o período inicial da expansão e abertura da fronteira norte e colonização

de Rondônia. A outra, o período que se iniciou no final da década de 1970 e se arrastou pelas

décadas seguintes. Foi quando se constatou que o “milagre” não aconteceu, o “bolo” não

cresceu e as crises se acentuaram. Foi, a partir da década de 1980, o auge do processo de co-

28 A “modernização agrícola” refere-se às políticas desenvolvidas a fim de modernizar a agricultura e estimular a agroindústria, permitindo a competitividade no mercado internacional, como explica Silveira (2005), dizendo que “o Brasil combinou um processo de modernização agrícola a um conjunto de políticas de estímulo à agroin-dustrialização”, visando a competitividade, principalmente na produção agrícola. 29 Martins (1983) faz uma análise do processo de expansão do capitalismo no campo, mostrando que o capital se utiliza do posseiro para “limpar” a terra e prepará-la para “a empresa que virá mais tarde” (p. 116), evitando o conflito entre o capital e os povos indígenas. O capital, portanto, expulsa o trabalhador do sul-sudeste para que se instale no cerrado ou na Amazônia, limpando a terra da presença índia e quando chega, expulsa, novamente, o posseiro.

58

lonização, de Rondônia. Dessa forma, ao período do milagre se seguiu a “década perdida”,

tendo em vista a alta recessão e inflação que se impôs sobre a economia nacional, frustrando

alguma possível perspectiva de permanência do governo militar que se havia instalado a partir

de 1964.

O período 1964-198530, em que os militares governaram o país, aparece como uma

marca indelével na história do Brasil e já ganhou inúmeras denominações: para os militares

que o conduziram foi uma “revolução” (BRASIL (d), 1971; 1974); para os setores de esquer-

da ou para quem o contradiz foi um “golpe militar” ou “ditadura”; para alguns historiadores e

outros que o analisam, o período ganha a denominação de “anos de chumbo” (REIS, 2000;

HABERT, 2003) ou “Estado militar” (GERMANO, 2005). Por sua vez, Vieira (1985, p. 12)

fala de um “golpe de Estado”, que foi montado “a partir da séria crise político-militar” que se

instalou no país.

Isso não significa que os militares, antes, não tivessem governado o país, ou não tives-

sem feito intervenções na política. Podemos destacar, inclusive, que foram os militares que

instalaram a República e a governaram nos primeiros anos e, depois disso, em vários momen-

tos estiveram envolvidos em outros golpes31. O fato é que, em nenhum dos períodos anterio-

res, a ação dos militares ganhou as proporções, as características e particularidades específicas

e que só foram encontradas entre 1964-1985.

Nunca, em períodos anteriores, a repressão atingiu de forma tão violenta todas as clas-

ses sociais e todas as categorias e organizações da sociedade nacional32. Artistas, intelectuais,

sindicalistas, religiosos, estudantes, políticos e vários outros segmentos viram-se de repente

nas mãos da repressão: perseguidos, presos, torturados e, em muitos casos, mortos. O número

de mortos e desaparecidos ainda é um mistério que dificilmente será revelado em sua plenitu-

30 A literatura sobre o período militar, no Brasil, é vastíssima. Além das obras mencionadas neste estudo é digno de nota o trabalho de Elio Gaspari. Em quatro volumes disseca as particularidades do golpe levado a cabo pelos militares, mas que alimentou alguns golpes internos, como, por exemplo, a substituição do general-ministro Silvio Frota. Sem fazer apologia da ditadura, o autor, em sua análise, mostra “como é fácil chegar a uma ditadu-ra, e como é difícil sair dela” (GASPARI, 2004, p. 37). 31 Para mais informações e comentários sobre algumas características das intervenções militares na política bra-sileira pode-se consultar Germano (2005), Reis (2000), Habert (2003). Sobre o governo militar pós-64 a já men-cionada tetralogia de Gaspari (2004 (a); 2004 (b), 2003; 2002) 32 A literatura sobre essa marca em nossa história é vasta. Mencionamos apenas alguns exemplos, como a obra assinada pela Arquidiocese de São Paulo (1985), mas organizada pelo grupo “Brasil Nunca Mais”, em que se apresentam relatórios de tortura e outros maus tratos aplicados aos “presos políticos” no meio educacional, a obra de Cunha e Góes (2002) mostra a interferência e ingerência dos militares. Germano (2005) também dedica várias páginas a mostrar essa ingerência. Pode-se também ler “Batismo de Sangue”, obra na qual Frei Betto (1983) – que também passou pelas prisões da ditadura – narra vários episódios da perseguição política a grupos políticos e religiosos. “Transcreveremos aqui o que nos foi possível compreender do drama do Tito. Sem certeza alguma. Como o drama de qualquer um de nós defrontando-se com o seu destino – não podemos reduzi-lo a algumas explicações.” (FREI BETTO, 1983, p. 268)

59

de e com toda a verdade, ante ao silêncio que ainda permanece ao redor do tema, além das

controvérsias entre os que fizeram e comandaram o período e os que sofreram suas agruras.

O fato é que Brasil de 1964 resultou de uma série de mudanças políticas e econômicas

que culminaram no golpe militar, as quais também podem ser vistas como resultado de uma

crise que vinha aumentando desde o governo Vargas e que se agravara no final do governo

Juscelino Kubitschek. “O intervalo 1946-1964 representa uma etapa de desenvolvimento eco-

nômico e mudanças sociais que gerariam a necessidade de modificações profundas no edifício

social brasileiro” (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 56). Essas “mudanças” – e não revolução –

mantiveram aberto o espaço que gerou o atrito que desembocou no golpe de 1964.

Feitas essas considerações em relação ao Brasil, podemos estendê-las a vários países

da América Latina em que também ocorreram golpes encabeçados e dirigidos por militares

não para mudança, mas para manutenção do poder nas mãos da “burguesia nacional”aliada ao

capital internacional.

O golpe militar no Brasil foi seguido por outros semelhantes em vários países da América Latina nos anos 60 e 70. Para o grande capital internacional e nacional impunha-se a derrubada das barreiras econômicas e políticas à sua expansão, o esmagamento dos movimentos sociais contestatórios e a implantação de ditaduras militares que garantissem as condições favoráveis à nova fase de acumulação capita-lista. (HABERT, 2003, p. 9, grifo nosso).

A mesma autora afirma que a ditadura militar vinha numa trajetória de consolidação

“cujas pontas mais próximas estavam no golpe civil e militar que depôs o presidente João

Goulart (Jango) em março de 1964” (HABERT, 2003, p. 8). O golpe se deu porque, continua

a autora, os militares eram “associados aos interesses da grande burguesia nacional e interna-

cional, incentivados e respaldados pelo governo norte-americano” (Ibid, p. 8).

Por sua vez, Gaspari (2004 (a)) mostra que antes do golpe de 31 de março o governo

norte-americano já se preparava para oferecer ajuda militar em vista da manutenção do poder,

contra uma suposta e temida revolução “comunista”. Diz o autor que “em Washington, traba-

lhava-se havia dez dias na armação de uma força-tarefa naval que, em caso de necessidade,

zarparia para a costa brasileira. Sua formação fora proposta pelo embaixador americano no

Brasil, Lincoln Gordon (...) (GASPARI (a), 2004, p. 59, grifo nosso). E continua o autor afir-

mando que essa atitude do embaixador vinha sendo articulada já fazia algum tempo: “A cos-

tura militar do embaixador era antiga e profunda. Era anterior ao plebiscito que devolvera os

poderes presidenciais a Jango e se baseava no receio de que se estivesse caminhando para

60

uma ‘ditadura pessoal e populista’ ” (Ibid, 58, grifo nosso). O receio, na realidade, era em

relação ao “comunismo”, como demonstra o mesmo autor, reproduzindo trecho de uma con-

versa entre o presidente americano e o embaixador.

Outros autores referem-se ao período, reforçando a afirmação de golpe militar ou so-

bre a instalação de um “Estado Militar”, como sugere Germano (2005). O golpe se deu para

instalar uma “democracia excludente” que se implantou no Brasil “em decorrência do golpe

militar de 1964” (SAVIANI, 2006, p. 8). Um “movimento civil-militar que derrubou João

Goulart em abril de 1964” (REIS, 2000, p. 11) que, no Rio de Janeiro, foi comemorado por

uma multidão festejando “a derrocada de Jango” (REIS. 2000 p, 33). Entendemos, portanto

que ocorreu um golpe por meio do qual a burguesia, para não se ver alijada do poder, se im-

pôs aos trabalhadores com a ajuda dos militares em uma “conspirarão chefiada pelos milita-

res”. (SKIDMORE, 1978, p. 30).

O que aconteceu, então, para que nesse período ocorresse esse golpe?

O capitalismo estava se “desenvolvendo” no país. E, para tanto, não comportava mais

as facções das classes dominantes divididas, abrindo espaço para os avanços das forças soci-

ais dos trabalhadores, rurais e urbanos, e de outros movimentos organizados. A burguesia

nacional, aliada ao capital internacional, necessitava expandir seus lucros e sua influência,

mas se via ameaçada pelo avanço da organização trabalhista. O agravante da crise foi a figura

de João Goulart, representante do grupo ligado e remanescente do projeto varguista, que ten-

tou se impor catalisando apoio dos movimentos de trabalhadores. Assim, se por um lado os

trabalhadores podiam ver suas expectativas contempladas na proposta e no discurso do presi-

dente, os representantes do capital nacional e internacional sabiam que esse era um momento

crítico em que precisavam de todas as suas forças para se impor. Em virtude disso, podemos

dizer que esta era

uma fase do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, que ocorre sob a égide dos monopólios e que expressa, sobretudo, os interesses dos conglomerados internacio-nais, de grandes grupos econômicos nacionais, e das empresas estatais, formando um bloco cuja direção é recrutada nas forças armadas e que conta com o decidido apoio dos setores tecnocráticos (GERMANO, 2005, p. 21)

Por sua vez, Saviani (1991) coloca a questão da união das “diferentes frações da bur-

guesia que se unem na defesa dos seus interesses, com o respaldo das camadas médias” (SA-

VIANI, 1991, p. 65). Indicando que até aquele momento a classe dominante estava cindida,

tendo se unido em defesa de seus interesses contra a radicalização das forças dos setores or-

61

ganizados da classe trabalhadora que se apoiava nas propostas de Presidente. Contra isso, as

“diferentes frações da burguesia” se uniram porque tinham um projeto a defender, qual seja, o

projeto da própria burguesia. Em razão dessa aliança da classe dominante, o autor afirma:

Vem à tona o caráter do capitalismo como uma economia basicamente internacional e não centrada nas especificidades de cada país. Os interesses da burguesia, mesmo os da burguesia nacional, só podem ser atendidos à medida que prevaleçam os inte-resses da burguesia enquanto tal. (Ibid, p. 65. Grifo nosso).

Estávamos diante de dois grupos burgueses em atrito e os militares, como aliados de

um deles, justificaram o golpe como expressão de um movimento anti-comunista. Os milita-

res assumiram o poder em nome de “interesses” de empresas e empresários nacionais e es-

trangeiros. O interesse estrangeiro, que pode ser chamado também de capital internacional, é

representado, principalmente, pelos norte-americanos: “os interesses norte-americanos já ti-

nham cravado em solo brasileiro uma pesada âncora de remoção difícil”33 (ARQUIDIOCESE,

1985, p. 56). Razão pela qual se infiltraram no golpe por meio do serviço de inteligência nor-

te-americano: enquanto Jango se dirigia para um discurso em 30 de maio “já haviam chegado

a Washington dois informes da Central Inteligence Agency, a CIA, tratando dos ‘planos dos

conspiradores revolucionários’” (GASPARI, 2004 (a), p. 58) 34; e de apoio militar, decisão

tomada “uma semana depois do comício da Central, o presidente Lyndon Johnson autorizara a

formação de uma força naval para intervir na crise brasileira, caso isso viesse a parecer neces-

sário” (Ibid (a), p. 61). O golpe militar se efetivou, portanto, a partir da congruência de inte-

resses desses grupos, sob o comando das forças militares.

Entretanto, apesar de representar os interesses do capital nacional e internacional, os

militares golpistas não formavam um bloco homogêneo, como também não havia homogenei-

dade nos blocos econômicos e militares que articularam o golpe. E aqui se manifesta dupla-

mente a presença da contradição. Os interesses desses grupos em conflito com os interesses

dos trabalhadores manifestados nos movimentos sociais e o conflito interno entre os pares do

33 O golpe militar de 1964 vem instalar a perspectiva não só do capital internacional, mas também a “substituição da ideologia nacionalista e desenvolvimentista pela doutrina de segurança nacional ou doutrina da interdepen-dência, que proclamava que os países são interdependentes, não sendo mais possível a independência pura e simples. Nesse sentido, o Brasil precisava dos demais países, e em especial dos Estados Unidos, e os demais países precisavam do Brasil, em especial os Estados Unidos. (SAVIANI, 1991, p. 65. Grifo nosso). 34 A obra de Gaspari (a) (2004) faz uma detalhada descrição das estratégias e passos dos personagens envolvi-dos, inclusive, reproduzindo o comentário de um general dizendo que “a verdade – é triste dizer – é que o exérci-to dormiu janguista no dia 31 e acordou revolucionário no dia 1º” (p. 81). Mostra, além disso, que também a burguesia nacional, que o autor chama de “plutocracia” temia o avanço comunista. Esse mesmo motivo mobili-zou o governo norte-americano.

62

grupo que executou o golpe. Notemos, entretanto, que foram as manifestações dos trabalhado-

res que serviram de justificativa para o golpe e não as divergências entre os grupos burgueses.

Ou seja, o golpe foi desferido porque “os anos de 1962, 1963 e 1964 foram marcados pelo

rápido crescimento das lutas populares” (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 57; GASPARI, 2004

(a)), que propiciaram o fortalecimento do movimento sindical e educacional. Nessa mesma

página de “Brasil Nunca Mais”, lemos que a criação de uma central sindical, o Comando Ge-

ral dos Trabalhadores, foi vista como a “iminência da revolução comunista no Brasil” (grifo

no original). Um dos elementos que podemos perceber nessa situação é que a contradição

interna foi escamoteada e se utilizou a organização do grupo oposto35 como justificativa para

o golpe. Entretanto, como possível evidência de desarticulação da esquerda, “nenhuma força à

esquerda do presidente tomou iniciativa militar relevante durante o dia 31” (GASPARI, 2004

(a), p. 84). O que não impediu que o regime instaurasse, na seqüência, uma onda de persegui-

ção, prisão, tortura e assassinatos (ARQUIDIOCESE, 1985; GASPARI, 2004; HABERT,

2003)

Era urgente encontrar mecanismos para, além de justificar o golpe, manter-se no po-

der. Mas para isso era necessário ou uma boa justificativa para o golpe ou um forte aparato

repressivo. O governo militar utilizou-se de ambos. Criou um aparato ideológico e um intrin-

cado sistema de informação e repressão. A obra de Rezende (2001), como também Sautchuk,

(1995), mostra como esse governo se utilizou, inclusive, da repressão para se outorgar legiti-

midade e legitimar o golpe. E toda a obra de Germano (2005) analisa a ideologia que o “Esta-

do Militar” se utilizou para justificar não só o golpe como também a permanência dos golpis-

tas no poder.

Para manter-se no poder, o regime militar instituído a partir do golpe de 64 montou um dos mais violentos aparatos de repressão da história do Brasil. Liberdades indi-viduais foram suprimidas e os direitos mais elementares do exercício da cidadania banidos da vida dos brasileiros. (SAUTCHUK, 1995, p. 88).

35 Não é demais lembrar que nos anos imediatamente anteriores ao golpe de 1964, vicejavam movimentos sociais de várias configurações políticas e ideológicas. No meio desses movimentos sociais estavam os vários movimen-tos pela educação. Um breve inventário desses movimentos pode ser encontrado na obra de Góes (1991). Tam-bém Germano (1989), estuda esses movimentos, os quais foram usados como justificativa para o Golpe Militar, como sendo perigosas organizações “comunistas” que precisavam ser extirpadas. E o foram, como se pode com-provar pelo estudo das prisões, torturas e mortes nos “porões da ditadura” (ARQUIDIOCESE, 1985).

63

Frente a essa situação, comenta o mesmo autor, a esquerda mais radical, empunhou

armas contra aqueles que se instalaram no poder36. Esse movimento de resistência armada

influenciou nos rumos que se seguiram, servindo como argumento para o endurecimento e

continuidade dos militares no poder. Alguns autores (GASPARI (a), 2004; REIS, 2000),

mesmo confirmando a influência, afirmam que os movimentos de resistência não foram de-

terminantes para essa permanência. Principalmente porque a esquerda estava desarticulada,

impotente e não contava com o apoio da população. Para exemplificar essa situação, Gaspari

(a) (2004), comenta um movimento de guerrilha, comandado pelo coronel Cardin, ligado ao

PCB, vindo do sul e detido no Paraná. Diz o autor que:

Para a esquerda, sua aventura demonstrou algo cruel: por maior que fosse o descon-tentamento com o regime, ninguém sairia às ruas para tentar derrubá-lo apenas por-que uma coluna de guerrilheiros cruzara a fronteira. A idéia de um Brasil pronto pa-ra erguer-se à voz de alguns valentes exilados estava dissolvida. (GASPARI, (a) 2004, p. 194).

Entretanto, o simples fato de haver resistência pode ser visto como uma afirmação da

existência de descontentamento expresso em movimentos que, embora reprimidos duramente,

sinalizavam que nem todos os militares, da mesma forma que setores da esquerda, estavam de

acordo e, por isso, colocavam-se na oposição, evidenciando uma “desuniformidade” do mo-

vimento militar instalado no poder.

Além disso, a manutenção do poder se fez pela repressão e edição de leis favoráveis ao

regime que se instalou (REZENDE, 2005), leis que eram convenientes ou favoráveis ao regi-

me, sendo um exemplo clássico a edição do AI-5. “Os militares que tomaram o poder passa-

ram a se utilizar de instrumentos de exceção, especialmente os atos institucionais” e, com

isso, “o regime buscava manter uma aparência de legalidade. Fazia as leis pela força das ar-

mas” (SAUTCHUK, 1995, p. 89). Isso porque, como diz Germano (2005), o governo dessa

forma constituído não se sentiria refreado pela lei, mas, pelo contrário, estaria acima dela e,

justamente por isso, criava novas leis e regras, de acordo com sua necessidade. Isso explica,

no caso brasileiro, os tantos decretos, atos institucionais e todas as leis editadas, a fim de dar

sustentação legal ao ato praticado. Dessa forma, criando leis que satisfaziam suas conveniên-

cias, o Estado nunca cometia ilegalidade, pois criava, sempre, uma lei que lhe dava a legali-

dade do ato a ser praticado. Por isso, tantas prisões e perseguições, pois quando havia contes-

36 Mais referências à luta armada podem ser vistas na obra de Sautchuk (1995) e no, também já mencionado, Batismo de Sangue, de Frei Betto (1983)

64

tação o contestador estaria sempre na ilegalidade, pois a lei era feita para legitimar a ação re-

pressiva e contra o que a contestava.

Nesse panorama, o governo militar operava o Estado brasileiro usando a repressão e o

aparato ideológico. Em razão disso, entendemos o porquê da função educadora do Estado: “o

estado deve ser concebido como ‘educador’ no sentido de que ele tende, precisamente, a criar

um novo tipo ou nível de civilização” (CARNOY, 2005, p.102), como também afirma Aze-

vedo (2004), assumindo a afirmação de que o Estado não é neutro, se assim se apresenta é

para exercer o domínio.

O tempo passou, os problemas não se resolveram e o “país do futuro” não se concreti-

zou e, pelo contrário, a partir da segunda metade da década de 1970, os problemas se agrava-

ram, entre outros motivos, pela crise internacional, reconhecida pelo presidente militar E.

Geisel em pronunciamento na reunião ministerial de 10 de setembro de 1974, quando foi lan-

çado o II PND, ocasião em que o presidente militar credita à “crise do sistema monetário in-

ternacional, crise de energia e de matérias-primas essenciais” (BRASIL, 1974) as dificuldades

a serem vencidas pelo país. O fato é que se do ponto de vista global havia, de um lado, uma

crise na economia, por outro lado, no plano sócio-político, principalmente no Brasil, elas tam-

bém se manifestam e se juntam, criando o quadro de crise sócio-econômico-política.

Os primeiros anos, os “anos do milagre”, davam a impressão de que tudo ia bem, pois

se recebiam largas fatias de investimentos internacionais, os quais criaram a impressão de que

o país realmente estava no caminho que o conduziria ao pleno desenvolvimento. Mas, a partir

da segunda metade da década de 1970, a crise internacional, evidenciando alguns conflitos de

interesses, brecou esse crescimento. Assim, o otimismo de I PND (Plano Nacional de Desen-

volvimento) foi substituído pelo caráter mais analítico no II PND, manifestando uma contra-

dição entre o que se propunha no I PND e o que se concretizou, pois o programado não foi

alcançado. Tanto que, isso pode ser visto como mais uma contradição, o II PND propunha

corrigir os desvios do I Plano. Se o I PND previa crescimento “da receita acima de 10% ao

ano” (BRASIL (d), 1971, p. 9), o II PND reconhece ser difícil “manter taxas de crescimento

da ordem de 10%, a partir de 1975, em face, principalmente, da plena capacidade alcançada

no setor industrial” (BRASIL, 1974, p. 29) e das crises que se abateram sobre a economia

mundial. Ou seja, o próprio governo militar assim o admite: a crise internacional dificultou o

processo de desenvolvimento e, podemos dizer, agravou a crise nacional. No II PND o Go-

verno Federal, representado por Ernesto Geisel, afirma que o “governo revolucionário” já

65

concretizou “transformações profundas”, mas ainda permanecem vários problemas a serem

resolvidos:

Persistem os desafios da economia ainda vulnerável do nordeste semi-árido, e do quase intocado continente tropical úmido da Amazônia [...]

Persistem problemas na educação, de quantidade e, principalmente, de qualidade [...]

Na medida, inclusive, em que se consolidam os resultados econômicos passou o problema social a ocupar o primeiro plano das preocupações dos governos da revo-lução. (BRASIL, 1974, p, 24)

Em seguida, o mesmo II PND procura afirmar que o governo militar não perdeu o ru-

mo da condução das políticas do Estado e se falhas ocorreram, não deveriam ser creditados ao

governo, mas a fatores externos. O II Plano insiste em que a nação estava no rumo certo, e

que o governo da “Revolução” não estava disposto a deixar o comando do país, pois os pro-

blemas poderiam ser resolvidos “sem descontinuação”, ou seja, a solução para os problemas

do país, assim entendiam os tecnocratas do governo militar, era pela continuidade de suas

estratégias.

O que a Revolução mostrou, essencialmente, foi que problemas como esses podem ser resolvidos, com planejamento e capacidade executiva, prevalecendo, sobre quaisquer outros critérios, o interesse nacional. E mais: que podem ser resolvidos sem descontinuação do crescimento acelerado (Ibid, p, 24, grifos nossos)

A crise internacional da década de 1970 ganhou várias conotações e atingiu não só a

economia, mas a partir da economia interferiu na política e na vida social. Ou seja, a econo-

mia global atingiu e alterou a economia local de forma drástica, levando, no caso do Brasil, à

adoção de medidas recessivas originadas de uma imposição política que, por sua vez, nasceu

em resposta a outras crises anteriores. Em razão disso, Nogueira (1999) afirma que:

A década de setenta vai gestar uma crise econômica, financeira e produtiva que a-tingiu os pontos nevrálgicos do capitalismo dos países centrais e acabou produzindo resultados danosos, sob os pontos de vista econômico e social, na maioria dos países periféricos. No Brasil, esses resultados estiveram sempre associados a determinadas respostas de políticas econômicas implementadas domesticamente. (NOGUEIRA, 1999, p. 119)

Se no plano econômico sucediam-se crises, no campo político-social a situação não

era diferente. As instituições que deveriam ser democráticas, agiam, por necessidade de so-

brevivência ou por imposição do regime, como se democracia não existisse. Haja vista os

66

problemas no Congresso Nacional (REIS, 2000; HABERT, 2003), sofrendo constantes inter-

ferências por parte do executivo, exercido pelos militares: cassação de mandado e indicação

de senadores biônicos; leis que eram aprovadas a partir de artimanhas efetivadas pela perda de

mandato dos opositores ou outras formas de perseguições; decretos eram emitidos descum-

prindo ou atingindo os direitos individuais e humanos; estudantes e professores eram perse-

guidos, presos e, em muitos casos, mortos pelo único crime de ter coragem de dizer não

(GERMANO, 2005). E em todos esses e em muitos outros casos o governo militar procurava

se fazer legítimo; chama a atenção o fato de que no pós-1968, principalmente na época do

“milagre”, “apesar da repressão essa foi a fase em que o Estado obteve o maior grau de con-

senso e legitimidade” (ZOTTI, 2004, p. 144). Para se manter com essa aparência de legitimi-

dade buscava sustentação, mas, ao mesmo tempo, perseguia e eliminava as oposições ou vo-

zes críticas:

Mesmo sendo maculados todos os valores fundamentais da vida política, havia uma tentativa de tornar o próprio regime militar objeto de adesão. O apelo à aceitabili-dade de suas ações, medidas e valores se situava, grandemente, num árduo processo de convencimento constante de que poderiam até existir problemas na condução de alguns governantes e/ou mesmo com um ou outro presidente da República, mas nunca com o regime. As críticas (quando admitidas) deveriam ser feitas aos primei-ros, mas nunca ao último. A contestação da legitimidade do regime militar deveria, segundo ele próprio, ser severamente eliminada. Desta forma, ficava estabelecido que o comportamento de legitimação não se aplicava aos setores que objetivavam mudar o regime e/ou contestar o grupo social no poder. (REZENDE, 2001, p. 5. Gri-fos nossos).

Esses conflitos de interesses se manifestaram, também na educação, provocando o que

Cunha e Góes (2002) chamaram de “golpe na educação”. A situação da educação nacional, no

período 1964-1973, também foi analisada por Romanelli (1985) e por Nogueira (1999), mos-

trando as contradições da ajuda internacional para a educação brasileira, a partir dos acordos

MEC-Usaid37, que ajudaram a definir a política educacional brasileira.

A tese de que a Usaid definia as políticas educacionais brasileiras, é contestada por

Germano (2005), ao dizer que todos os projetos defendidos por essa agência já estavam sendo

gestados pelo governo militar, por meio das ações do MEC. O que na realidade aconteceu,

segundo Romanelli (1985, p. 196), foram acordos “para assistência técnica e cooperação fi-

nanceira dessa Agência à organização do sistema educacional brasileiro”. E a autora comple-

menta, citando John Hillard, da Usaid, o qual afirma que a agência

37 Acordos firmados entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC), do Brasil e a Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID – United States Agency International Development). Para mais esclarecimentos conferir, entre outros, Romanelli (1985); Nogueira, (1999).

67

tem por função não a concepção de uma estratégia da educação, mas influenciar e facilitar esta estratégia nos setores nos quais seus conhecimentos, sua experiência e seus recursos financeiros podem ser uma força construtiva. (apud ROMANELLI, 1985, p. 210, grifos nossos).

Das palavras do consultor americano, podemos deduzir que o Governo Militar, repre-

sentado pelo MEC, podia ter algumas metas já definidas, mas elas se concretizaram pela “in-

fluência” e pelos “recursos financeiros” da Usaid. Além disso, a “cooperação técnica” pode

ser entendida como uma adequação da política educacional brasileira aos propósitos do capi-

tal internacional – podemos inclusive imaginar a argumentação utilizada, dizendo que a ajuda

financeira viria, desde que os planos e metas do MEC estivessem em conformidade com os

planos e metas da Usaid. O problema foi que os auxílios derivados desses acordos vieram

produzir custos cada vez mais elevados, tornando mais um elemento a aumentar a dívida na-

cional em relação ao sistema de crédito internacional.

Nos anos 70, dos acordos firmados com a Usaid aos empréstimos do BIRD para a educação brasileira, houve uma tendência ascendente dos chamados componentes operativos, onde o custo, o prazo de carência, o prazo de amortização, vão sofrer e-levações visíveis, apesar do caráter de ‘cooperação técnica’”. (NOGUEIRA, 1999, p. 118).

Não vamos entrar, aqui, na discussão da dívida externa, entretanto, devemos destacar

que esse foi um dos elementos que interferiram decisivamente no desenrolar da situação; as

crises e a busca de suas soluções se pautaram não pela solução em favor da educação nacio-

nal, mas em resposta àquilo que a Usaid ou o mercado internacional determinavam (ROMA-

NELLI, 1985). A título de ilustração podemos dizer, com Olic (1992), que à crise internacio-

nal, no caso brasileiro, deve ser acrescentada a crise da insolvência da dívida externa crescen-

te. Mas o engodo aparecia no fato da aparência de eqüidade ou de possibilidade de solvência,

uma vez que até a “crise do petróleo”, início da década de 1970, acreditava-se no “milagre

brasileiro” acenando para um crescimento sócio-econômico constante. Milagre esse que se

fundamentava não em real crescimento, mas na disponibilidade de dinheiro e financiamento

internacional que resultou, por um lado, no crescimento da economia, mas que, por outro,

resultou no crescimento da dívida externa, em face dos vultosos empréstimos que eram toma-

dos. Nesse contexto, ampliou-se a crise quando da decisão unilateral dos Estados Unidos de

elevar as “taxas de juros internas” e, com isso, provocar o descompasso da insolvência da

dívida.

68

Dinheiro fácil no mercado internacional, resultando num endividamento que pare-cia ser pagável, pois se acreditava que essa liquidez permaneceria ‘ad-eternum’. Contudo em 1979, com a decisão unilateral dos Estados Unidos, em elevar as taxas de juros internas a patamares estratosféricos, fez com que a dívida se tornasse insus-tentável sem condições do pagamento dos juros e das amortizações. (NOGUEIRA, 1999, p, 119, grifos nossos).

Essa situação se deve, continua a autora, a uma crescente “crise fiscal, aliada a uma

crise de divisas e de esgotamento daquele padrão vigente de industrialização” (Ibid, p. 119).

Notando que os fenômenos anteriormente mencionados, no caso do Brasil, eram específicos

das regiões chamadas industrializadas e que se concentravam no sul-sudeste. Tendo isso pre-

sente que podemos dizer que a crise econômica nacional e internacional provocou o fenômeno

sócio-econômico das migrações, as quais, incentivadas pelo governo militar, foram direciona-

das, entre outros espaços, para a Amazônia. Melhor dizendo, esse contexto explica a abertura

da Amazônia para a massa populacional excluída do processo de industrialização, do acesso à

terra e empregos. E, em face da iminência de crises sociais nas regiões com crescente moder-

nização do processo de industrialização, tanto urbano como agropecuário, principalmente no

sul-sudeste, o governo militar optou pela ocupação dos vazios populacionais, no extremo oes-

te em que se localiza a Amazônia, ocupando, simultaneamente, o cerrado do Centro-oeste. Foi

necessário, contudo, para efetuar esse processo, criar, nos trabalhadores desempregados e nos

sem-terra38, a expectativa de que essas regiões seriam soluções definitivas para o desemprego

e a falta de terra. Acenou-se com o mito do eldorado (OTT, 2002; ARRUDA, 1977), pelo

qual se metamorfoseava uma região, principalmente a de Rondônia, como o eldorado.

2- EXPANSÃO DAS FRONTEIRAS NACIONAIS EM DIREÇÃO À AMAZÔNIA

As alterações sócio-econômicas que ocorreram no Brasil a partir de 1960, tiveram pro-

fundas repercussões na configuração do país nas décadas seguintes. Essas alterações podem

ser assim enumeradas: avanço do processo de industrialização; avanço da mecanização da

agricultura; alteração nas leis, criando uma legislação que paradoxalmente favorecia e desfa-

38 Esses trabalhadores e sem terra acabaram sendo transformados em posseiros a fim de “limpar” a novas áreas de ocupação, no norte. A esse respeito conferir a análise de Martins. “O posseiro, entretanto, é produto das pró-prias contradições do capital. A funcionalidade da sua existência se desenvolve por que está inserido em relações dominadas pelo capital e não porque esteja nos cálculos do capitalista. A mesma sociedade que dele se beneficia o quer destruir” (MARTINS, 1983, p. 116)

69

vorecia o trabalhador do campo; concentração fundiária; êxodo rural e aumento da população

urbana; surgimento de vários problemas sociais pela falta de emprego e moradia, nas cidades.

A partir da segunda metade do século XX, o acelerado processo de urbanização e industrialização fez com que este modo de vida rural que garantia a sobrevivência do camponês se extinguisse, extremando as contradições sociais e a consciência de classe. Na década de 70 a mecanização intensa da lavoura, particularmente no Rio Grande do Sul e Paraná, expulsou do campo grandes contingentes populacionais, que se dirigiram, em grande parte, às regiões de colonização como Rondônia e Ma-to Grosso. (GONZÁLEZ; AMOEDO; DOMINGOS, 2005).

Na realidade, como já mostramos anteriormente, as alterações conjunturais, comen-

tadas pelos autores, desenharam um quadro de crise no país, num processo que teve alguns

desdobramentos bem definidos. Politicamente, em 1964, aconteceu o golpe militar que ins-

talou a ditadura militar. Do ponto de vista econômico, verificou-se uma crescente indus-

trialização e aumento da inflação, fazendo com que a política econômica saísse da área

produtiva para se filiar ao mercado financeiro, sem contar o aumento da infiltração do ca-

pital internacional. E, do ponto de vista demográfico e da distribuição da população, ocor-

reu um processo migratório visando a ocupação da Amazônia, tendo como uma das suas

conseqüências a organização e criação do estado de Rondônia e, dentro desse processo, a

cidade de Rolim de Moura.

Dentro dessa conjuntura e do processo migratório deu-se a reestruturação do territó-

rio de Rondônia para fazê-lo estado, bem como a criação de outras frentes que atraíram

migrantes, como foi o caso da Transamazônica. Tudo isso é o que podemos chamar de al-

ternativa amazônica. E para convencer essas pessoas de que deveriam se dirigir para a

Amazônia foram desenvolvidas políticas de incentivo e publicidade mostrando não o “in-

ferno verde”, mas um novo Eldorado, não só para exploração de minérios – como Serra

Pelada – mas também pela distribuição de terras, anunciadas como férteis.

É verdade que a região sempre existira, mas nem sempre despertara a necessidade

de um efetivo e sistemático processo de colonização dentro da imensidão verde, onde vivi-

am inúmeras tribos indígenas e outros tantos seringueiros, abandonados à própria sorte39

39 Embora não seja o foco deste trabalho, não é demais ressaltar que os dois momentos da história em que o capital convocou a população brasileira para as selvas amazônicas em busca da borracha foi para responder as crises em outras localidades: a seca do nordeste, no final do século XIX, no primeiro “ciclo da Borracha” e o período de carência do produto no mercado mundial e norte americano, no contexto da 2ª Guerra Mundial, quan-do se deu o segundo “ciclo da borracha”, com a criação do programa dos “soldados da borracha” (LIMA, 2001; PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992).

70

(LIMA, 2001), desde os dois “ciclos da borracha”40. Nesses ciclos havia sido desenvolvida

a crença de que a Amazônia seria a solução para outros problemas. Naquele momento essa

proposta estava sendo apresentada aos migrantes vindo do sul-sudeste, a partir da segunda

metade do século XX. Com a diferença de que nesse contexto vinha junto a idéia de ocu-

pação, de colonização e de desenvolvimento para a Amazônia; convocava-se os trabalha-

dores não para a extração de “drogas do sertão”, mas para a ocupação agropecuária, no ca-

so de Rondônia; ou para extração de minerais, no caso de Serra Pelada e Carajás; ou para a

edificação de obras públicas, no caso dos operários da Transamazônica.

Para tal, a partir da segunda metade do século XX, o governo federal – e companhi-

as de colonização – iniciaram um processo de propaganda sobre a Amazônia e, particular-

mente, sobre Rondônia (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992; LIMA, 2001). Falavam das ma-

ravilhas e da fertilidade quase milagrosa da terra, disponível e gratuita. Tanto se disse e se

“propagandeou” que Rondônia passou a representar, não só o sonho de muita gente do sul-

sudeste, mas também, a possibilidade de enriquecimento, principalmente pelas afirmações

que eram feitas sobre a região, como o novo Eldorado41. Era bastante comum nas reuniões

com os sem-terra, no Paraná42 e em outros estados, a apologia de Rondônia, mostrando fo-

tos com enormes cachos de bananas, pepinos com mais de 40 quilos, abóbora de 15 quilos,

melancia de 17 quilos, conforme se pode ver nas ilustrações da obra de João Batista Lopes

(1989), um dos primeiros moradores da cidade de Rolim de Moura. Era a forja de outro

mito amazônico: o anúncio da terra fértil, baseado na exuberância da floresta e na colheita

dos primeiros anos.

A divulgação das potencialidades amazônicas, e de Rondônia em particular, preci-

sava ser feita, contra o fato de que nem todas as terras destinadas aos migrantes e à coloni-

zação eram verdadeiramente férteis, sendo que a terra “realmente produtiva apresenta-se

em manchas, estando a região mais bem servida no centro do estado” (LIMA, 2001, p.

40 Pode-se perfeitamente discordar dessa denominação ou dessa compreensão da história a partir dos “ciclos econômicos”. Principalmente porque nessa forma de compreender a história pode-se incorrer numa inverdade ou na visão de que a história é feita de fatos, datas e heróis, deixando de vê-la como processo. Entretanto, aqui se está utilizando uma conceituação corrente em livros didáticos, sem entrar no mérito da discussão conceitual. 41 A lenda do Eldorado remonta ao século XV e a Francisco Orelhana e Pizarro, que “almejaram encontrar o eldorado, região possuidora de imensas riquezas até então inexploradas, incumbindo-se assim de propagar para a posteridade uma das lendas de domínio mundial, sendo a Amazônia o palco central” (LIMA, 2001, p.133). Para este novo contexto, ver Arruda (1977). 42 O autor deste trabalho, durante os anos finais da década de 1970, lembra-se de ter ouvido pelo rádio, no estado do Paraná, propagandas sobre as facilidades de se adquirir um “lote de terra” em Sinop, no Mato Grosso e em vários projetos de colonização, em Rondônia. Recorda-se, também de pessoas comentando terem recebido cartas de familiares que haviam vindo para Rondônia, falando das dificuldades enfrentadas e das fartas colheitas, dos primeiros anos.

71

133), longe da faixa da BR 364, que inicialmente se destinava à ocupação. Além disso, o II

PND, apesar de afirmar o “potencial quase ilimitado da região”, reconhece, além das limi-

tações do solo, outras adversidades naturais43. Diz o II Plano: “É conhecida a relativa po-

breza dos solos de terra firme, conquanto, dada a vastidão da área, seja possível identificar

manchas de terra roxa e razoavelmente amplas áreas de fertilidade média com necessidade

de algum tratamento” (BRASIL, 1974, p. 65).

Além disso, a propaganda se fazia necessária porque o sul-sudeste passava por

mudanças originadas do processo de desenvolvimento da indústria e da agricultura, exigin-

do dos governos militares – meados da década de 1960 até o final da década de 1980 – um

intenso processo de propaganda sobre a Amazônia e particularmente sobre Rondônia. Foi a

época do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, secundado da necessidade de integração da Amazô-

nia pelo slogan “integrar para não entregar”. Todo esse processo estava fundamentado nos

três Planos Nacionais de Desenvolvimento (I, II e III PND), os quais são importantes para

entendermos a colonização da Amazônia, além de possibilitar mais clareza sobre, não só a

base das ações econômicas dos governos militares, como também algumas dimensões das

bases ideológicas em que se sustentou o governo militar.

Como podemos ver, o que ocorreu no mundo e nas diferentes regiões do país influen-

ciou e interferiu na fronteira oeste, incluindo as regiões Centro-oeste e Norte do país. Com a

diferença de que enquanto para a Amazônia, especificamente para Rondônia, migraram inici-

almente os sem-terra e desempregados do Sul-Sudeste (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992; LI-

MA, 2001), para o cerrado do Centro-Oeste foram direcionados investimentos para a “moder-

nização agrícola” (SILVEIRA, 2005; MARTINS, 1983). Esse fato permitiu o desenvolvimen-

to agrícola e de mercados para a comercialização de fertilizantes e defensivos agrícolas. E os

resultados também foram diferentes nas duas regiões.

Assim, no processo de expansão podem ser observadas duas políticas de ocupação.

Uma para a Amazônia que deveria receber o excedente populacional resultante da concentra-

ção fundiária ocorrida no Sul-Sudeste nas décadas de 1960-1980, uma vez que esse excedente

começava a representar perigo de gerar distúrbios sociais por não ter acesso às oportunidades

de trabalho nessa região (BRASIL, 1971; 1974). Para esses é que foi aberta a fronteira ama-

zônica (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992; LIMA, 2001). Esses mesmos autores, como também

43 O II PND reconhece que é necessário considerar outras dificuldades que o Plano aponta: “o excesso de água, exigindo esquemas de drenagem; e nas áreas de floresta densa, a abundância de insetos e microorganismos noci-vos às plantas e animais” (BRASIL, 1974, p. 65).

72

Amaral (1994), afirmam que, embora possa parecer que esse processo de expansão da frontei-

ra amazônica fosse um processo de reforma agrária, isso de fato não ocorreu. O que ocorreu

foi o contrário, ou seja, também na Amazônia o processo de concentração fundiária se expan-

diu a partir do trabalho dos migrantes (MARTINS, 1983). Os colonos abriam os lotes, e por

falta de recursos, assistência ou infra-estrutura, os vendiam ou abandonavam, possibilitando a

ampliação do latifúndio nas mãos de fazendeiros a partir de uma “tríplice aliança entre capital

nacional, as estatais e as multinacionais”. Essa aliança reproduziu, na Amazônia, a estrutura

fundiária das outras regiões, “assim, a reprodução de uma estrutura fundiária cada vez mais

concentrada vai se processando na Amazônia através dos mesmos expedientes de outras épo-

cas...” (OLIVEIRA, 1989, p. 126) e de outras regiões, poderíamos acrescentar.

A outra frente de ocupação, que não é objeto deste trabalho, foi dirigida para o Centro-

Oeste, visando a ocupação de grandes áreas do cerrado (MARTINS, 1983). Para essa região

também se dirigiram pequenos proprietários, mas ela se converteu bem mais cedo em grandes

fazendas produtoras de grãos. E para isso, além do trabalho dos migrantes que desbravaram a

região, foram disponibilizadas linhas de financiamento e incentivo à pesquisa, transformando

a região do cerrado mato-grossense em campos de cultivo de grãos e de pecuária de corte.

Essas duas frentes de ocupação, entretanto, se inserem no quadro da crise pela qual

passava o sistema capitalista. Por essa razão a alternativa da criação de frentes de expansão

territorial, com a finalidade possibilitar a sua recuperação com a incorporação de novos espa-

ços de exploração. Assim o capital dava a impressão de que estava fazendo ações sociais

quando, na realidade, estava se reestruturando com o recurso de abertura de novas frentes de

ocupação.

Tudo isso implica dizer que as mudanças que estavam ocorrendo no mundo se refleti-

am no Brasil. Implica dizer, também, que o processo de transformação e avanço do capital

internacional interferiu profundamente e de forma diferenciada em várias regiões do Brasil:

no sul-sudeste acelerando a industrialização, a mecanização da agricultura, a concentração

fundiária, provocando a necessidade da expansão das fronteiras agrícolas para o Centro-Oeste

e para a Amazônia. O fato é que a Amazônia permaneceu no discurso do governo militar co-

mo um espaço a ser integrado. Se para o Brasil, o lema era “Ame-o ou deixe-o”, para a Ama-

zônia o discurso era de integração: “Integrar para não entregar”, enquanto nas rádios se ouvia:

“Este é um país que vai pra frente / de uma gente unida e tão contente”.

Na realidade, até a década de 1960 a Amazônia, embora legitimamente território brasi-

leiro, não estava incorporada ao cotidiano do Brasil. Sem querer negar alguns fatos marcantes

73

de uma “longa história de expropriação e saque” (OLIVEIRA, 1989, p. 9) – as experiências

do tempo colonial, as excursões dos bandeirantes em busca de ouro e índios, as aventuras dos

garimpeiros, a saga da borracha, o tormento da construção da Estrada de Ferro Madeira Ma-

moré (EFMM) e da linha telegráfica na operação comandada por Rondon – a verdade é que a

Amazônia, e particularmente Rondônia, só começou a ser ocupada e colonizada, sendo incor-

porada de fato ao Brasil, na segunda metade do século XX, como solução para problemas

noutras regiões44.

Durante o governo militar, a palavra de ordem em relação à Amazônia era a integração

desse vasto território. Para isso o processo migratório, como política do governo federal, que

teve como ponto de referência e objetivo a ocupação da Amazônia, foi desenvolvido a partir

da primeira metade do século XX, quando se imaginou uma ligação telegráfica e depois rodo-

viária unindo Cuiabá, Porto Velho e Rio Branco45, o que se concretizou com a abertura do

traçado da atual BR 364 (na época BR 29), sendo esse um dos aspectos da política desenvol-

vimentista de Juscelino Kubitschek (LEAL, 1984). Isso mostra que, se já havia planos para a

ocupação da Amazônia, podemos dizer que eles se transformaram em política de governo a

partir de meados do século XX, com os governos militares. Ações desenvolvidas antes, havi-

am permitido que, contraditoriamente, a Amazônia tivesse sido incorporada do ponto de vista

formal, territorial e político, mas sem ter sido, de fato, completamente colonizada na perspec-

tiva do capital: a região, portanto, permanecia desocupada da presença colonizadora46. Por

esse motivo a região permaneceu isolada e semi-povoada até as mudanças econômicas e polí-

ticas que aconteceram nos anos das décadas compreendidas entre 1960-1980.

Já era possível prever a possibilidade de uma infinidade de problemas que adviriam

com as migrações, mas também, podemos imaginar que seriam menores em relação aos que

se produziriam no sul-sudeste, com a concentração de incalculáveis multidões nas periferias

das cidades, com fome, sem emprego e a disposição das propagandas dos movimentos sociais

que se organizavam nessa época. Assim a alternativa amazônica, e especificamente a disponi-

bilização de terras em Rondônia, era uma forma de, ao mesmo tempo, aliviar as tensões dos

44 No PECD são caracterizadas duas macro regiões e dois ciclos de ocupação. O primeiro, mais antigo, às mar-gens dos rios Madeira, Guaporé, Mamoré e a segunda, mais recente localizou-se na área de influência da BR 364 (RONDÔNIA, 1981, p. 32). 45 A atual BR 364, que em meados do século XX, era denominada de BR 29, já havia sido prevista desde a déca-da de 1940, dentro do Plano Rodoviário Nacional (LEAL, 1984; LIMA, 2001). 46 Neste trabalho não entraremos na discussão sobre a presença dos povos e nações indígenas na região ou e problemas originados do contato entre o colonizador e os povos indígenas. Sobre isso pode-se consultar Martins (1983) e Perdigão e Basségio (1992). A preocupação deste trabalho volta-se especificamente para a ação da colonização capitalista, a partir dos anos 1960 e sua relação com a educação.

74

centros mais desenvolvidos; ocupar uma enorme área escassamente habitada e desarticular

possíveis movimentos de contestação, pois se transmitia, com os projetos de ocupação, uma

idéia de que se estava efetuando um eficiente programa de reforma agrária – embora, a bem

da verdade, o I PND mencione não reforma agrária, mas “redistribuição de terra” e venda das

“terras desapropriadas” (BRASIL, 1971, p. 31), podendo deixar ver nisso uma conotação ide-

ológica e nacionalista, típica dos governos militares que se instalavam no Brasil a partir de

1964 e que impregna todo o texto dos PNDs, os quais insistem na idéia da integração por in-

termédio da ocupação (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992; HABERT, 2003; OLIVEIRA, 1989).

O processo crescente de ocupação é evidenciado, entre outros fatores, no volume de

alteração vegetal ou do desmatamento, conforme mostra Oliveira (1989), com dados do Insti-

tuto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Mostra o autor que, até 1975, a ação

humana havia “alterado a vegetação natural” em 2.934.200 hectares (ha). E, três anos depois,

em 1978, essa alteração já havia mais do que duplicado e ultrapassava os 7.801.550 ha, che-

gando aos 12.080.271 em 1980. Ou seja, a marcante presença da ação colonizadora se mani-

festou no período depois de 1960. Em vista disso é que, não desconsiderando outros momen-

tos da ocupação amazônica, dizemos que a região só foi sistematicamente ocupada a partir da

propaganda (LIMA, 2001; PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992; SANTOS, 2001) feita pelos go-

vernos do regime militar. Ou, como se observa nos PNDs, a ocupação amazônica passou a ser

política pública.

Os migrantes não vieram para a Amazônia como os nordestinos que buscaram o Rio

de Janeiro, São Paulo e Paraná, no final do século XIX e durante o século XX, para fugir da

seca (MARTINS, 1983). A Amazônia só se tornou atrativa depois da forte propaganda desen-

volvida pelo governo federal. A essa propaganda oficial Perdigão e Basségio (1992) vão cha-

mar de “trajetória da ilusão”. Embora sua análise seja prioritariamente em relação a Rondônia,

mostram como o mesmo processo se deu em relação a toda a Amazônia. Todos os que vieram

para a Amazônia, e particularmente para Rondônia, afirma Santos (2001), vieram atraídos

pela propaganda oficial, dizendo o autor que “do mesmo modo que a migração nordestina,

essas levas de sulistas e sudestinos chegam atraídas pelos projetos governamentais e com o

propósito de posse de terra” (SANTOS, 2001, p. 76, grifo nosso). Nesse sentido, é ilustrativo

o comentário sobre a ocupação de Rondônia, oferecida pelo próprio INCRA, afirmando que o

processo de colonização se deu em favor do capital e não em resposta à possíveis necessida-

des das populações migrantes:

75

É importante ressaltar que a ocupação e colonização recentes do Estado de Rondô-nia é resultado da estratégia do governo brasileiro no sentido da ampliação das condições para a expansão do capital na economia brasileira, fundamentada na e-conomia de mercado, que preconizava a ocupação da fronteira por meio de uma po-lítica de integração nacional. Nesse período o governo federal desenvolveu uma es-tratégia de transformar Rondônia em exemplo de colonização agrária, visando inte-grar a região ao restante do país. (INCRA, 2005, p. 15, grifo nosso).

Entre os objetivos da propaganda que atraiu esses migrantes, podemos apontar aquele

mostrado por Perdigão e Basségio (1992) e por Martins (1983) qual seja, a de “abrir os lotes”

para mais tarde serem vendidos (ou perdidos) para os fazendeiros ou grileiros, no processo de

ampliação dos conflitos. O que indica que apesar de haver indicação da existência de recursos

financeiros e logísticos para efetuar o assentamento dos colonos, nos projetos de colonização,

isso de fato não se verificou. Por uma série de circunstâncias, o INCRA não deu conta de ofe-

recer “estrutura física e social” que fosse “capaz de se sustentar” e manter a presença dos co-

lonos, sendo essa uma das razões que explicam a dificuldade de fixação do migrante em terras

amazônicas. Talvez por esse motivo as palavras de Lima (2001), ao afirmar que os colonos

traziam a esperança de “melhoria de vida” e foram atraídos pelo “propagar do maior embuste

nacional”. E o autor justifica sua afirmação não só como pesquisador, mas também como mi-

grante ao dizer que:

Para se chegar a esta conclusão com a autoridade de quem conviveu com o proble-ma, basta considerar a campanha feita pela imprensa oficial e nacional nos anos 70, quando o então Território Federal de Rondônia era apresentado como possuidor das terras mais férteis do país, atraindo milhares de colonos que empolgados com a pro-dução dos dois primeiros anos, se encarregavam de atrair parentes e conhecidos (LIMA, 2001, p. 132, grifo no original).

Esse “embuste” (LIMA, 2001) ou essa “trajetória da ilusão”, (PERDIGÃO; BASSÉ-

GIO, 1992), do ponto de vista do governo militar era uma solução necessária porque o país

precisava resolver os problemas de densidade demográfica e de crise urbana, criando alternati-

vas para o capital. Dessa forma, a solução para o problema do sul-sudeste foi a ocupação da

Amazônia. No I PND (I Plano Nacional de Desenvolvimento), o governo federal afirmava ser

necessário efetivar a “integração nacional não permitindo que fiquem à margem do processo

de desenvolvimento regiões como o Nordeste e a Amazônia” (BRASIL, 1971, p. 19, grifo no

original). A Amazônia, portanto, para os militares, era uma região atrasada e perdida. Por isso,

a necessidade de integrá-la (“integrar para não entregar”, como era o slogan da época) e de-

senvolvê-la (estavam à margem). Além disso, o “embuste” aconteceu – e isso podemos dizer

hoje – porque se “propagandeou” que as terras de Rondônia eram férteis quando podemos

76

perceber, a partir de afirmações esparsas, que havia consciência de pouca fertilidade das terras.

Observamos isso no II PND ao afirmar ser “conhecida a relativa pobreza dos solos de terra

firme” 47 (BRASIL, 1974, p. 65). Dessa forma, pode-se dizer que o mito da terra fértil (OTT,

2002) na realidade, foi mais um dos mitos desenvolvidos pelo governo militar.

O planejamento da ocupação da Amazônia foi feito pelo governo militar de forma que

as massas populacionais foram “reorientadas” para se dirigir, não mais para os grandes cen-

tros, mas para a Amazônia. A “consolidação do Centro-Sul” como área industrializada, passou

a apresentar “problemas típicos da sociedade moderna: crescimento explosivo de aglomerados

urbanos” (BRASIL, 1971, p. 26, grifo nosso). Em virtude disso, o mesmo Plano, ao definir as

“estratégias regionais”, se prepôs criar um sistema de “vasos comunicantes que permitirá a

reorientação dos fluxos de excedente de mão de obra” (Ibid, p. 28, grifo nosso) para direcio-

nar o “excedente” nordestino, a fim de efetivar a “estratégia para a Amazônia que é de integrar

para desenvolver” e com isso promover “ocupação econômica e desenvolvimento para tirar

proveito da expansão da fronteira econômica, para absorver excedentes populacionais de ou-

tras áreas...” (Ibid, p.29, grifo nosso). Notemos que o projeto do governo militar não era só

manter-se no poder e eliminar oposições, mas também aliviar tensões e fazer da Amazônia um

espaço para absorver o “excedente de mão de obra”, além de “tirar proveito” da situação.

Além disso, a força de trabalho, que estava sobrando, evidenciava o “crescimento explosivo”

das cidades, resultante da política agrícola e da industrialização.

Quando lemos o I PND, constatamos que o governo militar tinha consciência do que

estava ocorrendo no país: estava acontecendo o que o Plano chama de “crescimento explosivo

de aglomerados urbanos” e a solução para esses problemas foi a reorientação das correntes

migratórias, tanto as do Nordeste, como aquelas que estavam deixando o campo no Sul-

Sudeste, para a Amazônia. Assim sendo, antecipando-se ao problema, o governo militar, para

evitar que se instalasse o caos social – que era tudo que os militares não queriam – organizou o

processo por meio do qual as massas que estavam sobrando foram “reorientadas” para a Ama-

zônia.

O que foi a Amazônia nesse contexto? Um receptáculo da massa populacional que não

contava, mas que, contraditoriamente, poderia representar perigo de distúrbios sociais devido

ao “crescimento explosivo de aglomerados urbanos” (BRASIL, 1971, p. 26, grifo nosso). Uma

47 Um dos diretores do INCRA, Helio Palma de Arruda,em 1977, afirma que a Amazônia não é “homogênea”, pelo contrário “temos na Amazônia todos os tipos de solos, vegetação e uma grande variedade de climas” (AR-RUDA, 1977, p. 14). No mínimo isso significa que havia consciência de fertilidade ao lado de infertilidade.

77

massa populacional que teria dupla função: amansar a floresta para o processo de concentração

fundiária, que viria a seguir; e concentração nas periferias das cidades que estavam se forman-

do, para ser a reserva estratégica de força de trabalho. Daí, portanto, a opção pela Amazônia,

onde a massa populacional poderia, ao mesmo tempo, “integrar” a região, aliviar as tensões e

disponibilizar força de trabalho excedente, e barata, pois seria abundante. E para que essa me-

dida surtisse efeito, o governo militar lançou mão da “redistribuição de terra”, por meio de

processo de “implantação de projetos agrícolas”, (Ibid, p. 31), financiados pelos bancos ofici-

ais e capital internacional.

E quem foi o homem que se fixou na Amazônia nesse período? Não foram os re-

presentantes das classes dominantes, nem os donos de indústria ou grandes proprietários de

terras. Foram precisamente, como mostram Perdigão e Basségio (1992) e também Martins

(1983), grupos de sem terra do Sul-Sudeste “aptos para migrar”, como descritos no I e II

PNDs. Integravam esses grupos aqueles trabalhadores que apareceram com o fim dos cafe-

zais ou o começo da mecanização agrícola. Ou os que se tornaram “assalariados volantes”,

em decorrência do “Estatuto da Terra”, promulgado na década de 1960. Os trabalhadores

volantes, “aptos para migrar”, eram fruto do “capitalismo rural” que, “para não arcar com

os encargos sociais do trabalhador rural, introduziu o assalariado volante, que é o primeiro

potencial apto para migrar” (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992, p. 76), principalmente por-

que esse contingente de trabalhadores buscava acesso à terra, pois eram trabalhadores da

terra, sem terra para trabalhar.

O fato é que frente aos problemas que se avolumavam noutras regiões do país, era

necessário buscar uma alternativa e uma solução. A alternativa que o governo militar apre-

sentou foi a Amazônia e de modo particularíssimo, Rondônia. E para este estado foi trans-

ferida toda a carga de problemas que vieram nas malas dos migrantes. Devemos notar que

os migrantes que chegavam provinham do centro-sul-sudeste. Mas suas origens devem ser

buscadas mais além. Eram, em grande parte, retirantes do nordeste que, fugindo da seca,

atravessaram São Paulo, passaram pelo Paraná e, após frustradas as expectativas, chegam

ao Norte. Formou-se um verdadeiro triângulo de migrações, como apresentam Nascimento

e Oliveira (1999), mostrando que o processo migratório não acontece somente de uma re-

gião pobre para uma mais rica. Ele acontece também de regiões ricas para outras pobres, o

que evidencia a frustração do sonho que tanto pode ser o da posse da terra, como o de me-

lhorar as condições de vida familiar. Na realidade, pode-se perceber a formação do que po-

demos chamar de um triângulo da esperança – ou da ilusão – do migrante que saiu do Nor-

78

deste, atravessou o Sudeste e fixou-se por uns tempos no Sul de onde saiu novamente, a-

travessando o Centro-Oeste até chegar ao Norte, onde plantou seu sonho numa terra infértil

até que, cansado dessa infertilidade e na busca da concretização de novas esperanças, mi-

grou novamente... na eterna busca de um espaço que possa se constituir no chão prometido,

na realização dos sonhos de melhoria, na concretização da esperança.

Mas não eram só dificuldades em relação ao acesso à terra que atingiam o migrante.

Sua chegada já era traumática, como mostram Perdigão e Basségio, dizendo que o migran-

te não tinha acolhida ou alojamento, tendo que se alojar em barracos ou onde lhe fosse

possível, como os barracões das igrejas. Sem contar que muitos nem tiveram acesso à terra.

A grande dificuldade que se sente em toda esta realidade é que não é oferecida ao migrante nenhuma estrutura de acolhida. O migrante aqui chega e não encontra ori-entação, fica amontoado em estações rodoviárias ou em galpões de igrejas, como acontece na paróquia de Rolim de Moura. Outra dificuldade que o migrante encontra é relativa à obtenção da terra. Fala-se em 16 mil famílias que já passaram pela sele-ção, mas que ainda não receberam terra. Contando com as que não passaram pela se-leção, calcula-se que já sejam 50 mil famílias sem terra. Nem tudo está claro quanto ao futuro desta terra e deste povo. (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992, p. 97, grifo nosso).

A esses, principalmente aos que se dirigiam para Rondônia, se acenou com a possi-

bilidade de acesso à terra distribuída pelos diferentes e bem definidos modelos de Projetos

de Colonização operacionalizados pelo INCRA: os PICs (Projeto Integrado de Coloniza-

ção), PADs (Projeto de Assentamento Dirigido), PARs (Projeto de Assentamento Rápido)

e PA (Projeto de Assentamento). Cada uma dessas modalidades de projetos possuía carac-

terísticas particulares48, sendo que os PICs foram os mais antigos (a partir de 1970) e foram

idealizados com mais estrutura e os últimos quase que abandonados à própria sorte. As

modalidades de projetos variavam em virtude do crescimento constante, ultrapassando a

capacidade técnica e humana do INCRA em absorver as massas populacionais que se diri-

giam para a Amazônia, principalmente para Rondônia. Além disso, em função da maior ou

menor fertilidade do solo, eram concedidos lotes maiores ou menores, sendo que os PICs

tinham o tamanho médio de 100 hectares.

Esses modelos de projetos de colonização tinham público e modalidades de trata-

mento diferenciado pelo INCRA, sendo que os PICs eram projetos mais elaborados. Os co- 48 Notando que cada uma dessas modalidades de Projeto de Colonização ou de Assentamento tinha característi-cas específicas, tanto do ponto de vista da extensão do lote rural como do ponto de vista dos colonos aos quais eles se destinavam (INCRA 2005). Em Oliveira (1989), encontramos um maior detalhamento sobre cada um dos projetos de colonização do INCRA. Ver também Perdigão; Basségio (1992)

79

lonos do PIC, passavam por uma seleção mais rigorosa e, em princípio, haveria “abertura

de estradas e assistência nas áreas de saúde, educação, orientação técnica e comercializa-

ção” (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992, p. 77). Já os PADs, foram desenvolvidos posteri-

ormente, destinando-se àqueles migrantes que tivessem “uma situação econômica melhor”.

Por esse motivo, “o governo apenas investia na locação e abertura de um conjunto restrito

de estrada” (Ibid, p. 79). Por seu turno os PARs eram “lotes de 50 ha, visando o assenta-

mento de pequenos produtores. [...]. As estradas e infra-estrutura estavam condicionadas

para o momento em que entrassem em fase de produção” (Ibid, p. 79). Em outras palavras

isso implica dizer que os colonos destinados aos PARs estavam quase que destinados ao

fracasso, sendo levados pelas circunstâncias a entregarem suas terras ao latifúndio, devido

à falta de condições e assistência.

Como não podia ser diferente, a massa de migrantes era formada pelos que haviam

perdido qualquer possibilidade de acesso a terra e ao trabalho; mas também, em menor

número, vinham pessoas ou empreendedores com algumas posses. Esse segundo grupo era

constituído por aqueles que se tornaram os madeireiros e outros proprietários que se apro-

veitaram das circunstâncias para, aos poucos, ir se apropriando das terras que iam sendo

abandonadas ou vendidas pelos colonos sem recursos e sem assistência. “Dessa forma, as

famílias que estavam em aguardo dos lotes transformaram-se em assalariados para aqueles

detentores de lotes” (Ibid, p. 80). Noutras palavras, o colono que foi transposto para a A-

mazônia era uma vítima do sistema (AMARAL, 1994; LIMA, 2001; OLIVEIRA, 1989) e

veio para ser explorado: em Rondônia pelo processo de concentração de terras; na área da

Transamazônica, pelas empresas construtoras; em Carajás e Serra Pelada, pelas minerado-

ras. E, com isso, as estruturas de exploração que havia noutras regiões se reproduziram

nesta nova fronteira, aberta para resolver o problema de lá com a criação de problemas a-

qui.

Quanto à distribuição das terras, constatamos que, apesar do INCRA (1971, 2005)

propagandear farta distribuição de terras, ela de fato, não estava acontecendo como anunci-

ado ou esperado, por vários motivos: as terras, apesar de fartas, eram de difícil acesso.

Dessa forma, a ocupação era bem mais difícil do que o anunciado e esperado pelo colono;

os incentivos e apoio do governo federal para a comercialização dos produtos não se con-

cretizaram. Além de outros problemas como o clima, existiam as dificuldades permanentes

com as enfermidades (PARAGUASSU-CHAVES, 2001), vitimando famílias inteiras.

Também as dificuldades representadas pela própria natureza, em função das chuvas ou da

80

floresta de difícil acesso49 (GRAIG, 1947; LEAL, 1984). Essas e outras condições adver-

sas, fizeram com que muitos colonos abandonassem50 suas concessões permitindo, com is-

so, a concentração fundiária, chegando ao ponto exatamente inverso da reforma agrária.

Não se tratou de uma visita ao eldorado, mas de uma “trajetória de ilusão” (PERDIGÃO;

BASSÉGIO, 1992) que evidenciou o “embuste nacional” (LIMA, 2001). Dessa forma, não

era de estranhar que muitos colonos mal começavam o desmatamento, abandonavam ou

repassavam suas concessões: era o começo da concentração fundiária, onde se anunciara

terra para todos. Ressalta-se que o processo de concentração se intensificou durante a dé-

cada de 1990, quando a agropecuária ganhou maior expressão no estado.

3- CRIAÇÃO DO ESTADO DE RONDÔNIA

A partir do que dissemos anteriormente, podemos ter claro que o estado de Rondônia,

ou a sua criação em 1981, não se realizou como obra do acaso nem de decisões gratuitas. Foi

sim, o resultado de uma conjugação de fatores, dos quais alguns já foram mencionados anteri-

ormente: o processo de avanço do capitalismo gerando a industrialização crescente, destacan-

do o caso brasileiro, em que durante o século XX se deu o aceleramento desse processo. Além

disso, aconteceram alterações na relação campo/cidade, principalmente a partir da segunda

metade do século passado, período em que, afirma D’Incao (1983), aconteceram processos de

“expulsão” e de “atração”: expulsão do campo e atração para a cidade, sendo que a expulsão

se deu pelas “mudanças” que se verificam com o processo de implantação do capitalismo no

campo. Esse, por sua vez, provocou “estagnação” dos espaços rurais disponíveis. Dessa for-

ma, continua a autora, se fizeram necessários espaços que atraíssem os “fluxos migratórios”.

Ou seja, “os fatores de atração, por sua vez, são aqueles que definem a direção que os fluxos

migratórios devem tomar” (D’INCAO, 1983, p. 68). Esses pontos de atração, inicialmente,

foram as cidades. E em seguida, na estratégia do governo militar, a Amazônia.

49 Em depoimento à revista Idéias & Fatos, um antigo morador de Rolim de Moura conta que “chovia direto, passava até quinze dias chovendo sem parar...então plantava, mas a chuva não deixava colher. E se colhia não tinha para quem vender” (IDÉIAS & FATOS (f) 2000, p. 19) 50 Um morador da cidade de Alta Floresta, em entrevista na edição de abril de 1999 à revista Idéias &Fatos, fala de colonos que chegavam a trocar seu lote por uma espingarda “O camarada quase não tinha condições de tocar o lote. Ou morria de malária ou trocava a terra por uma espingarda. Era isso que acontecia em Rondônia nos primeiros anos da década de 70” (IDÉIAS & FATOS (e), 1999, p.16)

81

No período em foco, o território de Rondônia era um espaço de atração, principalmen-

te em virtude da propaganda oficial pela ocupação da Amazônia. Dessa forma, Rondônia,

região essencialmente rural, exerceu um fascínio sobre vários segmentos sociais, principal-

mente sobre os trabalhadores do campo, que inicialmente estavam se dirigindo para as cida-

des, mas que passaram a ver neste estado um novo espaço a oferecer alternativas promissoras,

de acordo com a propaganda. Tanto que aconteceu um intenso processo migratório, exigindo

dos Ministérios do Interior e da Agricultura (TEIXEIRA; FONSECA, 2002) a tomada de me-

didas a fim de criar o mínimo de condições para instalação desse universo de migrantes.

Ao estudarmos a criação do estado de Rondônia, devemos situá-lo no contexto das

transformações que estavam ocorrendo no mundo e no Brasil, fazendo com que as atenções se

voltassem para a Amazônia como resposta à industrialização, concentração fundiária e conse-

qüente processo migratório. Todo o conjunto de alterações, no caso de Rondônia, permitiu o

crescimento de alguns pontos específicos, formando-se cidades. Ao mesmo tempo “antigos

núcleos de colonização cresceram e novos núcleos surgiram” (TEIXEIRA; FONSECA 2002,

p. 173), colocando fim no “relativo isolamento do Estado em relação às demais regiões do

país, facilitando o movimento migratório” (Ibid, p. 173), acolhendo os “expulsos”, menciona-

dos por D’Incao (1983), os quais chegavam como agricultores, em busca de terra. Entretanto,

como veremos adiante, no capítulo 3, as categorias profissionais que para cá vieram foram

várias. Em função, disso é que podemos dizer, com Amaral, que a “modernização da agricul-

tura para exportação nas regiões Centro-sul do país, modificando as relações sociais no cam-

po, bem como ampliando a manutenção da estrutura fundiária concentracionista predominan-

te” (AMARAL, 1984, p. 38), foi o fenômeno que originou Rondônia.

Em função desse processo, os migrantes que chegaram dentro desse contexto trouxe-

ram uma nova característica. Eles eram “pequenos agricultores com suas famílias que procu-

raram Rondônia na esperança de ter acesso à terra. Essa migração assumiu, portanto, caracte-

rísticas sedentárias” (TEIXEIRA; FONSECA, 2002, p. 173). Trata-se, portanto, de migrações

em virtude do avanço do capitalismo, como caracteriza Martins (1983), diferente daquela que

havia ocorrido até o final do século XIX. A colonização estava ocorrendo como conseqüência

das relações capitalistas no meio rural

A colonização agrícola de novas terras tem sido a forma institucional de expansão das relações capitalistas na Amazônia. É sintomático, entretanto, que o processo de colonização não ocorra isoladamente. Ele é a ‘franja’ de um sistema no qual está in-serido”. (AMARAL, 1994, p. 37, grifo nosso).

82

Como estamos afirmando, e pode ser confirmado pelos dados mostrados no próximo

capítulo, o surto migratório foi intenso. Superou as expectativas dos órgãos de colonização,

tanto oficiais como particulares. E não é demais repetir que a grande maioria desses migrantes

estava em busca de terra. E terra existia. O que não havia era suporte infra-estrutural para o

acolhimento dos migrantes. Isso implica dizer que as contradições iriam se evidenciar. E os

conflitos sociais que estavam sendo evitados no Sul-sudeste, com a “reorientação” das migra-

ções para a Amazônia se manifestariam nas terras de Rondônia, com a diferença de que ao

chegar à região, o migrante, que poderia ampliar o conflito social no sul-sudeste, entrava em

confronto: ou com os órgãos de colonização – pela demora em ter acesso ao seu pedaço de

chão – ou com os povos da floresta, já instalados na região. “A estratégia de expansão da co-

lonização na zona de fronteira tem custado contatos conflituosos com os povos indígenas”

(OLIVEIRA, 1989, p. 101), o mesmo ocorrendo em relação aos seringueiros. E com isso, pela

inexistência de movimentos organizados – pelo menos nesse primeiro momento, meados do

século XX – o conflito social se descaracteriza. Começavam a se manifestar os descontenta-

mentos de pessoas, ou de famílias entregues à própria sorte. Muitas dessas pessoas ou famílias

acabaram sendo incorporadas ao trabalho forçado, ou foram transformados em força de traba-

lho de reserva51.

O excedente populacional do sul-sudeste, ao chegar a Rondônia, não tinha acesso ime-

diato, à posse de terra própria – e quando assentado não tinha recursos nem infra-estrutura

para prosperar. Dessa forma, muitos desses trabalhadores eram lançados às margens das cida-

des que já existiam ou daquelas que estavam se formando. Em qualquer caso, a necessidade

os obrigava a vender sua força de trabalho aos “fazendeiros”.

O capital, em Rondônia, tem utilizado o aparelho de Estado para justificar o nível de relação capital x trabalho, que tem se dado de forma bastante cruel, em relação ao recrutamento dessa mão-de-obra, (sic!) que se encontra fora do mercado de trabalho e, consequentemente, marginalizadas no processo produtivo. (PERDIGÃO; BAS-SÉGIO, 1992, p. 63)

51 Alguns autores se referem à escravidão branca, para explicar o regime de trabalho forçado a que foram subme-tidos muitos dos trabalhadores que foram trazidos para a Amazônia. (LIMA, 2001; OLIVEIRA 1989). Para Mar-tins (1983) “no Brasil, o fim de trabalho cativo do escravo dá começo ao cativeiro da terra” (Martins, 1983, p. 104). Na mesma obra esse autor faz uma descrição do processo de escravização mostrando que “o peão virou escravo. Ele está preso ao ‘gato’ por dívidas, pelas despesas de que fez no caminho para comer, fumar, beber, pelo transporte” (p. 121). Perdigão e Basségio mostram que esse processo não se limita à Amazônia: e se rela-ciona ao próprio sistema capitalista, dizendo que “não são raras as situações em que o salário não é sequer sufi-ciente para a subsistência do trabalhador enquanto trabalha o canavial, na construção ou na fábrica. Ao invés de ter o que receber passa a dever para o patrão. Muitos dos casos de escravidão por dívida que têm crescido nos últimos anos no Brasil, envolvendo milhares de trabalhadores, tem relação direta com essa forma predatória de acumulação capitalista” (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992, p. 93).

83

O que foi dito acima ajuda a caracterizar o processo de exploração a que foram subme-

tidos muitos que migraram para Rondônia, trazidos pela propaganda do Estado e que foram

utilizados pelo capital na exploração dessa força de trabalho desocupada – não por ociosidade

voluntária, mas por lentidão ou deficiência dos órgãos oficiais. Esses trabalhadores desocupa-

dos se transformavam em “presas fáceis” para a voracidade ou “ganância” do capital.

Os trabalhadores submetidos ao regime de trabalho escravo eram recrutados em lo-cais de alto índice de desemprego, onde não dispunham de oportunidade de oferta de trabalho que lhes possibilitasse o sustento próprio e de suas famílias. Portanto eram presas fáceis de agenciadores gananciosos que acumulam grandes lucros com essa atividade (Ibid, p. 68).

Além desse conflito, que podemos chamar de estrutural, permaneciam também outros

atritos originados nas relações entre os próprios migrantes. O número de brigas e mortes entre

eles não deixa de ser alarmante, notando-se que esses atritos tanto ocorriam nas regiões novas,

de colonização agrícola, como naquelas em que se exploravam os garimpos. “A insegurança e

o clima de violência faziam parte do cotidiano dos garimpos” (TEIXEIRA; FONSECA, 2002,

p. 176). E nas áreas de agropecuária, os atritos entre os posseiros ou entre estes e os antigos

moradores permaneciam constantes52 da mesma forma que o conflito entre esses e os grandes

grupos agro-industriais. E a causa dos atritos, quase sempre era a grilagem de terras:

Grandes grupos agro-industriais do Centro-sul tentavam grilar as terras, resultando em conflitos violentos com os posseiros. Esses grupos mantinham esquadrões arma-dos para expulsar ou mesmo eliminar posseiros situados em terras que consideravam suas. (TEIXEIRA; FONSECA, 2002, p. 173).

Como podemos ver, havia duas situações conflitivas: a dos migrantes sem acesso à ter-

ra e em muitos casos sendo explorados; e a situação de conflitos, representadas por brigas e

disputas por terra. Apesar da amplidão da região, a terra era disputada, pois o acesso legal se

tornava sempre lento e trabalhoso. O fato é que as situações de conflito ao se ampliarem, pela

ampliação da demanda, tendiam, contraditoriamente, a se tornar explosivas, mesmo com a

grande extensão da região a ser ocupada pelos colonos.

52 Em entrevista publicada em janeiro de 2000, na revista Idéias & Fatos, um depoente assim se refere à situação da grilagem, na região de Rolim de Mura e Alta Floresta: “Dava muita briga porque, pense bem: você chega, separa esse pedaço de terra prá você, entra na mata virgem, virgem, virgem; você faz a tua picada, começa a trabalhar. Aí chegava outro querendo te tomar. Não tem como, cara. Tem que entrar na bala mesmo” (IDÉIAS & FATOS (f), 2000, p. 20)

84

Entretanto, e apesar do aspecto de válvula de escape que assumiram as migrações e a

mudança de território para estado, não podemos negar que esse processo produziu um espaço

dinâmico onde ocorreram, ao lado dos conflitos, mudanças constantes.

Mesmo que para o Governo Militar, o principal interesse fosse resolver os proble-mas sociais gerados pela implantação do capitalismo no campo, o processo de ocu-pação do Estado foi válido (sic!), porque possibilitou o aparecimento de núcleos ur-banos e promoveu certo grau de desenvolvimento a uma região até então inóspita. Porém, o que é lamentável é a paralela destruição dos recursos naturais em favor da implantação, a todo custo, de um Estado agropecuário. (FUJIHARA, 2005, p. 119).

Dessa forma, podemos olhar para os Projetos Integrados de Colonização (PICs) e os

demais projetos que representaram o avanço do capital sobre uma região de difícil acesso e

pouco hospitaleira, dentro daquilo a que se propunham – assentar os colonos e veremos que

esse aspecto do processo foi cumprido. Entretanto, o volume de colonos chegando fugia ao

controle dos órgãos de colonização e assentamento os quais, em virtude disso, deixavam de

cumprir com outro requisito que era a oferta de infra-estrutura. Essa deficiência aumentou a

dificuldade para o colono se fixar à terra, limitando a produção e, quando havia produção a-

grícola, muitas vezes, ela ficava perdida nesse emaranhado de falta de condições infra-

estruturais.

Diante disso não podemos dizer que não houvesse ação do Estado – a ocupação era

política de Estado. Entretanto o objetivo do Estado, com essa ação, não era atender às reivin-

dicações dos trabalhadores nem do sul-sudeste, nem dos que estavam sendo instalados na

Amazônia. O Estado não era uma alternativa ou um aliado do trabalhador, ele representava o

capital nacional e internacional e, portanto, sua ação era em defesa desses interesses. Por isso

é que a situação dos “chegantes” se agravava: vinham com uma expectativa que não era nem

poderia ser atendida, pois o que estava em jogo não eram seus interesses, mas os do capital.

Essa entrada exagerada para a região, surpreendendo os próprios responsáveis pela agilização do assentamento, ocorreu de forma oposta à ocupação extrativista em vá-rios aspectos. Agora faziam parte do cenário os caminhões “paus-de-arara”, com procedência das regiões Sul, Sudeste e Centro, não mais do Nordeste, como anteri-ormente; nem todos os que chegavam obtinham sua parcela de terra [...]. (LIMA, 2001, p. 140, grifo nosso).

Em razão dessa perspectiva do processo de ocupação, em vista do capital, podemos

entender o porquê de, no final da década de 1970 e durante a década seguinte, ter ocorrido

essa “entrada exagerada” que surpreendeu os responsáveis pelo processo de assentamento. É

que todos aqueles migrantes faziam parte de um novo “cenário” e haviam sido atraídos, não

85

em razão de suas reivindicações no sul-sudeste, mas em favor das necessidades do processo

de expansão das frentes de ocupação.

A região “inventada” como solução, começava a se tornar mais um problema. Frente

ao crescente clima de animosidade, aumento populacional, crescimento das situações de ex-

ploração dos trabalhadores, algumas vozes começavam a se manifestar; frente as migrações

que não cessavam e os órgãos dos Ministérios do Interior e da Agricultura impossibilitados ou

despreparados para melhorar seu atendimento, as soluções eram solicitadas e esperadas, evi-

denciando o caráter conflitivo ou a presença da luta de classes.

Frente à distância do poder central53 e à dificuldade de acesso, as autoridades do terri-

tório começavam a pedir e buscar alternativas. Nem podia ser diferente e era de se esperar,

portanto, que o clima de animosidade começasse a se manifestar nessa fronteira de ocupação,

razão pela qual se fazia necessário uma alternativa para sua solução, evitando que também a

região que havia sido escolhida como espaço de solução se tornasse mais um espaço de con-

flitos. Ciente de que o aumento de problemas, de todas as naturezas, certamente fugiria ao seu

controle (MENEZES, 1988), o Ministério do Interior tomou as primeiras medidas no sentido

de encaminhar a elevação do território à categoria de estado. Uma das primeiras reações do

poder hegemônico diante dos problemas que se avolumavam:

Notando que o desenvolvimento do Território Federal de Rondônia chegara a um ponto em que fugia ao controle de seu Ministério, o recém nomeado Ministro do In-terior, Coronel Mário David Andreazza, indicou ao presidente da República, Gene-ral João Batista de Oliveira Figueiredo, o nome do Coronel de Artilharia Jorge Tei-xeira de Oliveira para governar o território [...]

[...] Dentre as inúmeras missões que lhe estavam reservadas pelo Ministério do Inte-rior, à frente do governo do Território Federal de Rondônia, destacava-se a tarefa de preparar administrativa, econômica e politicamente o Território para a sua trans-formação em um novo Estado. Rondônia crescia aceleradamente e a abundância de possibilidades continuava a atrair novos contingentes humanos para estas regiões. (TEIXEIRA; FONSECA, 2002, p. 178, grifos nossos).

A classe dominante local apelou ao Ministério do Interior. A alegação não era a defesa

dos interesses dos trabalhadores, mas busca de auxílio para sua limitação tanto estratégica

como de recursos. As autoridades locais encontram o argumento salvador: o território estava

amadurecido, pois “a população havia crescido” e a economia estava se solidificando. Então

os militares nomearam o coronel Jorge Teixeira, dando-lhe a missão de estruturar e instalar o

futuro estado, estabelecendo algumas metas sociais, políticas e econômicas.

53 Devemos nos lembrar que os territórios, embora possuíssem governos locais, permaneciam subordinados ao Governo Federal.

86

Sua administração em moldes mais dinâmicos, provendo todas as repartições com pessoas de reconhecidos conhecimentos técnicos aplicados à área, o que veio a di-agnosticar claramente o desenvolvimento a que já atingira o Território. O censo de 1980 constatou que a população de Rondônia havia crescido em proporções geomé-tricas, extrapolando todas as previsões e pondo em sobressalto os poderes públicos que previram uma migração controlada para a região e que as mais otimistas previ-sões haviam sido atingidas e ultrapassadas. Na questão econômico-financeira tam-bém as receitas haviam atingido cifras muito além das previsões mais absurdas. As-sim, no meio do ano de 1981, as metas previstas para a transformação em Estado já haviam sido atingidas e muitas ultrapassadas, o que levou o Ministro do Interior a enviar em 3 de agosto exposição de motivos ao Senhor Presidente da República propondo a elevação do Território de Rondônia à categoria de Estado. (MENEZES, 1988, p. 308, grifos nossos).

Como vimos, em pouco tempo, as metas não só haviam sido atingidas como ultrapas-

sadas. Então foi apresentado o projeto para a transformação do território em estado. Dada a

pressa em relação não só aos problemas, mas também em relação às possibilidades políticas

que se abririam, o projeto de lei foi aprovado de forma acelerada no Congresso.

Alguns elementos conjunturais interferiram nesse processo. Como afirma Menezes

(1988), estava havendo um aumento astronômico da população; a economia estava em acele-

rado processo de crescimento; a população e autoridades locais cobravam autonomia. Esses

elementos conjugados levaram o Ministério do Interior a propor a criação do estado. A região

havia passado por outras alterações em sua configuração política: fora criado como Território

Federal do Guaporé em 1943; passara a ser Território Federal de Rondônia em 1956 e nesse

momento, em 1981, passava a ser estado. Com a transformação, foi mantido o nome de Ron-

dônia, como estabelece o primeiro artigo da Lei Complementar nº 41 (LC 41) que criou o

estado (BRASIL, 1981).

Embora a lei seja formada por 39 artigos, o primeiro sintetiza a expectativa dos traba-

lhos anteriormente desenvolvidos. Diz esse artigo: “Fica criado o Estado de Rondônia, medi-

ante a elevação do Território Federal do mesmo nome a essa condição, mantidos os seus atu-

ais limites e confrontações.” O artigo segundo determina a manutenção de Porto Velho como

capital: “A Cidade de Porto Velho será a Capital do novo Estado” (BRASIL, 1981).

A tramitação legal para a criação do estado havia acontecido de forma acelerada:

Em 17 de agosto de 1981, foi encaminhado pelo Presidente da República, João Ba-tista Figueiredo, ao Congresso Nacional, o projeto de Lei Complementar nº 221, que foi aprovado em primeira discussão em 16 de dezembro do mesmo ano e já em 22 de dezembro, foi aprovada a Lei Complementar nº 41 que criava o estado de Ron-dônia. A instalação do estado se deu em 4 de janeiro de 1982 (TEIXEIRA; FON-SECA, 2001, p. 179)

87

Esse rápido processo para a criação do estado é uma amostra, não de agilidade buro-

crática, mas da força do Executivo. Isso fica patente também, quando lemos, no parágrafo

segundo do artigo quinto da LC 41 que, “a partir da posse e até a promulgação da Constitui-

ção, o Governador poderá expedir decretos-leis sobre todas as matérias de competência legis-

lativa estadual”. Como podemos ver o governador era nomeado com plenos poderes, ao estilo

da ditadura que estava em seus momentos finais. Também podemos perceber que a criação do

estado de Rondônia não veio para resolver os problemas dos colonos e demais trabalhadores.

Veio para minimizar a ampliação dos conflitos que já começavam a se manifestar. Com a

criação do estado de Rondônia, o poder central deixava de ser o gerente dos problemas e cri-

ses, passando essa responsabilidade para o governo local.

Dessa forma, já não mais em resposta aos problemas do centro-sul-sudeste, mas aos

problemas locais, é que foi encaminhada a estruturação do Estado de Rondônia. Podemos

dizer que os problemas que haviam provocado a reorientação do fluxo das migrações produzi-

ram outros problemas na Amazônia e, particularmente, em Rondônia. Nas regiões de garimpo

– Serra Pelada e Carajás – os problemas se davam em função do excesso populacional que

provocava verdadeira situação de degradação humana. Na construção e nos assentamentos

próximos à Transamazônica se percebia a ineficiência do processo de assentamento, devido a

vários fatores que dificultavam a vida dos assentados. E, no caso de Rondônia, havia um co-

meço de estruturação, pela relativa facilidade de acesso à terra e pela propaganda veiculada

em favor da ocupação. Entretanto, e justamente por essas facilidades, a demanda se intensifi-

cou ao ponto do Ministério do Interior perceber que estava perdendo o “controle” da situação.

No caso de Rondônia, ao jogar a responsabilidade da região sobre os ombros não mais

de um governo territorial, representante do Ministério do Interior, conseqüentemente do Go-

verno Federal, mas de um governo estadual, o poder Público Federal dava mostras de suas

reais intenções: não privilegiar e dar respaldo à população, mas encontrar alternativas para os

problemas da esfera federal54. Na verdade, a julgar por isso, o que se deu foi um ato de “lavar

as mãos”, pois o estado sairia da responsabilidade do Ministério do Interior para assumir-se

como responsável por si mesmo.

54 Não fosse o maior transcurso de tempo e a comparação irônica, poderíamos dizer que, no caso da criação do estado de Rondônia houve uma repetição do chamado “golpe da maioridade”, quando os regentes se desfizeram da administração do império brasileiro, passando a administração do país a D. Pedro II.

88

CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM RONDÔNIA NOS GOVERNOS

MILITARES

Tendo analisado o processo de expansão da fronteira norte, examinemos agora quais

foram as posturas do governo militar em relação à educação, principalmente nos anos com-

preendidos no período que estamos enfocando – 1975-1983. Veremos que o ponto de referên-

cia do governo era o desenvolvimento ditado pelos PNDs (Planos Nacionais de Desenvolvi-

mento). Essa idéia de desenvolvimento implicava em formar para o mercado do trabalho, ra-

zão pela qual foram criados os cursos profissionalizantes, contemplados na Lei 5.692/71. Aos

pressupostos dessa lei, foram acrescentadas algumas diretrizes que estão presentes nos Planos

Setoriais de Educação.

Fizemos essa discussão, porque queremos saber de suas implicações para a Amazônia,

região que passou a figurar no discurso do poder central como espaço a ser ocupado, integra-

do e desenvolvido; um grande espaço vazio da presença colonizadora capitalista.

Aquilo que os governos militares pensaram para a Amazônia foi, pelo menos em parte,

aplicado ao território e depois estado de Rondônia. Ou seja, o governo territorial e depois es-

tadual, adaptou à realidade da região as indicações e definições do governo federal. Essas

adaptações tiveram problemas para serem implementadas devido a vários fatores limitantes,

tanto do ponto de vista local como institucional.

Toda essa discussão se deve ao fato de termos em mente a compreensão, num próximo

capítulo, das políticas públicas numa região específica de Rondônia: Rolim de Moura. Para

isso, analisaremos, além da postura do governo militar para a educação, algumas políticas

para a Amazônia e como essas políticas e a educação aconteceram em Rondônia, no período

em foco.

89

1- O GOVERNO MILITAR E A EDUCAÇÃO

Nesta parte do trabalho apresentaremos um estudo sobre a educação, no período mili-

tar, tendo como ponto de referência a Amazônia. E, mais especificamente a partir de uma re-

gião específica da Amazônia, onde se concretizou a política migratória, aliada à política de

distribuição de terra, fundamentada, entre outras coisas, na oferta de infra-estrutura básica,

dentro da qual se insere a educação escolar.

O governo militar deu enfoques diversos a diferentes regiões da Amazônia. Ou seja, os

governos militares olharam para a Amazônia como um todo, mas desenvolveram políticas

distintas nas diferentes áreas. Dessa forma, desenvolveu-se para Rondônia uma política de

distribuição de terras (INCRA, 2005), que se fundamentava na propaganda de oferta de terra

com infra-estrutura, o que era uma novidade, pois isso raramente ocorria no sul-sudeste, uma

vez que os agricultores que se dirigiram para Rondônia eram, principalmente, ex-pequenos

proprietários que haviam perdido suas terras para a concorrência com o capital, justamente

porque a infra-estrutura e as políticas agrícolas não os favoreceram. Dessa forma, a oferta de

terra farta, fértil, de fácil acesso e barata era um grande atrativo para os sem-terra dessas regi-

ões. Além disso, um detalhe a mais, nessa oferta “propagandeada”: a presença da escola como

um dos elementos da infra-estrutura oferecida para o migrante. Assim sendo, podemos dizer

que a educação escolar ocupou um espaço destacado no processo de atração de migrantes para

Rondônia.

Neste contexto, a ditadura militar tornou-se hegemônica e implantou uma política edu-

cacional que tinha seus fundamentos nos anos anteriores e objetivava fazer da instituição es-

colar “preparadora de recursos humanos para as tarefas de industrialização, modernizada a-

gropecuária e ampliação dos serviços”. Ou seja, o sistema escolar deveria se ocupar com a

“formação do homem brasileiro, tendo em vista as tarefas do crescimento econômico” (FÁ-

VERO, 2001, p. 242) e quando da reforma da legislação, em 1971, essa política deu ênfase

àquilo que deveria ser a formação profissional no segundo grau. Esse enfoque era um meca-

nismo para transformar o sistema escolar – especificamente o do segundo grau – em um mo-

mento de formação profissional e meio para desafogar o acesso à universidade, que não dis-

ponibilizava vagas para todos que buscavam o ensino superior (ROMANELLI, 1985; CU-

NHA; GÓES, 2002)

90

Por sua vez, os empresários ligados à educação fizeram sua aposta buscando o financi-

amento público da escola privada (GERMANO, 2005; CUNHA; GÓES, 2002). “Os militares

no poder optaram pelo desenvolvimento de uma política privatista no campo social, no qual se

incluem as políticas educacionais” (CÊA; DORNELLAS SOBRINHO, 2000, p. 133). Isso

nos leva a perceber duas situações distintas: uma apresentando o sistema educacional como

caminho para a profissionalização, o que não foi bem acolhido pelo empresariado, pois os

profissionais não saiam qualificados da escola (GERMANO, 2005; ZOTTI, 2004). E outra,

aquela que levou o empresariado a perceber a educação como uma fonte de renda, principal-

mente se nela houvesse a presença do dinheiro público (CUNHA; GÓES, 2002).

Esse panorama nos ajuda a entender o quadro da elaboração da Lei 5.692/71, ocasião

em que uma idéia ganhou força entre alguns congressistas: ver a educação como um negócio,

expondo a face capitalista não só do sistema econômico, mas dele se imiscuindo no meio edu-

cacional. Antes, com a lei 4.440/64, foi instituído o que passou a ser chamado de “salário-

educação”. Ou seja, a empresa devia oferecer escola ou repassar recursos financeiros para que

o Estado providenciasse escolas. Além disso, a lei previa que “ficariam isentas do salário edu-

cação as empresas [...] que instituíssem mediante convênio ‘sistemas de bolsas de estudo’

com escolas particulares”. (CUNHA; GÓES, 2002, p. 43). Esse dispositivo, entretanto, aca-

bou produzindo um canal de desvio de verbas devido à falta ou ineficiência na fiscalização.

Com essa perspectiva de lucro – ou de dinheiro fácil ligado à educação – não só o con-

gresso como também os empresários investiram numa lei específica, a 5.692/71, que instituiu

a profissionalização – “qualificação para o trabalho” – do ensino de segundo grau, a ser mi-

nistrado por instituição pública ou privada. E, quando em escolas privadas, poderia ser feito

com verba pública, como previsto no artigo 45 da lei 5.692/71. Dessa forma, a educação pas-

sou a ser vista como um “grande negócio” (CUNHA; GÓES, 2002, p. 41), pois permitiu a

proliferação da escola privada e a sangria do dinheiro público para a iniciativa privada.

Tudo isso se fundamentava em alguns pilares: a idéia do desenvolvimento, do Brasil

como grande potência e da formação profissional para atender as necessidades do mercado. A

educação, portanto, não se destinava à formação humana, mas à adequação ao desenvolvi-

mentismo pela qualificação – ou mais tarde pela preparação – para o trabalho. A educação

começava a ser vista como caminho para o desenvolvimento. Com isso, os conceitos de de-

senvolvimento e desenvolvimento na educação, foram sendo incorporados à linguagem ofici-

al, por meio da qual se oficializou a profissionalização (FÁVERO, 2001 e GERMANO, 2005)

como uma das principais políticas do governo militar para a educação, que se pretendeu im-

91

plantar com a reforma constitucional de 1966-67, mas que, para a educação, somente se con-

cretizou com a lei 5.692/71, a qual reformou a educação nacional. Entretanto, se por um lado

o sistema educacional foi transformado, pelo menos do ponto de vista da letra da lei, em “qua-

lificação para o trabalho”, em vista da política desenvolvimentista; por outro lado, os empre-

sários não se interessaram por isso. Principalmente porque essa formação era limitada e insu-

ficiente para as exigências do mercado. Para os empresários “era muito mais produtivo que a

escola formasse o trabalhador com base em um conhecimento básico geral” (ZOTTI, 2004, p.

192) deixando a qualificação, ou capacitação, por conta das estratégias das empresas (CU-

NHA; GÓES55, 2002; GERMANO, 2005). Isso implica dizer que a prevista “qualificação

para o trabalho”, ao mesmo tempo em que não respondeu às exigências do mercado, produziu

uma “degradação sem precedentes na escola pública de nível médio em geral e fortaleceu a

rede privada de ensino”. (GERMANO, 2005, p. 188).

Estava se desenhando o painel em que veríamos acontecer a reestruturação do sistema

escolar, no qual a escola não estava colocada para criar oportunidades, mas para “manter a

subalternidade”. Embora Germano esteja se referindo a um programa de educação de adultos,

suas palavras podem ajudar a entender o que estava por trás das práticas e das mudanças efe-

tivadas pelo governo militar:

No fundo, portanto, não se tratava de uma educação para diminuir a desigualdade, porém, ao contrário, para manter a subalternidade do exército industrial de reser-va, com o Estado utilizando para isso, uma ‘pedagogia do consenso’. (GERMANO, 2005, p. 255, grifo nosso)

Nisso se manifestou o “golpe na educação” (CUNHA; GÓES, 2002), desferido pelo

governo militar não só com o golpe de 1964, como também com a legislação educacional que

se seguiu. Foi pela legislação que se efetivou o “privatismo” e o desmonte do sistema público,

em favor do sistema privado de educação.

As verbas públicas destinadas ao ensino deveriam ser transferidas às escolas particu-lares que, então, se encarregariam da escolarização das crianças e jovens. Só onde a iniciativa privada não tivesse interesse em abrir escolas é que a escola pública seria bem-vinda. (CUNHA; GÓES, 2002, p. 41)

Essas situações foram revistas e colocadas em evidência com a promulgação da lei

55 Na obra citada os autores fazem uma lista daqueles para quem a profissionalização não interessou, contem-plando desde o empresário, passando pelos técnicos em educação e os estudantes (CUNHA; GÓES, 2002, p. 67)

92

5.692/71, em que foram estabelecidos os princípios para a organização do sistema escolar

nacional, reorientando vários aspectos, entre eles o processo escolar com base na preparação

do estudante para o trabalho.

Devemos notar que o período compreendido entre 1964-1974 foi de consolidação. Ne-

le o governo militar não só se apresentou como alternativa política para o país, como também

impôs sua política para os diferentes setores, entre eles o da educação. Essa primeira década

do governo militar foi um período que se “caracteriza não somente como uma época de con-

solidação e apogeu do autoritarismo, mas também de radicalização de reformas institucionais,

inclusive no campo da educação” (GERMANO, 2005, p. 101). Por esse motivo, dentro desse

período, se efetivou a reforma universitária e a reforma do segundo grau, com as respectivas

leis editadas em 1968 e 1971. O rolo compressor do poder militar avançou, inclusive, sob o

ponto de vista legal e, a partir da legislação, se recriou o sistema escolar nacional. Essas re-

formas, entre outras, foram mecanismos que o governo utilizou para se estabelecer e legitimar

no poder. “O regime militar, no entanto, se empenhava em construir um suposto ideário de

democracia que se constituiu na base de seu apelo à legitimidade” (REZENDE, 2001, p. 73).

Em que pese a força das armas, o Estado Militar necessitava de bases de legitimação, da adesão de uma parte dos intelectuais, das camadas médias e das massas populares. Daí os apelos constantes à democracia e à liberdade quando essas eram duramente golpeadas por ele; daí a proclamação em favor da erradicação da miséria social quando, na prática, as políticas concorriam para manter ou mesmo aumentar de for-ma drástica os índices de pobreza [...]; daí o discurso favorável à erradicação do anal-fabetismo, a valorização e expansão da educação escolar [...], quando o setor era pe-nalizado [...]. (GERMANO, 2005, p. 102).

Comentando a preocupação com o avanço tecnológico, Colares (1998) mostra como os

governos militares se ocuparam em escolarizar os jovens por serem eles, num futuro próximo,

a força de trabalho disponível e farta para a indústria. Como também o afirmam outros autores

(FÁVERO, 2001; NOGUEIRA, 1999), Colares destaca que a “teoria do capital humano”, à

qual havia sido formulada como instrumento de avaliação da rentabilidade, foi transposta para

o sistema escolar. Essa teoria passou a desempenhar “considerável influência na formulação

das políticas educacionais” pois, continua o autor, “essa teoria alega que o nível educacional

representa uma taxa de retorno na produtividade, daí, quem tivesse mais educação formal teria

melhor salário” (COLARES, 1998, p. 135). O que não se concretizou no Brasil, visto que as

empresas não se interessaram pelos egressos das escolas profissionalizantes, devido ao fato da

profissionalização não ter ocorrido de acordo com a exigência do mercado.

93

Podemos dizer que os governos militares se voltaram para todo o processo escolar, da

pré-escola à pós-graduação, como podemos verificar nos Planos Setoriais de Educação (II

PSEC e III Psecd). A título de ilustração, podemos mencionar a preocupação com a pré-

escola, do II PSEC, que afirma ser o atendimento pré-escolar destinado àquelas famílias com

“elevado nível cultural e econômico” porque sabem do valor da escolaridade; e para as famí-

lias pobres oferece “atendimento suplementar” à ausência materna. O mesmo documento ana-

lisa, propõe e destaca as alternativas do 1º e 2º graus, afirmando que “um aspecto importante

do 1º grau é o da sua terminalidade real”. E, em relação ao 2º grau, assinala sua dupla pers-

pectiva: do mundo do trabalho e encaminhamento para a universidade:

Com o advento da lei 5.692/71, o ensino em nível médio deve ser mais pragmático: ao mesmo tempo que permite a ida do jovem para a universidade, permite-lhe ir, também, para o mundo do trabalho. Espera-se, portanto, retorno maior e mais rápi-do, praticamente inexistente no regime anterior, dos vultosos investimentos feitos em educação média. (BRASIL, 1976, p. 18, grifos nossos)

Devemos notar que o documento, ao mesmo tempo em que condena o período pré-

militar, destaca o caráter capitalista da perspectiva educacional do governo militar em que

deve prevalecer, segundo o documento, o “retorno maior e mais rápido” dos valores que fo-

ram investidos. Ou seja, as visões pragmática, capitalista e tecnicista se fazem presentes em

busca dos resultados. Resultados, aliás, que se concentravam nas mãos dos capitalistas, como

assinalam alguns autores (GERMANO, 2005; COLARES, 1998; NOGUEIRA, 1999). À po-

pulação, entretanto, era transmitida a idéia de que a escolarização resolveria os problemas

salariais e de desemprego. Dessa forma,

Os problemas educacionais, sob a ótica oficial, eram considerados e tratados do pon-to de vista técnico. Os dirigentes educacionais atuavam muito mais como gerentes, encarregados do controle e avaliação de um processo burocrático. Quanto ao profes-sor, era levado a enfatizar os meios, os procedimentos, as técnicas. Entre os dois, o supervisor quase sempre exercia o papel de vigilante da aplicação dos procedimentos técnicos e burocráticos. Pouco ou nada refletiam sobre o fim da educação. Foi um período em que predominou a ausência de questionamentos nas salas de aula, servin-do coerentemente aos propósitos políticos e econômicos, orientados pela Doutrina de Segurança Nacional. (COLARES, 1998, p. 137).

O contraponto disso ocorreu na forma das intervenções nas universidades e a repressão

ao movimento estudantil, principalmente no período do governo Médici (1968-1974). Sobre

essas intervenções e outras arbitrariedades, Germano (2005) desenvolve uma análise em dois

94

capítulos de sua obra, ao tratar, primeiro, da Reforma Universitária e em seguida da reforma

do 1º e 2º graus. Depois de mostrar que as reformas eram “estratégias privatizantes” da edu-

cação, o autor conclui que o governo militar montou um sistema escolar a serviço da classe

dirigente (CUNHA; GÓES, 2002). O governo militar fez isso, inclusive, se apropriando de

conceitos e de uma terminologia específica dos movimentos sociais e contestatórios ao regime

e que foram extintos pela política repressiva. Ou seja, num primeiro momento o governo mili-

tar criou uma legislação de acordo com suas necessidades (REZENDE, 2001) – a Constitui-

ção de 1967, a reforma universitária e a Lei 5.692/71, foram impostas e não nasceram do de-

bate democrático – e em seguida se apropriou do discurso da oposição para, com isso, se man-

ter no poder e, ao mesmo tempo, defender os interesses do grupo nele instalado.

Na realidade, mais do que se apropriar do discurso dos movimentos sociais, “o regime

procura a todo custo aproximar-se das massas populares, apontando para sua inclusão nas

instâncias decisórias do Estado”. (GERMANO, 2005, p. 245). Ou seja, o governo militar se

apresentou contraditório: repressivo em relação aos movimentos sociais, mas incorporando

seu discurso e realizando, em parte, aquilo que era bandeira desses movimentos. E essa con-

tradição se manifestou nas políticas educacionais que perfizeram o período: reprimiram e im-

puseram uma legislação e criaram planos com discursos sociais em seus momentos finais, não

esquecendo a célebre frase do Presidente Figueiredo: “hei de fazer deste país uma democraci-

a”. E no clima da “abertura”, o mesmo presidente evidenciou o caráter truculento do governo

militar: “É pra abrir mesmo. Quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento”.

Tratando do binômio educação e desenvolvimento, entre 1971-1985, o governo militar

produziu três Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). Cada um deles é, ao mesmo tem-

po, continuação e ruptura com o período e Plano anterior. O primeiro, foi produzido em 1971

para o período 1972-74; o segundo, em 1974 e se destinava ao período de 1975 a 1979 e o

terceiro, já no governo Figueiredo, em 1980, para o período de 1980 a 1985. Nesses Planos

estavam as diretrizes gerais que foram seguidas pelos governos militares desses três períodos

específicos.

O I PND (1972-1974) começa apresentando os avanços do governo militar. Talvez por

isso, sua conotação triunfalista, procurando convencer, mediante sua argumentação técnica,

que o país ultrapassaria a “barreira dos 500 dólares per capita em 1974” (BRASIL (d), 1971,

p. 7). Era o tempo do “milagre” brasileiro, quando proliferavam os investimentos internacio-

nais, dando a impressão de que o país estava em fase de grande crescimento.

No I PND podemos apreciar o ufanismo em favor do governo militar. O capítulo 1,

95

que trata justamente da “revolução e os objetivos nacionais” traz, já na primeira linha, a afir-

mação de que “a revolução foi feita para construir”. Claro que poderíamos perguntar: feita por

quem? para construir o quê e para quem? Mas podemos também, nessa afirmação, perceber as

ambições para o futuro, em que se desenhava a imagem do Brasil potência e também das con-

quistas dos governos “revolucionários” anteriores. Argumentos que, além de justificar a per-

manência dos militares no poder, os apresentava como os reconstrutores do país, dizendo que

“empenhou-se o Primeiro Governo da Revolução, essencialmente, na reconstrução econômi-

ca”, corrigindo várias “distorções”. Logo em seguida, afirma que “o Segundo Governo da

Revolução objetivou, principalmente, a expansão econômica acelerada, adotando, para isso,

estratégias de crescimento menos instável”. Já o terceiro governo militar, diz o I PND, “vem

realizando o objetivo de elevar o Brasil à categoria dos países de alto nível de desenvolvimen-

to em todos os setores”. (BRASIL (d), 1971, p. 13).

Como podemos ver, as palavras da ordem são a “reconstrução” e a “expansão”. Diante

desses objetivos, cabe perguntar: o que o Governo Militar se propunha reconstruir? Como se

daria a expansão? Em resposta, não podemos nos esquecer de que se tratava de um grupo que

havia feito uma aposta: ampliar o espaço do capital e isso implicava a diminuição do espaço

para o trabalhador. Implicava olhar para a educação buscando-lhe as possibilidades de lucro

(CUNHA; GÓES, 2002), sem a perspectiva de melhorias do sistema escolar; mesmo a pes-

quisa, nesse caso, ficou comprometida, pois a perspectiva não era o desenvolvimento das po-

tencialidades nacionais, mas de abertura para o capital internacional.

O I Plano preconizava o “desenvolvimento”, tendo como pressuposto de sustentação:

Ampla disseminação dos resultados do progresso econômico, alcançando todas as classes de renda e todas as regiões;

Transformação social, para modernizar as instituições, acelerar o crescimento, distri-buir melhor a renda e manter uma sociedade aberta;

Estabilidade política, para manter o desenvolvimento sob regime democrático;

Segurança nacional, interna e externa. (BRASIL, 1971, p. 15, grifos nossos).

No início da década de 1970, foram lançados esses quatro pressupostos, sendo que o

segundo: a “transformação social para modernizar as instituições, acelerar o crescimento”, foi

uma das metas que provocou as migrações, que por sua vez motivaram e exigiram a necessi-

dade de alcançar “todas as classes e regiões”. Intensificadas, as correntes migratórias foram

direcionadas para a Amazônia. Além de que os “resultados do progresso econômico”, que

96

seriam as fatias do “bolo”, não foram distribuídos, não alcançando todas as classes.

De acordo com o modelo econômico adotado, ainda é no I PND onde podemos ler a

afirmação de que é necessário dar “prioridade aos investimentos diretos em setores como E-

ducação, Habitação, Transporte e Comunicação”. (BRASIL (d), 1971, p. 18), cabendo obser-

var que a educação era um dos itens presentes nos PICs, que foram implantados na Amazônia,

particularmente no então território de Rondônia. A divulgação da disponibilização de largas

áreas de terras férteis em Rondônia foi feita simultaneamente à afirmação da existência de

infra-estrutura em que estava prevista a instalação de “escolas primárias” (de primeiro grau),

elemento esse que emprestava aos projetos um aspecto de organização e preocupação voltada

para os migrantes que estavam chegando. Ressaltamos que o I PND afirmava que o Programa

de Integração Nacional (PIN) deveria implementar programas de colonização na região em

que foi aberta a Transamazônica e “em associação com a iniciativa privada, serão instalados

núcleos com: escola primária (sic!), posto de saúde” (Ibid, p. 30, grifos nossos), além de ou-

tros elementos de infra-estrutura.

Noutra parte do I PND, os ideólogos do governo militar afirmavam que a integração

nacional seria feita na medida em que não se deixasse nenhuma região esquecida. “Por outras

palavras realiza a integração nacional, não permitindo ficarem à margem do processo de de-

senvolvimento regiões como o Nordeste e a Amazônia”. (BRASIL (d), 1971, p. 19, grifo no

original). Entretanto a prioridade para a Amazônia não se referia à população, mas aos recur-

sos naturais. A integração se faria usando o que cada região tinha em abundância: força de

trabalho no Nordeste e recursos naturais na Amazônia, reorientando os migrantes a fim de que

não prejudicassem o desenvolvimento do centro-sul, como se lê no mesmo documento, em

que afirma ser necessário associar estes fatores. Devemos notar, entretanto, que aqui a preo-

cupação ainda é com o migrante nordestino. A preocupação específica com a ocupação de

Rondônia vai direcionar a preocupação em relação ao excedente populacional do sul-sudeste:

Além da integração de sentido Norte-Sul, entre áreas menos desenvolvidas e mais desenvolvidas, realizar-se-á a integração no sentido Leste-Oeste, principalmente pa-ra permitir a associação destes fatores, relativamente abundantes nas duas áreas: no Nordeste, mão-de-obra não qualificada, e na Amazônia-Planalto Central, terra e ou-tros recursos naturais. Isso implica em reorientação dos fluxos migratórios a fim de evitar que se dirijam para os núcleos urbanos do centro-sul.

A política de integração, que visa, particularmente, desenvolver o Nordeste e ocupar a Amazônia, sem prejuízo do crescimento do centro-sul se exercerá:

1) No Nordeste e Amazônia, por intermédio de incentivos fiscais regionais [...].

2) Nas demais regiões menos desenvolvidas, assim como nas áreas de baixo dina-mismo no crescimento recente, mediante: ação dos bancos oficiais. (Ibid, p. 25, gri-fos nossos).

97

O II PND (1975-1979), embora triunfalista, já é mais sóbrio, pois está inserido num

clima de crise mundial. Talvez por isso, no pronunciamento do presidente, na reunião ministe-

rial em que o Plano foi apresentado, encontramos estas palavras: “não pode haver lugar para

otimismos exagerados, num universo de profecias sinistras”. Em seguida, ao fazer uma síntese

das “conquistas”, o Plano admite a possibilidade de crescimento à medida que forem explora-

dos “novos caminhos e alternativas”. E, possivelmente por isso, acena para a necessidade de

impulsionar o desenvolvimento usando “novas frentes no Nordeste, na Amazônia, e no Cen-

tro-Oeste” (BRASIL, 1974, p. 15, grifo nosso). Entretanto, aqui, a palavra oficial do governo

refuta a idéia de esperar crescimento econômico para fazer a distribuição da renda. Diz clara-

mente que “não aceita a colocação de esperar que o crescimento econômico, por si, resolva o

problema da distribuição da renda, ou seja, a teoria de ‘esperar o bolo crescer’”. (Ibid, p. 69).

Nos documentos oficiais do governo, notadamente nos PNDs, o discurso pela qualida-

de e moralidade só são menores do que o discurso em favor do caráter salvador e desenvolvi-

mentista da “revolução” que, como diz o I PND, “foi feita para construir” (BRASIL (d), 1971,

p. 13). Esse mesmo argumento pode ser lido no II PND: “o que a Revolução mostrou, essen-

cialmente, foi que problemas como esses podem ser resolvidos, com planejamento e capaci-

dade executiva, prevalecendo, sobre quaisquer outros critérios, o interesse nacional”. (BRA-

SIL, 1974, p. 24).

O II PND, além disso, endossa as “conquistas” do I Plano, ao dizer que em 1973 o país

apresentava crescimento 50% superior ao de 1969 e 110% maior em relação a 1963, como a

dizer que o governo militar havia sido o melhor caminho, pois em dez anos havia dobrado o

crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). O documento não menciona, contudo, o estrago

social e mesmo econômico que a inflação estava gerando entre os trabalhadores; não diz que o

crescimento – ou as “conquistas” – não eram para todos, mas somente para os seguimentos

privilegiados; não menciona as prisões, torturas e outras agressões à democracia; não mencio-

na que esse “crescimento” se devia ao grande volume de entrada de capital internacional, am-

pliando o ciclo da dívida externa. É o que leva Germano (2005) a classificar o movimento

como “elitista”. Na realidade, o II Plano mantém o sonho, ou a expectativa do Brasil potência.

Em virtude disso podemos entender a afirmação de que:

Os eventos mundiais dos últimos meses vieram encontrar o Brasil em explosão de crescimento, caminhando para integrar-se no mundo industrializado. Havendo ul-trapassado, na última década, suas próprias e ambiciosas metas econômicas, e, em grande parte, também as sociais, e tendo antecipado, de um ano, os objetivos glo-bais do I PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (PND), estava o País

98

entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento.

Instalou-se, aqui, o maior parque industrial de nação subdesenvolvida. Registraram-se os mais altos índices de expansão, desde a Indústria às áreas de Infra-Estrutura Econômica, a campos sociais como Educação, Saúde, Saneamento, ao setor externo, quer quanto às exportações como às importações. Chegou mesmo a revelar-se um início de escassez de mão-de-obra (sic!) não qualificada, em centros metropolita-nos como São Paulo e Rio de Janeiro. (BRASIL, 1974, p. 23, grifos nossos).

Observemos que a preocupação do Governo Militar era o crescimento. Para sustenta-lo

foi lançado o II PND, talvez acreditando que a crise e os problemas que se avolumavam inter-

nacionalmente não atingiriam o país que estava numa fase de “explosão de crescimento” e

com “escassez de mão-de-obra não qualificada”. Enquanto a economia mundial caminhava

para o agravamento da crise que começou com a do petróleo, em 1973,

A ditadura brasileira, contudo, preferiu uma política de fuga para frente. Lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com metas ambiciosas: perfazer uma autonomia semiconstruída no processo do milagre. O país era figurado como uma ilha de prosperidade e de paz em um mundo de crise e de convulsões. Havia que caminhar para frente. Completar o ciclo iniciado nos anos 30, conquistar a autono-mia, com o Estado, e as empresas estatais, como fatores propulsores de um desen-volvimento que haveria de se dar segundo os interesses nacionais. (REIS, 2000, p. 63, grifo no original).

O fato é que tudo o que estava ocorrendo no país até 1973, do ponto de vista do “cres-

cimento” econômico que assinalava um “milagre”, nada tinha de milagroso, nem qualquer

outro mistério. O que ocorreu foi que “o período Médici representou a consolidação da ex-

pansão capitalista nos moldes que já vinham se delineando”. (HABERT, 2003, p. 13, grifo

nosso). E isso, continua a autora, com base em

Três pilares básicos: o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora sub-metida ao arrocho salarial, às mais duras condições de trabalho e à repressão políti-ca; a ação do Estado garantindo a expansão capitalista e a consolidação do grande capital nacional e internacional; e a entrada maciça de capitais estrangeiros na for-ma de investimentos e de empréstimos. (HABERT, 2003 p. 13, grifos nossos).

Com base na crença sobre desse crescimento, o II PND lançou seus objetivos, afir-

mando que o maior deles era o “homem brasileiro”. Mas quem era esse homem, para quem se

pretendia “construir” essa sociedade “moderna, progressista e humana”? Parece que se tratava

muito mais de uma entidade abstrata, genérica e sem representatividade concreta, do que os

trabalhadores reais que sentiam, no final de cada mês, os sinais da inflação e arrocho salarial:

99

Em consonância com o binômio Desenvolvimento e Segurança, objetiva a Revolu-ção construir, no Brasil, a sociedade desenvolvida – moderna, progressista e humana.

O objetivo maior de todo o planejamento nacional é o homem brasileiro, nas suas di-ferentes dimensões e aspirações.

Assim, aquela construção nacional se fará segundo modelo brasileiro de sociedade aberta, social, racial e politicamente. Sociedade atenta à abertura de oportunidades para o grande número, sem a nenhuma classe ou região deixar à margem do processo de modernização e desenvolvimento, avessa à prevalência de interesses de grupos, classes ou regiões. Sociedade capaz de transformar-se e reformar suas instituições – econômicas, sociais e políticas –, segundo os objetivos da estratégia nacional, respei-tando os valores humanos e a identidade nacional da cultura brasileira. (BRASIL, 1974, p. 28, grifos nossos).

Como podemos verificar, o documento continua calando-se em relação à repressão e

cerceamento das liberdades políticas. Antes, pelo contrário, dá a entender que realmente exis-

te uma “sociedade aberta” e que estaria realmente “respeitando os valores humanos” e geran-

do “oportunidades”. As oportunidades apareciam, mas a quem se destinavam? Às grandes

empresas nacionais e multinacionais (GERMANO, 2005, HABERT, 2003; REIS, 2000) que

se beneficiaram com os “avanços” do período. Os que se aventuravam na contestação eram

perseguidos e presos, quando não torturados e mortos.

A quem se destinavam os resultados favoráveis que se observavam? Aparentemente,

pelo menos, se destinavam a todos, entretanto, a maioria dos trabalhadores permanecia assis-

tindo – ou sofrendo – os acontecimentos. O II Plano, pretendendo avançar o discurso diante

das crises que se faziam presentes, rejeitava a “teoria do bolo” ao dizer que a população não

podia passar fome enquanto o “bolo cresce”. Por isso, acena para a necessidade de manter o

acelerado crescimento e, simultaneamente, realizar políticas “redistributivas”, o que implica

dizer que os tecno-burocratas do sistema tinham consciência da situação enfrentada pelos tra-

balhadores ao deixarem registrada sua perspectiva de crescimento. Ou seja, não havendo co-

mo defender os interesses dos grupos dominantes e dos trabalhadores sem emprego, conce-

beu-se a perspectiva de manter o crescimento, que sempre fora objetivo do sistema, alimen-

tando nos trabalhadores o sonho da participação nesse crescimento.

A verdade é que, de um lado, o crescimento pode não resolver o problema da ade-quada distribuição de renda, se deixado à simples evolução dos fatores de mercado. E, de outro lado, a solução através do crescimento, apenas, pode demorar muito mais do que a consciência social admite, em termos de necessidade de melhorar ra-pidamente o nível de bem-estar de amplas camadas da população.

Ao mesmo tempo, é importante reconhecer que o crescimento acelerado exerce, no caso, papel vital, porque amplia as opções. Com expansão rápida, é possível dar mais renda e consumo a todos, e ao mesmo tempo investir mais.

Ou seja, dinamicamente, o crescimento rápido é instrumento importante para com-

100

patibilizar os dois objetivos em jogo. (BRASIL, 1974, p. 69, grifos nossos).

O dilema dos que elaboraram o II Plano foi resolvido quando foi feita a opção pelo

crescimento. Jogava-se, com isso, para um depois indefinido, a distribuição das fatias do bolo.

Mas aos trabalhadores – e para o registro histórico – o Plano afirmava estar fazendo a opção

certa: desenvolvendo para distribuir; desenvolvendo em nome das necessidades dos trabalha-

dores; crescendo e distribuindo renda para “compatibilizar os dois objetivos” lembrando que

esses “dois objetivos”, no Plano, são o crescimento e distribuição, mas no direcionamento

efetivo do governo militar, trata-se de manter-se no poder, favorecendo os empresários envol-

vidos no processo.

Assim chegamos ao III PND (1980-1985) que renuncia ao discurso triunfalista. Assu-

me uma postura claramente distinta dos anteriores e em função disso afirma, logo nas primei-

ras linhas, que é um plano diferente caracterizando-se pela “flexibilidade”, com a finalidade

de que todos “possam permanentemente adaptar e ajustar seu comportamento e suas ações à

conjuntura existente” (BRASIL (a), 1980, p. 11), que é de crise mundial além da perspectiva

de transição de regime, ocorrida no final do governo Figueiredo. Notamos que o III PND inse-

re-se dentro do processo de abertura que culminaria com a eleição de Tancredo Neves, pelo

Congresso Nacional, como presidente do Brasil.

O III Plano afirma que houve “expansão econômica” durante a última década e que ela

“beneficiou de forma desigual as diferentes classes sociais”, por isso, a necessidade de “de-

mocratização das oportunidades de trabalho”. Assinala que a “política de distribuição de ren-

da deverá apoiar-se não só na democratização das oportunidades de emprego como também

na alteração do perfil de investimentos nacionais, privilegiando setores de maior efeito distri-

butivo” (Ibid, p. 18, grifos nossos).

No III PND foi mantido o objetivo primordial que era o desenvolvimento do país. Para

atingir esse objetivo, como nos Planos anteriores, aqui, também se reconhece a necessidade de

fazer uma melhor “distribuição da renda”, pois o crescimento observado até o momento da

edição do III Plano, “beneficiou de forma desigual as diferentes classes sociais do país, pois a

renda média das populações de menor poder aquisitivo foi a que cresceu com menor rapidez”

(BRASIL (a), 1980, p. 18). Essa desigualdade implicou em que 1% da população, os mais

ricos, concentrassem uma renda aproximadamente igual à de 50% da população mais pobre

(HABERT, 2003).

101

Em vista disso, no III PND são traçados objetivos para distribuição da renda, ao dizer

que “o rápido crescimento da economia pode e deve ser conjugado com o objetivo de melhor

distribuir a renda gerada”. Como isso seria feito? Pela “crescente disponibilidade e acesso aos

serviços de educação, saúde, saneamento e previdência social, bem como a moradia, alimen-

tação e transportes”. (BRASIL (a), 1980, p. 18). Essa aparente preocupação com a equidade e

justiça social contrasta com o confessado clima de “incertezas decorrentes da crise energética

e seus reflexos” (Ibid, p. 12).

Esse quadro não se altera quando se considera o planejamento das ações dos governos

militares. Quando examinamos os três PNDs, abrangendo o período que vai de 1972 a 1985,

constatamos que são unânimes em afirmar a necessidade de preservar os avanços da “revolu-

ção” em favor dos avanços sociais. Embora os Planos tragam destaques para a educação, eles

não propõem nem provocam alterações nas políticas e nas suas implementações, o que impli-

ca dizer que permanece havendo discurso de avanço, mas práticas de estagnação, pois o aces-

so à escola não se universalizou. Os Planos mencionam a necessidade do crescimento e de-

senvolvimento, mas não se alteram as relações dentro do espaço do sistema escolar. E, o que é

pior, aumenta não só a dificuldade de acesso à universidade, em decorrência da reforma uni-

versitária que criou o filtro do vestibular, ou “a barreira dos exames vestibulares” (CUNHA;

GÓES, 2002, p. 70), mas também a diminuição dos gastos públicos com educação e a cres-

cente postura privatista. Além disso,

É importante assinalar que o Regime não se restringiu a diminuir as verbas para a educação escolar pública e gratuita. Tratou também de transferir recursos para a rede privada, concorrendo, entre outras coisas, para que a corrupção invadisse também a área de ensino. Assim, a privatização do Estado tem os seus reflexos no campo edu-cacional e, no contexto da ditadura, a moralização dos costumes políticos – procla-mada em alto e bom som – se caracterizou na realidade pelo seu inverso. (GER-MANO, 2005, p. 202, grifo nosso).

E o inverso da moralização do ensino público, universal e gratuito foi, como diz o au-

tor, a radicalização de um processo privatizante ao lado de esquemas fraudulentos destinação

de verbas públicas para a iniciativa privada (GERMANO, 2005; CUNHA; GÓES, 2002).

Embora o discurso permanecesse em favor da qualidade, pela melhoria, pela universalização a

perspectiva é pela minimização da escola. E por que isso ocorreu?

Ao capital interessa que os trabalhadores não tenham de dominar todo um conjunto complexo de operações, de conhecimentos de matérias-primas, de processo, de esté-tica, etc. Justamente para que possa intercambiá-los, dispor deles em abundância. (CUNHA GÓES, 2002, p. 62).

102

Parece ser exatamente isso que ocorre com o III PND. Ele supera, ou pelo menos, se

afasta do dilema do II Plano, entre optar pelo crescimento e distribuição de renda. O discurso

de III Plano é diferente. Aqui, “todos os setores da sociedade” são convocados a “enfrentar e

vencer os desafios”. Logo nas primeiras linhas do III PND percebemos uma diferença em

relação aos anteriores e um sinal das mudanças políticas que se avizinhavam. Afirma o texto

do III Plano que

Uma das principais características do documento é sua flexibilidade. Esta é indis-pensável para que o governo e todos os setores da sociedade possam permanente-mente adaptar e ajustar seu comportamento e suas ações à conjuntura existente, sempre em benefício dos objetivos do desenvolvimento nacional. (BRASIL (a), 1980, p. 11, grifos nossos).

Portanto, a admissão da flexibilidade e a possibilidade de adaptação é uma das caracte-

rísticas deste plano, no qual permanece o discurso do “desenvolvimento nacional” a ser atin-

gido por meio de ajustamentos e adaptações, denotando flexibilidade, ao menos do discurso.

A fim de situar a natureza do problema da distribuição de renda no Brasil (e não para

reduzir sua significação), há necessidade de considerar alguns aspectos: o III PND, mesmo

reconhecendo a crise econômica internacional que vinha desde 1973, com a crise do petróleo,

já mencionada no II PND, afirma que tem por base

a certeza de que a sociedade brasileira está plenamente capacitada e motivada para enfrentar e vencer os desafios adicionais que a economia mundial acrescentou ao já anteriormente árduo esforço nacional de construção de uma sociedade desenvolvida e livre, o que é sustentado pelo incontestável desenvolvimento econômico e social já alcançado, a capacidade de realização historicamente demonstrada pelo povo brasi-leiro – inclusive em períodos de crise mundial – e as reconhecidamente vastas poten-cialidades econômicas do Brasil. (BRASIL (a), 1980, p. 12, grifos nossos).

Em seguida, o III Plano menciona a necessidade de distribuição de renda, preservação

das liberdades e acesso a bens sociais de primeira necessidade, com destaque para a necessá-

ria disponibilidade e acesso à educação. Diz o documento:

O rápido crescimento da economia pode e deve, portanto, ser conjugado com o obje-tivo de melhor distribuir a renda gerada. Dentro deste princípio, a política de distri-buição da renda será coerente com a manutenção das liberdades democráticas, in-clusive com respeito às negociações salariais. Praticará a legítima discriminação do uso dos instrumentos fiscais em benefício da justiça social, e será orientada para a obtenção crescente de disponibilidade e acesso aos serviços de educação, saúde, sa-neamento e previdência social bem como moradia, alimentação e transportes. (Ibid, p. 18, grifos nossos).

103

Podemos perceber que o discurso da distribuição de renda e da democratização perma-

nece e se faz presente, denunciando a incapacidade de progredir e crescer.

O que implica dizer – e principalmente constatar – que as condições de vida dos traba-

lhadores não melhoraram. Constatamos que a preocupação com a melhoria de condições de

vida do trabalhador é recorrente nos três planos e no III PND ela é explicitada como objetivo

a ser alcançado – o que implica dizer que os planos anteriores não alcançaram. O planejamen-

to do desenvolvimento, diz o III PND, passa pela “valorização do homem brasileiro” – que

ainda não fora valorizado, poderíamos dizer – “na tentativa de a ele garantir condições dignas

de trabalho e remuneração adequada à satisfação de suas necessidades básicas” (BRASIL (a)

1980, p. 13), o que nos leva de volta à indagação sobre o poder redentor da educação. Assim

constatamos que o sistema educacional é impotente, diante dos problemas sócio-econômicos e

políticos.

Como pudemos perceber, nos PNDs os governos militares afirmavam que estavam

caminhando para o desenvolvimento, para a distribuição da renda e para a democratização. A

distribuição da renda, diz o II PND, dependia do crescimento da economia e esta, crescendo,

produziria desenvolvimento, que por sua vez precisaria de um eficiente sistema de educação

escolar para acontecer; ou seja, a partir de um eficiente sistema escolar poder-se-ia vislumbrar

desenvolvimento e crescimento econômico, com a conseqüente geração de mais postos de

trabalho, mantendo aquecida a economia. Esse objetivo também foi perseguido pelo III PND,

mas isso não aconteceu, pelo contrário, o que se deu foi a crescente concentração de renda e o

aumento dos problemas sociais e, também, educacionais.

Essa é uma das explicações, não só para a versão de melhorias na educação e tecnolo-

gia, preconizada pelos PNDs, como para a promulgação da lei 5.692/71 que reorganizou ou

recriou o sistema escolar dentro do que passou a ser chamado de primeiro e segundo graus.

Recriação que foi feita a partir de uma ótica específica: a formação para o trabalho ou a quali-

ficação profissional. E isso também se revelou um objetivo não atingido.

Foi nesse cenário de crise sócio-econômico-política e com perspectiva de crescimento,

constantemente anunciada nos PNDs, que o governo Federal lançou seus Planos Setoriais de

Educação. Será, também, a partir desse quadro que olharemos para eles. O II PSEC (Plano

Setorial de Educação e Cultura), para o período 1975-79 e o III Psecd (Plano Setorial de Edu-

cação, Cultura e Desporto), para o período 1980-85. Ambos estão em consonância com o II

PND e III PND, respectivamente.

104

O II PSEC, ao mesmo tempo em que resgata alguns dos objetivos do I PND, diz que

vários objetivos foram atingidos, em relação ao 1º grau. Afirma que aconteceu a “universali-

zação progressiva do ensino de 1º grau, de 8 anos, obrigatório e gratuito, na faixa de 7 a 14

anos de idade” (BRASIL, 1976, p. 7, Grifo nosso), embora com diferença para menos, pois

foi alcançado o índice de 79,8% de matrículas quando a previsão era de 80% de crianças ma-

triculadas, nessa faixa etária. Já no 2º grau, embora a meta não tenha sido atingida, o II PSEC

afirma que foi alcançado um número considerável de “1,7 milhões de alunos”.

No II PSEC é mencionado o ensino “obrigatório e gratuito”, exatamente os princípios

que haviam sido rejeitados por ocasião da elaboração e outorga da Constituição de 1967. Uma

contradição que se mostra aquilo que Germano (2005) vem chamando de “crise” dentro do

sistema. Crise que foi uma das causas de alguns avanços que aconteceram no cenário político

e educacional até chegar ao fim do período militar, mas que produziu, também, no mesmo

período, inúmeros retrocessos, pois além de ter acontecido o avanço privatizante (GERMA-

NO, 2005; CUNHA; GÓES, 2002) no sistema escolar, também pouco foi investido em ciên-

cia e tecnologia. “O desenvolvimento da ciência e da tecnologia exige, por sua vez, maciços

investimentos em educação e pesquisa. Esta, no entanto, não foi a opção que prevaleceu”

(GERMANO, 2005, p. 194), tendo prevalecido o que o mesmo autor chamou de sucateamen-

to da educação, explicando, também, porque o Estado deixou não só de investir em educação

pública como em outras áreas e políticas sociais, indicando que o governo militar andava na

contramão de seus próprios Planos de Desenvolvimento.

Em que pesem essas contradições, o II PSEC mostra o porquê de seu otimismo: o nú-

mero de estudantes havia aumentado mais entre 1970-75 do que aumentara entre 1940-60.

O contingente de estudantes aumentou 2,5 vezes entre 1940/1960 e mais de 2,85 ve-zes entre 1970/1975, refletindo, como fatos principais a expansão do sistema e a demanda social, que aumentaram a ritmos crescentes, estimuladas principalmente pelos fenômenos da urbanização e do crescimento econômico. (BRASIL, 1976, p. 10).

Embora não apareça, explicitamente, na análise do II PSEC está presente a afirmação

de que o governo militar estva fazendo mais pelo sistema escolar do que havia sido feito nos

períodos anteriores. Está presente, também, a afirmação de que o crescimento econômico, ao

mesmo tempo em que gerou demanda por escolas e qualificação profissional, e esta, por sua

vez, ajudou no processo de crescimento econômico. Mas não está presente a afirmação de que

105

esses avanços eram objetivos não de uma política social, mas metas do sistema para ampliar a

possibilidade de ampliação dos negócios; inclusive no avanço da transformação do sistema

educacional em mais um negócio (CUNHA; GÓES, 2002).

Entretanto, mesmo mostrando os seus avanços, o II PSEC admite que permanece a e-

xistência de problemas. “O problema mais importante é efetivamente o da capacidade do sis-

tema em promover os alunos a uma escolaridade mais extensa” (BRASIL, 1976, p. 17). E isso

ocorria principalmente na zona rural, em que se manifestava deficiência de todas as ordens,

com destaque para o déficit de oferta não só de escola, como de seriação completa. E se isso

era verdade para o primeiro grau, mais grave, ainda, era a situação do segundo grau que, a

partir da Lei nº 5.692/71, passou a ter caráter profissionalizante.

Em face disso, podemos dizer que o II PSEC pode ser visto como uma espécie de con-

tinuidade e plano operacional em que o governo militar procurava executar, na área educacio-

nal, os planos e projetos dos PNDs; isso se pode observar já na “Avaliação Geral” do II

PSEC, onde se lê que os 19,3 milhões de matrículas representam “88,2% do total de 22 mi-

lhões de matrículas previstas como meta do I Plano Nacional de Desenvolvimento” (Brasil,

1976, p. 7)56

Que dizer, então do III Psecd? Este plano setorial foi elaborado para o mesmo período

do III PND, ou seja, 1980-1985. Uma característica do III Psecd é a afirmação da educação

como questão social, mas que a extrapola.

A questão social é responsabilidade de todos os ministérios, ainda que os da área so-cial estejam mais diretamente ligados a ela. Nesta perspectiva o esforço educacional faz parte de um esforço geral, não somente da área social, mas também dentro da área econômica, porque não há solução satisfatória dos problemas, se não houver a suficiente convergência entre as áreas sociais e as áreas econômicas. (BRASIL (b) 1980, p. 13, grifos nossos).

O esforço de que fala o III Plano ainda vem na esteira dos PNDs anteriores, qual seja,

a visão de que o sistema escolar deve promover o desenvolvimento do país e o crescimento

econômico. Por isso, o III Psecd afirma que não adianta “preparar a mão-de-obra se a estrutu-

ra produtiva não estiver adequada às necessidades básicas da população e contiver suficiente

56 A título de ilustração podemos comparar as afirmações do III PND, que fala da necessidade de uma “ocupação não predatória da Amazônia” (BRASIL (a), 1980, p. 19) e o que diz o III Psecd sobre a necessidade de que seja feita, na Amazônia, do ponto de vista formal e não formal, “uma educação de fundo ecológico, capaz de repensar o processo de ‘conquista’ da Amazônia e de propiciar a formação de consciência ecológica” (BRASIL, (b), 1980, p. 39)

106

tendência de criação de postos de trabalho” (Ibid, p. 13). O sistema escolar, portanto, era, na

perspectiva do III Psecd, complementar ao sistema produtivo e este, por sua vez, deve estar

receptivo ao egresso do sistema escolar. Dessa forma, o III Plano Setorial se rende à afirma-

ção de que no período ao qual ele se destinava o governo militar ainda não havia dado conta

de resolver os problemas sociais do país. Assim, os problemas sociais que precisavam do a-

quecimento da economia para serem resolvidos, passaram a ser vistos como mais um campo

para o qual se espera a solução oriunda do setor educacional. Discurso esse tão ao gosto do

pensamento liberal, que vê na educação a panacéia de todos os males da sociedade capitalista,

não se dando conta, ou esquivando-se da reflexão a respeito da natureza e dos fins da educa-

ção. De acordo com Saviani (1997), a educação tem “poderes”, sim, mas limitados, pois para

que a classe trabalhadora possa auferir eventuais benefícios da educação se faz necessária a

“compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na socie-

dade capitalista”. Uma perspectiva educacional, para os trabalhadores, continua o autor, seria

o engajamento “no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade

possível nas condições históricas atuais” (SAVIANI, 1997, p. 42). Mas não esperar que, de

forma quase mágica, o sistema escolar resolva as contradições que são inerentes ao modelo

capitalista.

Outra característica deste III Psecd é a preocupação com as disparidades regionais,

também esta uma questão oriunda dos PNDs, mas que recebeu um tratamento do III Plano

Setorial. Com isso, se abre a perspectiva da reflexão e da análise do modelo escolar praticado

na Amazônia. Com a ressalva de que, como se verá adiante, a política educacional, no espaço

amazônico correspondente a Rondônia, não ficou, em primeiro lugar, sob a responsabilidade

do MEC, mas do Ministério do Interior e da Agricultura. Resposta à proposta do III Psecd, de

que a ação educacional deve ser ocupação de todos os ministérios? Não. Antes do III Psecd a

política de ocupação de Rondônia já se efetivava sob a responsabilidade destes dois ministé-

rios, sendo que o MEC só foi acionado mais tarde para dar respaldo à estruturação do sistema

escolar, inicialmente do território e depois do estado de Rondônia.

Além do que já dissemos sobre a perspectiva da formação para o trabalho, da lei

5.692/71, vamos, agora, tecer mais alguns comentários sobre algumas alterações que podemos

observar no conjunto do sistema escolar nacional e que culminou na reforma que se deu com

a promulgação dessa lei, em 1971.

Antes de comentar a educação na Amazônia e sua manifestação em Rondônia, faremos

um breve comentário sobre a reforma educacional que ocorreu no país com a promulgação da

107

lei 5.692/71. Inicialmente destaquemos que os PND II e III, bem como os Planos Setoriais da

Educação (II PSEC e III Psecd) são posteriores à lei 5.692/71. Dessa forma, as propostas edu-

cacionais oriundas desses documentos refletem a filosofia dessa Lei que na verdade foi uma

reformulação da política educacional, renomeando as modalidades de ensino que até então

existiam e, principalmente, redefinindo não só a proposta escolar, como criando a perspectiva

da formação para o trabalho. “A redefinição da política educacional brasileira incluía, desde

suas origens, uma preocupação pela reformulação do modelo de educação primária e média”

(ROMANELLI, 1978, p. 333). Ou seja, o governo militar tinha planos para a educação esco-

lar: reformular o sistema para que se adequasse ao dinamismo do mundo em transformação e

que precisava de trabalhadores com maior qualificação. Como não podia deixar de ser, na

ótica capitalista, o ponto de referência não eram os estudantes, mas o mercado. Dentro dessa

perspectiva podemos dizer que o trabalhador é uma peça na engrenagem do capital.

O contexto em que se situa essa reforma, dentro do governo militar, é bastante particu-

lar. Sobre ele, Germano (2005) faz uma detalhada análise, mostrando as diferenças em relação

ao ocorrido em 1968, quando da reforma universitária57; da mesma forma Saviani (2006), do

ponto de vista da legislação. Naquele contexto, os militares estavam se colocando no poder:

estavam já editando medidas repressivas, mas ainda não haviam alcançado o ponto gritante

dos primeiros anos da década de 1970. Com o AI-5, de 1968, o governo militar se instalou

com toda sua força repressiva, “fechando todos os parlamentos por tempo indeterminado,

recobrando amplos poderes discricionários e reinstaurando, de modo inaudito, o terror da di-

tadura” (REIS, 2000, p. 51). Entretanto, por outro lado,

apesar de o Estado se transformar em ‘Estado de terror’, é o momento em que obtém o maior grau de consenso e legitimação social, não somente porque amplos setores da sociedade repudiavam as ações armadas, assaltos a bancos, seqüestros e atenta-dos empreendidos pela esquerda, mas também pelos êxitos da política econômica posta em prática pelo governo. (GERMANO, 2005, p. 159, grifo nosso).

No auge da ditadura, a economia atingiu, também, seu auge: é o tempo do “milagre”.

Sem contar as conquistas esportivas simbolizadas no tricampeonato mundial de futebol, em

1970 que, além de exaltar a garra brasileira, pôde ser visto, ao vivo pela televisão, pela pri-

meira vez. Podemos dizer, portanto, que é nesse cenário de repressão e aparente crescimento

econômico que foi lançada a Lei 5.692/71, que “foi recebida entusiasticamente pelos educa-

57 O autor mostra que em 1968 havia uma grande efervescência política e participação dos professores e estudan-tes na contestação ao regime e na época da 5.692/71, os professores esperavam que a ditadura fizesse a reforma.

108

dores” (GERMANO, 2005, p. 160). Essa lei “completa o ciclo de reformas educacionais des-

tinadas a ajustar a educação brasileira à ruptura política perpassada pelo golpe militar de

1964” (SAVINAI, 2006, p. 119)

Sua tramitação e aprovação se deram em tempos recordes. Em 30 dias foi enviada ao

congresso, aprovada e devolvida para a sanção presidencial, o que de fato aconteceu em 11 de

agosto de 197158. Essa aprovação se deu porque os interesses conflitantes foram contempla-

dos: preservou-se o espaço do ensino religioso ao lado do financiamento público do ensino

particular, como queriam os “privatistas”. Dessa forma, se instalou na legislação escolar na-

cional a perspectiva da educação para o trabalho, profissionalizando-o.

Um ponto que devemos destacar é o fato de que uma das principais diretrizes apresen-

tadas por essa Lei é a estruturação do sistema escolar em 1º e 2º graus; e que o 2º grau tem

caráter profissionalizante por excelência, como se lê no artigo 5º, parágrafo 2º: “A parte de

formação especial de currículo: a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o

trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau” (BRASIL

(c), 1971, grifo nosso). O texto da 5.692/71 continua dizendo e insistindo para que a “inicia-

ção para o trabalho” e a “habilitação profissional” devem acontecer em consonância com a

realidade e exigências locais. Mais adiante, no artigo 76, volta a mencionar a habilitação pro-

fissional e a iniciação para o trabalho, como caminho e possibilidade de antecipar a imersão

no mundo do trabalho. Proposta e postura que, como mostram alguns autores (CUNHA; GÓ-

ES, 2002; ZOTTI, 2004), ia contra a expectativa do empresariado.

Não é demais mencionar que até mesmo o ensino supletivo foi colocado com perspec-

tiva de iniciação para o trabalho e formação profissional, como podemos ler nos artigos 25 e

26 da Lei 5.692/71, dizendo que o supletivo pode preparar para a entrada no ensino regular, e

no mundo do trabalho. Também, não devemos esquecer que afirmar a educação como instru-

mentalizadora para o trabalho não é a mesma coisa que dizer que aqueles que concluíam o 2º

grau profissionalizante saíam dele preparados e entravam no mercado de trabalho com um

emprego garantido. O que se dizia no discurso da escolarização, não correspondia à realidade

recessiva de um país com economia fragilizada e com inflação crescente. Com isso os estu-

dantes concluíam o 2º grau, mas permaneciam esperando uma vaga. E, aqueles que chegavam

ao ensino superior, concluindo-o, também não tinham emprego garantido. A realidade era de

58 Essa rapidez não se devia à agilidade ou qualquer outra qualidade do Congresso, mas ao recurso criado pelos governo militar: o “decurso de prazo”. Matéria do executivo não analisada e votada em tempo determinado seria considerada aprovada na íntegra, por decurso de prazo. (SAVIANI, 2006; CUNHA; GÓES, 2002; HABERT, 2003)

109

crescente desemprego. Ou, se quisermos usar a linguagem de Hobsbawm (2001), de crescente

diminuição e fim do emprego. Essa era uma tendência, já nas décadas finais do século XX:

estava acontecendo, diz esse autor, uma diminuição estrutural da oferta de emprego. Em sín-

tese, podemos dizer que a formação para o trabalho não responderia à necessidade das novas

gerações que estavam entrando no mundo do trabalho, entre outros motivos, porque se tratava

de uma formação defasada. A título de exemplo, vejamos este comentário a respeito das “ar-

tes industriais” que:

Não eram industriais. Eram, isto sim, artesanais: trabalho com madeira, metal, ce-râmica e outros materiais, com os alunos utilizando ferramentas simples para cortar, dobrar, encaixar, unir, polir e coisas assim, para produzir pequenas peças. Ora, a tendência do processo de trabalho, no Brasil como em todo o mundo, é no sentido da destruição do artesanato pela indústria mecanizada e até mesmo automatizada onde não há lugar para o artesão. O operário é inserido numa linha de produção on-de opera máquinas e equipamentos feitos sob medida, não tendo, como o artesão, capacidade de fabricar todo o produto. (CUNHA; GÓES, 2002, p. 62).

Em relação ao primeiro grau, embora a Lei 5.692/71 o apresente com características

próprias, coloca-o como etapa preparatória para o segundo grau. Ou seja, também o primeiro

grau teve um acento na formação para o trabalho. Isso foi feito entre outras coisas, juntando o

antigo primário com o também antigo ginásio, dando origem ao primeiro grau. Além disso, o

Estado, com a 5.692/71, ampliou o período de escolaridade obrigatória de 4 para 8 anos. Com

essa Lei a obrigatoriedade de escolarização passou a ser não mais de 7 a 11 anos, mas de 7 a

14. Essa alteração foi feita para “absorver temporariamente a força de trabalho ‘supérflua’,

contribuindo, dessa forma, para regular o mercado de trabalho” (GERMANO, 2005, p. 165).

Assim, se por um lado, alguns setores da sociedade estavam apoiando, ou se beneficiando

com as “conquistas” do governo militar, havia, por outro lado, uma massa de desassistidos e

que seriam facilmente estimulados à revolta, caso não se desse a eles motivos para acreditar

que tudo estava indo bem. Cenário perfeito para se valorizar o difundir a versão de que o bra-

sileiro é um povo pacífico, ordeiro. Entre outras coisas essa era uma boa razão para conceder

algum benefício à população, pois

Havia, é claro, enormes sombras na paisagem, que os holofotes da publicidade não conseguiam esconder. Os pequenos posseiros e proprietários de terra, que perde-ram sua pouca terra no processo terrível da concentração fundiária e viraram des-terrados em seu próprio país – os bóias-frias. Os trabalhadores sem qualificação adaptada à sede de lucro dos capitais, que ficavam à margem, desabrigados e des-protegidos no ambiente cada vez mais esgarçado de um tecido social cujas redes de proteção (saúde e educação públicas) se deterioravam cada vez mais. Constituíam

110

vastos contingentes, perdidos, sem eira nem beira, chamados equivocadamente de excluídos, porque eram legítimo produto do sistema e, como tal, estavam nele in-cluidíssimos, embora cada vez mais aparecessem como descartáveis. (REIS, 2000, p. 60, grifos nossos).

Olhando para o texto da 5.692/71, podemos perceber algumas de suas características,

que vêm em consonância com a proposta de educação escolar que estava sendo implantada.

No já mencionado artigo 5º dessa Lei está uma das características do primeiro grau: formação

geral. Entretanto, a formação geral foi sendo aos poucos substituída pela formação para o

trabalho. Essa formação, iniciada no primeiro grau como iniciação para o trabalho, tornou-se

preponderante no segundo, agora não mais como formação, mas como habilitação. Assim

dispõe o parágrafo primeiro, alínea a): “no ensino de primeiro grau, a parte de educação geral

seja exclusiva nas séries iniciais e predominante nas finais” (BRASIL (c), 1971). E no pará-

grafo segundo, também na alínea a), é mencionada a gradação da ótica da formação profissio-

nal, quando diz que a formação especial: “terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação

para o trabalho”, no primeiro grau, deixando o que é chamado de “habilitação profissional”

para o segundo grau.

O sistema, por intermédio dessa lei, estabeleceu as mesmas normas, direitos e deveres

gerais, para o primeiro e segundo graus. Entretanto, utiliza todo o capítulo 2 para tratamento

específico do primeiro grau, como preceituam os artigos 17 ao 20. A finalidade do primeiro

grau é a “formação da criança e do pré-adolescente” (art. 17). Essa formação deverá ser con-

cluída em “oito anos letivos” perfazendo um total mínimo de “720 horas de atividades” (art.

18). Ficou estabelecida, também, a idade para ingresso no mundo escolar: “idade mínima de

sete anos” (art. 19). A lei não impossibilita a entrada com idade maior, ou seja, não especifica

uma idade limite; mas cria, mais adiante, os pressupostos para o ensino supletivo – no capítu-

lo IV, artigos 24 até 28 – para aqueles que perderam a possibilidade de ingressar na escola no

tempo estipulado.

O texto da lei determina que os “sistemas de ensino” normatizarão o ingresso de crian-

ças com menos de sete anos no primeiro grau. Além disso, sugere a adequada preparação nas

“escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes” (art. 19). Mas quando trata

da obrigatoriedade, a responsabilidade dessa fiscalização sai da alçada federal para recair so-

bre os estados e municípios:

Art. 20. O ensino de 1º grau será obrigatório dos 7 aos 14 anos, cabendo aos Municí-pios promover, anualmente, o levantamento da população que alcance a idade escolar

111

e proceder à sua chamada para matrícula.

Parágrafo único. Nos Estados, no Distrito Federal, nos Territórios e nos Municípios, deverá a administração do ensino fiscalizar o cumprimento da obrigatoriedade esco-lar e incentivar a freqüência dos alunos. (BRASIL (c), 1971, grifos nossos).

Além dessa caracterização do primeiro grau, chama a atenção outro elemento: a for-

mação mínima exigida do professor do primeiro grau. Para o exercício da função de professor

do 2º grau é exigida formação e habilitação específicas, ou seja, licenciatura plena. Essa é a

orientação também para o primeiro grau, com as exceções especificadas no artigo 30:

Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério:

a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau;

b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1º grau obtida em curso de cur-ta duração;

c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena. (Ibid, 1971).

Estava iniciado o nivelamento por baixo: criou-se a base legal para uma visão hierar-

quizada do sistema escolar. Numa posição inferiorizada ficaram os professores com formação

nos cursos de magistério, a formação equivalente, em período anterior, ao curso normal.

Também nasceu a figura indefinida do professor com licenciatura curta. Era professor com

nível superior, mas não gozava de todos os direitos dos professores com habilitação plena.

Sem contar o fato de o professor que lecionava para o nível superior ser visto como alguém

merecedor de mais respeito, ou com melhor preparação. Essa hierarquização vinha como

complemento às medidas adotadas pelo governo militar, com a finalidade de evitar as reivin-

dicações e organizações de classe. Em possíveis movimentos reivindicatórios o atendimento a

uma dessas categorias colocava as outras três em oposição àquela que fora atendida (GER-

MANO, 2005). Dividia-se a categoria, para melhor impor a dominação.

O sistema não parou nisso. A lei estabeleceu que mediante estudos complementares

um professor com formação de segundo grau – magistério – poderia lecionar para 5ª e 6ª sé-

ries. A mesma afirmação vale para o professor com licenciatura curta: poderia lecionar para o

segundo grau, desde que para isso fizesse estudos complementares. Esses estudos adicionais

poderiam ser: “aproveitamento em cursos ulteriores”. Ou, então, em curso universitário. En-

tretanto, apesar de apontar para cima, a lei atira para baixo como podemos ler no artigo 31:

112

As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais referidos no § 2º do artigo anteri-or serão ministrados nas universidades e demais instituições que mantenham cursos de duração plena.

Parágrafo único. As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais, de preferência nas comunidades menores, poderão também ser ministradas em faculdades, centros, escolas, institutos e outros tipos de estabelecimentos criados ou adaptados para es-se fim, com autorização e reconhecimento na forma da lei. (BRASIL (c), 1971, grifo nosso).

A complementação de estudos, portanto, estava prevista para ser realizada em centros

universitários, mas poderiam ser feitos em qualquer lugar que se prestasse a oferecer esse ser-

viço. Observemos a linha decrescente, do parágrafo único, em que a Lei admite a complemen-

tação de estudos: “faculdades, centros, escolas, institutos e outros tipos de estabelecimentos

criados ou adaptados para esse fim”. Só faltou dizer: ou qualquer lugar por ai! E esses lugares

foram criados em várias localidades, oferecendo cursos em fins de semana e outras tantas mo-

dalidades. Isso sem falar dos profissionais de outras áreas que, mediante cursos específicos

poderiam lecionar.

Em síntese, pode-se dizer que a Lei 5.692/71 trouxe várias alterações para o sistema

escolar brasileiro. Em relação ao segundo grau se fez como preparação para o trabalho, embo-

ra possamos questionar e buscar a validade dessa qualificação (GERMANO, 2005; CUNHA;

GÓES, 2002). Em relação ao primeiro grau, foram criadas algumas alterações e melhorias

como uma das formas de o Estado se legitimar perante a população (REIS, 2000). Antes que a

população cobrasse mudanças (CARNOY, 2005).

O Estado toma a iniciativa, se antecipa às reivindicações sociais e, num contexto de expansão econômica e de forte concentração da renda, demonstra a intenção de pro-porcionar uma ‘igualdade de oportunidades’. Ao se preocupar, portanto, com o ensi-no primário e médio, expressava o seu interesse em melhorar as condições de vida das grandes massas do povo. Consiste, portanto, numa medida que por palavras e a-tos, se apresenta como uma busca de equidade num momento em que se aguçavam as desigualdades sociais. Tratava-se, assim, de desmentir evidências e manter intocável o mecanismo responsável pela manutenção e ampliação das desigualdades. Enfim, tratava-se de procurar ampliar e consolidar as bases de legitimação do Estado, num contexto em que a correlação de forças era francamente favorável à dominação exis-tente. (GERMANO, 2005, p. 166).

Posição semelhante é defendida por Resende (2001), quando afirma que o governo mi-

litar não se preocupava com a escolaridade da população nem com sua situação de marginali-

zação econômica, mas em apresentar uma aparente democracia e afastar possíveis reações dos

113

movimentos sociais de oposição. Não devemos esquecer, como já mencionado anteriormente,

que esses excluídos estavam “incluídissimos” no sistema (REIS, 2000). Quaisquer atos do

governo, portanto, tinham a função de busca de legitimação, evitando os confrontos.

O regime militar, no entanto, se empenhava em construir um suposto ideário de de-mocracia que se constituiu na base de seu apelo à legitimidade, no qual o espaço da política perdia paulatinamente o sentido, não em um processo de negação ostensiva de sua importância, mas pela atuação no sentido de minar toda e qualquer possibili-dade de que os agentes sociais se colocassem na arena política. (RESENDE, 2001, p. 73).

Em síntese, as decisões em favor da educação escolar estavam voltadas para a manu-

tenção do regime ou para evitar que a verdade da repressão se evidenciasse. Dessa forma,

mesmo que o texto da Lei 5.692/71 tenha apresentado inovações para a época, como a organi-

zação do sistema escolar; ou retrocessos, como a admissão de formação secundarista para

professores lecionarem no primeiro grau, essa Lei, como também as demais ações de governo,

se fizeram em favor da manutenção do sistema e do governo militar.

Faz-se necessário, agora, ver como essa proposta de educação se fez presente na Ama-

zônia e particularmente em Rondônia, pois essa região recebeu atenção especial do governo

militar, visto ter sido eleita para acolher os migrantes “reorientadas” no processo migratório.

2- A POLÍTICA EDUCACIONAL PARA A AMAZÔNIA E RONDÔNIA

A colonização recente da Amazônia entrou em discussão em 1970, quando foi criado o

Programa de Integração Nacional (PIN), que tinha como meta, atuar na construção de estradas

e nos projetos de colonização oficiais e dessa forma atuou: “além da construção das megaro-

dovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, estabelecia a implantação de projetos de coloni-

zação, em uma faixa de 10 km, ao longo das duas margens das referidas rodovias” (LIMA;

VELOSO, 2002, p. 57). Com isso, o programa criou uma perspectiva de ocupação da Amazô-

nia, principalmente durante as obras da Transamazônica.

O projeto da estrada fazia parte do PIN (Programa de Integração Nacional), envolvia vários ministérios e, ainda segundo o general Médici tinha como objetivo ‘dar aos

114

homens sem terra do Nordeste a terra sem homens da Amazônia’, ocupando e colo-nizando o ‘grande deserto demográfico’”. (HABERT, 2003, p. 21, grifos nossos).

Entretanto, esse projeto se direcionava prioritariamente ao homem nordestino. E por

uma série de circunstâncias esse programa revelou-se um fracasso.

O Programa de Integração Nacional (PIN), com base na construção de mais uma gi-gantesca estrada, a Transamazônica, e na instalação de centenas de milhares de camponeses sem terra nordestinos em agrovilas, acabou transformado em mais um plano de atração de grandes empresas para investimentos agropecuários. Em 1974, quando o programa foi definitivamente cancelado, em vez da promessa inicial de um milhão de famílias, havia apenas cerca de 6 mil instaladas. (REIS, 2000, p. 58).

Esse fracasso, entretanto, não desmobilizou a ação do governo militar na Amazônia.

Paralelamente ao PIN, no I PND, verificamos que a Amazônia aparece em pauta, aqui com

planos mais elaborados de ocupação e colonização. Acena-se para a necessidade de que sejam

efetuados programas de colonização de forma bem elaborada: “A implantação do Programa

de Colonização na região da Transamazônica” era desenvolvido, principalmente, pela inicia-

tiva privada. O PND afirma a necessidade de melhorar a oferta de infra-estrutura. “Em associ-

ação com a iniciativa privada, serão instalados núcleos com: escola primária, posto de saúde,

igreja, escritório do Banco do Brasil, posto de comunicação e posto do Ministério da Agricul-

tura” (BRASIL (d), 1971, p. 30, grifo nosso).

Essa mesma preocupação esteve presente no processo de ocupação em Rondônia. Aqui

também se levou a efeito alguns Projetos Integrados de Colonização (PICs). Nos PICs tam-

bém se contemplava a instalação de escolas, como parte da infra-estrutura a ser divulgada na

propaganda que atrairia os migrantes de outras regiões do país e que estavam se dirigindo para

a Amazônia – e especificamente para Rondônia.

Para o governo militar era imprescindível “assumir efetivamente a educação, uma vez

que ela estava inserida na grande meta de segurança e desenvolvimento. Essa tarefa deveria

ser assumida de maneira generalizada, atingindo todas as regiões do país” (COLARES, 1998,

p. 130). Entretanto, e na realidade,

a política educacional posta em prática pelo Estado Militar não cumpriu com os pró-prios princípios e metas, mesmo do ponto de vista quantitativo, nos três níveis de en-sino na medida em que se desobrigou de financiar a educação pública e incentivou o incremento da privatização do ensino. (GERMANO, 2005, p. 208).

115

Neste ponto, manifesta-se uma das grandes contradições do governo militar, afirmando

a universalização e gratuidade e ao mesmo tempo confirmando uma tendência excludente do

sistema escolar produzido nesse período.

Podemos dizer que na Amazônia, ao menos nesse primeiro momento, a necessidade

prioritária era de escolas e professores. Isso porque “além do problema da falta de vagas, ha-

via também o da falta de professores, principalmente para o ensino médio” (COLARES,

1998, p. 149). Na Amazônia faltava de tudo, e, em se tratando de educação escolar, havia uma

enorme escassez de professores habilitados. E como veremos mais adiante, essa falta de pro-

fessores era grande em todo o território de Rondônia.

Entretanto, para chegar à percepção da falta de professores foi necessário o povoamen-

to e desenvolvimento, o que ocorreu dentro da política de integração. Foi sob o lema da inte-

gração e da defesa do território nacional que o governo militar implantou várias políticas, a-

brangendo as diversas regiões do país e setores sociais. As políticas econômicas atendiam às

necessidades do capital; as políticas educacionais mudaram a legislação ao mesmo tempo em

que ocorria intervenção, perseguição nas universidades e escolas;59 algumas políticas sociais

criando benefícios sociais ou instituições assistenciais e habitacionais, disfarçando a crise

populacional e habitacional das cidades. Ao lado dessas, o governo militar desenvolveu as

políticas de ocupação e desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste. Os veículos de comu-

nicação de massa divulgavam cotidianamente as realizações do governo, procurando, com

isso transmitir uma imagem positiva (HABERT, 2003), em busca de legitimação perante a

opinião pública.

A divulgação dessas ações governamentais pode ser vista como mais uma política,

desta vez para a legitimação das ações e popularização do que fora realizado e das demais

políticas que nortearam alguns documentos oficiais, cabendo destaque para o que estava pre-

visto nos três Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND), referentes ao período 1971-1985.

A análise desses Planos indica o que o governo militar pretendeu para a Amazônia: a partir

deles é que foi desenvolvida a política de ocupação e colonização de Rondônia.

Não passa despercebido o fato de, nos três Planos, o governo militar ter dado destaque

à região amazônica. A política de ocupação foi desenvolvida e vinculada à idéia de Integração

59 A respeito da educação o I PND falava do lançamento de uma “campanha de mobilização permanente” e de uma “operação escolar, destinada a universalizar o ensino de 1º grau”. (BRASIL, 1974, p. 40).

116

Nacional, com vistas no discurso da Segurança Nacional. A integração não tinha por base o

receio de que Estados vizinhos invadissem o Brasil, ou ocupassem a Amazônia, mas fazia

parte da Ideologia da Segurança Nacional.

Na visão de mundo geopolítica e anticomunista que norteou as Forças Armadas des-de o pós-guerra, o desenvolvimento era garantia de segurança, e esta garantia de de-senvolvimento. ‘Segurança Nacional’ significa, pois, desenvolver a economia, man-ter o país perfilado com o mundo ocidental capitalista e travar ‘uma guerra perma-nente total à subversão comunista internacional e seus agentes internos’. Para tanto, na linha da Doutrina de Segurança Nacional, aliada ao uso da força de repressão, era imperioso promover a integração de todo o território nacional ao projeto econômico, político e ideológico da ditadura. (HABERT, 2003, p.20).

A partir dessa idéia de integração, perfilamento ao capital nacional e internacional, é

que, ao elencar as “Realizações Nacionais para o período 1972-1974” no I PND, aparece uma

“visão global do que a Nação ditou a si própria como tarefa básica” (BRASIL (d), 1971, p. 7),

para o período de abrangência do Plano. Assim sendo, no item número VIII podemos ler que

pretendiam, por intermédio de estratégias definidas, “efetivar a Integração Nacional”. Com o

processo de integração o governo militar pretendia consolidar o desenvolvimento e a seguran-

ça nacional – “guerra permanente e total à subversão”. Entretanto, é perfeitamente perceptível

que o discurso da integração era feito pela acentuação das diferenças, divergências entre as

regiões, sem levar em conta fatores realmente integrativos, como cultura, canais de acesso,

equidade salarial, entre outros:

Ao mesmo tempo em que se consolida o núcleo desenvolvido do Centro-Sul, até com a criação de regiões metropolitanas, controle da poluição e construção da estru-tura integrada de Indústria e Tecnologia, implantar-se-ão novos pólos regionais, no-tadamente o agroindustrial do Sul, o industrial-agrícola do Nordeste e o agropecuá-rio do Planalto Central e da Amazônia.

O Brasil realizará, no período, um dos maiores programas de desenvolvimento regi-onal em todo o mundo. As transferências da União para o Nordeste e a Amazônia – por intermédio do PIN, do PROTERRA, incentivos fiscais, do Fundo de Participa-ção, do Fundo Especial e dos Fundos Vinculados – deverão aproximar-se da média anual de Cr$ 4.700 milhões (preços de 1972), correspondendo a cerca de US$ 800 milhões, montante superior ao total da assistência financeira líquida que o conjunto das instituições financeiras internacionais proporcionou à América Latina, anual-mente, no final dos anos 60. (BRASIL (d), 1971, p. 9, grifos nossos).

Da mesma forma que havia dinheiro destinado a outras regiões, como o “centro-sul”

que deveria continuar, “como é natural, a absorver a maior parcela do capital físico do país”

(Ibid, p. 26, grifo nosso), a Amazônia também iria absorver um considerável volume de di-

117

nheiro envolvido na efetivação do “desenvolvimento regional”, feito com a ajuda da “assis-

tência financeira líquida”, originária de “instituições financeiras internacionais”60 . Devemos

destacar que a verba destinada à integração e desenvolvimento do Nordeste e Amazônia se

destinava às empresas colonizadoras, no caso da Amazônia, as quais deveriam desenvolver os

projetos de colonização e não o financiamento para os colonos, ou criação efetiva de infra-

estrutura. Mas isso não se iguala à prioridade que era dada ao centro-sul, notadamente a São

Paulo e Rio de Janeiro, realçados em várias oportunidades nos três Planos.

No II PND a ação de empresas particulares fica evidenciada. Além disso, nesse Plano,

as regiões Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste aparecem como um só conjunto, mostrando,

também, essas três regiões na sua relação com o centro-sul. Isso sugere que o governo militar

estava dando prioridade, não ao conjunto da nação brasileira, mas às classes econômicas do-

minantes do sul-sudeste. Assim, a estratégia de colonização se faria mediante:

Política de colonização e desenvolvimento agropecuário orientado (além do que se realizar de forma espontânea), a ter lugar dentro de estratégia que conjuga programas de colonos e pequenos produtores, com programas a serem realizados através de em-presas rurais – pequenas, médias e grandes – assim como de empresas de coloniza-ção. (BRASIL, 1974, p. 61).

Percebemos, portanto, que no II PND não aparece a preocupação com a melhoria de

vida da população, mas com o desenvolvimento da economia do ponto de vista da indústria e

do comércio, principalmente do comércio exterior que é fonte de divisas para o país desen-

volvimentista. Por isso, o vislumbre criativo de enviar grandes contingentes de trabalhadores,

feitos migrantes, para as regiões inóspitas do país – a Amazônia – a fim de não criar proble-

mas no sul-sudeste industrializado e, ainda de quebra, abrir o espaço – rico em recursos natu-

rais – a fim de que fosse incorporado ao mercado, destacando que essa é uma visão que per-

passa os três Planos.

E, para convencer os migrantes de que a Amazônia era um espaço aprazível, foi anun-

ciada da existência de terras disponíveis mediante propaganda de que estavam sendo feitas

obras de infra-estrutura: rede de estradas, aparelhamento de portos, geração de energia elétrica

além de estar ocorrendo a “criação de um suporte de educação, saúde, assistência que viabili-

ze radicar as populações” (BRASIL (d), 1971, p. 29). Ou seja, o plano e a divulgação do que

60 O processo de integração e ocupação da Amazônia foi desenvolvido com ajuda financeira internacional. Inclu-sive, a isso pode ser creditado o aumento da dívida externa, provindos de recursos externos “com base nos pro-gramas já definidos com instituições financeiras internacionais” (BRASIL (d) 1971, p. 45).

118

se pretendia, era um atrativo convincente para os desempregados e sem-terras que se encon-

travam desassistidos nos grandes centros do Sul-sudeste ou do Nordeste. Entretanto, o depoi-

mento de pessoas que acreditaram, vieram e viveram os primeiros anos da colonização de

Rondônia coloca em dúvida essa previsão. Ou seja, os colonizadores de Rondônia, oriundos

do Sul do país, depois de constatar o fato, diziam que a infra-estrutura anunciada era insufici-

ente. O INCRA (2005), hoje61, reconhece que naquela ocasião não dispunha de pessoal, equi-

pamento e recursos para receber e destinar a quantos chegavam a Amazônia e particularmente

a Rondônia, nas décadas de 1970-1980, admite que:

Esta colonização deu-se na necessidade de aliviar a pressão demográfica dos territó-rios dos Estados de maior densidade populacional, conjugada com a política exclu-dente de acesso à terra nestes, calcada no modelo de produção para exportação, combinado com a necessidade de modernização vinda através da mecanização, foi impulsionada com o estímulo oficial às migrações, sem grandes preocupações de cunho ambiental, no estilo do pensamento vigente à época, em que ocupação e inte-gração eram tidas como sinônimos de desenvolvimento. (INCRA, 2005, p. 17).

A força dessa afirmação se fundamenta num outro documento, desse mesmo Instituto,

com data de 1971, pelo qual o INCRA formula sua política de colonização e reforma agrária,

notando que cabe ao Instituto a tarefa de planejar e executar essas políticas e a ocupação dos

vazios populacionais. O referido documento:

Tem por finalidade definir a política de ação adotada pelo INCRA em relação aos Projetos de criação de Unidades Agrárias ou de Assentamento e lançar uma base pa-ra racionalizar a execução desses projetos, face uma perspectiva de Colonização e de Reforma Agrária compatível com a realidade brasileira. (INCRA, 1971, p. 5).

Ou seja, a política de “reforma agrária”, desenvolvida pelo INCRA, não era elaborada

em função da necessidade dos agricultores, mas “compatível com a realidade brasileira” que

nessa época era de crescimento econômico (o “milagre brasileiro”), inchamento das cidades

em virtude do êxodo rural e repressão política. Dessa forma, foi feita a opção pela ocupação

dos amplos espaços, os “vazios demográficos”. Com essa perspectiva o INCRA organizou,

principalmente em Rondônia, os PICs, projetos esses bem estruturados, do ponto de vista

formal e técnico, porém com pouco respaldo de infra-estrutura, que embora anunciada, era

61 Conforme análise feita pela Superintendência Regional de Rondônia, do INCRA, para o Plano Regional de Reforma Agrária do Estado de Rondônia – PRRA/RO – 2005-2006. Por seu lado o II PND admite com todas as letras que “é conhecida a relativa pobreza dos solos de terra firme, conquanto dada à vastidão da área, seja pos-sível identificar manchas de terra roxa e razoavelmente amplas áreas de fertilidade média, com necessidade de algum tratamento”. (BRASIL, 1974, p. 65, grifo nosso).

119

incipiente ou inexistente.

Em razão disso, podemos dizer que o migrante/colono executou sua parte: desbravou a

floresta, plantou e produziu. Entretanto, como o anseio do capital era outro (OLIVEIRA,

1989; MARTINS, 1983), não ofereceu o suporte técnico e infra-estrutural. Além dessa defici-

ência, o volume de migrantes ultrapassou as expectativas, dificultando, ainda mais, a já limi-

tada assistência oferecida.

O INCRA, antes de criar um PIC, fazia um detalhamento dos passos dessa programa-

ção. De acordo com o mesmo documento acima mencionado, a programação deveria partir de

uma “montagem do projeto”, passando para programação operacional, até chegar à fase da

execução. Essa, por sua vez, era constituída de três etapas: uma fase inicial, com a “instalação

da base física essencial”, em seguida a fase de consolidação, em que “o nível econômico pas-

sa a ser relacionado com a economia de mercado” e, finalmente, a fase de emancipação, em

que o Instituto “transfere o patrimônio existente à comunidade. Essa emancipação não signifi-

ca abandono por parte do Poder Público” (INCRA, 1971, p. 14-15).

Em tudo isso, o INCRA se propunha desenvolver acompanhamento aos agricultores

por meio de vários mecanismos, entre os quais a criação de uma “infra-estrutura social, com-

preendendo atividades que visam a fornecer à comunidade um suporte institucional adequado,

nos campos de saúde, habitação e educação” (Ibid, p. 18). A pergunta que podemos fazer é se

isso realmente se concretizou nos diversos projetos de ocupação.

Analisando, desde os meandros do Spvea62 (Superintendência do Plano de Valorização

da Amazônia) e suas alterações posteriores, podemos perceber que a principal finalidade da

atração de trabalhadores-migrantes para a Amazônia era atender aos interesses do capital a

fim de que ele, mais rapidamente, pudesse se apropriar de espaços cada vez maiores e mais

valorizados (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992; SOUZA, 1994; MARTINS, 1983). Outros au-

tores afirmam que foram sendo feitas “modificações importantes no que tange à posição do

Estado em relação ao tipo de desenvolvimento desejado para a região amazônica”. Podemos

observar que “o Estado pretende, fundamentalmente, preparar o terreno para o estabelecimen-

to do capital privado, restringindo-se aos investimentos de infra-estrutura, pesquisa e plane-

jamento, que requerem um montante de capital bem maior e com retorno a prazos mais lon-

62 Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia, órgão vinculado diretamente à presidência da Repú-blica, tinha por objetivo a elaboração de planejamento em vista da valorização e desenvolvimento econômico da Amazônia (SOUZA, 1994; LIMA; VELOSO, 2002). O Spvea foi extinto em 1966, sendo substituído pela Su-dam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) (CARDOSO; MULLER, 1978).

120

gos” (CARDOSO; MULLER, 1978, p. 114). As motivações da ocupação, portanto, não eram

as necessidades dos trabalhadores, mas os interesses do capital.

Antes da chegada massiva dos sulistas, eram os nordestinos que estavam ocupando a

Amazônia, e o norte de Rondônia. Noutras palavras, poderíamos dizer que o governo militar,

defendendo os interesses do capital nacional e internacional quis, ao mesmo tempo, afastar o

nordestino, para ele desqualificado, improdutivo e, consequentemente, visto como alguém

incapaz de consumir e inseri-lo num espaço a ser desbravado, podendo gerar algum dividen-

do, ao mesmo tempo em que desbrava a região, a fim de entregá-la ao latifúndio. Dessa for-

ma, para livrar-se desse não-consumidor, atira-o num imenso universo de florestas insalubres

(PARAGUASSU-CHAVES 2001), numa imensidão de “verde feito de nada”. É necessário

ter isso presente quando se lê a proposta de integração, pois ela visa “desenvolver o Nordeste

e ocupar a Amazônia, sem prejuízo do crescimento do centro-sul” (BRASIL, 1971, p. 25, gri-

fo nosso). Lembrando que esse desenvolvimento e essa ocupação estavam planejados para

serem feitos com os “incentivos fiscais” oriundos dos “bancos oficiais”, de modo que nada

prejudicasse nem interferisse no desenvolvimento do centro-sul.

Além disso, a reorientação das migrações se deve ao reconhecimento de que o “centro-

sul”, já nos anos iniciais da década de 1970 estava enfrentando os sérios problemas “típicos

da sociedade moderna” em que se verificava “crescimento explosivo de aglomerados urbanos”

(BRASIL (d), 1971, p. 26. Grifo nosso). Dessa forma, se fazia necessária a “reorientação” das

migrações. A Amazônia, portanto, passou a ser um depósito de indesejáveis e desqualificados,

segundo os ideólogos do governo militar, os quais insistem que:

O centro-sul continuará, como é natural, a absorver a maior parcela do capital físi-co do país em equipamentos, instalações e edificações tanto da indústria, quanto na agricultura. Para garantir as altas taxas de crescimento aí vigorantes, os novos pro-gramas relativos ao Nordeste e à Amazônia, como já ocorreu relativamente ao PIN e ao Proterra, deverão ser custeados, em princípio, pelos incentivos fiscais já existen-tes. (BRASIL (d), 1971, p. 26, grifos nossos).

Como se vê, os tecnocratas do regime privilegiaram o centro-sul em detrimento do

Norte-Nordeste, afirmando que estes últimos deveriam sobreviver com os “incentivos fiscais

já existentes”. Enquanto aquela região receberia maior investimento o Norte receberia os ex-

cedentes do Nordeste e recusados no Centro-Sul. Esse privilégio do “Centro-Sul” se devia ao

fato de formar “áreas mais desenvolvidas”; evitando que a “mão-de-obra não qualificada” do

nordeste, se dirigisse para o Cento-Sul; o que se pretendia fazer pela “reorientação dos fluxos

121

migratórios, a fim de evitar que se dirigissem para os núcleos urbanos do Centro-Sul” (BRA-

SIL, 1971, p. 25). Além disso, embora fosse uma região com problemas potenciais em razão

de superpopulação, essa região deveria ser consolidada com presença de indústrias de “tecno-

logia refinada”; recebendo, “como é natural”, maior investimento. (Ibid, p. 26).

E nesse ponto podemos perguntar que integração se pretendia, quando os recursos fi-

nanceiros a ela destinados, diz o documento, eram direcionados, “como é natural”, para o cen-

tro-sul? Como integrar se a ocupação e desenvolvimento do norte-nordeste deveriam ser cus-

teados apenas com os “incentivos fiscais já existentes”? O documento é incisivo ao dizer que

o processo de integração deveria ser realizado “sem desvio maciço do fator capital, do Centro-

Sul” e a prioridade da ocupação da Amazônia, deveria ser feita com os “reorientados” do nor-

deste; deveria acontecer “por meio de programas de baixo custo para o capital”. (BRASIL,

1971, passim). Podemos dizer que a integração pretendida não era regional em favor do as-

pecto social, mas em favor da concretização da entrada do modelo capitalista na Amazônia.

Embora não seja um fenômeno exclusivo dessa região, no I PND o Nordeste aparece

como a região dos sem-terra e sem-emprego63 (“mão-de-obra não qualificada”); o norte é a-

presentado como sendo o local que possui recursos naturais a serem explorados pela iniciativa

privada e para onde devem ser destinados os sem-terra e desempregados. Em face dessa situa-

ção é compreendemos porque esse documento, em várias oportunidades, afirme que se deva

privilegiar os investimentos no Centro-Sul a fim de “consolidar o desenvolvimento”. Enquan-

to a Amazônia deve ser ocupada “sem desvio maciço do fator capital, do Centro-Sul para es-

sas regiões”, processo a ser realizado com os excedentes do Centro-Sul e do Nordeste para,

depois da “amansada”, a região ser incorporada pelo capital.

Mais adiante, no mesmo Plano, são apresentadas algumas estratégias regionais e, tam-

bém messe ponto, aparece uma relativa despreocupação com o migrante, para aproveitar-se da

sua força de trabalho. Para isso era necessária a

integração do Nordeste com a Amazônia e o Planalto Central, estabelecendo o sis-tema de vasos comunicantes que permitirá a reorientação dos fluxos de excedentes de mão-de-obra do Nordeste, com seus encaminhamentos para aquelas regiões, em programas definidos, com recursos já existentes, e lhes assegurando níveis de pro-dutividade satisfatórios. (Ibid, p. 28, grifos nossos).

63 O II PND valoriza o desenvolvimento regional que o governo militar vinha realizando. “É de grande impor-tância o que está acontecendo no desenvolvimento regional [porque no Nordeste é que está o grande foco da ‘pobreza absoluta’] e na agricultura [porque é ali que está a massa de baixa produtividade e baixa renda]” (BRASI, 1974, p. 70).

122

Outra vez, está presente a afirmação de que seriam direcionadas as populações nordes-

tinas para a Amazônia. E isso a ser feito com os “recursos já existentes”. Ou seja, os planos

não contemplavam novos investimentos públicos. O governo militar, pelo que diz o documen-

to, se acomodava e aceitava que a produtividade se limitasse aos níveis “satisfatórios”, na

Amazônia. Diferente do que estava previsto para o centro-sul, onde se deveriam concentrar

esforços para que não cessasse o processo de desenvolvimento. Para o poder central, mais

desenvolvimento possibilitando mais lucro e poder; para as regiões marginais, aquilo que fos-

se suficiente para que não houvesse revoltas.

No II e III PND, a visão sobre a Amazônia não é diferente, no que diz respeito ao in-

vestimento e ocupação. O que muda a partir do II Plano é que os contingentes populacionais

que foram deslocados para a Amazônia chegavam prioritariamente do sul.

O fato é que o crescente fluxo de migrantes ocasionou, também, crescentes conflitos

(PERDIGÃO E BASSÉGIO, 1992; MARTINS, 1983; OLIVEIRA, 1989). Enquanto estavam

chegando apenas os migrantes nordestinos, principalmente mais ao norte, os conflitos ainda

eram pequenos, pois o número de migrantes não era tão grandes. Entretanto, na região de

Rondônia, com a chegada dos colonos sulistas, principalmente a partir de meados da década

de 70 do século XX, começaram a surgir inúmeros conflitos. Os sulistas queriam trabalhar a

terra e o INCRA não tinha condições de organizar a infra-estrutura anunciada (INCRA, 2005).

O número de migrantes que entrou em Rondônia foi crescendo ano a ano. Com dados

da Seplan, num artigo na versão eletrônica do periódico Primeira Versão, Cim (2002) afirma

que “A migração tradicional para o Estado de Rondônia era constituída principalmente por

nordestinos, a atual é procedente, em sua maioria de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do

Sul, Espírito Santo” entre os anos de 1977-1986. E foram, principalmente, esses migrantes

sulistas que efetivaram a ocupação sistemática de Rondônia.

O II PND registra os avanços produzidos pelos “grandes investimentos, através (sic)

principalmente do PIN” e mencionados no I PND. Esses investimentos, considerados indis-

pensáveis para o desenvolvimento da Amazônia, corresponderam a

implantação de grandes eixos de penetração rodoviária, a revitalização da navegação fluvial, o aumento da oferta de energia aos núcleos urbanos de maior porte, a intro-dução de moderno sistema de comunicações, a prospecção de recursos naturais. (BRASIL, 1974, p. 65).

Na perspectiva do II Plano, esses investimentos infra-estruturais deveriam ser explora-

123

dos para efetivar a ocupação da Amazônia, como podemos ler na análise do documento “é

necessário, agora, tirar proveito dessa infra-estrutura, para a estratégia de ocupação produti-

va da Amazônia”. Podemos perceber que a preocupação dos tecnocratas era com a riqueza

provinda dos “recursos naturais”. Para tanto o texto do II Plano destaca duas bases de ocupa-

ção: pela “utilização dos eixos naturais” de migração “originário do Paraná e de São Paulo

passando por Mato Grosso e encaminhando-se para Rondônia”; e a ocupação “por áreas sele-

cionadas (e, pois, espacialmente descontínuas) escolhendo as terras mais férteis”64 (BRASIL,

1974, p. 65, grifos nossos).

Dessa forma, Rondônia entra efetivamente na discussão da ocupação da Amazônia.

Passa efetivamente a fazer parte, não mais dos problemas representados pela imensidão dos

perigos e dificuldades da floresta amazônica (GRAIG, 1947; LEAL, 1984; PARAGUASSU-

CHAVES, 2001), mas das possibilidades de solução dos problemas do sul-sudeste enfrenta-

dos pelo modelo capitalista ali implantado.

Outra evidenciação de que a Amazônia, para os tecnocratas do sistema, era local de

uso e exploração, é o fato do Polamazonia, no mapa do II PND, prever 7 pólos agropecuários

e madeireiros, 6 pólos agro-minerais e apenas 3 pólos urbanos, representados por São Luiz

(MA), Belém (PA) e Manaus (AM). Nem as capitais dos demais estados (ou território, no

caso de Rondônia) aparecem como pólos urbanos. Também não entra em discussão a questão

ambiental, pois nesse período ela ainda estava engatinhando, embora no II PND se mencione

a necessidade de projetos de “regeneração conduzida e reflorestamento”, com a finalidade de

efetuar exploração racional de floresta “renovada continuamente e evitar a atividade de devas-

tação ora existente”. Além disso, é possível destacar que nos Planos os tecnocratas do sistema

repetem a previsão de necessidade de os projetos de colonização preverem programas para a

educação com pelo menos “escola primária”, mas a perspectiva de instalação de pólos urba-

nos é ínfima, em relação aos outros pólos de caráter econômico-exploratório. E isso oportuni-

za a indagação sobre a prioridade que se daria à instalação de escolas, sendo que a preocupa-

ção não era, na Amazônia, com educação e cultura, mas com a exploração dos recursos natu-

rais.

Por sua vez, o III PND é apresentado como sendo mais dinâmico, ou “flexível”, como

diz o texto do documento, e preocupado com as condições em que se encontravam os traba-

lhadores. Em razão disso podemos entender sua confessada atenção para com o acesso aos

64 Retomando, aqui, a afirmação de que se sabia da não fertilidade das terras amazônicas, por isso a necessidade da “escolha” das áreas consideradas “mais férteis”.

124

bens sociais de educação, saúde e moradia, entre outros. Entretanto, o mesmo documento a-

firma que ainda não se atingiu o já antigo desejo de integração e desenvolvimento regional.

Por isso, entre os “grandes objetivos nacionais”, está a preocupação com a “redução das dis-

paridades regionais”. E o III Plano estabelece o objetivo de desenvolver políticas melhor ela-

boradas para o Nordeste e Amazônia.

Uma política adequada de distribuição de renda exige, ainda, que se privilegie o de-senvolvimento de áreas densamente habitadas e carentes de recursos – caso do Nordeste; assim como as grandes áreas que exigem cautela e disciplina na efetiva incorporação à economia nacional, a exemplo da desejada ocupação não predatória da Amazônia. (BRASIL (a), 1980, p. 19, grifos nossos).

Podemos verificar que já se passaram dez anos desde o primeiro para este terceiro

PND, e alguns problemas permaneciam exigindo atenção: a integração regional; a carência

nordestina e a “desejada” ocupação da Amazônia, que agora aparece com uma preocupação a

mais: deve ser feita de forma “não predatória”. Mas é exatamente o oposto que ocorre. A ren-

da nacional não foi dividida, o Nordeste continuou enfrentando problemas seculares e a Ama-

zônia, apesar das avalanches humanas que chegaram à região, não a ocuparam por inteiro,

nem tiveram acesso pleno aos seus recursos naturais, e a ocupação colonizadora ocorreu de

forma predatória, tanto na exploração agropecuária como na mineração. E, como veremos

adiante, a política educacional, propalada nos Planos, também não se efetivou a contento.

Como estamos vendo, uma das idéias que perpassam os três PNDs refere-se à integra-

ção nacional que, na realidade, se concretizou como transposição de contingentes populacio-

nais e não como desenvolvimento das regiões periféricas, notadamente, a Amazônia e o Nor-

deste. Outra característica, esta menos marcante, mas presente nos PNDs, é a preocupação

com a educação. Para esta dimensão dos PNDs o governo militar reestruturou o sistema esco-

lar do país, como já comentamos no item anterior deste capítulo.

Dentro desse contexto e com esse pano de fundo é que devemos olhar para a Amazô-

nia e para Rondônia quando queremos entender o processo de estruturação da educação na

região.

Em relação à Amazônia, o estudo de Anselmo A. Colares (1998) mostra uma das faces

da ação do governo militar nesta região. É verdade que o autor analisa a intervenção do go-

verno militar em relação a Santarém, mas o que ali aconteceu assemelhou-se ao que ocorreu

em outras regiões da Amazônia. Com a abertura dos projetos de colonização, inúmeras famí-

lias foram atraídas para a Amazônia. Todos esses migrantes não se fixaram somente na área

125

rural. Formaram inúmeras novas aglomerações urbanas que se transformaram nas atuais cida-

des. Dessa forma, como diz o autor, a “composição populacional” foi se alterando, fazendo

surgir novas necessidades, entre elas a necessidade de escolas. É uma configuração nova que

força o poder público a novas alternativas e, continua o autor, “a escola passou a ser uma das

novas necessidades”, pois os migrantes chegados do sul-sudeste, (ou da área rural, para as

cidades que estavam se formando, como é o caso analisado, de Santarém), querem uma ocu-

pação para os filhos e uma alternativa para o desemprego. Dessa forma, a escola

Representava não apenas uma promessa de futuro melhor, mas também um espaço, considerado pelos pais como adequado para manter as crianças em atividade e sob vigilância embora isso representasse uma despesa a mais tanto no que diz respeito aos materiais escolares como o pagamento das taxas que eram estipuladas e cobra-das a título de colaboração através das denominadas caixas escolares. (COLARES, 1998, p. 146).

No entanto, a política educacional na Amazônia pode ser vista como uma extensão das

políticas que o capital criou para aliviar o sul-sudeste. As escolas passam a fazer parte do pro-

cesso da divulgação da Amazônia e, no caso de Rondônia, o território passa a ser apresentado

como um novo Eldorado (ARRUDA, 1977). Também podemos dizer que este último faz par-

te de alguns dos “mitos” (OTT, 2002) que se formaram a respeito da Amazônia e de suas po-

tencialidades e vantagens.

Esse autor elenca oito mitos sobre a Amazônia. São eles: “mito da homogeneidade”,

“mito do vazio amazônico”, “mito da imensa riqueza e extrema pobreza”, “mito do indígena

como obstáculo ou como modelo para o desenvolvimento”, “mito de pulmão do mundo”,

“mito de solução para os problemas da periferia”, “mito da Amazônia como área rural”, “mito

da internacionalização da Amazônia” (OTT, 2002, p. 81-83).

Podemos dizer que três mitos foram agrupados e estiveram presentes no planejamento

e na colonização de Rondônia: o “mito de solução para os problemas da periferia”, o “mito da

Amazônia como área rural” e o “mito do vazio amazônico”. O vazio poderia ser preenchido

com os trabalhadores desempregados das periferias urbanas das grandes cidades do sul-

sudeste e assim se resolveria, também, o mito da solução para os problemas da periferia da-

quela região, lembrando que muitos dos que migraram eram trabalhadores rurais e que seriam

absorvidos no mito da Amazônia rural. O mito da Amazônia, como área rural, permaneceu na

crença de que esta é uma região destinada à criação de gado.

Esses diferentes mitos, utilizados em conjunto ou isoladamente, foram dis-seminados e incorporados à representação popular, gerando imagens-sínteses

126

que variavam do ‘inferno verde’ ao ‘paraíso perdido’. Eles foram construídos para explicar a Amazônia e desconstruídos cada vez que a complexidade da região mostrou-se maior que o seu poder explicativo. De qualquer modo, um mito permanece incólume: a Amazônia pode e deve ser desenvolvida através da intervenção planejada, consubstanciada em programas e projetos. (OTT, 2002, p. 83).

Essa afirmação do autor é corroborada por Maria Isabel de Moura (1997), dizendo que

nas “ultimas décadas” a educação foi apresentada como tábua de salvação, discurso tão ao

gosto da classe dominante. Ou, usando as palavras da autora: “a educação passa a ser reco-

nhecida como um instrumento privilegiado para a ‘correção’ das iniqüidades existentes na

sociedade contemporânea” (MOURA, 1997, p. 33). Embora seu discurso esteja contextuali-

zado, tendo por base o curso de Letras da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), pode

ser usado para mostrar os interesses do governo militar em transferir para a Amazônia e, par-

ticularmente para Rondônia, o ônus da “integração nacional”. Dessa forma, se fazia necessá-

rio não só apresentar a Amazônia como um vazio humano, como apresentá-la como espaço

privilegiado para nele ser desenvolvido um processo educativo capaz de satisfazer a expecta-

tiva de escolarização a ser oferecida aos filhos dos colonos.

Tendo presente esse quadro, podemos afirmar que a política educacional aplicada à

Amazônia destinava-se a dar suporte à propaganda sobre a região, ou seja, a educação fazia

parte do pacote de divulgação da Amazônia. Integrava os ingredientes que ajudaram a funda-

mentar o processo da criação da idéia não só da Amazônia como também e, principalmente,

de Rondônia como novo Eldorado ou como possibilidade de solução para os problemas pelos

quais passavam os migrantes em seus locais de origem. Assim, se a “Amazônia foi inventa-

da65 para estar ligada ao mercado internacional” (MOURA, 1997, p. 21), Rondônia foi “in-

ventada” para dar suporte e acolhida ao processo de esvaziamento do sul-sudeste pela expul-

são dos excedentes.

Confirmando isso, observemos o papel da educação, em um dos documentos do IN-

CRA, onde podemos ler, na Introdução do programa número 7 (justamente o da educação), do

manual Metodologia para Programação Operacional dos Projetos de Assentamento de Agri-

65 A idéia de “invenção” aplicada ao processo de divulgação de uma região a fim de que colonos se voltassem para ela, é comentado por Faoro (1977). O autor mostra que foi necessária uma justificativa ideológica para que possíveis colonos europeus se decidissem a se aventurar no Brasil e a América, de modo geral. Para que isso acontecesse foi necessário “além da descoberta, suscitar a invenção de modelos de pensamento e de ação” (FA-ORO, 1997, p. 99). Em relação à Amazônia mencionemos o estudo de Gondim (1994), mostrando o processo do discurso de convencimento em relação à Amazônia. Defendemos a idéia de que a propaganda do governo militar sobre Rondônia, foi uma forma de criar uma perspectiva de aceitação a fim de que os desempregados e sem-terra de outras regiões se voltassem para Rondônia, colonizando o, então, território.

127

cultores, organizado pelo INCRA (1971) que fundamentou a organização dos PICs:

Considerando a necessidade de se preparar as populações rurais para a compreen-são e aceitação do processo de Colonização e de Reforma Agrária e obter sua parti-cipação no mesmo, o INCRA propõe-se a integrar seus objetivos com os da Educa-ção, procurando fornecer elementos para a adequação do ensino às necessidades da região e das áreas onde atua. (INCRA, 1971, p. 99, grifos nossos).

A preocupação não se localiza no processo educacional, mas em “preparar” a popula-

ção para “a compreensão e aceitação” do processo que o Instituto chamava de Reforma Agrá-

ria. Isso, mais uma vez, reforça a afirmação da apresentação de Rondônia como válvula de

escape e, pior ainda, de como os migrantes e trabalhadores foram “convencidos” a migrar

para a Amazônia.

Na postura do INCRA, está presente a idéia de que deveria haver colaboração entre

órgãos oficiais ligados à educação, nos três níveis: federal, estadual e municipal, visando “in-

tegrar a atuação desses órgãos aos objetivos específicos da Reforma Agrária e da Coloniza-

ção” (INCRA, 1971, p. 100). Isso, mais uma vez, reforça a idéia de que o objetivo não é a

educação, mas a instalação dos colonos numa região não industrializada, “quase” desabitada,

e, portanto, longe de eventuais confrontos que poderiam estar presentes, nos grandes centros

em que se desenvolvia o processo de industrialização. Isso explica a afirmação do documento,

dizendo que pretende “integrar seus objetivos com os da educação” não em favor de melhori-

as da educação, mas como caminho para que os colonos compreendam e aceitem as ações do

INCRA.

Além disso, a ação educacional, no território, esteve comprometida em virtude da falta

de força de trabalho para a docência. O território de Rondônia não contava com profissionais

para atender às necessidades educacionais, como podemos comprovar pela leitura do Plano

Territorial de Educação, de 1976, o qual afirma claramente que:

o quadro de profissionais adequadamente preparados para o exercício das atividades educacionais é de absoluta carência de técnicos especializados em educação para atuar a nível de sistema [sic], de supervisores, de orientadores educacionais, de ad-ministradores e de professores. (RONDÔNIA, 1976, p. 47, grifos nossos).

Isso que acontecia em Rondônia, era um reflexo do que ocorria em toda a Amazônia

(COLARES, 1998). Ou seja, o INCRA – e depois também o MEC – previa, em nível nacio-

nal, um padrão de atuação, mas quando se dirigiu para a Amazônia confrontou-se com uma

128

realidade absolutamente distinta e precária. Havia “abundância de terra”, mas carência de

todos os recursos, e a educação, com seu quadro de pessoal e equipamentos defasados estava

no meio dessas carências. Podemos dizer, portanto, que a ação do capital, para a Amazônia,

jogava e contava com o mito do “vazio Amazônico” (OTT, 2002) para se instalar e atrair os

colonos expulsos do sul-sudeste.

Dessa forma, uma possível “parceria” entre governo federal, territorial e municipal fi-

cava comprometida. Não porque o território não o quisesse, mas porque não havia o que ofe-

recer como recursos humanos. Só com o transcorrer do tempo é que o processo migratório foi

atraindo migrantes com algum preparo para a atuação em educação.

Em síntese, a definição das políticas educacionais, para a Amazônia, ao menos no pe-

ríodo que estamos analisando, não se resumiam àquilo que o Ministério da Educação previa

ou estabelecia. Havia também o que as secretarias estaduais – ou territoriais – e os municípios

definiam, em consonância com os Planos Setoriais do MEC. Além disso, havia que se levar

em conta a disponibilidade do INCRA, que detinha um orçamento próprio para a região, esta-

belecia em seus projetos, nos programas de colonização e para reforma agrária. Isso implica

dizer que o Ministério do Interior (o Plano Territorial de Educação de Rondônia, de 1976, é

assinado pelo Governo do Território e pelo Ministério do Interior) e Ministério da Agricultura

também opinavam sobre as políticas a serem desenvolvidas na Amazônia – o que, de certa

forma, é compreensível se levarmos em conta que a política é do Estado e não do MEC, isola-

damente. E tudo isso se reflete em Rondônia, que era o principal ponto para onde eram envia-

dos os migrantes-colonos nas décadas de 1970 e 1980. Isso pode ser comprovado quando ma-

nuseamos documentos do INCRA, que era um braço do Ministério da Agricultura, e mesmo

os Planos Territoriais de Educação (RONDÔNIA, 1976; 1980) ou os Diagnósticos Educacio-

nais do Território de Rondônia (1977; 1980).

Podemos dizer que a ação desenvolvimentista no norte do Brasil, no sentido de abrir

frentes de ocupação territorial, era coordenada e realizada pelo braço executor do Ministério

da Agricultura, o INCRA, que, neste caso, executava também ações ligadas à educação. Ou

seja, a ação pública em Rondônia, executando as políticas do governo militar, era realizada a

partir das ações do INCRA.

Dessa forma, o Ministério da Agricultura oferecia suporte ideológico – e operacional –

ao distribuir a terra e afirmar possibilidades de amplo acesso a ela, e ao difundir a idéia de que

havia suporte infra-estrutural. Por sua vez, o Ministério do Interior oferecia suporte financeiro

e técnico ao auxiliar no planejamento de várias ações, entre elas as ações escolares. Tanto que

129

na capa do Plano Territorial de Educação e Cultura (RONDÔNIA, 1971), o primeiro crédito é

do Ministério do Interior. Só depois aparece o Governo do Território e a Secretaria de Educa-

ção e Cultura. E a mensagem inicial desse mesmo Plano é assinada pelo diretor da Sudeco

(Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste), ligado ao Ministério do Interior.

Nessa mensagem, o diretor da Sudeco afirma que o Plano Territorial nasceu em conso-

nância com o II PND – ligando a ação escolar do território ao desenvolvimentismo do gover-

no militar. Talvez por isso mostrou o encadeamento das ações e das responsabilidades a par-

tir desse Plano.

A partir dele e para a consecução dos objetivos por ele previstos, foram sendo cria-dos programas específicos a serem aplicados nas chamadas áreas de programação especial, todos eles buscando muito mais que o simples desenvolvimento econômi-co, um desenvolvimento social feito através e com a ativa participação do homem da região e para seu benefício. (RONDÔNIA, 1976).

Por sua vez o Diagnóstico Educacional de Rondônia, datado de 1980, afirma que o

Ministério do Interior “apontou as deficiências e dificuldades da administração na área educa-

cional, estabelecendo algumas diretrizes que visavam descentralizar e definir as funções edu-

cacionais” (RONDÔNIA, 1980, p. 47). A ação educacional, no território, ficava como que

subordinada não ao Ministério da Educação e Cultura, mas ao Ministério do Interior, que tem

por base o II PND e os Planos Setoriais do MEC. O fato é que a ação era desenvolvida pelo

Minter, como se lê na mesma mensagem do diretor da Sudeco, já mencionada:

Baseada e instruída pelo II Plano Setorial de Educação para 1975-79, elaborado pelo Ministério da Educação, o apoio à confecção deste Plano bem demonstra a preocu-pação do Ministério do Interior, através de seus vários órgãos, no sentido de prestar sua efetiva colaboração à atuação específica dos diversos Ministérios na gigantesca tarefa que é de todos. (RONDÔNIA, 1976, grifo nosso).

Com esse discurso e essa prática, o governo militar procurou se justificar e se tornar

conhecido por meio de grandes obras como a Transamazônica, Itaipu, entre outras, as quais

pretendiam mostrar o espírito empreendedor e desenvolvimentista do governo; evidenciar a

pujança da economia, que vivia a época do milagre, além de, como se observa em vários do-

cumentos e neste texto, dar a impressão de que a população realmente participava das ações.

É dessa forma que podemos entender a menção a essa “gigantesca tarefa que é de todos”. Mas

também devemos notar que a ação para a educação estava presente como uma das preocupa-

ções do Minter. Ou seja, ao implantar projetos de colonização, organizado e mantido pelos

130

Ministérios do Interior e da Agricultura, o governo militar lançava mão do MEC, como já foi

dito, para confirmar ou realizar aquilo que estava previsto no cronograma dos outros dois mi-

nistérios.

O Ministério da Educação e Cultura, em Rondônia, tornou-se uma presença mais cons-

tante e definitiva a partir da década de 1980. No Diagnóstico de 1977, em que era discutida a

“ Implantação e Implementação de Habilitação a Nível de 2º Grau”, uma das bases de sua

reflexão eram os Planos Setoriais de Educação, do MEC e a lei 5.692/71. Mesmo assim o ter-

ritório ainda mantinha vínculos com o INCRA. Observemos que, a partir do diagnóstico de

1980, a vinculação com o MEC, embora estivesse presente pela dimensão legal, ainda men-

ciona as dificuldades educacionais apontadas pelo Minter. Por sua vez o Plano de Educação,

Cultura e Desporto (PECD), do Governo de Rondônia, para 1981-85, já mencionava explici-

tamente o III Plano Setorial de Educação Cultura e Desporto (Psecd), do MEC, corresponden-

te ao mesmo período de 1981-85. Podemos dizer que os Diagnósticos e Planos Territoriais de

Educação, embora sejam elaborados tendo em vista o sistema escolar, ainda mantinham afini-

dades com os outros ministérios. Mesmo porque a vida política, econômica e o próprio desen-

volvimento do território vinculavam-se aos outros ministérios. Somente a partir do Plano de

Educação, Cultura e Desporto, de 1981-85 é que foi traçado um perfil mais autônomo do sis-

tema educacional do território. E isso é fácil de ser entendido, porque foi justamente nesse

período que estavam se desenvolvendo ações e efetivando mudanças estruturais, a partir das

quais o território iria passar à condição de estado, em 1982: portanto, dentro do contexto e da

vigência do III PND e do III Psecd.

Como podemos ver, foi dentro desse quadro que a Secretaria de Educação e Cultura do

Território de Rondônia elaborou seus primeiros planos de educação, tendo por base: a lei

5.692/71, as orientações do MEC e seu III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto.

Em resumo, o território criou algumas estruturas escolares, mas vinculadas, em seu nascimen-

to, a outros ministérios. A vinculação efetiva e definitiva ao MEC se deu a partir dos anos

1981-85, quando se planejava e se efetivou a criação do Estado de Rondônia. A ligação com

outros ministérios se devia ao fato das características da colonização.

Levando-nos pelo que afirma Fujihara (2005), “entender a dinâmica de migração de

Rondônia é fazer uma leitura de determinados momentos da realidade social brasileira” (FU-

JIHARA, 2005, p. 118). Ressaltando que essa realidade ganhou novo perfil a partir da segun-

da metade do século XX, mais especificamente, a partir da década de 1970, como diz a mes-

ma autora, afirmando ser a “década de 1970 um divisor de águas, resultado de políticas dirigi-

131

das que se confundiam com propostas de solução de problemas implantados pelo capitalismo

no campo” (Ibid, p. 113). Nesse período, Rondônia foi lançado no mapa da reestruturação das

políticas públicas e, consequentemente, de um sistema escolar de resultados.

Uma demonstração de que as políticas do território eram um prolongamento das políti-

cas federais pode ser vista na idéia desenvolvimentista dos PNDs e Planos Setoriais e que se

repetem na “palavra do governo”, em 1976, por ocasião do lançamento do (PTEC) Plano Ter-

ritorial de Educação e Cultura. Diz o governador:

A Educação, todos sabem, é fator básico para o desenvolvimento. O que nem todos aceitam, todavia, refere-se ao ônus da paciência e da perseverança no processo – combinado com irresistível apelo à criatividade. Em educação, a maciça inversão de recursos financeiros não substituiria a aplicação daqueles preceitos; não anteciparia resultados efetivos, nem, jamais, nos isentaria, governo e povo, dos compromissos que temos com nosso meio e com nossa história.

O Plano Territorial de Educação e Cultura, na oportunidade do seu lançamento, evo-ca os princípios que nos animam à conclamação do “VAMOS FAZER ACONTE-CER”, para o futuro do Território Federal de Rondônia. (RONDÔNIA, 1976, grifos nossos, maiúscula no original).

Cabe registrar o anseio desenvolvimentista na chamada ao “compromisso” com a “cri-

atividade”. Além disso, podemos perceber o apelo à participação, como que negando o con-

texto ditatorial em que a nação se encontrava, quando o governador conclama “governo e po-

vo” para o desafio do “fazer acontecer”. Observemos, também, que se trata de um discurso

demagógico, evidenciando uma contradição do regime. Insere-se numa conjuntura nacional

em que o “povo” não tem espaço político, pois está afastado de um dos princípios da moderna

democracia, que é o de eleger seus representantes. E isso se efetiva duplamente no território,

pois os governos territoriais eram escolhidos por determinação do governo federal e a ditadura

também havia tirado da população o direito do voto. Essa realidade conjuntural, naquele mo-

mento, não impediu o governador de se estribar na necessidade de “compromisso” do “povo”

que ele, governava, mas do qual não era representante.

O mesmo caráter desenvolvimentista está presente na já citada mensagem do diretor de

recursos humanos da Sudeco (RONDÔNIA, 1976), destacando a intervenção e auxílio do

Ministério do Interior na elaboração desse Plano Territorial de Educação e Cultura. Ou seja, o

discurso do diretor, nessa mensagem inicial do Plano, mais uma vez evidencia a continuidade,

na região e no Território, das políticas do governo federal. De acordo com esse raciocínio, o

PTEC é uma concretização regional do II PND e do PSEC, ambos para o período de 1975-79.

Aqui se afirma que foi “a partir dele [II PND] e para a consecução dos objetivos por ele pre-

132

vistos, que foram sendo criados programas específicos”. (RONDÔNIA, 1976). Ao concluir

sua mensagem, esse diretor destaca o que chama de “engajamento” do governo do território

de Rondônia nas atividades conjuntas com as instâncias regionais e nacionais. Daí a afirma-

ção da “esperança” de que sejam atingidos os “objetivos comuns”, notando que são comuns

aos órgãos e instituições nacionais, regionais e territoriais e aos trabalhadores e colonos que

chegam a Rondônia.

Essa preocupação desenvolvimentista se justificava em face aos II e III PNDs, que

previam a necessidade de integração e desenvolvimento da Amazônia e a necessidade de su-

peração da completa carência do sistema educacional, no Território. Aliás, situação semelhan-

te àquela mostrada por Colares (1998) para a realidade de Santarém, permitindo-nos dizer que

essa situação de carência era comum à região amazônica. Em relação a Rondônia o PTEC

afirma, além da “absoluta carência de técnicos especializados em educação”, a existência de

outras carências:

O elevado índice de professores não titulados chega a 30% no início do 1º grau nas zonas urbanas da capital e de Guajará-Mirim. Nas zonas rurais essa situação é pre-dominante. [...].

No 2º grau a situação do corpo docente não é muito melhor que a do 1º grau. É com-posto em grande parte de profissionais liberais das mais diferentes espacializações sem adequada formação pedagógica e presença de professores leigos ou com insufi-ciente formação é elevada até mesmo em Porto Velho. (RONDÔNIA, 1976, p. 47, grifos nossos).

Como assinala o PTEC, o quadro geral do território manifesta essa “absoluta carência”

em que “profissionais liberais” e “professores leigos” eram convocados para o exercício do

magistério, mesmo onde isso poderia não acontecer, na capital do território, mas a carência

acontecia “até mesmo em Porto Velho”.

Feita essa ressalva, podemos continuar a comentar o PTEC, onde se pode ver mais

uma face da política educacional do território, também em sintonia com a proposta dos PNDs.

No plano Territorial também aparece a afirmação da necessidade de qualificar os profissionais

da educação. No caso do Território de Rondônia, o PTEC de 1976 previa a “montagem de um

programa de treinamento de professores e habilitação intensiva de docentes através (sic) da

Universidade Federal do Pará” (RONDÔNIA, 1976, p. 47) o que de fato se efetivou nos anos

seguintes, como também se cumpriram outros programas de treinamento de professores, como

o Logos II. Podemos ler no Diagnóstico para Implantação e Implementação de Habilitações

a Nível de 2º Grau, de 1977, que no caso particular da cidade de Porto Velho, já eram ofere-

133

cidos cursos superiores para habilitação dos professores leigos através de cursos de “Esquema

I e Esquema II”66 (RONDNIA, 1977, p. 32). Esse quadro de carência só começou a melhorar

com a criação, em 1982, da Universidade Federal de Rondônia, (MOREIRA, 2003). A UNIR

foi criada a partir de uma instituição ligada à prefeitura municipal de Porto Velho, a Fundação

Centro de Ensino Superior de Rondônia (Fundacentro). Entretanto, somente a partir de 1983

começou a oferecer cursos de Licenciatura.

As escolas também merecem uma menção especial. Conforme lemos no PTEC, muitas

delas eram construídas pelo INCRA, o que é confirmado pelo Instituto (INCRA, 1971). Al-

gumas delas já eram equipadas, enquanto outras eram “escolas provisórias, [que] constituem

outro tipo existente. É constituído com uma construção tosca de madeira ou palha, coberta de

tábuas ou paxiúba”. (RONDÔNIA, 1976, p. 35). Como podemos perceber a deficiência não se

resumia ao quadro profissional, mas também abrangia as instalações em que deveriam aconte-

cer as aulas. Aliás, essa descrição de construções toscas para abrigar escolas é uma constante

no Território. Vamos encontrar essa mesma situação em relação às primeiras escolas de Ro-

lim de Moura, conforme veremos no terceiro capítulo.

A mesma afirmação vale em relação à “assistência ao educando”. Podemos dizer que

essa assistência se resumia quase que exclusivamente à distribuição da merenda, como infor-

ma o PTEC: “As escolas do INCRA e das sedes das localidades no meio rural não prestam

qualquer tipo de assistência além da distribuição da merenda escolar”. Na capital a realidade

não era diferente, pois em 1976 “não há, ainda, assistência em termos de atendimento médico

odontológico ou psicológico regular e sistemático” (RONDÔNIA, 1976, p. 48). No ano se-

guinte, além da merenda, informa-nos o mesmo Plano, começou a ser feita a distribuição de

“material de consumo e didático: distribuição de cadernos, lápis, borracha e réguas atendendo

a 32.000 alunos, no valor de Cr$ 369.600.000,00”. Além disso, foi feita a “distribuição de

100.000 exemplares” de livros didáticos e concessão de 152 bolsas de estudo “beneficiando

152 alunos” (Ibid, p. 49).

Ouvindo uma das antigas professoras do território, lotada em Rolim de Moura, a partir

de 1976, podemos entender melhor uma face dessas dificuldades em que viviam não só os

burocratas, para atender aos alunos, como principalmente os alunos por ter assistência muito

66 O MEC regulamentou os cursos de Esquema I e Esquema II, pela Portaria nº 432/71, (19/07/71) “Normas para organização curricular do Esquema I e do Esquema II”, destinando à “complementação pedagógica”, como diz o artigo 1º dessa portaria: O currículo dos cursos de grau superior para formação de professores de disciplinas especializadas do ensino médio, relativas às atividades econômicas primárias, secundárias e terciárias, dividir-se-á em dois esquemas: a) esquema I, para portadores de diplomas de grau superior relacionados à habilitação pre-tendida [...]; b) Esquema II, para portadores de diplomas de técnico de nível médio.

134

limitada; além de, como mostra o depoimento, entender a dificuldade dos funcionários em

fazer o trabalho de atendimento:

A gente recebia a merenda, mas quase nunca tinha como distribuir, nas linhas. Man-davam um carro trazer a merenda pra cá [Rolim de Moura]. Aí, a gente tinha que distribuir nas linhas. Até onde ia o carro a gente ia com o carro. Depois acabava de chegar na escola (sic) a pé, com a caixa de merenda nas costas.

E não tinha ajudante. O motorista é que tinha que ajudar. E a gente tinha que distri-buir rápido para não perder.

Bastante tempo depois, quando as coisas já estavam bem melhor, mandaram um caminhão para transportar, mas ainda era difícil, pois o caminhão atolava nos bura-cos. Aí, a gente fazia o tal do “macaco baiano” que a turma falava, para desatolar o caminhão. Mesmo assim, ainda não chegava a todas as escolas e muita merenda perdia. (ENTREVISTADA F).

Essa realidade indica uma face da disparidade entre o surto populacional que se deu

nos anos aqui focalizados e a permanência das dificuldades, tanto de assistência ao educando

como na escolarização dos professores. A contradição se evidencia entre o que é afirmado

como algo a se realizar, dentro da perspectiva desenvolvimentista, e a realidade manifestada

nos planos e diagnósticos, mostrando um quadro de completa carência o que é confirmado

pelo depoimento de nossos entrevistados. Aliás, a partir desses depoimentos podemos dizer

que as dificuldades e carências, no dia-a-dia das escolas e na vida dos professores e alunos,

eram muito maiores do que aquelas mencionadas nos documentos oficiais. O desenvolvimen-

tismo expresso nos PND, que recomendava a ocupação da Amazônia e que permitiu a poste-

rior criação do estado de Rondônia, na prática de sua operacionalização, estava enfrentando os

problemas do cotidiano e das contingências não só físicas – dificuldade de acesso e clima ad-

verso – como também humanas, pois a falta de força de trabalho especializada nos vários se-

tores e falta de professores habilitados na área específica da educação provocavam o apareci-

mento de uma Rondônia menos agradável e receptível que aquela almejada pelo colono ou

prometida pela propaganda nos locais de origem dos migrantes, caracterizando o “embuste”

ou a “trajetória da ilusão”, como já assinalamos anteriormente.

Em 1980, o ainda Território de Rondônia, por intermédio da Secretaria de Educação e

Cultura, elaborou mais um Diagnóstico Educacional de Rondônia, no qual fez um balanço do

que chama de “Evolução da Estrutura Administrativa da SEC”. E, em 1981, a Secretaria de

Educação e Cultura lançou um novo Plano de Educação, Cultura e Desporto (PECD), em sin-

tonia com o Psecd do MEC. É possível perceber que nesse momento a sintonia com o MEC já

se torna mais evidente. Podemos dizer que tudo isso foi feito as vésperas do território se tor-

135

nar estado; ou dito de outra forma, foi feito em vista da transformação do território em estado.

No Diagnóstico, foi feito um histórico da evolução administrativa do território, mos-

trando que, em 1969, haviam sido criadas seis secretarias as quais, dez anos depois, em 1979,

foram reformuladas, quando algumas delas foram desmembradas e o Território passou a ter

dez secretarias. Até essa data, a educação estava ligada a um amálgama de serviços vincula-

dos à Secretaria de Educação, Saúde e Serviço Social. Em 1979, a educação e a cultura foram

desmembradas em uma secretaria específica, a exemplo do MEC. Nesse contexto, a Secretaria

de Educação, que desempenhava funções coordenativa e executiva, passou a ser somente ór-

gão coordenador, entregando aos municípios a função de executores das ações educacionais.

A partir de então, “realizam-se esforços tendo em vista a estruturação e dinamização adminis-

trativa do Sistema Educacional de Rondônia” (RONDÔNIA, 1980, p. 47) – a perspectiva é a

estruturação do estado. Entretanto, no período 1973-75, ainda havia estreita dependência do

território em relação ao Ministério do Interior e Sudeco. Mas no final dessa década, e princi-

palmente no início da década de 1980, já pensando na elevação do território à categoria de

estado, foram realizadas essas reformulações. Dentro desse contexto, também foi organizado

o processo de municipalização do ensino de 1º grau. Essas alterações e reformulações eviden-

ciam que o processo era, além de efervescente, complexo e ainda indefinido, aliás, como de

resto, em todo o país.

Assim o PECD, em que foram traçadas as diretrizes educacionais do território para o

período 1981-85, assume, já na introdução, que as principais diretrizes do Plano teriam como

suporte “as linhas pragmáticas e estratégicas de ações estabelecidas pelo Ministério de Educa-

ção e Cultura, por meio do III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto e as definições

assumidas pelo Governo de Rondônia, por intermédio de seu plano de governo de 1980 a

1985 (RONDÔNIA, 1981, p. 15). Mais adiante afirma que além dessa sintonia com o Psecd, o

Plano territorial levará em consideração os “desafios identificados e caracterizados no ‘Diag-

nóstico da Realidade Educacional’” (Ibid, p. 19).

Ainda na leitura do PECD, verificamos que em sua caracterização, o Plano de Rondô-

nia frisava a necessidade de manter a sintonia entre o PECD e as diretrizes de Brasília:

É importante destacar, ainda, que as linhas prioritárias definidas neste PECD/RO a-lém de se compatibilizarem com diretrizes superiores, ou seja, com os Planos supra-citados, resultam, também, da identificação de problemas e desafios, sob forma de Diagnóstico da Realidade Educacional de Rondônia. (Ibid, p. 25, grifo nosso).

136

Desse modo, ambos os documentos (PTEC e PECD), embora produzidos em datas dis-

tintas, são, na realidade, complementares, destacando que o PECD se propõe a deixar que as

definições orçamentárias e de metas quantitativas sejam reformuladas anualmente nos “Planos

de Trabalho Anuais”; em virtude disso, o PECD se propõe a definir as intenções do governo a

respeito da educação – poderíamos dizer que pretende se dedicar à definição ou atualização

das políticas. Ao comentar as “diretrizes e estratégias”, esse Plano reconhece que “os proble-

mas educacionais encontram-se diretamente relacionados com a problemática sócio-

econômica e política”. Por isso, as alternativas e soluções não podiam se restringir aos “com-

ponentes pedagógicos”, mas deviam abarcar os “desafios que o desenvolvimento regional e

global deve superar” (Ibid, p. 19). Isso nos leva a entender que a ação educacional deveria ser

desenvolvida a partir dos inúmeros desafios que se impunham para Rondônia. E quais seriam

esses desafios? O PECD faz uma lista deles:

- Crescimento populacional acelerado;

- Desenvolvimento Regional;

- Processo de Municipalização;

- Correção da distorção idade/série;

- Desenvolvimento cultural;

- Eficácia interna e externa do Sistema Educacional;

- Participação comunitária no processo de planejamento participativo;

- Carência de recursos materiais, financeiros e humanos. (Rondônia, 1981, p. 19).

Esses desafios chamam a atenção, não tanto em relação ao sistema educacional, mas,

principalmente, em relação ao processo de colonização. Eles evidenciam mais um aspecto da

contradição do processo de ocupação da Amazônia, especificamente de Rondônia, pois eram

órgãos públicos, como Ministério do Interior, Ministério da Agricultura e INCRA, que esta-

vam efetivando o processo de ocupação do território. Isso nos leva a reafirmar a contradição

do processo, visto que, pelo fato de não estarem sendo providenciadas as condições infra-

estruturais, o processo de colonização possibilitou o aparecimento, em Rondônia, dos proble-

mas mencionados. Podemos dizer que a não oferta de solução para esses problemas locais se

deve ao fato de que esses, para o governo militar, na realidade, não contavam, pois o proble-

ma que o governo militar realmente pretendia enfrentar era o que residia no sul-sudeste.

Entretanto, para os técnicos que elaboraram o PECD, os problemas locais não se dis-

tanciam nem se dissociam dos problemas nacionais, de ordem sócio-econômico-política. Em

137

razão disso afirma que:

Partindo-se do pressuposto de que os problemas educacionais encontram-se direta-mente relacionados com a problemática sócio-econômica e política do País, conclui-se, obviamente, que as preocupações maiores não podem ser limitadas aos compo-nentes pedagógicos e administrativos do sistema, mas abarcam os desafios que o de-senvolvimento regional e global deve superar. (RONDÔNIA, 1981, p. 19, grifos nos-sos).

Como se isso não bastasse, o MEC e também os PNDs mantinham as metas de desen-

volvimento da educação. Entretanto, essas ausências e deficiências ou desafios evidenciavam

que a ocupação e colonização de Rondônia havia se dado não em favor e em defesa das ne-

cessidades dos migrantes e trabalhadores que à região estavam chegando, mas para ocultar as

crises do sul-sudeste. Assim, se abriam longas clareiras na vastidão verde da floresta amazô-

nica, que precisavam ser entregues (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992; LIMA, 2001; Oliveira,

1989) ao capital explorador que viria, em seguida, ocupar para explorar madeira e criar gado

nas grandes áreas abandonadas pelos colonos, por falta de infra-estrutura.

Em síntese, os problemas ou os “desafios” passaram a existir não em primeiro lugar

pelo elevado número de migrantes que chegava a Rondônia, mas pelos rumos da política soci-

al voltada para os que chegavam em verdadeiras ondas de um maremoto humano, buscando as

alternativas da anunciada terra fértil e disponíveis para todos quantos por ela buscassem. Des-

sa forma, devemos entender, também, as propostas dos Planos e a realidade expressa nos di-

agnósticos em que está estampada a realidade educacional de Rondônia.

Os militares não só promoveram a ocupação, como o planejamento e execução do pro-

cesso de colonização do espaço a ser preenchido pelos migrantes e colonos “reorientados”

para o Norte (I e II PND). Foi o governo militar, também, que criou e executou os projetos de

colonização monitorados pelos ministérios do Interior e da Agricultura (INCRA 1971; RON-

DÔNIA, 1976). Ou seja, eram políticas de colonização que acidentalmente ou por exigência

do processo de colonização se preocupavam também com a educação. A educação, portanto,

era uma das vias a partir das quais o processo da colonização podia ser levado a cabo, auxili-

ando no processo de convencimento dos colonos sobre a importância da fixação do migrante

numa região inóspita. Dizer que a região possuía escolas ou infra-estrutura era um dos argu-

mentos usados para convencer as populações do sul-sudeste de que essa seria uma região po-

tencialmente desenvolvida, principalmente porque “a educação passa a ser reconhecida como

um instrumento privilegiado para a ‘correção’ das iniqüidades existentes na sociedade con-

temporânea” (MOURA, 1997, p. 33; COLARES, 1998). Assim, a escola – primária, como

acentua o INCRA – era uma afirmação não só da civilidade como da potencialidade econômi-

138

ca: havendo escola haveria progresso – ou possibilidade de progresso – segundo esta visão de

mundo.

Por tudo isso, podemos dizer que as políticas educacionais, em princípio, não se volta-

vam diretamente para a educação, mas para o processo de colonização. A preocupação e pers-

pectiva mais direcionadas para a educação apareceram quando os esforços começaram a se

concentrar na criação do estado de Rondônia. Ou seja, enquanto a perspectiva centrava-se no

território, a ação educativa esteve ligada à política de ocupação e colonização, vinculadas aos

ministérios do Interior e da Agricultura. A expectativa da elevação do território ao status de

estado exigiu uma nova postura, o que, por sua vez, exigia maior sintonia com as políticas

educacionais. Com isso, não queremos dizer que não houvesse esse liame, mas que a visão

anterior era outra: era de ocupação e de colonização. Entretanto, durante os últimos anos da

década de 1970, ocorreu um assombroso aumento populacional que ultrapassou as expectati-

vas e acelerou a transformação do território em estado. Daí as mudanças na perspectiva edu-

cacional.67

Nesse período aconteceu um grande aumento populacional, gerando mudanças e atua-

lizações que, mesmo assim, não acompanharam o ritmo da demanda. Aliás, é o que podemos

ler no diagnóstico de 1980:

O crescimento vertiginoso da população de Rondônia teve repercussões severíssi-mas no sistema educacional. Com as pressões exercidas pela demanda educacional sempre crescente, o sistema de Educação ‘inflou’, ou seja, experimentou um expres-sivo crescimento quantitativo não acompanhado do necessário respaldo qualitativo. (RONDÔNIA, 1980, p. 48, grifo nosso).

E nem poderia ter crescido qualitativamente, visto que não havia infra-estrutura. Foi

necessário começar tudo, como se nada existisse, pois tudo ainda estava nascendo. Uma des-

sas necessidades era a de professores, pois se havia falta de professores três anos antes,

(RONDÔNIA, 1977), o aumento populacional agravou esse quadro. Além disso, as “reper-

cussões” podem ser lidas como sendo a necessidade de um direcionamento mais estreito entre

a política de colonização e as da educação. Por isso, a política educacional, no território, pre-

cisava ser organizada a partir do MEC e não do que os demais ministérios podiam supor com

sua política de ocupação e colonização, e que não tinha preocupação com a educação. O que

se fez necessário, portanto, além de redimensionar a política de ocupação, foi hierarquizar a

política educacional, concretizando a ação do Estado, em áreas determinadas, a partir do es-

67 Também não queremos dizer que não houvesse escolas antes de 1970, pois como afirmam Brasil; Cidade; Morais (2001), durante o governo Vargas foi instalada uma das primeiras instituições escolares do então territó-rio, o atual Colégio Carmela Dutra, em Porto Velho. E em Guajará-Mirim, conforme Moreira (2001), há registro de uma primeira escola em 1924.

139

pecífico de cada ministério.

Com base em tudo isso, podemos dizer que há uma explicação para o pouco que se re-

alizou em função das infindas dificuldades impostas pela geografia e pelo clima, pelas distân-

cias, pela dificuldade de acesso e pelos terrenos acidentados. Entretanto, essa explicação não é

suficiente para ocultar a contradição, dado o fato de que esse era um período em que estava

acelerado o processo de colonização, em que se “propagandeava” a distribuição de terras com

suporte de “infra-estrutura” como se pode verificar em documentos do INCRA ou mesmo nos

PNDs. Ou seja, existiram as dificuldades físicas, mas também há de se avaliar a lentidão dos

órgãos de colonização. Cabe a afirmação de que os migrantes que fizeram Rondônia foram

levados a concretizar aquilo que Perdigão e Basségio (1992, p. 85) chamaram de “contra-

reforma agrária”68, pois as políticas de colonização ou de ocupação territorial “orientaram-se

sempre no sentido de privilegiar os grandes proprietários”. Assim, os colonos que chegaram à

Rondônia, embora acreditassem na existência de infra-estrutura, não a encontraram. Nem para

viver, nem para plantar e colher, e menos ainda para escolarizar os filhos.

A partir do que vimos até aqui, fica claro que a política para a educação no Brasil e em

Rondônia se complementaram. No Brasil, se desenvolveu, além de um projeto privatista, a

postura de formação para o trabalho, o que de fato não ocorreu, visto o objetivo ser outro:

desafogar a busca pelo ensino superior. Essa mesma realidade pode ser percebida em Rondô-

nia, uma vez que o que aqui se desenvolveu, do ponto de vista da educação, tinha como ponto

de partida ou de referência as ações dos Ministérios do Interior e da Agricultura, que por sua

vez implementavam e executavam os interesses do capital na Amazônia e particularmente no

processo de ocupação de Rondônia. Dessa forma, também em Rondônia, a ação educacional

executada tinha por fundamento não as necessidades dos migrantes que chegavam, esperando

a infra-estrutura anunciada, mas os interesses do capital, que era de desviar os trabalhadores,

transformados em migrantes, direcionando-os para a Amazônia, com o duplo objetivo de evi-

tar as tensões no sul-sudeste e preparar uma reserva de força de trabalho para as necessidades

do capital.

68 A “contra-reforma agrária” mencionada pelos autores refere-se ao processo mediante o qual a proposta do governo, de distribuir terras acabou sendo mais um mecanismo de concentração fundiária. Martins (1983) expli-ca melhor essa situação mostrando que os “posseiros” eram “empurrados” para fora de sua posse quando da chegada dos grandes proprietários. E como a terra é vista como capital os “grandes proprietários” acumulam terras, pois estão “interessados na acumulação do capital” (MARTINS, 1983, p. 119)

140

CAPÍTULO III

ROLIM DE MOURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL DE

RONDÔNIA

Vimos até agora algumas transformações que produziram o mundo atual e que se efe-

tivaram a partir da metade do século XX. Essas transformações atingiram o Brasil, impulsio-

nando a ocupação da Amazônia e a criação do estado de Rondônia. Nesse processo as ações

do governo militar, as políticas públicas, foram direcionadas para várias áreas, sendo uma

delas a educação.

Veremos agora como essas ações públicas repercutiram em uma região específica de

Rondônia: a cidade de Rolim de Moura, a qual surgiu não como algo espontâneo ou planeja-

do, mas da conjugação de vários fatores; a formação dessa cidade, embora idealizada ou pre-

vista pelo INCRA, concretizou-se não apenas pela iniciativa do Instituto, mas pela mobilidade

e mobilização dos migrantes. Esse mesmo movimento acionou outra previsão do Instituto –

que não estava acontecendo – a instalação de instituições escolares.

Pretendemos, portanto, mostrar como a ação de vários atores sociais se juntaram para

acionar o poder público na concretização e satisfação de algumas necessidades, entre elas a da

instituição escolar. E observaremos que os mesmos problemas e limitações que se verificaram

em outras regiões da Amazônia e de Rondônia também estiveram presentes nos primeiros

anos da ocupação desta região específica, Rolim de Moura, como, por exemplo, a carência de

profissionais habilitados, a dificuldade em obter alguns materiais básicos como quadro e giz.

Limitações que não devem ser creditadas somente ao poder público, mas também à dificulda-

de de acesso e, isto sim, uma limitação ocasionada pela ação do INCRA, braço do poder pú-

blico na região. Podemos até dizer que o INCRA, embora fosse um órgão atuante, era insufi-

ciente. Veremos que a mesma carência de professores que acontecia na Amazônia e no Terri-

tório de Rondônia, também ocorreu em Rolim de Moura. O depoimento de professores que

lecionaram nesse período confirma que vários deles eram leigos, ou casos em que pessoas

141

apenas alfabetizadas eram convocadas para lecionar. Somente depois, quando já em atividade,

recebiam alguma orientação ou formação, fazendo ou concluindo o segundo grau e só bem

mais tarde tendo acesso a algum curso superior.

Essa compreensão de Rolim de Moura, no contexto educacional de Rondônia, será fei-

ta a partir da caracterização histórica da cidade, verificando como foi o processo de criação

das primeiras escolas. Culminando com a análise das ações públicas nessa localidade.

1- ROLIM DE MOURA: O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO

Podemos dizer que o Município de Rolim de Moura originou-se a partir de dois fa-

tores: o primeiro relacionado às migrações e o outro institucional. Ambos, evidentemente,

conseqüência da política sócio-econômica desenvolvida pelo governo federal nas regiões

Sul-Sudeste, colaborando não só para: a concentração fundiária, o inchamento dos grandes

centros urbanos e a industrialização dessas regiões, como também para a ocupação dos

chamados “vazios demográficos” na Amazônia. Esse processo se desenvolveu a partir de

grandes projetos para a ocupação da região Norte e foram utilizados como propaganda do

governo militar na busca, ao mesmo tempo, de legitimação frente à população por inter-

médio de grandes feitos e obras faraônicas e ocupação da Amazônia dentro do princípio do

“integrar para não entregar”, tão caro à Doutrina de Segurança Nacional (HABERT, 2003).

Esses projetos, a bem da verdade, não se concretizaram em solução, mas em novos pro-

blemas, não para o poder central nem para a classe dominante, mas para a própria região,

os colonos que chegavam como migrantes e antigos moradores. Podemos dizer que a solu-

ção imaginada para o sul-sudeste foi a criação de problemas para a Amazônia, uma vez que

“não tardaram a surgir as conseqüências deste processo de ocupação, caracterizado pela

devastação ecológica e pelo quadro geral de violência contra as populações locais que ali

residiam e resistiam à expulsão” (HABERT, 2003, p. 22).

O primeiro fator originante da cidade de Rolim de Moura pode ser visto como o avan-

ço de migrantes pelo lado sul da BR 364, partindo de Cacoal e Pimenta Bueno69. Esse avanço

69 Essa cidade nasceu a partir de um dos postos telegráficos instalados por Rondon e que cresceu às margens da atual BR 364.

142

vinha acontecendo desde o inicio da década de 1970. Em virtude da mencionada política de

ocupação da região, o INCRA já havia implantado o PIC Gy-Paraná, sendo que alguns depo-

imentos dão conta de que em 1972 podiam ser encontrados colonos adiantando-se à ação do

Instituto e abrindo lotes70 dentro do perímetro do atual município. Esse avanço, diferentemen-

te de outras localidades ao longo da BR 364 e de outros projetos de assentamento, exigiu que

o INCRA criasse uma extensão para o PIC Gy-Paraná, a extensão Rolim de Moura, e iniciasse

a distribuição de lotes rurais (CARNEIRO, 2002; LOPES, 1989), abrisse estradas e demarcas-

se os lotes urbanos para os moradores de um vilarejo que estava se formando, próximo de

onde hoje é o centro da cidade.

Essa demarcação começou a partir de um sobrevôo realizado por uma equipe de fun-

cionários do INCRA que “realiza viagem de vistoria e sobrevoa a linha 184, no cruzamento

com a linha 25”, onde estava previsto um núcleo urbano (Entrevistado D). No local onde é

hoje o centro da cidade, essa equipe do Instituto constatou a existência de alguns “barracos”

na região ainda não oficialmente entregue aos colonos. Em virtude dessa constatação, “em 10

de agosto de 1977 o INCRA entrega os primeiros lotes urbanos” (OLIVEIRA, 2001, p. 17).

Essa afirmação é confirmada por um funcionário do INCRA, que participou desses

eventos. Em seu depoimento, diz que os trabalhos começaram a ser feitos em 1975, a partir da

abertura de uma “picada”71 – a atual RO 010 – saindo de Pimenta Bueno, e se concretizou

com a entrega dos primeiros lotes urbanos, em 1977. Nas palavras desse Entrevistado72:

No dia 10 de agosto de 1977, pessoalmente, desloquei-me até o Núcleo Urbano, com o mesmo Técnico que coordenara o trabalho em Abaitará [...] para iniciar a demarcação e distribuição de datas73 no Núcleo Rolim de Moura. Como interessados em receber datas, no mesmo dia, chegou ao Núcleo uma Picape Jeep do senhor ARMERINDO CORÁ, lotada (o senhor ARMERINDO, assim, foi o primeiro a transportar os pretendentes a lotes urbanos de Rolim de Moura, bem como, foi quem recebeu o primeiro lote).

70 Os colonos chamam de “abrir o lote” o processo de derrubada do mato, queima e plantação de algum produto agrícola. Essa era uma prática bastante comum entre os agricultores, e foi largamente utilizada pelos colonos originários do sul-sudeste, durante os anos que aqui se está enfocando. Os colonos, migrantes que haviam chega-do em outras correntes migratórias – como os soldados da borracha, por exemplo – não tinham como prioridade a derrubada do mato, nem o plantio, sendo essa uma característica do povoamento realizado durante o período militar. 71 “Picada” é como os colonos, e mesmo os funcionários do INCRA, chamavam a abertura de uma trilha em meio à mata. Neste caso as “picadas” correspondiam às “linhas” estabelecidas pelo INCRA e que dividiam os lotes e seriam usadas, futuramente, para a abertura das estradas. 72 Este depoimento foi dado por escrito, a partir de um questionário. As expressões entre parênteses e maiúsculas fazem parte do texto redigido pelo Entrevistado, em 18 páginas. 73 A expressão “data” é uma das denominações do lote de terra, dentro do espaço urbano.

143

Ao chegarmos ao Núcleo, mandamos derrubar uma árvore da margem direita para fazer ligação com a margem esquerda do Igarapé Anta, que nos serviu de pinguela para atravessar o referido obstáculo hídrico.

Do outro lado, na margem esquerda do igarapé Anta e da Linha 25, demarcamos a primeira quadra urbana com lotes de 20 x 40m. Só lembro que o primeiro lote foi entregue para o ARMERINDO CORÁ, que depois se tornou dono de empresa de transporte (ônibus), a Viação Amazonas. Naquele dia, entregamos 10 lotes. Uma se-gunda data foi entregue para um senhor que disse que colocaria uma bicicletaria. Es-ses lotes tinham finalidade de atividade comercial, ramo que realmente se instalou na linha 25 (Avenida 25 de agosto). Iniciamos, portanto, a demarcação e entrega de datas no Núcleo Urbano de Rolim de Moura no dia 10/08/1977. (ENTREVISTADO D - destaques do Entrevistado).

Essa entrega dos lotes, entretanto, se deu depois que muitos colonos já haviam se

instalado na localidade, - notemos que a finalidade das “primeiras” datas destinavam-se a

atividade comercial e o comércio depende de moradores – formando um aglomerado urba-

no com inúmeras construções improvisadas com: lascas de coqueiro e cobertos com palha,

também de coqueiro; tabuinha; alguns usavam lona preta. Esse adiantamento dos colonos

em relação ao INCRA é confirmado pelo Entrevistado E, primeiro administrador de Rolim

de Moura, nomeado pelo INCRA. Suas palavras, aqui, são de uma entrevista de 1998:

Na realidade, foi o povo que criou Rolim de Moura. No projeto do INCRA era só distribuição de lotes rurais. O povo foi chegando, abrindo picadas até onde deveria ser o lote. Depois é que o INCRA fazia a demarcação topográfica. E esse processo aconteceu tanto na área rural como urbana. Por falta de demarcação prévia acontece-ram muitas brigas e até mortes. O grande fluxo de pessoas impedia o pessoal do IN-CRA de demarcar antecipadamente. Assim, as pessoas foram chegando, faziam seus barracos de lona, tentavam estabelecer suas datas e procuravam o INCRA. Mas com poucos funcionários era difícil atender a todos imediatamente. (IDÉIAS & FATOS, (a) 1998, p. 17).

Outra fonte faz afirmação semelhante. Trata-se da Entrevistada C, uma das primei-

ras professoras. Suas palavras, aqui, recolhidas de uma entrevista de 1999. Fala que a cida-

de surgiu e se desenvolveu a partir do aglomerado de pessoas que se instalavam no local.

Ela, que chegou em 1977, narra seu percurso até o atual centro da cidade: “Saímos da linha

200 às 6:00 da manhã e chegamos ali onde é a Triangulina74 às 9:00 da noite. Ali tinha só

um barraco do seu Durvalino, era um comércio. Ali passamos a noite e no dia seguinte fi-

zemos o roçado para o rancho.” E mais adiante comenta sobre a cidade:

A cidade era para ser no Abaitará. Mas as pessoas não quiseram. Aventuravam-se mato adentro. Chegaram a este local e gostaram e quiseram aqui permanecer. Aqui

74 Empresa do gênero supermercado, bastante popular nos primeiros anos da cidade, mas que fechou suas portas no final dos anos 1990.

144

era para ser apenas lotes rurais. Mas com a presença cada vez maior de pessoas, o INCRA acabou fazendo o loteamento que recebeu o nome de Rolim de Moura. (I-DÉIAS & FATOS, (c), 1999, p.17).

Isso não quer dizer que o INCRA não tenha planejado a cidade. Apenas que esse

planejamento aconteceu em virtude do volume de pessoas em busca de terra para trabalhar

e local para morar. Ao criar a extensão Rolim de Moura, para o PIC Gy-Paraná, o INCRA

fez a previsão de alguns locais destinados a centros urbanos, mas o local onde se desenvol-

veu Rolim de Moura, embora previsto no PIC, foi ocupado por colonos antes da chegada

do INCRA. Isso denota, como estamos afirmando, que o povoamento do local nasceu não

dos planos do INCRA, mas da mobilização dos migrantes. A previsão estratégica do IN-

CRA era povoar o “Abaitará” e somente depois avançar para onde seria o núcleo Rolim de

Moura, entretanto, os movimentos sociais não se enquadram nos prognósticos nem nos

cronogramas oficiais. Isso explica o fato de os colonos ultrapassarem as linhas demarcadas,

adentrando em direção às glebas. Como havia previsão de novas distribuições de terra, os

colonos não se fixaram na localidade do Abaitará, com perspectiva urbana. Preferiram ir

para aquela mais adiante, com a intenção de ir abrindo os lotes crendo que no momento da

demarcação e distribuição, já com os lotes abertos, terem prioridade sobre aqueles colonos

que chegassem depois. O que implica dizer que havia a previsão de um núcleo urbano, os

colonos se adiantaram e ocuparam a localidade e essa ocupação fez com que o Instituto a-

gilizasse o processo de organização do núcleo urbano, com a distribuição de lotes e defini-

ção das ruas. E temos razões, como se verá adiante, para afirmar que esse mesmo processo

se deu, também, com a implantação das instituições escolares.

O segundo fator para o surgimento da cidade de Rolim de Moura foi a ação institu-

cional, e resulta do primeiro. Como já afirmamos o volume de migrantes era intenso obri-

gando o INCRA a criar uma extensão para o PIC Gy-Paraná, devido à ocupação que vinha

acontecendo a partir de 1975, com migrantes originários principalmente do sul-sudeste do

país.

A via de acesso à região de Rolim de Moura partia de Pimenta Bueno, em sentido

oeste, num traçado reto que se convencionou chamar de Linha 25. Nessa linha, foram esta-

belecidos alguns possíveis locais para a formação de povoados, sendo o primeiro na locali-

dade que recebeu a denominação de Abaitará75, a meio caminho entre Pimenta Bueno e

75 A extensão do PIC GY-PARANÁ era organizado por setores. Um desses setores correspondia ao denominado setor Abaitará. Outro era o setor Rolim de Moura, ambos com espaço reservado para núcleo urbano. E o plano estratégico do INCRA era colonizar primeiro o setor Abaitará e somente depois o setor Rolim de Moura.

145

Rolim de Moura. Essa localidade, embora nos primeiros tempos tenha abrigado um acam-

pamento do INCRA e outros colonos, não se desenvolveu como cidade, segundo opinião

de um funcionário do INCRA, Entrevistado D, justamente pelo fato de que na mesma épo-

ca começou-se a abrir a picada em direção a outro ponto demarcado para um futuro povo-

amento urbano76 e que se localizava mais próximo das glebas: Rolim de Moura.

A localidade chamada Abaitará atualmente faz parte do município de Pimenta Bue-

no e foi transformada em lotes rurais.

Para explicar melhor essas demarcações, entrevistamos o funcionário do INCRA

(Entrevistado D), o qual estava lotado na sede do Instituto, em Cacoal. Esse funcionário,

no período em foco, exerceu suas atividades e coordenou a organização e distribuição de

lotes urbanos e rurais, entre outras, na região de Rolim de Moura. Da sua entrevista, trans-

crevemos, literalmente77, este longo comentário:

A sede urbana do Município de Rolim de Moura está localizada num território de-nominado de Setor Rolim de Moura do emancipado PIC GPN dentre os 5 (cinco) se-tores que compunham o aludido PIC. Assim a região de Rolim de Moura era subor-dinada ao INCRA de Cacoal.

Como toda área do PIC tinha quase 500 mil hectares, além da sede urbana onde se instalara a Vila de Cacoal, o INCRA, reservara mais 5 (cinco) áreas para núcleos ur-banos no território do PIC, cada um com área de 1.600 hectares (4.000 x 4.000m). Eram duas áreas no Setor Abaitará (uma na linha 25, onde tem aquele colégio agrí-cola e um Projeto Casulo da Parceria INCRA com a Prefeitura de Pimenta Bueno, onde alguns assentados produzem uva). O outro núcleo, do Setor Abaitará, abriga atualmente a sede urbana do Município de Primavera.

No setor Rolim de Moura (o maior setor do PIC), onde foram assentadas quase 2.000 (duas mil) famílias o INCRA reservou 3 (três) áreas para Núcleos Urbanos. Um no cruzamento da linha 25 com a 184, hoje, me parece, Avenidas 25 de Agosto e Norte Sul, respectivamente, da sede do Município de Rolim de Moura. Outro nú-cleo é onde se localiza a sede do Município de Santa Luzia. O ultimo, localizado a 20 km da sede de Rolim de Moura, na linha 184, sentido Norte (Rolim de Moura BR-364), foi invadido por agricultores, que se instalaram em áreas de 500m x 2.000 (100 ha), nos moldes do loteamento do Setor Rolim de Moura e do PIC GPN. Ter-minou-se por reconhecer as ocupações, proceder à demarcação oficial e regularizar

76 Em conversa informal, não gravada, pois ocorrida depois de nos ter concedido a entrevista, ouvimos do Entre-vistado D a afirmação de que o Instituto pretendia primeiro organizar a região do Abaitará, com lotes rurais e formação de cidade e somente depois de estruturada essa vila, avançar para o próximo ponto de urbanização. Entretanto, afirmou o Entrevistado, os colonos se adiantaram por que na localidade do Abaitará, havia algumas barracas de colonos e as terras já haviam sido distribuídas. Em razão disso, ao chegarem novos colonos os repre-sentantes do INCRA diziam que deviam esperar ali até a próxima etapa que seria iniciada após a estruturação daquela. Entretanto esses novos colonos não esperavam e se embrenhavam na mata em levas constantes, abrindo picadas por conta própria até se estabeleceram. Foi por isso que, em 1977, ao sobrevoar o local do próximo pon-to com previsão de núcleo urbano, a equipe do INCRA constatou a existência do vilarejo de Rolim de Moura. Isso implica dizer que a demora do Instituto foi mobilizadora da ação dos colonos que formaram a cidade. 77 Estamos mantendo as expressões literais desta entrevista originada de um questionário respondido por escrito; as expressões entre parênteses, são explicações do próprio Entrevistado. A sigla PIC GPN corresponde Projeto Integrado de Colonização Gy-Paraná.

146

os posseiros. Se não fosse esse fato, a linha 184 do setor Rolim de Moura teria, cer-tamente, três sedes de Municípios, a exemplo das sedes de Rolim de Moura e de Santa Luzia. (ENTREVISTADO D).

O depoimento acima confirma o que estamos dizendo: os planos traçados pelos bu-

rocratas nem sempre se enquadram àquilo que acontece ou que os atores sociais fazem a-

contecer. Os burocratas do INCRA planejavam o desenvolvimento de um núcleo urbano na

localidade do Abaitará: os colonos não quiseram. Fizeram e formaram outras vilas e cida-

des. Na chamada Linha 25, das duas localidades destinadas a núcleo urbano, só uma se

converteu em cidade: Primavera, embora cerca de 20 km fora da atual RO 010, que corres-

ponde à essa linha demarcada pelo INCRA. Outro vilarejo que se desenvolveu nas proxi-

midades do Abaitará, fora das previsões do INCRA corresponde ao distrito de Nova Estre-

la, atualmente sob administração de Rolim de Moura; na linha 184, das três localidades

destinadas a núcleo urbano, só duas se concretizaram: Santa Luzia do Oeste e Rolim de

Moura, sendo que esta localiza-se no cruzamento das duas linhas.

O nome do município – Rolim de Moura – embora seja uma homenagem ao primei-

ro governador da antiga província do Mato Grosso – Dom Antônio Rolim de Moura Tava-

res – é uma referência ao nome de um dos rios da região, o rio Rolim de Moura (também

chamado de rio São Pedro)78, que recebeu essa denominação quando a equipe do Marechal

Rondon abria as picadas para a instalação da rede telegráfica, no início do século XX79.

Essa picada serviu como base para a abertura da atual BR 364 (LEAL, 1984), sendo que a

cidade de Rolim de Moura situa-se a cerca de 70 km dessa BR, que a principal via de aces-

so a Rondônia. Dessa forma, o nome do município origina-se do nome da extensão do pro-

jeto (PIC Gy-Paraná, Extensão Rolim de Moura). E o nome da extensão do projeto se deve

ao nome do rio, sendo que o nome do rio foi homenagem de Rondon a D. Antonio Rolim

de Moura.

Muitos afirmam que o nome da cidade, em homenagem a Dom Antônio Rolim de

Moura Tavares, se deve ao fato desse governador ter fundado uma cidade planejada – Vila

Bela da Santíssima Trindade – que foi capital da antiga província do Mato Grosso. Como

Rolim de Moura estava sendo formada dentro de um planejamento do INCRA, havia-se-

78 O aludido rio corresponde, atualmente, à divisa entre os municípios de Cacoal e Rolim de Moura. Atualmente esse rio é também conhecido como rio São Pedro, mas em alguns mapas ainda aparece com sua antiga denomi-nação de rio Rolim de Moura. 79 O cuiabano Cândido Mariano da Silva Rondon, nascido em 05/05/1865, atuou junto à Comissão para constru-ção da linha telegráfica por 25 anos. Sua atividade pública começou aos 16 anos, tendo atuado por dois anos como professor (LOPES, 2000). Entretanto a ligação Cuiabá-Santo Antônio do Rio Madeira ocorreu no período 1907-1915 (LIMA, 2001; TEIXEIRA; FONSECA, 2002).

147

lhe dado esse nome para fazer a sintonia de planejamentos. Entretanto, o plano não teria

sido assim tão bem elaborado. Segundo o engenheiro agrônomo do INCRA que fez o es-

boço e o traçado da cidade, tudo começou daquilo que em linguagem comum chamaríamos

de rascunho, como afirma o Entrevistado D, dando os detalhes de como planejou a cidade,

e particularmente a larga avenida em seu centro:

É preciso destacar porque a atual Avenida 25 de Agosto ficou com toda aquela lar-gura: saí de Cacoal com o esboço apenas de uma quadra e de que as ruas teriam 30 metros de largura; chegado ao local, quando se discutia onde e como se iniciaria o trabalho, alguém declarou que a linha 25 seria o projeto de uma futura BR que liga-ria Pimenta Bueno a Costa Marques. Como graduado em Engenharia Agronômica não tinha o conhecimento de qual seria a largura da área a ser reservada para tal tipo de rodovia; optamos por reservar 100 metros, razão pela qual Rolim de Moura tem aquela Avenida, certamente, uma das mais largas e bonitas das cidades rondonien-ses. (grifos nossos).

O mesmo Entrevistado menciona o fato do “esboço” e não de um plano bem elabo-

rado. A partir desse esboço se estendeu a cidade, para dar apoio e organização à ação urba-

na dos colonos que formaram a vila. Essa continuidade do planejamento da vila manteve a

simetria original. Em seguida, o mesmo informante comenta uma censura pública por ter

feito “rascunho” com tão larga e controvertida avenida:

Em 1979 fomos censurados, em público, pelo então Governador Jorge Teixeira, que ao ver toda aquela extensão de rua ainda em toco, com um estreito caminho sinuoso na parte central (na verdade uma estrada carroçal) indagou o seguinte: “gostaria de saber quem foi o cabeça de jegue que planejou uma rua com toda essa largura?” Disse ainda: “estou vindo de Manaus, onde fui o último Prefeito e trabalhei muito na melhoria da infra-estrutura urbana daquele Município, principalmente construindo asfalto, sei o quanto custa e dá trabalho urbanizar uma cidade”; e prosseguiu: “quero ver qual é o Prefeito que vai dar conta de urbanizar essa enorme avenida”. Nada res-pondi, mas, certamente, o Governador sabia que fui eu o arremedo de arquiteto da-quela façanha, tão recriminada naquele momento. Cabeça de jegue caiu bem na ca-rapuça do nordestino que sou. Felizmente estava enganado o Governador; teve quem desse conta de urbanizar aquela avenida. Rolim de Moura, hoje, se destaca pela A-venida (100 m) e pelas ruas largas estabelecidas num rascunho (30 metros), pois não se pode dizer que teve um projeto urbano previamente elaborado quando do lotea-mento inicial, foi um rascunho mesmo ou um croquis. (ENTREVISTADO D, Grifos nossos).

O fato é que, com ou sem planejamento, essa nova localidade atraiu migrantes e co-

lonos das mais diferentes regiões do Brasil. E atraiu, como em outras localidades e outros

Projetos de Colonização, mais gente do que o INCRA estava esperando ou tinha condições

de acolher e encaminhar. Por isso, o Instituto precisou correr atrás dos colonos, demarcan-

do os lotes previamente ocupados. E, com isso, podemos imaginar os confrontos que se

148

davam pela posse da terra. Além, é claro, de assinalar as dificuldades de toda sorte que os

colonos tiveram que superar, não só para “abrir o lote” como também para chegar ao local,

construir seus barracos. Nesse sentido, podemos dizer que houve uma parceria entre o arro-

jo do migrante e as parcas condições do INCRA, como afirma um ex-funcionário do Insti-

tuto:

Quando aqui cheguei, em fevereiro de 1978, era tudo muito difícil. A maior parte das ações como abertura de estradas, construção de escolas, encaminhamento de saúde e até crédito rural era por conta do INCRA.

O setor de infra-estrutura fundiária cuidava dos assuntos ligados à topografia, estra-das, pontes e escolas, o setor de infra-estrutura social cuidava da alocação e contrata-ção de professores, de encaminhamento de saúde e demais assuntos da área social. (OLIVEIRA, 2001, p. 65).

Outro informante, Entrevistado I, também se refere às dificuldades de acesso. Comen-

ta suas idas e vindas para Pimenta Bueno e Cacoal, a partir de 1976, principalmente no trecho

Pimenta Bueno a Rolim de Moura, onde, devido à fragilidade do solo, os “trilhos” por onde

os colonos passavam (e passavam centenas de pessoas) afundavam até o “meio da canela”:

A gente vinha caminhando, com o ‘cacaio’ nas costas. Era tanta gente que o trilho afundava, a terra não era firme, né. Aqueles trilhos ficavam pelo meio da canela. Pa-recia estrada de formiga cortadeira. Como aqueles carreiros por onde o gado passa, no meio do pasto. E a gente tinha que passar, pois não tinha outro caminho. E tinha que enfrentar no peito e no pé, mesmo. Não tinha outro recurso. O lote estava lá pra ser aberto. Ia ficar esperando estrada? Até quando? Só em 1978 é que o INCRA a-briu um carreador ligando Pimenta Bueno e Rolim de Moura. Mas para Cacoal ain-da era a pé. (ENTREVISTADO I).

Os colonos que chegaram à cidade vieram de várias regiões. De acordo com os dados

disponíveis (BATISTA; BOTELHO, 1988), o maior contingente que chegou a Rolim de

Moura veio do Paraná80, como também veio do Paraná a grande massa dos que fizeram Ron-

dônia, em todo o período que estamos aqui focalizando (1975-1983). Entretanto, não pode-

mos esquecer que essa corrente migratória não nasceu somente nesse estado, mas é resultante

de um processo anterior pelo qual nordestinos81 se deslocaram para o sul do Brasil, notada-

mente São Paulo e Rio de Janeiro. Dessas regiões migraram para o Paraná e de lá para Mato

80 O trabalho de D’Incao (1983) caracteriza esse processo migratório do campo para a cidade, numa região de São Paulo. O mesmo processo pode ser visto no estado do Paraná e daí para Rondônia. Esse processo se explica dentro do fenômeno do êxodo rural, ocasionado pelo processo de industrialização e mecanização do campo, sendo isso reflexos do capitalismo no mundo rural. Ver, também Martins (1983). 81 Não estamos discutindo, nem negando, as migrações nordestinas do final do século XIX e começo do século XX, em virtude, dos “ciclos da Borracha”; nem aquelas que se deram em virtude da construção da Transamazô-nica. A esse respeito ver Martins (1983); Teixeira; Fonseca (2001).

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Grosso e Rondônia, formando o triângulo das migrações (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 1999;

OLIVEIRA, 1989). O Paraná, portanto, tornou-se um estado catalisador e emissor de migran-

tes que se originavam de várias regiões do Brasil. Dessa forma, os migrantes que chegavam a

Rondônia e Rolim de Moura vinham do Paraná, mas se originavam de várias outras regiões.

Essa presença de migrantes oriundos do Paraná82 se verifica desde os primeiros anos

da década de 1960. Há um levantamento realizado pela Secretaria do Planejamento do Estado

de Rondônia (Seplan), confirmando o que dissemos acima, mostrando que a maioria dos mi-

grantes são oriundos do estado do Paraná. Esses dados mostram que entre os anos de 1981-86,

8,0% dos 681.840 migrantes que vieram para Rondônia dirigiram-se para Rolim de Moura. E

dos 110.821 que vieram do Paraná, 14.445 dirigiram-se para esta cidade, correspondendo a

mais de 13% do total. A mesma pesquisa mostra que Rolim de Moura, nesse período, foi uma

das localidades que mais recebeu migrantes. Em percentuais, somente Porto Velho (17%),

Cacoal (15,2%), Ji-Paraná (11,5%) e Ariquemes (8,9%) receberam mais migrantes nesse perí-

odo (BATISTA; BOTELHO, 1988), com a ressalva de que muitos dos que chegavam a Caco-

al, se dirigiam, em seguida, para Rolim de Moura, como o confirmam vários de nossos Entre-

vistados (Entrevistados I; J; B). O processo migratório era intenso e Rolim de Moura repre-

sentava uma das principais atrações para o migrante que se dirigia para Rondônia, lembrando

que o processo de ocupação da região de Rolim de Moura iniciou-se na década de 1970, en-

quanto as demais regiões são mais antigas. E, no caso de Rolim de Moura, o processo massi-

vo de urbanização aconteceu na década seguinte, principalmente entre 1980-1985. Isso se

explica dentro do duplo processo: êxodo rural83, no centro-sul do país, e propaganda oficial

sobre a Amazônia, particularmente, sobre Rondônia (QUEIROZ, 1979; PERDIGÃO; BAS-

SÉGIO, 1992). Entende-se isso, também, dentro do ideário do governo militar (BRASIL (d),

1971; 1974) de desafogar os grandes centros, a fim de evitar conflitos sociais, “reorientando”

as migrações para o Norte do país, sendo Rondônia um dos pontos escolhidos para esse pro-

cesso, instalando os migrantes nos vários projetos de assentamento.

82 Enquanto para a Transamazônica se pretendia trazer os Migrantes diretamente do Nordeste para a Amazônia, (Brasil (d), 1971), no caso de Rondônia o processo se deu a partir dos colonos e sem-terras que estavam se diri-gindo para as cidades, em virtude do êxodo rural que atingia principalmente o estado do Paraná e sul de São Paulo (OLIVEIRA, 1989; D’INCAO, 1983). 83 Fenômeno esse que tem sua principal origem no processo de mecanização da agricultura, que à época se veri-ficava principalmente no estado do Paraná, nas décadas de 1960-80 (QUEIROZ, 1979; D’INCAO, 1983). “No sul e no Nordeste, a introdução da mecanização e o lucro que ela trouxe permitiram o surgimento do latifúndio” (PERDIGÃO; BASSEGIO 1992, p. 76), latifúndio que pode ser apontado como um dos causadores do processo de migração e que trouxe essas massas populacionais para Rondônia.

150

O governo militar entendeu que a solução para o problema do centro-sul não era exa-

tamente a reforma agrária, nos moldes de redistribuição da terra na região em que o colono se

encontrava, mas a abertura da Amazônia (BRASIL (d), 1971; 1974). “Tudo isso feito sob a

coordenação dos governos militares que prepararam a região para que, mesmo sem a interna-

cionalização de fato, a internacionalização de seus recursos naturais se efetivasse” (OLIVEI-

RA, 1989, p. 14). Esse é o contexto em que foram criadas as alternativas de ocupação, Tran-

samazônica e Rondônia, ocasionando o surgimento de Rolim de Moura, como uma das loca-

lidades de “escape”84. A propaganda convidava e os migrantes aceitavam o convite. Entretan-

to, nem todos permaneceram na terra recebida do INCRA. E isso por vários motivos, sendo

um dos principais a falta de infra-estrutura. O mesmo autor faz o seguinte comentário sobre

esse processo que podemos chamar de “ocupação transitória”:

O estado de Rondônia recebeu, entre os anos de 73 e 85, mais de 110 mil famílias de migrantes candidatos a parceleiros nos projetos de colonização do INCRA. Entre-tanto, desse total apenas 30 mil conseguiram chegar ao lote de terra através do IN-CRA. (OLIVEIRA, 1989, p. 100).

Quem eram esses que chegaram a Rondônia? Em sua maioria eram pessoas ligadas ao

trabalho rural. A considerarmos um levantamento do Seplan, no período de 1978-1983 (BA-

TISTA; BOTELHO, 1988), as categorias profissionais que vieram para Rondônia em maior

volume foram as ligadas a alguma atividade rural. O número de lavradores, somado aos dos

trabalhadores de enxada e agricultores, equivale a 40.861. Considerando que o total de profis-

sionais analisados nesse levantamento foi de 113.321, podemos dizer que mais de um terço

(36,1%) dos profissionais tinham origem rural. Desse universo de mais de cem mil pessoas,

apenas 487 eram professores, com o detalhe de que no ano de 1978 chegaram apenas 5 pro-

fessores em Rondônia.

Nesse mesmo período, a mesma sondagem (BATISTA; BOTELHO, 1988) classificou

a escolaridade dos migrantes. De um universo de 295.745 migrantes que foram Entrevistados,

apenas 1.140 tinham curso superior completo e 263 chegaram com curso superior incompleto.

Esse total somado equivale a 0,5% dos migrantes com curso superior. Mesmo que se conside-

rasse o volume com escolaridade secundária, o percentual não cresceria muito. Aos 0,5%, se

somaria mais 3,8%, totalizando 4,3% de migrantes com escolaridade que ia do segundo grau

84 “O governo tem se utilizado da colonização como alternativa de dupla mão de sentido: em primeiro lugar, para criar uma ‘válvula de escape’ para a pressão exercida pelos expropriados nas regiões de concentração fundiária acentuada; e, em segundo lugar, buscando resolver a médio prazo a escassez de mão de obra nas novas áreas ocupadas pelos grandes grupos econômicos, de modo a viabilizar seus projetos” (OLIVEIRA, 1983, p. 92)

151

incompleto ao superior completo. Isso significa que dos quase 300 mil migrantes entrevista-

dos, apenas 12.767 haviam concluído o primeiro grau e tinham escolaridade de segundo grau

ou curso superior.

Para o governo militar, entretanto, esse não era um problema. O problema era o exces-

so populacional nas cidades, demandando soluções. Por isso a urgência de colonizar a Ama-

zônia. Entretanto, o governo militar, por meio do seu braço executor da política agrária, o

INCRA, afirma, nas palavras de um de seus diretores que:

A idéia de colonizar a Amazônia nasceu de uma necessidade, tornando-se um impe-rativo categórico. Aceitou-se o desafio, e aquela floresta compacta, misteriosa e in-cógnita, tão perto de nós, e da vida tão afastada, sofre o impacto do planejamento fí-sico-espacial, sócio-cultural e econômico, fazendo eclodirem a civilização e o pro-gresso em seu contexto ambiental. (ARRUDA, 1977, p. 5, grifo nosso).

Em relação aos estados do sul, diz o autor, nesse mesmo documento, que enfrentam

“sérios problemas fundiários”. O problema fundiário é o “número excessivo de minifúndios”.

A solução para isso, que o diretor do Departamento de Projetos e Operações do INCRA cha-

ma de problema, “é a extinção dos minifúndios, com o remembramento das áreas minifundiá-

rias”. Essa afirmação, embora direcionada inicialmente para o estado do Rio Grande do Sul,

aplica-se também ao Paraná e Santa Catarina: “Fenômeno semelhante ocorre em certas regi-

ões do estado de Santa Catarina e noutras do estado do Paraná, com as mesmas conseqüên-

cias, especialmente neste último”. (Ibid, p. 12). E continua, agora apontando a solução para o

que considera o problema fundiário desses estados: “a solução para o problema fundiário des-

ses estados é o remembramento dos minifúndios e a colonização” (Ibid, p. 13). O nordeste

também é mencionado como tendo problemas fundiários que o documento em questão afirma

ser “a falta de água” e não a concentração fundiária, uma vez que as “áreas agricultáveis per-

tencem, tradicionalmente, a algumas famílias”. Em razão da seca, diz o texto – e não da con-

centração fundiária – o nordestino “emigra para os grandes centros no sul do país” (Ibid, p.

13). Dessa forma a Amazônia, embora se reconheça não ser uma região homogênea, acaba

sendo apontada como um local para acolher todos os deserdados de terra, pois “efetivamente,

a Amazônia é um grande depósito de terras públicas e em tão grande quantidade que todos os

brasileiros poderiam viver na Amazônia, explorando a terra, e, ainda assim, sobraria muita

terra” (Ibid, p. 14, grifo nosso).

Rondônia foi transformado nessa válvula de escape porque, já nessa época, o Territó-

rio Federal era onde o governo brasileiro possuía maior extensão de terras, segundo a introdu-

152

ção do Plano Regional de Reforma Agrária do Estado de Rondônia (INCRA, 2005). Esse

documento afirma categoricamente que o “o Estado de Rondônia é um dos poucos se não o

único da Federação que não possui terra sob o seu domínio, pois quando da sua criação em

1981, o INCRA já havia arrecadado as terras devolutas em nome da união”. Dessa forma, a

União tinha à sua disposição todo um Território Federal, com terras ociosas e os generais do

governo não tiveram dúvida: criaram a alternativa Rondônia (CARNEIRO, 2006, PERDI-

GÃO; BASSÉGIO, 1992) para que os sem-terras pudessem ser alocados, despreocupando o

centro do poder; e isso tinha uma vantagem para o sistema, ao mesmo tempo que a atração

dos migrantes desafogava o sul-sudeste, disponibilizava amplos contingentes de força de tra-

balho na Amazônia. O fato é que o governo militar, usando seu braço executor, o INCRA,

passou a afirmar que, além da disponibilidade de terras, na Amazônia e em Rondônia havia

infra-estrutura, além de “ampla e completa assistência aos colonos”, o que se verificou não

corresponder à verdade. Mas o discurso era categórico:

O PIC se caracteriza por uma ampla e completa assistência aos colonos, assistência essa prevista em programas, que vão desde a seleção, assentamento, assistência téc-nica, assistência sanitária, assistência educacional até a assistência à comercializa-ção, assistência creditícia, e assistência à industrialização, sem esquecer a plena as-sistência à criação e manutenção das cooperativas de cada PIC! (ARRUDA, 1977, p. 19, grifo nosso).

Para acolher toda a massa de migrantes que acreditou na promessa, evidentemente ha-

via terra disponível. O que não havia era organização de Estado nem de infra-estrutura. lem-

brando, entretanto, que o objetivo do sistema não era a oferta de infra-estrutura, mas a ocupa-

ção da região. A ausência da infra-estrutura se exemplifica pelo tamanho dos municípios que,

nos primeiros momentos, tinham áreas dos municípios eram enormes. Na época do Território

de Guaporé, havia somente dois municípios. Quando da criação do estado (1981) eram 13

municípios em Rondônia. Pode-se imaginar, portanto, as dificuldades administrativas pelas

quais passavam os prefeitos. Posteriormente, com a criação de mais municípios, as áreas de

cada um deles diminuiu, sem diminuírem, entretanto, as dificuldades, pois a oferta de infra-

estrutura não se alterou muito.

Como exemplo dessa situação, o atual município de Rolim de Moura, conforme dados

fornecidos pela Prefeitura Municipal (ROLIM DE MOURA, 2000), possui uma área de

1.487,30 Km² . Sua criação ocorreu em 05 de agosto de 1983, quando foi assinado o Decreto-

Lei nº 071, pelo então governador do estado, Cel. Jorge Teixeira de Oliveira. O novo municí-

153

pio, que na época de sua criação possuía um território bem mais extenso, é formado, atual-

mente, pela cidade de Rolim de Moura e o distrito de Nova Estrela, a 24 km da sede do muni-

cipal. Dessa área, relativamente reduzida, foram desmembrados vários municípios: Santa Lu-

zia do Oeste, Novo Horizonte do Oeste e Castanheiras. Todos esses municípios, como o de

Rolim de Moura, pertenciam ao município de Cacoal, o que mostra quão grandes eram as

áreas a serem administradas pelos prefeitos dessas “sesmarias”.

O tamanho do município, tanto em extensão como em população, são mencionados

por moradores da cidade em uma carta enviada ao governador Jorge Teixeira, reivindicando a

criação do município de Rolim de Moura. Nessa carta eles alegam que o distrito de Rolim de

Moura tem mais população, mais renda, mais desenvolvimento, mas encontra-se “oprimido”

pela sede. Além disso, demonstra esse documento, o grau de envolvimento da população com

os destinos políticos da região – talvez um germe do quê e de como se desenvolveu a vida

política desse município, sendo berço de várias lideranças políticas do Estado. Diz um trecho

dessa carta (ANEXO B - 3):

achando-nos oprimidos por nossa sede, isto é, pela comarca à que pertence esse dis-trito e como sendo um distrito de grande progresso e desenvolvimento com popula-ção e renda superior a da sede, isto é Cacoal. E tendo em vista os solos que circun-dam esta região serem de predominância agrícola, sendo este distrito bem localizado

[...]

Acreditamos que Rolim de Moura faz jus a sua Emancipação, promessas essas que foram feitas por todos os candidatos que por aqui passaram, fazendo suas campa-nhas políticas e hoje não se ouve mais essas vozes de independência política desta cidade.

A emancipação ocorreu em resposta ao processo de ocupação rural que começara no

início da década de 1970 e que se intensificou a partir de 1975, quando o INCRA, sediado em

Cacoal, começou a organizar o processo de distribuição de lotes rurais. Devido a chegada

constante de migrantes oriundos das várias regiões, principalmente Paraná, Espírito Santo e

Minas Gerais, atraídas pela propaganda oficial de ocupação da Amazônia, no ano seguinte o

Instituto, que já havia reservado espaços para núcleos urbanos, começou a distribuí-los para

os colonos que se aglomeravam no seu acampamento, às margens do rio que hoje leva o nome

de Anta Atirada.

Nos dias atuais, muitas pessoas se perguntam quem teria sido o primeiro morador de

Rolim de Moura. Tendo em vista o avanço massivo de migrantes para a região, além da in-

constância da fixação desses colonos, devido a vários fatores, fica quase impossível dar uma

154

resposta a essa indagação. Todos vinham em busca de terras, mas dadas às dificuldades – falta

de recursos próprios, falta de infra-estrutura, falta de assistência – os posseiros e mesmo os

assentados não se fixavam. Podemos dizer, hoje, que muitos anônimos vieram e se foram,

sem deixar registro. O fato é que quando os representantes do poder público perceberam, a

região já estava ocupada por muitos moradores, demandando demarcação de terras, pelo me-

nos para evitar maiores confrontos e outros atritos com risco de morte. O que se tem registro,

tanto em documentação bibliográfica como na memória dos nossos informantes, é que algu-

mas pessoas desempenharam alguns papéis marcantes, principalmente porque esses morado-

res avançaram as linhas já demarcadas pelo INCRA, em busca do novo e na espera da chega-

da dos recursos infra-estruturais prometidos. É emblemática a afirmação de um funcionário do

INCRA, Entrevistado D, ao comentar esse avanço, narrando o que ele chama de episódio exó-

tico, ou “pitoresco” sobre a “grilagem” de terras:

Tenho um registro pitoresco, muito comum à época, sobre a figura do famoso grilei-ro, neste caso, no bom sentido. Vivia-se num governo da ditadura militar, mas que era democrático e tolerante [sic]85 com a ocupação de terras na Amazônia, já que ocupar este território era um dos objetivos do mesmo.

Sem qualquer ofensa, mas apenas como registro histórico e respeitando a participa-ção desse cidadão e de sua família como pioneiros em Rolim de Moura, não posso esquecer o seguinte: quando iniciava a demarcação das primeiras quadras do Núcleo Urbano, iniciado as margens do Igarapé Anta, fiz uma inspeção até o cruzamento da linha 25 com a 184, surpreendendo-me com uma modesta armação em madeira (...). Medindo de 5 a 10 m², sob a sombra de uma árvore, numa pequena roçada, lá esta-va, o que se dizia na época, um grilo (...). Ali se estabeleceu por vários anos e o seu ponto, me parece, ficou por muito tempo como uma espécie de Rodoviária ou apoio da Viação União Cascavel. Antecipando desculpas e, como disse, sem qualquer o-fensa, pelo contrário, com muito respeito (...), defendo a tese de que este importante pioneiro86 foi o primeiro grileiro urbano do Município de Rolim de Moura. (EN-TREVISTADO D).

Esse fato ilustra como os colonos realmente não se detinham nos pátios do INCRA, à

espera de decisões. Avançavam e faziam aquilo para o que vieram: ocupavam, desmatavam e

plantavam... estabeleciam pontos comerciais e demandavam por escolas. E, neste caso, algo

pode ser destacado: esse, que nosso informante chama de “primeiro grilo”, era um ponto co-

mercial. Ora, os pontos comerciais se estabelecem para vender alguma coisa. E quem compra

o que está sendo vendido são pessoas das cercanias desse comércio. Ou, como disse outro

85 A afirmação textual do Entrevistado não reflete, em nossa opinião, o caráter ditatorial e repressivo do governo militar. 86 Esse “grileiro”, mencionado pelo Entrevistado D, é um de nossos Entrevistados; embora tenha sido menciona-do nominalmente neste depoimento, preferimos resguardar seu nome, com a ressalva de que esse personagem se reconhece como um dos primeiros moradores e é mencionado por outros Entrevistados como tendo sido o pri-meiro morador e comerciante da região que se formou como centro da cidade.

155

informante, comentando esse mesmo episódio, “ninguém vende nada, nem dá aula para maca-

co. Por isso que eu digo: quando colocaram esse primeiro ponto comercial havia gente para

comprar. E quando criaram a primeira escola tinha criança para estudar” (Entrevistado G). A

presença humana, portanto, é anterior à presença das instituições, sejam elas públicas ou pri-

vadas.

Quem ouve os depoimentos dos migrantes que se fixaram no início da cidade, contan-

do os episódios dos primeiros tempos de Rolim de Moura, tem a impressão de que nesta loca-

lidade se viveu cenas semelhantes aos episódios narrados por Jorge Amado (1984) em Tocaia

Grande, numa disputa de mortes que se sucediam por causa da terra e pelo domínio de uma

região e onde, ao mesmo tempo, não se manifesta a presença de um vilarejo em que se pudes-

se ver suntuosas construções. A casa e a cidade eram cobiças para o depois: “É onde vou fazer

minha casa, Coronel, quando a peleja acabar e vosmicê, cumprir o trato. Isto aqui ainda há de

ser uma cidade” (AMADO, 1984, p. 23). A fala de Natário, personagem de Jorge Amado, é a

fala de vários migrantes chegados em Rolim de Moura, aqui representados por um Entrevista-

do, que chamaremos de Entrevistado A, falando em um documentário sobre os 22 anos de

Rolim de Moura, (ROLIM DE MOURA, 2005) no qual conta o motivo de ter reservado para

si alguns lotes urbanos: “Quando eu reservei aquela área, ali perto do shopping, [região cen-

tral da cidade] veio o filho do senador Guedes e me perguntou prá que eu queria aquelas ter-

ras. Eu disse pra ele: ‘olha, doutor, isso aqui futuramente vai ser uma grande cidade’”. Alguns

desdenharam o que receberam, como conta o Entrevistado B, em depoimento à revista Idéias

& Fatos, explicando o motivo de ter recusado um terreno, na beira de um córrego, hoje no

centro da cidade: “Quando começaram a distribuir as datas aqui na cidade, entrei na fila. Qui-

seram me dar uma data ali perto do açougue Cristal87. Ali era um lagoão. Falei: ‘não quero

isso não! Não sou sapo pra viver no brejo!’” (IDÉIAS & FATOS (f), 2000, p. 18). Hoje esse

mesmo informante se lamenta por não ter aceitado. E comenta que acreditava na potenciali-

dade da região, dizendo que naquele tempo: “tinha muito sofrimento, mas eu via futuro; eu

sabia que a coisa era boa. O povão chegando...”. E esse “povão chegando” realmente edificou

a cidade e dentro dela as melhorias se fizeram. Na realidade, o que se percebia era a necessi-

dade de se apropriar da região, sem sobrados suntuosos, só com a força dos braços e constru-

ções rústicas. Depois do pé fincado no chão, era só deixar que as raízes crescessem.

87 Atual centro e uma das regiões imobiliárias mais valorizadas da cidade. As “datas” mencionadas pelo Entre-vistado correspondem ao terreno ou lote urbano, medindo 20m x 40m.

156

O estilo de construção típico das periferias das grandes cidades foi “exportado” para as

fronteiras da ocupação amazônica. E com isso, nasceram cidades, com algumas características

de favela, no norte brasileiro e especificamente em Rondônia. É o caso de Rolim de Moura,

em seu período inicial, a partir de 1975 até meados da década de 1980, quando ainda não pos-

suía as atuais edificações, sendo que na época se construía com aquilo que estava imediata-

mente à disposição. Esse fator era o que dava às vilas que estavam se formando um aspecto

não de cidade, mas de aglomerado urbano. Isso é o que aqui pudemos observar como uma

espécie de repetição do que estava ocorrendo, principalmente nas periferias das grandes cida-

des. Entretanto, com o transcorrer dos anos, em particular a partir da década de 1990, as ca-

racterísticas das habitações e demais prédios públicos e empresariais foram se modificando,

ganhando aspecto arquitetônico elaborado. As fotos do ANEXO C mostram parte das caracte-

rísticas do que viria a ser o centro da cidade.

As cidades em Rondônia se formaram muito rapidamente e com personagens diversi-

ficadas, tanto social como cultural e economicamente. Na realidade o processo de formação

das cidades deste estado ainda está em andamento, e no caso de Rolim de Moura, essa história

é de pouco mais de 20 anos88. A origem das pessoas que formaram as cidades de Rondônia e

o processo de migração, que era expressão das contradições, contrastes e conflitos no sul-

sudeste poderiam, desde o início, manifestar conflitos e explicitar superposição de um grupo

sobre outro, mas isso não se verificou na forma de construção das residências89. As constru-

ções luxuosas, que é uma forma a partir da qual podemos visualizar a diferenciação das clas-

ses, não esteve presente nos primeiros anos. Isso, entretanto, não implica dizer que as contra-

dições e conflitos não existiam. Elas apenas não estavam explícitas nas habitações. Essa dife-

renciação foi se evidenciando no transcorrer dos anos, quando as vias de acesso foram sendo

criadas ou melhoradas, possibilitando a chegada e comercialização diversificada de materiais

para as construções.

88 No período colonial, alguns bandeirantes passaram por Rondônia, seguindo os cursos de água. A mineração e extração de borracha não deixaram núcleos habitacionais. Somente a partir do final do século XIX, para a cons-trução da EFMM, se desenvolveram os núcleos de Porto Velho e Guajará-Mirim. Não estamos negando a pre-sença dos “soldados da Borracha”, apenas frisando que a ocupação sistemática do Território começou com a abertura da BR 364, no final do Governo JK e depois com a política de ocupação da Amazônia durante os go-vernos militares (LEAL, 1984; LIMA, 2001; PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992). 89 Essa observação pode ser feita quando se olha para as fotografias ou outras imagens das primeiras edificações, na cidade. Na página da prefeitura municipal, disponível em <http://www.rolimdemoura.ro.gov.br/v1/?id=2> podem ser observadas algumas dessas imagens antigas. Constata-se que as construções, no período que estamos estudando, eram feitas com o que era de mais fácil acesso, pois, segundo depoimentos dos Entrevistados, a difi-culdade de aquisição de material de construção era tremendamente difícil, além de caro. Por essa razão os possí-veis conflitos e sinais de ostentação não se evidenciavam nas construções, mas certamente aconteciam no cotidi-ano das relações, mesmo porque desde cedo houve “patrões e empregados”, como mostram Perdigão; Basségio (1992).

157

Uma forma de constatarmos as contradições e conflitos era a constância da violência.

Assassinatos se sucediam no dia-a-dia da cidade. E nem sempre aconteciam nas portas de

botecos, entre brigões embriagados. Muitos tombaram com um tiro vindo da tocaia, vitiman-

do alguém que estivesse numa contenda de terra, como ouvimos de várias pessoas entrevista-

das90. Outra vez, o desenvolvimento deste povoamento se aproxima da literatura, na já men-

cionada obra Tocaia Grande, de Jorge Amado (1984). Entretanto nem tudo era violência, pois

havia aqueles que preferiam negociar os problemas, evitando, com isso, maiores atritos, como

nosso informante, Entrevistado I explicando como resolveu uma questão:

Eu cheguei e precisava de um terreno para instalar minha máquina de arroz. O Fun-cionário do INCRA me cedeu duas datas. Quando vi que o mato já tinha sido derru-bado falei para o rapaz do INCRA que ali já tinha dono. Ele me disse que não, que o dono tinha abandonado. E eu fiquei. Um tempo depois apareceu o camarada, meio nervoso, querendo o que era dele. E era, pois ele tinha chegado primeiro, tinha feito a derrubada. Eu não derrubei nenhum pé de mato. Para evitar confusão propus com-prar. Ele aceitou. Eu paguei e fiquei contente. Eu não queira encrenca. A gente vivia muito bem, sem autoridade. A gente resolvia as coisas do nosso jeito. (ENTREVIS-TADO I).

O conflito, como podemos observar neste exemplo, foi deslocado, para explicitar a

contradição. Ambos buscando terra, mas o que possuía algum poder econômico podia se dar

ao luxo de propor a compra, não da terra, mas do produto do trabalho (MARTINS, 1993). A

força de trabalho do que havia derrubado o mato criou um bem comercializável. Essa situação

ilustra não a igualdade de condições, mas é uma evidência das diferenças sociais. Enquanto

um acumulava, comprando mais terra; o outro se tornava, na Amazônia da “solução para os

conflitos”, mais um sem-terra.

Com isso, voltemos às primeiras habitações no centro da cidade, as quais tinham pare-

des feitas de lascas de coqueiro e cobertas com tabuinha ou folhas de coqueiro. Mesmo os

primeiros estabelecimentos comerciais mantinham essas características de construção rústica

em lascas de coqueiro, e somente mais tarde com madeira serrada. A rusticidade das constru-

ções pode ser observada nas fotografias da época (ANEXO C) ou pelo depoimento de nossos

90 Confirmando a contenda por terra, podemos ler alguns depoimentos de Entrevistados na Revista Idéias & Fatos que mencionam esse tipo de confronto, como uma senhora que afirmou: “Nos primeiros tempos tinha muita briga e morte. Ouvia os tiros de noite e no dia seguinte a gente ficava sabendo da notícia” (IDÉIAS & FATOS (d), 1999, p. 18). Outro foi mais condescendente, talvez porque era um dos representantes do INCRA: ”Morreu muita gente, sim, mas por causa de acertos de contas antigas. Até as mortes por terra eram poucas” (IDÉIAS & FATOS (e), 1998, p. 18). Outro, hoje proprietário rural, mas que foi aluno dos primeiros anos, con-firma: “Era uma briga atrás da outra. Morreu muita gente por causa de terreno. O ser humano é assim. Ninguém gosta que o outro invada sua propriedade. E quando acontecia invasão a briga era certa: resolvia no tapa e na bala” (IDÉIAS & FATOS (c), 1999, p. 17)

158

Entrevistados. Podemos dizer que não havia preocupação com a beleza da arquitetura, mas

com a capacidade de alojar o empreendimento a que se destinava.

Quando dizemos que as residências, dos primeiros anos, não eram luxuosas, nem ti-

nham essa pretensão, não estamos propondo nada exagerado. Aquilo que poderia ser conside-

rado luxo, era supérfluo, no contexto da época. Não por sê-lo, de fato, mas porque as necessi-

dades e exigências, daquele momento histórico, eram outras.

Quando começaram a aparecer algumas construções em alvenaria, elas não mostravam

a preocupação com a beleza, mas com a praticidade; por muito tempo, permaneciam sem re-

boco, pois esse era um luxo do qual os primeiros habitantes não podiam gozar, devido a es-

cassez ou inexistência de material de construção. Mesmo prédios públicos em que se poderia

imaginar alguma ostentação do poderio econômico não davam essa demonstração. Antes, pelo

contrário, mostravam certa proximidade arquitetônica em que a simplicidade ou sobriedade se

fazia mais presente que possíveis distinções econômicas.

O que dissemos a respeito das habitações e casas comerciais, podemos aplicar também

à edificação em que funcionou a que foi considerada a primeira escola da área urbana, a esco-

la Pereira da Silva. Nesse ambiente escolar, também estava presente a aparente horizontalida-

de simétrica da sociedade. Essa primeira escola funcionou em um rancho: paredes de lascas

de coqueiro, coberto com tabuinhas. As duas salas em que estudaram as crianças matriculadas

no primeiro ano escolar, 1977, tinham como carteiras mesas e bancos comuns, feitos de pran-

chas de madeira fixados ao chão sobre estacas. O quadro de escrever era uma lona preta, onde

se escrevia com giz molhado. A partir dessas características podemos imaginar que esse pré-

dio escolar não foi nada parecido com uma construção luxuosa e tinha muito parentesco com

os ranchos em que viviam os pais das crianças que ali estudavam.

Quem está, hoje, instalado em residências confortáveis ou em salas de aula com relati-

vo conforto, não imagina o que foram os primeiros anos de Rondônia. Só a convivência e os

depoimentos dos colonos e migrantes é que nos podem dar uma idéia aproximada de como e

quais foram as dificuldades dos primeiros anos. Exemplo dessas dificuldades pode ser o que

contam as professoras (Entrevistados C; F), dizendo que precisavam ir a pé para buscar seus

pagamentos (em Cacoal, cerca de 70 km) ou para buscar materiais como giz e cadernos, tam-

bém em Cacoal ou Pimenta Bueno.

Sobre as dificuldades de acesso e locomoção, conta nossa Entrevistada F. sobre uma

dessas viagens, a pé, trazendo o pagamento, mantimentos e material escolar:

159

Quando chegamos na beira do rio eu já não agüentava mais. Minhas pernas parece que não obedeciam. Entrei na água, a gente tinha que atravessar andando por dentro do rio, e dei uns dez passos e parei. Disse pros outros. “Podem ir. Podem me deixar aqui. Daqui não saio mais. Não dou mais nenhum passo”. E parei. Eu não agüenta-va. Aí eles voltaram me pegaram pelos braços e terminaram de me atravessar o rio. Acampamos ali do outro lado. Descansamos e no outro dia chegamos em Rolim.

Devemos registrar, além disso, que essa primeira escola se concretizou a partir da mo-

bilização das pessoas que habitavam a localidade. Informação como essa pode ser confirmada

no depoimento de uma das primeiras professoras neste longo trecho transcrito de uma entre-

vista de 1999 (IDÉIAS & FATOS (c), 1999). Quando a procuramos para uma nova entrevista

a professora confirmou que, juntamente com três outras, mobilizaram a população, reivindi-

cando do INCRA a instalação de uma escola para atender aos filhos dos colonos e aos seus.

Uma escola que foi construída não pelo poder público, mas pela ação coletiva dos pais e pro-

fessoras. Na entrevista, de 1999, nossa Entrevistada C conta detalhes dessa construção:

I. F. - E a experiência da escola em Rolim de Moura?

Entrevistada C - Ainda em 77 conseguimos uma data em Rolim de Moura, onde se formou a cidade. Então fui para Cacoal ver se poderia fazer uma escola aqui. Auto-rizaram-me a fazer o levantamento dos alunos. Inclusive tenho comigo a relação dos 128 primeiros alunos. Com o levantamento em mãos fui para Cacoal arrumar minha transferência.

I. F. - Nessas alturas a escola já estava pronta?

Entrevistada C - Nem o local estava previsto. O INCRA me pediu para escolher o local da escola e as datas para as casas das professoras, perto da escola, pra ficar mais fácil o atendimento aos alunos, a preparação da merenda, pois não tinha nada. O Pe. Franco, na mesma época me pediu para demarcar o local da Igreja. E então, ainda na picada da 184 escolhi o local da escola, da igreja e as datas das casas das professoras. Isso era ali onde hoje é a matriz e a praça dos Imigrantes.

I. F. - Isso ainda em 77?

Entrevistada C - Chegamos aqui no dia de reis, dia 6 de janeiro de 1977. Saímos da linha 200 às 6:00 da manhã e chegamos ali onde é a Triangulina às 9:00 da noite. Ali tinha só um barraco do seu Durvalino, era um comércio. Ali passamos a noite e, no dia seguinte, fizemos o roçado para o rancho.

I. F. - E quem construiu a escola?

Entrevistada C - Foi uma coisa muito bonita. Reunimos os pais. Um dava prego, outro um dia de serviço. Quem não podia trabalhar pagava para um substituto. E com a ajuda dos pais fizemos a escola. De pau a pique, coberta de tabuinha. Inclusi-ve, esta cicatriz [mostra a mão], consegui ajudando a tirar as tabuinhas para a cober-ta. Mas não tinha quadro e nem dava para trazer, pois não tinha estradas.

I. F. - E o que fizeram, então?

Entrevistada C - Improvisamos. Estendemos uma lona preta na parede. Mas de manhã o giz não aparecia por causa da umidade. E à tarde, por causa do calor, o giz não grudava e caia. Era assim a nossa vida.

I. F. - E dentro da escola?

160

Entrevistada C - Eram duas turmas em uma só sala. Parede de pau a pique. Quando chovia tinha que encostar os alunos na parede oposta à chuva. Os bancos eram fin-cados no chão, com tábuas rústicas.

I. F. - E quem eram as professoras?

Entrevistada C - Eu era que tinha mais tempo de serviço. Mas junto comigo tinha a Creuza, que veio transferida. Em março foram contratadas a Maria Aparecida e a Amalha. (IDÉIAS & FATOS (c), 1999, p.15).

A partir do depoimento acima, sobre a construção da escola, podemos fazer uma pri-

meira análise, destacando a preocupação não com a construção de escolas e a escolarização,

mas o relativo abandono em que se encontravam as famílias e suas crianças, no que diz res-

peito à oferta de oportunidades de escolarização. A iniciativa para a criação e construção de

um estabelecimento escolar coube não ao poder público, mas aos moradores da localidade. Os

moradores, e não o INCRA ou outra instituição pública ou promotora da colonização, deram

os passos iniciais para a instalação dessa escola. É evidente que na seqüência os órgãos públi-

cos participaram do processo de edificação, mas fizeram isso a partir da iniciativa dos colo-

nos. Agiram a partir não de uma estruturada política de construção e oferta de escola, como

apregoavam os documentos do INCRA, mas em resposta à mobilização dos moradores.

Com isso, podemos dizer que não só as residências como também a instituição escolar

nasceu como um ranchinho. Assim, os primeiros tempos evidenciaram uma situação de difi-

culdade, que foi vencida ao longo dos anos, quando o vilarejo cresceu e foram sendo constru-

ídas outras escolas. Essas já com atenção, planejamento e dinheiro do poder público. A de-

manda por escola crescia em velocidade vertiginosa, exigindo do poder público a construção

de prédios públicos, os quais, devidamente reformados, ainda hoje figuram entre as grandes

escolas da cidade.

2- AS PRIMEIRAS ESCOLAS DA REGIÃO

Vimos até aqui algumas características de Rolim de Moura e de seu processo de for-

mação como cidade. Uma cidade que nasceu não como resposta a programas oficiais, mas

como alternativa criada pelos migrantes. Vejamos agora algumas características da implanta-

ção das primeiras escolas.

161

Dentro dos seus Projetos de Colonização, o INCRA previa a instalação de instituições

escolares. Essas instalações deveriam acontecer por meio de parceria com os órgãos educa-

cionais a fim de preparar melhor a população rural para que, por meio da educação, fossem

alcançados os objetivos do Instituto, que outro não era senão o mesmo do governo militar.

Portanto, a política educacional do INCRA era, no caso dos migrantes, na Amazônia, e parti-

cularmente em Rondônia: fixar a população à terra. Por isso o Instituto se deu como tarefa

preparar a população (INCRA, 1971) para aceitar suas deliberações no processo de adequação

dos colonos e do sistema educacional ao processo colonizador.

Observemos que o documento do Instituto (INCRA, 1971) como já o mencionamos,

utiliza uma expressão que pode soar problemático. O INCRA pretendia preparar a população

para a “compreensão” das estratégias do governo militar e para a “aceitação” do processo de

colonização efetuado pelo Instituto. Ou seja: aos migrantes não era dada alternativa; ou se era

dada uma alternativa era para que o colono se adequasse àquilo que o governo militar, por

meio do INCRA, estava oferecendo. Dessa forma, para atingir o objetivo de assentamento

dos migrantes, o Instituto se propunha a “promover o planejamento e a implantação do siste-

ma escolar necessário ao Projeto, assim como o controle do seu funcionamento”. O objetivo

disso não era o sistema escolar nem a escolarização, mas o próprio projeto de colonização.

Para isso o Instituto se propunha a “aproveitar, ao máximo possível, as estruturas existentes e

os recursos da população local” (INCRA, 1971, p. 100). Daí a contratação de pessoas que

estivessem dispostas a trabalhar como professores, mesmo que não tivessem formação para

isso.

Como a localidade em que se desenvolveu a cidade de Rolim de Moura pertencia a um

dos projetos de colonização do INCRA – a extensão Rolim de Moura, dentro do setor com o

mesmo nome - era de se supor que o Instituto tivesse se preocupado em instalar a estrutura

escolar que mencionava. Isso de fato aconteceu, mas a partir da solicitação da população,

mesmo na área rural, como afirma um de nossos informantes. Quando lhe perguntamos sobre

as escolas nas proximidades de seu sítio, respondeu que era comum ter escola “nos sítios em

que o proprietário doava um pedaço de terra” para isso. E muitos doavam, pois

muita gente acreditava que ter uma escola em sua propriedade valorizava o terreno. Por isso muita gente pedia que o INCRA instalasse uma escola em sua propriedade. E quando tinha alunos e professores eles [o INCRA] construíam a escola (ENTRE-VISTADO I, grifos nossos).

162

O mesmo podemos dizer em relação às escolas dentro do perímetro urbano. No local

destinado pelo Instituto para o desenvolvimento da cidade, a instituição escolar não teve a

iniciativa do INCRA, mas surgiu a partir da mobilização dos moradores. Conforme afirmaram

algumas de nossas informantes, ex-professoras (Entrevistados C; F), tanto na cidade como no

campo a escola foi organizada a partir da mobilização dos moradores e não por iniciativa do

INCRA.

Isso aconteceu, segundo as informações dos que iniciaram a colonização da região e

formaram a cidade a partir de 1975, quando o acampamento do INCRA estava sediado na

localidade chamada Abaitará, a meio caminho entre a atual cidade de Rolim de Moura e Pi-

menta Bueno. Nesse local estava se formando um aglomerado humano e também estava des-

tinada a um núcleo urbano. Ali as famílias chegavam e montavam um acampamento. Em se-

guida, o homem se embrenhava na floresta em busca de um lote para se fixar, deixando sua

família no acampamento do INCRA. Adiantavam-se, dessa forma, às medições que o INCRA

ainda faria. E faziam isso com o objetivo de assegurar seu pedaço de chão, antes que outro

migrante-colono o fizesse, pois, como já vimos, o volume de migrantes chegando era tão

grande que o Instituto não dava conta de atender a todos da forma como eventualmente teria

podido atender, se os movimentos sociais obedecessem os planos dos burocratas.

Nesse acampamento permaneciam as mulheres e crianças. Aí surgiu uma primeira i-

déia de instalação de escola. Mas segundo nossa Entrevistada C, uma das organizadoras dessa

escola e depois daquela que se instalou na cidade, a idéia “não vingou, no Abaitará”. Tanto

que causou estranheza ao pessoal do INCRA quando essa professora os procurou para a cria-

ção de uma escola numa outra localidade, mais próxima de onde se desenvolveu a cidade.

Essa localidade, a chamada “linha 200”, que atualmente faz parte da área rural do município,

fica a 16 km do centro de Rolim de Moura. A informante narra sua chegada a essa localidade

e sua experiência para a organização dessa escola. Em entrevista na sessão Galeria dos Pionei-

ros da revista Idéias & Fatos, em 1999, narra sua experiência, na “linha 200”:

Entrevistada C- Chegamos e encontramos bastante gente. Mas não tinha escola. Recebi uma autorização do INCRA para fazer o levantamento das crianças, com a finalidade de abrir uma escola.

I. F.- Então foi fácil criar uma escola ali?

Entrevistada C- Quando os pais ouviram falar que ia ter escola se animaram. Muita gente veio ajudar. Mas não foi fácil, pois os pais vinham, deixavam ali suas famílias e se embrenhavam pelo mato.

I. F.- E como era essa escola da Linha 200?

163

Entrevistada C- Era de Pau-a-Pique. Essa foi a primeira escola do município. Re-cebeu o nome de Vital Brasil. Os bancos eram de tábua rústica colocados sobre paus fincados no chão.

I. F.- E a reação do pessoal do INCRA?

Entrevistada C- Causou estranheza, pois no Abaitará era mais antigo e não tinha escola ainda. Quando cheguei falando em escola a mulher que me atendeu falou: “mas nem o Abaitará que é mais antigo tem escola e você vai por escola em Rolim de Moura?” Eu respondi que sim. (IDÉIAS & FATOS (c), 1999, p.15, grifos nos-sos).

Segundo essa informante, foi assim que se formou a primeira escola, na área rural, “i-

naugurada em agosto de 76”, como fala num outro trecho de sua entrevista e depois no depo-

imento em forma de questionário. Chama nossa atenção, nesse depoimento, a afirmação de

que: “Quando os pais ouviram falar que ia ter escola se animaram. Muita gente veio ajudar”.

O que teria gerado essa animação? O fato da escola, ou a idéia de oferecer aos filhos algo di-

ferente da vida de migrante-colono? Os pais vieram ajudar porque tinham pressa em ter escola

ou porque o INCRA, nessa localidade, não estava interessado em sua instalação? Lembrando

que a maioria desses migrantes chegava atraída pela propaganda oficial, uma propaganda que

anunciava a existência de infra-estrutura na localidade de assentamento. Esses migrantes che-

gavam e não encontravam as instalações e infra-estrutura que esperavam ou que era anuncia-

da. E por essa razão, ao ouvir falar em escola, se lançavam na ajuda. “Muita gente veio aju-

dar”, porque essa era uma das formas de se criar pelo menos parte da infra-estrutura anuncia-

da, não existente, mas sonhada. Podemos supor que era, também, uma forma de oferecer aos

filhos a possibilidade de melhorar de vida pela escolarização, uma vez que esses colonos, em

sua maioria, não possuíam um nível escolar elevado. Mas também chama a atenção o descré-

dito da funcionária do Instituto: “nem o Abaitará que é mais antigo tem escola”. Uma postura

não condizente com a proposta do Instituto que era oferecer, se não a escolaridade aos filhos

dos migrantes, pelo menos as condições para que a escola existisse. Esse descrédito indicaria

a verdadeira posição do poder público, querendo dizer que a escolaridade era algo destinado

não aos filhos dos trabalhadores, mas somente às classes dominantes? Ou indicaria a política

do governo militar: atrair os colonos e deixá-los entregues à própria sorte?

Além disso, o depoimento acima mencionado reforça, também, a afirmação de que a

instalação de instituição escolar nasceu da mobilização dos moradores locais. Podemos até

dizer que havia, nos documentos do INCRA, uma política em favor da abertura de escola ou

pelo menos de apoio aos colonos para suas iniciativas e para sua fixação nos locais a eles des-

164

tinados. Entretanto, a prática cotidiana do Instituto, ou pelo menos a postura dos agentes do

posto mencionado pela Entrevistada, entra em contradição com essa política. No documento,

já mencionado, Metodologia para Programação Operacional dos Projetos de Assentamento

de Agricultores, está explícito que uma das finalidades da ação educacional do INCRA era a

de “fornecer elementos para a adequação do ensino às necessidades da região e das áreas onde

atua” (INCRA, 1971, p. 99. Grifo nosso). Além disso, um dos critérios de infra-estrutura soci-

al, mencionado no mesmo manual, inclui: os “campos de saúde, habitação e educação” (Ibid,

p. 18). E, ainda, como já mencionamos anteriormente, os PICs tinham como um de seus obje-

tivos a educação (ARRUDA, 1977) e, dos doze programas do Instituto, para o ordenamento

das políticas de ação referentes a assentamentos, justamente o sétimo programa é dedicado

especificamente à educação. Dessa forma, realmente cabe uma indagação sobre o porquê da

funcionária mencionada pela Entrevistada ter estranhado o fato dessa professora tê-la procu-

rado para criação de escola na localidade. Mais ainda, reforça a idéia de que não havia preo-

cupação com a questão educacional.

Dando razão a Oliveira (1989), podemos afirmar que a ocupação da Amazônia foi par-

te de um projeto do capital e, dessa forma, indicaria a própria contradição capitalista, por um

lado, dependendo da força de trabalho do proletário; e por outro, oferecendo-lhe perspectiva

de autonomia. Mas não dá para desconsiderar a outra política que era a de criar, na Amazônia,

como afirma esse autor, uma “válvula de escape” para as pressões sociais no sul-sudeste e

disponibilizar força de trabalho na Amazônia. E, como tal, essa força de trabalho, que se des-

tinaria ao desmatamento e preparação para o processo de concentração fundiária, era vista

como um grupo social que não necessitava de escolarização. Lembrando que a legislação e-

ducacional do período – lei 5.692-71 – mantinha o princípio da qualificação para o trabalho e

considerando que os migrantes/colonos vinham para se dedicar ao trabalho pesado de desma-

tamento, podemos imaginar que para eles e seus filhos a escolarização fosse algo de impor-

tância secundária. Permanece, portanto, a afirmação de que a ocupação da Amazônia foi feita

em nome de uma ação capitalista.

É assim que devemos entender a lógica da colonização, aparentemente contraditória ao processo geral da expropriação da terra pelos capitalistas aos camponeses. É que este processo de expropriação deve também ser entendido de forma contraditória. É por este caminho que se entende o governo reabrindo o acesso à terra a camponeses expropriados. É por isso, e pela lógica imposta pela terra-mercadoria, quer dizer e-

165

quivalente de mercadoria, que se faz com que grandes grupos econômicos entrem nos projetos de colonização como campo de atuação econômica.

O movimento da lógica capitalista passa, pois, pela recriação daquilo que ela mesma destrói. (OLIVEIRA, 1989, p. 92-93).

Outro detalhe que chama a atenção é o fato de as primeiras escolas terem sido criadas

na zona rural. Mas isso se explica, pois a ocupação da região se deu a partir da distribuição de

lotes rurais e somente depois surgiu a cidade e na seqüência as escolas da cidade. Entende-se

que as escolas foram se formando onde estava a população e esta havia se alojado primeiro na

área rural – mesmo porque a urbana não existia. E assim se entende a proliferação de escolas

na área rural, antes das escolas urbanas.

TABELA 1: NÚMERO DE ESCOLAS RURAIS CRIADAS EM ROLIM DE MOURA – 1975/1983

Ano Nº de Escolas 1975 1 1976 0 1977 0 1978 12 1979 0 1980 28 1981 60 1982 31 1983 1

Total 133

Fonte: SEMEC - Rolim de Moura - RO, 2006

Além da escola “Vital Brasil”, anteriormente mencionada, outras foram criadas, na á-

rea rural, no período entre 1975-1983. De acordo com uma relação fornecida pela SEMEC

(Secretaria Municipal de Educação e Cultura) de Rolim de Moura, nesse período foram cria-

das 133 escolas, na zona rural. De acordo com esse documento, nos anos de 1976, 1977 e

1979, não consta a criação de nenhuma escola, como mostra a tabela 1.

A tabela 1, além disso, mostra que o número de escolas aumentou. Entretanto, com o

transcorrer dos anos e a criação de novos municípios, inclusive alguns sendo desmembrados

da área de Rolim de Moura, várias dessas escolas foram transferidas para esses municípios.

Notemos que o auge da criação de escolas corresponde ao auge da chegada de migrantes a

região, ou seja, o período de 1978-1982, tendo sido o ano de 1981 o ponto mais alto, com 60

escolas criadas. Ou seja, quase a metade do total de escolas, do período que estamos analisan-

do, foram criadas em um único ano.

166

As demais escolas rurais da região de Rolim de Moura foram criadas posteriormente a

1983, após a criação do município. Isso equivale dizer que na zona rural, entre 1975-1982

foram criadas 132 escolas e apenas 1 no ano de 1983, conforme relação mencionada. Nessa

mesma lista (ROLIM DE MOURA, 2006), se considerarmos que 133 escolas rurais foram

criadas entre 1975-1983, veremos que apenas 57 foram criadas após 1983, quando Rolim de

Moura já havia sido transformado em município. Mais exatamente, as demais escolas foram

criadas a partir de 1985. Noutras palavras, podemos dizer que o volume de criação de escolas

corresponde ao auge da chegada de migrantes, até meados da década de 1980, declinando nos

anos posteriores a 1985, na mesma proporção em que decresceu o volume de chegada de mi-

grantes.

No ano de 1979, um relatório de necessidades, da Secretaria de Educação do Território

(RONDÔNIA, 1979), refere-se a 46 escolas da zona rural do “setor Rolim de Moura”, para

atendimento de 1ª à 4ª séries. Uma delas, entretanto, aparece como fechada, sem especificação

do motivo. Vamos considerar, portanto, apenas as 45 em atividade. Nessas podemos notar as

seguintes características: são construções novas, todas de “tapiri” 91. Suas necessidades eram:

carteiras, quadro, mesa e filtro de água, todas eram consideradas provisórias. Desse total, 32

são mencionadas como “sem nomenclatura” e apenas 13 têm nome. Sua localização é feita

pelos números: da linha, da gleba e do lote. Em relação aos alunos, o relatório é parcial. Ape-

nas 28 escolas apresentam número de alunos, num total de 807.

Comparando o “setor Rolim de Moura” com o “setor Gy-Paraná”, mencionado no

mesmo documento, observamos que enquanto o primeiro menciona as necessidades de 45

escolas, o segundo relaciona 105, totalizando 150 escolas rurais em ambos os setores. Nesse

ano, todas estavam sob a jurisdição do município de Cacoal. Embora as necessidades sejam as

mesmas, (carteiras, quadro, mesa e filtro de água) uma dessas escolas necessita também de

uma “bandeira nacional”. No setor Gy-Paraná as construções são diferenciadas: 51 aparecem

como sendo de “tapiri”, consideradas provisórias e as outras 54 são “construções em tábua”,

consideradas “definitivas”. Além disso, nesse setor do PIC, com exceção de duas escolas de

tábua, que necessitam de recuperação, todas as demais são mencionadas como “nova constru-

ção”. Nesse setor também é mencionada uma escola fechada por “falta de professora”

91 De acordo com o Dicionário Aurélio (1975) esta é uma palavra de origem tupi, que significa construção rústi-ca; cabana; “espécie de barraca”. Corresponde às descrições ou fotografias a que tivemos acesso algumas das quais podem ser vistas no ANEXO C.

167

Ainda no relatório, em que são relacionadas 45 das escolas rurais de Rolim de Moura

(RONDÔNIA, 1979), somando o total de carteiras em falta veremos que necessitam de 1.028

carteiras. Isso dá uma média de 22,84 carteiras por escola. Podemos dizer, a partir disso, que a

perspectiva de atendimento é relativamente alta. Entretanto, a caracterização das escolas é de

completa precariedade, pois além das construções serem em “tapiri” faltam-lhes elementos

mínimos, como quadro, carteira e mesa. Podemos dizer que se tratava de uma escola em que

só existia a construção – podemos supor – feita pelos colonos.

Voltando à lista fornecida pela Semec, (ROLIM DE MOURA, 2006), em que apare-

cem 133 escolas entre 1975-1983. Somando-se com as escolas que foram criadas depois dessa

data, veremos que elas tiveram três destinos: algumas foram desativadas em virtude de falta

de demanda. O processo de concentração fundiária produziu, também em Rondônia, princi-

palmente a partir do final do século XX, um processo de esvaziamento do campo e, como

conseqüência, a maioria dos colonos migrou ou para a zona urbana ou para outros municípios.

Outras foram desativadas para que os estudantes da área rural fossem concentrados em “esco-

las pólos”, sendo que o fenômeno da polarização das escolas, em Rolim de Moura, começou

em 1999. Alunos das várias “linhas” adjacentes passaram a ser transportados por ônibus esco-

lares até uma escola em alvenaria, localizada a 12 km a leste do centro da cidade. Atualmente

são duas as “escolas pólo” sendo que a outra se localiza a 8 km a oeste do centro e em ambos

os casos os alunos das adjacências são transportados em ônibus escolares até as escolas. Por

fim, várias daquelas escolas rurais foram transferidas para a jurisdição dos novos municípios,

que haviam sido desmembrados da área de Rolim de Moura. A partir disso podemos dizer

que, da mesma forma que o governo federal organizou o estado de Rondônia, para não admi-

nistrar, diretamente, possíveis problemas que poderiam advir com o aumento populacional, de

forma semelhante a prefeitura de Rolim de Moura se desfez de alguns de seus distritos92, entre

outros motivos, pela dificuldade de administrar essas localidades. Com a ressalva de que mui-

tos moradores desses “novos” municípios ainda procuram a cidade de Rolim de Moura em

busca de alguns serviços, principalmente bancário e médico-hospitalar.

Outro elemento intrigante é o fato dos depoimentos dos Entrevistados afirmarem que a

primeira escola do município ser a “Vital Brasil”, “ainda na linha 200”, criada em 1976 (En-

trevistados C; D; E). Destacando que a Entrevistada C, ao lado de outras três, foram as pri-

92 Não vamos entrar na discussão sobre a pertinência ou não da criação de municípios. O fato é que o estado de Rondônia que foi criado com 13 municípios, em 1981, atualmente conta com 52 municípios. Alguns em franco desenvolvimento e outros enfrentando sérios problemas em sua administração, visto serem localidades pequenas, com poucos habitantes e pouca arrecadação.

168

meiras professoras da área urbana e esta foi quem encaminhou o levantamento dos alunos e a

criação desta escola rural (Vital Brasil). Entretanto, não localizamos, na documentação da

prefeitura, à qual tivemos acesso, nenhum registro ou documento oficial mencionando essa

escola – em conversa informal com os funcionários da SEMEC, nenhum forneceu informação

precisa sobre ela. Apesar disso, a escola “Vital Brasil” é uma lembrança viva na memória dos

Entrevistados e daqueles que viveram os primeiros anos em que se estruturou a cidade e essas

escolas,93 além de estar presente em pequenos textos publicados em jornais e revistas daquela

época. Uma dessas revistas diz que em 1976 foram “instaladas as primeiras famílias de pio-

neiros” os quais, “na chamada linha 200, cerca de 16 km do atual centro de Rolim de Moura,

onde [sic] inauguraram, em agosto de 1976, a primeira escola, a ‘Vital Brasil’” (RONDÔNIA

EM REVISTA, 1982, p. 7). E mais adiante, na mesma revista, numa página dedicada a “pio-

neiros”, podemos ler: “dona Enilde, que já lecionava na fazenda Castanhal, em Cacoal, (...)

passou a lecionar na escola Vital Brasil” (Ibid, p. 16).

Ressaltamos que o processo de ocupação da região da cidade aconteceu, principalmen-

te, de leste para oeste. E a linha 200, onde estaria situada a escola Vital Brasil localizava-se a

leste, portanto, antes da cidade; em razão disso é perfeitamente compreensível que tenha sido

criada antes dos colonos terem adentrado pela região da cidade. E aqui vem outro elemento

curioso: a relação fornecida pela Secretaria da Educação de Rolim de Moura menciona a es-

cola Joaquim Nabuco, localizada na Linha 176, lado sul, com parecer de autorização do Con-

selho Territorial de Educação número 246/CTE, ostentando um decreto de criação com data

de 1975. Essa localização está a oeste da cidade, lado oposto ao fluxo de migrantes vindos de

Pimenta Bueno e Cacoal, localizados a leste e norte, respectivamente. Ou seja, a referida es-

cola, com decreto nº 755/75, foi criada cerca de um ano antes daquela que é considerada a

primeira escola, mencionada pela memória dos entrevistados. Além de não localizarmos re-

gistros oficiais sobre aquela que é considerada a primeira escola, não se localiza, na memória

dos entrevistados, nenhuma menção a esta que, de acordo com os documentos, é a escola mais

antiga da área rural. Ressaltando que a escola Joaquim Nabuco localiza-se a 8 km do centro

da cidade, em direção oeste, extremo oposto ao sentido do início da ocupação e colonização

do município.

93 Uma explicação para isso, segundo o próprio pessoal da Secretaria Municipal, é o fato de que nesse período o controle documental era frágil e muita coisa se perdeu; ou pelo fato de um grande volume de documentos ter sido queimado quando se incendiou um prédio, do município de Cacoal – ao qual Rolim de Mura era subordina-do. Nesse prédio funcionava, entre outras instituições, um arquivo da Secretaria da Educação daquele município. Lembremo-nos, também, que em documentos já mencionados, (RONDÔNIA, 1979) aparecem várias escolas especificadas como “sem nomenclatura”.

169

Outra curiosidade é que ambas as escolas não aparecem na lista fornecida pela Secre-

taria Territorial de Educação, com data de 1979, em que aparecem as necessidades de 45 es-

colas. Neste caso, entretanto, a lista menciona várias escolas relacionadas como “sem nomen-

clatura”, duas delas podendo ser as Escolas Vital Brasil e Joaquim Nabuco. Entretanto, não

temos elementos para fazer essa afirmação e, portanto, essa permanece sendo uma questão a

ser resolvida ou a ser creditada àquilo que uma entrevistada mencionou como sendo “debili-

dade” (Entrevistado J) da documentação do período. Dessa forma, temos uma lacuna entre o

que nos mostra a documentação oficial, indicando uma escola mais antiga e a indicação da

memória dos Entrevistados, falando de uma escola que não consta nos registros oficiais, mas

consta em vários depoimentos e em escritos antigos.

Ressaltamos, ainda, que o número total de escolas, na área rural, mencionado pela do-

cumentação da Prefeitura de Rolim de Moura (ROLIM DE MOURA, 2006) é diferente do

total de escolas mencionado no documento do governo territorial (RONDÔNIA, 1979). Essa

diferença, entretanto pode ser explicada da seguinte forma: o documento do governo territori-

al é um relatório de necessidades. Podemos supor que do total de escolas construídas somente

as mencionadas no relatório tivessem, naquele momento alguma necessidade; e que as de-

mais, naquele momento, podiam ter outras dificuldades que não estivessem naquele relatório.

Isso,entretanto, é apenas uma suposição que pode explicar a divergência de dados.

Comparando o número de escolas nos ambientes rural e urbano, constatamos que na

área urbana a criação de escolas não obedeceu ao mesmo ritmo que vinha ocorrendo no meio

rural. Enquanto na área rural foram construídas mais de cem escolas, entre 1975-1983, nesse

mesmo período foram construídas duas escolas na cidade. Entretanto, o volume populacional

e de alunos, na área urbana, foi maior. Ou seja, duas escolas na cidade atenderam a um núme-

ro maior de alunos do que as quase cento e cinqüenta da área rural.

Em relação às escolas urbanas, os procedimentos não foram diferentes. Nasceram,

também, a partir da solicitação dos moradores, como já havia acontecido em relação à zona

rural. Tanto os moradores como o pessoal do INCRA constatavam o volume crescente de mi-

grantes chegando. Essa situação exigia algumas decisões do poder público e a missão do IN-

CRA era promover a distribuição de terra, promovendo a colonização. E isso foi feito, inici-

almente, não com a criação de escolas, mas com a distribuição dos lotes a fim de que os mo-

radores já instalados pudessem começar a construir suas habitações em terrenos legalizados.

Dessa forma o INCRA, em 10 de agosto de 1977, entregou os primeiros 10 lotes, urbanos,

sendo que o primeiro para um futuro empresário dos transportes e o outro para a instalação de

170

uma bicicletaria, conforme nos informou o Entrevistado D, ainda hoje funcionário do IN-

CRA, que naquela época chefiou e efetuou essa distribuição.

Em conseqüência do aumento populacional, devido à chegada de colonos com suas

famílias, na busca de melhores colocações, as mesmas professoras que já estavam atuando na

área rural se deslocaram para a cidade que se formava; fizeram levantamento das crianças e

solicitaram que o INCRA destinasse terreno para o edifício da escola e moradia das professo-

ras94. Essa versão é confirmada por duas das nossas informantes (Entrevistadas C e F), que

foram professoras nesses primeiros anos. Ambas dizem que foi feito o levantamento das cri-

anças e, cada uma a seu tempo, solicitou a criação da escola e receberam do INCRA a incum-

bência de demarcar um local para a escola e outros “para casa das professoras95”. Elas com-

pletam dizendo que foram alertadas para que os locais das residências não deveriam ficar

muito distante para facilitar o atendimento à escola e aos alunos.

E foi com essa perspectiva que as professoras demarcaram o local para a escola e, no

mesmo ato, a pedido do “padre de Cacoal”, que atendia aos moradores da região, demarcaram

o local em que deveria ser construída a igreja Católica, cujo primeiro prédio também foi edifi-

cado com lascas de coqueiro, estilo tapiri, como nos informaram nossas entrevistadas. Dessa

forma, as mesmas professoras fizeram o triplo trabalho de demarcar um local para a igreja,

outro para a residência das professoras e o terceiro para a edificação da escola, todos próxi-

mos. Tão próximos que ainda em 1978 a construção que funcionava como igreja foi usada

como sala de aula. Foi assim até que essa escola fosse transferida para outro local, em cons-

trução permanente, em tábua e coberta com telhas tipo amianto. E nesse local permanece até

os dias atuais, embora já com outra denominação.

Essa primeira escola da área urbana é a que já foi mencionada por uma entrevistada

como a Escola Pereira da Silva e que depois foi “transformada em supletivo” e renomeada

para “Governador Jorge Teixeira de Oliveira”. Em seguida, já em 1982, começou a funcionar

a segunda escola, que recebeu o nome do ex-governador, coronel Aluísio Pinheiro Ferreira.

Dentro da área urbana, portanto, as duas primeiras escolas foram essas, tendo iniciado seu

funcionamento, respectivamente, em 1977 e 1982, para atender além de alunos de primeira à

94 A Entrevistada F residia e lecionava numa escola rural na localidade de Igarapé Grande, ainda hoje na zona rural, entre as atuais cidades de Ji-Paraná e Jaru; a Entrevistada C residia e lecionava na Fazenda Castanhal, cerca de 30 km da atual cidade de Cacoal. Ambas chegaram a Rolim de Moura no mesmo ano de 1976 e no mesmo período efetuaram levantamento de demanda para solicitar do INCRA, a instalação de uma escola, a qual se concretizou com o nome de Pereira da Silva. 95 Chama a atenção o fato de que, nesse período e nesta região pesquisados a referência ao profissional da educa-ção mencionar sempre a figura da “professora”. Mereceria outro estudo o fato dessa aparente ausência da figura masculina atuando no magistério, neste contexto.

171

quarta série, as primeiras turmas das séries seguintes. Com um detalhe, as respectivas docu-

mentações dessas escolas já não ostentam nenhuma ligação com o INCRA, mas somente com

a Secretaria de Educação do Território Federal de Rondônia. Ou seja, a partir de 1977, com a

criação das escolas urbanas no povoado de Rolim de Moura, a responsabilidade sobre o sis-

tema escolar, manutenção de escolas, seleção e contratação de professores passou a ser da

Secretaria de Educação do Território Federal de Rondônia.

Ainda sobre a criação dessas escolas: a Pereira da Silva foi criada para atender de

primeira à quarta série, tendo, em seguida ampliando seu atendimento até a oitava série. Por

sua vez a escola Aluísio Pinheiro Ferreira foi criada já com a denominação de escola de pri-

meiro e segundo graus. Indicando com isso, entre outras coisas, que havia uma visão de que a

localidade estava crescendo em número de habitantes. A ação pública ao criar escolas partia

de uma idéia padronizada de escolarização, ou seja, ao criar uma escola tinha por objetivo

atender o primeiro e segundo graus. A incongruência está no fato de que não havia força de

trabalho qualificada para atender aos alunos dessas escolas. Não é demais lembrar que o se-

gundo grau, nesse momento da história brasileira, tinha caráter profissionalizante; mesmo

criada a escola para primeiro e segundo graus, não havia disponibilidade de professores, me-

nos ainda para formar profissionais, como apregoava a legislação da época.

A denominação das instituições escolares entra em consonância com o comentário de

Germano (2005), a respeito de um estudo realizado no Nordeste, mostrando que as regiões ou

escolas de pouca afluência de pessoas, como as das áreas rurais, qualquer nome podia ser usa-

do para denominar o estabelecimento. Por sua vez, as grandes escolas das áreas urbanas me-

reciam nome de personagens das forças armadas ou de seus representantes. Também esse, um

artifício usado para tentar a legitimação do grupo que governava de forma ilegítima e que se

utilizou de vários mecanismos para se impor e permanecer no poder.

Isso se acentua ainda mais quando verificamos que o nome da primeira escola da área

urbana, enquanto era uma escola pequena, com pouca afluência de alunos – começou com

duas salas – havia sido escola Pereira da Silva, nome de um poeta português. E, com a ampli-

ação do número de alunos e de atendimento mais diversificado – ensino regular e supletivo –

essa escola recebeu outro nome, passou a se chamar Governador Jorge Teixeira de Oliveira,

um militar, nomeado pelo regime como governador do território.

Também chama a atenção o fato de que, para ser criada a primeira turma de quinta sé-

rie, para essa escola, foi feita uma busca de “barraco em barraco”, como afirmou o Entrevis-

tado G. Esse Entrevistado era esposo de uma das primeiras professoras e futuro aluno – em-

172

bora tenha participado desse levantamento de demanda, em 1978, na qualidade de esposo da

professora. Mais uma vez está presente a ação dos moradores na busca da concretização de

uma expectativa de melhoria de condições: possibilidade de continuação de estudos,

A partir dos primeiros levantamentos, em 1978, constatou-se que ainda havia poucos

potenciais alunos para a 5ª série. Uma das professoras que realizou com o esposo o levanta-

mento detectou pouco mais de 50 potenciais alunos (Entrevistada F). No mesmo ano a Entre-

vistada C realizou outro levantamento detectando mais de 100 alunos, dizendo que “ainda

tenho comigo a lista com o nome dos 128 alunos”. Esse número aumentou exponencialmente

nos anos seguintes. Entretanto, aumentou o número de potenciais alunos sem que na mesma

proporção tenha aumentado a disponibilidade de professores. E isso se explica de forma um

tanto simples: os que migravam para Rondônia eram principalmente aqueles que estavam sem

condições de se reestruturar economicamente noutras regiões ou em sua região de origem.

Esses eram, em grande parte, justamente moradores da área rural, em sua maioria com pouca

escolaridade, daí a falta de professores, neste período (1978-1983) em que, segundo Batista e

Botelho (1998), chegaram apenas 487 professores em Rondônia.

Em relação à escola Pereira da Silva podemos dizer que teve vida curta. Tendo sido

construída em 1977, pouco tempo depois (1980) foi transferida para um local definitivo, mas

em 1984 já estava desativada, passando a ter outra denominação e destino tendo sido renome-

ada para Centro de Estudos Supletivos (CES) Jorge Teixeira de Oliveira. Em despacho do

Conselho Estadual de Educação (CEE) (RONDÔNIA, 1998) há uma breve descrição do pré-

dio e de seu histórico. Diz que o Centro de Estudos Supletivos “teve início de funcionamento

em 06 de janeiro de 1984”, ocupando o prédio da “desativada Escola Pereira da Silva”, como

ainda afirma o documento: “O mencionado Centro de Estudos Supletivos funciona em prédio

cedido pela escola Pereira da Silva com exclusividade para o CES, tendo em vista a mencio-

nada escola estar desativada para o ensino regular”. Segue-se a descrição do prédio: “O refe-

rido prédio é construído em madeira com cobertura em telha de cimento amianto e piso ci-

mentado”. Essas características permanecem até os dias atuais.

Nossa informante, Entrevistada C, conta que algum tempo depois de ter se transferido

para a cidade – ou para aquilo que estava se formando como a cidade de Rolim de Moura –

ajudou a organizar e construir a primeira escola da área urbana. E, segundo ela, contou com a

mesma empolgação dos pais, como havia acontecido na sua experiência anterior, na área ru-

ral, na chamada “linha 200”. E na entrevista já mencionada indica a cronologia da criação de

outras escolas, agora na cidade:

173

Onde é a cidade, a primeira escola foi a Pereira da Silva, criada ali em frente à ma-triz, em 15/02/77. Em 1979 já tinha turmas de 5ª série. Em 1980 o Pereira da Silva foi transferido para o local em que está hoje, onde funciona o Supletivo. Em l98l foi construída a Escola Aluízio. Depois foi o Cândido Portinari, Tancredo Neves, Nil-son Silva96 [...]. Mas aí a cidade já estava crescida... É bom lembrar que a Igreja, que também era de pau-a-pique, foi utilizada como sala de aula. (IDÉIAS & FATOS (c), 1999, p. 15).

O volume de matrículas, nessa primeira escola urbana, cresceu muito rapidamente. Em

1978 atendera 82 alunos, passando para 273 em 1979; 965 em 1980 e ultrapassando os mil

alunos a partir de 1981. A tendência de crescimento foi tanta que exigiu a construção de um

novo prédio, com cinco salas, para atender à demanda; além disso, em 1981 foi construída

uma nova escola, Coronel Aluísio Pinheiro Ferreira, a qual passou a funcionar em 1982. Além

disso, devido ao aumento do número de alunos e mesmo com mais salas foi necessário, du-

rante todo esse período, o atendimento em três turnos: matutino, intermediário e vespertino, e

em 1980 a escola Pereira da Silva iniciou a oferta de aulas também no período noturno.

A escola Aluízio Pinheiro Ferreira já nasceu para atender a uma clientela de alunos de

primeira ao terceiro ano do segundo graus. E, embora fosse um prédio grande, suas caracterís-

ticas físicas eram rudimentares. Como se pode ler na descrição, feita em 1992, dez anos após

sua criação, falando do aspecto físico do prédio, (RONDÔNIA, 1992). Diz o documento de

CEE que “o prédio é basicamente construído em alvenaria com placas de madeiras e alambra-

dos, coberto com telhas de cimento amianto, o forro é de madeira e o piso de cimento”. Esse

documento, que foi expedido para negar o reconhecimento à escola, autoriza seu funciona-

mento e convalida os estudos ali realizados dando validade aos documentos expedidos. E o

voto do relator do parecer, para o não reconhecimento tem, entre outros motivos, o “número

significativo de profissionais técnicos e docentes sem habilitação específica para o exercício

da função ou para os níveis de ensino que lecionam” na escola. Ou seja, na escola, dez anos

após sua criação, ainda faltavam professores habilitados. Antes disso, ainda em 1989, o pare-

cer 072/CEE/RO/89, reconhece que o pessoal técnico da escola necessita de “treinamento e

reciclagem” [sic] e do ponto de vista pedagógico “há necessidade de ampliar o quadro docen-

te visto que o existente é insuficiente para atender a demanda escolar” (RONDÔNIA, 1989).

Para os cursos de segundo graus criados em Rolim de Moura, no transcorrer dos anos

permanecia a carência de profissionais habilitados. Se considerarmos os dados apresentados

96 Todas essas escolas foram construídas posteriormente a 1983, quando a vila de Rolim de Moura já havia sido transformada em Município, sendo que a Escola Candido Portinari foi posta a funcionar em 1984 e as outras nos anos posteriores.

174

por Batista e Botelho (1988), sobre o número de migrantes que chegaram a Rondônia nesse

período, com curso superior, teremos poucos mais de mil profissionais. Podemos nos pergun-

tar quantos desses poderiam ser professores e terem vindo para Rolim de Moura?

Os pareceres acima mencionados apontam várias deficiências, entre elas uma é a falta

de profissionais e de professores habilitados. Se no começo dos anos 1990 as escolas careciam

de professores habilitados, que dizer dos períodos anteriores e, mais especificamente, nas dé-

cadas de 1970-1980? A deficiência de pessoal habilitado vem acompanhando a história da

educação em Rolim de Moura desde seu nascimento. Somente no final do século XX é que

podemos dizer que mais de 80% do quadro de profissionais da educação, no estado de Ron-

dônia, ultrapassou a linha do ensino médio, atingindo o nível superior.

TABELA 2 – ESCOLA PEREIRA DA SILVA: ALUNOS MATRICULADOS - 1978-1983

Série Ano

1 2 3 4 5 6 7 8 Total 1978 37 16 18 11 0 0 0 0 82 1979 96 72 44 46 13 0 0 0 273 1980 345 180 139 103 119 43 27 9 965 1981 504 232 218 155 177 116 60 19 1481 1982 385 155 129 89 50 29 27 0 864 1983 529 382 315 194 96 61 36 44 1657

Fonte: Arquivo REN/SEDUC - Rolim de Moura - RO – 2006

A Escola Pereira da Silva, no ano de 1979, começou a oferecer a quinta série (tabela

2). Nesse ano, a escola atendeu quatro turmas no período matutino, duas no período interme-

diário e mais duas turmas no período vespertino. Isso com apenas duas salas, razão pela qual

foi utilizada, em virtude da proximidade da escola, a construção onde funcionava a igreja ca-

tólica, como sala de aula, para alojar duas turmas.

A utilização do espaço da igreja se deve, entre outros elementos, fato das construções

da igreja e da escola serem bastante próximas. Ao ponto de possuírem o mesmo pátio que fora

aberto com a derrubada das árvores que compunham aquela parte da floresta. O ponto esco-

lhido localizava-se bastante próximo ao ponto em que se cruzavam a via de acesso vinda de

leste para oeste (hoje Av. 25 de Agosto) com a linha 184 sentido norte-sul, correspondendo à

atual Av Norte-sul. No processo de ocupação e estruturação da cidade essa região permaneceu

no centro da cidade.

175

TABELA 3 – ESCOLA PEREIRA DA SILVA: DESISTÊNCIA, TRANSFERÊNCIA E REPROVAÇÃO - 1978-1983

Série Ano

Situação 1 2 3 4 5 6 7 8 Total D 0 0 0 0 0 0 0 0 0 T 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1978 R 0 0 0 0 0 0 0 0 0 D 15 16 5 4 2 0 0 0 42 T 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1979 R 16 10 4 8 0 0 0 0 38 D 107 52 29 26 45 14 13 3 289 T 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1980 R 99 17 17 3 2 3 2 0 143 D 156 38 17 27 31 21 10 6 306 T 272 120 168 49 62 51 36 13 771 1981 R 17 13 5 0 27 6 0 0 68 D 96 26 20 14 25 8 6 0 192 T 56 16 20 8 5 3 1 0 109 1982 R 38 9 3 9 0 0 0 0 60 D 167 78 55 17 57 17 15 13 419 T 69 25 34 16 6 9 5 1 165 1983 R 85 43 34 14 8 5 0 3 192

Legenda: D: Desistência; T: Transferência; R: Reprovação.

Fonte: Arquivo REN/SEDUC-Rolim de Moura-RO - 2006

Por seu turno, se aumentou o volume de matrículas, aumentou, também, o volume de

desistências. Enquanto no ano de 1978, não ocorreu nenhuma desistência, nos anos seguintes

elas se manifestaram bastante acentuadamente. As reprovações também começaram a apare-

cer. A partir de 1979 começaram a aparecer as desistências e reprovações e a partir de 1981

aparecem, também, as transferências, como mostra a tabela 3. Notando que os números desse

ano são bastante dissonantes em relação aos outros anos. Isso pode ser visto como indicativo

de aumento do fluxo migratório.

Podemos dizer que as situações: “desistência” e “transferência” são elementos que po-

dem ser indicadores de situação em que se mainifesta instabilidade social, visto que as famí-

lias não se estabelecem, definitivamente, em uma localidade, mas tendem a migrar constan-

temente. Esse elemento ou essa necessidade de pedir transferência ou desistir do ano escolar,

portanto, pode ser usado para caracterizar essa situação de instabilidade que é um possível

indicador de a situação dessas famílias não é, do ponto de vista econômico, muito confortável

ao ponto de se colocarem na condição de migrantes, na constante busca de melhorias.

176

TABELA 4 – ESCOLA PEREIRA DA SILVA: DESISTÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS MATRÍCULAS – 1978-1983

Série Ano

Situação 1 2 3 4 5 6 7 8 Total M 37 16 16 18 11 0 0 0 82 D 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1978 % 0 0 0 0 0 0 0 0 0 M 96 72 44 46 13 0 0 0 273 D 15 16 5 4 2 0 0 0 42 1979 % 15 22 11 8 15 0 0 0 0 M 345 180 139 103 119 43 27 9 965 D 107 52 29 26 45 14 13 3 289 1980 % 31 28 20 25 37 32 48 33 0 M 504 232 218 155 177 116 60 19 1481 D 156 38 17 27 31 21 10 6 306 1981 % 30 16 7 17 17 18 16 31 0 M 385 155 129 89 50 29 27 0 864 D 96 26 20 14 22 8 6 0 192 1982 % 24 16 15 15 44 27 22 0 0 M 529 382 315 194 96 61 36 44 1657 D 167 78 55 17 57 17 15 13 419 1983 % 31 20 17 8 59 27 41 29 0

Legenda: M: Matrícula; D: Desistência

Fonte: Arquivo REN/SEDUC-Rolim de Moura-RO- 2006

Já a tabela 4, mostra os percentuais de desistentes, em sua evolução ano a ano. Pode-

mos notar que os maiores percentuais ocorrem das quintas às oitavas séries. Percebemos uma

média fora do padrão dos outros anos, correspondente aos 59% de desistência em 1983, jus-

tamente na quinta série. As primeiras séries também apresentam uma média relativamente

alta, de desistência, entretanto, em termos gerais, as séries finais apresentam maiores percen-

tuais de desistência.

As possíveis explicações para esse aumento percentual podem ser de várias naturezas

e de diversas formas. Primeiro podemos considerar que ocorreu um constante aumento no

número de alunos matriculando-se, consequentemente aumentando o número de turmas, e de

horários. Em 1978 eram quatro turmas de primeira à quarta séries; em 1983 foram 43 turmas,

em quatro horários (matutino, intermediário, vespertino e noturno). Em segundo lugar pelo

aumento de séries, chegando até a oitava série, a partir de 1980. No início eram ofertadas,

somente as quatro primeiras séries e nos anos seguintes essa oferta se ampliou. Em terceiro

lugar, podemos creditar o aumento das desistências ao fato de alguns alunos das series finais

serem adultos. Em virtude disso, aliado ao fato das aulas noturnas, podemos entender a situa-

ção favorável à desistência, sabendo que muitos desses alunos, eram trabalhadores ou filhos

177

de trabalhadores. Em números absolutos foi nas sétima e oitava séries que ocorreu maior eva-

são. Somente a título de exemplo, se observamos o ano de 1980, veremos que dos 27 alunos

da sétima série 13 desistiram e dois reprovaram; e dos 9 alunos da oitava 3 desistiram, repre-

sentando 48%97 e 33%, respectivamente.

TABELA 5 – ESCOLA PEREIRA DA SILVA: TRANSFERÊNCIAS EM RELAÇÃO ÀS MATRÍCULAS – 1978-1983

Série Ano

Situação 1 2 3 4 5 6 7 8 Total M 37 16 18 11 0 0 0 0 82 T 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1978 % 0 0 0 0 0 0 0 0 0 M 96 72 44 46 13 0 0 0 273 T 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1979 % 0 0 0 0 0 0 0 0 0 M 345 180 139 103 119 43 27 9 965 T 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1980 % 0 0 0 0 0 0 0 0 0 M 504 232 218 155 177 116 60 19 1481 T 272 120 168 49 62 51 17 13 771 1981 % 53 51 77 31 35 43 1 68 0 M 385 155 129 89 50 29 27 0 864 T 56 16 20 8 52 3 1 0 109 1982 % 14 10 15 8 10 10 3 0 0 M 529 382 315 194 96 61 36 44 1657 T 69 25 34 16 6 19 5 1 419 1983 % 13 6 10 8 6 14 13 2 0

Legenda: M: Matrícula; T: Transferências.

Fonte: Arquivo REN/SEDUC-Rolim de Moura-RO- 2006

A tabela 5 mostra o percentual das transferências, variante que aparece somente a par-

tir de 1981.

Neste caso é possível que a construção da outra escola urbana, Aluízio Pinheiro Ferrei-

ra, seja um fator que ajuda a explicar o menor número de matrículas e a não oferta da oitava

série, na escola Pereira da Silva, no ano de 1982; podemos imaginar que a demanda tenha se

dividido entre as duas escolas. Isso pode ser considerado principalmente porque no ano se-

guinte, 1983, aparece, novamente, a elevação no índice de matrículas, o que pode ser explica-

do pelo crescente movimento migratório que somente viria a diminuir no final da década de

97 Aqui, como também nas tabelas 5, 6 e 7, estamos desconsiderando os decimais e trabalhamos apenas com números redondos.

178

1980. sendo que o ano de 1985 é o que assinala o inicio dessa diminuição do volume de mi-

grações chegando em Rondônia.

TABELA 6 – ESCOLA PEREIRA DA SILVA: REPETÊNCIAS EM RELAÇÃO À MATRICULA– 1978-1983

Série Ano

Situação 1 2 3 4 5 6 7 8 Total M 37 16 18 11 0 0 0 0 82 R 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1978 % 0 0 0 0 0 0 0 0 0 M 96 72 44 46 13 0 0 0 273 R 16 10 4 8 0 0 0 0 38 1979 % 16 13 9 17 0 0 0 0 0 M 345 180 139 103 119 43 27 9 965 R 99 17 17 3 2 3 2 0 143 1980 % 28 9 12 3 1 9 7 0 0 M 504 232 218 155 177 116 60 19 1481 R 17 13 5 0 27 6 0 0 68 1981 % 3 5 2 0 15 5 0 0 0 M 385 155 129 89 50 29 27 0 864 R 38 9 3 9 0 0 0 0 59 1982 % 9 5 2 10 0 0 30 0 0 M 529 382 315 194 96 61 36 44 1657 R 85 43 34 4 8 5 0 3 192 1983 % 16 11 10 7 8 8 0 6 0

Legenda: M: Matrícula; R: Repetências.

Fonte: Arquivo REN/SEDUC-Rolim de Moura-RO- 2006

TABELA 7 – ESCOLA PEREIRA DA SILVA: COMPARAÇÃO ENTRE MATRÍCULAS, REPETÊNCIAS,

TRANSFERÊNCIAS E DESISTÊNCIAS – 1978-1983

Ano M D % T % R %

1978 82 0 0 0 0 0 0 1979 273 42 15 0 0 38 13

1980 965 289 29 0 0 143 14

1981 1481 306 20 771 52 68 4

1982 864 192 22 109 12 60 6

1983 1657 419 25 165 9 192 11

Legenda: M: Matrícula; D: Desistência; T: Transferências; R: Repetências

Fonte: Arquivo REN/SEDUC-Rolim de Moura-RO- 2006

A tabela 6 mostra o percentual das repetências. Podemos observar que são números re-

lativamente reduzidos, se comparados com as transferências e desistências, mostrados nas

179

tabelas anteriores. Comparando com a tabela 7 essa afirmação fica mais clara: observamos

que do total geral de matriculados, o número de desistências e transferências é superior ao das

repetências. Esses números mostram que, nessa escola e nesse período, as repetências não

eram tão problemáticas quanto as desistências. Com exceção do ano de 1981 que, como já

observamos, pode estar sugerindo ao mesmo tempo: a mudança para a escola Aluízio P. Fer-

reira que estava sendo concluída nesse ano, passando a funcionar no ano seguinte ou a indica-

ção de que o processo migratório se acentuou, nesse ano em que foram criados mais seis mu-

nicípios no estado que estava nascendo nesse ano. Como o processo de abertura de novas

frentes era constante, isso pode ter influenciado na mobilidade das famílias, ampliando o ciclo

migratório fazendo aumentar as transferências, a partir desse ano.

TABELA 8 - MATRÍCULA POR TURNO ESCOLA PEREIRA DA SILVA – 1978-1983

Alunos por turno Ano

Matutino Intermediário Vespertino Noturno Total 1978 53 0 29 0 82 1979 125 67 81 0 273 1980 366 260 182 157 965 1981 607 339 380 155 1481 1982 296 180 282 106 864 1983 486 361 572 237 1656

Fonte: Arquivo REN/SEDUC-Rolim de Moura-RO- 2006

Também podemos observar a relação série/horário (tabela 8). Até a quarta série as ma-

trículas eram totalmente diurnas. A partir da quinta série já aparecem os estudantes do notur-

no. Em 1980, das três turmas de quinta série, duas são noturnas e as sétima e oitava séries não

tiveram matrículas diurnas, em nenhum dos três horários. Isso pode ser explicado pela falta de

salas e pelo fato de que esses alunos já faziam parte da força de trabalho no contexto familiar,

inclusive sendo, muitos deles adultos e casados, como informou um de nossos Entrevistados

(Entrevistado G), sendo ele um desses alunos, tendo desistido na quinta série, em 1979: “a

gente trabalhava o dia inteiro. Chegava, muitas vezes atrasado para a aula. O cansaço e o sono

pegavam a gente. Eu desisti logo”

Outro elemento importante a ser considerado a respeito desses números é que eles aju-

dam a indicar que o volume de migrantes chegando era grande, aumentando, consideravel-

mente no transcorrer dos anos, como podemos presumir a partir da tabela 7 e das informações

de Batista; Botelho (1988). Considerando as matrículas de 1978 e 1980, constatamos que

houve um aumento de quase 12 vezes ou, em termos percentuais, 1.176%. Esse aumento po-

180

pulacional exigiu do poder público a estruturação de vários serviços, simultaneamente à cria-

ção de escolas e uma deficitária distribuição de merenda e materiais. Um dos serviços foi a

abertura da estrada de acesso (linha 25, atual RO 010), que se concretizou justamente em

1980. Inclusive, podemos dizer que a abertura dessa estrada, com trator de esteira, foi causa e

conseqüência desse aumento populacional. Causa porque com a estrada aberta os caminhões

de mudança puderam chegar até o “centro” da cidade, o que facilitou e ajudou a aumentar a

chegada de migrantes; conseqüência porque o volume de colonos já era bastante grande, em

1979, e esses colonos produziam gêneros alimentícios e necessitavam de estradas para escoar

a produção. Alguns de nossos informantes (Entrevistado B e G) afirmam que “perderam a

produção” na “roça” por falta de estrada. Podemos supor, portanto, que os colonos cobrassem

as vias de acesso.

Entre os professores, embora as dificuldades fossem grandes, prevalecia, além da von-

tade, a capacidade de improvisação, a exemplo do que as professoras fizeram na falta de um

quadro para escrever: a solução foi a improvisação de um, feito com em lona plástica. E

quando se conseguiu um quadro, grande, ele foi dividido em dois, para servir a duas salas.

Nesse contexto, a discussão sobre recursos didáticos ficava impossibilitada, utilizando-se a-

quilo que a criatividade e a improvisação permitiam. A esse respeito comenta a Entrevistada

F, falando da falta de quadro:

Pegamos um plástico velho lá no rancho do Ataliba. Eu dava aula de manhã era me-lhor para escrever, pois o plástico aceitava o giz. Mas de tarde ele estava oleoso e não aceitava o giz.

Bem que a gente pedia material, mas por causa da falta de condução, não tinha mei-o. As caminhonetes, quando vinham, estavam lotadas de gente, não cabia o quadro. Mesmo os carros do INCRA vinham lotados de gente, não se incomodavam de [sic] trazer os quadros. Nas costas, a gente não conseguia trazer. A gente até podia pegar quadro velho em Cacoal, mas também não tinha sobrando. Dizer que eles tinham e não mandavam. Não. Eles também não tinham. Aí usamos o plástico até aparecer uma oportunidade de trazer um quadro. Mas ele era grande, de dois metros por um. Nós dividimos ele no meio. Colocamos um pedaço numa sala e outro na outra sala. Aí resolveu um pouco o problema do quadro. Giz a gente comprava na livraria de Cacoal. (ENTREVISTADO F, grifos nossos).

Essa carência, em parte se explicava pela precariedade das estradas, que dificultava o

acesso. Mas, a considerar a afirmação da Entrevistada F, o próprio INCRA, ou não se interes-

sava em trazer, ou não possuía o material necessário. Isso, mais uma vez, reforça o que já ha-

víamos dito: o poder público não tinha a educação como uma necessidade e, menos ainda,

como prioridade. E se o discurso sobre educação figurava nos documentos oficiais, isso não

se deve à priorização da educação. Dessa forma, se por um lado no programa número sete, do

181

INCRA, sobre educação, podemos encontrar as indicações sobre algumas das falhas do siste-

ma educacional brasileiro, por outro lado, na sua prática, o Instituto não priorizava a educa-

ção, como se depreende da afirmação da entrevistada ao afirmar que “Mesmo os carros do

INCRA vinham lotados de gente”, ou seja, os colonos. Por estarem trazendo mais colonos,

“não se incomodavam de trazer os quadros”. Quer dizer, traziam os colonos, mas soluções ou

equipamentos para resolver os problemas dos colonos, não chegavam. E se não traziam os

quadros, também não traziam outros materiais, como indica o fato da professora dizer que

“giz a gente comprava na livraria de Cacoal”. Ou seja, a prioridade para o Instituto, bem ou

mal feita, era trazer gente para ocupar as terras.

Não devemos esquecer, ao considerar isso, que a política do Estado brasileiro, para a

Amazônia, não era a educação, mas a colonização. Por isso as realizações na área educacional

vinham como resultado da mobilização dos colonos e não de alguma política educacional.

Em função dessa prioridade entendemos a mudança de perspectiva para a educação do

INCRA em relação aos programas anteriores de Colonização e de Reforma Agrária.

Dentro de uma nova perspectiva, o programa de educação deverá promover o plane-jamento e a implantação do sistema escolar necessário ao Projeto, assim como o controle do funcionamento através dos organismos específicos do poder público fe-deral, estadual e municipal. (INCRA, 1971, p. 99, grifo nosso).

O mesmo documento ainda afirma que essa “nova perspectiva” em relação à educação

deveria ser levada a cabo mediante: “capacitação” do pessoal e aproveitamento das “estrutu-

ras existentes e os recursos da população local”. Ora, como capacitar o pessoal se não havia

nem condições de distribuir o material didático? Como utilizar as estruturas locais, se as

mesmas não existiam, cabendo à população a cobrança de sua construção – tendo, inclusive,

que realizar mutirões para edificar alguns desses benefícios infra-estruturais? Como capacitar

pessoal, se esse pessoal, em muitos casos, nem existia, uma vez que algumas escolas perma-

neciam fechadas por “falta de professora” (RONDÔNIA, 1979)?

Em relação ás escolas da área urbana, devemos registrar uma alteração. Enquanto as

escolas do espaço rural dependiam quase que exclusivamente do INCRA, as que se formaram

na área urbana foi diferente. A primeira escola foi construída a partir do aval do Instituto, mas

sua administração, desde o início, esteve a cargo do pessoal e às custas da Secretaria de Edu-

cação do Território. Há, portanto, uma mudança das responsabilidades, passando o Território

a ser o primeiro responsável e o INCRA um auxiliar. E, neste ponto, o Instituto assume o que

vinha afirmando por seus documentos, ao dizer que sua função, embora fosse promotora, de-

182

veria figurar como suporte e não como coordenação. Sua ação passou a ser de “colaboração

com os órgãos de educação”. Neste caso, com a Secretaria Territorial de Educação e Cultura,

bem como alguns transportes para as professoras.

Apesar dessa mudança de responsabilidade, a iniciativa pela ampliação do nível de en-

sino se deve não à Secretaria de Educação, mas à população e às próprias professoras. Consta-

tamos isso pelo depoimento das professoras e alguns dos ex-alunos, como este, dizendo que:

Daí, então, fizeram correr uma lista pra ver se tinha aluno para a quinta série. Che-garam lá em casa e perguntaram se eu já tinha me “formado” e se eu aceitava que colocassem meu nome na lista, para pedir a quinta série. Disse que não tinha pro-blema, mas que eu só tinha feito dois anos de escola e nem tinha mais o papel. Na-quele tempo a gente só estava preocupado em trabalhar. Mas elas colocaram lá o meu nome. Depois fiz umas provas e entrei na quinta série. (ENTREVISTADO G).

A partir desse e de outros depoimentos, ficamos sabendo que as mesmas professoras

que encabeçaram o levantamento para a instalação das quatro primeiras séries, em 1978, fize-

ram “correr” uma lista para um novo levantamento, visando a instalação da quinta série. Essa

motivação tinha por base a crescente e constante chegada de mudanças, trazendo mais crian-

ças e jovens, tanto que em 1980, como podemos verificar nas tabelas acima, a escola Pereira

da Silva atendeu 965 alunos e no ano seguinte chegou a 1481 alunos de primeira a oitava sé-

ries. Um crescimento considerável, tendo em vista que em 1979, o número de matrículas não

chegara a 300 e em 1978 havia sido de 82.

Tendo em vista esse crescimento de demanda e visando instalar a quinta série, as pro-

fessoras fizeram esse levantamento, como recomendava o Instituto, dizendo que para o “pla-

nejamento físico das escolas, deverão ser realizados levantamentos preliminares, inclusive das

instituições de ensino que atuam na área” (INCRA, 1971, p. 100). Já que o vilarejo crescia em

número de habitantes, esses mesmos primeiros moradores/professores perceberam a necessi-

dade de solicitar a organização do sistema escolar, ampliando o atendimento em caráter cres-

cente de séries.

Cruzando os depoimentos, é possível verificar que logo após a instalação das quatro

primeiras séries, aparecem as provas do supletivo98 e, em seguida, as séries finais do primeiro

grau, começando com a quinta série. Ou antes, as provas de suficiência para possibilitar a

matrícula na quinta série. E isso também está em consonância com o que estava previsto na lei

98 Em 1978, a administração escolar e aplicação das provas do “supletivo” estiveram a cargo da Secretaria Muni-cipal de Educação, de Cacoal, de onde vinham as equipes e as provas a serem realizadas. Isso ocorria porque o distrito de Rolim de Moura fazia parte do município de Cacoal.

183

5.692/71, que apresentava essa possibilidade, ou seja, a aplicação de um exame para que uma

pessoa fora de idade escolar ou sem a devida documentação regulamentada pudesse se matri-

cular, após esse exame de qualificação, na série adequada ao resultado do exame. Nesse caso,

o “curso supletivo”, como as pessoas o chamavam, efetuava as provas e fornecia a documen-

tação, habilitando o jovem ou adulto a se matricular na escola regular em série adequada à sua

habilitação, conseguida após o exame que se popularizou como “exame supletivo”. Foi o que

aconteceu em Rolim de Moura, a partir de 1978, ao serem criadas as primeiras turmas de

quintas séries do primeiro grau.

É compreensível que as instituições escolares tenham nascido da mobilização dos mo-

radores. Primeiro por que o Estado se colocara a estratégia da ocupação: com muita gente,

mas com reduzido uso do “fator capital” como lemos no PND: “Para realizar-se sem uso ex-

cessivo do fator capital, tal expansão de fronteira econômica implica em uso amplo de mão-

de-obra”. Como se vê a política de ocupação confessava-se interessada em atrair os colonos,

mas com pouco investimento em suporte social, pois “quanto maior for a alocação de recursos

para atender a necessidades sociais [...], menor será a disponibilidade de recursos para inves-

timento em infra-estrutura econômica e em aumento de capacidade nos setores diretamente

produtivos”. (BRASIL, 1974, p. 58, grifos nossos). Como na Amazônia a demanda era por

trabalhadores que efetivassem o “desbravamento” da floresta, atividade que não dependia de

força de trabalho escolarizada, a instituição escolar não fazia parte dos “setores diretamente

produtivos”. Daí, então, que a percepção e a busca por escolas nasceu não da iniciativa do

poder público, mas da mobilização dos colonos atraídos para amansar a floresta para o capital

que pretendia ocupar e produzir com pouco investimento e muitos trabalhadores.

Isso foi o que efetivamente ocorreu. Primeiro porque estava chegando uma avalanche

de gente que se instalava nas várias regiões de povoamento, como era o caso de Rolim de

Moura; o volume de migrantes chegando superava as expectativas do INCRA que não estava

oferecendo infra-estrutura; sem infra-estrutura e sem assistência, alguns colonos tomaram a

iniciativa de se mobilizar a fim de solicitar – ou construir em mutirões – aquilo de que senti-

am necessidade. E, da mesma forma, tanto o INCRA como o governo do Território atendiam

ou concediam pelo menos alguns dos benefícios solicitados, pois nem o Instituto nem o go-

verno territorial desejavam possíveis distúrbios sociais de qualquer natureza; menos ainda um

possível refluxo do processo migratório de ocupação, podendo frustrar a este que era o objeti-

vo central. Lembrando que o país vivia num período repressivo e a abertura da frente amazô-

nica de ocupação – e de modo bem particular a ocupação de Rondônia – teve a finalidade de,

184

ao mesmo tempo, evitar distúrbios no sul-sudeste e promover a ocupação da Amazônia. E os

migrantes que mobilizaram as autoridades em favor da instalação das escolas eram dessas

regiões e haviam sido atraídos para Rondônia em nome de, entre outras vantagens, farta dis-

tribuição de terras com infra-estrutura básica e, entre elas, escola.

Deve ser frisado que a política do Estado brasileiro, para a Amazônia, especificamente

para Rondônia, era sua ocupação, por isso a insistência dos três PND, em mostrar toda a regi-

ão como “frente de ocupação” ou “frente de expansão”. A não concessão de um mínimo de

infra-estrutura poderia ser um desincentivo à ocupação; a falta de infra-estrutura poderia se

converter em elemento originante de um movimento inverso ao processo migratório que havia

sido provocado pela estratégia dos PNDs, com vista no processo de ocupação; a completa

ausência de infra-estrutura poderia levar os colonos a desistirem de Rondônia, dirigindo-se

para outras regiões ou retornando para suas regiões de origem. Destacando que nos PNDs o

objetivo estava bem definido: aos homens sem terra estavam sendo destinadas “as terras sem

homens da Amazônia” e com isso se cumpriria, na visão dos mentores do PND, a estratégia

de “expandir a fronteira agrícola, para incorporar os vales úmidos do nordeste, notadamente o

do São Francisco e as novas áreas da Região Amazônica e no Planalto Central” (BRASIL,

1971, p. 24, grifo nosso). Por isso, além de fazer propaganda das potencialidades de Rondônia

era necessário oferecer algum suporte infra-estrutural. Mas, como estamos destacando, esse

suporte era oferecido a partir da solicitação dos colonos. E os colonos cobraram a instalação

das primeiras escolas.

O aumento populacional, resultante da crescente e constante chegada de cada vez mai-

ores contingentes de migrantes, pode ser visto como uma exigência para a construção de mais

escolas. Foi o que ocorreu a partir de 1984, quando foram construídas as escolas Cândido Por-

tinari e depois Tancredo de Almeida Neves, Nilson Silva... Essas, entretanto, já foram erigidas

num período posterior ao que estamos analisando, que se encerra com a criação do município

de Rolim de Moura, em 1983. Entretanto, permanecem dentro do mesmo ideário do governo

do território e do governo federal, para esta região: oferecer escola à população de acordo não

com as perspectivas de crescimento e desenvolvimento da nação, mas como meio de impedir

eventuais distúrbios e manifestações dos moradores e como elemento fixador dos colonos.

Lembrando que as duas primeiras escolas construídas, acima mencionadas, receberam

como patrono o nome de dois militares, ex-governadores do Território: a primeira nasceu co-

mo “Pereira da Silva” e passou a ser Coronel Jorge Teixeira de Oliveira; a segunda Coronel

Aluísio Pinheiro Ferreira. Essa denominação parece ter sido uma ressonância do ideário de

185

divulgação do nome de figuras militares e com isso a tentativa de legitimar (REZENDE,

2001) o regime militar imposto ao Brasil, com o movimento militar que instalou a partir de

1984.

TABELA 9 - CATEGORIAS PROFISSIONAIS QUE CHEGARAM A RONDÔNIA ENTRE 1978-1983

Profissão Número Agricultor 2.056 Artífice 196 Carpinteiro 3.437 Comerciante 2.926 Comerciário 1.266 Construção Civil 7.448 Eletricista 1.157 Enfermeiro 226 Estudante 2.141 Garimpeiro 2.308 Lavrador 34.143 Mecânico 2.879 Motorista 9.838 Operador de Máquinas 3.374 Prendas domésticas 11.234 Professor 487 Profissional Liberal 814 Sem Ocupação 344 Serrador 380 Técnico Agrícola 283 Técnico em Contabilidade 340 Trabalhador Braçal 7.733 Trabalhador de Enxada 4.662 Vendedor 774 Outros 12.875 Total Geral 113.321

Fonte: BATISTA; BOTELHO, 1988, p. 53

Podemos observar, na tabela 9, que a soma dos trabalhadores notadamente ligados ao

meio rural (Agricultor, 2.056; Lavrador, 34.143; Trabalhador de Enxada, 4.662), ultrapassa

quarenta mil pessoas (40.861), de um universo de pouco mais de cento e dez mil migrantes.

Em contrapartida, chegaram menos que 500 professores. Predominam outras profissões que,

devido ao desemprego crescente, foram atraídos pela propaganda sobre a Amazônia e sobre

Rondônia, em busca das terras que estavam sendo distribuídas. E assim se desenvolveu Rolim

de Moura, pela atuação dos migrantes, não esquecendo que, segundo Batista e Botelho (1988)

as causas das migrações “estão relacionadas ao modelo econômico e às formas com que são

aplicadas as políticas de estímulo ao desenvolvimento”. Além disso,

Em Rondônia, as causas da migração estão relacionadas à erradicação do café no norte do Paraná, à mecanização do campo, nos estados mais desenvolvidos, às con-

186

dições climáticas (geadas no sul, seca no nordeste) e à aquisição gratuita de terras. (BATISTA; BOTELHO, 1988, p. 51).

Ainda em relação ao número de professores, podemos comparar ao número de pessoas

sem ocupação declarada, que totalizou 344 pessoas. Ou seja, chegaram a Rondônia nesse pe-

ríodo apenas 143 professores a mais do que pessoas “sem ocupação” declarada. Esse número

de professores deve ser comparado, também, ao número de migrantes que chegaram ao terri-

tório, no período 1979-83. Em vista disso se entende porque os professores que trabalhavam

nas escolas que estavam sendo organizadas não eram professores formados. E isso por dois

motivos: primeiro porque os que chegavam não tinham formação específica para o exercício

do magistério; segundo porque no território e depois no estado, ainda não havia curso para

formação de professores, visto que o primeiro curso superior nasceu com a instalação da Uni-

versidade Federal de Rondônia, em 1982.

Anteriormente havia ocorrido outras tentativas de criação de cursos superiores. Entre-

tanto, só se concretizaram com maior oferta de cursos e cursos de licenciatura a partir de

1982, com a UNIR, visto que as experiências anteriores não foram satisfatórias

As primeiras tentativas de tornar presente o ensino superior no estado [aconteceram] em 1972, por meio de uma extensão da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Sa-grado Coração de Jesus, de Bauru, Estado de São Paulo. No entanto, após algumas outras tentativas, como as extensões das universidades federais do Rio Grande do Sul, Acre e Pará, é criada a Fundacentro – Fundação Centro de Ensino Superior de Rondônia, em 1980. (MOREIRA, 2001, p. 86).

Essa entidade, Fundacentro, era vinculada à prefeitura de Porto Velho e oferecia 150

vagas anuais para os cursos de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas.

Por ocasião da criação da UNIR essa Fundação, além de ter sido incorporada pela Universi-

dade, passou a oferecer cursos de Licenciatura, ampliando sua atuação. Ao ser criada, a UNIR

Dá início em 1983, aos cursos de licenciatura em Letras, História, Geografia, Peda-gogia, Educação Física, e Ciências, habilitação em Matemática. Naquele ano, 360 vagas foram oferecidas, pelas quais concorreram 2.431 candidatos. (MOREIRA, 2003, p. 104).

A partir disso podemos dizer que a Universidade Federal de Rondônia nasceu com

uma tendência para a formação de professores. E a demanda por formação não deixava de ser

grande, pois os 2.431 candidatos perfizeram uma média de 6,75 candidatos por vaga, no ves-

tibular mencionado pela autora. E mesmo assim a oferta de vagas – 360 – era ínfima em rela-

187

ção à necessidade do estado. Não considerando as desistências e admitindo que pudéssemos

juntar os 360 aprovados no vestibular com os 487 professores que chegaram ao território entre

1978-83, ainda não teríamos 900 professores. Era, portanto, uma situação de extrema precari-

edade a oferta de professores habilitados.

TABELA 10 – MIGRANTES POR GRAU DE ESCOLARIDADE – 1979-1983

Grau de Escolaridade Total de migrantes % Maternal 15.083 5,08 Pré-Escolar 38.752 13,11 Só assina o nome 21.065 7,12 Analfabeto 42.120 14,25 Mobral 449 0,15 1ª à 4ª série do primeiro grau 123.161 41,67 5ª à 8ª série do primeiro grau 41.725 14,11 Supletivo 1º grau 239 0,08 Supletivo 2º grau 189 0,06 2º grau incompleto 4.511 1,5 2º grau completo 6.853 2,3 Curso superior incompleto 263 0,08 Curso superior completo 1.140 0,38 Total Geral 295.520 100

Fonte: BATISTA; BOTELHO, 1988, p. 51

Entre as profissões mencionadas na tabela 9 pudemos observar que a maioria não de-

mandava formação escolar específica. Isso nos trouxe à tabela 10 e ao percentual de migrantes

com sua respectiva escolaridade, em relação ao total de migrantes que chegaram a Rondônia

entre 1979-1983.

Ao observemos o total geral mencionado na tabela 10, veremos que somando desde os

classificados como analfabetos até aqueles que concluíram o primeiro grau no “supletivo”,

teremos um total de 282.594. E percorrendo a relação dos que concluíram o primeiro grau até

aqueles que concluíram algum curso superior teremos um grupo de 12.956. A partir disso

podemos dizer que estamos diante de um movimento migratório que pode ser caracterizado

como sendo formado por pessoas com pouca escolaridade. E isso leva a outra constatação:

Muitas pessoas com pouca escolaridade implica na crescente demanda por escolarização o

que vai de encontro com a falta de professores habilitados.

Esse quadro social se refletiu em Rolim de Moura, que criou 133 escolas na área rural

– necessitando, consequentemente, de 133 professores e as quatro escolas de ensino de pri-

meiro e segundo graus, entre 1978-1984, com outras tantas carências de professores. Isso im-

plica dizer que só em Rolim de Moura, a demanda era para quase 150 professores, das diver-

188

sas áreas, nesse período, mas ao território chegaram menos de 500. E se considerarmos que

dos quase 300 mil migrantes que chegaram a Rondônia entre 1979-1983 (tabela 10) menos de

3% tinham o segundo grau completo; considerando o segundo grau completo e incompleto,

somado ao superior completo e incompleto, ainda assim não atingiremos 5% dos migrantes.

Em razão disso, podemos imaginar o real quadro da educação no território e particularmente

em Rolim de Moura. Como conseqüência havia, em alguns casos, pessoas que apenas sabiam

ler e escrever, sendo convidadas para assumir uma sala de aula. Ou, como mencionado num

relatório de necessidades, da Secretaria de Educação, de 1979, vendo escolas fechadas por

“falta de professora” (RONDÔNIA, 1979)

Como podemos perceber, a criação de escolas acabou se tornando mais um problema:

havia falta de professores para as séries iniciais, tanto que se contratavam professores leigos

ou pessoas alfabetizadas que se dispusessem a lecionar. Ao se criarem escolas de ensino pro-

fissionalizante, como eram as escolas de segundo grau, aumentou o problema: onde encontrar

professores habilitados nas áreas específicas? Ou com as habilitações específicas? Uma possí-

vel resposta a essas indagações não vem do aspecto coerente e racional da ação escolar, admi-

nistrativa ou legal, mas vem do que poderia ser chamado de espaço ideológico. Ou seja, a

partir de mobilizações sociais foram sendo criadas escolas para atender uma crescente popu-

lação de migrantes, mas isso acontecia não para atender aos colonos, mas porque havia, do

ponto de vista dos Planos de Desenvolvimento e dos Planos Setoriais de Educação a meta de

eliminar o analfabetismo e de formar força de trabalho especializada, como comenta Freitag

(1986), dizendo que o MEC

Define como objetivos específicos na área educacional: despertar as vocações desde o nível do ensino fundamental; expandir a oferta de matrícula para o ensino funda-mental para atingir 100% de escolarização da faixa etária, 7-14 anos até 1980; ex-pandir a oferta de vagas no ensino médio e superior; capacitar recursos humanos (...) eliminar gradativamente o analfabetismo de adolescentes e adultos (faixa etária dos 15 aos 35 anos). (FREITAG, 1986, p. 103).

Entretanto, esse objetivo do MEC não poderia ser atingido, concretamente, em Ron-

dônia e particularmente em Rolim de Moura – como não o foi no Brasil – pela falta de profis-

sionais que fizessem o trabalho de professores. Disso se pode concluir que os órgãos públicos

desenvolveram um lado da política educacional do governo militar, que era a criação das es-

colas. Elas foram criadas e colocadas, enquanto prédios, para funcionar. E, no caso específico

de Rondônia e de Rolim de Moura, como se pode comprovar pelos Planos Territoriais de E-

ducação, o fato de não se ter professores para atender a demanda se resolveu pela contratação

189

de pessoas de “boa vontade” e que estivessem escolarizadas, para os primeiros anos escolares;

e profissionais liberais que se interessassem ou quisessem um contrato de professor, para o

caso do segundo grau. Dessa forma, se cumpria a exigência de oferecer escola e se respondia

à demanda. Numa possível reivindicação, os burocratas poderiam argumentar que “fizemos a

nossa parte, construímos as escolas. Mas não temos professores. Indiquem alguém que nós

contratamos”99. Resolvia-se a oferta de vagas, mas não se resolvia, como ainda não se resol-

veu, o problema da implementação da educação escolar oferecida.

2.3- AS AÇÕES PÚBLICAS

A partir do que já foi mostrado podemos dizer que a cidade de Rolim de Moura nasceu

da confluência de migrantes e de algumas ações públicas, ou seja, de políticas desenvolvidas

em outras regiões e que tiveram reflexos sobre alguns segmentos da população, fazendo-a

migrar. Essas migrações incidiram sobre a Amazônia, onde se desenvolviam outras ações

públicas. Algumas políticas do governo militar ocasionaram o processo migratório e este se

intensificou em direção à Amazônia e ocupação de Rondônia e, no caso que estamos anali-

sando, de Rolim de Moura. As migrações já foram estudadas anteriormente. Agora voltare-

mos nossa atenção para algumas ações do poder público e do governo do Território Federal de

Rondônia. Poder público que, de acordo com a expectativa capitalista, deveria efetuar a colo-

nização do território, amansando-o para disponibilizá-lo no processo de concentração fundiá-

ria, no processo de expansão das frentes de ocupação.

No período que estamos enfocando, o governo do Território de Rondônia era exercido

não por representantes eleitos, mas por militares escolhidos pelo governo federal que, por sua

vez, era exercido pelos militares que haviam concretizado um golpe, em 1964.

Dessa forma, as ações na Amazônia – e consequentemente em Rondônia/Rolim de

Moura – pautavam-se pela idéia do desenvolvimentismo que se estampou principalmente nos

I, II e III PNDs. Isso explica, entre outras, a abertura de inúmeros locais em que se foram ins-

99 Esse tipo de argumentação o autor deste texto pôde ouvir de um delegado regional da SEDUC, em 1996. Ao ser interpelado por um grupo de estudantes, sem aula por falta de professor, o delegado regional respondeu, textualmente: “estamos fazendo tudo que podemos, mas não temos professor. Se vocês souberem de algum, podem nos indicar que nós contratamos”.

190

talando os projetos de colonização (PICs, PADs, PARs, PAs). Era esse o contexto da amplia-

ção do PIC-Gy-Paraná, dentro do qual se inseriu e desenvolveu a cidade de Rolim de Moura.

É importante ressaltar que a ocupação e colonização recentes do Estado de Rondônia é resultado da estratégia do governo brasileiro no sentido da ampliação das condições para a expansão do capital na economia brasileira, fundamentada na economia de mercado, que preconizava a ocupação da fronteira por meio de uma política de integração nacional. Nesse período o governo federal desenvolveu uma estratégia de transformar Rondônia em exemplo de colonização agrária, visando integrar a região ao restante do país. Cria-se então o POLONOROESTE, um programa nitidamente desenvolvimentista, financiado com recursos do Banco Mundial, visando orientar o ordenamento do processo de ocupação em curso, estabelecendo e consolidando uma estrutura física e social que fosse capaz de se sustentar. (INCRA, 2005, p. 15, grifos nossos).

A análise do Instituto destaca aspectos importantes da política que fora desenvolvida

pelo governo militar, em nome do capital, como mostramos em todas as análises dos PNDs

que já fizemos anteriormente. Ou seja, a afirmação de que a ocupação de Rondônia foi real-

mente uma “estratégia” de governo para a “expansão do capital”. E o governo fez isso apli-

cando não só recursos financeiros internacionais (Banco Mundial), como também a propa-

ganda ideológica do Brasil Potência, visando a integração nacional, fazendo de Rondônia um

“exemplo de colonização”. Toda essa publicidade não podia dar outro resultado que não fosse

a atração dos trabalhadores desempregados em outros cantos do país.

Depoimentos de funcionários ou ex-funcionários do INCRA, como também de outros

antigos moradores, mostram que a criação do que se chamou de “extensão Rolim de Moura,

do PIC Gy-Paraná”, se deu em função do grande número de migrantes, que não paravam de

chegar, originários do Sul do país. “Não tinha um dia que não chegasse três ou quatro cami-

nhões de mudança em Rolim de Moura”, nos afirmou um desses antigos moradores (Entrevis-

tado B), no que é confirmado por um ex-funcionário do INCRA (Entrevistado E), e atual pro-

fessor, em Rolim de Moura. Entretanto, essa chegada de migrantes se devia não à ampla dis-

tribuição de terra fértil, mas à propaganda realizada em outras regiões, sobre a disponibilidade

de terras a serem distribuídas.

A demanda por terras por parte dos colonos/migrantes sem-terra; a obrigação legal do

poder público de promover a destinação das terras públicas; a decisão do governo federal que

declarou de interesse social para fins de reforma agrária todas as terras localizadas num raio

de 100 km das rodovias federais existentes e planejadas da Amazônia, certamente, foram ra-

zões que influenciaram na expansão do PIC Gy-Paraná, conseqüentemente da criação do setor

Rolim de Moura (a cidade se localiza a 70 km da BR 364, em sentido leste-oeste e a 40 km

191

em sentido norte-sul!) e da criação e expansão de outros PICs. Dessa forma, podemos dizer

que a primeira ação pública na região de Rolim de Moura foi a organização e conseqüente

distribuição de terras, dentro dos padrões estabelecidos para esse PIC: lotes de 100 ha, na

região de Rolim de Moura, mas com tamanhos variados nos vários outros projetos nas dife-

rentes regiões

Concomitante com as ações de Colonização Oficial, o INCRA, detentor de enormes Glebas de terras arrecadadas em nome da união, impossibilitado (quer por falta de capacidade operacional, de infra-estrutura básica, de recursos suficientes para custear os 12 programas que integravam a implantação dos Projetos Integrados de Colonização - PIC’s, Projetos de Assentamento Dirigido- PAD’s e Projeto de Assentamento Rápido- PAR a época) de transformar todas as terras públicas federais em PIC’s, PAD’s ou PAR, promoveu a destinação de mais de 1,5 milhões de hectares através de licitação pública de unidades agrícolas de aproximadamente 200 a 3.000 hectares cada, destinados à implantação de médias e grandes empresas rurais, trazendo capital privado para região, associado ao propósito de ocupar o grande vazio demográfico da Amazônia, quer por motivos econômico ou de segurança nacional. (INCRA, 2005, p. 21 grifos no original).

Ressaltamos que embora o INCRA contasse com orçamento próprio e financiamento

internacional encontrava dificuldades para realizar a reforma agrária ou a distribuição das

terras. Hoje o Instituto se justifica alegando que naquela época havia “falta de capacidade

operacional, de infra-estrutura básica, de recursos suficientes”. Entretanto, podemos dizer

que o projeto não era para reforma agrária, mas para desafogar os grandes centros do sul-

sudeste, como já o demosntramos anteriormente e o afirma o próprio “Plano Regional de

Reforma Agrária do Estado de Rondônia”, onde podemos ler que a colonização de Rondônia

foi realizada para “aliviar pressões demográficas” ou seja, os problemas sociais que estavam

se avolumando nos estados de “maior densidade populacional”. Isso, aliado à política

“excludente de acesso à terra”, à ação do governo federal, em sintonia com o capital que se

fortalecia e que pretendia evitar o conflito e o confronto, criou a opção de colonizar e ocupar

o território de Rondônia, parte da Amazônia em que existia enormes áreas com “terra sem

homens”, à espera dos “homens sem terra”, como havia falado o presidente militar Emilio G.

Médici.

Sem esquecer, também, a dinâmica das frentes de expansão, visando a ocupação da

região para abrí-la, “amansá-la” e disponibilizá-la para a voracidade do capital. E, dentro da

concepção da época (década de 1970), havia preocupação mundial coma “rápido crescimento

demográfico” o que, naquela visão de mundo, representava perigo nos “reflexos

principalmente quato à escassez de alimentos e energia, e à deterioração do meio ambiente”

192

(BRASIL, 1974, p. 58). Essa preocupação justificava a abertura da fronteira econômica

representada pela Amazônia “dada à existência de terras relativamente férteis [outro indício

da consciência da pouca fertilidade das terras amazônica] para deslocamento da fronteira

agrícola” (BRASIL, 1974, p. 42, grifo nosso)

Podemos acrescentar que mais uma das ações do poder público se deu na forma de a-

bertura de canais de acesso, feitos por trabalhadores e depois com maquinaria do INCRA.

Abertura essa que tinha por base um “gigantesco sistema viário” que colocava à disposição do

capital “imensas áreas no Centro-Oeste e na Amazônia” (BRASIL, 1974, p. 42). Especifica-

mente em Rondônia a abertura de acesso teve como objetivo permitir que os migrantes che-

gassem até os lotes que foram distribuídos a partir de 1975 – sem esquecer que muitos colo-

nos já haviam adentrado na mata, delimitando e ocupando terras que seriam posteriormente

legalizadas.

Assim, e para alcançar o objetivo da instalação dos migrantes, além das vias de acesso,

o Instituto instalou um acampamento dentro do que seria o perímetro urbano da futura cidade.

Esse acampamento situou-se às margens de um riacho que recebeu o nome de “Anta Atirada”.

Enquanto se ampliavam e proliferavam as habitações dos colonos que se adiantavam ao IN-

CRA, o Instituto assentou, nas margens desse rio, o primeiro sinal de ordenamento oficial: a

instalação de um barracão e um pátio, de apoio com pessoal e equipamentos do INCRA. No-

tando que esses recursos – pessoal e equipamentos – eram insuficientes para a demanda.

Entretanto, a julgar por vários depoimentos de nossos Entrevistados, a maioria das o-

bras de destinação pública, realizadas a partir da mobilização do INCRA, se caracterizaram

com base nos mutirões. Como o afirma o Entrevistado I, dizendo que as pessoas ajudavam

por dois motivos: primeiro porque sabiam da necessidade da obra, estrada ou ponte, por e-

xemplo; depois porque o próprio ato de se reunir em torno de uma causa comum era motivo

de festa. Acreditavam que seu esforço era uma forma de ajudar para a chegada do progresso.

Todo mundo ajudava. A gente fazia não porque queria ou porque gostava. Era a ne-cessidade. A gente quer ver o lugar da gente crescer. Por isso é que tudo era entusi-asmo. Se tinha alguma festa, por exemplo, todo mundo ia lá. Uns davam o serviço, o seu trabalho. Outros iam lá e gastavam uns trocados. Foi assim que Rolim de Moura cresceu: um ajudando o outro. E sem confusão. (ENTREVISTADO I).

193

Tendo sido abertas as vias de acesso100, intensificou-se o movimento de chegada de

migrantes, lembrando que aquelas eram estradas pelas quais mal dava para passar em tempo

seco. No “tempo das águas”101, ficavam intransitáveis. E era “estradinha de trator de esteira.

Depois a gente ia arrumando na enxada, na picareta e no enxadão”, informou o Entrevistado I.

O fenômeno das “multidões que chegavam” exigiu, da parte do INCRA, uma nova ação, qual

seja, a de selecionar os pretendentes aos lotes rurais e a imediata distribuição das terras dis-

poníveis. Devemos notar que esse processo foi problemático, pois o número de “chegantes”

era maior do que a disponibilidade de áreas demarcadas, razão pela qual se fazia necessária a

seleção dos interessados. E não tardou para que os próprios colonos começassem a comprar e

vender lotes. Isso acabou gerando grande valorização dos imóveis, devido ao aumento da pro-

cura: houve aumento do preço e nesse ponto prevaleceu a lei do mercado que faz, quando há

mais procura que oferta, elevarem-se os preços.

Tinha gente chegando de todo lado. A cidade crescia e todo dia chegava mais gente. Era muita gente chegando. Rapaz, chegaram a movimentar tanto isto aqui, deram tanto valor que um terreno daqui do centro chegou a valer mais do que um terreno no centro de Campo Grande, lá no Mato Grosso do Sul. Eu comparei, na época. (ENTREVISTADO I).

O documento emitido pelo INCRA caracterizava o lote como intransferível (ANEXO

B, figura 2). Entretanto, essa norma não prevalecia. As compras e vendas dos “direitos” eram

comuns. Como também era comuns os lotes serem abandonados. Os nossos Entrevistados

afirmam que muitos abandonavam ou vendiam seus lotes justamente porque não dispunham

de infra-estrutura e pela dificuldade de acesso. Como afirma nosso Entrevistado I:

A gente ia de teimoso, mas que era difícil isso era. Imagina andar a pé, daqui até lá no lote, com o ‘cacaio’ nas costas. Hoje, com estrada e carro a gente faz em 10 mi-nutos. Naquele tempo era coisa para um dia inteiro de caminhada no meio do mato.

Do ponto de vista da educação, a ação pública se deu pela contratação dos professo-

res e construção das escolas. Mas mesmo assim os migrantes, agora colonos assentados, em

seus constantes mutirões, ajudavam. Se, por um lado, o poder público precisava ser consulta-

do para emitir uma autorização para a construção de uma escola, por outro, a consulta era uma

iniciativa das pessoas que residiam na localidade e que sentiam a necessidade daquela obra.

100 Essas vias de acesso, inicialmente eram apenas os picadões em meio à floresta somente depois veio um trator de esteira, para definir e permitir um mínimo de trafegabilidade. 101 O “tempo das águas” corresponde ao “inverno amazônico”, período em que ocorrem as chuvas e está com-preendido entre os meses de outubro a abril, em oposição ao “tempo da seca”, quando raramente ocorre alguma precipitação e que corresponde aos meses de maio a setembro.

194

Enquanto, por um lado, cabia ao INCRA, num primeiro momento e, em seguida, ao Governo

Territorial, a responsabilidade pelo material e pela construção de uma escola, por outro, era a

iniciativa dos moradores que organizava os mutirões de colonos que efetivamente “punham a

mão na massa”. Da mesma forma pode-se observar que a contratação de professores era res-

ponsabilidade dos órgãos públicos, entretanto, eram os colonos que procuravam e indicavam

as pessoas que “sabiam ler e escrever” para dar aula. Em síntese, podemos dizer que a ação

do poder público tanto federal como territorial acontecia em resposta à manifestação dos co-

lonos e assentados que cobravam resolução para suas necessidades.

Isso, entretanto, poderia dar uma falsa impressão de que estávamos diante de um Esta-

do predisposto a acolher e a satisfazer as exigências ou resolver as necessidades dos colonos;

como também não podemos dizer que havia movimentos sociais organizados em prol da re-

forma agrária. Acreditamos que a ação do Estado acontecia exatamente pelo motivo oposto:

evitar a organização social. O poder público, representando a classe dominante, respondia às

expectativas dos colonos justamente por ser dominante; por exercer sua hegemonia e porque,

com isso, evitava o confronto e fugia do conflito. Esse era o dilema do poder público: atender

às necessidades dos colonos ou correr o risco de perdê-los num refluxo migratório. Na reali-

dade o sistema, pretendia, de acordo com os PNDs (BRASIL 1971; 1974) a “expansão da

fronteira econômica” que era a ocupação da Amazônia, mas “sem uso excessivo do fator capi-

tal” mas com farta utilização dos trabalhadores.

Podemos dizer que essa forma de ação se deve ao fato da burguesia pretender, não

ampliar o leque de participação dos trabalhadores ou possíveis movimentos organizados, mas

exatamente o oposto: brecar os avanços na organização dos migrantes. Não se tratava, portan-

to, de ampliação, absorção ou expansão para acolher um maior número de integrantes, mas de

um processo de limitação, pois, como diz Carnoy (2005):

A classe dominante está saturada – não apenas ela não se expande como começa a se desintegrar. Contudo, o Estado continua a se comportar como se a burguesia pudes-se, e realmente quisesse, exercer sua função de um contínuo movimento em expan-são; na verdade, ele impõe as leis burguesas como se houvesse apenas uma classe e uma sociedade (CARNOY, 2005, p. 101).

Isso implica dizer que a participação dos colonos era uma espécie de concessão. O po-

der público, ao acolher as expectativas e dar-lhes uma resposta satisfatória, estava se preser-

vando em nome de seu objetivo que era usar os trabalhadores para ocupar a região. Essa situ-

ação pode ser entendida quando verificamos a forma de atuação do INCRA: instalou-se como

195

braço do governo federal – agia em nome do Ministério da Agricultura – para efetuar o pro-

cesso de distribuição de terra. Mas para fazer isso, efetuava um processo de seleção entre os

aspirantes a um lote de terra: Ora, para quê seleção se os migrantes vinham em busca de terra

e a proposta era justamente distribuir terras? Mas a seleção era feita. E aqueles que recebiam

seu lote ficavam satisfeitos e agradeciam ao Estado pelo “benefício” – passavam a crer que o

Estado lhes havia feito uma promessa e a cumprira; aqueles que não recebiam, permaneciam

aguardando sua vez – que podia até não chegar – mas permaneciam pacificamente aguardan-

do – e não criavam manifestações pró-reforma agrária porque lhes era dito que brevemente

chegaria sua vez. E eles não tinham por que duvidar disso, pois outros haviam recebido um

lote de terra. Mas o objetivo não era, exatamente, a distribuição de terras, mas, como já dis-

semos, a ocupação da região, a abertura de vastas áreas e a disponibilização (BRASIL, 1974)

de força de trabalho, necessária para a expansão capitalista

Dessa forma, por um lado, podia-se ter a impressão de que havia um processo de am-

pliação de acesso à terra, mas nem todos tinham acesso a ela, mas, por outro lado, muitos dos

que recebiam um lote, com o transcorrer do tempo acabavam vendendo-o ou, o que é pior,

abandonando sua concessão, que seria incorporada dentro de um processo de concentração

fundiária que estava se desenhando na Amazônia e se concretizou, em Rondônia, como se

pode verificar atualmente em Rolim de Moura.

A burguesia utiliza todos esses elementos e sua expansão ilusória para incorporar a classe operária como classe operária, sem consciência de sua posição de classe no desenvolvimento global da burguesia. Ao tomar parte do poder e do controle bur-gueses, os trabalhadores permanecem uma classe explorada, contribuindo essenci-almente para o enriquecimento de uma minoria (que permanece uma minoria) às custas dos trabalhadores (CARNOY, 2005, p. 101, grifos no original)

Os colonos, na realidade, queriam suas necessidades atendidas: acesso à terra, condi-

ções de plantar e produzir, possibilidade de comercialização, e aqueles mais ousados, preten-

diam ter, também, acesso à educação formal. Para verem e terem suas necessidades atendidas,

aderiam aos mutirões. Por seu lado, o Estado concedia aquilo que era imprescindível para

evitar distúrbios e com isso manter tanto o processo de ocupação que acabaria chegando ao

processo de concentração fundiária.

O Estado, mesmo representando os interesses políticos de classe, comporta, nas suas próprias estruturas, num jogo de força que permite o reconhecimento dos interesses do trabalho, dentro de determinados limites. Tudo depende da estratégia acionada pela dominação hegemônica das classes dominantes, em busca de ‘consentimento’. A noção de interesse geral do ‘povo’ apesar de ideológica, implica que sejam aten-

196

didos determinados interesses econômicos de certas classes dominadas, mesmo que esses interesses, eventualmente, contrariem os interesses econômicos predominantes – de todo modo, estas práticas são compatíveis com os interesses políticos e, por-tanto, com a dominação hegemônica. (AZEVEDO, 2004, p. 45. Grifos nossos).

Neste ponto e a partir desta perspectiva, podemos entender melhor a afirmação e o le-

ma do Governo Militar, em relação à Amazônia, como o afirmam vários comentadores (HA-

BERT, 2003; REIS, 2000) e o próprio INCRA, em seu programa de reforma agrária, para

2005:

O processo de ocupação e da abertura de estradas ligando as regiões mais desenvolvidas do Brasil à Amazônia, era justificado pelo PIN — Programa Integração Nacional, sob o lema: integrar para não entregar. (INCRA, 2005, p. 21 grifos no original)

Tratava-se de “integrar” uma região inóspita ao capital, a fim de “não entregar” a

mesma ao colono, trabalhador do campo. Portanto, o lema não se referia a uma ameaça de

invasão internacional, mas de impedir o acesso do proletariado, neste caso dos trabalhadores

do campo, aos meios de produção, neste caso, a terra. Era uma estratégia em que o Estado,

por intermédio de uma política pública, efetivava a hegemonia do capital. E como tal, para se

legitimar, para camuflar o conflito, para evitar o confronto e dessa forma impedir alterações

nas relações sociais, o governo militar produzia a impressão de distribuição de terras, e assim,

na afirmação de Carnoy (2005), fazia com que “os trabalhadores permanecessem uma classe

explorada” e que, diz o autor, continua “contribuindo essencialmente para o enriquecimento

de uma minoria”

O que foram as ações públicas em Rondônia, e em Rolim de Moura?

Podemos dizer que elas se manifestaram e se concretizaram como abertura de estradas,

construção de escolas, distribuição de terras. A isso poderíamos acrescentar, contratação de

pessoal – particularmente professores, mesmo que não habilitados – fornecimento de material

de apoio pedagógico (giz, quadro, merenda, material escolar), embora precariamente. Tam-

bém podemos acrescentar a concessão de crédito rural. A lista poderia ser ampliada, entretan-

to essa não é a questão central das ações e das políticas públicas. A questão é exatamente sa-

ber o porquê dessas concessões. E a resposta, como já acenamos, pode ser buscada na tentati-

va, ou na estratégia, de construção e manutenção da dominação. Conceder um benefício era

uma forma de impedir que o beneficiado exigisse mais, mas, ao mesmo tempo, sem receber

197

mais continuasse acreditando que poderia ampliar seu leque de benefícios. Portanto, as ações

públicas revestiram-se de um caráter ideológico e de dominação.

Ideológico porque os colonos foram levados a acreditar que estavam sendo beneficia-

dos. Desde a propaganda no sul-sudeste sobre a fartura e fertilidade das terras amazônicas até

o processo de seleção dos colonos para assentamento, se fez uma ação ideológica a fim de

convencer o colono de que esta era a melhor alternativa; e ele, colono, uma pessoa privilegia-

da, pois o Estado brasileiro estava se preocupando com ele ao ponto de lhe entregar terras a

serem exploradas, mas não percebia que ele, colono, é que estava sendo explorado. Assim,

essa ação ideológica impedia a explosão dos confrontos indesejados pelo poder hegemônico e

pelos aparelhos do Estado e, ao mesmo tempo permitia que se chegasse ao objetivo da ocupa-

ção da área. O governo militar sabia que era mais fácil o controle sobre um grupo passivo do

que sobre um grupo organizado, revoltado ou exaltado. Em razão disso tratou de desenvolver

uma coação ideológica pela qual o migrante foi levado a acreditar que estava agindo livre-

mente e conquistando sua independência, ascendendo social e economicamente. Nisso se ma-

nifesta o processo de dominação. Na realidade, porém, mais uma vez foi usado para o avanço

do capital, desta vez para que se concretizasse a implantação dos avanços do capital sobre a

Amazônia, pois amplas áreas foram ocupadas e abandonadas pelos colonos e, posteriormente

incorporadas no processo de concentração fundiária. E neste caso, Rondônia/Rolim de Moura,

exerceram seu papel de válvula de escape e de receptáculo dos excedentes, mas que eram in-

dispensáveis ao avanço do capital.

Nesse contexto, a escola foi só mais um chamariz. E a ação ou mobilização dos colo-

nos reivindicando escola acabou sendo uma forma mediante a qual o poder público respondeu

não às demandas reforçando as iniciativas de movimentos sociais organizados, para que mais

e melhor se organizassem na busca da democratização do acesso à terra e ao saber, mas se

tornou um mecanismo procurando impedir ou retardando a organização de movimentos rei-

vindicatórios.

198

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Havia ou não uma política definida para a implantação de instituições escolares, em

Rolim de Moura, no início de sua colonização, entre 1975-1983? A implantação dessas insti-

tuições se deu a partir de políticas públicas assim definidas ou a partir da mobilização dos

atores sociais dessa localidade?

Neste ponto deveríamos ter uma resposta para estas indagações. Entretanto, não é exa-

tamente isso que ocorre, pois outras indagações nos aparecem, indo além daquilo a que nos

propusemos inicialmente. São questões referentes à história e ao comportamento político das

pessoas residentes nesta localidade.

Do ponto de vista histórico surge um impasse entre a memória dos moradores e a do-

cumentação a que tivemos acesso. Na memória dos colonos, moradores mais antigos da loca-

lidade e que nos deram informações, a primeira escola da área rural foi a Vital Brasil, que

teria sido construída na chamada Linha 200, em 1976. Entretanto não tivemos acesso a docu-

mentos que mencionassem essa escola. Por outro, lado a escola Joaquim Nabuco não é men-

cionada pela memória dos entrevistados, mas de acordo com a documentação que manusea-

mos, foi criada em 1975. Essa questão permanece pedindo esclarecimento da historiografia.

Há falha na documentação ou na memória?

A este respeito, entretanto, deve-se ressaltar que aqueles personagens envolvidos com

a escola Vital Brasil ainda vivem na cidade e produziram literatura sobre suas atividades. Res-

ta saber o porquê de não se ter produzido informações sobre a escola Joaquim Nabuco.

Outra questão, para a história, diz respeito ao encadeamento da criação/construção das

demais escolas urbanas, posteriores ao período que analisamos. A indagação que podemos

fazer é sobre as motivações para a criação das demais escolas: teriam surgido também a partir

de mobilização de moradores ou foi iniciativa do poder público, em face do contínuo aumento

populacional?

Outra linha de indagação diz respeito ao comportamento político dos moradores da lo-

calidade. Essa indagação faz sentido quando se observa que várias personalidades que atuam

na política estadual são de Rolim de Moura. Só a título de exemplo, dos seis mandatos ao go-

verno do estado, três são desta cidade, além de outros representantes na Assembléia Estadual

e no Congresso Nacional. O fato de, nos primeiros anos, ter ocorrido mobilização e mutirões a

199

fim de atingir objetivos comuns, como criação e construção de escolas, teria alguma influên-

cia sobre o aparecimento de lideranças políticas? A postura dos primeiros colonos teria influ-

enciado as gerações posteriores?

Mas, ao lado disso pode ter se formado, também, a consciência de que se deve esperar

do poder público as soluções para os problemas e necessidades cotidianas. Os colonos recebi-

am seus lotes do poder público, representado pelo INCRA. Esse fato teria formado, nos colo-

nos e seus sucessores, uma mentalidade de que é necessário esperar soluções e respostas do

poder público? Essa questão se coloca, entre outros elementos, devido ao fato de que as insti-

tuições particulares de ensino demoraram a aparecer. Teremos notícia de escola particular, na

cidade, somente a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990. Mesmo assim

a primeira escola particular que se estruturou na cidade não sobreviveu por muito tempo e as

que vieram depois tiveram dificuldades para ampliarem seu leque de mercado, não sendo co-

mum as famílias procurarem escolas particulares para seus filhos. Qual seria a explicação para

a relativa preferência em relação a escola pública?

Enfim, as indagações se avolumam, abrindo perspectivas para novas investigações.

Algumas relacionadas à educação e à história da educação, outras relacionadas à psicologia

social e à sociologia. O fato é que ao final de um ciclo de pesquisas, novas indagações nas-

cem, indicando que o processo da busca de conhecimento é incessante. Poderíamos até dizer

que cada resposta é a colocação de novas indagações, novos caminhos a serem trilhados.

Essas observações não implicam na colocação de um ponto final na questão. Equivale

sim, abrir espaço para outros questionamentos, permitindo-nos sugerir não uma conclusão,

mas algumas relações que podem ser desenvolvidas.

Inicialmente constatamos que as alterações mundiais, nacionais e locais, que podem

ser vistas como crise do capital, permitiram e provocaram mudanças não só nas relações de

produção internacionais, mas que essas relações se refletiram no Brasil, tanto em seu processo

de industrialização, como na reestruturação da economia agropecuária ou do mundo rural co-

mo um todo. Podemos dizer que o contexto internacional explica e cria o Brasil dos anos

1960-1980. E mais: o Brasil que nasceu desse contexto exigiu alterações nas relações de pro-

dução, ocasionando o êxodo rural e o desemprego. Os conflitos advindos dessa situação exigi-

ram não só a abertura da fronteira para o oeste, incorporando as regiões Centro-Oeste e Norte,

como, de modo muito particular, exigiram a criação de um estado: Rondônia, que funcionou

como válvula de escape para o caldeirão efervescente das mudanças que estavam sendo im-

postas pelo capital nas regiões em que o capitalismo estava se reformulando em sua manifes-

tação industrial e rural.

200

E qual o motivo disso ter ocorrido? Primeiro porque dois grupos se confrontaram, na

década de 1960, para assumir a hegemonia – a burguesia getulista, representada por Jango

que, com base numa postura populista, pretendia se reinstalar no poder; e o grupo que conse-

guiu articular o capital nacional, internacional e as forças militares, que chegaram ao governo

do país à custa de repressão e perseguição política. Em segundo lugar, como resultado desse

confronto, cessou o discurso populista e se impôs a continuidade da política desenvolvimen-

tista, sobrando para os trabalhadores pagar o preço do desemprego e serem transformados em

nômades a serem alojados num recanto do país. Podemos dizer que, como conseqüência do

avanço desenvolvimentista, o capital criou a alternativa da abertura da fronteira oeste, para

onde direcionou milhares de trabalhadores e outros aventureiros. E criou essa alternativa com

base em duas perspectivas: o desenvolvimento e a segurança nacional. Aliás, foram esses os

principais argumentos que os militares utilizaram para efetuar o golpe e se legitimar no poder:

em nome da segurança nacional, conter o “avanço” comunista, impedir possíveis articulações

de grupos sócio-políticos de esquerda e, principalmente, anular completamente possíveis rea-

ções do grupo getulista-janguista. E isso se fazia enquanto o capital internacional financiava

aquilo que foi apresentado como desenvolvimento econômico. Desenvolvimento que se mos-

trou cruel para com os trabalhadores.

A doutrina de segurança nacional se impôs como mecanismo de defesa nacional, en-

tretanto não se disse que os inimigos do sistema não eram outras nações, mas a própria orga-

nização dos movimentos sociais, cujas lideranças foram severamente perseguidas. Dessa for-

ma, em nome da segurança nacional, enquanto nos centros mais desenvolvidos se institucio-

nalizava a ditadura por meio da repressão, das prisões e da tortura, na Amazônia foram sendo

instalados os resíduos do sistema: sem-terras e desempregados com a promessa de terra farta e

fértil, sendo que o real objetivo era preparar o espaço para o avanço do capitalismo concentra-

cionista, disponibilizando força de trabalho para a ampliação do capital na região que estava

sendo ocupada. A ocupação da Amazônia, na forma de abertura de novas frentes, não era so-

lução para o desemprego ou perspectiva de reforma agrária, mas mecanismo de concentração,

na Amazônia, de força de trabalho excedente e preparação para o processo concentração fun-

diária.

Esse panorama de situações, distintas em sua prática, mas fazendo parte de um só pro-

cesso, deu ao Brasil o rótulo de país em desenvolvimento. Um país onde se instalaram indús-

trias e o capital nacional e internacional tinha horizontes de investimento e no qual a propa-

ganda do “Brasil Grande” fazia sentido, pois estava dentro da perspectiva do avanço capitalis-

ta. O país estava se desenvolvendo nos grandes centros e expandindo suas fronteiras; nesse

201

espaço foi alimentada a perspectiva de oferecer o sistema escolar como um caminho que, ao

mesmo tempo, permitiria a formação de força de trabalho qualificada e alimentaria, no traba-

lhador, um sonho: o sonho da ascensão social. Entretanto, não se divulgou que o capital não

abre espaço para a ascensão do trabalhador. Permite sim, que o proletariado, pelo menos em

alguns casos, se torne mais apto para produzir mais concentração da riqueza para a burguesia.

Diante desse panorama, a oferta de escola, embora se dissesse o contrário, não era para

todos e nem era profissionalizante. A promessa e proposta tinham a conotação de perspectiva

de vida melhor para o trabalhador, mas tudo se esgotava na promessa, instalando um sonho na

vida do proletário: a esperança de ver o filho estudar, para, no futuro “ser alguém na vida”,

negando-se em seu ser! Como se já não fosse alguém; explorado, mas alguém: um trabalha-

dor! No sonho que era apresentado ao proletário, lhe era negado ser alguém para alimentar

nele a esperança de, num futuro indefinido, ver seu filho sendo aquilo que ele não havia sido.

Em função desse sonho não conseguia ver a realidade, em que seu filho seria um trabalhador

para o qual também seria oferecido um sonho semelhante... Assim, o proletário se desdobrava

no trabalho para produzir, pensando que sua produção se destinava ao futuro do filho, da fa-

mília, quando era só mais um mecanismo do capital para ampliar a produção e produzir maior

excedente. E esse sonho foi transportado para a Amazônia e se instalou em Rondônia, onde

produziu Rolim de Moura e suas escolas, que permaneceram alimentando o sonho, sem alterar

a realidade de exploração.

E com isso voltamos à nossa indagação inicial sobre a existência ou não de políticas

para a implantação de instituições escolares e sobre a mobilização dos atores sociais, em Ro-

lim de Moura.

Podemos responder essas questões da seguinte forma: Não havia política definida para

a implantação de estabelecimentos escolares em Rolim de Moura, dentro de seu processo de

colonização, embora possamos dizer que havia uma política estabelecida para o avanço do

capital sobre a Amazônia e dentro dessa política havia espaço para uma idéia de educação,

que consistia em tê-la como um dos elementos que exerciam função de atrair os colonos, den-

tro da ideologia da ocupação. E as escolas? Para contemplar a propaganda de ocupação, elas

foram instaladas. Entretanto, foram instaladas não em virtude de políticas públicas para a edu-

cação – pois a política era pela ocupação – mas a partir da ação dos atores sociais que se enga-

jaram nessa empreitada. Em resposta a esse início de mobilização foi que o poder público

efetivou a implantação de escolas. E os professores? Não havia em número suficiente. A solu-

ção foi contratar pessoas semi-alfabetizadas para o exercício do magistério. Também isso foi

202

feito em resposta à solicitação dos grupos de colonos que se organizaram e como mecanismo

pelo qual se procurou evitar o confronto latente ao conflito social instalado na Amazônia.

A legislação da época, lei 5.692/71, estabelecia a formação mínima para o exercício do

magistério. Em Rolim de Moura havia escolas oferecendo ensino de primeiro e segundo

graus, entretanto não havia força de trabalho qualificada para esses níveis de ensino e para

responder a essa demanda. A isso o sistema apresentou uma solução. Foram contratados pro-

fissionais liberais e outras pessoas com alguma graduação. Mesmo aqueles que tinham habili-

tação de “licenciatura curta” foram incorporados como professores do segundo grau.

Em período posterior ao que analisamos, ainda era possível convivermos com aqueles

que, na década de 1990, eram chamados de “professor leigo” ou professores com “licenciatura

curta”, lecionando para o segundo grau. Além disso, também nos anos 1990, ainda havia pro-

fessores que cursaram o magistério lecionando de quinta à oitava série – sem terem feito os

cursos de complementação, previstos na lei (Esquema I ou Esquema II). Eram alternativas que

se encontrava para suprir a carência de trabalhadores habilitados.

Nesses casos, também podemos perceber a debilidade do sistema de colonização em

que o poder público não estava interessado nas escolas ou no sistema educacional escolar,

mas em instalar colonos a fim de ocuparem e desbravarem a região, tornando-a apta para as

necessidades do capital. Evidencia essa despreocupação com o sistema escolar o fato de que,

inicialmente, os ministérios que coordenavam as políticas públicas – entre elas as ações rela-

cionadas à educação escolar – dentro do processo de colonização não era o MEC, mas o mi-

nistério do Interior e da Agricultura. Podemos dizer que a razão desse desinteresse em relação

à educação residia naquilo que os três PNDs afirmam: o objetivo da colonização era preparar

Rondônia para o avanço do capital que se manifestou na concentração fundiária e na expansão

da pecuária em detrimento de outras atividades mais acessíveis aos pequenos proprietários,

como eram os colonos que “amansaram” a floresta.

Voltamos novamente à nossa questão sobre a existência ou não de uma política defini-

da para a implantação de instituições escolares, em Rolim de Moura, entre 1975-1983, no

início da colonização. A implantação dessas instituições se deu a partir de políticas públicas

assim definidas ou a partir da mobilização dos atores sociais locais?

Embora tenhamos afirmado, anteriormente que “não havia política definida para a im-

plantação de estabelecimentos escolares em Rolim de Moura, dentro de seu processo de colo-

nização”, pois a meta do Estado era a ocupação, podemos acrescentar, agora, que havia não

uma política específica para a implantação de escolas, mas essa implantação fazia parte da

política de avanço do capital sobre a Amazônia. Havia, portanto, uma política para a Amazô-

203

nia que consistia em atrair colonos, fixá-los e, com isso, disponibilizá-los como força de tra-

balho; e a instalação de instituições escolares foi um dos elementos usados para essa fixação.

Além disso, as políticas públicas que se concretizaram como ação do Estado vieram para res-

paldar, também por meio da instituição escolar, as políticas de legitimação desse Estado, a fim

de que a classe dominante melhor se impusesse sobre os trabalhadores. Em virtude disso, po-

demos dizer que a mobilização dos atores sociais que demandou a instalação de escolas, em-

bora manifestasse uma face da contradição, teve sua reivindicação atendida não porque o Es-

tado cedeu ou a burguesia se compadeceu, mas para se concretizar uma estratégia: permitir

que o Estado ocultasse a contradição, esquivando-se do confronto, para se manter e manter as

políticas desenvolvimentistas e concentracionistas que o capital havia desenhado para a Ama-

zônia.

As iniciativas privadas, representadas pela mobilização dos migrantes, tiveram como

resposta ações públicas não de resposta à mobilização, mas como reação à mobilização; não

como atendimento às reivindicações, mas como mecanismo de desmobilização. Isso evidencia

a permanência não só do conflito, mas do anseio dos trabalhadores em se impor sobre o con-

flito, pois o que permaneceu foi a sua latência. E com isso permaneceram as contradições do

capital, que neste caso, negociou, cedendo, para não abrir espaço para uma possível perda. E,

negociou não por ser bonzinho, mas porque isso era conveniente.

A partir disso podemos dizer que a instalação de instituições escolares, como também

outros serviços públicos, surgiu, não para atender às necessidades dos colonos, mas para evi-

tar que eles se organizassem em processos ou movimentos reivindicatórios que pudessem por

em risco o projeto capitalista da ocupação da região e disponibilização de força de trabalho. E

com isso podemos responder à indagação sobre a materialização das políticas públicas nesta

região do país.

A materialização das políticas públicas e das políticas educacionais se deu por meio de

dois canais: o braço executivo do governo federal, que era o INCRA e localmente a partir das

organizações e instituições do governo territorial. Nos dois casos, a materialização das políti-

cas não tinha como ponto de referência o cotidiano dos colonos, suas necessidades ou mesmo

suas reivindicações. O poder federal, representado pelo INCRA, ou o poder local, representa-

do pelo governo territorial eram representantes de outro poder: o do capital e concediam al-

guns benefícios a fim de evitar o conflito ou a ampliação da organização dos colonos.

Em vista disso podemos dizer que a materialização das políticas do Estado Brasileiro,

em Rolim de Moura se deu por meio da ação do INCRA. Essa materialização não levava em

consideração possíveis conflitos sócio-econômicos locais, mas eram conseqüências de um

204

sistema contraditório em que o poder público chegava para minimizar problemas e não para

resolver a contradição. Essa minimização se dava exatamente por meio da concessão de al-

guns benefícios a fim de evitar a explosão dos conflitos. Além disso, concedendo alguns be-

nefícios mantinha nos colonos a expectativa de que mais benefícios poderiam ser oferecidos

pelo poder do Estado. Com isso era mantida a dominação: por um lado, o colono não reagia

porque havia sido beneficiado pessoalmente com um quinhão de terra e alguns parcos servi-

ços públicos. Assim não reagia porque se sentia agradecido por ter recebido alguns mínimos

benefícios. Por outro lado, não reagia porque esperava receber seu pedaço de chão ao mesmo

tempo em que usufruía de migalhas de benefícios advindos de alguns serviços públicos. Fica-

va com a impressão de que reagir contra o sistema seria como que delongar a perspectiva de

receber um lote de terra e ampliar os benefícios.

Não queremos dizer, com isto, que houvesse uma política conspiratória contra os tra-

balhadores, mas que a conseqüência de uma das contradições do capitalismo o obrigava a,

pontualmente, responder satisfatoriamente a algumas reivindicações dos trabalhadores, neste

caso os colonos, ao custo de impedir que conflitos maiores ocorressem, colocando em risco a

dominação da classe dominante.

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ALMEIDA, Analpides José de. Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Professores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 11 de agosto de 2006. 1 casse-te (30 min): son.

ANJOS, Joelmir P. dos, Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Professo-res. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura. Questionário. 22 de agosto de 2006

FERREIRA, Edvan, Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Professores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Questionário. Rolim de Moura. 22 de agosto de 2006

FIDELIS, José. Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Professores. En-trevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 14 de julho de 2006. 1 cassete (30 min): son..

JORGE, Geraldino R., Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Professores Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 15 de agosto de 2006. 1 videocassete (100 min): VHS, son., color.

LOPES, Enilde do Carmo, Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Profes-sores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 13 de agosto de 2006. 1 cassete (30 min): son.

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LOPES, Luzia Janaina, Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Professo-res. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 14 de julho de 2006. 1 cassete (30 min): son.

MOREIRA, Francisco F. Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Profes-sores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 11 de agosto de 2006. 1 cassete (60 min): son.

OLIVEIRA, Durvalino J. Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Profes-sores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 14 de julho de 2006. 1 videocassete (100 min): VHS, son., color.

OLIVEIRA, José Lopes de, Questões sobre Rolim de Moura: Funcionário do INCRA. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Porto Velho. 15 de julho de 2006. Questionário, 1 videocas-sete (50 min): VHS, son., color.

OLIVEIRA, Osmar L. de. Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Profes-sores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 24 de março de 2006. 1 cassete (30 min): son.

PEREIRA, Célia M. F. Pereira, Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Moradores e Professores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura. 20 de agosto de 2006. 1 casse-te (40 min): son.

PEREIRA, Joel; PEREIRA, Creuza Maria, Questões sobre Rolim de Moura: Antigos Mo-radores e Professores. Entrevistador: Neri P. Carneiro. Rolim de Moura: 11 de agosto de 2006. 1 videocassete (120 min): VHS, son., color

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ANEXOS

ANEXO A - Roteiro de entrevista/questionário 1- Questões sobre Rolim de Moura: ANTIGOS MORADORES / PROFESSORES 1- Qual seu nome completo, sua profissão e seu endereço? 2- Quando e como teve o primeiro contato com a região de Rolim de Moura? 3- Onde o senhor/senhora nasceu e por que o senhor veio para Rondônia? E para Rolim de Moura? (em que ano foi isso?) 4- Na época em que veio para Rondônia/Rolim de Moura, havia alguma propaganda sobre Rondônia? O que dizia? 5- Em que trabalhava quando chegou à região de Rolim de Moura? 6- O senhor/senhora se lembra de mais algumas pessoas que chegaram em R. Moura nessa mesma época? Quem? Sabe onde mora? 7- Como era Rolim de Moura no tempo em que o senhor chegou na localidade? Havia cons-truções? Quais? 8- Como as pessoas ficavam sabendo da existência de terras disponíveis, em Rondônia? 9- Na localidade onde seria R. Moura havia previsão para criação da cidade? E Escolas? 10- Como era o acesso à terra, através do INCRA? O que dificultava, o que facilitava? 11- Antes das primeiras escolas organizadas pelo território, havia outra(s)? 12- Quem a organizava, pedia criação das escolas, a quem coube essa iniciativa? Por que isso aconteceu? 13- Saberia dizer se INCRA destinava áreas para escolas onde distribuía lotes rurais? 14- Quando o INCRA começou a distribuir lotes urbanos na região de Rolim de Moura o que já havia no local? 15- Saberia dizer se com a distribuição de lotes urbanos, havia preocupação do INCRA em destinar áreas e construir escolas? 16- Saberia dizer qual era a política do INCRA a respeito da implantação de escolas, nos lotes entregues? 17- De quem foi a iniciativa para a criação e construção das primeiras, em Rolim de Moura? 18- A quem coube a tarefa de construir as primeiras escolas em Rolim de Moura? 19- Quem contratava os professores e mantinha seus salários? 20- Como eram feitos esses pagamentos? 21- Quem eram as/os professoras/professores? Quem os selecionava? 22- Havia algum critério para seleção e contratação de professores? 23- Como eram mantidas as escolas, nesses primeiros tempos? Com que recursos? De onde vinham? 2- Questões sobre Rolim de Moura: Funcionário do INCRA/Porto Velho 1- Qual seu nome completo, sua profissão e seu endereço? 2- Quando e como o senhor teve contato com a região de Rolim de Moura? 3- Onde o senhor nasceu e por que o senhor veio para Rondônia? E para Rolim de Moura? 4- Na época em que veio para Rondônia/Rolim de Moura, havia alguma propaganda sobre Rondônia? O que dizia? 5- Em que trabalhava quando chegou em Rolim de Moura, ou já era do INCRA? Nessa época, qual era sua função, dentro do INCRA?

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6- O senhor se lembra de mais algumas pessoas que chegaram em R. Moura nessa mesma época? Quem? Sabe onde mora? 7- Como era Rolim de Moura no tempo em que o senhor chegou na localidade? Havia cons-truções? Quais? 8- O que eram os PIC? 9- Como as pessoas ficavam sabendo da existência de terras disponíveis, em Rondônia? 10- As terras distribuídas, através dos PICs, eram de boa qualidade, férteis? 11- No PIC havia previsão para criação de cidades? E Escolas? 12- Como isso estava previsto no PIC? (cidade e escola) 13- Como era feito o processo de distribuição de lotes, dentro desses projetos? Quais critérios eram usados saber quem poderia receber um lote de terra? 14- Quando o INCRA começou a distribuir lotes rurais na região de Rolim de Moura? 15- Como foi o processo de criação ou organização da distribuição de lotes na região de Ro-lim de Moura? A quem coube essa iniciativa? Por que isso aconteceu? 16- O INCRA destinava áreas para escolas onde distribuía lotes rurais? 17- Quando o INCRA começou a distribuir lotes urbanos na região de Rolim de Moura? 18- Nessa época o que havia no local onde hoje é a cidade de Rolim de Moura? 19- Com a distribuição de lotes urbanos, havia preocupação do INCRA em destinar áreas e construir escolas? 20- Qual era a política do INCRA a respeito da implantação de escolas, nos lotes entregues? 21- Havia alguma determinação especifica para a criação e construção de escolas, dentro do cronograma de ação do INCRA? 22- A quem coube a tarefa de construir as escolas em Rolim de Moura? 23- Quem contratava os professores e mantinha seus salários? 24- Quem eram as/os professoras/professores? Quem os selecionava? 25- Havia algum critério para seleção e contratação de professores? 26- Como eram mantidas as escolas, nesses primeiros tempos?

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ANEXO B - Documentos sobre Rolim de Moura 1- Documento provisório de posse de terra, emitido pelo INCRA indicando nome do parcelei-ro e a localização do lote.

Fonte: arquivo do autor 2- “Cartão de Identificação de Parceleiro”, documento definitivo emitido pelo INCRA, indi-cando o recebimento de um lote “intransferível” de terra

Fonte: arquivo do autor

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3- Carta ao Governador Jorge Teixeira de Oliveira solicitando emancipação política de Rolim de Moura

Fonte: Arquivo do autor

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ANEXO C- Fotografias de alguns pontos da cidade durante o período 1975-1983 Foto 01 – 1977: Construção considerada primeiro ponto comercial da cidade, onde teriam se hospedado as primeiras professoras ao chegar à localidade; atual cruzamento das Avenidas Norte-Sul com 25 de Agosto.

Fonte: arquivo do autor.

Foto 2 – 1976: Primeiras construções do centro da cidade; atual Avenida 25 de Agosto

Fonte: arquivo do autor

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Foto 3 – 1980: “Restaurante” Paca Assada. Estabelecimento comercial, espécie de estação rodoviária

Fonte: arquivo do autor.

Foto 4 – 1983: Pátio de madeireira em R. Moura. Depósito de mogno, em toras e já serrado, para exportação

Fonte: arquivo do autor

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Foto 5 – Década de 1980: Depoimentos dão conta de que a chegada de mudanças era um fenômeno intenso, principalmente nos primeiros anos da década de 1980.

Fonte: arquivo do autor.

Foto 6 – 1979: Escola Pereira da Silva; aos fundos, lado superior direito, habitações onde atualmente é o centro da cidade.

Fonte: Arquivo do Autor

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Foto 7 – 1979: Escola Pereira da Silva, coberta com tabuinha e parede de lascas de coqueiro

Fonte: arquivo do autor.