educaÇÃo e ideologia - ufsc

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JUNE E HAHNER EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA: No Brasil como em outros poises do Novo Mundo a educação superior da mulher serviu como elemento essencial no desenvolvimento da ideologia da emanci- pação feminina no seculo XIX o que tambem possibili tou o aparecimento das lideranças dos movimentos pelos direitos femininos Durante a segunda metade desse seculo no Brasil as cidades cresceram em area população e complexidade econômica e social O inicio da industria- lização o crescimento das atividades comerciais os melhoramentos das comunicações e transportes e o crescente indice de alfabetização facilitaram o apare cimento de novas ideias nos grandes centros urbanos onde pequenos grupos de pioneiras adversarias das desigualdades de genero manifestaram sua insatisfação com os papeis tradicionais atribuidos pelos homens as mulheres Atraves de Jornais mais tarde esquecidos procuraram despertar outras mulheres para seu poten ciai de autoprogresso e elevar seus niveis de aspiração Estas adversarias da subordinação feminina tentaram iniciar mudanças no status economico social e legal das mulheres que lhes pareciam mais semelhantes a si proprias numa sociedade escravocrata e altamente estratificada As pioneiras da emancipação feminina uma minoria de mulheres alfabetizadas em ascensão enfatizaram a educação da mulher como uma fonte não so de opções ampliadas da independencia econô mica mas lambem de melhorias sociais A educação no Brasil do seculo passado era em grande parte uma prerrogativa daqueles a quem se outorgavam seus beneficios por nascimento ou posição social De acordo com o censo de 1872 apenas 20% dos homens e 11 5% das mulheres sabiam ler e escrever As percentagens eram mais altas nas cidades onde a ANO 2 52 1 2 SEMESTRE 94

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Page 1: EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA - UFSC

JUNE E HAHNER

EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA:

No Brasil como em outros poises do Novo Mundoa educação superior da mulher serviu como elementoessencial no desenvolvimento da ideologia da emanci-pação feminina no seculo XIX o que tambem possibilitou o aparecimento das lideranças dos movimentospelos direitos femininos

Durante a segunda metade desse seculo noBrasil as cidades cresceram em area população ecomplexidade econômica e social O inicio da industria-lização o crescimento das atividades comerciais osmelhoramentos das comunicações e transportes e ocrescente indice de alfabetização facilitaram o aparecimento de novas ideias nos grandes centros urbanosonde pequenos grupos de pioneiras adversarias dasdesigualdades de genero manifestaram sua insatisfaçãocom os papeis tradicionais atribuidos pelos homens asmulheres Atraves de Jornais mais tarde esquecidosprocuraram despertar outras mulheres para seu potenciai de autoprogresso e elevar seus niveis de aspiraçãoEstas adversarias da subordinação feminina tentaraminiciar mudanças no status economico social e legaldas mulheres que lhes pareciam mais semelhantes a siproprias numa sociedade escravocrata e altamenteestratificada As pioneiras da emancipação femininauma minoria de mulheres alfabetizadas em ascensãoenfatizaram a educação da mulher como uma fontenão so de opções ampliadas da independencia econômica mas lambem de melhorias sociais

A educação no Brasil do seculo passado era emgrande parte uma prerrogativa daqueles a quem seoutorgavam seus beneficios por nascimento ou posiçãosocial De acordo com o censo de 1872 apenas 20%dos homens e 11 5% das mulheres sabiam ler e escreverAs percentagens eram mais altas nas cidades onde a

ANO 2 52 1 2 SEMESTRE 94

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' Chile Oficina Central deEstadistica Anuanoestadistico de la Republicade Chile corresponchente alos anos de 1876 y 1877Santiago ImprentaNacional 1878 p 436

2 Ibidem p 441

disparidade entre as taxas de alfabetização masculinae feminina nao era tao grande como entre a população total do pais (Vide tabelas 1 2 e 3)

Em contraste com o Brasil cuja população em1872 era de mais de dez milhões o Chile com umapopulação mais homogênea e bem menor so uns doismilhões de habitantes em 1875 apresentava taxas de

profissionais liberais naamérica latina do século )(IX

alfabetização muito mais altas com disparidades degenero menos notaveis Segundo o censo nacional de1873 23 7% dos homens sabiam ler e escrever e 26 2%eram capazes somente de ler enquanto 16 9% dasmulheres sabiam ler e escrever e 19 8% somente liam'Em 1873 o Impeno do Brasil possuia apenas 5 077escolas primarias publicas e particulares com 114 014alunos e 46 246 alunas enquanto em 1877 as 1 282escolas primarias publicas e particulares no Chileensinavam a 36 231 meninos e 27 584 meninas aproXimadamente o dobro baseado numa comparaçãorelativa entre as populações destes paises 2 A popula-çao menor e mais homogenea do Chile ocupava umterntono pequeno e por isso mais controlavel comuma estrutura politica estavel e mais fleme] semnecessidade de grandes rupturas Os escravos emnumero relativamente pequeno foram emancipados nocomeço do seculo XIX como resultado da luta pelaindependência No Chile uma prospera economiabaseada na mineração e na agricultura facilitava astentativas de modernização por parte dos liberais queconsideravam a educação um elemento essencial parao desenvolvimento do pais

Sabemos que melhorias em alfabetização eescolaridade podem abrir caminhos no mundo moder-no para homens e mulheres A alfabetização afinal decontas e mais do que uma habilidade tec nica elapossibilita novos tipos de competencias e pode atenuara rigidez dos comportamentos tradicionais Ela facilita apreservaçao e manutenção de uma rede de comunicaçoes mais ampla do que a da propna localidade epode gerar ceticismo sobre opiniões regionais facilitando acesso a outros pontos de vista Para as mulheres adiminuiçao da disparidade entre as taxas de alfabetiza-

ESTUDOS FEMINISTAS 53 N 1/94

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Brasil Directoria( Geral deEstatistica 'Recenseamentoda populaçoodo Impenodo &az! a que se procedeuno dia 1° de agosto de 1872XXI (Municiai° Neutro) 102Brasil Directoria Geral deEstatistica Recenseamentodo Brazil realizado em 1° desetembro de 1920 IV 4°parte xii xvl SÇOBIE JamesR Argentina A City and aNation Nova lorqUe OxfordUniversity Press 1964/ p 154

Estudos historicos comparaNos da America Latina suoraros principalmente os quetratam da Mulher VideMILLER Francesca LattnAmencan Womeri and theSearch for Social JusticeHanover/Londres UniversityPress of New England 1991

çao masculinas e femininas pode trazer grandes implicaçães, ajudando as a entrar num mundo maior Umaumento do uso da escrita em vez da comunicaçãooral poderia ajudar a fechar o abismo entre a expe-nencia masculina e a feminina uma vez que a palavrafalada ligada a presença do orador transmite o generodeste de uma maneira que a escrita não faz

Alguns liberais brasileiros que pregavam a moder-nização no seculo XIX defendiam um sistema educa=nal mais aperfeiçoado Como muitos outros liberaislatino americanos, consideravam a educação como achave do progresso de seu pais Difundir a educaçãoassim camo elevar o nivel tecnologico haveria depromover o avanço economico e o desenvolvimentomaterial utri processo na qual amuiher poderia desem-penhar um papel menos restrito

A falta de verbas mais do que a oposiçao deentidades como a Igreja dificultava muito o crescimento da educaçao para crianças no Brasil Era dasprovincias empobrecidçts e não do governo central aresponsabilidade pela educação publica primaria forada capital e que nesta sociedade agraria escravocrata

'poucos recursos recebeu dos tesouros provinciais A taxade analfabetismo no Brasil caiu de 4/5 da populaçãoem 1872 paro apenas 314 em 1920 enquanto que naArgentina caiu de 2/3 em 1869 para pouco mais-de 1/3em 1910 Na Argentina liberais como Domingo FaustinoSarmento colocavam a educaçao publica incluindo otreinamento de professoras como ponto importante deseu programa politico Isto jamais se viu no Brasil Osliberais argentinos acreditavam que as escolas publicasgratuitas sustentadas pelo governo poderiam transformar a Argentina em uma naçao civilizada e prospera eenfrentaram a forte oposição das professoras catolicase das ordens religiosas que consideravam a educaçãoe a SdUcie como seu dominio exclusivo A Igreja nãoocupou uma posiçao tao decisiva na sociedadebrasileira como em alguns outros paises latinoamericanos Opôs se a ideia do ensino publico egratuito questão que passou a ser discutida com oestabelecimento da Republica em 1889 mas nuncatevê a mesma força e influencia como no Mexico ondea modernizaçao foi mais estritamente ligada a seculari-zação e onde Bento Juarez e os liberais instauram umalegislação criando escolas publicas secundarias parameninas como parte de suas tentativas de enfraquecera !grei&

No brasil o sistema escolar revela o consensosocial sobre o papel das mulheres Elas recebiamensinamentos atraves de disciplinas que se pensavaserem necessanas as suas funções sociais Sua educação

ANO 2 54 1 e SEMESTRE 94

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6 FERREIRA Felix A Educaçao da Mulher Notascolligtdas de vanos autoresRio de Janeiro TypHildebrandt 1881 p vn xt

6Q Sexo Feminino Rio deJaneiro 28 de ianeiro de1874 p 34

centrou se na preparação de seu ultimo destino comoesposas e mães Mesmo para os homens brasileiros quese consideravam progressistas e aprovavam a "'gualdade universal proclamada pelo cristianismo e a liberdadede trabalho e a igualdade civil o objetivo da educa-ção feminina nada mais era do que o preparo para amaternidades As meninas deveriam ser ensinadas acuidar bem de suas casas pois seu destino era trazer afelicidade para um homem Um pouco de educaçãopoderia ajuda las a tornarem se melhores maes e boascompanheiras de seus maridos Enquanto os homenstradicionalistas acreditavam assim como alguns modernizadores que o lugar da mulher era em casa osmais avançados destacavam o significado do papelfeminino familiar enfatizando o poder que possula paraorientar o desenvolvimento moral de seus filhos e deformar bons ctdadaos para a naçao Tais argumentosjustificaram uma educação mais ampla das mulheresembora ainda uma instrução que as levasse apenas acumprir suas responsabilidades familiares

Usaram argumentos semelhantes as pioneirasadversarias das desigualdades de genero nos meadosdo seculo XIX Os jornais editados por mulheres começando com O Jornal das Senhoras cujo primeiro numerofoi lançado no Rio de Janeiro em 1852 ressaltaram aimportancia da educaçao para as mulheres tanto emseu beneficio como para o progresso do mundo

Francisca Senhorinha da Motta Diniz editora dojornal O Sexo Feminino de Campanha em Minas Geraisargumentava em 1874 como outras feministas nos anosseguintes que se as mulheres em outros pouses podiamfrequentar instituiçoes de ensino superior devia se lhespermitir o mesmo no Brasil Perguntava retoricamenteO nosso imperio do Brasil que faz timbre em ser submisso

imitador da Europa e dos Estados Unidos em todos osprogressos por que nao legisla a fim de que as mulheresem nossa terra possao ser graduadas nas ciencias maisindispensavets aos uzos da vida'? " "Sera'? questionavasarcasticamente que os governos se arreceie dealguma revolução resultante de sciencia feminina'?"D Francisca acentuava os beneficios morais e economicos que advem a um pais aulas mulheres tornam separticipantes ativas na vida nacional um argumentoque poderia interessar aqueles brasileiros esperançososde modernizar e desenvolver sua patrició

Somente um homem excepcional poderia aceitara entrada das mulheres em profissoes como a medicinae o direito Mas a possibilidade de conseguirem acessoa educaçao superior tornou se um assunto digno de°tença° em poucos e restritos circulas sociais Em 1874os professores da Faculdade de Medicina do Rio de

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' Brasil Ministerio do ImpemRelatono apresentado aAssemblea Geral Legislativana quarta sessao da decimaquinta legislatura peloministro e secretariod estado dos negoclos doimpeno Dr Joao AlfredoCotrea de Oliveira Rio deJaneiro Typ Nacional 1875Relataria do Dr JoaquimMonteiro CaminhoaFaculdade de Medicina do

Rio de Janeiro Memoriahistorica dos acontecimentos notaveis do armolectivo de 1874 p 23 24

8 A Mulher Nova Iorque abrilde 1881 p26

Janeiro consideraram pela primeira vez a admissao demulheres Mais uma vez tanto os exemplos estrangeirosquanto as opinioes tradicionais tiveram grande peso nodebate Os professores a favor da 'emancipação damulher destacavam o numero de medicas da Europa edos Estados Unidos e insistiam que o Brasil deveriaseguir na vanguarda da civilização enquanto os queentendiam que as aspirações da mulher nao devem iralem das do coração queriam que o mundo destas selimitasse ao de filha esposa e mãe

No Brasil como em outras partes da AmericaLatina a educaçao superior tradicionalmente serviupara preparar os homens para as profissões prestigiosasparticularmente o direito e a medicina Poucasconexoes existiam entre esta instrução e o sistema deeducaçao primaria que foi dirigida e nao com exito amassa da população porque a maioria dos brasileirospermaneceu analfabeta A posse de um titulo obtidonuma faculdade constituia se no requisito mais importante para o ingresso na vida politica brasileira A mulhernão poderia ser admitida na academia porque estaoferecia um saber dirigido um curriculo classico cujoobjetivo principal era equipar os homens para o mundopolitico das elites Nao obstante umas poucas mulheresdesafiaram este tratamento do saber como um ritual depuberdade exclusivamente masculino

Ate a decada de 1880 qualquer jovem brasileiraque desejasse treinamento medico tinha de viajar aoexterior para prosseguir seus estudos E algumas assimfizeram Em 1874 uma jovem de catorze anos MariaAugusta Generosa Estrella deixou o Rio de Janeiro paraestudar medicina nos Estados Unidos Tres anos maistarde seguindo algum trabalho preparatorio conseguiupermissão especial ela estava abaixo da idade paraingressar no New York Medical College and Hospitalfor Women

Antes que ela colasse grau em 1881 e se tornassea primeira doutora brasileira a ela se juntou umasegunda jovem Josefa Agueda Felisbella Mercedes deOliveira Elas se viram como duas brazileiras queabandonando a Patria que separando nos do seio dascaras familias fizemos o grande sacrificio de vir estudarmedicina no intuito de ser uteis ao nosso paiz e de servira humanidade afflicta Duas grandes ideas inflamavam seus corações 'o amor da Patria e a defesa donosso sexo tam guerreado como considerado incapazde receber instrucçao superior 8

Mesmo depois que o governo brasileiro abriu em1879 as instituiçoes de ensino superior do pais as mulheres capacitando as assim a ingressar em profissoesapenas um pequeno numero de mulheres pode seguir

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'Gazeta da Tarde Rio deJaneiro 1 2 de outubro de1885 p 1 3 de outubro de1885 p 2

', A Imprensa e o Lyceu deArtes e °Maios Aulas para osexo feminino Rio deJaneiro Typ Hildebrandt1881 p is 5 12 25

" LAMBERG Mauricio OBrazil trad Luiz de CastroRio de Janeiro Typ Nunes1896 p 59

esse caminho para empregos de prestigio Alem desuperar as pressões e a desaprovação social as jovenstinham que assegurar os estudos secundarios frequentemente dispendiosos mas indispensavels para continuarNunca de facil obtenção para os que não eram membros da elite a educação secundaria permaneciaesquiva mesmo para mulheres com pais influentes

Revelar se ia muito dificil para as jovens forçar asportas das melhores escolas tais como o Colega DomPedro II no Rio de Janeiro a escola secundaria publicaexemplar do pais embora algumas jovens tenham sidoadmitidas durante um perlado curto em meados dadecada de 1880 Elas saram se bem em seus examesmas foram logo expulsas Embora o governo tenhasugerido que as jovens fossem encaminhadas paraestabelecimentos de adequada organização ondepodem prosseguir em seus estudos nada equivalenteao Colegio Dom Pedro II existia9 Escolas secundariasparticulares para moças eram em geral inadequadas edispendiosas e sua escolha de educaçao gratuita oupublica no Rio de Janeiro estava limitada a escolanormal e ao Liceu de Artes e Oficios que em 1881acrescentou para as moças cursos especializados e degrande procura em musica desenho e português masnao em filosofia algebra ou retorica como no ColegtoDom Pedro 1110

Por volta da virada do seculo nos poises maisdesenvolvidos da America Latina a maioria dos alunosdas escolas normais era de mulheres da classe mediaAo contrario dos homens que usufruiam das oportunidades de empregar se no funcionalismo publico nosbancos no comercio e nas forças armadas estasmulheres encontravam pouquissimas alternativasrespeitaveis de trabalho Com instruçao elas poderiam

evitar empregos de classes baixas como o serviçodomestico a principal categoria de emprego urbanofeminino Em países como a Argentina Uruguai e Chilecom classes medias em expansao os filhos de imigrantes europeus dominavam as escolas normais Poremnuma sociedade mais tradicional como a peruanahavia poucos alunos para as escolas normais

Segundo um perspicaz jornalista europeu asescolas normais brasileiras eram frequentadas umamente pelas filhas das tainhas menos favorecidas Nãoha no Brasil escolas secundarias estaduais ou de instituições de ensino superior para o sexo feminino quefuncionem com todo rigor como na Europa Osinstitutos particulares que aqui existem para o sexofeminino estao muito longe de preencher essa lacuna

O Liceu Santa Isabel no Rio de Janeiro fundadopor uma experiente professora e redatora de jornais

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12 Amelid Diniz e Elysd Diniz aPrincesa Imperial Isabel Riode Janeiro Nov 11 1882Programma de Estudos do

Lyceo Santa lzabel ArquivoNacional Seçao de ArquivosParticulares N2 17 ItemDoc CX 15 Voz daVerdade Rio de Janeiro 12de maio de 1885 p 4 28 demaio de 1885 p 4 O Quinzede Novembro do SexoFeminino Rio de Janeirofevereiro de 1889 p 4VALLADAO AlfredoCampanha da PnncezaSao Paulo EmprezaGraphica da Revista dosTribunaes 1942 IH 252

1, MILLER Latir) AmencanWomen p 49 50 LITTLECynthia Jeffress EducationPhilanthropy and FeminismComponents of ArgentineWomanhood 1860 1926 InLatin American WomenHístoncal Perspectives EdAsuncion Lavrin WestportConn Greenwóod Press1978 p 241 243

'4 SILVA Alberto A PrimeiraMedica do Brasil Rio deJaneiro Irmaos Pongetti1954 p 52 94 122 196 198LOBO Bruno Rita Lobato aprimeira medica formada noBrasil Revista de Historia XLII483 485 abril junho de1971 A Mensageira SoaPaulo 15 de ianetro de 1898p 106 VIDAL Olimpo BarrosPrecursoras Brasileiras Rio deJaneiro A Noite 1955p 207 229

Francisca da Mota Diniz e suas filhas oferecia as suasalunas aulas de geometria calculo ciencias naturaisfilosofia e idiomas estrangeiros (alemao ingles e latim)mas com pagamentos adicionais A situação financeiradeste colegio na decada de 1880 tornou se instave112O governo brasileiro não subvencionou escolas secundanas para meninas como aconteceu no Chile noultimo quartel do seculo XIX o que levou este pais a sairna frente na formaçao de mulheres no ensino superiorainda que em reduzido numero A Argentina alem desubvencionar algumas escolas secundarias particularescriou o primeiro instituto publico a oferecer as mulheresestudos preparatonos para as universidades a EscolaSuperior Nacional para Meninas Numero Um em BuenosAires no ano de 1907 13 Somente na decada seguintechegaria a co educaçao ao Colegio Pedro II no Rioapos as mulheres terem aberto uma brecha nos murosdas instituiçoes brasileiras de ensino superior

Apesar dos obstaculos algumas brasileiras seguiram a vanguarda da Dra Mana A G Estrella Em 1887Rita Lobato Velho Lopes tornou se a primeira mulher areceber o grau de medica no Brasil Em 1888 ErmelindaLopes de Vasconcelos obteve seu grau e outras seguiram se em brevei4

As profissionais liberais pioneiras encontraramhostilidade e estiveram sujeitas ao ndiculo o que semduvida estimulou sua consciência sobre as questões dosdireitos femininos Um desafio ao controle exclusivomasculino de uma profissão eminente como a medicinapodia bem arrancar mais criticas verbais do que ofariam outras atividades femininas novas que nãorepresentassem ameaça direta a dominaçao masculina Algumas mandestaçoes mais visiveis dessa oposiçãomasculina deram se no teatro como na comedia Asdoutoras de Joaquim Jose de França Junior de 1889que expressou algumas das mais deliberadas oposiçõesas mulheres na medicina

O assunto dessa peça diz respeito a dois companhetros de classe de um curso de medicina que secasam no dia da graduaçao e montam um consultono em conjunto Mas a insistencia da esposa pelaigualdade dentro do casamento e sua bem sucedidacompeticao com o mando por pacientes poem suauniao em perigo Tanto ela como o pai um crente noprogresso e seguidor biruta de esquemas de fazerdinheiro argumentam pela individualidade e emancipaçao da mulher Como algumas outras feministas ela seopõe especificamente as mulheres serem transformadasatraves do amor em meras maquinas de procriação"(Ato II cena 2) Sua mae prefere de longe os velhostempos quando as mulheres nao se lembravam de ser

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' s FRANÇA JUNIOR JoaquimJosé da As doutorasComedia em 4 actos Rio deJaneiro Sociedade Brasileirade Autores Thecipaes 1932)Informaçao sobre FrançaJunior e Suas obras seencontra na artigo de LuisGastao de EsCragnolleDona Cousas do passadoRevista do Instituto Historia°e Geografia° Brasileiro 71pt 2(1908) 295 297

' a A Mensageira Sao Paulo15 de outubro de 1897 p430 de dezembro de 1897p 92

Escrínio Porto Alegre 26de agosto de 1901 p2

OLIVEIRA AnctradinaAmerica Andrada deDivorcio, Porto AlegreLivraria Universal1912p 224

'9 MOURA Maria Lacerdade A Mulher e UmaDegenerada Rio deJaneiro CivillzaçaoBrasileira 1932p 90

PEREIRA Manoel FranciscoPinto A Mulher no Brasil SaoPaulo C Teixeira & Cia1916 p 88 91

2' VIDA Barros PrecursorasBrasileiras p 235

doutoras e limitavam-se ao nobre e verdadeiro papelde maes de familia (Atol cena 2) Finalmente essamulher doutora sucumbe não aos argumentos mas aosciumes por causa de outra mulher e ao amor a seumando que insistia em ser o "chefe da familia' Finalmente ela renuncia -a sua carreira e tem um filho Comodiz sua mãe as leis da natureza devem vencer A peçatermina com a ex doutora proclamando que este filho esuficiente para preencher sua vidals

As colaboradoras do jornal paulista feminino AMensageira no final do seculo XIX afirmavam que oBrasil possua pouquissimas medicas e que elas tinhamque lutar muito contra 'impecilhos e preconceitos"16

A escritora pernambucana Ines Sabino Malalamentava no jornal gaucho Escrinto no inicio desteseculo que as medicas sao fidas como sem pudor"'' Aredatora do Escnnio Andradina America Andrade deOliveira afirmou que ate nas aulas das faculdades amulher encontrou a hostilidade do homem e suaspalavras eram como "punhais"'8

Na decada de 1920 a anarquista e feministaMana Lacerda de Moura deplorou que "e voz geral queas mulheres nao podem nao devem exercer as mesmasprofissoes masculinas incompativeis com a sua sensibiliclade e ate com o pudor Criticam a mulher medica aadvogada a escritora, a concorrente afinal 19 Mesmoos homens que defendiam teoricamente o direito damulher ingressar nas chamadas profissoes masculinasargumentavam que o emprego das mulheres foi precisoapenas porque algumas delas nao conseguiram casarse o que sena a melhor carreira feminina Como umdesses senhores afrontosamente acrescentou "quandotais mulheres nao casam na maioria das vezes não eque nao o querem senao que as repulsam os homens'2°

A oposiçao encontrada pelas poucas e isoladasmulheres que tentavam conquistar o ingresso nasprofissões liberais reforçava seu compromisso com osdireitos femininos Segundo um biografo compreensivotal foi o caso de Mtrtes de Campos a primeira advogada admitida nos tribunais brasileiros em 1899 e quelutou pelo sufrago feminino na imprensa e na Ordemdos Advogados Brasileiros muito antes da formação deorganizciçoes sufragistas2'

Em outras partes da America Latina tambem asprofissionais liberais enfrentaram o isolamento e campanhas de adiculanzaçao A primeira medica argentinaCecilia Gnerson graduada em 1889 sofreu isolamento eo escamo por parte de seus colegas homens quandoera a unica mulher cursando a Universidade de BuenosAires e travou uma longa campanha legal antes de lheser permitido exercer a medicina Cecilia conseguiu

ESTUDOS FEMINISTAS 59 N 1/94

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CARLSON Marifran!Feminismo ; The Woman sMovement in Argentina FromIts Beginnings to Eva PeronChicago AcademyChicago Publishers 1988 p90 92 103 133 154 155LITTLE EducationPhilanthropy and FeminismIn LAVRIN (ed ) LafinAmencan Womenp 243 247 252

mais tarde não so fundar uma escola profissionalizantede enfermagem como tambem a primeira associaçãode obstetricia e de enfermeiras obstetras e ainda em1900 o Conselho Nacional de Mulheres da Argentinaque filiou se ao Conselho Internacional de Mulheres

Outras profissionais pioneiras que estudarammedicina na Universidade de Buenos Aires como AliciaMoreau Julieta Lanten e Elvira Rawson enfrentaramigualmente muita hostilidade masculina Posteriormentetornaram se as mais eminentes lideres feministas daprimeira metade do seculo XX na Argentina AliciaMoreau de Justo escritora e professora alem de medi-ca desempenhou importante papel em organizaçõesque lutaram pelos direitos da mulher chefiando a UniãoFeminista Nacional fundada pelo Partido Socialista em1918 e trabalhando como uma das redatoras da revistafeminista socialista Nuestra Causa Julieta Lanten aterceira medica formada na Argentina em 1918 e uma"livre pensadora fundou a Liga pelos Direitos da Mulhere da Criança em 1911 e o Partido Feminista Nacionalem 1920 Elvtra Rawson de Dellepiane que seguiu longae diversificada carreira dedicada a saude das mulherese crianças desempenharia um papel distinguido nascampanhas pelo sufrago feminino do seu pais foi afundadora do Centro Feminista em 1905 e encabeçoua Associaçao dos Direitos da Mulher em 191922

Com o avanço do seculo XX outras mulhereslatino americanas obtiveram instrução superior Alem dodireito e da medicina foram admitidas nos cursos deengenharia farmacia e odontologia Por volta de 1920no Brasil estas mulheres competiram com os homens nadisputa de cargos publicos de alto nivel Elas tinhamdeterminaçao e capacidade de organização assimcomo relações pessoais para liderar campanhas bemsucedidas pelo voto feminino As lideres das decadasde 1920 e 1930 do movimento brasileiro pelo sufragofeminino conseguiram seu objetivo principal em 1932 eo Brasil tornou se o quarto pais no hemisfeno ocidental atconceder este direito seguindo o Canada EstadosUnidos e Equador A liderança da campanha sufragistaera constituida por advogadas medicas e engenheirasdo serviço publico e da iniciativa privada

Bertha Lutz reconhecida como a grande liderdesta campanha presidenta da Federaçao Brasileirapelo Progresso Feminino a maior organização dogenero era biologa graduada pela Sorbonne eobteve alta colocaçao no Museu Nacional do Rio deJaneiro

Na decada de 1920 a liderança da Federaçãoprocurou com exito o apoio de jovens profissionaisliberais Como explicou a esta autora anos atras numa

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23 Entrevista com CarmenPortinha Rio de Janeiro11 de Junho 1984

24 Entrevista com Maria RitaSoares de Andrade Rio deJaneiro 21 de junho 1983

25 MILLER Latir) AmencanWomen p 49 54 CARLSON!Feminismo/ p 83 LITTLECynthia Jeffress MoralReform and Feminism ACase Study Joumal ofInterAmencan Studies andWorld Affairs 17 Novembrode 1975 386 397 STONER KLynn From the House to theStreets The Cuban Women sMovement for Legal Reform1898 1940 Durham/LondresDuke University Press 1991p 78

entrevista Carmen Portinho uma das fundadoras daFederação com dezoito anos de idade quando asdirigentes "descobriam mulheres formadas tentavamalista las no movimento" 23 No Rio Carmen Portinhoconseguiu muitas adesões na Faculdade de Engenhariae recrutou em outros estados varias militantes comopor exemplo Maria Rita Soares de Andrade advogadaem Sergipe que decadas mais tarde relatou como amaioria de suas contemporaneas do pequeno circulode profissionais liberais participou do movimentosufragista24

Por toda a America Latina as profissionais liberaisdesempenharam importante papel na liderança dosdiversos movimentos pelos seus direitos As pioneirasmedicas argentinas Cecilia Grierson Alicia MoreauJulieta Lanteri e Elvira Rawson de Dellepiane tornaram seas lideres mais proeminentes de seu pais Outrasdentre as primeiras a formarem se na Universidade deBuenos Aires alem de seguirem carreira na medicinaassistencia social ciencias e educação defenderam aascensao social e economica da mulher No ChileEloisa Diaz Inzunza a primeira a formar se em medicinaem 1886 seguiu destacada carreira na saude publica edefendeu ardorosamente os direitos femininos ErnestinaPerez Barahona segunda medica chilena e feministaconvicta foi a primeira presidenta do Conselho Nacional de Mulheres em 1919 Amada Labarca Hubertsona mais destacada feminista e pioneira do sufragismo noChile e primeira chilena a conquistar uma catedrauniversitaria em 1922 era educadora e nao medicaPaulina Luis' primeira uruguaia formada em 1889 e aprimeira medica do pais participou da criaçao doConselho Nacional de Mulheres em 1916 e ganhourenome internacional como militante feminista nadefesa do voto e de um padrao moral comum parahomens e mulheres Em Cuba pais que esteve sobdominio espanhol ate 1898 e que tambem sofreugrande influencia dos Estados Unidos de diversasmaneiras tres quartos da liderança do movimentosufragista possuiam formaçao universitaria25

No final do seculo XIX um numero crescente demulheres recebeu um pouco mais de instrução mas asgrandes massas da população permaneceram semalfabetizaçao

As portas dos estabelecimentos brasileiros deensino superior finalmente se abriram para as mulherescomo queriam as feministas Porem poucas conseguiram cruzar estas portas e um numero menor aindalutou para seguir as profissoes liberais ate então dominadas pelos homens As pioneiras profissionais liberais

ESTUDOS FEMINISTAS 61 N 1/94

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1920 AnalfabetosAlfabetizados

HOMENS MULHERES

4 470 068 3 023 289

HOMENS MULHERES

10 973 750 , 12 168 498

96 de alfabetizados entre a populaçao masculina 289% de alfabetizados entre a populaçao feminina 199

em relação ao seu numero exerceram uma grandeinfluencia na sociedade Sua profissionalizaçao e seuconfronto com o mundo masculino hostil estimuloumuito sua tomada de consciência politica

As mulheres brasileiras que exerceram as prestiglosas carreiras da medicina e do direito representavamuma minusculd fração da força de trabalho femininonesta sociedade o que significa que os homens dominardm de forma esmagadora as profissões liberais pormuitas ciecadds Não obstante este fato dessas fileirasfeministas originou se urna minoria de brasileiras quetrabalhou conscientemente para mudar o status social epalite() da Mulher no seculo XX

Tabela 1 - Taxas de Alfabetização, Brasil, 1872-1920

1872 Alfabetizados

HOMENS MULHERES

1 013 055 551 426

Analfabetos

HOMENS MULHERES

4 110 814 4 255 180

% de alfabetizados entre a populaçao masculina 198% de alfabetizados entre d populaça° feminina 11 5

1890 Analfabetos

HOMENS MULHERES

1 385 854 734 705

HOMENS MULHERES

5 852 078 6 361 278

Alfabetizados

%de alfabetizados entre a populaça° masculina 19 19'o de alfabetizados entre a ]2:,.c5 pula ca o feminina 10 4

FONTES Bras/ Directoria Gera{ de Estatística Recenseamento dapopulaçao do Império do Brazil a que se procedeu no dia 1g deagosto de 1872 XXI (Municiai° Neutro) 102 Brasil Directoria Geralde Estatistica Recensearnento do Brazil realizado em 1 2 desetèmbro de 1920 IV 4r- parte XII XVI

ANO 2 62 1 2 SEMESTRE 94

Page 12: EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA - UFSC

Tabela 2 - Taxas de Alfabetização Rio de Janeiro,1872 1920

1872 Analfabetos

HOMENS MULHERES

65 384 34 101

HOMENS MULHERES

93 382 82 105

Alfabetizados

% de alfabetizados entre a populaçao masculina 41 2% de alfabetizados entre a populaçao feminina 293

1890 Analfabetos

HOMENS MULHERES

169 960 100 370

HOMENS MULHERES

123 624 128 624

Alfabetizados

% de alfabetizados entre a populaçao masculina 57 9% de alfabetizados entre a populaçao feminina 43 8

1906 Analfabetos

HOMENS MULHERES

260 941 160 131

HOMENS MULHERES

202 512 187 859

Alfabetizados

% de alfabetizados entre a populaça° masculina 563% de alfabetizados entre a populaça° feminina 146 0

1920 Analfabetos

HOMENS MULHERES

398 144 312 108

HOMENS MULHERES

200 163 247 458

Anabetizados

% de alfabetizados entre a populaçao masculina 665% de alfabetizados entre a populaçao feminina 558

FONTES Recenseamento do Brasil 1920 II 32 parte cvl 414 415 IV42 parte xill Brasil Directoria Geral de Estatistica Recenseamento doRio de Janeiro (Districto Federal) realizado em 20 de setembro de 19061 108 109

ESTUDOS FEMINISTAS 63 N 1/94

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1890 AnalfabetosAlfabetizados

HOMENS MULHERES

12 040 6 774

HOMENS MULHERES

22 196 23 924

% de alfabetizados entre a populaçao masculina 35 2% de alfabetizados entre a populaça° feminina 22 1

Alfabetizados

HOMENS MULHERES

189 097 148 605

Analfabetos

HOMENS MULHERES

104 910 136 421

1920

% de alfabetizados entre a populaçao masculina 643% de alfabetizados entre a populaçao feminina 52 1

Tabela 3 - Taxas de Alfabetização São Paulo (Capital),1872 1920

1872 Alfabetizados

HOMENS MULHERES

5 055 2 673

Analfabetos

HOMENS MULHERES

10 672 12 984

% de alfabetizados entre a populaçao masculina 32 1% de alfabetizados entre a populaçao feminina 17 1

FONTE Recenseamento do Brasil 1920 IV 42 parte xxvi xxvIt

ANO 2 64 1 Q SEMESTRE 94