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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 EDUCAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO ENTRE OS GUARANI MBYÁ DA ALDEIA KO’ Ẽ JU PORÃ CIARAMELLO, Patrícia Regina (UNICENTRO) VESTENA, Carla Luciane Blum (Orientadora/UNICENTRO) A Educação Escolar Indígena é uma realidade antiga no Brasil, com suporte legal e amplamente discutida entre diferentes povos indígenas e agentes não-indígenas de diversas áreas (antropólogos, linguistas, educadores, indigenistas) com ela envolvidos. Pode-se, inclusive, afirmar a impossibilidade de se falar em “uma realidade”, mas sim em realidades que diferem e muitas vezes se contrapõem, que variam de acordo com o contexto histórico do Povo Indígena à qual se refere, com a realidade do lugar e das relações com a sociedade não-indígena, com as políticas de implementação e gestão, entre outros tantos fatores. Os caminhos educacionais dos povos indígenas quase sempre se dão de forma sinuosa, cheios de atalhos, de obstáculos. São permeados por anseios, expectativas, exigências, desilusões, interesses diversos. Partindo da realidade local, da educação tradicional que recebem em sua Aldeia, nas Casas de Reza e outros locais sagrados, da relação com os mais velhos e na vivência com as tarefas do dia-a-dia. Seguindo para a escolarização, que acontece em escolas próprias ou até mesmo em escolas não- indígenas, mas que na maioria das vezes segue o padrão ocidental. Para, enfim, entre dificuldades, desilusões e evasões, alguns poucos chegarem ao nível superior. Pensar escolarização indígena não diz respeito à simples transposição de um modelo de escola ocidental para uma comunidade indígena, mas deve-se levar em conta qual o projeto de vida da comunidade, o que e como a escola pode contribuir com esse projeto, o que eles pensam sobre a escola e o que esperam dela. Partindo disso, ter a consciência de qual caminho querem trilhar, o que esperam dos cinco primeiros anos de escolarização e o que farão depois de findado esse primeiro período. Continuarão a estudar? Onde? Pra quê? Em que condições? Chegarão ao Ensino Superior? Com qual

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

1

EDUCAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO ENTRE OS GUARANI MBYÁ

DA ALDEIA KO’ Ẽ JU PORÃ

CIARAMELLO, Patrícia Regina (UNICENTRO)

VESTENA, Carla Luciane Blum (Orientadora/UNICENTRO)

A Educação Escolar Indígena é uma realidade antiga no Brasil, com suporte

legal e amplamente discutida entre diferentes povos indígenas e agentes não-indígenas

de diversas áreas (antropólogos, linguistas, educadores, indigenistas) com ela

envolvidos. Pode-se, inclusive, afirmar a impossibilidade de se falar em “uma

realidade”, mas sim em realidades que diferem e muitas vezes se contrapõem, que

variam de acordo com o contexto histórico do Povo Indígena à qual se refere, com a

realidade do lugar e das relações com a sociedade não-indígena, com as políticas de

implementação e gestão, entre outros tantos fatores.

Os caminhos educacionais dos povos indígenas quase sempre se dão de forma

sinuosa, cheios de atalhos, de obstáculos. São permeados por anseios, expectativas,

exigências, desilusões, interesses diversos. Partindo da realidade local, da educação

tradicional que recebem em sua Aldeia, nas Casas de Reza e outros locais sagrados, da

relação com os mais velhos e na vivência com as tarefas do dia-a-dia. Seguindo para a

escolarização, que acontece em escolas próprias ou até mesmo em escolas não-

indígenas, mas que na maioria das vezes segue o padrão ocidental. Para, enfim, entre

dificuldades, desilusões e evasões, alguns poucos chegarem ao nível superior.

Pensar escolarização indígena não diz respeito à simples transposição de um

modelo de escola ocidental para uma comunidade indígena, mas deve-se levar em conta

qual o projeto de vida da comunidade, o que e como a escola pode contribuir com esse

projeto, o que eles pensam sobre a escola e o que esperam dela. Partindo disso, ter a

consciência de qual caminho querem trilhar, o que esperam dos cinco primeiros anos de

escolarização e o que farão depois de findado esse primeiro período. Continuarão a

estudar? Onde? Pra quê? Em que condições? Chegarão ao Ensino Superior? Com qual

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objetivo? Retornarão à aldeia após formados? Enfim, esses são apenas alguns relevantes

questionamentos antes que se afirme ou se critique a escolarização indígena e, mais que

isso, reflexões necessárias para que se pense um caminho educacional que não

corrobore com o histórico processo de discriminação, preconceitos, fracassos.

Trilhando por esse caminho, o presente artigo se constitui como parte integrante

de minha dissertação de Mestrado em Educação, ainda em andamento, cujo objetivo é

acompanhar os caminhos percorridos pelo povo indígena Guarani, da aldeia Ko’ẽ ju

Porã, localizada na Reserva Indígena Marrecas, no município do Turvo/PR, desde a

educação recebida tradicionalmente, em comunidade, passando pelo período em que

ingressam nos primeiros anos de escolarização – Séries Iniciais do Ensino Fundamental,

na Escola Estadual Indígena Arandu Pyahu, na própria aldeia, seguido pelo momento

em que decidem entre encerrar os estudos ou seguir para as Séries Finais do Ensino

Fundamental, em escola não-indígena fora da aldeia, até o momento em que concluem

o Ensino Médio e podem (conseguem) ou não chegar ao Ensino superior.

Algumas considerações são postas em questões: Como se dá o processo de

Educação tradicional? Qual o histórico de escolarização desta comunidade? Como

entendem e o que esperam da escola localizada na aldeia? Qual o percurso que

percorrem os jovens quando terminam os anos de escolarização da aldeia? Quais os

problemas enfrentados por eles para darem sequência aos estudos? Quais as

dificuldades encontradas pelas escolas e universidades não-indígenas que recebem esses

indígenas?

Enfim, o objetivo principal da pesquisa é analisar os caminhos educacionais

percorridos pelas crianças, jovens e até adultos Guarani, desde a aldeia Ko’ẽ ju Porã até

a Universidade, levantando quais as dificuldades encontradas por eles e pelos não-

indígenas com os quais se relacionam e buscando quais os principais motivos de evasão,

para que assim possam ser refletidas alternativas para melhora de tal realidade.

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Povo Guarani – quem são, onde vivem e como se dá sua educação tradicional

No Estado do Paraná, atualmente, vivem cerca de 13.300 indígenas, das etnias

Xetá, Kaingáng e Guarani, habitando, em sua maioria, as 17 Terras Indígenas

demarcadas pelo Governo Federal (http://www.museuparanaense.pr.gov.br). Na região

do município de Guarapuava, existe a Reserva Indígena Marrecas, localizada no

município do Turvo e demarcada para o Povo Indígena Kaingáng, etnia predominante

na região, mas que abriga também um grupo de cerca de 80 pessoas da etnia Guarani

Mbya, que formam a Aldeia Ko’ẽ ju Porã e junto da qual o presente trabalho estará se

realizando.

Os Guarani são uma etnia do Tronco Linguístico Tupi-Guarani, dividem-se (de

acordo com critérios linguístico e culturais) em Mbyá, Nhandéva e Kaiová (Kaiowá) e

não se limitam ao território brasileiro, abrangendo o Brasil, a Argentina, a Bolívia, o

Uruguai e o Paraguai. Comumente são conhecidos como povo nômade, pois mantêm

laços de parentesco e afinidades com aldeias distantes, perambulando com frequência

para visitar seus parentes ou até mesmo mudando-se de aldeia para outra, preservando

assim sua Língua e Cultura.

Nos tempos antes da colonização europeia, quando este território pertencia aos

Povos Indígenas apenas, os Guarani distribuíam-se do litoral às florestas subtropicais do

planalto, até o Rio Paraná ao Oeste. Geralmente suas aldeias eram estabelecidas nas

regiões de floresta, onde viviam da caça, da coleta e da agricultura e onde permaneciam

por cerca de cinco a seis anos e de onde se mudavam na sequência, permitindo ao solo

descansar e à fauna se recompor. Após alguns anos retornavam ao mesmo local,

iniciando um novo ciclo (http://www.museuparanaense.pr.gov.br).

Sabe-se que no século XVIII deu-se início às empreitadas pelos sertões de

Guarapuava, com grande incentivo do governo vigente e com intuito não só de ocupar

as terras, mas para isso, decretar “guerra justa” aos povos indígenas que por aqui

habitavam (LEITE, 2008, p.169). Entre os séculos XVIII e XIX, muitos indígenas

foram mortos e daqueles que sobreviveram, sabe-se que enquanto alguns foram

utilizados como mão-de-obra na pecuária (entre outras atividades) ou reunidos em

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aldeamentos e reservas, outros conseguiram fugir em direção ao litoral, local

considerado como sagrado para essa etnia.

Hoje, no Estado do Paraná, eles representam cerca de 30% da população

indígena, um total de aproximadamente 4.000 indígenas

(http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br; http://www.socioambiental.org/).

Os guaranis possuem seus métodos próprios de ensino-aprendizagem que

articulam dois universos: o cosmológico e o sociológico, por isso mantém em sua aldeia

uma Casa de Reza, também conhecida como Opy, lugar considerado como sagrado e

central na Educação Tradicional.

O conceito de Educação Tradicional ou Educação Indígena pode ser melhor

entendido nos escritos de Melià (1979), grande estudioso da Cultura Guarani, para

quem a “Educação Indígena” deve ser compreendida enquanto processo, onde se ensina

e se aprende a cultura indígena em termos de “socialização integrante”, ou seja, o ensino

e a aprendizagem são tidos como parte de um processo a “satisfazer as necessidades

fisiológicas, assim como à criação de formas de arte e religião” (p.10). A educação,

assim dizendo, não pode ser considerada de forma genérica, pois é composta de

diferentes aspectos e fases, cada qual com seu tempo de duração, dedicação e esforço.

Como essa educação diz respeito aos processos de socialização próprios de cada

sociedade, pode-se dizer que existem tantos modelos de educação, quanto existem

Culturas, sendo preciso analisar cada uma delas para compreender esses processos.

Em outras palavras, a Educação Indígena pode ser considerada como o processo

educativo pelo meio do qual os mais velhos, que já possuem em sua memória pessoal as

taxonomias culturais tentam transmitir os saberes aos mais novos, inserindo-os nesse

saber local e próprio. Essa educação se dá prioritariamente pela transmissão oral, pela

compreensão de sua genealogia, aprendendo a organização da vida natural, no contato

direto dos mais jovens com os mais velhos (ITURRA, s.d). A oralidade é a mais

valorizada forma de transmissão de saberes entre os Guarani, eles ensinam e aprendem

conversando; é a partir disso que são repassados a história de seus antepassados, as

experiências pessoais, os ensinamentos divinos... (http://www.socioambiental.org/).

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Escolarização indígena no contexto do Brasil e do Paraná

Paralelamente a esse processo de Educação Indígena, porém de forma bem

menos natural e muito mais imposta, podemos localizar a Educação Escolar Indígena.

Como apontado anteriormente, a escolarização indígena é temática antiga, é realidade

desde o início da colonização do Brasil até os dias de hoje, já tendo se revestido de

diversas “caras”: catequizadora, integradora, algumas geridas por indigenistas ou por

ONGs, outras pelo Estado; abarcadas por leis, decretos e pareceres em diferentes

governos. Enfim, como diria Wilmar D’Angelis (2012), escolas com cara de “cara

pálida”. Não são escassas as discussões, mas infelizmente ainda são raras as práticas de

escolarização autônoma, ou seja, onde a escola indígena seja pensada, planejada,

organizada e gerida de forma autônoma pelo próprio povo em questão.

No século XVI, as Escolas para Índios eram pensadas com força e tenacidade

por missionários jesuítas, que procuravam através delas assimilarem os indígenas e os

converterem em cristãos, o que acontecia por meio de catequeses ou mesmo internatos.

Tal realidade perdurou por anos, fosse nas mãos dos missionários católicos ou de

qualquer outra religião e até mesmo no entendimento oficial dos colonizadores, durante

o Império e ainda nos primeiros anos de República, permanecia a mentalidade de

assimilação, aculturação ou mesmo de indiferença em relação aos povos indígenas

(CIARAMELLO, 2005).

Já no século XX, auge da modernidade, muda-se um pouco o rumo da Educação

Escolar Indígena, com a chegada do SIL – Summer Institute of Linguistics em 1956,

que encontrou grande apoio do Governo e de Universidades. Apesar de utilizar-se de

técnicas distintas, como a escrita de diversas Línguas Indígenas, o SIL, no entanto, não

fugia do perfil civilizatório. A distinção se dava no fato de não abolir a “diferença”, mas

sim domesticá-la, o que, para Silva, M. (1994, p.44), significa dizer que “a diferença

deixou de representar um obstáculo para se tornar um instrumento do próprio método

civilizatório”.

O viés religioso da escolarização indígena seguiu com força por diversos anos,

pois não era interesse do Estado por realmente em prática uma escolarização que não só

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respeitasse, mas desse voz aos povos Indígenas. Ainda assim, na década de 1960 e

1970, assistiu-se a um crescimento de estudos e interesses por parte da Antropologia, da

Linguística e da Educação, o que resultou num Estatuto do Índio (1973) onde se muda o

foco de assimilação para integração do Índio à Comunhão Nacional.

A discussão sobre a autonomia das sociedades indígenas, o caráter ideológico da

educação, o ensino bilíngue e o estatuto do monitor indígena trabalhando na escola,

inicia-se na década de 1980, a partir da mobilização de indígenas e indigenistas

buscando a construção de uma educação escolar sintonizada com os interesses, direitos

e especificidades dos povos e culturas indígenas, onde se possam articular informações,

práticas pedagógicas e reflexões dos próprios indígenas sobre seu passado e futuro, seus

conhecimentos e projetos. A escola passa a ser considerada uma via de acesso a

informações centrais para tomadas de decisões.

No entanto, o sonho de uma escola diferenciada autônoma não ganhou essa

força toda, o que ocorreu desde então foi uma ambiguidade na implementação de

política de Educação Escolar Indígena, com poucas mudanças práticas. As maiores

mudanças vieram por parte dos próprios povos indígenas que passaram a se unir e se

mobilizar em prol da oficialização de suas escolas diferenciadas, “alternativas”,

conquistando com isso a inclusão de três artigos na Constituição de 1988

(CIARAMELLO, 2005).

Desde então, entra ano, sai ano... somos governados por um ou por outro...

criam-se políticas, leis, decretos, pareceres. Chegamos ao século XXI, ano 2012, e a

Escolarização Indígena continua um sonho. Observam-se ainda muitas escolas “para

índios” e não escolas indígenas. A situação piora ainda mais nos casos em que não há

escola na própria aldeia que contemple todos os anos de escolarização. Quando existe a

escola, mesmo ela não sendo totalmente autônoma, ainda pode se constituir como um

espaço de fronteira, de trocas, de possibilidades. Mas quando esses indígenas, crianças

e/ou jovens, são obrigados a sair da aldeia pra dar continuidade aos estudos, seguindo

para um universo cultural diferente, para escolas onde os demais alunos, os professores

e funcionários muitas vezes não estão “preparados” para lidar com as diferença, as

dificuldades se tornam grandes crateras, de onde esses indígenas acabam saindo por

meio da evasão.

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Apesar de séculos de contato de indígenas com não-indígenas, de décadas de

discussão por parte de antropólogos, linguistas, educadores, indigenistas e dos próprios

povos indígenas, ainda se questionam sobre as especificidades desses povos, sobre a

cosmologia própria, sobre suas formas de ver o mundo e se relacionar com ele. Sobre a

“dificuldade” que estes têm de se relacionar com a sociedade envolvente. Enfim, ainda

existem questionamentos sobre a não integração do índio à sociedade não-indígena.

Por outro lado torna-se possível questionar sobre quais os objetivos desses

indígenas de quererem dar continuidade aos estudos, ao menos nessas condições. É isso

que esperam da escolarização? É esse tipo de aprendizagem que desejam? Ainda há

muito a dialogar com os povos indígenas sobre o que a escola representa para eles, qual

a escolarização que desejam, qual tem sido o aproveitamento dos conteúdos escolares

que têm recebido.

No Paraná, o contexto da escolarização indígena não teve um caminhar

diferente do apresentado anteriormente, de forma mais ampla. O que os documentos

oficiais apontam é que a criação e oficialização de escolas em áreas indígenas ocorreu

apenas a partir de 1982, sendo que entre este ano e 1984 já estavam autorizadas e em

funcionamento 18 estabelecimentos de ensino. Destas, treze tinham como mantenedoras

a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e uma era mantida pela Missão de Cristianismo

Decidido.

Desde 1991, o Estado do Paraná vem discutindo as propostas da Educação

Escolar Indígena partindo dos princípios legitimados pela Constituição vigente. A

definição inicial do NEI/PR (Núcleo de Educação Indígena – Paraná) contido na

Resolução 1.119/92 era “(...) um espaço de trabalho e reflexão de pessoas e entidades

que respeitando e considerando processos culturais próprios das populações indígenas,

elaborar diretrizes que garantam uma educação diferenciadas nas áreas indígena e

fora delas propiciando condições físicas e pedagógica” (PARANÁ, 1992). A pauta de

tais discussões girava em torno de temas como: contratação e pagamento de professores

indígenas, currículo e calendário diferenciado, ensino bilíngue, merenda escolar,

formação de professores, evasão escolar, falta de material para alunos e professores,

necessidade de construção, ampliação e reforma nas escolas indígenas.

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A partir do ano de 1996, foi realizado um convênio entre a Secretaria de Estado

da Educação (SEED) e os Conselhos Indígenas (Guarapuava e Londrina), dando início à

contratação de monitores bilíngues. Apesar da contratação dos próprios índios para

atuarem em suas escolas ser motivo de comemoração, isso não necessariamente

assegurava aos alunos indígenas uma educação escolar específica e de qualidade, pois

não havia uma política pública no Estado do Paraná voltada para a formação inicial e

continuada e acompanhamento pedagógico dos contratados.

Outro marco na história da Escolarização indígena no Paraná se deu em 05 de

dezembro de 2002, quando foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) a

Deliberação Nº 09/02 que dispõe sobre a criação e funcionamento da Escola Indígena,

autorização e reconhecimento de cursos no âmbito da Educação Básica, no Estado do

Paraná. Esta Deliberação define, pois, que o estabelecimento de ensino que oferte

educação escolar indígena em Educação Básica, localizado em Terras Indígenas, será

reconhecido como Escola Indígena. Assim, para atender à Resolução Conselho

Nacional da Educação (CNE) Nº 003/99 e a Deliberação Nº 09/02 citada anteriormente,

no ano de 2005, foi criada na SEED a Coordenação da Educação Escolar Indígena,

dando início às discussões sobre a estadualização das escolas indígenas do Paraná.

Em janeiro de 2006, o Governo do Paraná/SEED publica Editais específicos

para Processo de Seleção Simplificado (PSS) para Professor Substituto na área de

atuação da Educação Infantil e no Ensino Fundamental para as Escolas Indígenas,

Auxiliares de Serviços Gerais e Professor Pedagogo das Escolas Indígenas. Essa medida

institucional modifica o quadro das escolas indígenas, sendo agora composto com um

grande número de Professores indígenas, bem como Auxiliares de Serviços Gerais

indígenas e Pedagogos. O Governo do Paraná reconhece, nos Editais N.º4/2006 e

05/2006 –DG/SEED, janeiro de 2006 e Edital N.º 54/2006 – DG/SEED, abril de 2006, a

obrigatoriedade da administração pública em ofertar a Educação Escolar Indígena na

forma de lei.

No dia 23 de maio de 2008 o então Secretário de Estado de Educação Maurício

Requião de Mello e Silva assina a Resolução Nº. 2075/2008 que dispõe sobre a

organização e o funcionamento das Escolas Indígenas no Sistema de Ensino do Estado

do Paraná. A partir desta Resolução os Estabelecimentos de Ensino que funcionam em

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aldeias indígenas são reconhecidas como unidades escolares próprias, autônomas e

específicas e inseridas no Sistema Estadual de Ensino tendo como responsável por sua

criação e funcionamento o Estado; também é reconhecido direito ao bilinguismo e à

interculturalidade, o que demandam organização, funcionamento e diretrizes específicas

e diferenciadas. Portanto, a partir do ano de 2009 o Estado do Paraná passou a ser o

mantenedor de todas as escolas indígenas jurisdicionadas neste estado.

A Escola Estadual Indígena Arandu Pyahu, escola Guarani junto à qual a

presente pesquisa se desenvolve, existe desde o ano de 2005. De início, os guaranis

estudavam à 11Km de sua aldeia, mas ainda na área de Marrecas, na escola indígena

Kaingang, no entanto, devido às dificuldades de acesso e às diferenças culturais e

linguísticas, e com a formação de uma professora Guarani em Licenciatura Indígena,

conseguiram transferir a escola para dentro da aldeia, ainda que em pequena construção

improvisada para atendê-los. O Governo do Estado do Paraná iniciou, então, a

construção de uma escola indígena padrão, melhor estruturada e equipada, que é

utilizada por eles desde o ano de 2012, mesmo sem ainda ter sido inaugurada

oficialmente. A escola atende apenas ao Anos Iniciais do Ensino Fundamental e,

atualmente, a Educação de Jovens e Adultos; para dar continuidade aos estudos em

idade correta, é necessário que eles se desloquem à escola não-indígena mais próxima à

aldeia, localizada a aproximadamente 30Km, enfrentando dificuldades de transporte e

adaptação.

De acordo com as características culturais Guarani, além das aldeias não se

formarem com número grande de famílias, a mudança entre aldeias é comum, fazendo

com que o número de crianças varie de ano a ano (de 23 crianças, aproximadamente, em

2012, restaram apenas 06 neste ano de 2013). A escola conta com três professores

indígenas: a professora da classe, a de língua Guarani e o professor de Educação Física

e Artes.

Ensino Superior – ingresso e permanência

Caminho parecido ao da escolarização básica segue a discussão do acesso de

indígenas ao Ensino Superior, para ilustrar, trago na íntegra um trecho de um “texto-

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consulta”, escrito por D’Angelis (2012) para o encontro Leitura e escrita em escolas

indígenas: domesticação x autonomia, e transcrito em seu mais recente livro

Aprisionando Sonhos:

Grande parte dos projetos de escolas indígenas hoje em desenvolvimento no país não rompe com a lógica da continuidade do estudo, muitas vezes pensada como a forma de não estabelecer discriminação sobre os índios, garantindo-lhes o direito de acesso ao ensino médio e superior das escolas dos “brancos”. É evidente que o acesso ao ensino superior não está nem estará, de fato, ao alcance de todos os índios, mas se estivesse, as questões a responder seriam: (i) se haverá espaço e forma de absorção, nas aldeias, para todos esses profissionais; (ii) se, uma vez formados em escolas dos brancos, em profissões dos brancos, vivendo longe de suas aldeias, estes profissionais (ou, pelo menos, parte deles) vão estar interessados em retornar às suas aldeias; (iii) se aqueles índios que se urbanizarem, em função desse tipo de estudo, não reproduzirão a experiência salesiana dos serventes e domésticas. Enfim, a primeira questão central que se coloca é: não estão as escolas indígenas já viciadas pela perspectiva da continuidade do estudo, colocadas como ponte e porta de acesso às escolas dos brancos de níveis superiores? (...)

No início da pesquisa, quatro Guaranis da aldeia Ko’ ẽ ju Porã desejavam

prestar o vestibular, já haviam inclusive tentado uma vez, sem sucesso. Destes, uma

mudou de aldeia, um desistiu, uma terceira passou em quarto lugar no vestibular

convencional para Pedagogia da UNICENTRO mas quando o resultado saiu ela se

encontrava em outra aldeia e não pode ser localizada a tempo para realização da

matrícula. O quarto indígena passou no curso de Geografia da UNICENTRO e

agora compartilha as dificuldades encontradas não só em seu ingresso, mas

principalmente em sua permanência na instituição.

Considerações Finais

São por essas, entre tantas questões apontadas anteriormente, que o presente

trabalho tem por objetivo dialogar com a comunidade Guarani, da aldeia Ko’ ẽ ju

Porã, sobre quais suas expectativas, seus sonhos, seus desejos em relação à

escolarização de suas crianças, jovens e até mesmo adultos, traçando um paralelo

com os caminhos que realmente esses indígenas vêm percorrendo, desde a

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Educação tradicional recebida na própria aldeia até o ingresso (ou não) à

Universidade.

Acredita-se que as dificuldades encontradas no processo de escolarização

não sejam exclusivas desta aldeia, nem deste povo, mas que permeiam a realidade

vivenciada por diversas etnias indígenas. Sendo assim, aprofundando os estudos

locais, se torna possível refletir também sobre essas outras realidades e as

possibilidades de mudanças positivas.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC/SEF, 2002.

BRASIL, MEC. Secretaria de Educação Fundamental – Programa Parâmetros em Ação: Educação Escolar Indígena. As Leis e a Educação Escolar Indígena. Brasília: MEC, 2002.

CIARAMELLO, Patrícia Regina. Educação Escolar Indígena: um olhar desde a Pedagogia. Monografia de Conclusão do Curso de Graduação. Campinas, SP: UNICAMP, 2005.

D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. Aprisionando Sonhos: a educação escolar indígena no Brasil. Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2012.

ITURRA, Raul. O processo educativo: ensino ou aprendizagem? IN: Educação, Sociedade & Cultura, nº1, s.d., pág. 20 a 50.

LEITE, Rosângela Ferreira. A política joanina para ocupação dos sertões (Guarapuava, 1808-1821). In: Revista de História 159 (2º semestre de 2008), 167-187.

MELIÀ, Bartomeu. Educação Indígena e Alfabetização. SP: Loyola, 1979.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Resolução nº 1119/92. Criação e implementação do Núcleo de Educação Indígena – NEI/PR. Curitiba: 1992.

PARANÁ. Conselho Estadual de Educação. Deliberação n.º 09/02. Criação e autorização para funcionamento de escolas indígenas. Curitiba, 2002.

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Sítios

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