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EDUCAÇÃO Dossiê: Pensando as Políticas Públicas Educacionais no Brasil ISSN 2237-6011 v. 7, n. 5, jul./dez. 2017 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO E ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

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EDUCAÇÃODossiê: Pensando as Políticas Públicas

Educacionais no Brasil

ISSN 2237-6011

v. 7, n. 5, jul./dez. 2017

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EMPLANEJAMENTO E ANÁLISE

DE POLÍTICAS PÚBLICAS

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Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário

EDUCAÇÃODossiê: Pensando as Políticas Públicas Educacionais no Brasil

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Informações Gerais / General InformationPeriodicidade: semestralNúmero de páginas: 225 páginasNúmero de artigos: 11 artigos neste volumeMancha/Formato: 11,3 x 18 cm / 15 x 21 cm

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores

Reitoria / RectorateReitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor PivaPró-reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir BotteonPró-reitor Acadêmico: Prof. Me. Luís Cláudio de AlmeidaPró-reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Dr. Pe. Cláudio Roberto Fontana Bastos

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Educação Batatais v. 7 n. 5 p. 1-225 jul./dez. 2017

ISSN 2237-6011

Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário

EDUCAÇÃODossiê: Pensando as Políticas Públicas Educacionais no Brasil

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© 2017 Ação Educacional Claretiana

Equipe editorial / Editorial teamEditores responsáveis: Prof. Dr. Everton Luis Sanches e Prof. Me. Rafael Menari Archanjo

Organização / OrganizationProf. Me. Rafael Menari ArchanjoProf.ª Dra. Tatiana Noronha de SouzaProf.ª Dra. Vânia de Fátima Martino

Equipe técnica / Technical staff

Normalização: Dandara Louise Vieira Matavelli

Revisão: Cecília Zurawski, Filipi Andrade de Deus Silveira e Vinícius Dalben Rodrigues

Capa e Projeto gráfico: Bruno do Carmo Bulgarelli

Direitos autorais / CopyrightTodos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Bibliotecária / LibrarianAna Carolina Guimarães – CRB-8/9344

Os trabalhos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos seus autores, não refletindo necessariamente a opinião do Claretiano – Centro Universitário, do Conselho Editorial ou da Coordenadoria Geral de Pesquisa e Iniciação Científica.

370 E26

Educação: dossiê: pensando as políticas públicas educacionais no Brasil: revista científica do Claretiano - Centro Universitário – v. 7, n.5 (jul./dez. 2017) -. – Batatais, SP: Claretiano, 2017.

225 p.

Semestral. ISSN: 2237-6011

1. Educação - Periódicos. I. Educação: revista científica do Claretiano – Centro Universitário.

CDD 370

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Sumário / Contents

Editorial / Editor’s note

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL PAPER

A dinâmica da sociedade civil no horizonte da educação popularThe dynamics of civil society on the horizon of popular education

Políticas públicas para a educação patrimonial: um perfil da atuação do IPHANPublic Policies on Heritage Education: a profile of the Actions Taken by IPHAN

Políticas Públicas e Museus no Estado de São Paulo: dos Museus Histórico-Pedagógicos ao Sistema Estadual de MuseusPublic Policies and Museums in the State of São Paulo: from the Historical-Pedagogical Museums to the State System of Museums

Políticas Educacionais no Plano Plurianual de 2016-2019 e a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos PúblicosEducational Policies in the Pluriannual Plan of 2016-2019 and the Constitutional Amendment of the Cutting of Public Expenditures

Autonomia didático-científica das universidades brasileiras e controle judicial: o caso da ação popular n. 0035410-58.2013.4.01.3700 impetrada na Justiça Federal do MaranhãoDidactic-Scientific Autonomy of the Brazilian Universities and Judicial Control: The Case of Popular Action n. 0035410-58.2013.4.01.3700 impetrated in the Federal Court of Maranhão/Brazil

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Uma leitura reflexiva da proposta curricular do estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologiasA reflective reading of the curricular proposal of the state of São Paulo: human sciences and their technologies

O trabalho dos gestores escolares na construção da moralidade autônoma The work of school managers in the construction of autonomous morality

A formação continuada do docente na rede estadual paulista de ensino e a estrutura organizacional da EFAPThe continued training of the teaching staff in the São Paulo State education network and the organizational structure of the EFAP

A formação de professores em serviço promovida pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo por meio do Núcleo PedagógicoThe formation of teachers in Service of the Secretariat of Education of the São Paulo State through the Pedagogic Cluster

Formação continuada nas escolas: o que dizem os professores sobre a contribuição dos encontros coletivos para o trabalho pedagógico?Continuing education in schools: what do teachers say about the contribution of collective meetings to pedagogical work?

O “Programa Alfabetização na Idade Certa – Pacto” sob o prisma dos professores alfabetizadoresThe “Literacy Program in the Right Age – Pacto”: the prism of literacy teachers

Política Editorial / Editorial Policy

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Educação, Batatais, v. 7, n. 5, p. 7-10, jul./dez. 2017

Editorial / Editor’s note

Caro leitor,

É com grande satisfação que lançamos o número especial da Revista Educação do Claretiano – Centro Universitário, dos-siê Pensando as Políticas Públicas Educacionais no Brasil, em parceria com Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Aná-lise de Políticas Públicas, da Faculdade de Ciências Humanas e So-ciais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus Franca, cujo tema central são as Políticas Públicas Educacionais. Para ilustrar este dossiê, optamos pela figura de Pau-lo Freire, em função da necessidade de reafirmar sua importância no campo educacional, tendo em vista as contribuições advindas de seu trabalho como filósofo e gestor público à frente da Secretaria de Educação do Município de São Paulo (1989-1991).

Neste número, apresentamos 11 artigos oriundos de pesqui-sas independentes e trabalhos de mestrado e doutorado, realizados nos últimos anos. Tais trabalhos buscam refletir sobre a realidade que se apresenta no campo das políticas educacionais e suas mani-festações nos espaços educacionais, além de propor novos olhares e críticas a respeito dos caminhos futuros a serem trilhados pelos gestores públicos em nosso país.

A revista inicia com o artigo “A dinâmica da sociedade civil no horizonte da educação popular”, de Felipe Ziotti Narita, que analisou, no período de 1980 a 1990, o campo da educação popular e as novas dinâmicas da sociedade civil na América Latina, num contexto de democratização e de disputas por participação política.

Seguimos para a análise de políticas públicas voltadas para espaços não formais, com o artigo de Cleber Sberni Junior “Políti-cas Públicas para a Educação Patrimonial: um perfil da atuação do IPHAN”, que discute as políticas públicas de educação patri-monial, em especial aquelas relativas ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

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Na sequência, temos o estudo sobre as “Políticas Públicas e Museus no Estado de São Paulo: dos museus histórico-pedagógi-cos ao sistema estadual de museus”, de Rodrigo Touso dias Lopes e Larissa Gomes. Nesse artigo, os autores analisaram a história das políticas públicas da área, até a consolidação do sistema estadual de museus do Estado de São Paulo.

Posteriormente, o artigo “Políticas Educacionais no Plano Plurianual de 2016-2019 e a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos”, de Adriana Duarte de Souza Carvalho, anali-sou as políticas propostas no Plano Plurianual “Pátria Educadora” (2016-2019) frente à determinação constitucional que demandou cortes nos gastos públicos, inclusive na área da educação, pelos próximos 20 anos, e as consequências para o cumprimento das me-tas educacionais.

Vânia de Fátima Martino e Santiago Monteiro, em “Autono-mia Didático-Científica das Universidades Brasileiras e Controle Judicial: O Caso da Ação Popular nº 0035410-58.2013.4.01.3700 impetrada na Justiça Federal do Maranhão”, realizaram um estu-do de caso de uma Ação Popular impetrada na Justiça Federal do Maranhão, que discute a suspensão das atividades de pesquisa e extensão do Centro de Difusão do Comunismo (CDC), vinculado à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com o intuito de problematizar a autonomia didático-científica das universidades brasileiras.

Em relação ao currículo escolar, o artigo “Uma leitura refle-xiva da proposta curricular do Estado de São Paulo: ciências hu-manas e suas tecnologias” de Genaro Alvarenga Fonseca e Paulo Roberto Martins Ribeiro, teve como objetivo analisar as práticas pedagógicas dentro da Proposta Curricular do Estado de São Paulo, que incluíram os Cadernos do Aluno propostos para os 8º e 9º anos do Ensino Fundamental.

No que se refere à gestão escolar, o artigo “O trabalho dos gestores escolares na construção da moralidade autônoma”, de Marina Novaes Senne e Leonardo Teixeira Gomes, realizou uma reflexão sobre o trabalho do gestor escolar e sua contribuição para a construção da moralidade autônoma. Os autores lançam um olhar

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para as especificidades da função de gestor e da noção de gestão de-mocrática, e para o papel do gestor na promoção de uma educação emancipatória.

Os cinco últimos artigos analisaram a formação de professo-res. Ao tratar formação docente continuada, Raquel Arruda Olivei-ra e Hilda Maria Gonçalves da Silva, em “A formação continuada do docente na rede estadual paulista de ensino e a estrutura or-ganizacional da EFAP”, realizaram uma análise sobre a Escola de Formação de Professores (EFAP), a partir de modelos de planeja-mento de políticas públicas.

Na sequência, Josiane Paula Etelvino e Maria Madalena Gra-cioli, em “A Formação de Professores em Serviço da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo Através do Núcleo Pedagógi-co”, buscaram analisar a política pública de formação em serviço de professores, criada pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e implementada nas Diretorias Regionais de Ensino por meio dos Núcleos Pedagógicos, os limites, fragilidades e potencia-lidades da estrutura, sua implementação e avaliação da formação docente em serviço.

Ainda sobre a formação continuada, o estudo “Formação continuada nas escolas: o que dizem os professores sobre a contri-buição dos encontros coletivos para o trabalho pedagógico?”, de Tatiana Noronha de Souza e Fernanda de Melo Blanco, analisaram duas pesquisas, com o objetivo de verificar em que medida as ati-vidades dos horários de trabalho pedagógico coletivo contribuem para a formação continuada de professores em escolas públicas.

Por fim, o artigo “O ‘Programa Alfabetização na Idade Certa – Pacto’ sob o prisma dos professores alfabetizadores”, de Rena-ta Maria Pontes Cabral de Medeiros e Lucimary Bernabé Pedrosa de Andrade, finaliza o dossiê. Neste texto, as autoras analisaram o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) na perspectiva dos professores alfabetizadores, e se a formação continuada ofere-cida pelo programa impactou na aprendizagem dos alunos.

Esperamos que os artigos aqui reunidos possam enriquecer e atualizar parte das discussões relativas às políticas públicas educa-

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cionais e aos movimentos ligados à educação popular, à educação em espaços não formais e à educação formal.

Bem-vindo ao debate!

Prof.ª Dra. Tatiana N. de SouzaOrganizadora, Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho (UNESP)

Prof.ª Dra. Vânia MartinoOrganizadora, Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho (UNESP)

Prof. Me. Rafael ArchanjoEditor Responsável, Claretiano – Centro Universitário

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A dinâmica da sociedade civil no horizonte da educação popular

Felipe Ziotti NARITA1

Resumo: Neste artigo, analiso o campo da educação popular no contexto das novas dinâmicas da sociedade civil na América Latina a partir dos anos 1980 e 1990. Em uma conjuntura marcada pelos desafios institucionais da democratização política e pelas reivindicações de aprofundamento da democratização social, a educação popular situa a sociedade civil como campo de disputas, de mediação de demandas por participação política e de autoconfrontação da sociedade com suas assimetrias e seus deficit internos. Desenhando um quadro teórico para a análise da educação popular à luz dos processos de mobilização da sociedade civil (movimentos sociais), trata-se de pensar o desenvolvimento social como esfera de intervenção de políticas públicas reguladas, na construção da democracia, pelo reconhecimento de demandas instituídas pela sociedade, posicionando o problema da autonomia da sociedade civil em um duplo registro, ou seja, como autoinstituição de suas mobilizações e como interface com mecanismos do Estado em contextos democráticos.

Palavras-chave: Sociedade Civil. Educação Popular. América Latina.

1 Felipe Ziotti Narita. Pesquisador de pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Atualmente é pesquisador e docente do Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da mesma instituição e docente na Escola de Educação e Humanidades da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ituverava (FFCL). E-mail: <[email protected]>.

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The dynamics of civil society on the horizon of popular education

Felipe Ziotti NARITA

Abstract: In this paper, I analyze popular education in the context of new dynamics of civil society in Latin America from the 1990s and 1980s onwards. In the framework of the institutional challenges posed to political democratization and the social claims for social democratization in the last decades, popular education conceives civil society as a conflictual field which deals with the self--confrontation of society in relation to its inner assymetries and problems. By proposing a theoretical framework for popular education in light of the social movements, this démarche encompasses social development and public policy as mechanisms that constitute civil society according to a double reference, which is to say, the institution of its inner mobilization and the interface with state procedures in democratic context.

Keywords: Civil Society. Popular Education. Latin America.

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1. INTRODUÇÃO

As mobilizações da sociedade civil têm sido elementos-chave na constituição da “terceira onda” (HUNTINGTON, 1991) demo-crática, a partir dos anos 1980 e 1990, tanto na dissolução dos co-letivismos burocráticos do Leste Europeu quanto na derrocada dos regimes autoritários da América Latina (COHEN; ARATO, 1992). Nos casos latino-americanos, as profundas transformações nas es-truturas sociais das últimas três décadas constituíram uma ampla dinâmica de democratização, elaborando um variado espectro de demandas por igualdade, cidadania e individuação (SORJ; MAR-TUCCELLI, 2008), alicerçadas em exigências de horizontalidade e de reconhecimento da cidadania como horizonte de reivindicação de direitos e participação política. Essas transformações implica-ram novos parâmetros de tangibilidade das sociedades nacionais, com processos pensados no duplo registro de uma efetivação da democratização política dos anos 1980 e 1990 e de um aprofunda-mento da democratização social dos anos 2000 (FILMUS, 2016). Pari passu ao desafio institucional de readequação dos atores em contextos de novas demandas de participação política, a reestru-turação da sociedade civil tem sido um dos principais vetores das novas agendas de coesão social na América Latina.

Não se trata apenas de uma questão de reconhecimento por demandas morais, mas de transformações ancoradas na dinâmica interna da forma social a partir de um movimento feito, grosso modo, em duas direções: (1) o desafio de uma normatividade ca-paz de construir autonomia e mecanismos de autorregulação para a resolução de conflitos e demandas sociais por meio de canais ins-titucionais da democracia política (WAISMAN, 2006); (2) a auto-confrontação da sociedade com seus deficit e assimetrias, mobili-zando pautas (moradia, recursos naturais, educação etc.) e novas narrativas identitárias (etnia, cultura popular etc.) em contextos de ampliação da participação política (CARTER, 2010). A autonomi-zação da dinâmica social à luz da democratização política – afas-tando o campo do social de qualquer forma de heteronomia ou de determinação institucional (Estado) – implica a vigência e a incor-poração de valores democráticos na práxis cotidiana (AVRITZER;

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COSTA, 2004; OLVERA, 2013), de modo que à construção da de-mocracia subjaz a estruturação de redes e de atores que, na difusão de reivindicações e de temas, ilustram a politização de demandas morais de reconhecimento e de acesso a bens culturais, serviços pú-blicos, espaço público etc. À luz desse quadro, gostaria de matizar um argumento de Habermas (2003, p. 205): se nas últimas quatro décadas os antigos fenômenos concentracionais (konzentrierte) de massa da modernidade (típicos do começo do século XX) cederam lugar a uma dispersão (Zerstreuung) de reivindicações do público, essa transformação não implica o esvaziamento dos agrupamen-tos (zusammengeballt) das multidões. As novas articulações da so-ciedade civil, pelo contrário, estruturam as multidões justamente a partir da difusão de pautas e de novos mecanismos de produção da consciência (mídias, redes horizontais, coletivos etc.) (HARDT; NEGRI, 2001).

Para além de uma categoria descritiva do espaço social e de seus atores, portanto, a sociedade civil oferece um contexto de in-teligibilidade do social e de suas tensões internas, elaborando uma arena do campo político em que grupos, movimentos e coletivos criam redes de ação e proposição de temas/pautas para o debate pú-blico/político. Nesse sentido, diferenciada do Estado, dos intercâm-bios do mercado e das esferas privadas (família), a sociedade civil ilustra um componente fundamental da democratização política e social na medida em que articula espaços e núcleos de mediação entre cidadãos (LINZ; STEPAN, 1996), formulando balizas de co-esão à luz das novas narrativas identitárias e da autoconfrontação do social como instância problemática (assimetrias, desigualdades etc.). Na América Latina, a construção do campo da educação po-pular, pelo menos desde os anos 1950 e 1960 (o caso brasileiro, nesse sentido, é paradigmático), lida justamente com as assimetrias do espaço social (NARITA, 2014), evidenciando a proatividade da sociedade em relação a problemas internos de seu desenvolvimen-to. Meu objetivo neste artigo é explorar justamente esse argumen-to, traçando alguns apontamentos teóricos sobre a correlação entre educação popular e constituição da sociedade civil, na América La-tina, a partir dos anos 1980 e 1990. Nesse sentido, o argumento está dividido em dois eixos principais: (1) analisar, à luz da conjuntura

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de construção democrática na América Latina entre os anos 1980 e 2000, a educação popular como movimento social; (2) refletir sobre a educação popular como eixo de desenvolvimento social, ou seja, como campo de intervenção para agendas de políticas públicas.

Os diversos projetos de educação popular na América Latina retroalimentaram a ampla elaboração democrática da sociedade civil nas últimas décadas. Especialmente em contextos não formais de ensino-aprendizagem, a própria difusão de espaços de atuação (universidades, ONGs, associações de bairro, fábricas, comuni-dades de base, coletivos urbanos etc.) ilustra perfeitamente os novos conjuntos de demandas mobilizadas como coordenadas de um campo. Neste artigo, portanto, gostaria justamente de situar o entendimento da educação popular à luz desses processos sociais que configuram a construção democrática latino-americana e seus impasses estruturais.

2. EDUCAÇÃO POPULAR COMO MOVIMENTO SO-CIAL

Novas figurações do “popular” e do “povo” (O’DONNELL; SCHMITTER, 1986) têm sido centrais na reestruturação da socie-dade civil após a desagregação dos regimes militares na América do Sul, sobretudo, por meio de mecanismos de pressão por novos espaços democráticos. Em meio a um conjunto enorme de pautas que evidenciam a própria complexidade das demandas sociais, exis-te uma setorização no horizonte reivindicativo da sociedade civil. Esse processo pode ser percebido em dois níveis: (1) os novos mo-vimentos sociais não são atores históricos homogêneos, pois lidam com mecanismos de dispersão e de difusão, tanto em relação aos múltiplos parâmetros e interstícios (BHABHA, 1994) de suas nar-rativas identitárias quanto em relação às esferas de circulação das novas tecnologias e meios de informação/comunicação (VARGAS HERNANDEZ, 2003); (2) como decorrência desse cenário, existe uma fragmentação do espaço social e do “popular” (classe, gênero, religião, etnia, posição ideológica etc.), refletindo os desafios das agendas de coesão e de integração em sociedades democráticas.

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O entrecruzamento dos dois processos assinalados acima in-dica que, embora o referente da cidadania seja, sobretudo, o espaço do Estado nacional, as reivindicações e as mobilizações da socie-dade civil não podem ser resumidas à esfera institucional do Esta-do. Conforme argumenta Ernesto Laclau (1985), sem um sistema predisposto da posição de sujeito dos atores sociais, os movimentos sociais implicam novas formas de autonomia dos atores sociais. Formas, estas, que trabalham sobre os interstícios das narrativas identitárias, matizando categorias fundacionais da ação coletiva da modernidade capitalista (classe, partidos etc.). Nesse sentido, a pluralidade concreta de demandas traduz, para o teórico social argentino, uma pluralidade do social por meio da multiplicação de esferas de conflito, politizando áreas específicas do espaço so-cial (movimentos ecologistas, coletivos feministas, LGBT etc.), de modo que a radicalidade das pautas reside justamente no campo de indeterminação construído pela dispersão das pressões na elabora-ção democrática da esfera pública.

Em síntese, diante do aprofundamento dos processos de glo-balização das últimas três décadas na região, o horizonte de temas da esfera da cidadania não dialoga apenas com os procedimentos formais do Estado, tampouco lida com identidades situadas e es-tabilizadas no horizonte da nação. O capitalismo em rede e a cir-culação/disseminação temática de múltiplas agendas evidenciam a exposição estrutural das reivindicações sociais em relação aos es-pectros da globalização e de seus novos sujeitos (APPADURAI, 1996; KELLNER, 2002). Ilustrativas desses processos são, por exemplo, as balizas para dezenas de projetos de interculturalidade desenvolvidos por diversos povos indígenas e por projetos de edu-cação do campo na América Latina, além do significativo impacto de movimentos que, em sociedades efetivamente urbanizadas (após o amplo ciclo de modernização entre os anos 1950 e 1970 no conti-nente), dialogam com a produção industrial de cultura e o consumo segmentado de bens (GARCÍA CANCLINI, 1995), implicando não apenas novos interstícios de identidade, mas novos parâmetros na reivindicação do acesso a mecanismos de produção e reprodução cultural – problema central no entendimento dos projetos de educa-ção popular latino-americanos.

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Nos anos 1950 e 1960, com as experiências e os trabalhos clássicos de Paulo Freire e dos grupos dos Centros Populares de Cultura, a educação popular efetivamente assumiu essa perspecti-va de confrontação das assimetrias e da instância problemática do social (a pobreza e a exclusão) na redefinição do nacional e de seu povo (ORTIZ, 2012; SCHWARZ, 2008; RIDENTI, 2014; FONSE-CA, 2011). Com a reorganização da sociedade civil a partir dos anos 1980, no entanto, a proliferação de pautas e narrativas iden-titárias tem recolocado a autoconfrontação dos temas sociais à luz de outro quadro histórico-sociológico. A efetivação da cidadania no horizonte da elaboração democrática da sociedade (construída so-bre os escombros dos governos militares) e a integração normativa da vida social (HONNETH; HARTMANN, 2010, p. 223), repre-sentada pelo potencial de autonomia individual baseado no reco-nhecimento de direitos civis, sociais e políticos (herança central do modelo de bem-estar social do pós-guerra), têm sido erodidas a partir da reestruturação neoliberal dos anos 1980 e 1990. Esse processo implica a deslegitimação daqueles núcleos de integração social (HONNETH; HARTMANN, 2010, p. 228) por meio da des-solidarização (Entsolidarisierung), como nova expressão funcional (HONNETH; HARTMANN, 2010, p. 235) do enfraquecimento de direitos sociais à luz da racionalidade neoliberal, acarretando a re-dução instrumental das relações intersubjetivas e a transformação de direitos sociais em uma nova economia de serviços dependente do cliente/cidadão (HONNETH; HARTMANN, 2010, p. 240). A exposição da gramática moral das sociedades à globalização ilustra a dialética da modernização capitalista, já que, ao passo que impli-ca uma miríade de subjetividades e a autonomização de projetos de autorrealização identitária, reitera a despossessão e a opacidade do social como esfera de coesão para tematização de seus problemas e assimetrias internas – tendo como consequência, aliás, a própria ambivalência da ação coletiva e de seus sentidos/aderência em épo-cas de “there is no alternative”.

A significativa proliferação de ONGs e coletivos engaja-dos em iniciativas de educação popular a partir dos anos 1980 e 1990, na América Latina, acompanha justamente essas novas con-figurações da sociedade civil (MEJÍA, 2007; TORRES, 1992; ES-

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COBAR e ALVAREZ, 1992; CARROLL, 1992; UNDURRAGA, 1993; LA BELLE, 1976; CORAGGIO, 1993). Se existe um campo da educação popular, portanto, é justamente à luz desse cenário que ele deve ser pensado. Por campo da educação popular, entendo a estruturação de uma esfera a partir de temas, problemas e ações que constituem relações de força e de sentido entre os agentes (BOURDIEU, 2002, p. 114), conformando uma “cumplicidade ob-jetiva” organizada por demandas, reivindicações e uma gramática de referências das ações (MAYO, 2014; MORROW, 2014). Como contexto vinculador de um sistema de práticas, a estruturação in-terna dessa esfera comum de temas é tensionada pelos mecanis-mos de distinção das desigualdades socioeconômicas, de modo que o conhecimento da prática traduz, a partir das assimetrias do espaço social (BOURDIEU, 2003, p. 195), as relações de sentido partilhadas e reconhecidas pelos agentes para a performatividade e a mobilização de repertórios culturais (SWIDLER, 1995). Como nexo para um conjunto bastante diverso de experiências na Améri-ca Latina (sobretudo nas esferas de educação não formal, embora a atuação de instituições governamentais tenha sido significativa em alguns casos – como discutirei um pouco adiante), o campo da educação popular pode ser pensado a partir de um eixo estrutu-ral: a conversão da sociedade sobre suas distorções internas, bem como a mobilização dos agentes no sentido de uma mudança social consciente. Esses dois eixos, estruturando uma ação consciente/deliberada para a tematização das assimetrias sociais por meio de núcleos e projetos de ensino-aprendizagem, questionam os meca-nismos de produção e reprodução cultural (sobretudo o sistema de ensino) e suas zonas de inclusão/exclusão no acesso aos bens cul-turais (WHITAKER, 2013), enfatizando as assimetrias das oportu-nidades de acesso como bloqueios estruturais para uma elaboração democrática da sociedade.

Como conversão da sociedade em relação ao reconhecimento de seus deficit internos, a educação popular enfatiza, sobretudo, a proeminência dos grupos subalternos tanto na democratização do acesso a bens culturais e a instituições de ensino quanto na temati-zação e no debate público das assimetrias sociais (nesse caso, vale destacar o papel dos fóruns, prática pública de debates muito co-

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mum no Brasil, e de redes de coletivos de educação popular, tal como o Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe e importantes experiências, nesse sentido, no Equador e na Colôm-bia) (PALUDO, 2006; FISCHMAN; MCLAREN, 2000; JONES; TORRES, 2010; LA BELLE, 1987; LA BELLE, 1976; ALBERTI; COTLER, 1972; CARRILLO, 2013). Em relação a este último pon-to, aliás, a permeabilidade do campo da educação popular aos pro-cessos sociais tem sido notável nas dinâmicas de democratização latino-americanas. Nesse sentido, na medida em que aquele campo lida com um esforço consciente de mudanças socioculturais e de reivindicações políticas (por isso, em muitos casos, é importante pensar os grupos e os coletivos de educação popular como proje-tos), a sensibilidade a temas candentes do desenvolvimento social é central na mobilização dos agentes. A integração com a difusão de pautas dos movimentos sociais e de sua aderência ao circuito temático da globalização (gênero, etnia, moradia, espaço públi-co etc.) (UNDURRAGA, 1993; BOSCH, 1998; AUSTIN, 1999; STROMQUIST, 1995; DOMINGUES, 2007) evidencia não apenas a racionalização do espaço social a partir de suas novas diferenças, mas a efetiva participação da educação popular na reconstrução democrática da sociedade civil por meio da politização das novas agendas de reivindicação e de reconhecimento de direitos e atores sociais.

Se os movimentos sociais implicam propostas de mudanças conscientes (FALETTO, 1985), Alain Touraine (1965) enfatiza que seu entendimento comporta, como categoria central, o problema da ação. A ação, aqui, é pensada como uma dinâmica de interpretação, de atribuição de sentido e de engajamento (no sentido sartriano) no horizonte histórico de situações, elaborando novos conjuntos de referenciais a partir de uma ação coletiva gestada em um campo de conflito a fim de transformar a gestão social (TOURAINE, 1984). Justamente à luz da dimensão conflitiva da sociedade civil e da te-matização pública de suas questões, à medida que o próprio campo da educação popular constrói pautas e mobiliza processos sociais mais amplos para sua agenda, os parâmetros culturais orientadores das situações da ação coletiva (o princípio de historicidade, segun-do Touraine) indicam que os movimentos sociais são estruturados a

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partir de sua própria atividade. Construída na correspondência en-tre os dois vetores fundamentais do campo (a saber, a proposição/tematização de problemas e a mobilização de ações), a educação popular amalgama mecanismos de respostas políticas da sociedade civil com tensões e distorções do desenvolvimento social. É como movimento social, portanto, que a já mencionada conversão da so-ciedade implica uma espécie de autoconfrontação com seus deficit internos.

Nesse sentido, os movimentos sociais podem ser pensados como sistemas complexos baseados em preceitos de auto-organi-zação, entendidos como a autoinstituição das mobilizações da so-ciedade estruturadas a partir de uma lógica interna de seus compo-nentes (FUCHS, 2006, p. 110). No limite, os movimentos sociais operam sobre um descompasso entre as estruturas objetivas e as ex-pectativas subjetivas, desenhando um campo do conflito social en-trecortado por alguns eixos fundamentais: (1) participação e acesso aos circuitos de bens culturais e às esferas de ensino, reivindicando um campo de reprodução cultural (HABERMAS, 2012, p. 257) da-nificado na sua produção de sentido pelas assimetrias nas possi-bilidades de acesso; (2) reconhecimento das múltiplas demandas morais e dos interstícios das identidades individuais/coletivas, evi-denciando a não linearidade dos processos de integração social; (3) interação e ocupação de espaços públicos como núcleos de mobi-lização da cidadania, tematizando as esferas de socialização como campos de reivindicação e de reconhecimento de um sujeito de di-reitos no horizonte da participação política. No caso da educação popular, esses eixos são integrados pelas assimetrias que marcam o espaço social – não à toa, a força dos projetos de educação popu-lar na América Latina, região com elevados índices de desigualda-de e problemas crônicos de distribuição de renda (BONOMETTI; SEISDEDOS, 2010), é um componente significativo para o enten-dimento das formações sociais contemporâneas. Trata-se, portanto, da articulação de um campo de cognição (ou seja, de interpretação do espaço social) e de reconhecimento da sociedade como instância problemática: a educação popular, pensada no horizonte dos movi-mentos sociais, articula um sistema de referência (meio ambiente, educação, espaço público, serviços públicos, moradia etc.) apenas

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à medida que os temas sociais são percebidos como problemas so-ciais (FUCHS, 2006, p. 114). Aqui, duas questões devem ser ana-lisadas: o popular e o povo como referentes dessa gramática de mobilização do espaço social.

O popular e o povo, elaborando-se uma lógica simbólica de integração de indivíduos em um campo de ação coletiva (como um coletivo singular povo), operam sobre um espaço de exclusões. É nesse sentido que o popular figura como o subsidiário ou o que está apenas perifericamente ligado ao mercado de bens culturais (GAR-CÍA CANCLINI, 2013). A rigor, essa instância deficitária tem muito a ver com a constituição do social como campo problemá-tico e suscetível de intervenções/mobilizações para a correção de seus deficit (pobreza, desigualdades etc.). Trata-se, a rigor, de uma longa elaboração de novas sensibilidades políticas e sociais à luz dos processos que estruturam a modernidade, especialmente a par-tir do início do século XIX (diferenciação produtiva, expansão do sistema de trocas de mercadorias, divisão social do trabalho, vida urbana etc.) (PLATT, 2009; PROCACCI, 1993; HIMMELFARB, 1985; HAHNER, 1993; NARITA, 2017a; DELEUZE, 2005). Um importante diagnóstico de época, nesse sentido, é o modelo de crí-tica desenhado por Fourier (2001, p. 45-46), em 1829, demonstran-do como, subjacente à expansão dos intercâmbios comerciais e à constituição da razão burguesa sobre os escombros do ancien régi-me, a moderna multidão (multitude) de desassistidos emergia como atores reconhecidos no campo de reivindicações sociais. A rigor, a dialética de Fourier, que torce a modernização social no sentido da autoconfrontação com sua própria precariedade (ENGELS, 1975, p. 242-243) – o que o autor chamava de “círculo vicioso da indús-tria civilizada” –, implica a emergência de uma “política social” (FOURIER, 2001, p. 73) como instância de reconhecimento do so-cial e de sua configuração problemática.

As preocupações com a educação popular são inseparáveis dessa configuração do social e do popular como esfera de exclu-sões. A própria delimitação da educação popular, torcendo a prá-tica (educação) e seu referente (o povo) a partir dos parâmetros deficitários do social, implica um afastamento e uma importante diferenciação desse popular em relação a diversas conotações que

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o conceito tem assumido na teoria e na pesquisa social. Trata-se, nesse caso, da politização das exclusões que permeiam o campo do povo (MORROW, 2013), conformando uma prática que as-sume “os de baixo” (FERNANDES, 2007, p. 212) como sujeitos da elaboração democrática da sociedade. O popular mobilizado no campo da educação popular não faz referência a um conceito descritivo dos costumes (folclore, tradições populares etc.) nem a uma rica tradição de pensamento na América Latina que entendia a educação popular como uma educação do povo, ou seja, um ideal de civilização e de difusão das luzes muito evidente a partir da se-gunda metade do século XIX (especialmente após os anos 1870). Tal pensamento contava com textos importantes na fundamentação de narrativas identitárias, que mobilizavam esse coletivo singular (o povo) não necessariamente no sentido de uma crítica e de uma autoconfrontação da sociedade com seus deficit, mas no sentido de uma narrativa nacional que buscava a proatividade política de cidadãos esclarecidos em regimes representativos – perspectivas, não à toa, elaboradas na conjuntura de consolidação dos Estados nacionais na região (vale destacar, nesse sentido, a centralidade de nomes como Miguel Vieira Ferreira, Domingos Sarmiento, Miguel Luis Amunátegui, Joaquín Baranda, José Pedro Varela, Gregorio Victor Amunátegui, Carlos Leoncio de Carvalho etc.).2

O desafio da democratização social das últimas três décadas na América Latina, na medida em que assume como eixo da ação coletiva a tensão do binômio cidadania/exclusão social (GARRE-TÓN, 2001), implica a tematização dessa assimetria nos projetos de educação popular. O aspecto distintivo da educação popular em relação às perspectivas de educação do povo, pois, reside justa-mente nessa explicitação e confrontação da instância problemática do social (na esteira, aliás, dos projetos “fundadores” de educação popular nos anos 1960). Griff Foley (1998), em uma tentativa de síntese teórica do campo da educação popular, afirma que a pro-dução da consciência das desigualdades e da esfera de exclusões

2 Abordando o tema a partir da formação dos Estados nacionais, no século XIX, estou desconsiderando a importante obra Discurso sobre la educación popular de los artesanos y su fomento (1775), de Pedro Rodríguez Campomanes, um texto carregado de temas caros à Ilustração, fundamentando a educação/instrução do povo (os súditos) sobre um duplo movimento: o governo moral das pasiones destempladas e um humanismo direcionado à emancipação moral do homem pelas artes e pela técnica.

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do social traduz um novo projeto de emancipação, mobilizando os despossuídos como referente de um campo de ações e construindo novas coordenadas para a correlação entre os problemas sociais e a formalização curricular em espaços de educação. Nesse sentido, como núcleo de transformação social (VÍO GROSSI, 1984) e de engajamento dos atores no questionamento e na análise dos pro-blemas sociais, a educação popular – sobretudo em contextos não formais de atuação no ensino – sublinha não apenas um esforço de flexibilidade nos currículos e nos saberes em trânsito, mas um es-forço de experimentação metodológica correlacionado à dinâmica de mobilização da sociedade e ao fortalecimento da autonomia e do poder local (REBELLATO, 2009) de comunidades e de setores excluídos.

Christian Maurel (2011) define a educação popular como processo cultural de emancipação. Algumas implicações teóricas devem ser derivadas dessa assertiva. Na medida em que enfatiza a dimensão cultural dos movimentos sociais, a perspectiva destaca a permeabilidade dos processos de reprodução cultural em relação às assimetrias das desigualdades socioeconômicas. Ao atrelar os movimentos sociais e a educação popular aos parâmetros de ação coletiva, Maurel pensa a difusão dos movimentos sociais como in-tegrantes do campo da educação popular, na medida em que aque-les apresentam um tipo de “consciência coletiva” em suas reivin-dicações. Esse passo teórico é bastante problemático, pois pode conduzir a uma confusão entre a educação popular e as dinâmicas setoriais de outros movimentos sociais. Certamente existem cor-respondências fundamentais entre educação popular e movimentos sociais (tal como já discuti acima), mas a dissociação teórica e prá-tica entre a produção de uma consciência coletiva de ação (enten-dida como uma identidade reflexiva de reivindicações) e uma ação consciente/deliberada na emancipação cultural de sujeitos envol-vidos em relações de ensino-aprendizagem é fundamental. No pri-meiro caso, o modelo de “consciência coletiva” de Maurel abran-ge adequadamente as diversas mobilizações da sociedade civil no sentido do questionamento de temas de seu desenvolvimento: esse esclarecimento, todavia, não pode ser confundido com o campo da educação popular, que implica, antes da elaboração de uma iden-

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tidade reflexiva em relação a temas e problemas sociais, uma ação consciente no sentido formativo, ou seja, no sentido da construção de sujeitos políticos a partir de dinâmicas de ensino e educação.

Se a diversidade dos movimentos sociais é tematizada como forma de “educação popular” pelo simples critério da produção de uma “consciência coletiva”, a proposta de Maurel corre o risco de criar um todo indiferenciado, apagando matizes que justamen-te conformam um campo para a educação popular. Nesse sentido, ao passo que a educação popular constitui um campo próprio de demandas e de temas, sua autonomização social configura parti-cularidades importantes: embora correlacionada a uma forma de movimento social tanto temática (pela autoconfrontação da socie-dade com suas assimetrias) quanto organizacionalmente (pela mo-bilização de atores na esfera pública democrática), na medida em que os projetos de educação popular pressupõem uma ação cons-ciente de abordagem das assimetrias subjacentes aos processos de ensino-aprendizagem e ao circuito de reprodução cultural, suas coordenadas de ação partem também de problemas específicos de um campo. Não à toa, como reconhecimento das especificidades de suas demandas como um campo, as narrativas de emancipação dos projetos de educação popular têm balizado, inclusive, um espaço de intervenção de políticas públicas e de perspectivas de desenvolvi-mento social capazes de produzir autonomia, superando o bloqueio de estruturas objetivas que conformam capabilities (SEN, 1999) e oportunidades de acesso/exclusão (sobretudo em relação ao siste-ma de ensino).

3. POLÍTICAS PÚBLICAS, DESENVOLVIMENTO SO-CIAL E EDUCAÇÃO POPULAR

Manuel Antonio Garretón (2006) tenta operacionalizar um novo conceito de sociedade civil, por meio do qual a reconstru-ção da polis e da cidadania seria projetada a partir da integração de demandas e de correções dos regimes de exclusão no demos. Em seu modelo teórico, a dimensão “movimentista” da sociedade civil, compreendendo o variado espectro de movimentos sociais, sinaliza uma esfera de questionamento das assimetrias sociais, tal

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como os diversos movimentos altermundialistas, o nomadismo dos fóruns sociais e o novo protagonismo social de coletivos situados em problemas e questões nacionais (NARITA, 2017b; COLECTI-VO SITUACIONES, 2011; HARDT; NEGRI, 2012). Para Garre-tón (2006, p. 55), o protagonismo desses atores sociais, contudo, deve ser matizado, na medida em que, portadores de um “horizonte utópico”, a efetividade de suas pautas nos mecanismos institucio-nais seria bastante limitada. Uma vez que os projetos de educação popular podem ser pensados nesse horizonte “movimentista” da sociedade civil, a abordagem de Garretón requer alguns questiona-mentos teóricos importantes.

De fato, a tradução institucional dessas demandas em esferas da política institucional é bastante questionável. No entanto, duas questões devem ser colocadas: (1) até que ponto o horizonte “mo-vimentista” da sociedade civil, no âmbito das pautas reivindicativas do campo da educação popular, deve necessariamente ser absorvido pelos procedimentos do Estado? (STAHLER-SHOLK; VANDEN, 2011); (2) para além de qualquer “horizonte utópico”, as pautas em educação popular na América Latina têm adquirido tangibilidade em diversos setores de políticas institucionais: penso, por exemplo, nos projetos de educação do campo (Argentina, Brasil, Colômbia e Peru) (RODRÍGUEZ TRIVIÑO, 2016), nas propostas de edu-cação indígena (Bolívia e Equador) (SCHAVELZON, 2015), nos diversos coletivos e ONGs que reivindicam efetiva democratização em relação ao acesso a bens culturais e a sistemas de ensino (vide os casos dos cursinhos populares atuantes junto às universidades públicas no Brasil) e nas dezenas de perspectivas de organização comunitária e de desenvolvimento local, tal como as confederações de nacionalidades indígenas e as experiências de convergência en-tre a Teologia da Libertação e a conscientização de setores popula-res em El Salvador e junto aos campos de refugiados em Honduras nos anos 1970 e 1980 (HAMMOND, 1999; KANE, 2010). A pró-pria condição de autonomia na reestruturação da sociedade civil, aliás, não implica uma anulação de suas interfaces com o Estado, mas uma autonomização equacionada pela correspondência institu-cional em contextos democráticos (LAVALLE; SZWAKO, 2015).

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Em relação a esse aspecto, embora os projetos de educação popular, na América Latina, tenham notável vigor em espaços não formais de ensino (atuando justamente naquele contexto de disse-minação dos movimentos sociais e de proatividade democrática da sociedade civil), essa percepção não exclui o importante espaço para a ação de mecanismos governamentais. Notáveis exemplos podem ser verificados em experiências de alfabetização e de instrução tec-nológica na Colômbia, na República Dominicana, na Nicarágua e no Brasil (vale destacar, nesse último caso, o período de Paulo Frei-re à frente da Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo) (TORRES, 1995; WONG, 1995). A tradução de pautas da educa-ção popular e de suas reivindicações no espaço social pode ser efe-tivamente pensada, aliás, como instrumento de políticas públicas (GADOTTI, 1995; LOMBERA, 2006). Nesse sentido, em 2014, o Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Pú-blicas, publicado pelo Departamento de Educação Popular e Mo-bilização Cidadã junto à Secretaria Nacional de Articulação Social do governo brasileiro, é um elemento-chave nessa possibilidade de reorientação do campo da educação popular. Malgrado as ambiva-lências sobre possibilidades de dotação de recursos, maximização de resultados, articulação de níveis decisórios na implementação/avaliação da política e mecanismos de controle (SCHÖNARDIE, 2016), o documento correlaciona, por meio de parâmetros gerais, uma interface entre diversos atores sociais (governo, movimentos sociais etc.), sinalizando um momento de reconhecimento do cam-po da educação popular como esfera de intervenção de políticas públicas e sociais.

A bem da verdade, a educação popular tem sido tematizada como proposta transversal em diversos documentos – vide, nes-se sentido, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2007) e, junto às mobilizações da sociedade civil, os debates junto aos fóruns sociais desde o início dos anos 2000. O Marco de Refe-rência, todavia, formaliza o reconhecimento do campo da educação popular não apenas como um conjunto de saberes, um horizonte reivindicativo de direitos (no caso, direito à educação) ou meto-dologias de ensino-aprendizagem construídas junto aos movimen-tos de setores excluídos, mas como prática intersetorial (BRASIL,

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2014, p. 30) que, justamente à luz da construção democrática da sociedade civil, dialoga com um conjunto de problemas (saúde pú-blica, participação social, transporte público, diversidade étnico--racial etc.) a partir da consciência dos atores em relação às pautas do desenvolvimento social. A respeito desse argumento, se o desen-volvimento social implica um conjunto de esforços de coordenação de políticas e atores no sentido de uma mudança social planejada visando ao bem-estar e à intervenção sobre as assimetrias sociais (SINGH; EMBRICK, 2015), a estruturação do campo da educação popular indica, sobretudo, a validação de sujeitos e de demandas na esfera pública – tematizada tanto setorial (pelo questionamento das dinâmicas de produção e reprodução cultural) quanto estrutural-mente (pela confrontação das assimetrias subjacentes aos circuitos de bens públicos e culturais).

Essa agenda de políticas públicas, ademais, é fundamental para a elaboração democrática, evidenciando parâmetros da corre-lação entre movimentos sociais (no caso, a longa trajetória do cam-po da educação popular na América Latina) e seu reconhecimento na esfera das políticas governamentais (KOLB, 2007). Para além de uma dimensão puramente “movimentista” ou exclusivamente pautada em reivindicações, portanto, o campo da educação popular implica formas de consciência e de participação na autoconfronta-ção da sociedade com seus deficit. O social, como referente das es-truturas danificadas de reprodução cultural (acesso à escolarização, permanência no sistema de ensino, oportunidades de ingresso no ensino superior etc.) e da lógica de exclusões, é tematizado como condição da elaboração democrática a partir de sua operacionaliza-ção no campo da educação popular.

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Políticas públicas para a educação patrimonial: um perfil da atuação do IPHAN

Cleber SBERNI JUNIOR1

Resumo: Este texto busca discutir as políticas públicas relacionadas à educação patrimonial, com destaque para a atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), vinculado ao Ministério da Cultura. Em relação às atividades de preservação dos bens patrimoniais, a educação patrimonial é uma das ferramentas mais importantes de atuação, utilizando-se da interação entre as comunidades e os seus bens patrimoniais. Em 1999, é publicado pelo IPHAN o Guia Básico de Educação Patrimonial, publicação pioneira, que se tornou uma das referências mais importantes e recorrentes sobre o tema. Com o adensamento da área, é concebida a Coordenação de Educação Patrimonial (CEDUC), em 2004, já apontando para a necessidade da criação de políticas de educação patrimonial. Por meio da CEDUC, são implementados os Macroprocessos Institucionais, que correspondem às políticas públicas de educação patrimonial, que têm o objetivo de atingir um amplo público, em escala nacional, com atividades de educação patrimonial.

Palavras-chave: Educação Patrimonial. Políticas Públicas. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

1 Cleber Sberni Junior. Doutor e Mestre em História e Cultura Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Franca (SP). E-mail: <[email protected]>.

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Public Policies on Heritage Education: a profile of the Actions Taken by IPHAN

Cleber SBERNI JUNIOR

Abstract: This paper seeks to discuss public policies on heritage education, focusing on the actions carried out by the National Institute of Historic and Artistic Heritage (IPHAN), affiliated with the Brazilian Ministry of Culture. Heritage education is one of the most important tools for heritage preservation, taking into account the interaction between communities and their heritage property. In 1999, IPHAN published the Basic Guide for Heritage Education, a trail-blazing publication that has become one of the most emblematic and most frequent references on the topic. Owing to the expansion of this field, the Heritage Education Center (CEDUC) was set up in 2004, which pointed to the need of heritage education policies. Under the auspices of CEDUC, institutional macroprocesses were implemented, corresponding to public policies on heritage education targeted at a wider audience at the national level.

Keywords: Heritage Education. Public Policies. National Institute of Historic and Artistic Heritage (IPHAN).

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1. INTRODUÇÃO

No Brasil, tanto o direito à educação como o exercício e a fruição dos direitos culturais estão previstos na Constituição Fede-ral de 1988, que assegura que é direito do cidadão e dever do Es-tado o acesso à educação; e que a sua promoção terá a colaboração da sociedade, tendo como objetivos tanto a formação do indivíduo e o seu preparo para exercer a cidadania, como a sua qualificação para o trabalho. A mesma Constituição Federal também assegura a todos o acesso aos direitos culturais. Entre esses, os que estão rela-cionados à conservação, à promoção e à preservação do patrimônio cultural dos bens materiais e imateriais representativos e constitui-dores da cultura brasileira.

Segundo João Cardoso Palma Filho (2010, p. 157), as políti-cas públicas são “[...] ações desenvolvidas pelo poder público, com a finalidade de efetivar os princípios estabelecidos no texto consti-tucional e em leis que a ele se seguiram”. As políticas públicas nas sociedades democráticas devem atender as demandas do conjunto da sociedade. Porém, o autor afirma que as políticas públicas tam-bém devem ser entendidas como resultado de embates de forças e que, formalmente, “[...] se consubstanciam em leis, normas, méto-dos e conteúdos, resultantes da interação de agentes de pressão que disputam o Estado” (PALMA FILHO, 2010, p. 157).

As políticas públicas têm como finalidade efetivar os princí-pios estabelecidos pela Constituição e responder às demandas so-ciais; e, para tanto, o poder público deverá conceber instituições para a efetivação de ações para implementar esses direitos. Para a instrumentalização dessas ações, deverão ser criados órgãos e en-tidades públicas que terão por objetivo e finalidade organizar os mecanismos institucionais para garantir e efetivar esses direitos; como também serão necessários agentes, regulamentos, portarias, programas que deverão ser planejados e organizados, respondendo aos anseios da sociedade, correspondendo, assim, às demandas ori-ginárias, tal seja, a própria sociedade.

Procurando garantir à sociedade brasileira a preservação e a promoção da sua cultura, vale dizer, um direito legítimo, bem como

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o direito à preservação do passado e da memória, faz-se necessário então, a existência de instituições, de órgãos públicos e de políti-cas públicas. Entre as instituições públicas que possuem a função de garantir o direito e o acesso aos bens culturais e preservar o patrimônio cultural brasileiro em nível nacional está o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), vinculado ao Ministério da Cultura. E com relação às atividades de preservação dos bens patrimoniais, uma das ferramentas mais importantes é a educação patrimonial. Este texto busca discutir as políticas públi-cas relacionadas à educação patrimonial, com destaque para a atu-ação do IPHAN.

2. EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO IPHAN

Em esfera nacional, é do IPHAN o Guia Básico de Educação Patrimonial, publicação pioneira em educação patrimonial. O Guia Básico de Educação Patrimonial, de autoria de Maria de Lourdes Parreiras Horta, Evelina Grunberg e Adriana Queiroz Monteiro, publicado em 1999, tornou-se uma das referências mais importan-tes e recorrentes sobre o tema, ao construir conceitos e uma pro-posta educacional com a temática do patrimônio cultural. Quanto a sua circulação, a obra possui um longo alcance de divulgação, e, enquanto um guia didático, contém textos explicativos, fotos e ilus-trações coloridas, conceitos e exemplos de atividades de educação patrimonial.

Ao longo dos quase 20 anos que seguiram a sua publicação, a obra abriu caminho para reflexões e desenvolvimento de ações re-lativas ao tema no Brasil. O Guia Básico de Educação Patrimonial apresenta mecanismos de atuação para atividades educacionais, recursos didáticos e metodologias, e serviu não apenas como mo-delo, mas também inspirou projetos e ações, enquanto referencial de conteúdo e material de apoio para atividades não apenas para os alunos, mas, também, junto a professores e agentes envolvidos nas práticas de preservação do patrimônio cultural.

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Ao Guia Básico de Educação Patrimonial, seguiram-se ou-tras publicações editadas pelo IPHAN dedicadas à educação patri-monial, e o órgão vem, desde 1999, contribuindo para a formação de referências, reflexões e divulgação do tema. A ampliação das publicações e o acesso a esses materiais ao amplo público por meio da internet contribuíram para que se constituíssem também leitores, agentes envolvidos, professores e alunos. Assim, podemos conside-rar que as publicações do órgão e as suas ações foram importantes para o desenvolvimento das atividades de educação patrimonial no país.

Em 2014, o IPHAN publica Educação Patrimonial – Históri-co, conceitos e processos, em que apresenta algumas das diretrizes e contextualiza as políticas de educação patrimonial do órgão. A publicação utiliza-se de linguagem simplificada e didática, e siste-matiza a atuação do órgão, em um retrospecto histórico do processo de institucionalização das ações de educação patrimonial desenvol-vidas pelo instituto. O texto aponta que a expressão Educação Patri-monial tem a sua metodologia inspirada no modelo da heritage edu-cation, desenvolvido na Inglaterra. Afirma ainda que o Guia Básico de Educação Patrimonial de 1999 é resultado da sistematização dos fundamentos conceituais e práticos desenvolvidos pelas au-toras, depois de inúmeras capacitações itinerantes realizadas, que ocorreram com: técnicos do IPHAN, nas diferentes superintendên-cias existentes no país; professores e alunos da rede de ensino regu-lar; e agentes comunitários. Essas atividades foram realizadas ainda nas décadas de 1980 e 1990 (IPHAN, 2014).

A metodologia e proposta do Guia Básico de Educação Pa-trimonial fundamentam-se na utilização dos objetos patrimoniais (monumentos, sítios, centros históricos e o patrimônio natural) como recurso educacional, permitindo um trânsito de conteúdos e conhecimentos para além dos limites das disciplinas da grade cur-ricular. O patrimônio cultural abre caminho para o aprendizado de habilidades e temas importantes para a vida dos alunos, e, dessa maneira, pode ser usado como motivador para qualquer área do currículo ou para reunir áreas aparentemente distantes no processo de ensino e aprendizagem (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999).

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Segundo as perspectivas e o desenvolvimento metodológico das ações propostas no Guia Básico de Educação Patrimonial, a casa, a escola, a rua e a estrada também fazem parte do meio am-biente histórico e do patrimônio cultural das comunidades em que vivem os alunos, e, dessa forma, podem ser utilizadas como objeto de estudo na educação patrimonial. Ao se utilizar um monumento ou sítio histórico no processo educacional, como parte integrante das atividades curriculares, é necessário levar em consideração a intenção de se compreender a evidência física daquilo que observa-mos, com o objetivo de conhecer mais sobre ela, sobre a vida no lo-cal, as mudanças e permanências que ocorreram, para perceber sua importância e significado no presente. Assim, o processo de com-preensão do meio ambiente histórico não deve estar centrado só no monumento edificado, mas em todas as evidências que possam vir a existir e que forneçam mecanismos, indícios e elementos de entendimento sobre ele, como documentos públicos e privados, di-ários, cartas, fotografias e relatos. Esse processo é denominado pe-las autoras como “evidência disponível” (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999).

Na educação escolar, encontramos abordagens que se asse-melham ou que possuem objetivos comuns à educação patrimonial do IPHAN. Muitas dessas perspectivas se apresentam quando ob-servamos o ensino de História e de Geografia, e estão respaldadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, pelas Propostas Curricu-lares de História e de Geografia do Estado de São Paulo; ainda po-demos encontrar semelhanças com a educação patrimonial ou apli-cações dela em inúmeros livros didáticos utilizados pelo país afora.

Nesse sentido, observamos que a educação patrimonial es-timula um diálogo entre História e Geografia, abordando temas como: a construção do espaço produzido social e culturalmente; conceitos do conhecimento geográfico, como, por exemplo, locali-zação, orientação, território, região, natureza, paisagem e espaço; e pontos importantes do conhecimento histórico, como tempo, tem-poralidade, memória e identidade. A educação patrimonial é uma ferramenta importante para identificar os diferentes registros histó-ricos e compreender a paisagem urbana como produto da sociedade

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brasileira, portanto, um patrimônio cultural que expressa a diversi-dade existente no país.

Dessa forma, podemos compreender que as justificativas para as ações de educação patrimonial estão relacionadas à constru-ção de um “conhecimento crítico e à apropriação consciente pelas comunidades do seu patrimônio”, que “[...] são fatores indispensá-veis no processo de preservação sustentável desses bens, [...] como [também] no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cida-dania”. Assim, as ações de educação patrimonial devem ser cons-truídas em um processo “[...] dinâmico de sociabilização, em que se aprende a fazer parte de um grupo social, [em que] o indivíduo constrói a própria identidade” (HORTA; GRUNBERG; MONTEI-RO, 1999, p. 6-7).

Ou seja, as ações de educação patrimonial deverão ser nor-teadas por perspectivas de interação e sociabilização, entre os pa-trimônios em questão, agentes e populações envolvidas; e, para a efetivação da ação educativa, existe a necessidade da criação de mecanismos institucionais, de políticas públicas que deverão en-volver as áreas de educação e cultura em uma atuação intersetorial.

3. A ATUAÇÃO DO IPHAN E AS POLÍTICAS DE EDU-CAÇÃO PATRIMONIAL (2004–2014)

As políticas de educação patrimonial do IPHAN têm a sua institucionalização a partir da concepção da Coordenação de Edu-cação Patrimonial (CEDUC) em 2004 (Decreto nº 5.040/2004), criada pela necessidade de organização e estruturação das ações educativas no âmbito das políticas de preservação. Assim, é institu-ída uma unidade administrativa para promover iniciativas e eventos voltados a discutir as diretrizes teóricas e conceituais, e os eixos temáticos norteadores para a educação patrimonial. Em 2009, a CEDUC é vinculada ao recém-criado Departamento de Articula-ção e Fomento (DAF) (Decreto nº 6.844/2009), com a intenção de fortalecer as atividades de educação patrimonial, por meio de uma “[...] instância dedicada à promoção, coordenação, integração e avaliação da implementação de programas e projetos de Educação

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Patrimonial no âmbito da Política Nacional do Patrimônio Cultu-ral” (IPHAN, 2014, p. 14).

Assim, com a “progressiva consolidação e o adensamento institucional da área”, em conjunto com “iniciativas executadas pe-las superintendências e instituições ligadas ao IPHAN”, foram pro-movidos eventos de trabalho com o objetivo de “[...] construir cole-tivamente parâmetros de atuação, marcos conceituais, instrumentos legais e parcerias na área de Educação Patrimonial” (IPHAN, 2014, p. 14). As ações que se seguiram tiveram como objetivo a organi-zação de diretrizes e eixos norteadores, buscando a ampliação das formas de atuação do órgão, “[...] abarcando, de um lado, a noção ampliada de Patrimônio Cultural [...] e, de outro, os novos modelos de gestão pública que privilegiam a construção coletiva e interseto-rial das ações do Estado” (IPHAN, 2014, p. 14).

Igor Alexander Nascimento de Souza e Analucia Thompson, no artigo “A educação patrimonial no âmbito da Política Nacio-nal de Patrimônio Cultural”, afirmam que as práticas de educação patrimonial propostas pelo IPHAN para a composição da Política Nacional de Patrimônio Cultural assumem um posicionamento que procura estimular a participação das comunidades envolvidas no processo de preservação dos seus bens culturais, em vez de “[...] patrimonializar bens culturais somente com base em discursos de valoração técnico-políticos” (SOUZA; THOMPSON, 2016, p. 16). E, nesse sentido, afirmam que:

Parece que a política de preservação do patrimônio cul-tural no Brasil vem procurando se modificar para trans-formar suas agências em instituições de prestação de ser-viços públicos, coisa estranha a elas, que foram criadas com outros objetivos. A busca por um Estado promotor do bem-estar social e da ampliação da qualidade de vida, vale grifar, é uma conquista da sociedade, não uma concessão. Desenvolver os meios de garantir o direito à memória, à fruição, entre outros direitos culturais, é o desafio do ago-ra, do nosso tempo, do Estado de direito que estamos con-solidando no país (SOUZA; THOMPSON, 2016, p. 16-17).

Nas Políticas Públicas de Educação Patrimonial do IPHAN, os chamados Macroprocessos Institucionais são parte das ações do órgão para efetivar as práticas de educação patrimonial. Para tanto,

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utiliza-se da articulação entre políticas públicas visando à imple-mentação das ações por meio da CEDUC. Essa atuação dá destaque à denominada “intersetorialidade das políticas públicas”, que fun-ciona como um fator importante para a ampliação das ações educa-tivas de preservação e valorização do patrimônio cultural. Assim, os Macroprocessos Institucionais estruturam-se e são implementa-dos com o estabelecimento de vínculos entre as políticas públicas de patrimônio e as demais políticas, como de cultura, turismo, meio ambiente, educação, saúde e desenvolvimento urbano. Segundo o mesmo documento – Educação Patrimonial – Histórico, conceitos e processos –, esse processo favorece o intercâmbio de ferramen-tas educativas que podem enriquecer todo o processo pedagógico. Isso também torna possível a otimização de recursos na efetivação das políticas públicas, além de práticas de abordagens abrangentes e intersetoriais (IPHAN, 2014). Os Macroprocessos Institucionais das Políticas Públicas de Educação Patrimonial do IPHAN estão estruturados em três eixos de atuação:

Inserção do tema Patrimônio Cultural na educação for-mal. É de essencial importância levar a reflexão sobre a preservação do patrimônio à rede formal de ensino. As-sim, duas principais estratégias vêm sendo utilizadas por meio de parceria com o Ministério da Educação: no âmbito da educação básica, o Programa Mais Educação possibi-litou a incorporação da atividade de Educação Patrimonial na perspectiva da educação integral; na educação superior, a aproximação se deu por meio do Programa de Extensão Universitária – ProExt –, que dispõe de uma linha temá-tica voltada ao Patrimônio Cultural (IPHAN, 2014, p. 29, grifos do autor).

Gestão compartilhada das ações educativas. A principal estratégia é o fomento à Rede Casas do Patrimônio, que busca reconhecer o protagonismo local das ações educa-tivas de valorização do Patrimônio Cultural, articulando agentes e instituições que possuam envolvimento com o tema e com os bens culturais. Procura-se, ainda, ampliar a capilaridade e privilegiar ações descentralizadas de uma política pública de Educação Patrimonial, em uma pers-pectiva de construção coletiva que envolva as três instân-cias de governo (IPHAN, 2014, p. 29, grifos do autor).

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Instituição de marcos programáticos no campo da Edu-cação Patrimonial. Em razão da ampliação do conceito de patrimônio e da multiplicação de ações educativas em todo o país, há necessidade de normatizar e garantir o cumpri-mento de diretrizes mínimas da Política Nacional de Edu-cação Patrimonial. Essas diretrizes foram consolidadas nos seguintes documentos: Carta de Nova Olinda (2009), I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural (2009) e Docu-mento do II Encontro Nacional de Educação Patrimonial (2011) (IPHAN, 2014, p. 29).

Igor Alexander Nascimento de Souza e Analucia Thompson afirmam que os Macroprocessos Institucionais são estabelecidos partindo de princípios que valorizam a participação das comuni-dades envolvidas, e têm como objetivo a inserção do patrimônio cultural na vida dos agentes patrimoniais, dos participantes e das comunidades envolvidas. E, segundo os autores, os eixos estru-turados apresentam uma dinâmica que procura abarcar diversas modalidades de ações, com o objetivo de solidificar as políticas públicas de educação patrimonial. Primeiramente os Macroproces-sos Institucionais objetivam a inserção do tema patrimônio cultu-ral na educação formal, visando incorporar ou ampliar discussões sobre o assunto na rede pública de ensino. Um segundo eixo, que propõe a gestão compartilhada das ações educativas, está relacio-nado à concepção e à implementação da Rede Casas do Patrimô-nio, do IPHAN. E, por fim, a instituição de marcos conceituais e programáticos no campo da educação patrimonial, que possuem o objetivo de “normatizar e estabelecer critérios coerentes entre as di-versas atividades autointituladas” educação patrimonial (SOUZA; THOMPSON; 2016, p. 16-17).

Como podemos observar, apenas o primeiro eixo privilegia a educação formal e escolar. Denominado Inserção do tema Patrimô-nio Cultural na educação formal, esse Macroprocesso Institucional tem a intenção de implementar e inserir formas de educação patri-monial no âmbito da rede pública de ensino. Esse eixo de atuação articula ações conjuntas dos ministérios da Cultura e Educação, vi-sando atingir dois polos, de um lado, a educação básica, e, do outro, a extensão universitária, que possui também um caráter multiplica-

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dor, já que articula ações das universidades junto às comunidades em que estão inseridas.

A concepção e a implementação da Rede Casas do Patrimô-nio como eixo das ações relacionadas aos Macroprocessos Institu-cionais estão relacionadas à descentralização das ações do órgão e ao apoio institucional dado às localidades e superintendências do IPHAN existentes pelo país, com a criação de atividades de educa-ção patrimonial no âmbito não escolar, em atividades implementa-das nas próprias casas. Assim, as Casas do Patrimônio têm como objetivo construir elementos de ligação entre o IPHAN e as loca-lidades, e a constituição de acervo de experiências e atuações nas comunidades, e que possam ser compartilhadas. Esse projeto tem uma natureza descentralizada e denota capilaridade para as ações do IPHAN junto as suas 27 superintendências espalhadas pelo país. O documento Carta de Nova Olinda, de 2009, um dos marcos da educação patrimonial, elaborado pelos agentes do IPHAN, estabe-lece definições, diretrizes e objetivos para as Casas do Patrimônio:

A Casa do Patrimônio tem por objetivo constituir-se como um espaço de interlocução com a comunidade local, de articulação institucional e de promoção de ações educati-vas, visando fomentar e favorecer a construção do conhe-cimento e a participação social para o aperfeiçoamento da gestão, proteção, salvaguarda, valorização e usufruto do patrimônio cultural (IPHAN, 2014, p. 46).

Por último, os Macroprocessos Institucionais apontam para a necessidade da elaboração de documentos referenciais e marcos programáticos da educação patrimonial no âmbito do IPHAN, com a intenção de estabelecer critérios para as atividades de educação patrimonial. A própria Carta de Nova Olinda, de 2009, é um desses marcos da educação patrimonial.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegar aos 80 anos em 2017, o IPHAN pode ser consi-derado um referencial dos mais importantes para a educação patri-monial no país. Mas não temos aqui a intenção de reduzir todas as atividades de educação patrimonial no Brasil apenas às ações do

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órgão, mas, sim, produzir um perfil da atividade do IPHAN na pro-moção, difusão e criação para as práticas de educação patrimonial. Quanto às políticas públicas intersetoriais, não cabe aqui uma ava-liação final e exaustiva, mas elencar as ações e atividades desenvol-vidas nos últimos anos, até porque, o que podemos observar é que o processo está ainda em constituição, ou seja, as políticas públicas de educação patrimonial ainda encontram-se em construção.

Esse processo pode ser percebido com a institucionalização de uma instância administrativa no IPHAN para organizar, pro-mover, coordenar e avaliar a implementação de atividades de edu-cação patrimonial, integrando a Política Nacional do Patrimônio Cultural, a CEDUC. As políticas públicas de educação patrimonial concebidas pela CEDUC por meio dos Macroprocessos Institucio-nais correspondem às políticas públicas de educação patrimonial e pretendem atingir um público em escala nacional. Os Macropro-cessos Institucionais devem ser entendidos partindo-se da ótica de sua atuação, que ocorre por meio de ações descentralizadas de suas atividades educativas, e que tem, como marca importante, a pers-pectiva de interação e sociabilização entre os agentes e instituições patrimoniais envolvidos e das comunidades participantes das ações de educação patrimonial.

Em relação à educação escolar, as ações da política de educa-ção patrimonial realizadas pela CEDUC foram implementadas por meio dos programas Mais Educação, destinado a educação básica, e do Programa de Extensão Universitária (ProExt), voltado para a atuação de alunos das universidades junto a suas comunidades. Ambos são realizados por meio de programas interministeriais, com parceria entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Edu-cação. As ações do órgão não privilegiam apenas uma educação patrimonial escolar, mas também são voltadas para a construção de relações com as comunidades, por meio das Casas do Patrimônio, que também desenvolverão atividades educativas voltadas à temá-tica do patrimônio cultural. Ao observarmos as políticas públicas voltadas à educação patrimonial na atuação do IPHAN, concluímos que o órgão procura funcionar como um multiplicador de ações, com uma atuação em diversas frentes, e presente em diferentes es-feras.

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REFERÊNCIAS

HORTA, M. L. P.; GRUNBERG, E.; MONTEIRO, A. Q. Guia básico de Educação Patrimonial. Brasília, DF: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.

IPHAN. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processo. Brasília, DF: Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc, 2014. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducacaoPatrimonial_m.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2017.

PALMA FILHO, J. C. A política educacional do Estado de São Paulo (1983–2008). Educação & Linguagem, São Paulo, v. 13, n. 21, p. 153-174, jan./jun. 2010.

SOUZA, I. A. N.; THOMPSON, A. A educação patrimonial no âmbito da Política Nacional de Patrimônio Cultural. In: TOLENTINO, Á. B.; BRAGA, E. O. (Orgs.). Educação patrimonial: políticas, relações de poder e ações afirmativas. João Pessoa: IPHAN-PB; Casa do Patrimônio da Paraíba, 2016. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/caderno_tematico_educacao_patrimonial_05.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2017.

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Políticas Públicas e Museus no Estado de São Paulo: dos Museus Histórico-Pedagógicos ao Sistema Estadual de Museus

Larissa Rizzatti GOMES1

Rodrigo Touso Dias LOPES2

Resumo: Analisar a trajetória das políticas públicas para a área dos museus no Estado de São Paulo, desde a criação dos museus histórico-pedagógicos até a consolidação do Sistema Estadual de Museus do Estado de São Paulo, é o objetivo do presente artigo. Com base na análise de dados de publicações especializadas e na bibliografia da área, pretendemos demonstrar como o poder público migrou da perspectiva de oferecer uma visão própria da história do país e do Estado de São Paulo, materializada nos museus, para a perspectiva de oferecer espaços, serviços, capacitação e financiamento para o desenvolvimento do setor museológico em todo território paulista, mantendo ainda a gestão de alguns espaços museológicos hoje emblemáticos.

Palavras-chave: Política Pública para Museus. Museus Histórico-Pedagógicos. Sistema Estadual de Museus do Estado de São Paulo.

1 Larissa Rizzatti Gomes. Mestranda em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus Araraquara (SP). Graduada em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Historiadora e pesquisadora na área de políticas públicas para museus no estado de São Paulo. Representante Regional do SISEM-SP, Região Administrativa Central, Gestão 2016/2018. E-mail: <[email protected]>.2 Rodrigo Touso Dias Lopes. Mestre em História e Cultura Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Especialista em Formação de Professores e graduado em História pela mesma instituição. Historiador do Centro Municipal de Memória e Museu da Cidade em Sertãozinho. Coordenador do Curso de Especialização em Museografia e Patrimônio Cultural pelo Claretiano – Centro Universitário, professor credenciado junto ao Programa de Pós-graduação, mestrado profissional em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Franca (SP). Representante Regional do SISEM-SP, Região Administrativa de Ribeirão Preto, Gestão 2016/2018. E-mail: <[email protected]>.

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Public Policies and Museums in the State of São Paulo: from the Historical-Pedagogical Museums to the State System of Museums

Larissa Rizzatti GOMESRodrigo Touso Dias LOPES

Abstract: This article aims to analyze the history of public policies for museums in the State of São Paulo from the creation of historical and pedagogical museums to the consolidation of the State System of Museums. Based on the analysis of data from specialized publications and the specific bibliography, we intend to demonstrate how the public power has migrated from the perspective of offering an own view of the history of the country and the State of São Paulo and offer spaces, services, training and funding for the development of the museological sector throughout São Paulo territory, while still maintaining the management of some museological spaces that are today emblematic.

Keywords: Public Policy for Museums. Historical Pedagogical Museums. State System of Museums of the State of São Paulo.

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1. INTRODUÇÃO

A promoção e execução de políticas públicas, nas mais di-versas áreas da sociedade, visam garantir direitos estabelecidos constitucionalmente, bem como atingir a população da forma mais abrangente possível. O acesso à cultura – como direito constitucio-nalmente estabelecido – garante a oferta à população de bens, ser-viços e espaços de fruição cultural, e as políticas públicas culturais são as ferramentas disponíveis pelo Estado para sua realização.

O Estado de São Paulo faz política pública na área dos mu-seus de algumas maneiras específicas. Em primeiro lugar, faz polí-tica pública cultural mantendo espaços expositivos abertos no Es-tado de São Paulo: são 18 museus administrados pela Secretaria de Estado da Cultura, a SEC, via Organizações Sociais, as OSs. Também faz política pública para museus ao manter e promover o Sistema Estadual de Museus, uma instância que tem por objetivo manifesto a articulação entre os museus e o fortalecimento insti-tucional desses espaços no Estado. Faz política pública para mu-seus ao transferir recursos para restauros, reformas, adequações, exposições e publicações via Programa de Ação Cultural, ProAC, com editais específicos, geralmente em duas áreas, conservação e comunicação.

Sobre a democratização dessa política pública, especifica-mente a respeito dos editais ProAC, nota-se que estes possuem cláusulas específicas para museus do interior do Estado, garantindo a chegada de investimento ao interior, descentralizando parte do investimento; e notam-se também cláusulas para museus de peque-no porte e diferentes perfis de produtores culturais, inclusive com a possibilidade recente de inscrição de projetos desenvolvidos por pessoas físicas.

Contudo, entre os museus administrados pela SEC, percebe-mos um cenário diferente: 14 dos 18 museus administrados dire-tamente pela Secretaria estão na capital paulista; são eles: Museu da Casa Brasileira, Pinacoteca, Estação Pinacoteca, Catavento, Memorial da Resistência, Museu AfroBrasil, Casa Guilherme de Almeida, MIS, Museu da Imigração, Museu da Língua Portuguesa,

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Museu de Arte Sacra, Museu do Futebol, Paço das Artes e Casa das Rosas.

No interior, por outro lado, estão quatro instituições, manti-das pelo Governo do Estado em Santos, Campos do Jordão, Tupã e Brodowski, respectivamente, com o Museu do Café, o Museu Felícia Lerner, o Museu Índia Vanuíre e o Museu Casa de Portinari.

Essas duas grandes iniciativas públicas do setor museológico fazem sentido ao se compreender o tamanho do setor dos museus na paisagem cultural paulista e seu impacto na economia criativa do Estado de São Paulo. Segundo a publicação de referência Mu-seus em Números, com dados de 2011, o Estado de São Paulo con-tava com 517 museus3 (INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS, 2011). Sabemos que o Estado de São Paulo possui 645 municípios, mas os museus não estão bem distribuídos pelo Estado: dos 645 municípios, apenas 205 deles possuem museus, e apenas no muni-cípio de São Paulo estão catalogados mais de 132 museus.

Analisando-se os dados, daqueles 517 museus do Estado de São Paulo, pode-se levantar brevemente certo perfil: mais de 80% não tem o respaldo de uma Associação de Amigos de Museus; mais de 60% não possui um Regimento Interno; 75%, apenas, estimam seu acervo, sem precisar o tamanho desse acervo, e mais de 75% dos museus não possuem orçamento próprio4.

Sobre a tipologia dos espaços, 62% se consideram Museus Históricos; 47%, Museus de Arte; 48% se veem como Museus de Imagem e Som; e 23% se consideram Museus de Ciência e Tec-nologia. Isso nos mostra que os museus têm mais de um perfil, percebendo-se eventualmente como Museus de Arte e de História, de História e de Imagem e Som etc. Praticamente a metade dos mu-seus, 45%, não abre aos finais de semana e feriados, mas os 65% restantes abrem aos sábados e 43% abrem aos domingos.

Já sobre as políticas de ingresso, a grande maioria, 80%, não cobra ingresso, e, dos que cobram, 50% têm entrada de até R$ 2,00.

3 Seis anos depois, sabe-se que esse número é consideravelmente maior, mas não o encontramos sistematizado. A publicação Museus em Números possui versão também online: <http://www.museus.gov.br/museus-em-numeros/>.4 O dado acerca do orçamento dos museus é nacional, não apenas do Estado de São Paulo.

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Apenas 5% dos museus têm entrada acima de R$ 10,00. Por fim, a respeito da ação educativa, 52% declararam não possuir nenhuma atividade educativa, ao passo que 98% indicaram realizar visitas guiadas.

Desses números, emerge certo perfil dos museus paulistas: um museu público e de entrada gratuita, de pequeno ou médio por-te, ainda não fortemente aberto aos finais de semana, e que ainda trabalha no sentido de desenvolver eficientes mecanismos de ges-tão do acervo e programas educativos.

De fato, segundo o Cadastro Nacional de Museus5, mais da metade dos museus paulistas (52,6%) pertence à instância munici-pal, o que significa dizer que sua gestão, muitas vezes, está condi-cionada à situação política local, aos interesses políticos em jogo e às decisões do poder público municipal para a área da cultura, setor tradicionalmente excluído da lista das prioridades da gestão públi-ca; explicitado pelo paradoxo do valor dos museus, nas palavras de Françoise Benhamou: “[...] o museu é uma das instituições mais ricas, em razão do valor das obras que possui, e das mais pobres, em virtude da diferença entre esse valor e o orçamento com que trabalha” (BENHAMOU, 2007, p. 93).

Sobre a gestão e o quadro funcional dos museus, a ausência de um corpo técnico especializado e atualizado para a atuação neles não se deve somente à ausência de cargos técnicos provisionados nas instituições, mas também à escassez de formação na área mu-seológica em São Paulo6.

Essas considerações são relevantes quando se trata de pensar e colocar em prática uma política pública específica para museus, pois entendemos que a construção, na contemporaneidade, de uma política museal precisa considerar a museodiversidade7 brasileira, a 5 Sobre o Cadastro Nacional de Museus, acesse: <http://www.museus.gov.br/sistemas/cadastro-nacional-de-museus/>.6 O Estado não possui curso de graduação em Museologia e atualmente conta somente com um curso técnico, no Centro Paula Souza, e um curso de Pós-graduação em Museologia, criado em 2012 e realizado pelo MAE-USP, ambos localizados na capital.7 Museodiversidade é o termo pelo qual se indica a diversidade dos museus em um determinado contexto. Aqui, a muesodiversidade brasileira indica os diferentes tipos de museus e de gestão, dos museus tradicionais aos museus comunitários, dos acervos históricos e artísticos clássicos aos acervos imateriais, dos pequenos museus aos museus-espetáculo.

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situação atual dos museus do nosso Estado, bem como as reflexões, os debates e as práticas características desse universo em expansão.

2. OS MUSEUS HISTÓRICO-PEDAGÓGICOS COMO POLÍTICA PÚBLICA DE MUSEUS EM SÃO PAULO

Os esforços em construir, legitimar e difundir uma história oficial por meio de instituições museológicas configuram-se em uma prática característica do período do Estado Novo no Brasil, que se fez ver no Estado de São Paulo com grande evidência na dé-cada de 1950, quando a região ganha destaque no contexto nacional por meio da criação da primeira rede de museus públicos do país, a Rede de Museus Histórico-Pedagógicos.

Criados por meio de decretos estaduais, em momento histó-rico e político de retomada da consolidação do ideário republicano e, em especial, do processo de construção do imaginário da parti-cipação paulista nesse regime, os Museus Histórico-Pedagógicos apresentavam os períodos históricos do país, Brasil Colônia, Brasil Império e Brasil República, a partir de uma perspectiva que privi-legiava uma história integrada do Brasil, contada em etapas, mas nesse caso, colocando o Estado de São Paulo em destaque.

Tal estratégia, denominada “Implantação dos museus his-tóricos e pedagógicos do estado de São Paulo” permitiu ao poder estadual afirmar-se no campo da cultura e da educa-ção de modo hegemônico, relegando ao município a cessão do imóvel, o deslocamento de professores da rede pública para a direção dos museus e o auxílio na coleta e no arma-zenamento do acervo (MISAN, 2008, p. 176).

Iniciada pela criação, em 1953, de quatro museus dedicados à memória dos quatro presidentes republicanos paulistas – os Mu-seus Histórico-Pedagógicos Campos Salles (Campinas), Prudente de Moraes (em Piracicaba), Rodrigues Alves (em Guaratinguetá) e Washington Luís (em Batatais) –, no ano de 1973, a Rede já era composta por 79 instituições, sendo que algumas delas já existiam no âmbito municipal e foram integradas por solicitação dos gesto-res locais e outras (57 unidades) foram criadas e implantadas em diferentes cidades do Estado ao longo dos anos.

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Preocupados em atender às necessidades pedagógicas re-queridas em seu tempo, bem como em reunir material histórico representativo, os Museus Histórico-Pedagógicos desempenharam intensa atividade, principalmente junto ao meio escolar, no Estado de São Paulo entre as décadas de 1950 e 1970. Tais instituições acabaram por tornar-se a principal referência museológica para a maior parte do público do interior paulista, que, devido às grandes distâncias até a capital e às dificuldades de transporte, não pode-riam ter acesso aos grandes museus.

Contudo, esse mesmo isolamento, criado pelas grandes dis-tâncias, fez com que a Rede de Museus Histórico-Pedagógicos, em seus anos finais de implantação, já apresentasse um expressivo processo de enfraquecimento, principalmente nas estruturas admi-nistrativa e técnica das instituições. Segundo Avila (2014), os prin-cipais motivos para essa situação eram: o gradativo afastamento do poder público estadual, a falta de desenvolvimento de políticas públicas para o sustento das unidades, a escassez de formação na área museológica em São Paulo – que proveria corpo institucional especializado e atualizado para a atuação nessas instituições – e a falta de incentivo ao envolvimento da comunidade no dia a dia das instituições.

Entre o final da década de 1970 e início de 1980, em resposta às demandas dos gestores municipais do interior do Estado, que se queixavam da situação de abandono em que se encontravam os MHP (a essa altura, os municípios já haviam assumido o ônus da gestão desses equipamentos), foi instituída, no Estado de São Pau-lo, a Comissão de Dinamização dos Museus.

A iniciativa, criada pelo então Secretário da Cultura, Cunha Bueno, tinha por objetivo mapear a situação dos museus paulistas e promover seu aprimoramento por meio de ações que visassem à qualificação e ao fortalecimento das instituições museológicas de todo o Estado, em especial daquelas localizadas no interior.

Influenciados pelas novas ideias presentes no pensamento museológico, os estudos realizados pela Comissão trouxeram à tona a reflexão sobre o real papel dessas instituições junto às co-munidades locais e a pertinência em mantê-las como equipamentos

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vinculados ao governo do Estado. A compreensão era de que, para tornar essas instituições relevantes à sua comunidade, elas deve-riam ser entregues, de fato e de direito, aos municípios que as sedia-vam. Diante disso, no ano de 1986, iniciaram-se os esforços para a transmissão da tutela dos acervos estaduais aos municípios do inte-rior paulista; a esse processo foi dado o nome de municipalização.

Atualmente, os Museus Histórico-Pedagógicos constituem a maior rede de museus históricos e públicos criada no país, formada por 49 instituições (25 unidades foram extintas no ano de 1994, ou por nunca terem efetivamente sido instaladas, ou por não terem conseguido se sustentar), distribuídas em 49 municípios no interior do Estado de São Paulo (AVILA, 2014). Destas, 33 já passaram pelo processo de municipalização.8

Importante mencionar, ainda, que dos museus pertencentes à Rede de Museus Histórico-Pedagógicos do Estado, somente os Museus Índia Vanuíre (Tupã) e Casa de Portinari (Brodowski), permaneceram sob a gestão do Estado, pois, segundo critérios adotados no processo de municipalização dos MHP, não seriam municipalizados os museus cujo assunto extrapolasse o interesse regional.

3. O SISTEMA ESTADUAL DE MUSEUS DO ESTADO DE SÃO PAULO

No contexto de desenvolvimento das políticas públicas para o setor museológico, São Paulo se destacou como o primeiro Estado a organizar um Sistema de Museus, criado no ano de 1986 em meio à criação de outros sistemas na área da Cultura do Estado, a saber, o Sistema Integrado de Bibliotecas (1984) e o Sistema Estadual de Arquivos (1985).

Nesse período, o debate em torno da criação de “sistemas” para a área da Cultura referenciava-se não somente na valorização e no fortalecimento dos equipamentos culturais estaduais e munici-8 Estudos recentes que investigam as iniciativas do poder público estatal no campo da museologia paulista (AVILA, 2014; MIZUKAMI, 2014) relacionam o processo de municipalização dos Museus Históricos Pedagógicos à criação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo (futuro SISEM-SP), primeira iniciativa de sistematização das ações voltadas às instituições museológicas no Estado de São Paulo.

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pais por meio de ações de formação, capacitação e aperfeiçoamento técnico, mas, principalmente, na perspectiva de uma ação integrada e de articulação institucional, com respeito à autonomia jurídico--administrativa, cultural e técnica das instituições (MIZUKAMI, 2014).

Para além do Estado de São Paulo, a necessidade de articula-ção do setor museológico era um tema vigente no campo da museo-logia e nas discussões de políticas culturais para o setor museológi-co no país como um todo. O próprio Sistema Nacional de Museus, que permaneceu em atuação até 1990 (extinto juntamente com o Ministério da Cultura por meio de medida provisória do Governo Collor), foi criado no mesmo ano de fundação do Sistema de Mu-seus do Estado de São Paulo, apenas alguns meses mais tarde.

Nesse contexto, o decreto de criação do Sistema de Museus paulista estabelecia, portanto, como objetivo primeiro, promover a articulação dos museus existentes no Estado, seguido pela dire-triz de estabelecer uma identidade de trabalho com base no papel e na função do museu dentro da comunidade em que ele atua. Essas diretrizes orientaram fortemente as ações do Sistema, que se carac-terizou, ao longo do tempo, como uma instituição voltada para a assistência, qualificação e articulação dos museus paulistas9.

Atualmente, o Sistema Estadual de Museus de São Paulo (SISEM-SP) é uma instância da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, criada com o objetivo de promover a qualificação e o fortalecimento institucional em favor da preservação, pesqui-sa e difusão do acervo museológico do Estado. Coordenada pela Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo (UPPM/SEC) por meio do Gru-po Técnico de Coordenação do Sistema Estadual de Museus (GTC SISEM-SP) e possui cinco linhas de ação principais: articulação, apoio técnico, comunicação, formação e fomento. 9 O foco nessas linhas de ação pode ser verificado por meio da análise dos Relatórios de ações do Sistema, disponíveis na internet, no site do próprio Sistema e por meio de um histórico realizado pelo GTCSISEM-SP (Grupo Técnico do Sistema de Museus) sobre as ações do Sistema, entre os anos de 1986 e 2012, que termina por classificar as ações em quatro categorias: Formação (incluindo ações como oficinas, palestras e seminários), Comunicação (incluindo ações como exposições e publicações), Apoio Técnico (incluindo ações como assessorias e visitas técnicas) e Articulação (incluindo ações como encontros e reuniões) (MIZUKAMI, 2014, p. 94-95).

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Na linha de ação “Articulação”, uma das atividades princi-pais é a realização do Encontro Paulista de Museus (EPM), um evento criado no ano de 2009 com o objetivo de reunir os museus situados no Estado, articular suas ações e promover o intercâmbio entre eles. Esse encontro é considerado, pelo SISEM-SP, como o maior encontro de articulação museológica de São Paulo, pois bus-ca estimular a valorização das instituições em âmbito regional e a troca de informações e conhecimentos entre elas. É durante a sua realização também que são eleitos, bienalmente e por voto direto, os membros do Grupo de Trabalho do Sistema Estadual de Museus e do Conselho de Orientação do Sistema Estadual de Museus (CO-SISEM), órgãos criados oficialmente, por meio de Resolução, no ano de 2012, com o objetivo de promover a discussão participativa sobre as premissas e diretrizes da política cultural para o setor mu-seológico no Estado de São Paulo.

Apesar de previsto desde a criação do sistema, em 1986, o Conselho só foi efetivamente instituído em 2012 e atualmente é composto por sete integrantes (em sua origem, o Conselho seria composto de dezesseis membros, conforme previa o decreto de 1986), sendo eles: o coordenador da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico (UPPM), o diretor do Grupo Técnico de Coordenação do SISEM-SP (GTC SISEM-SP), o diretor do Gru-po de Preservação do Patrimônio Museológico da UPPM (GPPM/UPPM), um representante do corpo docente do Curso Técnico em Museus organizado pelo Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), um representante dos cursos de nível su-perior na área museológica de universidades paulistas, e dois repre-sentantes de instituições museológicas eleitos no Encontro Paulista de Museus.

A criação do Grupo de Trabalho do Sistema Estadual de Mu-seus, também conhecido por Grupo de Representantes Regionais, não havia sido prevista no decreto de criação do Sistema de Museus do Estado. Sua origem encontra-se na decisão do SISEM-SP na retomada dos esforços de mobilização e articulação do setor muse-ológico. A proposta se configurava na criação de sistemas regionais que atuassem como suporte para as ações do Sistema Estadual, es-truturando canais de comunicação mais eficientes com as institui-

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ções do Estado, de modo a agilizar a identificação e o atendimento das demandas.

Conforme mencionamos, a eleição do Grupo de Represen-tantes Regionais é feita bienalmente durante o Encontro Paulista de Museus, realizado na cidade de São Paulo. Os inscritos no evento votam nas chapas de sua região administrativa10, compostas de dois representantes e dois suplentes. Atualmente, o Conselho e o Gru-po de Representantes Regionais se caracterizam como espaços de participação, institucionalizados e ligados ao Governo do Estado, atuando nas discussões sobre a formulação e aplicação das políticas públicas na área museológica.

Contudo, a instância da Representação Regional tem um de-safio posto: os representantes regionais de fato representam reali-dades de museus bastante diversificadas, não apenas entre regiões, mas também no interior delas, havendo museus públicos e priva-dos, grandes e pequenos, inovadores e tradicionais, além, é claro, da diversidade na própria natureza desses espaços, com os Museus Casas, as Casas de Memória e Casas de Cultura, os Centro de Do-cumentação e Memória, os Memoriais, Museus Históricos, Pinaco-tecas, Estações e tantos outros.

Recentemente, foi instituído o Cadastro Estadual de Mu-seus11, um cadastro autodeclaratório e bastante detalhado sobre os museus paulistas, que visa, entre outros objetivos, determinar o que se entende por museu para as políticas públicas do Estado de São Paulo (note-se: o Cadastro não afirma o que é um museu no Estado, mas o que é um museu para o Estado). Essa pretende ser a ferra-menta de implantação de novas políticas públicas na área dos mu-seus, servindo como diagnóstico da paisagem museológica do Es-tado, mas também de parâmetro para o financiamento e a execução de exposições, publicações, cursos de formação e outras atividades por parte do poder público. 10 Para a divisão das regiões, foi utilizada a regionalização criada pela Fundação SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Administrativas, a qual divide o Estado nas Regiões Administrativas Araçatuba, Barretos, Baixada Santista, Bauru, Campinas, Central, Franca, Itapeva, Marília, Metropolitana, Presidente Prudente, Registro, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José dos Campos, Sorocaba. 11 O Cadastro Estadual de Museus, no momento da escrita deste artigo, encontra-se em fase-piloto no litoral paulista, RA Baixada Santista, ainda sem dados que possam ser sistematizados neste espaço.

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A reflexão que surge a partir daí é que, para se alcançar a eficiência e a eficácia na elaboração de políticas para a área da cul-tura – aliás, como para qualquer outra área de política pública –, é primordial a existência de informações sobre seu campo. Porém, se sabemos que a categoria museu é ampla e comporta tanta diversi-dade, como então dar conta desse cenário, por meio do cadastro?

Na segunda metade do século XX, ou, de modo mais pre-ciso, depois dos anos setenta, a museologia e os museus no Brasil passaram por um grande processo de transformação e amadurecimento. Nesse período, o objeto de estudo da museologia foi construído, desconstruído e reconstruído inúmeras vezes; a categoria museu foi ressignificada e a diversidade tipológica dos museus foi ampliada de uma maneira sem precedentes. Os museus passaram a ser trata-dos como processos e práticas culturais de relevância na-cional. [...] Essas considerações são relevantes quando se trata de pensar e colocar em prática uma política pública específica para museus. Em outras palavras: a construção, na contemporaneidade, de uma política museal democrá-tica e de interesse público precisa considerar a museodi-versidade brasileira, bem como as reflexões, os debates, as práticas e as poéticas características desse universo em ex-pansão (CHAGAS; NASCIMENTO JÚNIOR, 2006, p. 14)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando observamos o crescimento dos museus no Brasil ao longo do século XX, o aspecto a ser destacado é que a maior parte deles foi criada apenas nas últimas quatro décadas, sendo que o grande aumento do número de museus ocorreu nos anos de 1980, com uma queda desse crescimento na década seguinte (SANTOS, 2004). O número cada vez maior de museus a partir dos anos de 1980 não foi, porém, uma peculiaridade brasileira: o fenômeno foi analisado em diversas regiões do mundo como sendo uma resposta a demandas mais localizadas e como parte de um movimento que tornou mais diversificado o processo de preservação do passado. Miryam Santos (2004) acredita que é possível compreender o boom dos museus na década de 1980:

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[...] tanto a partir de um processo de comercialização das narrativas e dos elementos simbólicos preservados pelos museus, que passaram a captar grandes investimentos e atrair um número considerável de visitantes, como a par-tir do fortalecimento de demandas específicas e locais, que diversificaram uma memória anteriormente calcada em narrativas nacionalistas autoritárias (SANTOS, 2004, p. 59).

O que se pode verificar, porém, é que o processo de diversi-ficação da memória não implicou, necessariamente, uma represen-tatividade de diferentes grupos nos espaços museológicos. Pensar o museu como espaço neutro e apolítico de celebração de memórias significaria desconsiderar o próprio processo de construção de me-mórias coletivas, antes de tudo, seletivo, mas também submetido a transformações e mudanças constantes.

A memória, em parte, herdada, não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa. As preocupações do momen-to constituem um elemento de estruturação da memória (POLLACK, 1992, p. 204).

Ao fazer essa análise, acreditamos ser possível compreender melhor a preocupação com a produção e reprodução de uma memó-ria nacional no Brasil na década de 1930, período marcado por uma política excessivamente centralizadora, que buscava, nos recursos simbólicos, novas formas de legitimação. Foi nessa perspectiva que surgiram os Museus Histórico-Pedagógicos. As políticas públicas na área de museus no Estado de São Paulo representavam, assim, a vontade do Estado em produzir sua memória e garantir o acesso à sua história por meio de exposições e outras atividades museológi-cas que dessem conta desse discurso.

Mário Chagas classifica essas formas de legitimação como celebrações da memória do poder, na qual acervos e coleções personalistas, etnocêntricas e monológicas são tratados como se fossem a expressão da totalidade das coisas e como se pudessem expressar a realidade em toda a sua complexidade ou abarcar as sociedades por meio de esquemas simplistas, “[...] dos quais o con-

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flito é banido por pensamento mágico e procedimentos técnicos de purificação e excludência” (CHAGAS, 1999, p. 22).

Em um cenário como esse, identificar nas entrelinhas e no invisível o que está no campo do esquecimento ou no processo de seleção do que foi musealizado, é uma forma de compreender que poder é legitimado nos discursos museológicos e como os sujeitos sociais e as suas memórias são representados. Mais ainda, Chagas acredita ser necessária a iniciativa, por parte de todos aqueles que se relacionam com museus de alguma forma, de inverter os con-ceitos e trabalhar os museus e a museologia a partir do poder da memória.

E para isso será preciso, antes de tudo, afirmar o poder dos museus como agências capazes de servir a indivíduos e grupos de origem social diversificada e de instrumentalizá-los para o melhor equacionamento de seu acervo de problemas. O diferencial desse posicionamento, neste caso, não estaria no mero reconhecimento do poder da memória, e sim na colocação dos lugares de memória a serviço do desenvolvimento social, na compreensão teórica e no exercício prático da memória como direito de cidadania – e não como privilégio de grupos social e economicamente privilegiados.

REFERÊNCIAS

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BENHAMOU, F. A economia da cultura. Cotia: Ateliê Editorial, 2007.

CHAGAS, M. S. Há uma gota de sangue em cada museu: a ótica museológica de Mário de Andrade. Cadernos de Sociomuseologia, v. 13, n. 13, 1999. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/issue/view/30>. Acesso em: 30 mar. 2017.

CHAGAS, M. N.; NASCIMENTO JÚNIOR, J. Museus e Política: apontamentos de uma cartografia. In: Caderno de diretrizes museológicas, Brasília: Ministério da Cultura / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional / Departamento

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de Museus e Centros Culturais, Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura / Superintendência de Museus, 2006. p. 11-16. Disponível em: <http://www.cultura.mg.gov.br/files/Caderno_Diretrizes_I%20Completo.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2017.

INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Museus em números. Brasília: IBRAM, v. 1, 2011. Disponível em: <http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2011/11/Museus_em_Numeros_Volume_1.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2017.

MISAN, S. Os museus históricos e pedagógicos do Estado de São Paulo. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 16, p. 175-204, 2008.

MIZUKAMI, L. F. Redes e Sistema de Museus: um estudo a partir do Sistema Estadual de Museus de São Paulo. 2014. 226f. Dissertação (Mestrado em Museologia) – Programa de Pós-graduação Interunidades da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/103/103131/tde-12012015-122933/pt-br.php>. Acesso em: 30 mar. 2017.

POLLACK, M. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 1-15, 1992. Disponível em: <http://www.pgedf.ufpr.br/downloads/Artigos%20PS%20Mest%202014/Andre%20Capraro/memoria_e_identidade_social.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2017.

SANTOS, M. S. Museus brasileiros e política cultural. RBCS, São Paulo, v. 19, n. 55, p. 53-72, jun. 2004.

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Políticas Educacionais no Plano Plurianual de 2016-2019 e a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos

Adriana Duarte de Souza CARVALHO1

Resumo: Esta pesquisa tem como finalidade analisar o Plano Plurianual (2016-2019), intitulado “Pátria Educadora”, no que se refere às políticas educacionais ali propostas frente à Emenda Constitucional 95 de 2016, que determina corte nos gastos públicos pelos próximos 20 anos. Para empreender esta pesquisa, utilizaremos o referencial teórico neoinstitucionalista, utilizando a metodologia da análise documental. A partir da teoria dos atores políticos com poder de veto, vamos avaliar a atuação do Poder Executivo no que se refere ao financiamento de políticas públicas educacionais. Ao final, mostraremos como os gastos com as políticas educacionais foram reduzidos, inviabilizando o cumprimento das metas do PPA (2016-2019), bem como do Plano Nacional de Educação.

Palavras-chave: Política Educacional. Financiamento da Educação Pública. Plano Plurianual (2016-2019). Emenda Constitucional 95 de 2016. Corte de Gastos Públicos.

1 Adriana Duarte de Souza Carvalho. Pós-doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Rio Claro (SP). Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Graduada em Ciências Sociais pela mesma instituição. Professora do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Educational Policies in the Pluriannual Plan of 2016-2019 and the Constitutional Amendment of the Cutting of Public Expenditures

Adriana Duarte de Souza CARVALHO

Abstract: The purpose of this research is to analyze the Plurianual Plan (2016-2019), named “Educating Country”, regarding the educational policies proposed there, in view of the Constitutional Amendment 95 of 2016, which determines the cut in public spending for the next 20 years. In order to undertake this research, we will use the neoinstitutionalist theoretical framework, using documentary analysis methodology. Based on the theory of the veto players, we will evaluate the performance of the Executive Branch in financing the public educational policies. In the end, we will show how spending on educational policies has been reduced, making it impossible to accomplish the goals of the PPA (2016-2019), as well as the National Education Plan.

Keywords: Educational Policy. Financing of Public Education. Pluriannual Plan of 2016-2019. Constitutional Amendment 95 of 2016. Cutting of Public Expenses.

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1. INTRODUÇÃO

O orçamento público federal é fundamental para a concreti-zação das políticas educacionais, pois é com base nele que o Poder Executivo aloca as receitas que serão investidas em todos os ser-viços públicos de educação. O Plano Plurianual (PPA) é um dos instrumentos de planejamento orçamentário previstos pelo texto constitucional e é por meio dele que o Executivo estabelece as me-tas para as políticas públicas, inclusive as educacionais. O PPA é instituído por lei federal, com duração de quatro anos, e é elaborado no primeiro ano de mandato do Presidente da República.

Cada PPA tem um tema específico, que geralmente faz re-ferências àquilo que foi proposto durante a campanha eleitoral e à própria ideologia do partido do Presidente da República. A Lei 13.249/16, que institui o PPA (2016-2019), tem o seguinte tema: “Brasil - Pátria Educadora”. O tema do atual PPA indica, portanto, uma ênfase nas políticas educacionais, conforme sugere a platafor-ma política do Partidos dos Trabalhadores, partido da Presidente da República responsável pela elaboração do PPA em 2015.

Tendo isso em vista, esta pesquisa tem como objetivo avaliar as metas propostas para a educação contidas no PPA, verificando políticas públicas para a educação nele apresentadas e sua possibili-dade de concretização, em face das novas políticas de corte de gas-tos do governo federal, concretizadas pela Emenda Constitucional 95 de 2016. Assim, a pergunta que fundamentará esta pesquisa é: Como promover políticas educacionais que têm como fundamen-to amenizar as desigualdades sociais em um momento de corte de gastos públicos? Nossa hipótese é a de que as inúmeras políticas educacionais contidas no PPA (2016-2019), que têm um amplo compromisso com a amenização das desigualdades sociais, apenas parcialmente podem ser concretizadas em um ambiente político de corte de gastos.

Esta pesquisa contribui para a literatura especializada em po-líticas educacionais no sentido de avaliar os impactos da Emenda Constitucional 95 de 2016 no que se refere aos gastos com a edu-

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cação pública, avaliando em que medida é possível construir uma Pátria Educadora em um ambiente político de corte de gastos.

Esta pesquisa será concretizada por meio da análise do Plano Plurianual 2016-2019 e da Emenda Constitucional 95, que limita por 20 anos os gastos públicos. O referencial utilizado será o deno-minado neoinstitucionalismo, especialmente a partir da teoria dos atores com poder de veto, de Tsebelis (2009).

2. A TEORIA DOS VETO PLAYERS

Tsebelis (2009), ao estudar o fenômeno político, utiliza a me-táfora dos veto players, entendendo o sistema político como uma arena repleta de jogadores, com papéis definidos e um sistema de regras também definidas. Para o autor, todo sistema político tem um determinado status quo legislativo. O conceito de status quo legislativo refere-se ao conjunto de normas e políticas públicas em vigor em determinado momento. No Brasil, o status quo legislativo na área de Educação é mantido pelo Ministério da Educação e por suas resoluções, pela própria Constituição de 1988, pela Lei de Di-retrizes e Bases da Educação Nacional, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outras legislações educacionais.

Tsebelis (2009), por meio de sua teoria dos veto players, ana-lisa como ocorrem as mudanças no status quo legislativo. Dito de outra forma, trata-se de uma teoria que analisa as mudanças na le-gislação e nas políticas públicas. Sobre isso, Tsebelis (2009, p. 17) afirma:

[...] cada sistema político possui uma configuração de ato-res com poder de veto. [...] Além disso, as instituições polí-ticas ordenam os atores com poder de veto em sequências específicas para tomar decisões políticas. [...] Chamo tais atores com poder de veto de estabelecedores ou definido-res da agenda.

Tsebelis (2009) mostra que todo sistema político classifica os veto players que têm a prerrogativa de modificar o status quo legislativo. Segundo o autor, esses atores são capazes de definir a agenda política, propor políticas públicas e mudar a legislação. Ao

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fazer isso, esses atores estão mudando o status quo legislativo. No Brasil, os dois principais veto players são os atores representativos, a saber, o Poder Executivo2 e o Poder Legislativo. Para o autor, há ainda outros veto players, como o Poder Judiciário, a burocracia, a sociedade civil por meio dos referendos, entre outros. Contudo, como o PPA é uma lei de prerrogativa exclusiva do Executivo, é ele que nos importa aqui como ator veto player.

O PPA determina todo o rumo de um país no que se refere às políticas públicas, especialmente porque ele é a base para a ela-boração dos demais instrumentos de planejamento orçamentário, a saber, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Tsebelis (2009) mostra, contudo, que o orçamento público demanda do Executivo lidar com fatores que fogem ao seu contro-le. O autor explica que decidir gastos públicos passa por questões econômicas que não estão no controle do governo. Assim, a capaci-dade do Executivo de mudar o statuo quo legislativo em questão de políticas públicas é limitado pelo próprio andamento da atividade econômica do país.

A teoria dos veto players será utilizada nesta pesquisa como suporte para compreender a ação do Poder Executivo em relação às políticas educacionais. A teoria reflete a realidade brasileira, pois a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos mudou am-plamente o status quo legislativo e, segundo a conceituação de Tse-blis (2009), trata-se de uma política macroecônomica que foi criada justamente com o objetivo de solucionar a recessão econômica que o Brasil enfrenta. Contudo, essa medida cria problemas no que se refere ao cumprimento do PPA 2016-2019 na consolidação de uma “Pátria Educadora”.

O Poder Executivo, ao aprovar essa emenda, atuou como um veto player em relação a mudanças nas políticas sociais, inclusi-ve as educacionais, já que reduz os gastos públicos com o sistema educacional. E, ao tomar essa decisão de cortar gastos públicos, o Poder Executivo muda o status quo legislativo do PPA 2016-2019, conforme discutiremos ao longo deste trabalho.

2 Importante não confundir com o conceito de veto da CF/88, prerrogativa do Poder Executivo de vetar legislação.

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3. O PLANO PLURIANUAL (2016-2019) E A CONSOLI-DAÇÃO DE UMA PÁTRIA EDUCADORA

A Constituição Federal, a partir do seu artigo 168, descreve o orçamento brasileiro. São três os instrumentos de planejamento orçamentário, a saber: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos são de iniciativa do Poder Executivo, mas passam pela aprovação do Poder Legislativo, que autoriza os gastos. Os três instrumentos orçamentários devem ser elaborados em todos os entes federativos. O PPA é elaborado no primeiro ano do mandato do Presidente da República e tem duração de quatro anos, enquanto a LDO e a LOA têm duração de um ano. Sobre o PPA, Paulo (2010, p. 172) afirma:

É possível afirmar que a Constituição Federal atribuiu ao PPA um papel central de organização da ação do Estado, uma vez que submete a elaboração dos demais documen-tos de planejamento e orçamento às suas disposições.

Isso ocorre porque tanto a LDO e a LOA se submetem àquilo que foi proposto no PPA.

Santos e Raupp (2015) mostram que é possível monitorar e avaliar políticas públicas a partir da análise do PPA, já que esse instrumento legal de planejamento apresenta as diretrizes para as políticas públicas. Neste trabalho, faremos essa avaliação proposta pelos autores no que se refere às políticas públicas educacionais. Os autores observam que pode ser monitorada a ação governamental que traga um bem ou um serviço para a sociedade. No nosso caso, os serviços que devem ser monitorados e avaliados são os serviços públicos de educação, que efetivam o direito à educação.

Ao assumir o governo federal, o Presidente da República deverá elaborar seu PPA, ficando, portanto, seu primeiro ano de mandato submetido ao PPA feito pelo Presidente anterior. A Consti-tuição Federal, em seu artigo 168, define o PPA da seguinte forma:

Art. 168, § 1º A lei que instituir o plano plurianual estabe-lecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada (BRASIL, 1988, [n.p.]).

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O PPA 2016-2019 tem como tema Brasil – Pátria Educadora3, com ampla ênfase na educação como estratégia para o crescimento brasileiro. O PPA 2016-2019 foi materializado na Lei 13.249 e co-meça com uma Mensagem Presidencial.

Assim, logo no início da Mensagem Presidencial, o PPA apre-senta como visão de futuro um país que ofereça uma educação de qualidade como condição necessária para o desenvolvimento eco-nômico. A leitura da Mensagem Presidencial do PPA mostra que há grandes esperanças na educação como condição para o crescimento do país. A Mensagem Presidencial também prevê o acesso univer-sal à educação como necessária para a consolidação da cidadania. Esses são, portanto, dois dos demais eixos estratégicos do PPA 2016-2019.

A Lei 13.249/16 tem oito diretrizes, sendo a IV relacionada à educação, conforme podemos verificar:

IV - O estímulo e a valorização da educação, ciência, tec-nologia e inovação e competitividade (BRASIL, 2016, [n.p.]).

Além disso, o PPA 2016-2019 reconhece como prioridade da Administração Pública cumprir a metas do Plano Nacional de Edu-cação, que inclusive prevê o aumento das receitas públicas com educação entre suas metas.

De acordo com a Mensagem Presidencial do PPA 2016-2019 (BRASIL, 2015), os recursos destinados à área social no Brasil somam 3.766 bilhões de reais, e, especificamente, os gastos com educação são de 197 bilhões de reais. Veja a seguir alguns objetivos relativos à educação contidos na Mensagem Presidencial do PPA 2016-2019 (BRASIL, 2015, p. 48):

No Programa Educação de Qualidade para Todos, por exemplo, foram estabelecidas Metas como: o apoio à cons-trução de 3 mil unidades de educação básica; a ampliação da oferta de educação em tempo integral para 5 milhões de matrículas; a oferta de 5 milhões de vagas no Pronatec;

3 A palavra educação aparece 122 Mensagem Presidencial do PPA (2016 -2019).

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e a ampliação para 1,4 milhão de matrículas em cursos de graduação presencial em instituições federais de ensino.

A leitura da Mensagem Presidencial do PPA 2016-2019 (BRASIL, 2015) mostra ainda interesse do governo federal em me-lhorar a qualidade das políticas educacionais e apresentar metas de amplos investimentos. Santos e Raupp (2015) indicam que a ava-liação de um PPA tem relação com a accountability, ou seja, com a responsabilização dos atores públicos em relação à sociedade civil, especialmente no que diz respeito à alocação de recursos públicos.

O Programa Educação de Qualidade para Todos é um dos ei-xos temáticos do PPA 2016-2019 e tem cinco objetivos vinculados, que podem ser resumidos da seguinte forma: 1. Ampliar o acesso à educação; 2. Valorizar o profissional da educação; 3. Ampliar nú-mero de vagas na educação profissional; 4. Aumentar o acesso ao Ensino Superior e 4. Melhorar a gestão e a avaliação do sistema de ensino.

Podemos afirmar que o PPA estabelece a agenda para as polí-ticas públicas em educação, e, no que se refere ao PPA 2016-2019, as intenções governamentais são grandiosas, pois têm como projeto uma educação que não apenas crie cidadania, mas que vença os problemas econômicos brasileiros, além de diminuir as desigual-dades sociais.

Contudo, a análise real dos investimentos com políticas edu-cacionais possibilita um questionamento da possibilidade de con-cretização dessas metas. Conforme a Nota Técnica 57/2015, da Câmara dos Deputados (2015), em análise do orçamento proposto para 2016 em relação a 2015, houve uma redução dos recursos para o Ministério da Educação em 4,7 bilhões de reais. Em relação aos recursos do FUNDEB, a redução é da ordem de 9,4 bilhões, ou seja, 26,5% a menos em relação a 2015. A Câmara dos Deputados (2015, p. 3) resume a realidade do MEC da seguinte forma:

Quando se compara, no universo das despesas discricio-nárias, inclusive PAC, com os demais órgãos da União, o MEC sofreu redução superior tanto em despesas correntes (-11,4% contra -8,4%), quanto em investimentos (-59,8% contra -32,8%).

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Outros programas também relacionados à educação, ainda conforme a Câmara dos Deputados (2015, p. 4), sofreram redu-ção de investimentos, como podemos ver a seguir: “Ciência sem Fronteiras (-16,4%), Dinheiro Direto na Escola (-35,3%), Pronatec (-55,1%), Proinfância (-85,8%) e Caminho da Escola (-100,0%)”.

Os cortes de gastos mencionados até aqui foram determina-dos pela Lei Orçamentário Anual (2015) da União. Esse quadro é ainda mais preocupante tendo em vista a EC 95 de 2016.

4. A EMENDA CONSTITUCIONAL 95 DE 2016

A Emenda Constitucional 95 de 2016, chamada de Emenda do Teto dos Gastos Públicos, provoca uma ampla transformação no financiamento das políticas sociais e dos serviços públicos. Con-forme o artigo 106 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-sitórias (ADCT) da CF/88 (BRASIL, 1988), instituiu-se um novo regime fiscal no orçamento público, que terá vinte anos de duração.

A Câmara dos Deputados (2016) afirma que o objetivo da Emenda é dar equilíbrio às contas públicas por meio de contenção de gastos. Isso ocorrerá por meio da seguinte estratégia: a despesas da União só poderão crescer com base na inflação. Vejamos o que afirma o artigo 107, § 1º, II, do ADCT, da CF/88:

II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite refe-rente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí--lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária (BRA-SIL, 1988, [n.p.]).

A EC 95 de 2016 cria limites de gastos para as despesas pri-márias, que são justamente as despesas que aumentam a dívida lí-quida do país4. Assim, espera-se que, ao reduzir gastos públicos,

4 Conforme a Câmara dos Deputados (2017, [n.p.]): “Dívida Pública Bruta: Dívida do setor público não financeiro e do Banco Central com o sistema financeiro (público e privado), o setor privado não financeiro e o resto do mundo. Dívida Pública Líquida: Dívida Pública Bruta menos a soma dos créditos do setor público não financeiro e do Banco Central”.

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haja crescimento econômico e que os investidores entendam que o Brasil é um lugar seguro para abrir novas empresas.

Há inúmeras consequências para a educação pública a partir da EC 95 de 2016. Em primeiro lugar, segundo o inciso I, do pa-rágrafo 6º, do artigo 107 do ADCT (BRASIL, 1988), as receitas vinculadas ao FUNDEB permanecem inalteradas, justamente por-que o FUNDEB faz parta das transferências constitucionais. Ainda conforme a Câmara dos Deputados (2016), como as despesas com o PROUNI e o FIES não são despesas primárias, então não se apli-ca o corte de gastos. Contudo, sabemos que os gastos com educação vão muito além daqueles do FUNDEB. O artigo 110 do ADCT ex-plica então o que ocorrerá com o financiamento da educação:

Art. 110. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplica-ções mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino equivalerão:

I - no exercício de 2017, às aplicações mínimas calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição Federal; e

II - nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do exercício imediatamente ante-rior, corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (BRASIL, 1988, [n.p.]).

Conforme a Câmara dos Deputados (2016, p. 19), no que se refere à educação, a EC 95 de 2016 tem como objetivo: “[...] des-vincular de percentuais da receita as aplicações mínimas com saúde e educação; e instituir nova fórmula de cálculo dos pisos, com base no mínimo aplicado em 2017, corrigido pelo IPCA”.

De acordo com dados do Instituto de Estudos Socioeconô-micos (2017), em 2017, a Educação ainda receberá 18% daquilo que for arrecadado para a União. A partir de 2018, a Educação vai entrar na lógica do teto das despesas primárias e, portanto, haverá diminuição dos investimentos.

Segundo o INESC (2017):Apesar de ter havido um aumento de recursos para a Edu-cação, já descontadas as despesas financeiras e as ex-

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clusões, de R$ 2,8 bilhões de 2016 para 2017, a fatia das despesas com Educação no bolo do Orçamento Federal reduziu de 1,76% em 2016 para 1,42% para 2017. Ou seja: ocorreu uma queda de 19% da participação da Educação no bolo do Orçamento da União em 2017.

Precisamos ainda considerar o Plano Nacional de Educação e suas metas. A meta 20 tem o seguinte propósito:

Meta 20: ampliar o investimento público em educação pú-blica de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do país no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equi-valente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio (BRASIL, 2014).

Não há como negar a contraposição entre um plano que obje-tiva aumentar gastos com educação e uma Emenda Constitucional que determina a diminuição dos investimentos nessa área. Assim, no que se refere aos investimentos em políticas sociais, que efeti-vamente são despesas primárias, haverá um corte nos gastos. Não há dúvidas de que as políticas educacionais também serão atingi-das. Conforme a Nota Técnica 57/2015, da Câmara dos Deputados (2015, p. 5): “O cenário traçado no projeto de lei orçamentária indi-ca dificuldades no cumprimento das metas intermediárias previstas no Plano Nacional de Educação”.

5. O DIREITO À EDUCAÇÃO FRENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL 95 DE 2016

O sistema de ensino brasileiro é um serviço público que efeti-va o direito social à educação, instituído no artigo 6º do texto cons-titucional. Esse direito é garantido por meio das políticas educa-cionais, que recebem investimentos públicos. Para que esse direito seja efetivado, portanto, é necessário que o Poder Executivo aloque recursos orçamentários para a educação, atuando, portanto, como um veto player, conforme a classificação de Tsebelis (2009). Quan-do os constituintes, na década de 80, decidiram constitucionalizar o direito à educação e torná-lo universal e obrigatório até o ensino médio, criou-se a obrigação para o Estado de efetivá-lo.

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Contudo, os recursos destinados à educação não têm dado conta do que é demandado, nem mesmo no que diz respeito ao número de vagas para garantir o acesso universal. Carvalho (2014) mostra como nem mesmo há garantia de vagas, que cada vez mais têm sido exigidas junto ao Poder Judiciário. Fernandes et al. (2012, p. 567) sobre isso menciona:

Já a temática do financiamento da educação básica, ao tempo em que materializa limites e possibilidades para concretizar o direito à educação, desvela também os lia-mes que perpassam as relações entre público e privado, à medida que o setor privado, via de regra, entende que seu financiamento deve se dar com recursos públicos. Situa-ção que revela uma das contradições fundamentais para a construção de um SNE, pois, se por um lado o Estado se coloca como provedor da política educacional, por outro, ao injetar recursos públicos no setor privado educacional, administra o setor com escassez monetária, o que retrai o direito à educação pública.

A Emenda Constitucional 95 de 2016 torna ainda mais escas-sos os investimentos de educação, o que dificulta ainda mais a con-cretização dos direitos. Ao emendar o texto constitucional, o Poder Executivo mudou o status quo legislativo que havia sido proposto pelo PPA 2016-2019. Dessa forma, vemos como o Executivo atuou como veto player, mudando o status quo legislativo.

É interessante como tanto o PPA 2016-2019 quanto a Emen-da Constitucional 95 apresentam objetivos comuns e, ao mesmo tempo contraditórios. A Mensagem Presidencial do PPA 2016-2019 (BARSIL, 2015) determina que a educação deva ser aprimorada no Brasil, com o objetivo de promover crescimento econômico. Por sua vez, a Emenda Constitucional 95 (CÂMARA DOS DEPUTA-DOS, 2016) determina que os gastos públicos com políticas sociais devam ser diminuídos para promover crescimento econômico.

Será que efetivamente podemos colocar nas mãos da edu-cação pública a responsabilidade pelo crescimento econômico do país? Será que a escola pública brasileira, que ainda opera pelo paradigma tradicional da educação, tem condições de cumprir esse propósito? Qual é o currículo adequado para um sistema de ensino

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que é encarregado dessa missão? Como formar um aluno que seja capaz de produzir crescimento econômico?

A responsabilidade pelo crescimento econômico de um país não pode ser deixada nas mãos do sistema de ensino, especialmente nas de um sistema de ensino que é subfinanciado pelo Estado.

No que se refere à capacidade da Educação no combate à desigualdade social, que também é uma meta do atual PPA, faz--se necessário amplo fortalecimento da capacidade do Estado em financiar políticas educacionais e ampla reflexão sobre o currículo escolar. Apenas um currículo que seja capaz de emancipar e tor-nar o indivíduo autônomo, capaz de pensar por si mesmo, pode ser o primeiro passo para que essa meta seja possível. Contudo, a educação não pode assumir essa responsabilidade sozinha. A desi-gualdade social é causada por fatores múltiplos e deve ser resolvida também dessa forma.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a promulgação de um Plano Plurianual que tinha como tema a consolidação de uma “Pátria Educadora”, foi mudado o sta-tus quo legislativo no que se refere às políticas educacionais, já que o Executivo se propôs a fortalecer e ampliar os serviços públi-cos de educação. Com a Emenda Constitucional 95 de 2016, mais uma vez, o Executivo muda o status quo legislativo, rompendo com aquilo que havia sido proposto no PPA 2016-2019, já que determi-na a diminuição dos investimentos sociais. Em ambos os casos, o Poder Executivo foi um importante veto player.

De fato, no Brasil, o Poder Executivo tem grande controle so-bre a agenda política, inclusive sobre a agenda pública educacional. Tsebelis (2009, p. 24) afirma que “[...] resultados específicos são produto das instituições dominantes e das preferências dos atores envolvidos”. Assim, não há dúvidas de que, no Brasil, o Executivo é uma instituição dominante, cujas preferências resultaram em uma política macroeconômica que gera grandes perdas para as políticas educacionais.

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O Poder Executivo, como principal veto player no Brasil, di-ficulta a tomada de posição da sociedade civil, que, em regimes democráticos, também deveria ser um veto player. Uma reforma tão ampla na Constituição, que repercute nos serviços públicos, de-veria ser discutida com toda a sociedade.

REFERÊNCIAS

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Autonomia didático-científica das universidades brasileiras e controle judicial: o caso da ação popular n. 0035410-58.2013.4.01.3700 impetrada na Justiça Federal do Maranhão

Vânia de Fátima MARTINO1

Santiago Castigio e MONTEIRO2

Resumo: Este artigo consiste no estudo de caso da ação popular n. 0035410-58.2013.4.01.3700, impetrada na Justiça Federal do Maranhão e que discute, desde 2013, a suspensão das atividades de pesquisa e extensão do Centro de Difusão do Comunismo (CDC), vinculado à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Nosso foco é problematizar a autonomia didático-científica das universidades brasileiras, apregoada em nosso ordenamento jurídico pátrio, e o papel do Poder Judiciário no controle de possíveis “promoções ideológicas” dentro dos ambientes educacionais. Para tanto, faz-se o uso do aporte metodológico descritivo, crítico e qualitativo, já que é um estudo de nível teórico, cuja fonte de dados está baseada em livros, periódicos, artigos científicos, sites especializados, legislações e jurisprudências. Refletiu-se sobre o ativismo dos magistrados em impor uma pseudoneutralidade política dentro das universidades, gerando efeitos perversos, similares ao status de censura, além de colocar em xeque políticas públicas estrategicamente pensadas para efetivar garantias e direitos fundamentais.

Palavras-chave: Políticas Públicas Educacional. Autonomia Didático-Científica. Ativismo Judicial.

1 Vânia de Fátima Martino. Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Mestra em História do Brasil Colonial e Licenciada em História pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>.2 Santiago Castigio e Monteiro. Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Especialista em Direito Educacional pelo Claretiano – Centro Universitário. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-mail: <[email protected]>.

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Didactic-Scientific Autonomy of the Brazilian Universities and Judicial Control: The Case of Popular Action n. 0035410-58.2013.4.01.3700 impetrated in the Federal Court of Maranhão/Brazil

Vânia de Fátima MARTINOSantiago Castigio e MONTEIRO

Abstract: This article consists in the study of the Popular Action n. 0035410-58.2013.4.01.3700, impetrated in the Federal Court of Maranhão/Brazil, which has been discussing, since 2013, the suspension of research and extension activities of the Center for the Dissemination of Communism (CDC), linked to the Federal University of Ouro Preto (UFOP). Our focus is to problematize the didactic-scientific autonomy of Brazilian universities, as touted in our legal system, and the role of the Judiciary in the control of possible “ideological promotions” within educational environments. For that, a descriptive, critical and qualitative methodological input is used, since it is a theoretical study whose data source is based on books, periodicals, scientific articles, specialized websites, laws and jurisprudence. The activism of the magistrates was reflected in imposing political pseudo-neutrality within the universities, generating perverse effects similar to censorship status, as well as putting in check public policies strategically designed to guarantee fundamental rights and guarantees.

Keywords: Educational Public Policies. Didactic-Scientific Autonomy. Judicial Activism.

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1. INTRODUÇÃO

O objetivo geral deste trabalho foi realizar um estudo de caso da ação popular n. 0035410-58.2013.4.01.3700, impetrada na Jus-tiça Federal – 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão (SJMA). Buscou-se, dessa forma, compreender e aprofundar os estudos no ramo do Direito Educacional, verificando na doutrina a problemá-tica da autonomia didático-científica das universidades brasileiras, apregoada em nossa Constituição Federal de 1988 e na LDB de 1996. Ressalta-se ainda nosso propósito em analisar o papel do Po-der Judiciário no controle dessa autonomia supramencionada.

[...] No estudo de caso se realiza um estudo intensivo de uma decisão, um grupo de decisões ou uma questão-pro-blema jurídica determinada, por meio da exploração da maior quantidade de variáveis nela envolvidas, numa pers-pectiva de múltiplas variáveis de um evento ou situação única, chamado de “caso”. O objetivo do estudo de caso é que o pesquisador adquira compreensão mais acurada sobre as circunstâncias que determinaram a ocorrência do determinado resultado, apreendendo as complexidades en-volvidas na situação. Nesse caso, em vez de utilizar uma metodologia rígida, com um protocolo fixo e determinado, o estudo de caso pressupõe certa autonomia na construção da narrativa e da estrutura de exposição do problema. O estudo de caso pressupõe que o conhecimento indutivo a partir da prática é tão válido quanto o conhecimento te-órico constituído a partir de conceitos gerais (FREITAS FILHO; LIMA, 2010, [n.p.]).

Para tanto, fez-se o uso das técnicas de revisão bibliográfica, em livros, periódicos, artigos científicos, sites especializados, le-gislações e jurisprudências, buscando apresentar algumas perspec-tivas teóricas sobre o assunto.

É imprescindível deixar registrado que as ideias apresentadas no presente artigo têm por escopo instigar os debates na proble-mática da judicialização da autonomia de pensamento dentro do âmbito das políticas educacionais.

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2. DESENVOLVIMENTO

Atualmente, há uma necessidade premente de pensarmos o ativismo judicial na esfera da autonomia didático-científica das universidades. O presente estudo de caso possibilitará algumas reflexões teóricas acerca da temática, bem como sua análise por-menorizada e crítica poderá dar indícios de lucidez, ou ao menos promover debates quanto à onda crescente do suposto combate às “ideologias pedagógicas” (MIGUEL, 2015, [n.p.]) existentes no sistema educacional brasileiro.

O caso da ação popular n. 0035410-58.2013.4.01.3700

Em 27 de agosto de 2014, pela 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão (SJMA) da Justiça Federal, foi proferida decisão favorável em ação popular (0035410-58.2013.4.01.3700), movida contra a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), no sentido de anular as atividades realizadas pelo Centro de Difusão do Comunismo (CDC), grupo dedicado, conforme site institucional (MAYER, 2013, [n.p.]): a “Lutar por uma sociedade para além do capital!”, bem como articular “[...] suas ações em dois projetos e dois cursos de extensão”, contando com “[...] a participação de 20 bolsistas e vários estudantes”. Os projetos e cursos referenciados são a “Liga dos Comunistas – Núcleo de Estudos Marxistas”3, o “Curso Relações Sociais na Ordem do Capital”4, a “Equipe Rosa

3 Objetivo: “Ser um núcleo de estudo e pesquisa sobre o movimento do real, referenciado à teoria social de Marx e à tradição marxista”. Disponível em: <http://www.proex.ufop.br/index.php/categoria-em-lista/98-programas/centro-de-difusao-do-comunismo/259-liga-dos-comunistas-nucleo-de-estudos-marxistas>. Acesso em: 27 mar. 2017. Interessante verificar que o grupo se encontra atualmente cadastrado e certificado no CNPq, tendo por escopo: “Liga dos Comunistas – Núcleo de Estudos Marxistas tem por objetivo ser um núcleo de estudo e pesquisa referenciado à teoria social de Marx e à produção teórica da tradição marxista. Pretende criar e consolidar um grupo de estudo, realizar pesquisas, atividades acadêmicas e publicações científicas que rastreiem a seguinte linha de pesquisa: A sociedade na ordem contemporânea do capital e o debate sobre o modo de produção comunista”. Disponível em: <http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5569358178690916>. Acesso em: 27 mar. 2017.4 Objetivo: “Oferecer uma formação quanto às categorias centrais da teoria social de Marx”. Disponível em: <http://www.proex.ufop.br/index.php/categoria-em-lista/98-programas/centro-de-difusao-do-comunismo/257-curso-relacoes-sociais-na-ordem-do-capital>. Acesso em: 27 mar. 2017.

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Luxemburgo”5 e o curso “Mineração, exploração dos trabalhadores e do meio ambiente na região da UFOP”6.

Em 13 de agosto de 2013, o magistrado do caso entendeu, em fase liminar, que o pedido de urgência era procedente, uma vez que o periculum in mora e o fumus boni iuris7 estavam configurados, in verbis:

[…] a Administração não pode disponibilizar bens públi-cos para a difusão de doutrinas político-partidárias, por mais relevantes que o sejam historicamente; esta disponi-bilização – que se coloca sob o signo concreto de difusão – se mostra acintosa ao princípio da moralidade adminis-trativa, pois favorece a militância política anticapitalista em detrimento de outras militâncias existentes na socieda-de brasileira. Presença, nesses pontos, da verossimilhança da alegação. Ocorrência também, e com mais veemência ainda, do perigo de dano, seja por decorrência da própria natureza da ação popular – que autoriza a concessão de liminar para suspender o ato lesivo impugnado (LAP 5º §4º), quando presente a verossimilhança da alegação –, seja pela evidente possibilidade de se perpetuarem ad in-finitum os prejuízos causados à coletividade e ao Erário com a manutenção das ilegalidades perpetradas pelos réus (BRASIL, 2013b, p. 87, grifo do autor).

A decisão liminar (BRASIL, 2013b, p. 88) acabou por sus-pender os pagamentos destinados ao programa sub judice e impôs aos réus a ampla divulgação da decisão liminar, sendo afastado o pedido de multa diária, uma vez que não houve nenhum ato de in-subordinação pelos demandados.

Em 12 de setembro de 2013, foi distribuído para a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) o Agravo de Instrumento da Ré (A.I. 0055049-07.2013.4.01.0000/MA), com o 5 Objetivo: “Ser um grupo de debate e militância política anticapitalista, com especial apoio ao movimento dos trabalhadores da mineração na região e às lutas próprias à educação na UFOP”. Disponível em: <http://www.proex.ufop.br/index.php/categoria-em-lista/98-programas/centro-de-difusao-do-comunismo/258-equipe-rosa-luxemburgo>. Acesso em: 27 mar. 2017.6 Objetivo: “Oferecer o curso de extensão ‘Mineração, exploração dos trabalhadores e do meio ambiente na região da UFOP’ em articulação com o Sindicato Metabase Inconfidentes – Mariana, MG”. Disponível em: <http://www.proex.ufop.br/index.php/categoria-em-lista/98-programas/centro-de-difusao-do-comunismo/256-curso-mineracao-exploracao-dos-trabalhadores-e-do-meio-ambiente-na-regiao-da-ufop>. Acesso em: 27 mar. 2017.7 Sobre os requisitos para a concessão da tutela cautelar cf. (KERN, 2013, [n.p.]).

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intuito de se reverter essa decisão liminar. Porém, por conta do tem-po da oferta da resposta do agravado e da decisão do relator, esta proferida em 7 de outubro de 2014, o processo originário já havia sido julgado em definitivo, em 27 de agosto de 2014, fazendo com que ocorresse a “perda do objeto do presente agravo” (BRASIL, 2014b, p. 1).

Na fase final da primeira instância, foi proferida sentença fa-vorável ao autor, em que o magistrado manteve a decisão liminar, uma vez que não houve durante o processo “qualquer motivação do quadro fático” (BRASIL, 2014a, p. 3). A fundamentação da deci-são ampara-se nos princípios da legalidade e moralidade adminis-trativa, somadas ao art. 73, I, da Lei 9.504/97, art. 377, caput, do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), art. 37, caput, e art. 206, III, da Constituição Federal e art. 3º, III e IV, da LDB. Interessante per-ceber que a questão foi tida somente como de direito, cf. art. 330, I, CPC de 1973 – Lei 5.869/73 (BRASIL, 1973, [n.p.]), ou seja, não houve, por exemplo, a oitiva de testemunha para verificar se as atividades do réu realmente tinham um cunho exclusivamente político-partidário. A decisão entendeu, ainda, que caberia ao ad-vogado autor a quantia de trinta mil reais a título de honorários, a serem pagos pela parte ré.

Em relação aos honorários de advogado, registre-se que os esforços do advogado em caso como o ora examinado ostentam (i) feição cívica, vez que, a par de (ii) manejar ação popular com o evidente propósito de restaurar as ga-rantias jurídico constitucionais da legalidade, da morali-dade administrativa e isonomia, (iii) contribui para o apri-moramento do Estado Democrático de Direito, fazendo-o através da (iv) defesa de tese que reclama profundos e so-fisticados conhecimentos jurídicos […] (BRASIL, 2014a, p. 9).

Atualmente, a referida ação popular encontra-se em fase re-cursal na instância superiora, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, aguardando manifestação do relator acerca do parecer juntado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 01 de outubro de 2015.

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A autonomia didático-científica das universidades

Nossa Constituição Federal versa, em seu art. 207, caput, que “As universidades gozam de autonomia didático-científica, ad-ministrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988, [n.p.]). Aliam-se a esse dispositivo os artigos 5º, IX, e 206, II, ambos, também, de nossa Carta Magna, que preconi-zam, respectivamente, que “[...] é livre a expressão da atividade in-telectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e que o ensino é baseado no princípio da “li-berdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (BRASIL, 1988, [n.p.]). Assim sendo, conforme en-tendimento de Uadi Lammêgo Bulos (2015, p. 1593, grifo nosso):

[…] as universidades têm autonomia para criar cursos, or-ganizar simpósios, fazer vestibulares, elaborar currículos e programas de fomento à cultura, à ciência e à tecnolo-gia, sem necessidade de qualquer autorização do Conselho Federal de Educação, desde que respeitadas as leis, bem como as resoluções administrativas do próprio Conselho. Trata-se da liberdade de ensinar, pesquisar, falar e trans-mitir conhecimentos, que não podem sofrer restrições (Art. 206, II).

Dessa maneira, percebe-se que o art. 207 da Constituição Fe-deral de 1988 “[...] enquadra-se na categoria de norma garantidora de direito, o que significa que não necessita de nenhum elemen-to futuro para concretizar seus efeitos” (BAGGIO, 2007, p. 4), ou seja, trata-se de uma norma de eficácia plena, conforme classifica José Afonso da Silva (1998 apud AZEVEDO, 2012, [n.p.]).

Complementarmente ao dispositivo constitucional supramen-cionado, há a previsão no art. 53 das Diretrizes e Base da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96) de um rol de matérias que serão abarca-das pela garantia de autonomia tutelada às universidades, vejamos:

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atri-buições:

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I – criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e pro-gramas de educação superior previstos nesta Lei, obede-cendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;

II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, obser-vadas as diretrizes gerais pertinentes;

III – estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão;

IV – fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio;

V – elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;

VI – conferir graus, diplomas e outros títulos;

VII – firmar contratos, acordos e convênios;

VIII – aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dis-positivos institucionais;

IX – administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;

X – receber subvenções, doações, heranças, legados e coo-peração financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.

Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-cien-tífica das universidades, caberá aos seus colegiados de en-sino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:

I – criação, expansão, modificação e extinção de cursos;

II – ampliação e diminuição de vagas;

III – elaboração da programação dos cursos;

IV – programação das pesquisas e das atividades de ex-tensão;

V – contratação e dispensa de professores;

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VI – planos de carreira docente (BRASIL, 1996, grifo nos-so8).

Entendemos que tal rol deva ser interpretado de forma exem-plificativa e não taxativa, uma vez que o próprio caput do dispo-sitivo apresenta os termos “sem prejuízos de outras” e, também, porque a previsão de uma interpretação restritiva da autonomia pre-vista no art. 206 da CF/88 poderia incorrer em possível inconstitu-cionalidade, haja vista que eventuais emendas constitucionais de-vem respeitar os ritos estipulados no art. 60 de nossa carta magna.

Há, ainda nessa seara, o compromisso público firmado no atual Plano Nacional de Educação (PNE), conforme estratégia 7 da meta 19, de “[...] favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensi-no” (BRASIL, 2014c, [n.p.]).

Diante do estudo de Marília Fonseca (2008), percebe-se que as políticas públicas em educação estão inevitavelmente permeadas de vieses. Por mais que se fale em uma política de Estado e não de Governo, somente no campo da idealização podemos pensar o agente público enquanto um ser neutro em suas atividades.

[...] leva-se em conta que a ação educativa não é mero re-flexo dos planos oficiais. Primeiro, porque a política edu-cacional é condicionada por fatores externos ao governo central de um país, entre eles, a autodeterminação dos entes federados (estados e municípios); as demandas for-jadas no campo da economia e do mercado de trabalho e as que provêm da mobilização de setores reivindicativos da sociedade. Leva-se, ainda, em conta que as metas fixa-das em planos de longo prazo nem sempre se sustentam no decorrer do tempo, o que demanda modificações e adap-tações. Não obstante essas ressalvas, a decisão de centrar a presente análise nos planos justifica-se pelo fato de que estes expressam os marcos ideológicos que orientam a po-lítica educacional de cada governo. Estes determinam as prioridades do financiamento governamental, as quais, por sua vez, podem influenciar as decisões em diferentes esfe-ras administrativas do sistema. Os planos, portanto, fixam valores e diretrizes que devem ser conhecidos e debatidos

8 Observe que os grifos fazem referência aos aspectos da autonomia que foram questionados na ação popular que ora está sendo analisada, qual seja, a autonomia em fixar os programas de extensão desenvolvidos pela unidade educacional.

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em todas as instâncias responsáveis pela ação educativa e, obrigatoriamente, com a participação direta dos profissio-nais da escola (FONSECA, 2008, p. 155).

Por outro lado, isso não significa que a atuação do poder público pode ser arbitrária e desconexa com os preceitos da legalidade. Na doutrina, existe o entendimento de que a autonomia é uma “[...] condição inerente à existência da universidade enquanto instituição social voltada ao ensino, à pesquisa e à extensão de serviços à comunidade” (RANIERI, 1994, p. 61).

Nina Ranieri (1994) identifica que essa autonomia não se dá de forma absoluta, uma vez que deve ser empregada de maneira eficiente e contextualizada com os referenciais socioculturais, econômicos e políticos da sociedade em que se insere a instituição de ensino superior. Tal relatividade, porém, não significa que o controle externo deva ser realizado de forma desenfreada, mas sim feito consoante a legislação e respeitados os princípios da administração pública. Nesse sentido, Uadi Bulos (2015, p. 1592, grifo nosso) manifesta que:

[…] cada centro universitário se autogoverna, administra--se, organiza seu ensino, seus cursos, programas, pes-quisas, atividades culturais, artísticas e de extensão, sem ingerências externas, o que não significa eximir-se das avaliações periódicas do Ministério da Educação.

Quanto ao mencionado respeito aos princípios da administração pública, percebemos na fala de Roberta Camineiro Baggio (2007, p. 17, grifo nosso) que a relativização da autonomia se deve, também, à necessidade de os fins da atividade universitária se destinarem ao bem comum; vejamos:

[…] é dever do Estado o estabelecimento de limites ao exercício da autonomia das universidades que as colo-quem como instituições promotoras dos valores e funda-mentos que balizam a construção democrática de nosso país. Como instituições de ensino, devem ser as primeiras a fomentar a inclusão social, a cidadania, a elaboração de pesquisas que contribuam para a erradicação da po-breza, valorização e efetivação dos direitos fundamentais e tantos outros objetivos que se colocam como os desafios

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presentes para a construção futura de uma nação livre, justa, solidária e democrática.

A referida vinculação da autonomia universitária aos princí-pios da administração pública legitima, logicamente, a apreciação de possíveis irregularidades pelo Poder Judiciário, mesmo porque nossa Constituição Federal prevê, em seu art. 5º, inc. XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” (BRASIL, 1988, [n.p.]). Esse foi o caso da ADPF9 45/DF, em que se discutiu o deficit público na oferta de creches em face do argumento da reserva do possível.

Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em es-fera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional (BRASIL, 2004b, [n.p.], grifo nosso).

Conforme observa Saul Tourinho Leal (2008), nessa ADPF o Ministro Celso de Mello abriu precedente para que o Poder Ju-diciário pudesse intervir na implementação de políticas públicas, mas somente quando “[...] os órgãos estatais competentes descum-prirem os encargos político-jurídicos, de modo a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional” (LEAL, 2008, p. 131). Ou seja, o ativismo judicial não é prática ilícita, ao contrário, mesmo em situações em que a administração pública age dentro de seu juízo de oportunidade e conveniência há a possibilidade de o Poder Judiciário intervir, mas para tanto deve haver ameaça ou le-são a direito ou garantia fundamental. Fato que nos leva a indagar: será que os argumentos apresentados na ação popular n. 0035410-58.2013.4.01.3700 seriam suficientes para justificar a intervenção nas atividades de ensino, pesquisa e extensão de uma universidade?

No presente estudo, a imperatividade trazida pela CF/88, a LDB/96 e o PNE, como vimos, acaba por vincular as políticas pú-blicas educacionais e, também, o Judiciário a atuar de maneira a respeitar as diretrizes normativamente estabelecidas para reger a

9 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

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educação formal no Brasil. Também a carta constitucional estipula que é vedado aos juízes “dedicar-se à atividade político-partidária”, cf. art. 95, p. ún., III, CF/88 (BRASIL, 1988, [n.p.]), e suas decisões devem pautar-se nos princípios processuais constitucionais, com destaque para as garantias da ampla defesa e do contraditório, cf. art. 5º, LV, CF/88 (BRASIL, 1988, [n.p.]), a necessidade de moti-vação das decisões, cf. art. 93, IX, CF/88 (BRASIL, 1988, [n.p.]), e o respeito a isonomia das partes, cf. art. 5º, caput, CF/88 (BRASIL, 1988, [n.p.]). Tais dispositivos buscam garantir um maior controle das decisões que, por venturam, venham a direcionar-se em defen-der interesses particulares ou suprimir a “paridade de armas” entre as partes. Ainda devemos ressalvar a importância das matérias con-cernentes à produção probatória, pois é imprescindível a inadmissi-bilidade de provas ilícitas, cf. art. 5º, LVI, CF/88 (BRASIL, 1988, [n.p.]), e fundamental que ônus da prova seja respeitado, cf. art. 373 do CPC – Lei 13.105/15 (BRASIL, 2015a, [n.p.]).

Sendo assim, devemos levar em conta que a positivação do direito de autonomia didático-pedagógica das universidades cami-nha no sentido de tutelar a liberdade e pluralidade de pensamento, uma vez que o saber e a sociedade são compostos por matizes das mais variadas espécies. Tal prerrogativa de autonomia é fundamen-tal para pensarmos a possibilidade de uma construção crítica do conhecimento, haja vista que historicamente a produção do pensa-mento se deu e se dá de maneira engessada.

O principal óbice que se coloca às universidades, no cum-primento de sua missão constitucional, é o enraizamento de uma tradição histórica burocratizada constituída em meio a cenários de centralização e regime autoritário, que não proporcionou o desenvolvimento de uma trajetória acadêmica voltada à liberdade de pensamento ou à realiza-ção de demandas da sociedade. No contexto da perspectiva didático-pedagógica, essa dificuldade é nítida quando tra-vamos o debate do conteúdo curricular. Se considerarmos o contexto constitucional da consagração da autonomia e a velocidade de transformações em sociedade que im-põem um novo ritmo de demandas sociais e científicas às universidades, jamais poderíamos pensar na manutenção de uma estrutura curricular fechada e tradicional como a que ainda temos hoje (BAGGIO, 2007, p. 17, grifo nosso).

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Do mérito da ação popular n. 0035410-58.2013.4.01.3700

Achamos pertinente fazer algumas observações quanto ao mérito da ação ora analisada, principalmente com o intuito de pro-mover o debate e nunca com o intuito de desmerecer ou desrespei-tar as partes envolvidas no processo.

Primeiramente, é coerente abordarmos o princípio da lega-lidade e da moralidade administrativa, uma vez que esses foram um dos argumentos fundantes para o deferimento do pedido ini-cial. Quanto ao primeiro, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 19), “Significa que toda e qualquer atividade administra-tiva deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita”. Nesse sentido, sentimos falta, na decisão liminar e na sentença, de menção ou oportunidade de defesa dos órgãos que acabaram por aprovar os pedidos de bolsas e recursos destinados ao projeto réu. Afinal, o que teria a dizer o CNPq ou a PROEX quanto ao juízo de admissibilidade do mérito do projeto Centro de Difusão do Comu-nismo?

Nos Estados Unidos, conforme relata Ronald Dworkin (2005), o caso Regentes da Universidade da Califórnia contra Allan Bakke foi paradigmático ao discutir a questão das cotas raciais para in-gresso no Ensino Superior. Esse caso tratou de interesses educacio-nais que extrapolavam as partes diretamente envolvidas nos polos processuais. Na época, houve o uso de instrumento processual, o amicus curiae, para garantir a participação de outras universida-des interessadas em preservar sua autonomia administrativa, como Harvard.

Portanto, a questão constitucional levantada por Bakke é de importância capital para a educação de nível superior nos Estados Unidos, e um grande número de universidades e escolas deu entrada em mandatos amicus curiae instan-do o Tribunal para que modificasse a decisão californiana. Elas acreditam que se não forem livres para usar critérios raciais explícitos em seus programas de admissão, serão incapazes de cumprir o que consideram ser suas respon-sabilidades para com a nação (DWORKIN, 2005, p. 438).

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Diante do caso Bakke, questionamo-nos sobre a passividade das partes e do juízo brasileiro em fazer uso dos instrumentos pro-cessuais presentes em nosso ordenamento jurídico, que garante a intervenção de terceiros10 como forma de preservar o contraditório e a ampla defesa. Destaque para o litisconsórcio necessário, cf. art. 114, NCPC (BRASIL, 2015a, [n.p.]), a assistência litisconsorcial, cf. art. 124, NCPC (Ibidem, [n.p.]), e o amicus curiae, cf. art. 138, NCPC (BRASIL, 2015a, [n.p.]).

Ainda conforme art. 206 da CF/88 e art. 53 da LDB, parece--nos que estamos diante de uma situação em que a administração pública age com poder discricionário e não vinculado, o que por consequência afastaria, ao menos, a decisão liminar, já que a de-cisão do Judiciário sobre o mérito importaria na oitiva dos órgãos supramencionados. Nesse aspecto, a limitação da ação como sendo apenas de direito nos soou estranha, pois aparentemente há o inte-resse probatório da administração pública em demonstrar que agiu dentro da legalidade e da moralidade. Vale observar que a decisão se pauta na definição de moralidade consoante o entendimento da Ministra Carmen Lúcia (apud BRASIL, 2013b, p. 7, grifo nosso): “[...] segundo o qual o Estado define o desempenho da função ad-ministrativa segundo uma ordem ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização de seus fins”. A parte grifada da definição acaba por deixar o princípio da moralidade muito aberto a interpretações subjetivas. Ademais, o que seriam os valores sociais prevalentes? Agora, a parte que define a moralidade como a ordem ética voltada aos fins do Estado parece mais razo-ável para fazermos um juízo quanto a um ato administrativo ser moral ou não. Assim sendo, moral seria o ato destinado a realizar de forma ética os fins do Estado. O problema aqui é identificarmos que a cassação do Centro de Difusão do Comunismo baseou-se no fato de a administração “disponibilizar bens públicos para a difusão de doutrinas político-partidárias” (BRASIL, 2013b, p. 7), uma vez que a difusão do comunismo, pelo que aparece nas descrições das atividades dos projetos e pelo que consta nas decisões, consiste na difusão das teorias marxistas.

10 Sobre a intervenção de terceiros cf. (LEITE, 2016, [n.p.]).

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Desse raciocínio, algumas indagações são inevitáveis. Por que o termo “difusão” foi interpretado como promoção de uma ideolo-gia político-partidária e não como a divulgação do conhecimento? Não seria o caso de se garantir o acesso à informação? Ainda, não seria exagerada a afirmação de os prejuízos causados à coletividade e ao erário se perpetuarem ad infinitum de forma irreversível? O público do projeto seria manipulável de forma tão passiva? Haveria um determinismo irresistível e acrítico pelas ideias comunistas? O que dizermos então da publicidade ao promover o consumo? Ora, é possível idealizar que a difusão do marxismo guardaria obrigatorie-dade de cunho partidário? O fato de existir partidos intitulados com a nomenclatura “comunismo” ou que façam uso de símbolos como a foice e martelo vinculam que qualquer prática de pensamento seja partidária? Será que os MBAs dos cursos empresariais poderiam ser, dentro dessa lógica, considerados partidários dos grupos libe-rais, por estimulares seus frequentadores a gerirem de forma mais “eficiente” o capital financeiro? Ou melhor, seria possível pensar-mos qualquer ato humano que esteja destituído de um viés político ou partidário? Essa pretensa neutralidade seria possível dentro do âmbito público? Se sim, como ficariam o caso das políticas públi-cas afirmativas? Seriam elas todas ilegais e imorais, já que feririam a suposta liberdade meritocrática? Ao que parece, para o autor da causa em tela, a resposta seria afirmativa, haja vista que ele pro-moveu outras ações judiciais que visavam suprimir tais políticas afirmativas e pautadas no princípio da isonomia, como é o caso, por exemplo, da petição (ação popular n. 0800538-67.2015.8.10.0001 – Vara de interesses difusos e coletivos – TJMA) contrária à criação do Conselho Estadual dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Maranhão, criado pelo governador Flá-vio Dino (PCdoB), ou do caso do pedido de nulidade (ação popular n. 0011734-81.2013.4.01.3700 – 5ª Vara SJMA) dos concursos cul-turais promovidos pelo Ministério da Cultura para pessoas negras, implementada pela então Ministra Marta Suplicy (PT).

Acreditamos que flexibilizar o direito de autonomia didático--científica das universidades, com base no fato de teorias contra--hegemônicas guardarem proximidade com as práticas políticas dos movimentos sociais, caminha no sentido oposto da proposta de

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pensarmos uma universidade aberta ao seu entorno e não fechada em si mesma. Desprezar a realidade fática colocaria em xeque a própria ideia de extensão universitária, que, segundo nossa carta magna, em seu art. 207, caput, prega a indissociabilidade entre en-sino, pesquisa e extensão, bem como a LDB, no art. 43, VII, que firma que uma das finalidades do Ensino Superior é “[...] promo-ver a extensão, aberta à participação da população, visando à difu-são das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição” (BRASIL, 1996, [n.p.]).

Entendemos haver uma interpretação equivocada do art. 1º, V, da CF/88, pois o pluralismo político não pode ser mensurado em cada ato praticado isoladamente pela universidade, mas sim em sua complexidade. A ausência de pluralismo seria não existir o direi-to de resposta ou a impossibilidade de se pensar livremente sobre determinado objeto. Os princípios da autonomia universitária e da moralidade administrativa não parecem conflitantes; parece-nos, sim, que uma universidade que tenha sua autonomia mitigada por discurso de neutralidade não agiria dentro da moralidade e nem dentro da legalidade, ou seja, a moralidade presente na finalidade das instituições de Ensino Superior é exatamente serem livres no exercício de seus pensamentos, preservados sempre os direitos de contraditório e ampla defesa, afinal, o conhecimento se constrói com diálogo e não com discursos unilateralmente estabelecidos.

Dentro do caso em tela e diante do material a que tivemos acesso, temos dificuldade de perceber como o exercício do Centro de Difusão do Comunismo pode gerar uma mitigação do discurso contrário. Parece-nos, ainda, que práticas como as desenvolvidas pelo Centro de Difusão do Comunismo acabam por contribuir para o diálogo que foge ao óbvio de uma formação “bancária”, voltada meramente para a aquisição de conhecimentos técnicos e para o mercado de trabalho.

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O ativismo judicial e a construção ideológica da neutralidade do Direito

Assim sendo, percebe-se no Brasil atual uma onda crescen-te de conservadorismo quanto aos propósitos do ensino, principal-mente pela tentativa de se barrar qualquer posicionamento peda-gógico que seja contracorrente do pensamento liberal dominante, vide o “Movimento escola sem partido”, encabeçado por Alexandre Frota e o grupo intitulado “Revoltados On Line”, e o PL 5358/2016, proposto pelo Deputado Federal Eduardo Bolsonaro. Evidencia-se, na prática, uma disputa ideológica pelos espaços escolares, o que acaba por transparecer ainda mais o conflito de interesses que per-meiam a sociedade brasileira.

Afinal, seriam essas disputas motivo suficiente para legi-timar o ativismo judicial, a ponto de flexibilizar o direito fixado pelo constituinte no art. 206? Tendemos a ver tais manifestações judiciais com certa suspeita e acabamos por nos aproximar do pen-samento de Lênio Streck, naquilo que se refere ao livre convenci-mento desregulado dos magistrados e ao descrédito da sociedade na instância judicial, vejamos:

Os juízes (e a doutrina também é culpada), que agora de-veriam aplicar a Constituição e fazer filtragem das leis ruins, quer dizer, aquelas inconstitucionais, passaram a achar que sabiam mais do que o constituinte. Saímos, assim, de uma estagnação para um ativismo, entendido como a substituição do Direito por juízos subjetivos do julgador. Além disso, caímos em uma espécie de pan-prin-cipiologismo, isto é, quando não concordamos com a lei ou com a Constituição, construímos um princípio. […] A era dos princípios não veio para transformar o Direito em um império de decisões baseadas na consciência individu-al de cada julgador. Princípios têm a função de resgatar o mundo prático no Direito. Por outro lado, decisionismos e/ou ativismos não são bons para a democracia (STRECK, 2009, [n.p.], grifo nosso).

Hans Kelsen (1998) já nos alertou, em sua Teoria pura, sobre a importância de não confundirmos o Direito com as questões do dever ser, pois tal abordagem poderia incorrer em decisões arbitrá-

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rias e contrárias ao propósito de se garantir a segurança jurídica e os limites impostos pelo legislador.

Isto parece-nos algo de per si evidente. Porém, um relance de olhos sobre a ciência jurídica tradicional, tal como se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX, mostra clara-mente quão longe ela está de satisfazer à exigência da pu-reza. De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão pode porventura explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem a obje-tos que indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os li-mites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto (KELSEN, 1998, p. 1-2, grifo nosso).

No mesmo sentido, Norberto Bobbio (2001, p. 62) tenta afas-tar o ideário da corrente realista, que acaba por aproximar o Direito de uma abordagem sociológica, cabendo ao juiz interpretar os fatos e valorar a solução mais acertada para a contenda. É o que Bobbio (2001, p. 68) chamou de “direito judiciário” ou “juiz legislador”, situação na qual a norma só terá validade quando o juiz aplicá-la, ou seja, cabe a ele dizer o que é o Direito. Complementarmente a essa ideia:

[...] o desconhecimento crescente, por parte dos leigos, de um direito cada vez mais repleto de conteúdos técnicos – isto é, a especialização do direito, e a crescente tendência a considerar o direito vigente um aparato técnico com con-teúdo desprovido de toda santidade racional e, por isso, modificável a cada momento, conforme fins racionais […] (WEBER, 1999, p. 153).

Podemos depreender da leitura de Max Weber que há uma onda de flexibilizar o Direito pela tecnicização, ou seja, há uma ra-cionalização arquitetada pelos grupos não leigos, com a finalidade de preservar suas garantias e interesses dentro do corpo social.

Dentro dessa lógica relativista do Direito, podemos perceber que existe uma tentativa bastante incisiva de se restringir a auto-

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nomia universitária dentro de uma perspectiva isenta de ideologia, porém tal neutralização somente seria possível no campo do ima-ginário, pois, na prática, a despolitização da vida torna-se tarefa impossível, já que o humano está embebido de valores morais e subjetivos. Em contraposição, o Estado, por meio de Judiciário, ao monopolizar a jurisdição, acaba por assumir uma responsabilidade de decidir as demandas de forma a preservar o Estado Democrático de Direito, o que significa dizer que sua prática deve ser focada em pacificar e não tornar a existência cotidiana mais conflituosa, agra-vando as desigualdades sociais.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A existência da autonomia didático-científica no ordenamen-to pátrio não garante que ela não seja flexibilizada ou até mesmo suprimida, como foi o caso do Centro de Difusão do Comunismo. É imprescindível pensarmos a atuação do Poder Judiciário dentro da sociedade brasileira contemporânea, pois o ativismo dos magis-trados, em tentar garantir uma neutralidade ideológica dentro das universidades, pode gerar efeitos perversos, similares ao status de censura, além de colocar em xeque políticas públicas estrategica-mente pensadas para efetivar garantias e direitos fundamentais.

Por fim, mas não menos importante, é salutar reiterar a im-portância dos conhecimentos proferidos pela vertente do Direito Educacional, uma vez que esta se dedica a melhor instrumentalizar os operadores jurídicos na formulação, implementação e fiscaliza-ção das políticas públicas educacionais.

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Uma leitura reflexiva da proposta curricular do estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologias

Genaro Alvarenga FONSECA1 Paulo Roberto Martins RIBEIRO2

Resumo: Este artigo advém de uma pesquisa para a elaboração de uma dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da UNESP, campus de Franca, com intuito de analisar as práticas pedagógicas dentro da Proposta Curricular do estado de São Paulo. O objeto do estudo foram, especificamente, os Cadernos do Aluno propostos para o 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, da rede pública estadual no estado de São Paulo. Para tanto, investigaram-se a metodologia e os conteúdos em sala de aula como um instrumento motivador ou desmotivador. Concomitantemente, indagou-se sobre outros procedimentos que dinamizam a prática pedagógica da sala de aula, como possibilidade de ampliar as perspectivas didáticas a fim de elucidarem os conteúdos com clareza, compreensão e consolidação de conceitos estruturantes do processo histórico na articulação da teoria e prática. As pesquisas também possibilitaram a reflexão sobre o modelo de gestão pública estadual a partir da análise da implantação de uma proposta curricular como uma forma de conservação das desigualdades sociais, dado o fato de a própria ingenuidade do material didático não permitir aos alunos construírem conhecimentos de natureza reflexiva.

Palavras-chave: Políticas Públicas. Ensino de História. Material Didático.

1 Genaro Alvarenga Fonseca. Doutor em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Faculdade de Ciências e Letras (FCLAR), campus de Araraquara (SP). Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análises de Políticas Públicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Franca (SP). E-mail: <[email protected]>.2 Paulo Roberto Martins Ribeiro. Mestre em Planejamento e Análises de Políticas Públicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Franca (SP). Professor da rede pública de ensino do estado de São Paulo. E-mail: <[email protected]>.

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A reflective reading of the curricular proposal of the state of São Paulo: human sciences and their technologies

Genaro Alvarenga FONSECA Paulo Roberto Martins RIBEIRO

Abstract: This article comes from a research for the elaboration of a master’s dissertation in the Program in Planning and Analysis of Public Policy UNESP Franca, with the purpose of analyzing the pedagogical practices within the Curricular Proposal of the State of São Paulo. The purpose of this study was specifically the student’s books proposed for the 8th and 9th years of primary education, of the state public network in the state of São Paulo, for both the methodology and contents in the classroom were investigated as a motivating or demotivating Concomitantly, we inquired about other procedures that stimulate the pedagogical practice of the classroom and as a possibility to expand the didactic perspectives in order to elucidate the contents with clarity, understanding and consolidation of structuring concepts of the historical process in the articulation of theory and practice. The research also allowed the reflection on the state public management model from the analysis of the implementation of a curricular proposal as a way of preserving social inequalities, given the fact that the naivete of the didactic material itself does not allow the students to construct knowledge of reflective nature.

Keywords: Public Policy. History Teaching. Courseware.

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1. INTRODUÇÃO

“A função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer” (Peter Burke).

Este artigo apresenta algumas análises e avaliações sobre as políticas públicas do estado de São Paulo na área da educação a partir do modelo de gestão implementado pela Secretaria de Educa-ção após o ano de 2008. O modelo de análise não se resume apenas ao trabalho acadêmico; ele também segue as abordagens teóricas de avaliações de políticas públicas a partir dos pensamentos de Trevi-san e Bellen (2008) e Jannuzzi (2009). Outro aspecto desse estudo é a análise dos resultados após a implantação de uma proposta curri-cular de 2006 para toda a rede pública estadual de ensino, mediante os sistemas de avaliações oficiais e aplicação de avaliações diag-nósticas em uma unidade escolar da Diretoria de Ensino da cidade de Franca, especificamente na disciplina de História nos anos finais do Ensino Fundamental.

Em seu artigo intitulado “Desafios do planejamento em polí-ticas públicas: diferentes práticas e visões”, José Antônio Puppim de Oliveira (2006) busca fazer uma análise dos vários modos de se pensar o planejamento em políticas públicas, enfatizando países denominados em desenvolvimento, particularmente o Brasil. Para se estudar a implementação de políticas públicas, é preciso levar em conta não só o planejamento, mas também a cadeia de eventos e interações que surgem em sua execução para que se atinja a fina-lidade pretendida inicialmente. Para tanto, num primeiro momento, o autor destaca:

[...] que há a necessidade de romper com a ideia de um planejamento em políticas públicas puramente tecnicistas e defende que deve-se voltar o olhar – e a prática – para um planejamento onde se considere o processo de implemen-tação, pois [...] esta é que vai levar aos resultados finais das políticas, programas ou projetos (OLIVEIRA, 2006, p. 274).

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A educação serve como forma de controlar as disputas sociais e incrementar o sistema produtivo, ao se voltar para a função de fornecer mão de obra qualificada para o mercado. As funções so-ciais da educação podem ser sintetizadas em transmissão da cultura e conservação do sistema. Politicamente, seu papel é o de formar a classe administrativa; e economicamente, preparar o cidadão para o mundo do trabalho. Ou seja, ela está atrelada à legitimação do Estado burocrático e à transformação histórica do antigo Estado estamental, como consequência da consolidação do sistema produ-tivo capitalista.

Segundo o historiador e sociólogo Germán Rama, a educa-ção adapta-se às demandas sociais, privilegiando algumas das suas funções. Ainda que o acesso à escola não garanta a ascensão social, a estrutura cria demandas para a educação e possibilita mobilidade social. No entanto, o crescimento do acesso à educação é contradi-tório se levarmos em consideração as oportunidades limitadas que a sociedade designa aos indivíduos (SENETT, 2009).

2. ASPECTOS DA AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DA PROPOSTA CURRICULAR NO ESTADO DE SÃO PAULO

No passado, a educação institucionalizada não incluía toda a população e tinha função estritamente cultural e pedagógica. Na atualidade, para profissionalizar a sociedade, o papel delegado ao sistema educativo no processo de socialização determina uma maior dependência em relação aos aspectos sociais do poder. Isso resulta em um processo pedagógico que se estrutura ao redor de uma hierarquia que adquire algumas funções educativas, como no ensino técnico profissionalizante e nas carreiras administrativas e burocráticas.

A modernização social está, portanto, estritamente ligada ao processo de integração das massas, em que a multifuncionalidade dos sistemas educativos se organiza ao redor de uma função domi-nante, construída em razão da estrutura do poder, que estabelece

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pautas administrativas e prioridades para as atividades educativas (RAMA, 1977).

No estilo tradicional de educação, limita-se a reproduzir va-lores da classe dominante em paralelo ao processo de mobilidade social oriundo das mudanças estruturais sociais e econômicas, aos quais a própria educação se propõe – tanto em regimes capitalistas como nos comunistas –, conforme afirma Rama:

El estilo de modernización social es capaz de controlar las presiones en favor del cambio estructural manteniendo las relaciones de clases y de poder; [...] y transforma la mo-vilización social en expectativas de movilidad individual ascendente a través de la educación [...] (RAMA, 1977, p. 67).

Um exemplo de aprendizagem baseada nessas condições é uma proposta de trabalho da disciplina História que está contida no Caderno do Aluno do 8º ano do 3º bimestre, coincidindo com o tema dos livros didáticos sobre os movimentos sociais no século XIX, por meio do qual as correntes socialistas, comunistas e anar-quistas são apresentadas pela primeira vez aos alunos. Conceitos e acontecimentos extremamente importantes na sequência episte-mológica do desenvolvimento da sociedade moderna industrial na Europa são apresentados de forma sucinta, pouco aprofundada e descontextualizada. O caderno apresenta o conteúdo da seguinte forma:

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2

O GERMINAL E A INTERNACIONAL

Conteúdos e temas: trabalho; capital; movimento operário; revolução; socialismo; anarquismo; classes sociais; czaris-mo; ideologia; Associação Internacional de Trabalhadores.

Competências e habilidades: compreensão de texto, ca-pacidade de interpretar dados e informações contidos em textos literários e de relacionar essas informações entre si e com conceitos previamente aprendidos.

Sugestão de estratégias: análise de texto literário.

Sugestão de recursos: texto literário.

Sondagem e sensibilização

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Na proposição da atividade, é desejável que você inves-tigue os conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema. Peça que respondam, registrando no Caderno do Aluno: O que comemoramos no dia 1º de maio? E por que essa data foi escolhida para essa comemoração?

1ª etapa

Leia o trecho a seguir e procure identificar com os alunos os conceitos históricos necessários ao entendimento do texto literário. ZOLA, Émile. Germinal. Tradução e adap-tação Mônica Lungov Bugelli (SÃO PAULO, 2016, p. 37).

A apresentação de um pequeno texto de ficção de um filme não é o suficiente para o aluno entender o contexto dos fatos, as-similar os personagens e identificar conceitos. É necessária uma leitura prévia sobre as ideias e acontecimentos nesse período da história para que os alunos tenham noção do que se discute nessa situação de aprendizagem. Caso a Unidade Escolar não possua li-vro didático para esse contato com o tema, a abordagem apenas por meio da exibição de um filme e a leitura de diálogos aleatoriamente extraídos não serão suficientes para a compreensão do pensamen-to das correntes filosóficas e da conjuntura social daquela época. Ainda nessa sequência didática, propõe-se a seguinte atividade in-dividual:

1. Pesquise os significados dos seguintes termos ou ex-pressões que aparecem no texto: socialismo, czar, Associa-ção Internacional dos Trabalhadores, revolução. Registre suas conclusões.

2. Anote, ao lado dos nomes dos personagens a seguir, as informações contidas no texto a respeito de cada um deles, destacando o seu papel social.

3. Qual é a diferença entre as opiniões de Étienne e Suva-rin em relação à Internacional?

4. Segundo as sugestões do texto e seus estudos sobre os movimentos sociais e políticos na Europa no século XIX, é possível dizer que Suvarin seria um representante de quais ideias?

Avaliação da Situação de Aprendizagem

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Espera-se que os alunos percebam as diferenças entre os personagens. Durante a discussão proposta, deve ficar cla-ro que Étienne e Suvarin discordam a respeito da maneira de acabar com as injustiças sociais. Étienne crê na Interna-cional e nas propostas de Karl Marx, já Suvarin aproxima--se da proposta anarquista de Mikhail Bakunin. Com base em suas observações, você também pode verificar se o aluno:

• demonstrou percepção das características dos perso-nagens pela leitura em voz alta;

• participou da discussão coletiva;

• redigiu as conclusões da discussão coletiva de forma satisfatória (SÃO PAULO, 2016, p. 42).

Pode-se notar que as questões estão fora de contexto em re-lação ao texto dos diálogos dos personagens. Para o aluno, Karl Marx, Engels, Bakunin e czar são palavras nunca vistas antes. A realização da atividade fica totalmente dependente da resposta do professor, ou seja, o aluno fica sem autonomia alguma para cons-truir seu aprendizado, visto que o material dado ao aluno não con-tém informações suficientes para a elaboração do conhecimento proposto. Sobre a avaliação, segue a proposta abaixo:

Sugestão de avaliação: respostas dos alunos às questões propostas.

1. Entre as ideias políticas vigentes na Europa durante o século XIX estava o nacionalismo. Explique qual era a proposta defendida pelos nacionalistas.

2. Diferencie as propostas dos socialistas utópicos das pro-postas dos socialistas científicos para se alcançar o socia-lismo. O aluno deve identificar os socialistas utópicos.

Proposta de questões para a avaliação

1. As afirmações a seguir são referentes ao conceito de mais-valia.

I. Mais-valia é a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador.

II. O conceito de mais-valia foi criado no século XIX pelo alemão Karl Marx.

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III. No sistema capitalista avançado, não ocorre apropria-ção da mais-valia pelos proprietários dos meios de produ-ção, segundo os pensadores do socialismo científico (SÃO PAULO, 2016, p. 46).

Outro problema se refere ao fato de o conceito de mais-valia ser uma novidade assim como os de sistema capitalista avançado, meios de produção e socialismo científico. Mais uma vez, o aluno arrisca uma resposta e aguarda o colega ou o próprio professor re-passá-la, pois, como já foi dito, o material não fornece o manancial necessário para as próprias propostas que demanda. Continuando a análise da proposta de trabalho em sala de aula, há o seguinte:

Propostas de Situações de Recuperação

Proposta 1

Para a retomada dos conteúdos referentes ao tema, você pode sugerir aos alunos que façam a síntese de dois mo-vimentos revolucionários do século XIX: na França, em 1830, e na Inglaterra, em 1848. Indique a produção de um breve resumo a respeito de cada movimento, em que cons-tem os grupos sociais envolvidos, suas propostas e as con-sequências. Sugira aos alunos que realizem a pesquisa no próprio livro didático ou em livros de apoio e solicite que indiquem na síntese a bibliografia consultada.

Proposta 2

Outra possibilidade para a recuperação pode ser a elabo-ração de um pequeno dicionário conceitual sobre as dou-trinas sociais e políticas na Europa no século XIX. Peça aos alunos que definam os seguintes termos: ludismo, sin-dicalismo, liberalismo, nacionalismo, cartismo, socialismo e anarquismo. Sugira que realizem a pesquisa no próprio livro didático ou em livros de apoio, em enciclopédias e na internet. Recomende a eles que confrontem as informa-ções obtidas em mais de uma fonte e lembre-os de indicar a bibliografia consultada (SÃO PAULO, 2016, p. 56).

Somente na fase de recuperação é que a ideia de trabalhar os movimentos sociais do século XIX é proposta. Em termos práticos, os passos seriam: primeiro se faz, erra-se, e depois apresentam-se as informações. É desanimador para o aluno não conseguir achar

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as respostas para as questões se o professor utilizar apenas o Ca-derno do Aluno. Contudo, se é necessária a utilização de um livro didático, a indagação que se pode formular é sobre qual seria então a utilidade da cartilha, pois o livro didático traz subsídios e ativi-dades compensatórios em todo o processo a ser trabalhado dentro do tema. Podem-se verificar em qualquer material didático tais in-formações. Ou seja, para que então desperdiçar tempo (e dinheiro) com o Caderno do Aluno? Outro exemplo de equívoco encontrado no material pode ser visto dentro da mesma atividade proposta:

Recursos para ampliar a perspectiva do professor e do alu-no para a compreensão do tema: Filmes: Germinal. Dire-ção: Claude Berri. França, 1993. 158 min. 10 anos. Base-ado no romance de Émile Zola, trata de um movimento grevista entre trabalhadores carvoeiros na França, com base nas ideias do socialismo (SÃO PAULO, 2016, p. 57).

O erro didático nessa situação de aprendizagem é a propos-ta de exibição de um filme de ficção que é de difícil compreen-são para essa faixa etária (ainda mais por ser legendado), sem uma abordagem prévia e teórica. Além disso, há o tempo necessário de quatro aulas. Quem está distante da sala de aula não sabe que, para se utilizar a sala de vídeo, quando esta existe na Unidade Escolar, é preciso agendar, pois faltam equipamentos na maioria das esco-las da rede pública. É preciso considerar também que quatro aulas é muito tempo para a exibição de qualquer natureza. Além disso, a faixa etária do filme não condiz com a idade dos alunos do 8º ano (13 anos), pois esse material tem uma censura mínima de 14 anos, de acordo com a sinopse que acompanha as mídias. Algumas indicam a censura mínima de 16 anos, o que mostra que deveria ser exibido somente no Ensino Médio. Por qual razão os autores escolherem esse material e não outro? Seria falta de opção, ou de conhecimento?

Essa proposta de ensino-aprendizagem, como situação-pro-blema, merece atenção especial pelo fato de que outros temas são lançados no universo da escola de forma semelhante para que o pro-fessor dê conta de ensinar o aluno a compreender e refletir. Quais habilidades e competências o aluno irá adquirir realizando esse es-tudo por meio da estratégia de texto literário? Existe material no

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mercado que propõe um estudo muito mais bem elaborado. Não se cria o hábito de leitura com essa metodologia, e ela muito me-nos estimula uma habilidade redatora. A crise do saber irá persistir com tais práticas de ensino construídas nos moldes tradicionais, utilizando cartilha uniformizada para uma rede que possui cinco milhões de estudantes.

Outros estudos vêm sendo feitos sobre a análise dessa políti-ca pública, como a dissertação de mestrado apresentada na PUC-SP por Geselda Valles, no ano de 2012. Em suas considerações, ela se utiliza dos apontamentos de Ana Terra Calazans Fernandes3:

[...] os exercícios de leitura dos cadernos são limitados, na medida em que são dirigidos para a simples coleta de dados, como se os textos de estudos históricos pudessem ser unicamente entendidos como verbetes de enciclopédia (VALLES, 2012, p. 94).

Continuando essa abordagem, a pesquisadora cita que, em outras propostas de aprendizagem, essas atividades, chamadas de Leitura e Análise de Texto, se repetem, não dialogando com os con-teúdos. Exemplos desses procedimentos são: grifar as ideias prin-cipais; dividir o texto em parágrafos e criar um título; identificar informações no texto; reproduzir informações do texto; pesquisar o significado das palavras no texto. Eles não propiciam o desenvolvi-mento de capacidades como interpretação, comparação, argumen-tação e geram reflexão sobre os conteúdos históricos (VALLES, 2012).

Outras críticas ao material se dirigem aos conteúdos que são apresentados na forma da prática educativa (exposta por Zabala), em que se dividem os conteúdos em conceituais, procedimentais e atitudinais:

Conceituais: o que o indivíduo deve saber; procedimen-tais: deve saber fazer (interpretar, desenvolver, identificar, realizar, coletar, entrevistar); atitudinais: aprender sobre as

3 Ana Terra Calazans Fernandes possui graduação, licenciatura e mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1997). Atualmente é professora do Departamento de História da FFLCH – USP. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino de História. Disponível em: <http://historia.fflch.usp.br/docentes/antoniacalazans>.

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normas e valores para a convivência social (respeito, com-preensão, tolerância) (SILVA; SILVA, 2012, p. 37).

No material, de maneira geral, faltam sequências didáticas para a construção do conhecimento, além de ele não dialogar com as outras áreas do conhecimento, ou seja, com os Cadernos do Alu-no e do Professor de Geografia, Artes, Ciências etc.

A questão é que os Cadernos do Aluno foram concebidos dentro do chamado “sistema de andaimes”, que possibilita o de-senvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Essa teoria foi criada por Wood, Bruner e Ross, baseada no conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky (SILVA; SILVA, 2012). Ela demonstra a importância do professor. Tais pensamentos des-sas correntes pedagógicas americanas, a partir dos anos de 1960, oriundas da psicologia, defendem que o conhecimento é construído numa espiral, em que os limites entre as etapas são mesclados e fluidos.

No entanto, essa adaptação no campo pedagógico é bastante complexa por trazer questões técnicas cuja implantação é dificul-tada pela realidade da escola pública, na sua heterogeneidade. Na atual realidade política brasileira, a implantação da Lei de Inclusão exige uma abordagem mais holística da escola pública; sem esque-cer os problemas de indisciplina, violência, salas de aula lotadas e a discussão polêmica da progressão continuada, na qual o aluno é promovido ou retido no final de cada ciclo (3º, 5º, 7º e 9º ano do Ensino Fundamental).

Essa falta de apropriação dos conteúdos é notória nas provas diagnósticas realizadas no início de cada ano letivo pelo próprio professor. Nelas, parece que os alunos não se lembram dos assuntos e conteúdos dos anos anteriores. Nesse sentido, pode-se dizer que existe uma espécie de “amnésia” coletiva.

Essa forma de gestão, adotada pelo governo José Serra (PSDB), está calcada no modelo implantado pelo Governo Federal no início da década de 1990, por meio do discurso e de uma gestão neoliberais que recebem críticas nas avaliações de políticas públi-cas:

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[...] a avaliação tem um papel de destaque nas reformas do setor público, assim como tem estado cada vez mais pre-sente nos processos de análise das políticas públicas. Cabe destacar, contudo, que, tal como no caso do movimento da nova administração pública, as avaliações de políticas passam atualmente por uma fase de críticas ao “geren-cialismo” de suas concepções (TREVISAN, BELLEN, p. 538, 2008).

Esse é um dos aspectos que precisam ser analisados por ou-tros setores da sociedade, e também por experts em educação e gestão, bem como por um cientista político e por alguém da área de direito constitucional. No entanto, a SEESP também possui um convênio com a VUNESP para a elaboração do SARESP e a pro-dução do relatório pedagógico bienal. O gasto nesse investimento é desconhecido até o momento, mas que deverá ser alvo de pesquisa futura.

A educação, dentro dessa estrutura institucionalizada, passa pela crise existencial no seu arcabouço como política social. Isso se dá justamente pela crise da legitimidade entre os educadores. Incor-porados pela lógica do mercado, eles enfrentam questionamentos sobre essa mercantilização do ensino, do básico ao superior, e sobre a autonomia como filosofia de emancipação social. É esse o para-doxo atual, em que a escola atende a preservação da estrutura social do sistema capitalista por meio do currículo oculto fundamentado por Althusser:

Para Althusser, o sistema escolar encarrega-se em repro-duzir relações de exploração, reforçando uma crise sem precedentes, com um discurso oculto, que subjuga seus agentes por tempo significativo e, no caso, na escola, obri-gatório, inculcando aspectos reprodutores das forças de exploração; com enfoque crítico reprodutivista, o autor de-termina o papel da educação por ações de base econômica, que estão fora do contexto da própria educação, demons-trando nessas perspectivas a interpelação dos indivíduos (RIBEIRO, 2012, p. 85).

Esse pensamento traz várias reflexões que, concordando ou discordando, ao menos provocam uma discussão sobre o papel da escola na conjuntura atual, pós-moderna. Mudaram as estratégias, mas será que mudaram as intenções?

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Nesse pensamento, podemos citar a obra de Ivan Ilich, Socie-dade sem escolas (1973), pois a escola ressurge como instituição que difunde a cultura e a ideologia do Mito do Consumo Interminá-vel. Esse é o mito moderno de fundamentar a crença de que o pro-cesso produz inevitavelmente algo de valor e, por isso, a produção necessariamente cria a demanda (RIBEIRO, 2012).

Seguindo essa reflexão, Althusser, no seu livro Sobre a re-produção, no capítulo IV, esboça a teoria sobre os aparelhos ide-ológicos do Estado, afirmando que, na luta de classes, sob o viés da teoria marxista, o proletariado deve assumir o poder de Estado e consequentemente destruir o aparelho do Estado burguês. Lem-brando que os aparelhos de Estado são divididos em dois: os apa-relhos repressores de Estado (governo, forças armadas, polícia, tri-bunais, as prisões) e os aparelhos ideológicos de Estado (AIE) (o aparelho escolar, o familiar, o religioso, o político, o sindical, o da informação, o da edição-difusão e, por último, o cultural.

Cada AIE corresponde ao que se chamam “instituições” ou “organizações”, e, para a AIE Escolar, remetem às diferentes esco-las, aos diferentes graus, aos diferentes institutos etc. Essas diferen-tes instituições e organizações que o constituem formam o sistema.

Um aparelho ideológico de Estado é um sistema de insti-tuições, organizações e práticas correspondentes, defini-das. [...] desse sistema é realizada toda ideologia de Estado ou parte dessa ideologia. A ideologia realizada em um AIE garante sua unidade de sistema ‘ancorada’ em funções materiais, próprias de cada AIE, que não são redutíveis a essa ideologia, mas lhe servem de suporte (ALTHUSSER, 2008, p. 104).

Na vertente da escola como instituição que serve o mundo produtivo, capitalista ou socialista, esse mundo do trabalho se torna um pilar sólido na constituição dos currículos e estabelece vínculos com o desejo e o imaginário da ascensão social. Isso é exemplifi-cado por Sennett (2009), nos personagens reais do faxineiro Enrico e seu filho Rico, em que a disciplina do trabalho torna-se uma au-topunição, em contrapartida ao que diz Althusser de um Aparelho Ideológico do Estado a serviço da sociedade pós-moderna e globa-lizada. Citando um exemplo do livro A Corrosão do Caráter, a ta-

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bela 9, página 184, de Richard Sennett (2009), compara os empre-gos e a educação de 1990 e de 2005. Nota-se que o trabalho puxa a educação como uma necessária simbiose orgânica da existência mútua.

Essa abordagem é bastante polêmica dentro da filosofia da educação, assim como na pedagogia à luz do pensamento de Char-lot (1983), sobre o desenvolvimento de currículos que perpetuam ou que revolucionam os princípios de uma sociedade inclusiva. Mudanças curriculares extremas foram elaboradas em países so-cialistas e capitalistas; alguns fizeram mudanças positivas (China, Cuba, Finlândia e Coreia do Sul) e outros fracassaram, por elas terem sido mal formuladas ou mal implementadas ou por falta de uma política pública de intervenção na área da educação (Brasil, Colômbia e Peru)4.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essas reflexões não são propriamente conclusivas, mas têm a intenção de suscitar a continuidade dos questionamentos sobre a perspectiva de uma educação de qualidade e o sentido da escola enquanto espaço público de formação social e acadêmica.

De modo algum se propõe a extinção do antigo e velho, mas a sua reflexão como trilho no processo de construção de uma meto-dologia de ensino que promova não só a sua clientela, mas também os profissionais que nela atuam. Esse foco nos faz pensar sobre as condições subjetivas e objetivas do trabalho docente (BASSO, 1994, p. 34) e suas indagações sobre “a ruptura entre o significado do trabalho docente e o sentido pelo qual o professor o realiza, tornando o seu trabalho alienado, comprometendo ou descaracteri-zando a atividade docente”.

De acordo com as pesquisas realizadas, portanto, o estudo não deve ficar estacionário, resultando em obras que enfileiram as bibliotecas, mas, sim, em produções que apresentem novas práticas pedagógicas, que não dependam apenas das concepções teóricas, 4 Brasil ocupa 60ª posição em ranking de educação em lista com 76 países. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/05/brasil-ocupa-60-posicao-em-ranking-de-educacao-em-lista-com-76-paises.html>.

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mas também das modificações das condições objetivas de trabalho dos docentes.

Devem-se valorizar e ampliar projetos pedagógicos desen-volvidos pelos próprios professores, visto que estes já o realizam, pelo fato de que conhecem seus alunos, conhecem as condições materiais da unidade escolar e os recursos didáticos. Portanto, é bom salientar que todos os envolvidos na educação, inclusive as autoridades administrativas, precisam avaliar o processo de ensino.

Não apenas os resultados de exames, mas a vivência e convi-vência precisam ser mais bem avaliadas. É preciso fazer um grande movimento de transformação, no sentido de ressignificar os princi-pais aspectos teóricos e metodológicos dos gestores educacionais, estabelecer um novo tipo de formação inicial e continuada na edu-cação básica e um movimento de ressignificação do trabalho do-cente.

Sabe-se, contudo, que as mudanças são por vezes incômodas e fazem com que as pessoas saiam de sua zona de conforto, deixan-do-as inseguras quanto às instabilidades profissionais. No entanto, esta pesquisa direcionou seu foco de análise a fim de mostrar que isso não é só possível, mas também necessário.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

BASSO, I. S. As condições subjetivas objetivas do trabalho docente: um estudo a partir do ensino de história. 1994. 141f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 1994. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000080001&opt=1>. Acesso em: 23 set. 2016.

CHARLOT, B. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

JANNUZZI, P. M. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações. 4. ed. Campinas: Alínea, 2009.

OLIVEIRA, J. A. P. Desafios do planejamento em políticas públicas: diferentes visões e práticas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 40 n. 2,

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p. 273-288, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rap/v40n2/v40n2a06.pdf>. Acesso em: 23 set. 2016.

RAMA, G. W. Estilos educativos: educación, estructura social y estilos de desarrollo. Buenos Aires: UNESCO/CEPAL/PNUD, Documento DEALC/6, set. 1977. p. 61-67.

RIBEIRO, S. S. C. A ideologia da escola para Althusser: definições e contraposições. Revista Fasem Ciências. v. 2, n. 2, p. 82-89, jul./dez. 2012. Disponível em: <www.fasem.edu.br/revista/index.php/fasemciencias/article/view/21/0>. Acesso em: 26 out. 2016.

SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo do Estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologias. História. 2016. v. 3

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O trabalho dos gestores escolares na construção da moralidade autônoma

Marina Novaes de SENNE1

Leonardo Teixeira GOMES2

Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre em que medida o trabalho do gestor escolar pode contribuir para a formação de uma moralidade autônoma. Para tanto, inicialmente, discorremos sobre as especificidades da compreensão da gestão democrática na contemporaneidade. Em seguida, refletimos sobre o papel do gestor em uma perspectiva de educação emancipatória. Para tanto, buscamos refúgio em uma literatura que busca ver a educação para além de grandes prescrições. Nós nos apoiamos nos princípios de uma gestão democrática para refletir sobre as transformações indispensáveis para a consolidação de uma escola capaz de construir personalidades morais autônomas. Utilizamos como metodologia a revisão bibliográfica. Buscamos associar como os princípios de uma gestão democrática pensados por Barroso (2013) e Paro (2001) podem ser utilizados para construir quatro aspectos trazidos por Araújo como fundamentais na democratização da escola: conteúdos, metodologias, relações interpessoais e valores.

Palavras-chave: Educação Escolar. Gestão. Moralidade. Autonomia.

1 Marina Novaes de Senne. Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus Araraquara (SP). Mestre em Serviço Social e graduada em História pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>. 2 Leonardo Teixeira Gomes. Doutorando em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Mestre em Educação Escolar e graduado em História pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>.

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The work of school managers in the construction of autonomous morality

Marina Novaes de SENNELeonardo Teixeira GOMES

Abstract: The present article aims to reflect to what extent the work of the school manager can contribute to the formation of an autonomous morality. For this, initially, we discuss the specificities of understanding democratic management in contemporary times. We then reflect on the role of the manager in an emancipatory education perspective. To do so, we seek refuge in a literature that seeks to see education beyond great prescriptions. We rely on the principles of democratic management to reflect on the transformations indispensable for the consolidation of a school capable of building autonomous moral personalities. We use as a methodology the bibliographic review. We seek to associate how the principles of democratic management, thought by Barroso (2013) and Paro (2001), can be used to construct four aspects brought by Araújo as fundamental in the democratization of the school: contents, methodologies, interpersonal relations and values.

Keywords: School Education. Management. Morality. Autonomy.

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1. INTRODUÇÃO

“— Tio Rui, os silêncios afinal servem para quê?— Para as pessoas estarem umas com as outras.

— Não basta estarmos sentados no mesmo lugar?— Não – o tio Rui parou de coçar os bigodes.

— É preciso olharmos para o outro.— Tás a olhar para mim, tio Rui?

— Estou.— A ver o quê?

— A espreitar a tua ideia.— As ideias nascem na cabeça?

— As boas ideias nascem no coração”.

(ONDAJKI. A bicicleta que tinha bigodes.)

Inúmeras pesquisas têm sido publicadas sobre as novas exi-gências do trabalho dos gestores escolares frente às atuais transfor-mações da sociedade. O livro Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios”, organizado por Naura Ferreira (2013), o artigo “Escola, democracia e a construção de personali-dades morais”, de Ulisses Araújo (2000), assim como Escritos so-bre educação, de Vitor Paro (2001) e Gestão educacional: questões contemporâneas, organizado por Célia Guimarães (2008) vêm pro-blematizar a crise do sistema taylorista/fordista e as recentes exi-gências do mercado no anseio de impor competências voltadas à flexibilização do trabalho. Evidentemente, essas transformações in-troduziram um novo modelo de administração escolar. Entretanto, incorporaram modelos de gestão ainda limitadas às ideias vindas da cabeça, dessas ainda preocupadas em ocupar lugares e não escutar os silêncios.

O presente artigo tem como objetivo central refletir sobre o papel dos gestores escolares na consolidação de uma escola capaz de construir personalidades morais autônomas. Para tanto, neste primeiro momento, discutimos a gestão escolar na contemporanei-dade. Em conseguinte, a possibilidade de pensar em outro modelo de atuação dos gestores e de experiência escolar, nomeada neste

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trabalho de emancipatória. Isso, para, enfim, propor uma reflexão sobre a relação entre o trabalho dos gestores e a construção da mo-ralidade no espaço escolar.

O modelo burocrático e o taylorista entram em crise na dinâ-mica capitalista e são substituídos por formas mais polivalentes e flexíveis de administração. As empresas, ao final do século XX, op-tam por uma nova perspectiva de gestão, menos verticalizada e com uma organização do trabalho menos linear. Segundo Paro (2001), a nova onda, nomeada de neoliberal, perpetuou a implementação da lógica do mercado nos assuntos educacionais.

Contudo, acreditamos que as instituições educativas não po-dem reproduzir, mais uma vez, os modelos decretados pela dinâ-mica do capital. Assim, ponderar sobre a gestão escolar, em nos-sos tempos, depende de compreendermos as transformações de paradigma escancaradas no mundo. Além disso, tal reflexão nos possibilita adotar um novo modelo de administração. Como pontua Ferreira:

É num tempo como esse que nós, administradores e ad-ministradoras da educação, nos vemos moralmente desa-fiados a responder de forma competente aos reclamos da sociedade contemporânea com decisões firmes e ousadas, comprometidas com a formação humana do cidadão bra-sileiro e da cidadã brasileira (FERREIRA, 2013, p. 127).

Assim, precisamos alargar as análises conjunturais preocu-padas em descrever a influência dos macroprocessos como a glo-balização e o neoliberalismo e criar espaços para também pensar nas microdinâmicas estabelecidas dentro das escolas. As distintas transformações dos nossos desejos requerem que “desterritorialize-mos” a função hierárquica e burocrática comumente associada aos ambientes escolares. Repensar a intervenção da equipe gestora3 no trabalho educacional está amarrado à ideia, portanto, de descons-truirmos o modelo de gestão comumente adotado nas escolas.

Estas constatações, emblema de uma nova configuração, que se assenta na crise dos paradigmas, exigem novas

3 Um extenso grupo de profissionais compõe o genérico conceito de gestão escolar. Isso inclui o diretor financeiro, pedagógico, os coordenadores pedagógicos, supervisores e orientadores educacionais. No presente trabalho, concentramos mais na função desempenhada pelo diretor pedagógico e pela equipe de coordenação pedagógica.

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compreensões, novos conceitos, categorias e interpreta-ções que se fazem necessários no âmbito da educação e da administração da educação. Pensar, pois, em forma de intervenção na situação educacional contemporânea para competentemente construir um conhecimento que possi-bilite o enfrentamento dos desafios é tarefa urgente para os administradores da educação (FERREIRA, 2013, p. 8).

Assim, Ferreira (2013) traz a referência de outro paradigma para pensar a educação e a gestão escolar em nossos dias. Para tanto, a autora propõe refletir sobre a formação do profissional da educação. “Entendo que a formação profissional exige hoje, mais do que nunca, uma sólida formação humana e que esta se relacione diretamente com a sua emancipação como indivíduo social” (FER-REIRA, 2013, p. 134). Uma proposta emancipatória de gestão não ocorre de maneira espontânea. Assim, é primordial elaborar objeti-vos comuns os quais devem ser intensamente discutidos e revistos na construção coletiva do projeto pedagógico. Para a autora, é a in-tencionalidade da ação que norteia os objetivos desejados, ou seja, seus valores.

Partimos de uma perspectiva de gestão democrática, enten-dendo-a como um ideal, um valor almejado. Neste momento, é pre-ciso declarar em quais princípios esse ideal de administração se apoia. Elencamos quatro princípios declarados por João Barroso (2013) como fundamentais para pensar uma gestão participativa e guiada por uma cultura democrática capaz de promover a auto-nomia dos sujeitos envolvidos. Selecionamos esses princípios por acreditarmos que perseguem a construção de referenciais individu-ais e coletivos de autonomia. Assim, adotamos as categorias: par-ticipação, liderança, qualificação e flexibilidade como norteadoras de nossa pesquisa. Nesse sentido, pensaremos a atuação dos ges-tores na construção da personalidade moral a partir dessas quatro categorias de análise.

O olhar para a participação nos faz pensar em que medida as instituições conseguem diminuir a administração vertical e promo-ver maior autonomia e integração dos diferentes sujeitos na tomada de decisões.

Para Gomes e Mendes (2008, p. 56):

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[...] a participação é um elemento importante para a gestão democrática das escolas, e a gestão democrática é a forma mais adequada de perseguir a realização e a concretização da escola necessária para atender aos desafios que a socie-dade apresenta na atualidade.

Barroso (2013) argumenta ser muito importante para a for-mação de uma prática autônoma criar dispositivos capazes de in-centivar a participação de maneira representativa ou mesmo direta dos diversos setores sociais abarcados pelas escolas.

Em primeiro lugar, a participação contrapõe-se à depen-dência e à incapacidade. Participar pressupõe ser livre num duplo sentido: não ser submetido a nenhuma forma de dominação e ser capaz de utilizar os recursos necessários para intervir na vida pública. Em segundo lugar, a parti-cipação não se esgota nas votações, mas se expressa de forma plena na deliberação que procura conjuntamente as melhores opções, avalizadas por boas razões e sustentadas pela anuência dos implicados no assunto que está sendo debatido. Em terceiro lugar, a participação pressupõe uma democratização real do conhecimento; o saber não é uma propriedade privada dos especialistas nem um produto acadêmico inerte que é transmitido aos jovens. O saber é um elemento ativo que deve nos permitir formar uma opi-nião o mais fundamentada possível sobre as questões que nos afetam. O saber tem de servir para entender melhor o mundo e ser um elemento a mais na valoração e na decisão das questões que nos afetam. Finalmente, em quarto lugar, participar pressupõe certas virtudes: não é possível que a participação democrática esteja viva sem a força exercida pelas virtudes dos cidadãos ativos (PUIG, 2007, p. 73).

Todavia, o autor disserta que, do mesmo modo que a cons-trução da autonomia exige participação, ela também deve contar com uma equipe gestora, ou seja, com um grupo responsável pelo encaminhamento das ações. Nesse sentido, a liderança, segunda categoria por nós adotada, pode contribuir para empreender ações democráticas que trazem os anseios de um projeto coletivo.

A terceira categoria que norteará nosso trabalho é a qualifi-cação. Para Barroso (2013), a construção da autonomia enquanto projeto comum depende de uma formação em exercício responsá-vel por esclarecer e construir os valores de cada instituição. Gomes

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e Mendes (2008, p. 61) nomeiam esse processo como formação continuada; para eles: “[...] o papel dos gestores da escola é deter-minante na forma como esse processo será conduzido, e por isso a importância [...] de aprimorar a qualidade de sua atuação nos pro-cessos de formação contínua”. É importante perceber se a qualifi-cação é entendida como espaço de troca e de aprendizagem mais do que um encontro em que um seleto grupo de gestores ensina suas verdades aos demais.

Por fim, Barroso (2013) credita à flexibilidade um importante papel na construção da autonomia. Apesar de o autor classificar al-guns princípios comuns às distintas unidades escolares, ele aponta a necessidade de flexibilizar os modelos de gestão. Nesse sentido: “Esta flexibilidade é necessária para permitir margens de ajusta-mento nas práticas de gestão e faz parte do próprio conceito de autonomia, enquanto modo de autogoverno” (BARROSO, 2013, p. 42). Para legitimar esse princípio da diversidade, é indispensável um reconhecimento das especificidades das instituições.

Dessa maneira, esses quatro princípios são primordiais para pensar a construção de uma gestão democrática que promova a autonomia. No entanto, estamos conscientes de que são conceitos indissociáveis e, portanto, estão diretamente relacionados entre si. Além disso, é importante ressaltar, como pontua Vitor Paro (2001), que a gestão democrática precisa ser analisada tanto em sua estru-tura didática quanto na organização do interior da escola. Portanto, é relevante entender como esses quatro princípios são incorporados tanto nas relações didáticas como nas organizacionais.

Neste momento, buscamos refletir sobre a potência da gestão democrática na construção da moralidade na escola. Utilizamos a concepção de educação moral, que considera os valores como in-vestimentos afetivos capazes de serem formados no espaço esco-lar. A moralidade é compreendida como uma questão primordial do debate dentro das escolas e precisa ser entendida a partir das interfaces de seu caráter universal e relativo bem como externo e interno. A questão da autonomia, tão cara à concepção de gestão democrática, também carrega um precioso vínculo com a formação

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da moralidade. Para J. Heller (1968), a autonomia é o grande auxi-liar da formação do caráter.

É necessário compreender o debate da autonomia e sua rela-ção com o trabalho dos gestores. Quando pensamos a autonomia das escolas, devemos evidenciar sua constituição no âmbito institu-cional, o qual envolve questões normativas, participação na tomada de decisões e formação do projeto político. Todavia, não podemos desvinculá-la da formação individual que, para Piaget (1968), en-volve a ideia de que os indivíduos precisam aprender a sair de seu egocentrismo. Portanto, precisamos pensar no autogoverno dos su-jeitos e sua atuação na esfera institucional. João Barroso (2013, p. 27) afirma: “Não há autonomia da escola sem o reconhecimento da autonomia dos indivíduos que a compõem”. Dessa maneira, preci-samos refletir sobre a atuação dos gestores nesses dois complemen-tares campos da formação da autonomia na escola.

Acerca dessa reflexão, Vitor Paro (2001) nomeia duas dimen-sões: autonomia pedagógica e autonomia administrativa. A primei-ra vincula-se à própria natureza da atividade pedagógica, a qual deve manter a vontade dos sujeitos envolvidos no processo educa-tivo. Assim, a autonomia pedagógica se relaciona tanto à liberdade em adotar métodos e currículos como à construção de referenciais potencialmente adequados a levar os indivíduos da condição he-terônoma à autonomia. Percebemos, assim, que essa dimensão da autonomia escolar envolve: docentes, educandos e gestores. A se-gunda dimensão ponderada por Paro (2001, p. 115) é a da autono-mia administrativa. Para o autor, ela expressa a possibilidade: “[...] de dispor de recursos e utilizá-los da forma mais adequada aos fins educativos”.

Articular o trabalho dos gestores à autonomia pedagógica prevê pensar em mediações que busquem promover o autoconhe-cimento para possibilitar a passagem de ações autocentradas para intervenções no mundo que levem em consideração o coletivo. O discurso de Piaget (1968, p. 16) reforça essa ideia quando aponta: “La autonomía es un procedimiento de educación social que tiende, como todo los demás, a enseñar a las personas a salir de su egocen-trismo para colaborar entre sí y someterse a las reglas comunes”.

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Diversas estratégias podem ser utilizadas no contexto escolar para potencializar a passagem da heteronomia para a autonomia. O gestor deve, por meio da qualificação e do estímulo à participa-ção, agenciar a autonomia como um valor para a instituição de tal maneira “[...] que los alumnos caigan en la cuenta de que vale más hacer una cosa por ella misma, que hacerla por haber sido pedido por el maestro” (HELLER, 1968, p. 59).

Além disso, os gestores devem estar cientes de que promover a autonomia, tanto em seu aspecto pedagógico quanto administra-tivo, requer uma experiência cotidiana no que se refere à participa-ção e à tomada de decisões.

Que se trate, en efecto, de los diferentes tipos de democra-cia o de las variedades múltiplas de los regímenes autorita-rios, siempre constituirá la autónoma una preparación para la vida del cidadania tanto mejor, cuanto más sustituyen en ella el ejercicio concreto y la experiencia de la vida cívica a la acción teórica y verbal (PIAGET, 1968, p. 27).

Segundo Gadotti (1997, p. 33): “Nessa sociedade cresce a reivindicação pela participação e autonomia contra toda forma de uniformização e o desejo de afirmação da singularidade de cada região, cada língua”. Nessa perspectiva abordada por Gadotti, cabe aos gestores reconhecer os distintos valores existentes no espaço escolar e promover a construção de experiências significativas que possibilitem apreciar os valores universalmente desejáveis.

2. O TRABALHO DO GESTOR A PARTIR DE UMA PRO-POSTA EMANCIPATÓRIA DE EDUCAÇÃO

Naura Ferreira (2013) propõe que pensemos em um modelo de gestão escolar ancorado em uma proposta emancipatória e soli-dária, capaz de meditar sobre um novo saber, uma nova política e outra experiência estética. Segundo ela:

Refiro-me ao conhecimento-emancipação enquanto ética que se alicerça na solidariedade, concebida como criação de subjetividade e intersubjetividade, superadora da ética individualista liberal acirrada pelo neoliberalismo na con-temporaneidade (FERREIRA, 2013, p. 132).

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Os gestores precisam contribuir com a elaboração de projetos autônomos de moralidade. Nesse sentido, sua função é primordial para que a moralidade seja pensada como construção e não como imposição dos modelos de vida dos adultos da escola, não como imposição de uma “educação maior”.

Sem dúvida, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as pes-quisas de La Taille, Araújo e Puig trazem reflexões e modelos que evidenciam o quanto já avançamos em declarar a educação moral como uma questão urgente em nossa sociedade. Todavia, ainda não conseguimos superar o discurso colonizador da escola, de uma edu-cação maior, homogeneizada, que padroniza o currículo, a avalia-ção e a didática.

Nesse sentido, Gallo (2014, p. 24) argumenta sobre precisar-mos olhar para o menor para superarmos essa repetição generali-zante:

Maior/menor dizem não de grandezas, mas de formas de ação. O maior está relacionado àquilo que é regulamen-tado, reconhecido. O menor está relacionado com o des-regrado, com fluxos livres, com a invenção a todo tempo.

Silvio Gallo (2014) publicou um artigo “mínimo múltiplo co-mum”, que discute novas possibilidades para a educação. Para ele, precisamos fugir da educação maior, no sentido de negar as refle-xões e prescrições oficiais e criar espaços para pensar o menor, o singular e o mínimo. Ou seja, a educação escolar deve criar brechas para entender as singularidades e subjetividades. A ideia de múlti-plo é desenvolvida na medida em que não existe um único caminho para a educação. Portanto, para ele é preciso estabelecer críticas aos projetos totalizantes que criam uma “sociedade pedagogizada”.

Por fim, Gallo (2014) argumenta que nossos projetos de edu-cação precisam ser comuns. Assim, a educação necessita trabalhar com o comum somente se este estiver carregado da ideia de míni-mo e múltiplo. Por isso, as trocas e aprendizagens são coletivas, todavia, a singularidade deve ser respeitada. Foucault descreve esse movimento de pensar no mínimo sem reproduzir o discurso indi-vidualista de homem moderno: “[...] pensar em uma subjetividade

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que recuse a individualidade” (FOUCAULT, 2002 apud RIBETTO, 2014, p. 17).

Logo, abrir os olhos para o mínimo é escancarar os fluxos de liberdade, é ver a subjetividade e criar brechas para a autonomia. Entretanto, somente podemos pensar em valores morais quando se voltam para o comum. É na relação de como devo agir e como que-ro agir que podemos relacionar o mínimo, o múltiplo e o comum. Em outras palavras, a educação moral deve levar em conta o subje-tivo (mínimo), pois se vincula à ideia de autoconhecimento. Além disso, pauta-se no múltiplo, uma vez que entendemos que não há um único caminho para construir a personalidade moral autônoma. Todavia, é importante pontuar que a educação moral está estrutura-da em valores universalizantes, portanto, comuns.

Carlos Skliar (2014) argumenta que vivemos em um tempo de educação para todos; qualquer educação para qualquer todo. Para ele, precisamos possibilitar os gestos mínimos para educar qualquer um e cada um. Portanto, os gestores precisam estar dis-postos a olhar para cada um dos sujeitos, mas desconstruir uma ideia abstrata de todo que parece não encaixar ninguém.

Nesse sentido, podemos considerar que um modelo de gestão contemporânea prevê, na verdade, outra proposta de educação. O trabalho dos gestores não deve se apoiar na transmissão da verda-de. Para Larrosa (2002) e Kohan (2013, p. 5), é a experiência e não a verdade que dá sentido à educação. “[...] educamos para trans-formar o que sabemos, não para transmitir o já sabido”. Assim, o trabalho de mediação da administração escolar deve ressignificar o sentido da educação até, efetivamente, construir um porvir sus-tentado pela experiência. Kohan (2013, p. 34) sintetiza esse anseio quando argumenta que: “É preciso que todas as crianças possam se tornar o que são”.

Deve-se ter ciência de que nem a moralidade, nem a mate-mática, nem a linguagem se aprendem porque alguém ensina, mas porque as pessoas se encontram. São esses espaços privilegiados de exposição, e não de imposição, que a escola deve garantir, “[...] porque a experiência é aquilo que nos tira do lugar de certeza, nos invade, nos move e mobiliza” (FIGUEIREDO, 2014, p. 103).

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Pensar a moralidade a partir de experiências é buscar sentir aquilo que atravessa e, somente por isso, se configura como um valor. Assim, quando os sujeitos são tocados por experiências, é possível meditar sobre uma mobilização da transformação e uma imobilização do óbvio. Nesse caminho, é preciso olhar para expe-riência e, para isso, enxergar para além do que está sistematizado, que segue a regra. Portanto, uma das principais tarefas da equipe gestora não é baixar portarias, mas observar as brechas, intuir a potência do mínimo na educação.

Pensar uma educação muito menos anunciada desde gran-des púlpitos, dispositivos criadores de coisas grandes e discursos retumbantes e sempre heroicos, e nos dispor-mos, atentos, no acontecer cotidiano de brechas de um dizer e um fazer pedagógico no qual o ser menor, insigni-ficante, as coisinhas do chão (da educação) de (talvez) an-cestralidades machucadas nos ajudem a melhor entender as possibilidades educativas nas soberbas coisas ínfimas (RIBETTO, 2014, p. 12).

Notadamente, existe um senso comum de que educar em va-lores é educar o outro. Na realidade, é educar a si mesmo. Preci-samos desconstruir a ideia de que educar em valores serve apenas para melhorar a disciplina e o comportamento. Para Rattero (2014), educar em valores passa pelo cuidar do outro e, anteriormente, cui-dar de si mesmo. Nesse caminho, os gestores precisam liderar um processo de reflexão com toda a equipe pedagógica para que os objetivos da construção da moralidade estejam claros para todos os sujeitos envolvidos nos processos educacionais. Assim, essa refle-xão e formação devem transcender o plano estritamente cognitivo e passar por uma perspectiva, como aponta Dias (2014), ética, es-tética e política.

Dessa maneira, é importante orquestrar uma formação inven-tiva como potência para diferirmos daquilo que já somos, portanto, para seguir um caminho ético. Os gestores precisam superar o mo-delo gasto de formação que em altos níveis hierárquicos ditam as pautas da formação docente. Por isso, a transformação caminha ao lado de ações políticas, éticas e estéticas. Nesse campo de análise:

Ética porque se abre para a possibilidade de fazer escolhas. No campo da formação, expressa uma dimensão, que ao

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não se fechar em dar forma ao futuro professor, expande a possibilidade de se desformar, de se transformar (DIAS, 2014, p. 40).

Portanto, podemos imaginar a ação dos gestores como pontes entre as políticas sociais para a educação e o trabalho de construção da moralidade. Todavia, se levarmos em conta a lei como um ideal democrático, a sua maior contribuição é construir espaços para que esse debate seja pensado e a educação moral se estabeleça como um objetivo declarado. O gestor deve contribuir para que a escola crie espaços de reflexão para essa questão. Além disso, ela deve ser um espaço moral para que o ensino não seja pautado apenas em teorias, mas na experiência da moralidade.

3. O TRABALHO DO GESTOR NA CONSTRUÇÃO DA MORALIDADE

Antes de discutirmos algumas possibilidades de atuação dos gestores na construção da moralidade, precisamos pontuar como entendemos o trabalho dos administradores escolares nesta pesqui-sa. Comumente, segundo Vitor Paro (2001), a concepção de gestão vem associada à ideia de mando/submissão. Nesse aspecto, seria impossível articular a atuação dos gestores a uma perspectiva cons-trutivista de moralidade, uma vez que ela depende do processo de compreensão autônoma da regra e não de imposição desta. Portan-to, adotamos a visão de Paro (2001, p. 49), que entende a gestão como: “mediação para a concretização de fins”.

Paro (2001), em seu artigo “Gestão escolar, ética e liberdade”, precisou a relação entre esses conceitos tão caros a nossa intenção de pensar em que medida os gestores escolares podem contribuir para a construção de espaços morais. Para o autor, tanto a ética como a liberdade são conceitos vinculados à própria constituição do homem enquanto ser histórico.

Nesse sentido, conforme Paro (2001), o mundo natural é o mundo da necessidade, e a ação humana vincula-se às opções que se consolidam independentemente de nossas necessidades, ou seja, no campo do supérfluo. Portanto, a ética e a liberdade foram esco-

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lhas historicamente construídas pelo homem para atuar no mundo. Se partirmos de um amplo conceito de educação, compreendido por meio das relações sociais e da maneira como a humanidade apropria-se do saber, entendemos que a educação é responsável pela assimilação da ética e da liberdade como produções culturais. Em outras palavras, se a humanidade cria a ideia de ética e liberda-de, a educação deve incorporar esses conhecimentos como forma de transcender as necessidades naturais.

Nesse amplo conceito de educação, é preciso situar o campo da gestão escolar: “Falar, por conseguinte, em gestão escolar é ter presente o modo pelo qual, ao viabilizar a educação, a gestão pos-sibilita o acesso do educando à ética e à liberdade” (PARO, 2001, p. 51). Segundo o autor, o papel da gestão na apropriação da ética se relaciona ao desenvolvimento de um extenso contato com os valores historicamente construídos.

Nesse caminho, a educação permite a criação de novos re-pertórios de valores comprometidos com o coletivo e com uma so-ciedade melhor. No que se refere à liberdade, o papel dos adminis-tradores escolares está ligado à valorização da democracia, a qual possibilita: “[...] a aquisição de valores e recursos democráticos propiciadores da convivência pacífica entre homens e sociedade” (PARO, 2001, p. 51).

Neste momento, pensaremos sobre a democracia e a cidada-nia como valores primordiais no trabalho da gestão escolar. Para tanto, compartilhamos da análise de Ulisses Araújo (2000, p. 95), em que precisamos pensar a escola na perspectiva de uma unidade complexa: “A forma simplificadora de pensar e analisar a realidade já não satisfaz as necessidades da ciência e da educação”. Para o autor, só conseguimos estabelecer relação entre democracia, edu-cação e cidadania por meio de uma interpretação complexa e arti-culada desses conceitos.

Araújo (2000) problematiza a concepção de democracia. Para ele, ela se constitui como um ideal de grande parte das escolas contemporâneas, porém, o entendimento de um governo pautado na vontade da maioria não pode ser efetivamente adotado em ins-tituições como família e escola, uma vez que, nesses espaços, as

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relações não se configuram em um patamar de igualdade. Essa é uma ressalva que não exclui o anseio de construção de princípios democráticos, todavia, com o necessário cuidado às interpretações.

Por conseguinte, é relevante pontuarmos que a democracia, na perspectiva da gestão escolar, deve ser pensada como ideal, e, portanto, sua finalidade, como processo, ou seja, o meio para cons-truir uma atuação democrática. Nesse aspecto, é impossível pon-derarmos sobre uma educação para a democracia desvinculada de uma concepção de educação em democracia.

Vitor Paro (2001) também matiza acerca do ideal democráti-co e argumenta a necessidade de dilatar o conceito de democracia e superar sua compreensão estritamente política e governamental.

É preciso, pois, envidar todos os esforços para conseguir a convivência e a cooperação dos homens em sociedade, o que é objeto da democracia, se esta, para além de seu sentido etimológico de governo do povo ou governo da maioria, for entendida incluindo todos os mecanismos, procedimentos e recursos de que se lança mão em termos individuais e coletivos para promover o entendimento e a convivência social (PARO, 2001, p. 52).

Para Araújo (2000), a construção de um espaço democrático na escola pressupõe a compreensão complementar dos conceitos de igualdade e equidade. A democracia não será justa se aplicarmos apenas o princípio da igualdade, já que estamos inseridos em uma dinâmica desigual. Portanto, entendemos a importância de se dar mais a quem precisa mais. Por outro lado, a igualdade contribui para consolidarmos alguns aspectos primordiais incorporados à ló-gica dos direitos e dos deveres. Assim, reconhecemos que os papéis assimétricos que ocorrem no ambiente escolar (docentes, alunos e gestores) necessitam de equidade garantida em suas relações. Ao mesmo tempo, quando levamos em consideração a escola no meio social em que está incorporada, reconhecemos também a legitimi-dade dos pressupostos igualitários. Daí, notamos a complementa-riedade dos conceitos.

Por isso, para Araújo (2000), igualdade e equidade preci-sam ser analisadas na perspectiva de uma unidade complexa. Nes-se viés, pensar a democracia na escola depende de evidenciarmos

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as diferenças existentes entre docentes, alunos e gestores. Mas, ao mesmo tempo, garantir direitos que são legítimos em nossa socie-dade, a saber, o diálogo, a dignidade e o respeito. Assim, a gestão democrática encaminha e direciona um plano de ação, levando em consideração a conexão da igualdade e da equidade, inseridas no cotidiano escolar, como aponta Ciseski (1997, p. 65): “É necessário que a gestão democrática seja vivenciada no dia a dia das escolas, seja incorporada ao cotidiano e se torne tão essencial à vida escolar quanto é a presença de professores e alunos”.

A democracia, assim como os demais valores morais, não se estabelece apenas na espontaneidade. Nesse sentido, a escola preci-sa assumir o compromisso de construir essa prática política, e, para tanto, necessita declarar a democracia como um valor.

Para Paro (2001), a gestão escolar carece ser, no mínimo, duplamente democrática. O autor argumenta que, primeiramente, porque se insere na lógica das relações sociais, e para se garan-tir a legitimidade, precisa ser democrática. Em outro aspecto, Paro (2001) parte do pressuposto de que a gestão é uma mediação para concretizar uma finalidade; no caso, a democracia é um fim. Mas, para isso, necessita estabelecer uma coerência entre o fim e o meio. Em outras palavras, não é possível uma administração escolar pre-tender chegar à experiência democrática se não houver um percurso democrático de gestão, já que fins democráticos não se alcançam por meios autoritários.

Por isso, na realização da educação escolar, a coerência en-tre meios e fins exige que tanto a estrutura didática quanto a organização do trabalho no interior da escola estejam dispostas de modo a favorecer relações democráticas. Es-ses são requisitos importantes para que uma gestão escolar pautada em princípios de cooperação humana e solidarie-dade possa concorrer tanto para a ética quanto para a li-berdade, componentes imprescindíveis de uma educação de qualidade (PARO, 2001, p. 52).

O conceito de cidadania também é notadamente polissêmico e, muitas vezes, fica reduzido à maneira como a sociedade civil participa das decisões políticas. É preciso alargar essa concepção,

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entendendo-a também como uma busca por uma vida digna em seu mais amplo significado.

Entender a cidadania a partir da redução do ser humano às suas relações sociais e políticas não é coerente com a multidimensionalidade que nos caracteriza e com a com-plexidade das relações que estabelecemos com o mundo à nossa volta e com nós mesmos (ARAÚJO, 2000, p. 93).

Nesse aspecto, a educação para cidadania não se limita a en-sinar a votar ou reclamar contra o preço do ar-condicionado, mas depende de construir um ideal de participação pública capaz de unificar interesses individuais e sociais e possibilitar, como apon-ta Araújo (2000), sentir em si as dores do mundo. Nessa linha de raciocínio, Araújo se aproxima de nosso objeto de estudo quando estabelece que educar para a cidadania pressupõe a formação de personalidades morais. “É necessário algo mais, que vise à cons-trução de personalidades morais, de cidadãs e cidadãos autônomos que buscam de maneira consciente e virtuosa a felicidade e o bem pessoal e coletivo” (ARAÚJO, 2000, p. 94).

Nesse viés, buscamos conectar nosso referencial teórico ao papel dos gestores escolares. A perspectiva de gestão democrática não deve dissociar a ideia de formação da cidadania da construção de personalidades morais. Personalidades morais vinculam a con-cepção de racionalidade autônoma, pensada desde Kant e Piaget, como garantia da justiça, equidade e respeito. Porém, a razão, para Puig e Araújo (2007), não é soberana e, portanto, deve ser somada à afetividade e à emoção. Assim:

[...] trabalhar na formação desse cidadão e dessa cidadã pressupõe considerar e atuar intencionalmente sobre as diferentes dimensões constituintes da natureza humana: a sociocultural, a afetiva, a cognitiva e a biofisiológica (ARAÚJO, 2000, p. 101).

Para o autor, essas quatro dimensões não fragmentam o pen-samento e buscam analisar a complexidade da constituição da per-sonalidade moral.

Ulisses Araújo (2012), em suas pesquisas, conseguiu sinteti-zar cinco aspectos considerados fundamentais para pensar sobre a real construção do processo de democratização nas escolas e, logo,

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sobre o desenvolvimento das personalidades morais autônomas. Para o autor, os conteúdos escolares, as metodologias, o tipo e a na-tureza das relações interpessoais, os valores e a gestão escolar são componentes primordiais para garantir a formação de uma ampla cidadania. Araújo se propôs a pensar nesses conteúdos por perceber que muitas escolas almejavam a democratização do ensino e de sua estrutura, entretanto, continuavam centradas apenas no desenvolvi-mento cognitivo dos sujeitos.

Dessa maneira, as escolas mudaram seu ideal e continuaram com os mesmos modelos de conteúdos, de aula e de gestão. Como Araújo (2012, p. 81) ressalva: “Isso nos leva também a almejar uma escola diferente daquela que conhecemos e que foi criada no século XIX para atender a uma pequena parcela da população”.

Nesse sentido, o desejo pela democratização da escola passa por reorganizar o trabalho escolar. No que se refere aos conteú-dos, buscar um currículo contemporâneo e contextualizado, capaz de promover experiências mais significativas. Os temas urgentes discutidos, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais precisam ser inseridos na dinâmica da escola, seja por meio da criação de outras disciplinas, seja de forma transversal. Em con-trapartida, a mudança no conteúdo seria menos significativa caso as metodologias das aulas se mantivessem as mesmas. Portanto, a democratização da escola passa por uma revisão da concepção autoritária e transmissiva do conhecimento. Seria difícil pensar em uma formação cidadã com a reprodução de um modelo passivo de participação dos educandos. Assim, é necessário pensar em uma metodologia que promova a construção de conhecimentos e não a transmissão da verdade.

Além disso, a escola precisa declarar quais são os seus va-lores. Os indivíduos chegam à escola com um extenso repertório de valores, entretanto, a instituição tem o compromisso de hierar-quizá-los, pautada nos valores universalmente desejáveis. Outro importante aspecto declarado por Araújo se pauta nas relações in-terpessoais. A escola deve instrumentalizar seus sujeitos a agirem frente à diversidade de pensamento, cultura e emoções. Portanto, a

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escola necessita estabelecer um espaço em que as relações interpes-soais sejam permeadas pelo respeito.

Como quinto elemento indispensável para a real democrati-zação da escola, Araújo cita o papel de uma gestão não autoritária. Nesse caminho, a assembleia escolar se configura como um im-portante instrumento para estimular a participação dos diferentes sujeitos envolvidos no processo educativo. As análises feitas por Araújo são muito relevantes para pensarmos a construção de perso-nalidades morais. Portanto, neste artigo, buscamos associar como os princípios de uma gestão democrática, pensados por Barroso (2013), a saber, participação, qualificação, flexibilidade e lideran-ça, podem ser utilizados para construir quatro aspectos trazidos por Araújo como fundamentais na democratização da escola: conteú-dos, metodologias, relações interpessoais e valores.

Nesse sentido, nós nos apoiamos nos princípios de uma ges-tão democrática para refletir sobre as transformações indispensá-veis para a consolidação de uma escola capaz de construir persona-lidades morais autônomas. Sem dúvida, conteúdos, metodologias, relações interpessoais e valores são elementos articulados na dinâ-mica de uma escola. Todavia, essa categorização nos ajuda a guiar possíveis análises e intervenções.

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A formação continuada do docente na rede estadual paulista de ensino e a estrutura organizacional da EFAP

Raquel Arruda OLIVEIRA1

Hilda Maria Gonçalves da SILVA2

Resumo: O presente artigo analisa o modelo de planejamento de política pública que se destaca na organização da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores (EFAP). A compreensão desse modelo de planejamento foi construída por meio da análise documental, à luz de alguns dos estudos que tratam dos principais modelos de planejamento de políticas públicas, em especial, aqueles que abordam essa questão no Brasil. A pesquisa contou ainda com entrevistas realizadas com quarenta docentes de uma cidade do interior paulista que fizeram algum dos cursos promovidos pela EFAP. A análise desenvolvida revela que prevalece na EFAP o modelo gerencial de planejamento, uma vez que, entre outros aspectos, predomina, nos programas implementados por esse órgão, uma divisão entre os atores sociais que concebem e instituem a política, aqueles que executam e, ainda os que são beneficiários do programa.

Palavras-chave: Planejamento. Educação. Formação Continuada.

1 Raquel Arruda Oliveira. Mestra em Planejamento e Análise de Políticas Públicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Especialista em Metodologia de Educação a Distância pelo Claretiano – Centro Universitário. Licenciada e Bacharel em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-mail: <[email protected]>.2 Hilda Maria Gonçalves da Silva. Doutora e Mestra em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Licenciada e Bacharel em História pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>.

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The continued training of the teaching staff in the São Paulo State education network and the organizational structure of the EFAP

Raquel Arruda OLIVEIRAHilda Maria Gonçalves da SILVA

Abstract: This article analyzes the public policy planning model that stands out in the organization of the School of Education and Teacher Enhancement (EFAP). Understanding this planning model it was built through document analysis, in light of some of the studies dealing with the main models of planning public policies, especially those that address this issue in Brazil. The analysis reveals that prevails in the EFAP management planning model, since, among other things, predominates in the programs implemented by this body, a division between social actors conceive and establish the policy and those who implement.

Keywords: Planning. Education. Continuing Education.

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1. INTRODUÇÃO

A Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores (EFAP), criada em 2009 no âmbito da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEESP) se caracteriza como uma Instituição destinada a oferecer cursos de formação aos professores da rede pú-blica de ensino do estado de São Paulo. Essa instituição tem como principal função implementar a grande maioria dos cursos de for-mação continuada destinados aos profissionais da Educação Bási-ca. Sua criação foi dada pelo Decreto n. 54.297, o qual descreve as atribuições dessa instituição entre os artigos 1º e 3º:

Artigo 1º – Fica criada, no âmbito da Secretaria da Educa-ção, a Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profes-sores do Estado de São Paulo, destinada aos integrantes do Quadro do Magistério Público do Estado.

Artigo 2º – A Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo oferecerá cursos e cer-tificará o aproveitamento de seus participantes.

Parágrafo único – A participação e o aproveitamento nos cursos de formação serão obrigatórios para os candidatos a ingresso no Quadro do Magistério Público da Secretaria da Educação, nos termos da lei.

Artigo 3º – A Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo incorporará o patrimô-nio e os acervos da Rede do Saber, bem como assumirá, no que couber, as atividades de treinamento e aperfeiçoa-mento do Magistério, atualmente desenvolvidas por outros órgãos pertencentes à estrutura da Secretaria da Educação (SÃO PAULO, 2009, [n.p.], grifo nosso).

Nessa perspectiva, a EFAP passou a assumir a gama de cur-sos de formação continuada da SEESP destinados a professores, coordenadores, diretores, supervisores e especialistas da educação em geral, uma vez que o quadro do magistério como referenciado no artigo 1º citado acima é composto por todos esses profissionais. A escola de formação assume, então, conforme determina o artigo 3º as atividades de treinamento e aperfeiçoamento do magistério público paulista de Educação Básica.

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Importante notar que os termos treinamento e aperfeiçoamen-to, utilizados no Decreto, já deixam indícios da concepção de pla-nejamento que orienta o trabalho de organização desses cursos. A palavra treinamento, por exemplo, tem como um de seus sinônimos os termos “adestramento e domesticação”, lembrando o preparo de meros executores, o que seria coerente com uma visão gerencial de planejamento de política pública.

Esses indícios se intensificam na medida em que se observa que os cursos implementados pela EFAP são planejados e elabora-dos pela Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB), outro órgão da SEESP, independente da EFAP, que concebe os cur-sos a partir do trabalho de uma equipe multidisciplinar.

Antes de prosseguir com as questões mais específicas acer-ca do planejamento da política de formação continuada da EFAP, cumpre fazer um parêntese sobre a importância do cenário para a compreensão do processo de elaboração e implementação de qual-quer política pública. Toda política pública é elaborada e imple-mentada em determinado momento histórico, e este influencia di-reta ou indiretamente todo o processo. Vale ressaltar ainda que todo o processo de formulação e elaboração da política ocorre a partir de preferências e opções conceituais, políticas e de interesses que definirão seus objetivos geral e específico.

O cenário de instituição da EFAP está relacionado a um con-texto histórico marcado pela influência da orientação neoliberal, especialmente no que concerne à redução do Estado, a focalização das políticas, a “terceirização” das responsabilidades e a avaliação dos sistemas e das instituições. Nesse contexto, tem-se observado um aprofundamento da desigualdade social, da exclusão e do de-semprego. Tais desigualdades influenciam a elaboração das políti-cas públicas, como afirma Sander (2007, p. 22):

Essas desigualdades econômicas e sociais entre países po-bres e ricos e no interior dos países sejam eles ricos ou pobres, têm implicações evidentes na formulação de polí-ticas públicas nacionais e globais alicerçadas num modelo equitativo de crescimento econômico e de geração de em-prego e renda. Por sua vez, as desvantagens comparativas entre ricos e pobres guardam relação direta com o deficit

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acumulado em matéria de educação, formação de recursos humanos e acesso ao conhecimento.

A instituição da EFAP enquanto política pública refere-se mais especificamente à busca da melhoria da qualidade de ensino público estadual por meio do preparo do docente. Isso ocorre no bojo da percepção insistente do baixo desempenho – ao longo da última década – verificado pelos resultados insuficientes das ava-liações de sistema. Assim, faz-se necessário um investimento nos cursos de formação continuada visando à melhoria qualidade de ensino. Para Sander (2007, p. 26-30):

[...] é necessário investir maciçamente na qualidade da edu-cação e na relevância de seu conteúdo em todos os níveis e modalidades de ensino. [...] A literatura internacional no campo da educação revela que o professor e seus métodos de ensino–aprendizagem são a chave-mestra que explica os níveis de desempenho escolar.

Investir nos cursos de formação continuada representa uma opção política focalizada, diante dos escassos recursos destinados a essa política social. Trata-se de uma escolha importante, uma vez que o professor é figura fundamental no processo de formação dos estudantes. Para Sander (2007, p. 33), ao investir em educação, a preocupação com a formação docente deve ocupar espaço de des-taque:

Se tivesse que optar por um tema prioritário desse leque de problemas e desafios, optaria pelo último, ou seja, optaria pelo investimento maciço na melhoria do exercício do ma-gistério, sem distinção de nível de ensino, adotando duas estratégias fundamentais: melhorar a formação inicial e continuada dos educadores e melhorar suas condições atu-ais e futuras de trabalho.

Cumpre destacar que, no contexto político, marcado pela in-fluência das orientações neoliberais, o planejamento de políticas públicas tende, por um lado, a valorizar aspectos como: recursos, custos, controle dos atores envolvidos, estratégias centralizadas para implementação, dimensão temporal, divulgação do programa e público-alvo. E, por outro lado, tende a subordinar os aspectos dos objetivos gerais e específicos, da participação, da qualidade e da autonomia, àqueles primeiros.

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Essa opção, na maioria das vezes, faz com que os processos de elaboração e de implementação se distanciem, pois a política é pensada e elaborada por grupos e espaços diferentes daqueles nos quais ela incidirá.

O processo de elaboração corresponde ao momento de arti-cular e traçar o desenho do programa e de todo o desenvolvimen-to da política pública, bem como os atores envolvidos em todo o processo. No planejamento estratégico sustentável, esse processo se dá pela participação de todos os atores sociais, até para que se tenha uma previsão mais próxima do caso concreto. Em um modelo estratégico de cunho tecnicista, com uma identidade bastante ge-rencialista, por outro lado, esse processo, complexo e longo, ocorre distante do espaço e dos atores envolvidos em sua instituição e im-plementação.

Nesse último modelo, no que tange ao âmbito escolar, o plane-jamento, normativo procura solucionar problemas que atrapalham o bom andamento da escola: evasão, repetência, mau desempenho docente, falta de material físico e pedagógico, desempenho fraco na avaliação externa. Em outras palavras, delimitar estratégias dire-cionadas a minimizar possíveis erros no desenvolvimento da políti-ca. Num enfoque sistêmico-funcionalista orientado para resultados, isso implica organizar as ações segundo as fases de difusão, adap-tação e implementação, identificando os condicionantes sociais e institucionais de cada fase e as pessoas diretamente envolvidas na mudança. Manuais descrevem os processos de implantação, ope-racionalização e medição dos processos da escola: equilíbrio, de-sequilíbrio e reequilíbrio. Algumas críticas podem ser levantadas, segundo Fonseca (2014), quanto a esse tipo de planejamento, tais como: o determinismo do futuro, a simplificação da realidade, tra-tando-a como objeto estático, e o fato de se ignorar o contexto real dos professores e estudantes, pois o trabalho escolar não pode ser negociado somente por uma orientação técnica. A dinamicidade do caso concreto e a complexidade das diferentes realidades exigem ir além, incluir a participação dos sujeitos, a negociação do plano e das ações, a diversificação das estratégias, entre outros.

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O planejamento estratégico sustentável procura potencializar o processo organizacional por meio de uma mentalidade de siner-gia, com metas de curto, médio e longo prazo, com a utilização de meios para melhoria e o desenvolvimento de novas potencia-lidades. O trabalho em equipe é fundamental, visto que envolve diversas áreas e parcerias para o bom desenvolvimento da política. As mudanças ocorrem de cima pra baixo e precisam ser acatadas, é necessário propiciar um espaço físico e estrutura para proporcionar legitimidade ao trabalho. O gestor necessita ter visão do gasto total para administração e nomear pessoas com perfil para desempenhar cada função com eficiência. O líder estratégico e operacional, por sua vez, é aquele que implementa a política com responsabilidade. É necessário, portanto, notar que cada instituição tem seu tempo para o desenvolvimento de determinadas habilidades e ter o cui-dado na metodologia de abordagem, apresentando expertise para o tratamento com todos os funcionários.

Nessa perspectiva, o perfil dos programas de formação con-tinuada de professores, implementados pela EFAP, a partir de sua instituição, apresentam características identificadas, mormente, com o planejamento estratégico de cunho tecnicista e orienta-ção gerencial. A condução do planejamento dos referidos cursos pela Coordenadoria de Gestão da Educação Básica do Estado de São Paulo promove uma distância significativa entre os diferen-tes atores sociais, quais sejam: os que elaboram (CGEB), aqueles que implementam (EFAP) e, ainda, os que executam (Diretorias de Ensino). Assim, a Coordenadoria concebe os programas, elabora um “modelo”, a EFAP implementa e as Diretorias de Ensino acom-panham, “propiciam suporte” e “fiscalizam” a participação docente nos cursos. E a pesquisa, a partir dos dados fornecidos pela EFAP, demonstrou que o segmento considerado “público-alvo”, qual seja, os gestores e os docentes, está extremamente alheio a todo esse pro-cesso, tendo parte apenas em sua execução.

Nessa perspectiva, dados como os do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) e do IDESP, se configuram como referenciais para a concepção pela CGEB dos programas de formação continuada de professores da rede estadual paulista. Os índices desses indicadores são compu-

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tados levando em consideração o desempenho dos alunos nas ava-liações de sistema, índices de evasão e quantidade de matrículas (fluxo escolar), além da frequência de professores e funcionários durante o ano. A metodologia utilizada no cálculo do IDESP e nos indicadores de pagamento do bônus encontra-se em Nota Técnica do Programa de Qualidade da Escola, disponível no site da Secre-taria de Estado da Educação.

Dessa forma, o planejamento das políticas de formação conti-nuada tem por objetivo contribuir para minimizar os problemas re-lacionados, mormente, à evasão, à repetência e ao mau desempenho discente, orientado principalmente pelos dados do SARESP, das Avaliações por Processo que ocorrem bimestralmente e do IDESP. Nesse sentido, pode-se aferir que vem sendo negligenciada a ne-cessidade de se considerar toda a dimensão escolar, como também todo o contexto político e econômico no momento da elaboração e implementação da política.

Os cursos de formação continuada de professores da rede pública de ensino do estado de São Paulo têm ocorrido, em sua maioria, no formato on-line, oferecidos pela EFAP e pelo MEC, entre outros, porém alguns são oferecidos de forma presencial. Os cursos presenciais têm diminuído significativamente, à medida que se ampliam as ofertas de cursos on-line.

Os cursos on-line oferecidos pela EFAP são, em sua maioria, no formato autoinstrucional, no qual o professor realiza os cursos a partir de leituras de textos, videoaulas e videoconferências. Nesse modelo, são oferecidos módulos com instruções na própria plata-forma que orienta a realização das atividades. Os cursos oferecidos chegavam a uma carga horária de até 360 horas, em um formato de especialização lato sensu, mas, como se registrava uma baixa procura, os cursos passaram para formatos menores de 30, 60 e 90 horas, divididas em módulos.

As atividades desenvolvidas são corrigidas pelo sistema ten-do o professor a oportunidade de refazê-la por até duas vezes caso não atinja o mínimo necessário de acertos para prosseguir ao próxi-mo módulo. Esse formato não possibilita interação, pois não possui

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chat, fórum, tutor, ou qualquer tipo de interlocução, seja presencial ou virtual. O professor realiza “sozinho” as atividades.

A educação on-line oferecida pelos cursos da EFAP, em sua maioria, inviabiliza qualquer processo interativo, presencial ou on--line. Alguns poucos cursos foram oferecidos totalmente on-line, mas com tutor, fórum e chats, minimizando o autodidatismo que, muitas vezes, pode ocorrer nos cursos on-line oferecidos por esse órgão. O tutor esclarece dúvidas, media fóruns, corrige atividades, mas com muito pouca interação.

Nesta pesquisa, as entrevistas realizadas com uma amostra-gem de docentes participantes desses cursos apontaram que uma queixa recorrente era a de que muitos tutores não respondiam as dúvidas a contento e também que muitos não possuíam formação na área em que tutoravam, no caso de disciplinas específicas, como Matemática e Ciências, por exemplo, não possuindo domínio do conteúdo e das atividades para esclarecimento. Outros cursos pos-suem tutor, fóruns, mas não apresentam chats e nem videoconfe-rências.

Um dos principais cursos, em abrangência de profissionais atendidos, oferecidos pela EFAP nos últimos anos foi o “Melhor Gestão, Melhor Ensino”. Esse curso tinha um formato semipre-sencial que incluía fórum, videoaulas, videoconferências, mas não possuía chat. Foi o curso de maior oferta pela EFAP, apresentando uma abordagem um pouco mais interativa. O curso, oferecido no ano de 2013, contemplou as disciplinas de Língua Portuguesa, Ma-temática, Ciências e Gestão e estava direcionado à equipe gestora e aos docentes que ministravam aulas no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano). O foco do curso era discutir a gestão de sala de aula, um desafio para toda a comunidade escolar e um pedido dos docen-tes. As atividades eram realizadas tanto on-line, individualmente e em grupo, como também por meio de encontros realizados na Diretoria de Ensino. Foram de um a três encontros dependendo da disciplina em formação. O curso foi dividido em três módulos, que tiveram duração variada dependendo da disciplina ou especialida-de. O primeiro módulo foi ministrado aos formadores que atuariam como tutores das turmas; o segundo, direcionado aos professores

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das áreas específicas; e o terceiro representou um aprofundamento das questões levantadas e discutidas. A participação foi de 3.870 es-colas com 40.129 professores envolvidos e 91 Diretorias de Ensino do estado de São Paulo. A pesquisa foi realizada com professores de escolas da rede estadual de ensino da cidade de Batatais, interior de São Paulo, que realizaram o curso “Melhor Gestão, Melhor En-sino” no ano de 2013.

O curso teve início com um encontro de três dias em Águas de Lindóia, interior de São Paulo, com a presença do Governador do Estado, Secretário da Educação, Supervisores, PCOPs (Pro-fessores Coordenadores de Oficinas Pedagógicas), Professores de Língua Portuguesa e Matemática.

Nos encontros presenciais, os participantes assistiram a vi-deoconferências, palestras, debates e compartilharam experiências vivenciadas em sala de aula tendo sempre em foco a competência leitora e escritora que representa a espinha dorsal do currículo. Os princípios norteadores do trabalho foram: a escola que aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como eixo da aprendizagem, a prioridade das competências leitora e escritora e a contextualização no mundo do trabalho. No entanto, foram apenas de um a três encontros presenciais, dependendo da especialidade, o que impediu que tais discussões fossem aprimoradas e amadu-recidas, uma vez que os fóruns do curso eram pouco visitados e o formato do curso não propiciava com eficiência a interatividade, a dialogicidade e a colaboração, quesitos essenciais para a busca de soluções dos possíveis problemas vivenciados pelos professores quanto à gestão da sala de aula.

O ambiente virtual de aprendizagem (AVA) oferecia textos para leitura e posterior discussão nos fóruns; os trabalhos eram re-alizados individualmente e enviados para o tutor que realizava as correções e deveria fazer devolutiva em até 48 horas. A avaliação era realizada levando em consideração a realização das atividades e participação nos encontros presenciais; e o tutor poderia solici-tar que fossem refeitas às atividades que tivessem aproveitamen-to insatisfatório. Tais tutores eram professores da rede que teriam recebido capacitação. Os professores entrevistados alegaram que

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os tutores não enviavam as devolutivas a contento e em determi-nadas situações o tutor não era professor específico da área. Tal reclamação foi mais frequente no curso de Matemática, em que os professores não obtiveram com esclarecimentos as respostas das atividades realizadas.

Notou-se que os professores com mais tempo de experiên-cia alegavam que os cursos oferecidos pela Secretaria da Educação deveriam estar mais condizentes com a realidade da escola embo-ra ressaltassem a importância da formação continuada. A grande reclamação foi quanto aos prazos dos cursos, ou seja, pouco tem-po para a realização das atividades. Os que estavam próximos da aposentadoria alegaram que o curso não seria utilizado para nada. Os professores com menos anos de experiência profissional des-tacavam a importância da formação e o direcionamento do curso para o esclarecimento e cumprimento do currículo, embora também apresentassem críticas quanto aos prazos curtos, vídeos cansativos e fora da realidade da escola, também destacavam que o plano de aula era uma cópia do currículo. Uma vantagem ressaltada foi a adequação das atividades ao seu tempo e lugar disponível, visto que eram realizadas virtualmente. Os horários apontados para realiza-ção das atividades eram à noite e durante a semana.

Quanto à experiência profissional é possível analisar que a maioria dos professores entrevistados possuía certa experiência profissional. O menor tempo de experiência era de dois anos, de um professor que realizou o curso de Ciências. O maior, era o de um professor com 28 anos de experiência, que realizou o curso de Língua Portuguesa. A faixa etária dos professores que realizaram o curso de Língua Portuguesa estava entre 27 e 51 anos. A faixa etária dos professores que realizaram o curso de Matemática estava entre 32 e 60 anos. A faixa etária dos professores que realizaram o curso de Ciências estava entre 24 e 55 anos. Como foi dito, em relação à formação quanto mais os professores estavam próximos da aposen-tadoria menos significado o curso apresentava para eles.

Segundo os professores, o abandono do curso estava relacio-nado: aos prazos curtos para realização das atividades; à perda das datas de entrega; à falta de tempo para dedicação ao curso; e ao de-

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sinteresse. As dificuldades apontadas foram diversas como: uso de algumas ferramentas; dificuldade para postar; construção de blogs; realização das atividades em geral e principalmente daquelas que necessitavam de outros colegas do grupo, pois não conseguiam se contatar para realizar as atividades; pouco tempo para realização das atividades, interatividade nas atividades.

Entre os motivos pelos quais o curso não estava voltado à realidade da escola, destacaram-se os seguintes: os conteúdos tra-balhados nos cursos eram inaplicáveis nas realidades que os pro-fessores enfrentavam em sala de aula; as teorias eram interessantes, mas não eram condizentes com a clientela da maioria das escolas; assuntos que já eram do conhecimento dos professores; cursos mo-nótonos e que exigiam, na realização das atividades, cópias dos conteúdos apresentados. Dessa forma, a análise dos questionários aponta que tais entraves destacam a necessidade de se repensar o modelo utilizado e o entendimento do conceito de educação on-line tanto por parte dos elaboradores dos cursos, tutores e professores em formação, a fim de contribuir para o desenvolvimento de uma formação continuada eficiente e eficaz.

Deduz-se que a Educação a Distância da EFAP tem como primazia o modo unidirecional, com um desenho fechado, predefi-nido e linear, com textos audiovisuais e multimídias, como aqueles apresentados na TV, DVDs, rádio e PDF, nos quais quem aprende exerce apenas o papel de leitor de todo material disponível. Esse formato prevalece mesmo quando o curso é apresentado como se-mipresencial; na prática, há pouca interação, tanto presencial quan-to on-line.

Tal formato restringiu as discussões que foram levantadas no decorrer do curso e que são questões pertinentes como: a concep-ção da progressão continuada, a necessidade de revisitar o Projeto Pedagógico, a concepção de avaliação e sua importância no pro-cesso de aprendizagem, relevância da avaliação diagnóstica, pro-cessual e formativa, a interdisciplinaridade e transversalidade, in-clusão, a universalização do acesso à escola, evasão, a identidade do professor, leitura digital, inclusão digital, tecnologia e como a escola tem lidado com ela. Tais questões são de suma importância

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para a reconstrução da escola e sua inserção no contexto atual, mas é necessário que sejam cuidadosamente discutidas e amadurecidas para que, dessa forma, o professor possa ter clareza de sua função no espaço escolar e de sua atuação enquanto implementador de tal política pública de formação continuada. Os reflexos de tal política poderão ser notados a partir do momento em que o professor, num processo de dialogicidade e interatividade, reelaborar concepções que são muitas vezes mal interpretadas pelos professores. O espaço de formação continuada que propicie dialogicidade e interatividade pode contribuir para tal fim. No caso do curso pesquisado, não foi possível amadurecer questões de suma importância para a comuni-dade escolar, pois o formato do curso limita tais espaços de reflexão e reelaboração de concepções como da progressão continuada, até mesmo porque não possuía chat e os fóruns eram pouco visitados.

O resgate da gestão pedagógica do diretor e o apoio da equipe gestora junto ao professor são importantes para criar um ambiente eficaz para a construção de um currículo unificado, atendendo às necessidades das escolas e à melhoria da qualidade de ensino, mi-nimizando a distância entre o currículo proposto e o desenvolvido pela escola, pois o professor é o implementador do currículo, sendo necessário que ele tenha claros seus objetivos, suas concepções.

Cabe à Diretoria de Ensino acompanhar o desenvolvimen-to das atividades propiciando apoio para o seu bom andamento e procurando sanar possíveis dúvidas surgidas tanto do uso da plata-forma e utilização de toda tecnologia como também das atividades propriamente ditas.

Com o avanço tecnológico e a utilização da WEB 2.0, as possiblidades de interação se ampliaram: diversidades, criação e dialogicidade. Nesse formato, é possível notar um ambiente virtual predefinido e redefinido de forma colaborativa no qual hipertex-to, fóruns, chats, wikis, redes sociais e podcasts contribuem para uma expressão individual e colaborativa. O distanciamento, então, é minimizado, pois a interação e a dialogicidade acontecem e o participante é coautor nas atividades desenvolvidas. É um formato em que o processo de formação do conhecimento ocorre de forma colaborativa. Tal formato possibilita a interação, o esclarecimen-

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to de dúvidas entre os pares/tutor, articulações que se enriquecem, ampliação do conhecimento, criação, organização, imersão através de ícones, janelas, enfim, o participante não se sente sozinho e tam-bém se sente envolvido no processo de aprendizagem. O formato descrito anteriormente pode ser considerado educação on-line, pois nele ocorre dialogicidade, interação, compartilhamento e colabo-ração, embora os participantes estejam distantes fisicamente. Tal formato que possibilita a interatividade não é oferecido pelos cur-sos da EFAP.

É necessário, no processo de formação continuada de profes-sores, que a formação ocorra num ambiente que possibilite interati-vidade, dialogicidade e colaboração, como aponta Gatti:

Dessa forma, o que necessitamos é compreender a reali-dade docente e fornecer subsídios técnico-didático-pe-dagógicos para que possa se emancipar digitalmente e, assim, propor práticas, a partir do uso de diferentes TD [tecnologias digitais], de forma a consistir em uma inova-ção no contexto educacional. Assim, por Educação Digital Emancipatória e Cidadã, entendemos: [...] um nível tal de apropriação, de fluência tecnológica digital, que propicie ao sujeito ser um cidadão desse tempo, conferindo-lhe um empoderamento que possibilita exercer autonomia social e autoria criativa, num espaço dialógico, cooperativo, per-passado pelo respeito mútuo e pela solidariedade inter-na. Isso implica criar espaços onde o outro é reconhecido como legítimo na interação e, portanto, alguém com quem é possível estabelecer uma relação na qual, em diferentes momentos, ambos são coensinantes e coaprendentes, num processo de mediação e intermediação pedagógica múlti-pla e relacional. Isso permite libertar os sujeitos das rela-ções de opressão, num espaço onde por meio de um viver e conviver digital virtual todos se transformam mutuamente nas interações que conduzem ao diálogo autêntico (GATTI et al., 2011, p. 131).

É fundamental que o professor vivencie o universo digital, se aproprie dele, que é uma realidade para a maioria dos alunos que utilizam smartphones, laptop, iPad, tablets, podendo contribuir para a autonomia, dialogicidade, diversidade.

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Dessa forma, é possível inferir que a maioria dos cursos ofe-recidos pela EFAP segue um planejamento tecnicista, pois se apre-sentam num formato autoinstrucional propiciando um ambiente de distanciamento e focado na possibilidade da oferta de cursos. A preocupação na formatação e oferta do curso é pautada essen-cialmente por questões técnicas, bem como pela distância entre os atores da tomada de decisões e aqueles que as levarão a efeito.

Vale ressaltar que os cursos realizados on-line são mais viá-veis ao professor, que muitas vezes ministra aulas em duas ou três escolas, podendo realizar suas atividades de formação em tempo e local alternativos. Mas há que se considerar que os cursos ofereci-dos pela EFAP de 30, 60 ou 90 horas, com módulos mais curtos, têm o objetivo de atingir uma quantidade maior de professores e relega ao segundo plano um quesito de suma importância que é o seu formato. O formato dos cursos é autoinstrucional, o que tolhe a interação e aumenta o distanciamento.

Gatti discorre sobre o conceito de Educação a Distância:No Brasil, a Secretaria de Educação a Distância – Seed, criada pelo MEC, definiu no Decreto n. 5622 de 19 de de-zembro de 2005 que regulamentou o artigo 80 da Lei n. 9.394/96 (LDB), apontava a Educação a Distância como [...] a modalidade educacional na qual a mediação didá-tico-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de infor-mação e comunicação, com estudantes e professores de-senvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos (GATTI et al., 2011, p. 121).

Portanto, esse modelo de Educação a Distância aponta um conceito apenas instrucional enquanto a educação on-line propõe a interatividade, colaboratividade em ambientes síncronos e assín-cronos.

É necessário que a educação on-line seja apreendida em sua amplitude conforme aponta Silva (2007, p. 83):

A educação on-line não é uma evolução da EAD feita à base de mídia de massa (impresso, rádio e TV). Ela emerge como um fenômeno da cibercultura, portanto em outro pa-radigma comunicacional. Compreendida como modalida-

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de educacional potencializada pelas tecnologias digitais ou ainda como o conjunto de ações de ensino e aprendizagem que são desenvolvidas através de meios telemáticos, como a internet, a especificidade da educação on-line encontra--se no fato de utilizar tecnologias que permitem novas formas de interação tanto com conteúdos informativos quanto entre as pessoas. Assim, à medida que se conhecem ambientes on-line de aprendizagem, percebe-se que além da informação existem à disposição recursos que possibi-litam a interlocução entre seus frequentadores.

Portanto, os cursos de formação continuada necessitam se aproximar mais do conceito de educação on-line, ou seja, possibili-tar interatividade, coautoria e colaboração; e não mera transmissão de conhecimentos – o que ocorre na maioria dos cursos oferecidos pela EFAP. O curso autoinstrucional está baseado em um conceito e em um planejamento tecnicista que foca na mera transmissão do conhecimento e na formação continuada do professor de forma “so-litária” e praticamente sem interatividade dialogicidade e coautoria, aspectos indispensáveis na educação on-line.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo surge num momento em que garantir a forma-ção permanente dos profissionais das diversas áreas é algo funda-mental. Quando se trata de professores e, ainda, docentes da escola básica, torna-se vital a garantia de formação em serviço, uma vez que esses profissionais têm como principal objeto a construção e transmissão do conhecimento.

Observa-se, ao analisar a estrutura organizacional da EFAP, uma influência decisiva do modelo gerencial de planejamento. Isso porque a opção pela centralização está presente em diferentes mo-mentos do processo: na definição, na elaboração, na organização e até na implementação dos cursos.

Dessa forma, o planejamento e análise de uma política públi-ca é de extrema importância para a eficácia de sua implementação, mas é fundamental que os atores elaboradores e implementadores

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estejam envolvidos e conscientes da realidade em que tal política será implementada.

No caso da política de formação continuada de professores implementada pela EFAP, é notável o planejamento tecnicista, além da distância entre os atores elaboradores e implementadores, o que pode comprometer o resultado e a eficácia dessa política. É neces-sário considerar a complexidade da educação on-line na elabora-ção de modelos de cursos de formação continuada que atendam a interatividade e a dialogicidade, o que não ocorre na maior parte dos cursos oferecidos pela EFAP, que se enquadram em modelos autoinstrucionais.

Embora o curso “Melhor Gestão, Melhor Ensino” tenha sido oferecido no formato semipresencial e tenha apresentado fórum, tal modelo está longe de se apresentar adequado e coerente à educação on-line com a dialogicidade e a interatividade necessárias para o bom andamento do curso e sua eficiência e eficácia.

O planejamento do curso precisa respeitar as especificidades regionais, os atores envolvidos e as dificuldades de cada clientela. O curso “Melhor Gestão, Melhor Ensino” priorizou a competência leitora e escritora que norteia o currículo, mas relegou a segundo plano a interatividade e a dialogicidade, trocas de experiências que são de suma importância para a eficiência e eficácia de tal política pública.

Pode-se concluir que o distanciamento entre os atores e im-plementadores (no caso, sendo a EFAP o órgão implementador) da política pública de formação continuada apresenta modelos de cur-so de formação que não têm atendido às expectativas da proposta da educação on-line com interatividade e dialogicidade, compro-metendo assim o resultado e a eficácia de tal política.

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A formação de professores em serviço promovida pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo por meio do Núcleo Pedagógico

Josiane Paula ETELVINO1

Maria Madalena GRACIOLI2

Resumo: O presente artigo tem como propósito discutir os limites, as fragilidades e as potencialidades da política pública da formação de professores em serviço criada pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e implementada nas Diretorias Regionais de Ensino por meio dos Núcleos Pedagógicos. A principal atividade dessa formação são as reuniões para Orientação Técnica, as OTs, que proporcionam momentos para compartilhar experiências e dúvidas, cujo foco é apoiar a atuação do professor para que essa formação continuada contribua da melhor forma para o avanço da qualidade do trabalho docente. Tal reflexão parte da análise da legislação que criou e regula essa política distributiva para questionar aspectos da estrutura da implementação e avaliação da formação docente em serviço, uma vez que características dessas estruturas podem gerar obstáculos para o cumprimento dos objetivos traçados para a política pública.

Palavras-chave: Formação em Serviço. Política Pública Educacional. Política Distributiva.

1 Josiane Paula Etelvino. Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus Franca (SP). Especialista em Planejamento, Implementação e Análise de EAD pela Universidade Federal Fluminense (UFF), campus Niterói (RJ). E-mail: <[email protected]>.2 Maria Madalena Gracioli. Pós-doutora pelo Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia – Universidade de Coimbra (CES/UC), Portugal. Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Mestra em Ciências e Práticas Educativas pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Docente e conselheira do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus Franca (SP). E-mail: <[email protected]>.

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The formation of teachers in Service of the Secretariat of Education of the São Paulo State through the Pedagogic Cluster

Josiane Paula ETELVINOMaria Madalena GRACIOLI

Abstract: The purpose of this article is to discuss the limitations, weaknesses and potentialities of public policy of formation of teachers in service created by the Education Secretariat of the State of São Paulo and implemented in the Regional Education Departments through the Pedagogical Clusters. The main activity of this training is the meetings for Technical Orientation, OTs, which provide moments to share experiences and doubts, whose focus is to support the teacher’s work so that this continuous training contributes in the best way to the advancement of the quality of teaching work. This reflection commence of the analysis of the legislation that created and regulates this distributive policy to question aspects of the structure of the implementation and evaluation of in- -service teacher formation, characteristics of these structures can create obstacles to the achievement of the objectives outlined for public policy.

Keywords: Formation in Service. Educational Public Policy. Distributive Policy.

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1. INTRODUÇÃO

A formação embasada na prática é uma carência reconhecida tanto por pesquisadores da área como pelos próprios professores. Petrilli e Camargo (2007) afirmam que cada vez mais esse tipo de formação tem sido valorizado na implementação de políticas públi-cas educacionais, e na SEESP isso não seria diferente. Apesar de haver programas de formação continuada voltados para o currículo e para o suporte a outras políticas educacionais, coexistem tam-bém algumas ações e programas que têm como proposta subsidiar a prática docente no sentido de possibilitar uma atuação reflexiva, propondo ao professor que se coloque como produtor de conheci-mento. Essa formação é a implementada pelos Núcleos Pedagó-gicos e, apesar de também ser direcionada ao currículo, está mais próxima da realidade de cada comunidade e do professor, abrindo a possibilidade de uma prática docente mais autônoma.

No entanto, por ser uma política pública do tipo distributiva, toda a sua organização, desde a criação, passando por alterações e principais diretrizes, é definida por legislação. De acordo com Lowi (1964; 1972 apud SOUZA, 2006), isso a caracteriza como uma política distributiva, pois seu impacto inicial é individual, no entanto, a melhoria da formação continuada docente tem consequ-ências na prática em sala de aula, e isso pode resultar em melhoras expressivas na qualidade do ensino e, de modo geral, na educação paulista.

Sendo assim, seus contornos podem surgir antes de sua es-trutura física. Muitas das reflexões feitas neste texto questionam a relação algumas vezes conflitante entre o que está previsto na legislação e as reais necessidades da realidade docente. Esta análise parte da realidade da Diretoria Regional de Ensino de Franca (SP), sendo fruto de uma pesquisa de mestrado realizada entre 2015 e 2017 cujo objetivo principal se dedicava a compreender como a política pública de formação continuada de docentes por meio do Núcleo Pedagógico contribui de forma positiva para a prática do-cente em sala de aula.

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A escolha das atividades e ações desse Núcleo como foco se justifica primeiramente pela grande importância que a formação continuada docente assumiu na melhoria da qualidade da educa-ção e pela possibilidade de acompanhamento das principais etapas, implementação e avaliação no ciclo dessa política. O Núcleo Peda-gógico, ao implementar e monitorar as políticas de formação conti-nuada docente, tem a possibilidade de propor ações de intervenção no curso das ações, fazendo com que o trabalho docente seja um processo contínuo de planejamento, ação, reflexão, replanejamento e ação, além de incentivar a produção de novos projetos e a manu-tenção de antigas propostas.

2. ESTRUTURA DA FORMAÇÃO DOCENTE E A ATU-AÇÃO DO PROFESSOR COORDENADOR DO NÚ-CLEO PEDAGÓGICO – PCNP

Algumas das formações em serviço mais próximas da reali-dade do trabalho docente são as atividades realizadas pelo Núcleo Pedagógico, onde trabalham professores designados ao cargo de Professor Coordenador de Núcleo Pedagógico – PCNP3. A rele-vância do PCNP é descrita pela Resolução SE 68 de 19 de junho de 2012, ano em que essa função passou a ser concebida de for-ma mais ampla. De acordo com a Resolução SE Nº 68/2012 (SÃO PAULO, 2012b), que dispõe sobre as ações de acompanhamento realizadas pelos Professores Coordenadores do Núcleo Pedagógi-co – PCNPs – nas unidades escolares, já nos primeiros tópicos do texto, fica evidente a importância e o papel do PCNP na melhoria da qualidade da educação:

– a importância da atuação do Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico – PCNP –, nas unidades escolares, em articulação com o Supervisor de Ensino, para a melhoria do ensino público estadual;

– a significativa contribuição do PCNP à melhoria do pro-cesso ensino-aprendizagem, garantindo melhor desem-

3 As OTs são planejadas, organizadas, realizadas e avaliadas pelos PCNPs (Professores Coordenadores de Núcleo Pedagógico). Há um para cada disciplina e nível de ensino (Ensino Fundamental I, II, Ensino Médio e Educação Especial). Eles são professores escolhidos pelo Dirigente de Ensino e afastados de seus cargos por meio de designação para assumir essa nova função.

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penho do aluno nas avaliações escolares (SÃO PAULO, 2012b, [n.p.]).

Esses professores que ocupam a função de PCNP não só têm a função descrita pelo artigo 73 do decreto, que reorganiza a Secre-taria da Educação e dá providências correlatas, que são a de “im-plementar ações de apoio pedagógico e educacional que orientem os professores na condução de procedimentos relativos à organiza-ção e ao funcionamento do currículo nas modalidades de ensino” (SÃO PAULO, 2011, [n.p.]), mas também são responsáveis pelo monitoramento das políticas públicas, tendo ainda papel decisivo no planejamento, implementação e avaliação. Conforme descreve o Decreto Nº 57.141/2011, que reorganiza a Secretaria da Educação e dá providências correlatas:

V – implementar e acompanhar programas e projetos edu-cacionais da Secretaria relativos à área de atuação que lhes é própria;

VI – identificar necessidades e propor ações de formação continuada de professores e de professores coordenadores no âmbito da área de atuação que lhes é própria;

VII – participar da implementação de programas de for-mação continuada, em articulação com a Escola de Forma-ção e Aperfeiçoamento dos Professores;

VIII – acompanhar e apoiar reuniões pedagógicas realiza-das nas escolas;

IX – promover encontros, oficinas de trabalho, grupos de estudos e outras atividades para divulgar e capacitar pro-fessores na utilização de materiais pedagógicos em cada disciplina (SÃO PAULO, 2011 [n.p.]).

Desse modo, o PCNP é de extrema importância para que as políticas públicas de formação de professores tenham êxito, pois, em consonância com as diretrizes da SEESP, contribui de forma direta com as outras políticas e com o principal objetivo de todas as mudanças discutidas acima, a melhoria da qualidade da educação. Ao afirmar isso, a formação de professores ganha um papel estra-tégico no campo das políticas públicas educacionais, como afirma novamente a Resolução SE Nº 68/2012:

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Artigo 1º – As Orientações Técnicas realizadas pelos Pro-fessores Coordenadores do Núcleo Pedagógico – PCNPs, visam, precipuamente, a acompanhar as unidades escola-res no desenvolvimento das atividades implementadoras do currículo, avaliando seu andamento e orientando os docentes de modo a assegurar o cumprimento das metas estabelecidas pela unidade escolar em sua proposta peda-gógica (SÃO PAULO, 2012b, [n.p.]).

A principal atividade se dá nas reuniões para Orientação Téc-nica, as OTs. Elas são muito importantes, pois reúnem boa par-te do corpo docente de uma determinada área (Humanas, Exatas, Linguagens ou Ciências da Natureza) de todas as escolas de uma Diretoria de Ensino para discussão de temas sobre docência, apren-dizagem, autoavaliação, resultados dos indicadores de qualidade, formulação e apresentação de projetos, entre outros temas. Além disso, é um momento de compartilhar experiências e dúvidas, cujo foco é apoiar a atuação do professor para que essa formação con-tinuada contribua da melhor forma para o avanço da qualidade do trabalho docente:

[...] entende-se por Orientação Técnica todo e qualquer espaço de reuniões de caráter pontual, sistemático ou circunstancial que objetive o aprimoramento da prática profissional do servidor, com vistas a subsidiá-lo com in-formações específicas que aperfeiçoem seu desempenho (SÃO PAULO, 2012a, [n.p.]).

As reuniões para Orientação Técnica ocorrem, na maioria das vezes, no prédio das Diretorias Regionais de Ensino, podendo ser diretas ou indiretas no que se refere ao contato com os docentes. Nas reuniões indiretas, são convocados os professores coordena-dores de cada escola, para que esses tenham a função de multi-plicadores e repassem as informações aos professores; geralmente, os temas desse tipo de formação estão mais relacionados à análise de indicadores e a estratégias didáticas do que a temas de áreas específicas do conhecimento. Nesse caso, os Coordenadores são responsáveis pelo “[...] fortalecimento das ações de orientação e aperfeiçoamento do fazer pedagógico em sala de aula, pilar básico da melhoria da qualidade do ensino” (SÃO PAULO, 2014, [n.p.]).

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Contudo, as reuniões para Orientação Técnica direta, com a presença dos docentes, são as que mais ocorrem. Eles comparecem às reuniões quatro vezes ao ano, convocados por meio de publica-ção no Diário Oficial do Estado de São Paulo; portanto, nesse dia, são dispensados de ministrar as aulas para participar das reuniões.

O Núcleo Pedagógico solicita às escolas que convidem para a reunião um determinado número de professores de uma disciplina ou área e, geralmente, as escolas permitem que os professores deci-dam entre si quais querem e podem comparecer. As escolas, por sua vez, enviam ao Núcleo Pedagógico um ou mais nomes, dependen-do da abrangência da reunião, a partir de uma listagem. Os profes-sores são convocados por meio de publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo para participarem da reunião para Orientação Técnica. Portanto, não são todos os professores que são chamados, apenas uma parcela deles; sendo assim, se há outros professores da mesma disciplina ou área na escola, dependendo da amplitude da OT, provavelmente eles não são integrados à lista, logo, não po-dem ir à reunião, devendo trabalhar normalmente. Por se tratar de uma convocação feita pelo Diário Oficial do Estado de São Paulo, caso o professor solicitado não queira ou não possa participar da reunião, também não poderá ir ao trabalho e ficará com falta, por-que nesse dia sua presença só pode ser validada se ele estiver na OT, como afirma a Resolução SE Nº 61/2012, que dispõe sobre as Orientações Técnicas:

Artigo 5º – O servidor convocado para participar de Orientação Técnica será dispensado das atividades/aulas, do turno/período de seu horário de trabalho que coincidir com o horário de realização da Orientação, podendo haver dispensa de até a totalidade das atividades/aulas do servi-dor, quando:

I – a carga horária e a distância do local de realização da Orientação Técnica inviabilizarem, em tempo hábil, o comparecimento do participante ao seu órgão/unidade de exercício;

II – a carga horária da Orientação Técnica e o tempo ne-cessário ao deslocamento do participante perfizerem a totalidade de sua carga horária de trabalho no respectivo órgão/unidade de exercício (SÃO PAULO, 2012a, [n.p.]).

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Esse caráter obrigatório gera grande desconforto por vários motivos: alguns professores preferem não participar, outros gosta-riam de participar, mas nem sempre têm compatibilidade de horá-rio, por acúmulo de cargo na própria SEE, ou em secretarias mu-nicipais, por lecionarem em escolas privadas ou, ainda, por terem outros empregos. Outro fator limitador é a duração das reuniões, pois geralmente elas duram oito horas, ocupando os períodos da manhã e da tarde. Grande parte dos professores relata, assim, que as reuniões têm mais horas de duração do que as aulas naquele dia, e que, apesar disso, não há remuneração pelas horas a mais cumpri-das, embora se considere que elas horas fazem parte das atribuições do cargo.

Artigo 3º – As atividades propostas para cada Orientação Técnica deverão totalizar, no mínimo, 4 (quatro) e, no má-ximo, 8 (oito) horas diárias, podendo ser realizadas em ho-rário regular de trabalho dos servidores envolvidos, sendo que, no caso de Orientação Técnica destinada a docentes em sala de aula, seu desenvolvimento não poderá exceder a 1 (um) dia de atividades por trimestre (SÃO PAULO, 2012a, [n.p.]).

Além das questões limitantes, há poucos incentivos para que o professor se dedique a essa formação, pois, apesar de obrigató-rias, as atividades de formação realizadas por convocação não são consideradas para carreira docente, pois não há como comprovar a participação – “[...] ao participante de Orientação Técnica, não será conferido certificado” (SÃO PAULO, 2012a, [n.p.]). Portanto, todas as reuniões para Orientação Técnica não são reconhecidas pelo próprio Estado que as formula. Sendo assim, o professor não recebe certificados ou pontuação para evolução funcional4, o que seria um grande incentivo à participação efetiva nos projetos do núcleo pedagógico.

Ademais, alguns aspectos relacionados à organização das reuniões para Orientação Técnica não contribuem para a continui-4 Evolução funcional é o plano de carreira instituído pela L.C. nº 836/97, alterado pela LC 958/04, que define a passagem do integrante do QM – quadro magistério – para nível retribuitório superior da respectiva classe, com aumento de salário. Essa evolução ocorre de duas maneiras: pela via acadêmica (considerado o fator habilitações acadêmicas obtidas em grau superior de ensino) ou pela via não acadêmica (considerados os fatores relacionados à atualização, ao aperfeiçoamento profissional e à produção de trabalhos na respectiva área de atuação) (SÃO PAULO, 2004).

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dade da formação, sendo os principais pontos: pouco número de convocações, quatro ao ano; o fato de não ser possível a participa-ção de todos os professores; nem sempre as convocações são feitas para os mesmos professores e/ou professores da mesma área ou disciplina. Desse modo, não há a interdisciplinaridade na formação, o que pode contribuir para o distanciamento entre diferentes áreas do conhecimento, que, na prática docente, estão interligadas, pre-judicando o caráter interdisciplinar dos temas presentes em todas as disciplinas. No entanto, essa característica das OTs está prevista pela legislação, sendo que cada PCNP de uma área específica fica responsável pela organização da formação no que se refere a:

IX – promover encontros, oficinas de trabalho, grupos de estudos e outras atividades para divulgar e capacitar pro-fessores na utilização de materiais pedagógicos em cada disciplina (SÃO PAULO, 2011, [n.p.]).

Além dos aspectos estruturais, a legislação também traça determinados objetivos para a formação de professores, por meio do Núcleo Pedagógico, nas reuniões de Orientação Técnica; en-tre os principais, estão: reflexão sobre os resultados da avaliação SARESP5, acompanhamento da evolução dos indicadores da edu-cação básica (IDESP6 e IDEB7), aplicação do currículo do estado de São Paulo e orientação para o trabalho com alunos, principal-mente aqueles com dificuldades de aprendizagem. Por conseguin-te, todo o processo de formação está voltado para coadjuvar com ações, políticas públicas e programas implementados pela SEESP, principalmente aqueles relacionados à prática docente, como a im-plantação do currículo:5 A avaliação Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP que será o principal dado na formação do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo IDESP e a Prova Brasil aplicada pelo governo federal, que irá compor o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB (SÃO PAULO, 2007).6 O IDESP - Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo - é um indicador de qualidade das séries iniciais (1ª a 4ª séries) e finais (5ª a 8ª séries) do Ensino Fundamental e Médio. Na avaliação de qualidade das escolas feita pelo IDESP, consideram-se dois critérios complementares: o desempenho dos alunos nos exames do SARESP e o fluxo escolar. O IDESP tem o papel de dialogar com a escola, sinalizando sua evolução ano a ano (SÃO PAULO, 2007).7 IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - é um indicador sobre qualidade da educação que é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios (MEC, 2011).

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Artigo 1º – Todas as Orientações Técnicas programadas pelos órgãos centrais ou regionais desta pasta, que visam a subsidiar a atuação de servidores na implementação de diretrizes, metodologias, procedimentos e/ou práticas téc-nico-pedagógicas, curriculares e administrativas da edu-cação básica, deverão ser organizadas e implementadas na conformidade do disposto na presente resolução (SÃO PAULO, 2012a, [n.p.]).

3. AUTONOMIA COMPROMETIDA DOS NÚCLEOS PE-DAGÓGICOS

Para que esses objetivos sejam cumpridos, a autonomia do Núcleo Pedagógico pode ser parcialmente comprometida no que se refere à possibilidade de formulação de ações para problemas específicos, à realização de atividades e eventos fora da Diretoria Regional de Ensino e à programação de reuniões para Orientação Técnica com temas mais próximos da realidade local. Isso ocor-re porque a realização de atividades fora das Diretorias Regionais de ensino e a saída do PCNP do Núcleo Pedagógico são limitadas e submetidas à autorização. Mas isso também depende muito dos PCNPs, pois esses podem e devem direcionar o foco da formação para as questões relacionadas à realidade das escolas e, apesar das inúmeras atribuições, devem sempre buscar estar presentes nas es-colas quando necessário ou quando solicitados.

As reuniões para Orientações Técnica são realizadas por cada Diretoria Regional, porém, nem sempre as temáticas trabalhadas têm a mesma proposta. Frequentemente, as atividades são padroni-zadas em todas as Diretorias Regionais de Ensino e, por isso, há um espaço pequeno para discussão dos problemas locais.

Além disso, por ocorrerem apenas reuniões centralizadas nas Diretorias de Ensino, as particularidades de cada escola não são discutidas com detalhes. Seria importante dar mais autonomia aos Núcleos Pedagógicos para a realização com maior frequência de OTs em outros espaços, como, por exemplo, nas escolas, reunindo--se professores de todas as disciplinas, e não apenas nas Diretorias Regionais de Ensino com professores de áreas específicas.

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Essa estratégia favoreceria discussões sobre problemas, di-ficuldades e potencialidades, de acordo com a realidade de cada unidade escolar, pois são muitas as escolas que necessitam de uma orientação mais próxima da sua realidade. Além do mais, esse mo-mento com a presença da maioria dos professores e dos PCNPs seria uma ótima oportunidade para a formulação de projetos inter-disciplinares e transdisciplinares.

A realização de OTs descentralizadas é muito limitada por vários fatores, sendo o principal determinado pela legislação. A Resolução SE Nº 68/2012b, que dispõe sobre as ações de acompa-nhamento realizadas pelos PCNPs nas unidades escolares, é a mais específica nesse ponto, pois faz determinadas exigências à presença dos PCNPs nas escolas e limita em número visitas:

Artigo 4º – Na realização de orientações técnicas descen-tralizadas nas unidades escolares, observar-se-á o seguin-te:

I – os deslocamentos deverão ser realizados por todos os Professores Coordenadores do Núcleo Pedagógico – PCNPs – da Diretoria de Ensino, respeitado o máximo de 15 (quinze) saídas mensais por PCNP, autorizadas pelo Dirigente Regional de Ensino, de acordo com critérios es-tabelecidos.

II – a determinação do cronograma e da periodicidade dos deslocamentos, bem como da sua distribuição pelas unida-des escolares, ficam sob a responsabilidade do Dirigente Regional de Ensino, ouvido o Diretor do Núcleo Pedagógi-co (SÃO PAULO, 2012b, [n.p.]).

Mesmo que o PCNP se esforce para cumprir as atribuições de sua função e consiga as autorizações necessárias dentro das li-mitações expostas acima, esse profissional ainda esbarra na maior limitação para o seu trabalho, que é o pouco número de profissio-nais em relação à quantidade de escolas. Tal entrave se justifica novamente pela própria legislação, a qual limita o número de pro-fissionais que deverão ser contratados. Geralmente, há um PCNP para cada disciplina do currículo e níveis de ensino, como dispõe a Resolução SE Nº 75/ 2014, que trata sobre a função gratificada de Professor Coordenador de Núcleo Pedagógico. No caso da Direto-

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ria Regional de Ensino de Franca, por exemplo, havia 69 escolas em 2016.

Artigo 4º – O Núcleo Pedagógico das Diretorias de Ensino terá seu módulo composto por até 16 (dezesseis) Profes-sores Coordenadores, podendo esse módulo ser ampliado, com base no número de unidades escolares da circunscri-ção da Diretoria de Ensino, na seguinte conformidade:

I – com 29 escolas: mais 1 (um) PCNP;

II – com 30 a 42 escolas: mais 2 (dois) PCNPs;

III – com 43 a 55 escolas: mais 3 (três) PCNPs;

IV – com 56 a 68 escolas: mais 4 (quatro) PCNPs;

V – com 69 a 81escolas: mais 5 (cinco) PCNPs;

VI – com mais de 81 escolas: mais 6 (seis) PCNPs (SÃO PAULO, 2014, [n.p.]).

Como é possível observar, o número de profissionais res-ponsáveis pela formação em serviço dos professores é insuficiente diante do público atendido na Diretoria de Ensino de Franca. Isso compromete profundamente as fases de implementação, monito-ramento e avaliação da política pública, comprometendo também seus resultados para a melhoria da qualidade da prática docente e da aprendizagem dos alunos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As limitações impostas pela legislação se apresentam como uma grande barreira. Transpô-las, em alguns aspectos, é impossí-vel, mas podem ser buscados mecanismos para se tentar equilibrar um pouco a desigual balança que deixa, principalmente, o moni-toramento prejudicado diante da grande demanda de escolas e das funções dos PCNPs, tendo-se em vista a dimensão da rede de en-sino.

Os impedimentos anteriormente citados em relação à forma-ção de professores em serviço por meio das ações dos Núcleos Pe-dagógicos se devem principalmente à legislação8, que define suas 8 Principalmente o Decreto Nº 57.141 de 18/07/2011, (SÃO PAULO, 2011), Resolução SE-68 de 19/06/2012 (SÃO PAULO, 2012b), Resolução SE-61 que dispõe sobre as OT que trata no artigo 8º da Resolução 58/2011 e a Resolução SE Nº 75/ 2014 que trata sobre a função gratificada de Professor Coordenador (SÃO PAULO, 2012a).

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atribuições e orientações, sendo os PCNPs e professores subme-tidos ao processo de formação incapazes de atuar de forma dife-rente à estabelecida pela lei. No entanto, essa legislação apresenta algumas aberturas, possibilitando adequações para que os núcleos pedagógicos ofereçam Orientação Técnica ou outros eventos so-bre o currículo de forma a abranger mais de uma disciplina, como questões didáticas e pedagógicas, de modo a incentivar o trabalho coletivo e interdisciplinar nas escolas.

Para mais, ainda há a possibilidade da realização de eventos originais criados por Professores Coordenadores de Núcleo Peda-gógico e implementados regionalmente nas Diretorias de Ensino. Exemplo disso é o Colóquio de Humanidades, um evento nos mol-des acadêmicos que ocorre todo ano na Diretoria Regional de Ensi-no de Franca e já está em sua terceira edição. Nele, os professores participam de palestras sobre diversos temas, apresentam suas me-lhores práticas e podem publicar um artigo completo ou um relato de experiência. Esses são exemplos de que mesmo uma política dis-tributiva pode ser moldada para se relacionar mais com a realidade educacional, mesmo que em pouquíssimos aspectos.

REFERÊNCIAS

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______. Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Programa de Qualidade na escola. São Paulo: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2007. Apresenta os resultados o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://idesp.edunet.sp.gov.br/>. Acesso em: 12 abr. 2015.

______. Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Resolução SE Nº 61/2012a. Dispõe sobre Orientações Técnicas realizadas pelos órgãos centrais e regionais, de que trata o artigo 8º da Resolução SE nº 58/2011. Disponível em: <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/61_12.HTM?Time=23/>. Acesso em: 12 abr. 2015.

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______. Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Resolução SE Nº 75/ 2014. Dispõe sobre a função gratificada de Professor Coordenador. Disponível em: <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/75_14.HTM?Time=23/>. Acesso em: 12 abr. 2015.

______. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. IDEB: entenda as metas de qualidade. Portal IDEB, 2011. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/portal-ideb>. Acesso em: 18 mar. 2017.

PETRILLI, S. R. P.; CAMARGO, D. M. P. Formação docente, desenvolvimento profissional e possibilidades de mudanças. InterMeio: Revista do Programa de Pós-graduação em Educação, Campo Grande, v. 13, n. 26, p. 116-129, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://www.intermeio.ufms.br/revistas/26/Intermeio_v13_n26_Silvia%20Regina.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2015.

SÃO PAULO. Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Lei Complementar. nº 836/97, alterada pela LC 958/04. Institui Plano de Carreira, Vencimentos e Salários para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação e dá outras providências correlatas. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise/legislacaocenp/LEI%20COMPLEMENTAR%20N%C2%BA%20836%20DE%201997.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2015.

SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, jul./dez. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a03n16>. Acesso em: 15 abr. 2015.

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Formação continuada nas escolas: o que dizem os professores sobre a contribuição dos encontros coletivos para o trabalho pedagógico?

Tatiana Noronha de SOUZA1

Fernanda de Melo BLANCO2

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar em que medida as ações realizadas nos horários de trabalho pedagógico coletivo contribuem para a formação continuada de professores em escolas públicas. Para tanto, discorremos sobre a teoria e a legislação relacionadas à formação de professores. Em seguida, apresentamos duas pesquisas que foram realizadas em duas cidades do interior do estado de São Paulo. A primeira pesquisa foi realizada junto a professores de uma rede municipal de ensino, e a segunda, com profissionais da rede pública paulista. A partir de uma abordagem qualitativa, as duas pesquisas realizaram entrevistas com docentes, tendo os dados analisados à luz de teóricos do campo da formação de professores. Os resultados apontam para uma ineficiência no uso do horário coletivo de trabalho para o cumprimento do objetivo estabelecido pela política educacional, que é a de contribuir para a melhoria das práticas pedagógicas.

Palavras-chave: Formação de Professores. Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC).

1 Tatiana Noronha de Souza. Doutora e Mestra em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP). Docente da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Jaboticabal (SP). Orientadora de mestrado no Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas, da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca (SP), e do Programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino e Processos Formativos. E-mail: <[email protected]>.2 Fernanda de Melo Blanco. Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Franca (SP). Especialista em Educação Empreendedora pela Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). Graduada em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-mail: <[email protected]>.

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Continuing education in schools: what do teachers say about the contribution of collective meetings to pedagogical work?

Tatiana Noronha de SOUZAFernanda de Melo BLANCO

Abstract: This article aims to analyze the extent to which the actions carried out in collective pedagogical work schedules contribute to the continuing education of teachers in public schools. In this article we discuss the theory and legislation on teacher education. Afterwards, we present two surveys that were carried out in two cities in the interior of the State of São Paulo (Brazil). The first research was carried out with teachers of a municipal teaching network, the second in the public network of São Paulo. From a qualitative approach, the two surveys conducted interviews with teachers, and the data were analyzed in the light of theorists in the field of teacher education. The results indicates an inefficiency in the use of collective work schedules, in order to fulfill the objective established by the educational policy, which is to contribute to the improvement of pedagogical practices.

Keywords: Teacher Training. Collective Pedagogical Work Schedule (HTPC). Lesson of Collective Pedagogical Work (ATPC).

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1. INTRODUÇÃO

A qualidade da formação de professores e sua relação com a qualidade do ensino é tema presente em diferentes espaços, tais como, no campo de formulação de políticas públicas educacionais, e na universidade. Contudo, há uma diferença na perspectiva de trabalho destes diferentes espaços, pois na universidade tende-se a analisar a qualidade da formação docente, juntamente com inú-meras outras variáveis que interferem na qualidade da educação básica3, enquanto que, em alguns espaços de formulação de políti-cas educacionais dos poderes Executivo e Legislativo (municipal, estadual e federal), costuma-se analisar a formação de professores de maneira isolada, como se ela, sozinha, garantisse a qualidade do ensino. Por uma questão metodológica, os estudos necessitam de recortes, e, por isso, tendem a investigar uma dimensão, entretanto, o debate e a análise da qualidade devem ser feitos de maneira a integrar diferentes variáveis.

Desse modo, para o presente artigo, objetiva-se apresentar dados de duas diferentes pesquisas que analisaram como os profes-sores avaliam os espaços de formação coletiva para a melhoria da prática pedagógica. A perspectiva dos professores é fundamental para a realização da avaliação das estratégias previstas nas políti-cas educacionais para a melhoria da qualidade do ensino. Isso por-que há um investimento público nessas formações, que deve ser avaliado para que seja aperfeiçoado. Contudo, deve-se considerar que:

As avaliações podem ser um “problema” para os gover-nantes, executores e gerentes de projetos porque os resul-tados podem causar constrangimentos públicos. As infor-mações e os resultados das avaliações podem ser usados pelo público e pela imprensa para criticar os governos, da mesma forma que, em caso de “boas notícias”, os governos podem usá-las para legitimar as próprias políticas, como ganho político etc. (TREVISAN; BELLEN, 2008, p. 536, grifo dos autores).

3 Condições de trabalho, alta rotatividade de profissionais, alto número de alunos em sala de aula, condições de pobreza da população, contexto escolar de alta vulnerabilidade, entre outros fatores.

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Mesmo diante dessa realidade, reafirmamos a necessidade de se avaliarem as políticas voltadas à formação continuada dos professores, de modo a fazer com que os investimentos públicos cumpram seus objetivos, que, nesse caso, referem-se à melhoria da qualidade do ensino. Assim, este artigo apresenta, inicialmente, a concepção sobre a formação docente, seguida de legislações que estabelecem como conceber a formação de professores. Em segui-da, são apresentadas duas pesquisas realizadas com professores de dois municípios paulistas. Na primeira pesquisa, as entrevistas fo-ram realizadas com professores de uma rede de ensino municipal, e, na segunda, com profissionais da rede pública estadual. Diante de resultados que mostram que as ações colocadas em prática pelos di-ferentes sistemas de ensino não respondem às demandas docentes, perguntamo-nos sobre qual é a capacidade técnica de formuladores e executores de políticas públicas que levam a cabo estratégias ine-ficientes que, há tempos, não apresentam resultados positivos.

Concepção sobre a formação docente

A perspectiva aqui apresentada compartilha com Pimenta (2006) a necessidade de a formação docente tratar de maneira ar-ticulada teoria e prática. Segundo a autora, ao não se passar da ati-vidade teórica para a atividade prática, nega-se a teoria, e a prática esvaziada de teoria é a expressão do senso comum; por essa razão, teoria e prática caminham juntas, sendo que a teoria enriquece e aperfeiçoa a prática, que oferece novos olhares e significações para a teoria. Essa visão integrada entre teoria e prática pode ser vista no documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica – DCNFPEB (BRASIL, 2002), que estavam vigentes no momento em que a maior parte do grupo de participantes das pesquisas aqui relatadas fazia o curso de gra-duação.

Observamos, na referida resolução, que existem princípios gerais que devem reger a formação de professores, para além das especificidades das etapas educativas envolvidas. O parágrafo úni-co do artigo 5º acrescenta que: “A aprendizagem deverá ser orien-tada pelo princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela

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ação/reflexão/ação e que aponta a resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas”; desse modo, en-contra-se presente a noção de práxis como elemento fundamental do processo formativo.

Trezes anos depois, foram publicadas as Diretrizes Curricu-lares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior e para a Formação Continuada (BRASIL, 2015), compreendendo a docên-cia como processo pedagógico intencional e metódico que envolve conhecimentos específicos, pedagógicos e interdisciplinares (Pará-grafo 1º, Artigo 2º). Em seu artigo 3º, institui que a formação inicial e a formação continuada devem promover uma compreensão ampla e contextualizada de educação e educação escolar, que assegurem a produção e difusão de conhecimentos de determinada área. No que tange aos cursos de Pedagogia para a formação em Educação Infantil e anos iniciais, estes devem se dedicar à construção de um conhecimento sobre os objetos de ensino (Parágrafo 5º, Artigo 2º).

Além das duas Diretrizes (BRASIL, 2002; 2015), a lei nº 11. 738 (BRASIL, 2008) instituiu o piso salarial nacional para profis-sionais do magistério e incluiu na composição da jornada de tra-balho o “[...] limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos” (Parágrafo 4º, Artigo 2º). Desse modo, 1/3 da carga horária deve-rá ser destinado às atividades de preparação de aula, correção de atividades e provas, e atividades com outros docentes, entendidas neste artigo como os espaços utilizados para as Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo – HTPC ou ATPC4.

Nos anos de 2008 e 2009, a Coordenadoria de Estudos e Nor-mas Pedagógicas – CENP – lançou comunicados sobre como de-veriam funcionar as HTPCs, dos quais destacamos diretrizes para a organização de ações de formação continuada com temáticas visan-do às finalidades da escola e o aprimoramento discente (SÃO PAU-LO, 2014). Desse modo, entendem-se as HTPCs como tempo a ser dedicado ao trabalho de formação contínua docente. Na documen-tação oficial da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, o horário de trabalho pedagógico coletivo, chamado de ATPC – Aula 4 Estados e municípios atribuem diferentes nomenclaturas para essas horas de trabalho coletivo. No estado de São Paulo, desde 2014, passou-se a chamar Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo – ATPC.

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de Trabalho Pedagógico Coletivo – vai na contramão das práticas executadas pelo município. Trata-se de um espaço para discutir as finalidades da educação, realizar reflexões contínuas sobre a im-plementação da proposta pedagógica nas escolas, sobre o currículo oficial e o currículo praticado, materiais pedagógicos, metodolo-gias, entre outros objetivos. (SÃO PAULO, 2014). Há, na proposta, uma preocupação em dar um espaço para os docentes pensarem a prática, reavaliarem e planejarem intervenções. Esse espaço de reflexão deve contar com o suporte de pessoal técnico, capaz de promover apoio ao desenvolvimento profissional dos docentes.

De acordo com o documento orientador elaborado pela Coor-denadoria de Gestão da Educação Básica, as ATPCs “[...] deverão ser utilizadas para reuniões e outras atividades pedagógicas e de estudo”, de forma coletiva, organizadas pelas instituições escolares “[...] bem como para atendimento de pais e alunos” (SÃO PAULO, 2014, p. 17). É nesse espaço também que deverá ser promovida a gestão participativa, para que todas as tomadas de decisões reali-zadas nesse momento contribuam positivamente para a melhoria do ensino. Consta nesse mesmo documento que as ATPCs têm como objetivo “[...] fortalecer o espaço de reunião pedagógica e de for-mação continuada da escola” (SÃO PAULO, 2014, p. 6), em con-sonância com a direção e coordenação.

Fazendo um breve panorama histórico, a instituição desse espaço nas escolas data de 1990, com o movimento dos profissio-nais da educação; desde 1995, é amparado legalmente pela Portaria CENP nº 1, de 08/05/1995, que:

[...] dispôs sobre as atividades de duas horas de trabalho coletivo nas escolas de 1º e 2º graus da Rede Estadual de Ensino, considerando a importância do trabalho coletivo, da articulação dos diversos segmentos da escola, do forta-lecimento da unidade escolar como instância privilegiada do aperfeiçoamento de seu projeto pedagógico, do (re) pla-nejamento e avaliação das atividades de sala de aula, tendo em vista as diretrizes comuns que a escola pretende impri-mir ao processo de ensino-aprendizagem, possibilitando a reflexão sobre a prática docente e favorecendo a troca de experiências (SÃO PAULO, 2014, p. 6).

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Nota-se que o documento propõe que as horas sejam dedi-cadas à formação docente e destaca o favorecimento da troca de experiências. Assim, diante de uma política nacional que apoia a organização de espaços dentro da escola, para a realização da formação coletiva de docentes, faz-se necessária a realização de pesquisas junto aos docentes, que investiguem como esses espaços vêm sendo utilizados e significados por eles.

2. AS PESQUISAS

As duas pesquisas relatadas a seguir foram realizadas no ano de 2015 e, entre outros objetivos, pretenderam analisar a visão de professores sobre as contribuições dos horários de encontros coleti-vos. Esses horários de atividade remunerada estão incorporados nas políticas públicas do município e estado em questão.

O estudo com professores de uma rede municipal de ensino

A pesquisa desenvolvida por Souza (2016) teve como objeti-vo verificar quais são os saberes da docência presentes na formação dos professores da educação básica (ciclo II) e como se fazem pre-sentes no cotidiano das práticas educativas. Para tanto, optou-se por compreender os sentidos atribuídos por professores sobre a contri-buição da formação inicial e continuada para o trabalho pedagógico em sala de aula. Para o presente artigo, foram selecionados os resul-tados referentes às questões que tratavam da formação continuada (uso do horário de HTPC), realizada pela rede municipal de ensino.

Foi realizada uma pesquisa tipo survey junto a sete profes-sores (um homem e seis mulheres) da educação básica, de um mu-nicípio do interior de São Paulo. Três mulheres são formadas em Ciências Biológicas, um é professor de História e as três outras docentes, formadas em Português, Inglês e Artes.

Os questionários foram enviados pela internet para 41 do-centes e continham questões fechadas e abertas, referentes: à con-tribuição da formação inicial para o trabalho docente, aos desafios que o cotidiano apresenta aos professores, a suas formas de enfren-

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tamento, e à contribuição da formação continuada para o fazer pe-dagógico. A análise dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo. Dos 13 temas investigados, foram obtidas 26 categorias temáticas.

Para o presente artigo, selecionamos três temas organizados em categorias temáticas (CT) que tratam das HTPC e outros espa-ços de formação continuada: (1) Compreensão sobre o conceito de formação continuada; CT 1 – Espaço de aprimoramento profissio-nal; (2) Características dos espaços de formação continuada dos quais participa; CT 1 – Formação continuada como espaço para ocorrência de palestras; CT 2 – Fragilidades da formação continua-da; (3) Percepção sobre os subsídios da formação continuada para o trabalho na sala de aula; CT 1 – A formação continuada contri-bui para o trabalho em sala de aula; CT 2 – A formação continuada NÃO contribui para o trabalho em sala de aula. As professoras e o professor são identificados pela letra “P”, seguida de um número correspondente.

Compreensão sobre a formação continuada

Nessa questão, os professores foram instados a responder so-bre como definem a formação continuada, seu papel e objetivo. Trata-se de uma questão de fundamental importância, tendo em vis-ta que é necessário analisar como os professores compreendem o papel dessa formação, para que se possa entender como enxergam sua contribuição para o trabalho pedagógico. As categorias temáti-cas apresentadas a seguir representam os pontos comuns identifica-dos nas respostas obtidas, que não necessariamente contemplam o universo dos sete docentes.

Categoria Temática 1: Espaço de aprimoramento profissional

Cinco professoras e o professor disseram entender o espaço de formação continuada como local para aprofundamento, com-plementação e ampliação do conhecimento que já possuem. Além da ampliação do conhecimento objetivo, duas ainda mencionam

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a contribuição para a formação pessoal: “Um processo de cresci-mento do indivíduo, onde ele apresenta um conhecimento e, a par-tir deste, é direcionado, ampliado e dado significado para que ele possa aplicar na sua vida e na sociedade, colaborando dessa forma para um mundo melhor em todos os sentidos” (P3); e “Algo que acrescentará em minha formação, que amplia meu entendimento/conhecimento pessoal e profissional” (P6).

As respostas não mencionam espaço de reflexão e revisão das práticas, mas de complementação e aprimoramento; desse modo, retomamos a crítica feita por Nóvoa (1999) aos modelos de forma-ção continuada escolarizados, que estão criando um grande merca-do voltado para a formação. Esses espaços ignoram a importância do espaço formativo como lugar de compartilhamento de experiên-cias, além de não compreenderem os desafios que os professores enfrentam dentro das escolas. Segundo o autor, o resultado dessas formações quase nunca chega até a escola, pois são feitas sem con-siderar a realidade vivida, com o docente fora do espaço escolar. Isso leva à desvalorização da capacidade profissional do docente e provoca uma retirada de sua legitimidade na produção dos saberes, transferindo essa legitimidade a outras figuras do campo educativo, consideradas como “autoridades” ou “especialistas”.

Nessa questão, apenas uma professora mencionou que a for-mação continuada deve se constituir num espaço de reflexão do trabalho que vem sendo desenvolvido. “Entendo que o processo de conhecimento deve ser contínuo, inclusive o conhecimento peda-gógico, e que mesmo conteúdos já vistos na formação do professor devem ser revisados e atualizados” (P1).

A resposta corrobora a noção de Pimenta (2006), que defende que o espaço de formação continuada deve se constituir como um espaço para reflexão da ação, no qual se colocam as demandas da prática e diferentes necessidades e conflitos dos professores na ta-refa de ensinar. Deve-se afastar a noção de treinamento ou capacita-ção para adotar a visão de uma educação permanente, que valorize a prática e faça com que os profissionais avancem, especialmente quando articulada às instituições formadoras, como a universidade.

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Imbernón (2011, p. 42) ainda destaca que essa formação deve estar centrada em como os professores elaboram as informações pedagógicas e como as materializam nos planos de trabalho e junto aos alunos. Dessa forma, torna-se um espaço no qual o docente construirá as fundamentações de suas estratégias de pensamento para tomada de decisões e sistematização do próprio trabalho. Por isso, esse espaço deve propiciar aos professores a aquisição de co-nhecimentos e habilidades e atitudes, a fim de que possam se for-mar como investigadores da própria prática, com o intuito de que saibam interpretar e compreender a realidade social do ensino, re-fletindo sobre ela. Por fim, destaca-se que a reflexão não deve ser única e exclusivamente sobre sua prática na sala de aula, mas que atravesse “[...] as paredes da instituição para analisar todo tipo de interesses subjacentes à educação, à realidade social, com o objeti-vo concreto de obter a emancipação das pessoas” .

Características dos espaços de formação continuada dos quais participa

Nessa questão, a proposta foi deixá-los livres para avaliarem os espaços de formação continuada que frequentam. As respostas giraram em torno da indicação do conteúdo e formato dos encon-tros. Assim, os dados foram organizados em duas categorias temá-ticas: (1) Formação continuada como espaço para ocorrência de pa-lestras; (2) Fragilidades da formação continuada. Uma professora disse não participar de nenhuma formação continuada.

Categoria Temática 1: formação continuada como espaço para ocorrência de palestras

Nessa categoria temática, foram reunidas as respostas que descreveram as formações continuadas, sem emissão de juízo de valor. Três professoras disseram que os cursos estão vinculados à empresa que fornece o material didático para a prefeitura5. “Meto-dologias para o ensino a partir do material didático recebido.” (P2); “[...] no sistema apostilado de ensino municipal [...], são discutidos 5 Nessa rede municipal, os momentos de HTPC são utilizados, em grande parte, para acompanhamento do uso do material didático pelos professores.

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o material das apostilas, seus conteúdos, aplicação e apresentação dos conteúdos, reflexões e análises do material.” (P3); “Essas ati-vidades incluem palestras sobre estratégias didáticas a serem uti-lizadas com os conteúdos dos livros.” (P3 e P5). Também foram mencionados projetos eventuais, e orientações realizadas nos espa-ços de HTPC (P2), e cursos oferecidos pela Rede Estadual Paulista (P6).

Com relação à formação vinculada ao sistema privado de en-sino, verifica-se que o setor privado vem se apropriando dos espa-ços de formação de professores. Ele se coloca como:

[...] sujeito relevante nas decisões a serem tomadas no âm-bito da unidade, tornando-se um condutor na organização do planejamento e inviabilizando possibilidades de cons-trução de processos mais coletivos e democráticos. Toda a orientação é dada enfatizando-se como premissa a pos-sibilidade de uma total padronização do ensino: trabalho individual a ser realizado sem contexto, em qualquer lugar, com qualquer criança, em qualquer escola, com o mesmo material (apesar da concessão de “dias livres”, no caso do município B, empresa 2). Evidentemente, para o setor pri-vado, esta é a única forma coerente de inserção na escola pública, uma vez que a produção em larga escala e, conse-quentemente, a sua lucratividade, dependem da padroniza-ção de conteúdos e materiais, bem como da uniformização de seus procedimentos (GARCIA; CORREA; ARELARO, 2012, p. 9).

As ações do setor privado incluem o acompanhamento do tra-balho pedagógico desenvolvido nas unidades escolares. As estraté-gias são diversas, desde uma condução incisiva e esporádica, a uma presença constante na formação semanal, com acompanhamento virtual e visitas sem aviso prévio (GARCIA; CORREA; ARELA-RO, 2012). A empresa passa a avaliar o trabalho dos docentes e os resultados do ensino, a partir dessa terceirização feita pelo setor público.

Essas ações do setor privado têm gerado uma dependência dos contratos junto às editoras, tendo em vista que os sistemas de ensino não investem paralelamente numa formação de professores que promova a autonomia. Uma autonomia que permita o traba-

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lho intelectual, de seleção dos conteúdos e planejamento do ensino, frente aos objetivos contidos nos projetos pedagógicos das escolas. No caso do sistema de ensino investigado nesta pesquisa, a presen-ça da empresa é semanal, nos espaços de HTPC, fazendo com que cursos pontuais e projetos eventuais tenham pouca expressão na formação docente.

Categoria Temática 2: fragilidades da formação continuadaNessa categoria temática, destacamos os depoimentos de um

professor (P4) e uma professora (P1) sobre a formação continua-da que recebem: “Os cursos oferecidos não são de qualidade [...] pouco contam com a participação dos professores, que não promo-vem discussões nem problematizações que ajudem o professor a se questionar” (P1); e:

A proposta é péssima. Sempre os mesmos temas, as mes-mas oficinas. Os temas sempre ligados à aprendizagem significativa; sobre os conteúdos das apostilas, fazemos avaliações e solicitamos melhoras, mas nunca há uma de-volutiva ao menos. Jogam um temam, e os professores, em grupo, elaboram uma aula e a demonstram, expõem. In-compreensível a forma de formação, objetivos infundados, os professores sempre saem decepcionados, mas nada é feito para que ocorra uma mudança (P4).

Nota-se que os professores avaliam criticamente a formação recebida, em especial as fragilidades das estratégias utilizadas, re-metendo a Freire, sobre o fato de que alguns professores se recu-sam a ser seguidores “[...] dos pacotes que sabichões e sabichonas produzem em seus gabinetes, numa demonstração inequívoca” de seu autoritarismo e de sua “[...] absoluta descrença na possibilidade que têm as professoras de saber e de criar” (FREIRE, 1993, p. 16, grifos do autor). Procuram retirar dos professores a oportunidade de pensar criticamente o contexto e de programar formas de nele intervir (FREIRE, 1993); enviam soluções prontas que, em regra, não se relacionam com as demandas que emergem da atividade do professor. Desse modo, dois professores mostram compreender a ineficácia dessas formações privadas, que pouco contribuem para a qualidade do trabalho do professor.

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Percepção sobre a contribuição da formação continuada para o trabalho na sala em aula

Nessa questão, intimamente relacionada com a anterior, bus-cou-se verificar se os professores percebem alguma contribuição dos espaços de formação continuada para as atividades em sala de aula. Foram identificadas duas categorias temáticas: a primeira apresenta as respostas que reconhecem a contribuição desses espa-ços para o trabalho docente e a segunda apresenta as impressões dos professores que não percebem a contribuição dessa formação para o trabalho em sala de aula.

Categoria Temática: a formação continuada contribui para o tra-balho em sala de aula

Quatro professoras disseram que as formações continuadas contribuem para o trabalho em sala de aula, ao ampliar o repertório de trabalho e oferecer outras ideias para se trabalhar com os conte-údos. Destacamos que a professora que indicou, no item anterior, que as formações continuadas são de péssima qualidade, reconhe-ceu que oferecem alguma contribuição, por fornecerem materiais que atendem a algumas exigências do trabalho docente, nesse caso, projetos de educação ambiental: “[...] somos sempre cobrados a re-alizar de projetos de educação ambiental na escola, [...] o tema deve ser recorrente no dia a dia escolar, levando à formação de alunos mais conscientes” (P1).

Para Belintane (2002, p. 4), “[...] há no imaginário escolar do-cente sempre uma esperança de que uma nova teoria, um novo ma-terial didático – realmente eficiente – venha erradicar os problemas básicos da escola”. Os professores aguardam um novo conjunto de saberes que possam contribuir para os graves problemas educa-cionais que enfrentam. Frequentemente, novas teorias, estratégias e parâmetros parecem responder a essa esperança, contudo, essas formulações, raramente, promovem uma discussão de suas possibi-lidades e limites. Assim, os professores se alimentam de contribui-ções pontuais, que parecem revitalizar seu trabalho, mas não conse-guem atingir os reais problemas relativos ao ensino-aprendizagem.

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Categoria Temática: a formação continuada não contribui para o trabalho em sala de aula

Nessa categoria, temos um professor e duas professoras que alegaram que as formações não contribuem para o trabalho docente por diferentes razões, tais como “Deveria ser menos espaçado” (P3) e “[...] há uma desconexão total com a realidade do ambiente esco-lar” (P4). Novamente, os dados mostram que, para alguns profes-sores, a formação desarticulada da realidade cotidiana das escolas não contribui para o trabalho docente. Tardif (2002, p. 257) aponta que, muitas vezes, esses conhecimentos que são desarticulados da realidade acabam sendo considerados como inúteis no exercício da prática docente e acabam “morrendo”. Considerando as caracterís-ticas apresentadas pelos professores, a respeito da formação conti-nuada que vivenciam na rede municipal, entende-se que vão ao en-contro das análises realizadas por Freitas (2003). Para o autor, essas formações estão permeadas pela lógica neoliberal, que enxerga a escola como espaço de formação de mão de obra para a manuten-ção do sistema capitalista. Desse modo, difunde-se uma formação continuada organizada em pacotes de treinamento para professores, de modo que trabalhem dentro de uma perspectiva tecnicista, indo na contramão da formação do professor como intelectual.

No que tange às ações praticadas pelo município estudado, levanta-se a hipótese de ausência de pessoal técnico adequado a essa atividade, e, por essa razão, contratam-se agentes externos para gerir esses momentos. Essa escolha precisa ser problematiza-da, tendo em vista o alto volume de recursos que são empregados na contratação dessas empresas. Atualmente, o município se deso-briga de formar e contratar técnicos competentes e torna-se depen-dente de assessorias externas.

O estudo com professores na rede pública paulista de ensino

A pesquisa desenvolvida por Blanco (2017) teve como ob-jetivo investigar o processo histórico da formação de professores de História, a partir da década de 1970 até os dias atuais (2017), para, posteriormente, refletir sobre a formação inicial, continuada

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e adquirida e sua relação com a prática cotidiana. Investigou a his-tória de professores enquanto alunos da educação superior, o que fez com que optassem pela carreira docente, os saberes que pos-suem, como avaliam o conhecimento que constroem na prática e se buscam aprimorar-se pela formação continuada. Para o presente artigo, foram selecionados os resultados referentes às questões que tratavam da formação continuada, realizada pela rede paulista de ensino.

Foi realizada uma pesquisa qualitativa, por meio de entre-vistas semiestruturadas, junto a quatro professores de História de duas escolas públicas paulistas de um município do interior de São Paulo. As entrevistas foram realizadas nos horários de Aula de Tra-balho Pedagógico Coletivo – ATPC. A análise dos dados foi reali-zada por meio da análise de conteúdo. Dos sete temas investigados, foram obtidas nove categorias temáticas. Para o presente artigo, selecionamos o tema relativo ao espaço de formação continuada.

Contribuição da formação continuada

A partir dos depoimentos relativos à formação inicial e das lacunas deixadas pelo curso de graduação para a aprendizagem da docência, perguntou-se aos docentes sobre como realizam a forma-ção continuada. Três docentes destacaram que estavam participan-do de cursos de especialização e mostraram preocupação em buscar um aprimoramento que possibilite acompanhar as mudanças ocor-ridas no espaço educacional: “[...] na verdade, eu acho que a gente tem que buscar [...] não adianta a gente querer encontrar respostas, sem fazer a formação continuada” (P1). Outra mencionou que rea-liza determinado curso justamente por que a universidade não a preparou para as mais variadas situações que lhe são impostas pela realidade em que está inserida:

[...] penso que, como educadora, tenho que estar sempre buscando – e sempre estive –, valorizo muito o proces-so de formação continuada. Agora, neste momento, estou fazendo um curso sobre distúrbios de aprendizagem, de crianças com deficit de atenção, justamente uma das ques-tões que no meu processo de formação eu não tive. Nós

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não tivemos uma formação que permitisse compreender os problemas que hoje a neurociência nos traz [...] tantos pro-blemas de aprendizagem que nós enfrentamos e não sabe-mos lidar. Então, como profissional, este aperfeiçoamento se torna muito necessário para estar atuando e ajudando essas crianças. Então, estou fazendo esse curso pra melho-rar e aperfeiçoar o meu saber docente. Fica muito difícil estarmos atuando sem referenciais teóricos, sem uma bus-ca permanente de aperfeiçoamento, tanto específico da área de História quanto na parte pedagógica, porque, no ambiente escolar, nós lidamos com várias questões em que são necessários os referenciais (P4, grifo nosso).

Assim, os participantes destacam a importância da constante busca do conhecimento que os auxilie na atuação cotidiana, o que também revela que os espaços de ATPC não estão sendo utilizados para a aprendizagem de conteúdos relevantes para a prática docente. Belintane (2002) trabalha com ideia da existência de um ambiente de encontro voltado para ideia de formação em serviço, para que os projetos tenham como pressupostos as demandas da comunidade escolar. Para o autor, as formações ocorrem de modo verticalizado, pois é uma equipe de especialistas que decide bibliografias, con-cepções e ideias que irão atender as demandas de determinada rede escolar, em detrimento das reivindicações dos professores:

[...] sempre detectamos as repetitivas demandas que costu-mam ocorrer em todo projeto de formação contínua e que, em geral, assim se expressam: “queremos que o curso tra-ga elementos úteis à prática escolar, “que ajude a resolver os problemas concretos da nossa prática” etc. Não raro, o formador universitário defende-se com um jargão também bastante conhecido “nós não temos receitas para lhe dar” e mantém seu curso, seu programa, seus objetivos e, não raro, sua soberba acadêmica acima dos clamores (BELIN-TANE, 2002, p. 180).

Partindo-se das análises realizadas neste estudo, está presente no pensamento dos entrevistados certa espera de que surgirá alguma teoria ou material didático inovadores para sanar todos os proble-mas existentes na educação. Para Belintane (2002), tais esperanças são sempre adiadas, ao passo que, constantemente, surgem novas soluções e propostas tendo em vista erradicar o problema, como os produtos da inovação tecnológica, muitas vezes apoiados no ensino

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a distância. Os docentes se lançam a esse mercado, acreditando que possa vir dele a solução para a real situação da educação brasileira. E, não raro, parecem emergir, em tempos atuais, grandes empresas dispostas a mediar a demanda docente, com o argumento de que “[...] a educação contemporânea só vai assegurar sua eficiência por meio de algum milagre eletrônico” (BELINTANE, 2002, p. 182).

Categoria Temática 1: ATPCs como espaço de formação continu-ada

Dos respondentes que demonstraram ter conhecimento da ATPC como espaço de formação continuada, um deles entende que é válida, já o outro professor compreende que ela não cumpre o pa-pel que lhe é próprio. Para o professor 1, “as ATPCs [...] são muito preparatórias. Trabalham-se temáticas para concursos, as práticas. A ATPC é muito informativa [...], as ATPCs ajudam muita gente trabalhando bibliografia”. O outro participante discorda, pois du-rante o horário reservado dentro das escolas, que deveria ser desti-nado à Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo, volta-se a atenção apenas para exigir cada vez mais do professor:

Sinceramente, para mim, ATPC não serve pra nada [...]. Para mim [...], a forma como é explorada contribuiu muito pouco, ajuda mais a gente passar raiva, porque fica aque-le negócio de cobrança em cima do professor, como todo discurso oficial, em que todos os problemas do sistema são culpa do professor [...], e isso é muito reproduzido nas ATPCs. Ficam-se discutindo habilidades que os alunos não atingiram, como se eles não tivessem atingido essas habili-dades por conta do mau trabalho que o professor fez. [...] os coordenadores não têm culpa disso, porque eles também seguem as recomendações da DE. É aquele momento que, em vez de sentar, discutir indisciplina, o que a gente pode fazer é propor uma ação alternativa, sabe, alguma coisa pra trazer esses alunos pra perto de nós [...]. Teve um ano em que foi uma coisa bem legal que os coordenadores fi-zeram, que foi compartilhar boas práticas na ATPC, então você pegava uma aula sua que deu certo e apresentava aos seus colegas. Então foi um momento bom, em que os professores foram cada um apresentando a sua aula, uma coisa que deu certo, que o outro podia usar, e era mais troca. Agora, esse negócio de ficar discutindo as habilida-

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des que os alunos não têm [...], as estatísticas mostram que eles estão desaprendendo, então, cada vez mais, os índices das avaliações estão cada vez piores [...]. Aí, fica em cima disso, o trabalho que o professor não está fazendo, como se fosse só nossa responsabilidade, a nossa culpa por o aluno não aprender [...] (P2, grifo nosso).

Assim, na opinião desse participante, as ATPCs, no formato em que estão sendo realizadas, não têm utilidade alguma. A partir da própria vivência, ele percebeu que as trocas de experiências en-tre colegas deram certo e foram válidas para o crescimento profis-sional.

Os sistemas de ensino, tanto estaduais quanto municipais, devem, ao planejar as HTPC/ATPC, entre outros aspectos, “Consi-derar as demandas dos professores frente às metas e prioridades da escola” e “Organizar as ações de formação continuada com conte-údos voltados às metas da escola e à melhoria do desempenho dos alunos, com apoio da equipe de supervisão e oficina pedagógica da Diretoria de Ensino” (SÃO PAULO, 2014, p. 7).

O que se percebe, a partir das respostas dos entrevistados, tanto da rede municipal quanto da rede estadual, é que os executo-res da política de formação continuada de professores desconside-ram as premissas estabelecidas pela teoria e legislação estadual (no caso do estado de São Paulo), pelo menos na visão desse grupo de professores.

No caso da formação continuada oferecida pela rede munici-pal, verifica-se que está vinculada à empresa que fornece o sistema de ensino à rede, e que os encontros são feitos por especialistas externos. Alguns professores apresentaram a fragilidade dessas for-mações e a desconexão com as demandas da sala de aula.

Em relação ao espaço de formação continuada na rede esta-dual, que é de responsabilidade da coordenação pedagógica, verifi-ca-se o mesmo problema. A falta de conexão com as necessidades do campo, o que acaba por não oferecer subsídios aos professores.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que os sentidos atribuídos à contribuição da for-mação continuada, em especial àquela realizada no momento das HTPC/ATPC para o trabalho pedagógico, corroboram o que já é apontado pela literatura quando se trata da desconexão com a re-alidade da escola. Não há uma preocupação em utilizar os espa-ços como lugar para construção de saberes pelos professores, com vistas ao enfrentamento dos problemas de sala de aula. Também não há espaço para a interlocução com os professores, de modo a levantar quais são os problemas que deveriam ser resolvidos pelos sistemas públicos de ensino (número de alunos por sala, currículo engessado, falta de material, entre outros).

Os professores mobilizam seus saberes para lidar com os de-safios da sala de aula, mas não recebem suporte e não dispõem de espaço organizado para troca com colegas, para fortalecimento e aprimoramento do trabalho. Alguns apontaram formas que lhes pa-recem de maior eficácia para a realização desses momentos, entre os quais incluíram o espaço para compartilhamento de experiências entre os pares.

Os problemas relativos à aprendizagem nas salas de aula con-tinuam dependendo de decisões políticas tanto no campo da rees-truturação da formação inicial de professores quanto no campo da formação continuada, atualmente de responsabilidade de estados e municípios, com apoio do governo federal. O problema é que nos parece que os executores das políticas reduzem o trabalho docente à prática individual e técnica, focada exclusivamente na lógica das competências individuais, e difunde a cultura da competitividade entre professores e alunos. Para Freitas (2003), nesse caso, o pro-fessor deixa de ser solidário e de trabalhar junto ao coletivo; por isso, o autor aponta a necessidade de uma política que apoie es-tratégias avançadas para a formação docente e que seja avaliada periodicamente, para que seus resultados possam aperfeiçoar o de-senvolvimento das ações formativas.

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O “Programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC” sob o prisma dos professores alfabetizadores

Renata Maria Pontes Cabral de MEDEIROS1

Lucimary Bernabé Pedrosa de ANDRADE2

Resumo: A formação de professores é regulada pelas políticas e programas educacionais como fator primordial para se alcançar bons resultados nas avaliações em larga escala e índices estatísticos satisfatórios. Este artigo se propõe a analisar o Programa de Alfabetização na Idade Certa – PNAIC na visão dos professores alfabetizadores e o reflexo da formação continuada oferecida por esse programa na aprendizagem dos alunos em sala de aula. Ele investiga com depoimentos de professores alfabetizadores, um balanço dos três primeiros anos do Pacto quanto à mudança/aperfeiçoamento da prática pedagógica docente, crenças e concepções anteriores e posteriores ao programa, avaliação dos conteúdos e material apresentado na formação e reflexo na aprendizagem dos alunos. A metodologia utilizada foi a pesquisa descritiva. O programa está no seu 3º ciclo e já apresenta resultados satisfatórios que proporcionam aos professores uma mudança de atitude na prática em sala de aula, o que permite a socialização de saberes e produção de conhecimentos.

Palavras-chave: Formação Continuada. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Professor Alfabetizador.

1 Renata Maria Pontes Cabral de Medeiros. Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Faculdade de Ciências, Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ituverava (FFCL). E-mail: <[email protected]>.2 Lucimary Bernabé Pedrosa de Andrade. Doutora e Mestra em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Graduada em Serviço Social pela mesma instituição. Licenciada em Pedagogia pela Universidade de Franca (UNIFRAN). E-mail: <[email protected]>.

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The Literacy Program in the Right Age – Pacto: the prism of literacy teachers

Renata Maria Pontes Cabral de MEDEIROSLucimary Bernabé Pedrosa de ANDRADE

Abstract: Teacher education is governed by educational policies and programs as the primary factor in achieving good results in large-scale assessments and satisfactory statistical indices. This article proposes to analyze the Literacy Program in the Right Age - PNAIC in the view of literacy teachers and the reflection of the continuous training offered by this program in the learning of students in the classroom. He investigates with the testimonies of literacy teachers, a review of the first three years of the Pact regarding the change / improvement of teaching practice, previous and post-program beliefs and conceptions, evaluation of content and material presented in the training and reflection on student learning. The methodology used was descriptive research. The program is in its 3rd cycle and already presents satisfactory results that give the teachers a change of attitude in the practice in the classroom, which allows the socialization of knowledge and production of knowledge.

Keywords: Continuing Education. National Pact for Literacy in the Right Age. Teacher Alphabetizer.

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisou a formação continuada propor-cionada pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que foi criado pelo Estado Nacional, com fundamento na Medida Provisória 586/12, com o objetivo de alfabetizar em Lín-gua Portuguesa e Matemática todas as crianças até oito anos, ou seja, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental.

Para a efetivação do PNAIC, um programa que visa à for-mação continuada de professores alfabetizadores é oferecido aos docentes, com encontros presenciais e auxílio financeiro por meio de bolsas de estudos. Ainda são distribuídos materiais didáticos e pedagógicos específicos para alfabetização, acervo literário, além de outros recursos educacionais, como jogos.

A importância do tema surge da necessidade de se avaliarem as repercussões do PNAIC na formação continuada dos professores e vincular os resultados dessa formação ao desempenho dos alunos em sala de aula e nas avaliações em larga escala.

Diante do exposto, depreende-se a seguinte questão nortea-dora: Em que medida o PNAIC contribuiu para a mudança/aper-feiçoamento da prática pedagógica do professor alfabetizador? Por sua vez, esse questionamento permitiu o desdobramento de outras indagações: Quais as crenças e ideias sobre formação continuada do professor alfabetizador antes e depois do PNAIC? Como o pro-fessor alfabetizador avalia os conteúdos e materiais do programa? Como o professor alfabetizador avalia o desempenho dos alunos após a formação?

A partir do referencial teórico elaborado, foi construído um questionário de coleta de dados com questões pré-estruturadas abertas e fechadas que foi respondido pelos professores alfabetiza-dores do município de Ituverava, cidade localizada no interior do estado de São Paulo. O questionário limitou-se aos 27 professores alfabetizadores que participaram de todas as edições do programa.

De acordo com Barbosa (1999, p. 58), “[...] um número limi-tado de casos é expressivo de uma situação social mais abrangen-

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te”, uma vez que alcança nessa especificidade coletada uma quan-tidade significativa para justificar suas análises.

O uso do questionário justifica-se pelo fato de que:Os informantes poderão se sentir mais seguros [...] em fun-ção de seu caráter anônimo e, com isso, se sentirem mais à vontade para expressar pontos de vista que colocam em situação problemática ou que julguem não ter aprovação (SELLTIZ et al., 1987, p. 17).

A pesquisa descritiva proporcionou estudar as peculiaridades dos sujeitos envolvidos na pesquisa, bem como conhecer as suas opiniões e como essa política pública de formação docente reper-cutiu em sala de aula. Segundo preceitua Gil (1991, p. 41), “[...] as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno”.

2. O PROGRAMA PACTO NACIONAL PELA ALFABE-TIZAÇÃO NA IDADE CERTA – PNAIC

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, conhe-cido por PNAIC, foi criado em 2012, com a principal finalidade de garantir que as crianças de todo o país sejam alfabetizadas ple-namente até os oito anos de idade, isto é, esta política pública visa garantir o direito à alfabetização plena a todas as crianças até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. Esse é o grande desafio estabele-cido pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa responde à Meta 5 do Plano Nacional da Educação (PNE). Para isso, contem-pla a participação da União, estados, municípios e instituições de todo o país, sendo um compromisso formal assumido pelos entes federados, para assegurar a plena alfabetização de todas as crianças ao final do ciclo de alfabetização (BRASIL, 2012c, p. 5).

O programa consiste em uma política de continuidade do go-verno brasileiro em relação à formação continuada dos educadores, caracterizando-se como uma política educacional mais profunda, pois reúne três eixos indispensáveis para o seu êxito: o processo de

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formação; o de avaliação; e a disponibilidade de materiais didáticos nas escolas, para o uso do educador e do aluno.

Histórico do programa

A realização do PNAIC é decorrente de outras formações e programas que já vinham sendo executados, sempre com o objetivo de melhorar a aprendizagem dos alunos e, com isso, alcançar me-lhores resultados nas avaliações de larga escala, como a Provinha Brasil, a Avaliação Nacional da Alfabetização e a Prova Brasil.

Em 2003, após os resultados obtidos no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o MEC, preocupado com os baixos índices obtidos, procurou uma ação rápida e eficaz, visando mudar esse panorama. Desse modo, em 2005, foi criado o programa Pró--Letramento, destinado aos professores alfabetizadores, que tinha como finalidade melhorar o desempenho dos alunos.

O programa Pró-Letramento, com objetivos claros e delimi-tados, resultou na melhora nos índices do IDEB e da Prova Bra-sil. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o índice que era de 4,2 de 2007, foi para 4,6 em 2009. Com esse resultado positivo, o MEC, ratificou o Pró-Letramento como referência para a elabora-ção do Pacto, no modelo encontrado atualmente.

Dessa forma, o PNAIC é uma política de continuidade do go-verno brasileiro orientada à formação dos professores alfabetizado-res, que foi iniciado com o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), criado pelo MEC em 2001, com o es-copo de guiar as ações educacionais de alfabetização na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adul-tos (EJA). Num momento posterior, foi criado o Pró-Letramento – Mobilização pela Qualidade da Educação, iniciado em 2005.

Nesse prisma, há, com o PNAIC, o fortalecimento das aludi-das políticas, isto é, a continuidade e a evolução desse processo, e não uma ruptura.

Apesar dessa continuidade, o programa configura-se como uma ação inédita do MEC e dos governos estaduais e municipais,

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uma vez que, ao aderirem ao PNAIC necessitam agregar esforços e recursos, com a valorização e apoio aos professores e escola, com o compromisso de alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade.

Um fator relevante na efetivação do PNAIC foi a participa-ção da grande maioria dos municípios brasileiros, o que mostra o avanço no posicionamento de pensar e efetivar ações por intermé-dio de políticas públicas para a educação, de criar métodos para ampliar e democratizar o acesso e a qualidade ao ensino.

Princípios do programa

O PNAIC traz quatro princípios centrais considerados ao longo do trabalho pedagógico que são apresentados no Caderno de Apresentação: Formação do Professor Alfabetizador (BRASIL, 2012a, p. 27):

O sistema de escrita alfabética é complexo e exige um ensino sistemático e problematizador; o desenvolvimento das capacidades de leitura e de produção de textos ocor-re durante todo o processo de escolarização, mas deve ser iniciado logo no início da Educação Básica, garantindo acesso precoce a gêneros discursivos de circulação social e a situações de interação em que as crianças se reconhe-çam como protagonistas de suas próprias histórias; conhe-cimentos oriundos das diferentes áreas de conhecimento podem e devem ser apropriados pelas crianças, de modo que elas possam ouvir, falar, ler, escrever sobre temas di-versos e agir na sociedade; a ludicidade e o cuidado com as crianças são condições básicas nos processos de ensino e de aprendizagem.

Esses princípios fundamentais que orientam a formação dos objetivos e das ações têm a função de garantir uma reflexão porme-norizada sobre os processos de alfabetização e letramento.

O princípio que sustenta a indispensabilidade de as diferentes áreas de conhecimento se integrarem está baseado nas ideias de Corcino (2007 apud BRASIL, 2012d, p. 7), que destaca:

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[...] é importante que o trabalho pedagógico com as crian-ças de seis anos de idade, nos anos/séries iniciais do Ensi-no Fundamental, garanta o estudo articulado das Ciências Sociais, das Ciências Naturais, das Noções Lógico-Mate-máticas e das Linguagens.

Isso significa que as áreas de conhecimento precisam ser trabalhadas de forma integrada, com um adequado planejamento didático e com estratégias voltadas para o desenvolvimento de ha-bilidades e competências nas áreas de alfabetização e letramento.

Para atender aos objetivos da formação do Pacto, no Caderno de Apresentação constam orientações para a formação do profes-sor de maneira organizada e com assuntos relativos à alfabetização (BRASIL, 2012a).

Nas orientações dos cadernos do Pacto, há sugestões de ati-vidades, jogos, livros, textos e reflexões que compreendem o letra-mento como uma prática para consolidar o processo de alfabetiza-ção. A Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012, que institui o PNAIC, traz as diretrizes gerais do programa, suas ações que se apoiam em quatro eixos de atuação (BRASIL, 2012c, p. 5):

1) Formação continuada presencial para os professores alfa-betizadores e seus orientadores de estudo, realizados pelas universidades públicas nacionais;

2) Materiais didáticos, obras literárias, obras de apoio pe-dagógico, jogos e tecnologias educacionais, entre outros materiais que são disponibilizados para os professores e alunos;

3) Avaliações sistemáticas; por meio das quais o poder públi-co e os professores acompanham a eficácia e os resultados do Pacto nas escolas participantes. Através dessas avalia-ções, poderão ser implementadas soluções corretivas para as deficiências didáticas de cada localidade;

4) Gestão, controle social e mobilização: sistema de gestão e de monitoramento, com o objetivo de assegurar a imple-mentação das etapas do Pacto. O sistema informatizado de monitoramento do Pacto (SisPacto), disponibilizado no

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Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Contro-le (SIMEC), possibilita esse acompanhamento constante pelos atores envolvidos no Pacto.

As aludidas ações têm como foco os aspectos que contem-plam a formação continuada do professor alfabetizador com o in-tuito de refletir como está a escola e a qualidade do ensino. O mate-rial oferecido é o instrumento que serve de apoio ao professor para trabalho de sala de aula, enriquecendo as dinâmicas de alfabetiza-ção e letramento.

Portanto, pode-se dizer que o professor alfabetizador é o eixo estruturante do PNAIC, que promove cursos de formação continu-ada.

No 1º ciclo do Programa, realizado em 2013 e 2014, os pro-fessores receberam formação em Língua Portuguesa; no 2º ciclo, em 2014 e 2015, em Matemática; e a proposta do 3º ciclo, em 2015 e 2016, foi a interdisciplinaridade, com a integração de áreas como Artes, Ciências Humanas e Ciências da Natureza.

Adesão ao PNAIC

Para participar do PNAIC, os estados e municípios devem fazer a adesão por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR), atra-vés do SIMEC. O número de municípios que aderiram ao Programa aumentou a cada ciclo, como mostrado no gráfico abaixo.

Gráfico 1. PNAIC no Brasil.

Fonte: Plataforma do Letramento (2016, [n.p.]).

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Ao aderir ao PNAIC, os entes federados devem se compro-meter a: alfabetizar todas as crianças em Língua Portuguesa e em Matemática; realizar avaliações anuais universais, aplicadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), junto aos concluintes do 3º ano do Ensino Funda-mental – Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA); e, no caso dos estados, apoiar os municípios que tenham aderido às ações do PNAIC, para sua efetiva implementação.

3. DADOS DE AVALIAÇÕES: ANA

Para alcançar os objetivos previstos no PNAIC, é indispensá-vel o uso de avaliações com indicadores e dados que permitam au-xiliar no planejamento e na formulação de novas políticas públicas habilitadas a promoverem as mudanças necessárias.

Ao aderirem ao PNAIC, os entes federados se comprome-tem realizar avaliações em larga escala, aplicadas pelo Inep, que buscam apoiar os professores e sistemas públicos de ensino na al-fabetização e no letramento dos estudantes até o final do 3º ano do Ensino Fundamental.

A avaliação prevista para aferir os resultados do programa é a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), uma avaliação anual e censitária, direcionada aos alunos do 3º ano do Ensino Funda-mental, no final do ciclo de alfabetização. Esse período de três anos é dispensado para a aquisição da leitura e da escrita e para conso-lidar e aprofundar o desenvolvimento de saberes fundamentais do currículo básico obrigatório.

O objetivo principal do exame é avaliar o nível de alfabetiza-ção e de letramento em Língua Portuguesa e Matemática e realizar uma análise das condições escolares oferecidas aos alunos. Os prin-cipais objetivos dessa avaliação são: avaliar o nível de alfabetiza-ção dos educandos no 3° ano do Ensino Fundamental; produzir in-dicadores sobre as condições de oferta de ensino; e concorrer para a melhoria da qualidade do ensino e redução das desigualdades, em consonância com as metas e políticas estabelecidas pelas diretrizes da educação nacional (INEP, 2012, p. 7). A aplicação e correção

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são realizadas pelo INEP, incluindo os alunos que necessitam de atendimento especializado.

No tocante às condições escolares dadas aos alunos, são rea-lizados questionários aos professores e gestores, analisando infor-mações sobre infraestrutura, formação de professores, gestão e or-ganização do trabalho pedagógico (INEP, 2013). Os testes contam com 20 itens. Em alfabetização Matemática todos são de múltipla escolha, mas em Língua Portuguesa 17 são questões objetivas de múltipla escolha e 3 são de produção escrita.

Ao utilizar avaliações educacionais, sobretudo as universais de larga escala, procura-se o que é primordial ensinar e aprender, bem como deseja-se produzir subsídios para estimular o desen-volvimento de políticas públicas capazes de atender as exigências educacionais atuais. O INEP busca formular matrizes que sejam capazes de verificar características de um resultado que apresente embasamento teórico, político e pedagógico.

Visa-se, através desse processo, uma avaliação da aprendiza-gem dos alunos que inclua: o trabalho do professor; uma avaliação da instituição, em que todos os profissionais que trabalham na esco-la estão envolvidos na aprendizagem do educando; e a avaliação do sistema escolar, que é representativo do poder público, sendo que todos os envolvidos possuem responsabilidades.

Para a elaboração das matrizes da ANA, além do suporte de inúmeras universidades, pesquisadores e instituições civis e go-vernamentais, o sistema de avaliação teve como eixo vários docu-mentos oficiais e documentos de formação produzidos a partir do PNAIC. Os resultados obtidos são informados às escolas, aos mu-nicípios e às unidades federativas, sendo publicado um índice dos níveis de alfabetização em Língua Portuguesa e de alfabetização em Matemática para cada instituição citada, bem como um índice nacional. A divulgação dos resultados por aluno não ocorre.

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4. O PNAIC NO MUNICÍPIO DE ITUVERAVA

Na Rede Municipal de Ituverava, a formação continuada do PNAIC iniciou-se em abril de 2013 para professores alfabetizado-res que atuam do 1º ao 3º ano e assessores de coordenação pedagó-gica. Eles foram organizados em duas turmas, sob a coordenação dos orientadores de estudos e do coordenador local.

O encontro presencial no município ocorre às quartas-feiras, desde a sua primeira edição em 2013. Todos os professores alfa-betizadores, titulares de cargo público no município, participam e recebem uma bolsa de R$ 200,00.

De acordo com dados disponíveis no SisPacto, em Ituvera-va, nos anos de 2013 e 2014, foram capacitados, em Linguagem, 48 professores alfabetizadores, em curso com carga horária de 120 horas; em 2015, foram 38 profissionais, e a ênfase da formação recaiu na Matemática, em curso com carga horária de 160 horas; e, em 2016, foram capacitados 56 professores em temáticas como Gestão escolar, Currículo, A criança do ciclo de alfabetização e Interdisciplinaridade.

Esta pesquisa foi realizada com 27 professores alfabetizado-res e teve como critério de participação ser cursista do programa em todas as suas edições.

Perfil dos participantes

Entre os dados relevantes do perfil dos professores alfabeti-zadores estão: sua vida acadêmica, o tempo de serviço como pro-fessor e o tempo total de atuação nas séries iniciais.

Em relação às questões específicas sobre a formação acadê-mica dos professores: 20 são graduados em Pedagogia; 4 profes-sores são graduados em Letras; 2 professores são graduados em Matemática; e 1 professor não possui Graduação.

Dos 27 professores entrevistados, 17 possuem também o Ma-gistério como Ensino Médio.

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O fato de a maior parte dos professores ser formada em Peda-gogia demonstra que existe conformidade da qualificação do pro-fessor de educação básica em relação à LDB no artigo 63, inciso l, que determina como “[...] cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séries do Ensino Fundamental” (BRASIL, 1996, p. 23).

Quanto à especialização, ficou claro o empenho do professor em buscar qualificação, o que é confirmado também pela escolha de Pós-Graduação voltada para a área da psicopedagogia e da edu-cação especial. É perceptível que o professor tem a consciência de que sua graduação não oferece ou não aprofunda alguns conhe-cimentos de que necessita para atuar em sala de aula, fazendo-se necessário recorrer à formação continuada.

Sobre o tempo de experiência em magistério, obtiveram-se os seguintes resultados, conforme o Gráfico 2.

Gráfico 2. Tempo de experiência no magistério.

Fonte: elaborado pelas autoras.

O tempo de atuação no magistério é fator relevante em ter-mos de qualificação para o trabalho, ou seja, é fundamental a ex-periência profissional estar atrelada a uma formação profissional consistente. Conforme Lopes (2015, p. 78):

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Através de suas experiências e vivências, o professor de-senvolve um fazer pedagógico mais consciente, mas, ao mesmo tempo, não podemos ser ingênuos em achar que somente o tempo investido em prática pode alicerçar esse trabalho. A prática juntamente com o estudo da teoria e o aprimoramento em estudos convergentes em psicologia, pedagogia, neurociência e afins é que podem consolidar, de fato, uma formação profissional sólida.

O tempo dedicado às séries iniciais, que corresponde ao perí-odo trabalhado com alfabetização, conforme a pesquisa, está refle-tido no Gráfico 3.

Gráfico 3. Atuação nas séries iniciais.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Normalmente, os professores com mais tempo de serviço buscam se aperfeiçoar, procurando respostas para suas angústias e inquietações, investindo em ser ou se tornar alfabetizador e, dessa forma:

Se comprometendo em questões mais sociais, como os di-reitos da criança em relação à educação, à saúde, a uma família estruturada e pensando numa escola mais humana e mais próxima da realidade global, buscando oferecer ao seu aluno acesso a tudo que pode auxiliá-lo em sua trans-formação e inclusão social (LOPES, 2015, p. 78).

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Dessa maneira, o professor alfabetizador trabalha com a pos-sibilidade de tornar-se próximo ao aluno, todavia não ignorando o nível de exigência que a profissão docente impõe (MORAIS, 2006).

O PNAIC na visão dos professores

Inicialmente, os professores foram questionados sobre o pro-grama ter trazido ou não mudanças/aperfeiçoamento na prática pe-dagógica. Em caso de resposta afirmativa, foi pedido para que as descrevessem; em caso de resposta negativa, que fosse explicado por que não foram possíveis mudanças. Os professores alfabeti-zadores foram unânimes em afirmar que o PNAIC contribuiu para mudança e aperfeiçoamento.

Conforme a fala dos professores alfabetizadores, pode-se no-tar que todos concordaram com a importância de uma formação específica para os alfabetizadores. Salientaram a orientação de uma organização mais produtiva da rotina de trabalho, a contribuição para o trabalho com oralidade, a leitura diária, o trabalho com jo-gos e a diversidade textual. Foram citadas também a valorização da pesquisa, fundamentação teórica e preparação das aulas, bem como o entendimento das diferenças entre projeto e sequência didática e como utilizá-los na sala de aula.

De acordo com o depoimento de uma professora alfabetiza-dora (PA1):

O PNAIC contribuiu no aprimoramento da prática. É mui-to importante que a teoria se concretize através da prática, tornando o resultado de nossas ações mais eficientes na condução do processo de ensino-aprendizagem. Hoje sa-bemos da importância da leitura e da escrita, por isso le-mos para nossos alunos, somos escribas se necessário. Nos tornamos, portanto, mediadores (Professor Alfabetizador 1, 2016) questionário elaborado pelas autoras).

Outrossim, pôde-se perceber com as respostas dos professo-res alfabetizadores que o êxito das propostas de formação continua-da do PNAIC está intrinsecamente ligado com essa repercussão nas atividades diárias da escola. Nesse prisma, a metodologia da for-mação continuada do programa é concebida como objeto essencial

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na organização de situações didáticas que permitam uma relação com a construção de competências profissionais. Assim, o PNAIC auxilia o professor em suas atividades diárias, atuando no sentido de formar profissionalmente os professores alfabetizadores, o que significa tomar consciência de sua profissão e aprender conteúdos que fazem parte do percurso de sua vida profissional.

A ideia de experimentação é o que passa a fornecer sentido aos conteúdos teóricos e práticos da formação. O eixo da forma-ção desloca-se para a compreensão dos modos como os professores aprendem. Nesse sentido, ser um “sujeito em formação” presume utilizar de modo consciente o saber, o saber fazer e o saber ser em função de um projeto específico (JOSSO, 2004).

Em relação a crenças e ideias sobre o ensino e a aprendi-zagem, foi pedido para os professores que completassem a frase: “Antes do curso do PNAIC eu acreditava que... e hoje eu penso que...”

Em relação às mudanças que o PNAIC trouxe, foram cita-dos: o fato de a aprendizagem poder acontecer de forma dinâmica, dentro e fora do contexto escolar; a possibilidade da alfabetização e do letramento até o 3º ano do Ensino Fundamental; a importância da troca de experiências; e a motivação em renovar a capacitação e aprender, enriquecendo o universo pedagógico. Esses foram os itens mais apontados como agentes transformadores possibilitados pelo programa.

Muitos professores declararam também que, antes do PNAIC, acreditavam que o trabalho era realizado de forma correta e que não havia necessidade de mudar nada, mas que, após a formação, passaram a acreditar que há diversas formas para que o ensino e a aprendizagem ocorram e que deve haver uma reflexão sobre o tra-balho em sala de aula.

Afirmaram também que sabiam o suficiente para alfabetizar os alunos, mas declararam que, após o programa, verificaram que é sempre importante se aperfeiçoar e desenvolver novas ideias, e que a troca entre os pares ofereceu reflexões e planejamentos que pro-moveram crescimento no ensino e na aprendizagem, possibilitan-do também descobrir soluções para as dificuldades enfrentadas. O

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PNAIC permitiu aos professores novas formas de analisar e refletir, novos olhares, além de novas metodologias para a alfabetização e o letramento. Trata-se de um programa que expande e atualiza o tra-balho com a alfabetização, voltando seu foco para todas as crianças nesse processo e, especificamente, auxiliando os professores alfa-betizadores em sua prática pedagógica diária.

Dessa forma, fica evidente a necessidade de o professor ter, além da formação inicial, uma formação continuada para que con-siga enfrentar os desafios cotidianos, atendendo as necessidades e potencialidades das crianças, adotando uma postura ética e com-prometida com a prática diária, e sabendo utilizar o conhecimento na realização de um trabalho consistente e efetivo.

A formação de professores se dá pela junção entre a teoria e a reflexão crítica das suas práticas. Para se destacar nas suas atribui-ções, esse profissional desenvolve sua autonomia intelectual e pro-fissional habilitando-se a atuar como agente ativo e reflexivo, que participa das discussões, investigações da produção e elaboração das inovações curriculares, e que atende aos desafios socioculturais e políticos de seu tempo (FREIRE, 2005).

Quanto ao conteúdo do programa (Língua Portuguesa, Mate-mática, Interdisciplinar), indagados se consideravam-no ótimo, su-ficiente ou insuficiente, os professores alfabetizadores avaliaram--no como ótimo em todas as suas versões.

Os conteúdos que foram disponibilizados e estudados duran-te o curso, com base nos cadernos pedagógicos, elaborados por uni-versidades federais e distribuídos pelo Ministério da Educação se mostraram de grande relevância, uma vez que foram baseados em princípios que transpassam a prática docente, auxiliando a enrique-cer as práticas, contribuindo para o fortalecimento de reflexões, o despertar de interesse e a construção de novas aprendizagens.

Os conteúdos abordados atenderam as exigências da prática pedagógica, contribuindo a atuação diária do docente em sala de aula e enriquecendo-a, possibilitando trilhas diversas no processo de mediação entre o ensinar e o aprender, e salientando alternativas para além da ação cotidiana dos professores.

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Em uma entrevista realizada pelo Jornal Letra A (2014), a professora Telma Ferraz Leal, do Centro de Educação da Universi-dade Federal de Pernambuco (UFPE), que participou da elaboração do material do PNAIC, esclarece que o programa coloca os direi-tos como objetos de discussão entre os participantes, mas eles não aparecem como um documento oficial orientador ou impositivo. E salienta que é um documento de base, um material para formação. Telma Ferraz Leal fala ainda que ele serve para discutir com o pro-fessor quais são a prioridades em sala de aula, analisar e refletir se os direitos que lá estão têm sido propiciados, e pensar estratégias para assegurar essas aprendizagens.

Outra questão levantada no questionário foi em relação ao desempenho dos alunos com as atividades propostas pelo Pacto. As alternativas de resposta eram as seguintes: melhor, pior ou não houve mudanças. Em sua totalidade, os professores assinalaram a alternativa “melhor desempenho dos alunos”.

No tocante ao objetivo primordial do PNAIC, ou seja, à alfa-betização até o final do primeiro ciclo, essa análise dos professores alfabetizadores é corroborada pelos resultados da ANA, pois, ao analisar a trajetória histórica do município, percebe-se, na avalia-ção de leitura, um aumento dos níveis de proficiência 3 e 4 e uma diminuição dos níveis 1 e 2, o que demonstra uma evolução na aprendizagem. Quanto à prova escrita (discursiva), que teve sua primeira edição em 2014, uma porcentagem considerável dos alu-nos ficou no nível 4.

Tabela 1. Nível de proficiência município de Ituverava: leitura.

Fonte: INEP (2014, [n.p.]).

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Tabela 2. Nível de proficiência município de Ituverava: escrita.

Fonte: INEP (2014, [n.p.]).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não tem como pensar em educação pública de qualidade sem se preocupar com a formação continuada de professores, que já vem sendo considerada, juntamente com a formação inicial, uma questão precípua nas políticas públicas educacionais. O Pacto Na-cional pela Alfabetização na Idade Certa é um programa relativa-mente recente que, apesar de possuir alguns problemas pontuais, vem demonstrando êxito entre os professores.

Isso significa que, para muitos professores alfabetizadores, a formação continuada vem se mostrando como uma oportunidade de aprender e de aprofundar os conhecimentos. As atividades e temas desenvolvidos no curso possibilitam aos professores uma mudança de postura na prática em sala de aula, e quem sai beneficiado são os alunos, que, na sua grande maioria, estão saindo alfabetizados.

A instituição escolar, exercendo inúmeros e novos papéis na sociedade atual, vem se constituindo como um espaço de constante mudança, e o professor tem um papel fundamental, sendo o respon-sável pela mudança de atitude e pensamento dos alunos.

Conforme Schnetzler e Rosa (2003, p. 27), para justificar a formação continuada de professores, três motivos têm sido normal-mente apontados:

[...] a necessidade de contínuo aprimoramento profissional e de reflexões críticas sobre a própria prática pedagógica, pois a efetiva melhoria do processo ensino e aprendizagem

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só acontece pela ação do professor; a necessidade de se superar o distanciamento entre contribuições da pesquisa educacional e a sua utilização para a melhoria da sala de aula, implicando que o professor seja também pesquisador de sua própria prática; em geral, os professores têm uma visão simplista da atividade docente, ao conceberem que para ensinar basta conhecer o conteúdo e utilizar algumas técnicas pedagógicas.

Assim, a formação docente possibilita a efetivação real da função da escola, que é socializar saberes e produzir conhecimen-tos por meio de uma intervenção direta na sociedade. Destarte, para que essa socialização aconteça, os docentes precisam estar em pro-cesso constante de aperfeiçoamento, construindo uma aprendiza-gem de modo crítico e democrático.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, R. H. S. Aids, gênero e maternidade. Projeto de Tese de Doutorado, ENSP/FIOCRUZ: Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: <portalteses.icict.fiocruz.br/pdf/FIOCRUZ/2001/barbosarhsd/capa.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2017.

BRASIL. Lei n. 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 25 fev. 2017.

______. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Cadernos de Apresentação, 1º, 2º e 3º Ano. Brasília: MEC, 2012a. Disponível em: <http://pacto.mec.gov.br/2012-09-19-19-09-11>. Acesso em: 24 mar. 2017.

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JOSSO, M-C. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.

LEAL, T. F. Letra A O Jornal do Alfabetizador. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Edição especial analisa a implementação e a continuidade do programa. Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita. Faculdade de Educação/UFMG, Belo Horizonte, mar./abr. ano 10, n. 37, p. 1-16, 2014. Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/files/uploads/JLA/2014_JLA37esp.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2017.

LOPES, M. I. O impacto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa no ensino da leitura inicial em escolas municipais e estaduais de Santa Cruz do Sul: dando voz aos professores. 2015. 261f. Dissertação – (Mestrado em Letras) – Programa de Pós-graduação em Letras, Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Santa Cruz do Sul, 2015. Disponível em <http://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/791/1/MariaIsabelLopes.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017.

MORAIS, A. G. Concepções e metodologias de alfabetização: por que é preciso ir além da discussão sobre velhos métodos? Pernambuco: UEPE – Centro de Educação e CEEL – Centro de Estudos e Educação e Linguagem, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_moarisconcpmetodalf.pdf>. Acesso em: 14 jun.2017.

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SCHNETZLER, R. P.; ROSA, M. I. F. P. S. A investigação-ação na formação continuada de professores de ciências. Ciência & Educação, v. 9, n. 1, p. 27-39, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151673132003000100003 >. Acesso em: 7 ago. 2017.

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Política Editorial / Editorial Policy

A Revista Educação é uma publicação digital semestral do Claretiano – Centro Universitário, des tinada à divulgação científica dos cursos, bem como de pesquisas e projetos comunitários.

Tem como objetivo principal publicar trabalhos que possam contribuir com o debate acerca de temas educacionais e os paradig-mas concernentes à educação na sociedade contemporânea, tendo como áreas de interesse a história da educação, movimentos cultu-rais, arte, literatura e filosofia.

A Revista Educação destina-se à publicação de trabalhos inéditos que apresentem resultados de pesquisa histórica ou de investigação bibliográfica originais, visando agregar e associar à produção escrita a produção fotográfica, de vídeo ou áudio, sendo submetidos no formato de: artigos, ensaios, relatos de caso, resu-mos estendidos, traduções ou resenhas.

Serão considerados apenas os textos que não estejam sendo submetidos a outra publicação.

As línguas aceitas para publicação são o português, o inglês e o espanhol.

Análise dos trabalhosA análise dos trabalhos é realizada da seguinte forma: a) Inicialmente, os editores avaliam o texto, que pode ser

desqualificado se não estiver de acordo com as normas da ABNT, apresentar problemas na formatação ou tiver redação inadequada (problemas de coesão e coerência).

b) Em uma segunda etapa, os textos selecionados serão enviados a dois membros do conselho editorial, que avaliarão as suas qualidades de escrita e conteúdo. Dois pareceres negativos desqualificam o trabalho e, havendo discordância, o parecer de um terceiro membro é solicitado.

c) Conflito de interesse: no caso da identificação de conflito de interesse da parte dos revisores, o editor encaminhará o manuscrito a outro revisor ad hoc.

d) O autor será comunicado do recebimento do seu trabalho

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no prazo de até 8 dias; e da avaliação do seu trabalho em até 90 dias.

e) O ato de envio de um original para a Revista Educação implica, auto maticamente, a cessão dos direitos autorais a ele referentes, devendo esta ser consultada em caso de republicação. A responsabilidade pelo conteúdo veiculado pelos textos é inteiramente dos autores, isentando-se a Instituição de responder legalmente por qualquer problema a eles vinculado. Ademais, a Revista não se responsabilizará por textos já publicados em outros periódicos. A publicação de artigos não é remunerada.

f) Cabe ao autor conseguir as devidas autorizações de uso de imagens/fotogra fias com direito autoral protegido, de modo que estas sejam encaminhadas, quando necessário, juntamente com o trabalho para a avaliação. Também é do autor a responsabi lidade jurídica sobre uso indevido de imagens/fotografias.

PublicaçãoA Revista Educação aceitará trabalhos para publicação nas

seguintes categorias:1) Artigo científico de professores, pesquisadores ou

estudantes; mínimo de 8 e máximo de 15 páginas. 2) Relatos de caso ou experiência: devem conter uma

abordagem crítica do even to relatado; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

3) Traduções de artigos e trabalhos em outro idioma, desde que devidamente au torizadas pelo autor original e comprovadas por meio de documento oficial im presso; mínimo de 8 e máximo de 15 páginas.

4) Resumos estendidos de trabalhos apresentados em eventos científicos ou de te ses e dissertações; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

5) Ensaios: mínimo de 5 e máximo de 8 páginas. 6) Resenhas: devem conter todos os dados da obra (editora,

ano de publicação, cidade etc.) e estar acompanhadas de imagem da capa da obra; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

Submissão de trabalhos 1) Os trabalhos deverão ser enviados:

a) Em dois arquivos, via e-mail (attachment), em formato

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“.doc” (Word for Windows). Em um dos arquivos, na primeira página do trabalho, deverá constar apenas o título, sem os nomes dos autores. O segundo arquivo deverá seguir o padrão descrito no item 2, incluindo os nomes dos autores.

b) Em caráter de revisão profissional. c) No máximo com 5 autores. d) Com Termo de Responsabilidade devidamente

assinado, escaneado de forma legível e enviado para o e-mail [email protected].

2) O trabalho deve incluir: a) A expressão “TÍTULO” seguida do título em língua

portuguesa, em Times New Roman, corpo 12, negrito.b) A expressão “TITLE” seguida do título em língua

inglesa, em Times New Roman, corpo 12, normal. c) A expressão “AUTORIA” seguida do(s) nome(s)

do(s) autor(es) e dos dados de sua(s) procedência(s) – filiação institucional, última titulação, e-mail, telefones para contato. Observação: os telefones não serão disponibilizados ao público.

d) A expressão “RESUMO” seguida do respectivo resumo em língua portugue sa (entre 100 e 150 palavras). Sugere-se que, no resumo de artigos de pesquisa, seja especificada a orientação metodológica.

e) A expressão “ABSTRACT” seguida do respectivo resumo em língua inglesa (entre 100 e 150 palavras).

f) A expressão “PALAVRAS-CHAVE” seguida de 3 até 5 palavras-chave em língua portuguesa, no singular.

g) A expressão “KEYWORDS” seguida de 3 até 5 palavras-chave em língua inglesa, no singular.

h) O conteúdo textual do trabalho. i) Os vídeos, as fotos ou áudios são opcionais. Todo

o material de mídia digital deve ser testado antes do envio e não ultrapassar 5 minutos de exibição.

Formatação do trabalho 1) Em Times New Roman, corpo 12, entrelinhas 1,5 e sem

sinalização de início de parágrafo. 2) Para citações longas, usar corpo 10, entrelinhas simples,

recuo duplo, espaço antes e depois do texto. Citações curtas, até 3 linhas, devem ser colocadas no interior do texto e entre aspas, no mesmo tamanho de fonte do texto (12).

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3) Tabelas, quadros, gráficos, ilustrações, fotos e anexos devem vir no interior do texto com respectivas legendas. Para anexos com textos já publicados, deve-se incluir referência bibliográfica.

4) As referências no corpo do texto devem ser apresentadas entre parênteses, com o nome do autor em letra maiúscula seguido da data, separados por vírgula e espaço e contendo o respectivo número da(s) página(s), quando for o caso. Exemplo: (FERNANDES, 1994, p. 74). A norma utilizada para a padronização das referências é a da ABNT em vigência.

5) As seções do texto devem ser numeradas, a começar de 1 (na introdução), e serem digitadas em letra maiúscula; subtítulos devem ser numerados e digitados com inicial maiúscula.

6) As notas de rodapé devem estar numeradas e destinam-se a explicações com plementares, não devendo ser utilizadas para referências bibliográficas.

7) As referências bibliográficas devem vir em ordem alfabética no final do artigo, conforme a ABNT.

8) As expressões estrangeiras devem vir em itálico.

Modelos de Referências Bibliográficas – Padrão ABNT

Livro no todo PONTES, Benedito Rodrigues. Planejamento, recrutamento e seleção de pessoal. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.

Capítulos de Livros BUCII, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão. In: KEHL, Maria Rita. O espetáculo como meio de subjetivação. São Paulo: Boitempo, 2004. cap. 1, p. 42-62.

Livro em meio eletrônico ASSIS, Joaquim Maria Machado de. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Dis ponível em: <http://machado.mec.gov.br/imagens/stories/pdf/romance/ marm02.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Periódico no todo GESTÃO EMPRESARIAL: Revista Científica do Curso de Administração da Unisul. Tubarão: Unisul, 2002.

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Artigos em periódicos SCHUELTER, Cibele Cristiane. Trabalho voluntário e extensão universitária. Episteme, Tubarão, v. 9, n. 26/27, p. 217-236, mar./out. 2002.

Artigos de periódico em meio eletrônico PIZZORNO, Ana Cláudia Philippi et al. Metodologia utilizada pela bibliote-ca universitária da UNISUL para registro de dados bibliográficos, utilizando o formato MARC 21. Revista ACB, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 143-158, jan./ jun. 2007. Disponível em: <http://www.acbsc.org.br/revista/ojs/viewarticle. php?id=209&layout=abstract>. Acesso em: 14 dez. 2007.

Artigos de publicação relativos a eventos PASCHOALE, C. Alice no país da geologia e o que ela encontrou lá. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 33. 1984. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, SBG, 1984. v. 11, p. 5242-5249.

Jornal ALVES, Márcio Miranda. Venda da indústria cai pelo quarto mês. Diário Cata-rinense, Florianópolis, 7 dez. 2005. Economia, p. 13-14. Site XAVIER, Anderson. Depressão: será que eu tenho? Disponível em: <http:// www.psicologiaaplicada.com.br/depressao-tristeza-desanimo.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

Verbete TURQUESA. In: GRANDE enciclopédia barsa. São Paulo: Barsa Planeta Internacional, 2005. p. 215.

Evento CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA MECÂNICA, 14, 1997, Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 1997.