educação na floresta e sistemas agroflorestais

Upload: francklin-pedro

Post on 01-Mar-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    1/179

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    NCLEO DE PS-GRADUAO

    EM

    DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    REA DE CONCENTRAO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL

    PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    EDUCAO NA FLORESTA: UMA CONSTRUO PARTICIPATIVA DE

    SISTEMAS AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS EM JAPARATUBA, SERGIPE

    Autor: Ana Paula Fraga Bolfe

    Orientador: Dr. Edmar Ramos de Siqueira

    Co-orientadora: Dra. Maria Augusta Mundim Vargas

    AGOSTO - 2004

    So Cristvo Sergipe

    Brasil

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    2/179

    ii

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    NCLEO DE PS-GRADUAO

    EM

    DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    REA DE CONCENTRAO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL

    PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    EDUCAO NA FLORESTA: UMA CONSTRUO PARTICIPATIVA DE

    SISTEMAS AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS EM JAPARATUBA, SERGIPE

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Ncleo de Ps-Graduao

    em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de

    Sergipe, como parte dos requisitos exigidos para a obteno do

    ttulo de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

    Autor: Ana Paula Fraga Bolfe

    Orientador: Dr. Edmar Ramos de Siqueira

    Co-orientadora: Dra. Maria Augusta Mundim Vargas

    AGOSTO - 2004

    So Cristvo Sergipe

    Brasil

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    3/179

    iii

    FICHA CATALOGRFICA

    ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    Bolfe, Ana Paula FragaB688e Educao na floresta: uma construo participativa de sistemasagroflorestais sucessionais em Japaratuba, Sergipe / Ana Paula FragaBolfe. -- So Cristvo, 2004.

    160p.

    Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) Ncleo de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente,Programa Regional de Desenvolvimento e Meio Ambiente, Pr-Reitoriade Ps-Graduao e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe.

    1. Educao. 2. Sistemas agroflorestais sucessionais Municpiode Japaratuba, SE. 3. Agricultura sustentvel. 4. Relaosociedade natureza. 5. Agricultura familiar. I. Ttulo.

    CDU 37:633/635:630*234

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    4/179

    iv

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    NCLEO DE PS-GRADUAO

    EM

    DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    REA DE CONCENTRAO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL

    PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    EDUCAO NA FLORESTA: UMA CONSTRUO PARTICIPATIVA DE

    SISTEMAS AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS EM JAPARATUBA, SERGIPE

    Dissertao de Mestrado defendida por Ana Paula Fraga Bolfe e aprovada em 18 de agosto

    de 2004 pela banca examinadora constituda pelos doutores:

    ________________________________________________Dr. Edmar Ramos de Siqueira Orientador

    Universidade Federal de Sergipe

    ________________________________________________

    Dra. Maria Augusta Mundim Vargas

    Universidade Federal de Sergipe

    ________________________________________________

    Dr. Marcos Reigota

    Universidade de Sorocaba

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    5/179

    v

    Este exemplar corresponde verso final da Dissertao de Mestrado em Desenvolvimento

    e Meio Ambiente.

    ________________________________________________

    Dr. Edmar Ramos de Siqueira Orientador

    Universidade Federal de Sergipe

    ________________________________________________

    Dra. Maria Augusta Mundim Vargas

    Universidade Federal de Sergipe

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    6/179

    vi

    concedida ao Ncleo responsvel pelo Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente

    da Universidade Federal de Sergipe permisso para disponibilizar, reproduzir cpias desta

    dissertao e emprestar ou vender tais cpias.

    ________________________________________________

    Ana Paula Fraga Bolfe Autora

    Universidade Federal de Sergipe

    ________________________________________________

    Dr. Edmar Ramos de Siqueira Orientador

    Universidade Federal de Sergipe

    ________________________________________________

    Dra. Maria Augusta Mundim Vargas Co-orientadora

    Universidade Federal de Sergipe

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    7/179

    vii

    DEDICATRIA

    A todos que acreditam numa educao libertadora, e que

    esta possibilita aos homens ferramentas para a construo de um mundo melhor.

    Existir, humanamente, pronunciar o mundo,

    modific-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta

    problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles

    novo pronunciar. No no silncio que os homens se fazem,

    mas na palavra, no trabalho, na ao e reflexo.

    (Paulo Freire)

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    8/179

    viii

    AGRADECIMENTOS

    A Deus pela vida.

    A meus pais Luiz (in memorian) e Ana: a ele que onde quer que esteja me ilumina

    com sua luz e seu exemplo, a ela pela fora, coragem e amor.

    A Victria, minha filha, fora e fonte de inspirao; a Edson, meu esposo,

    companheiro e porto seguro. Agradeo pelo respeito, pelo amor, pela dedicao e

    pacincia que tiveram comigo, at em minhas ausncias.

    Aos meus irmos to fundamentais na minha histria de vida: importantes, amigos,

    presentes, sempre, apesar da distncia geogrfica.

    Universidade Federal de Sergipe, pela oportunidade de realizao da Ps-Graduao.

    Ao Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pela

    acolhida e conhecimentos adquiridos.

    CAPES, pelo auxlio financeiro concedido durante parte da realizao do curso.

    Ao Pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros e Professor Dr. Edmar Ramos de

    Siqueira, pela sabedoria transmitida, e pelo estmulo ao qual devo a orientao deste

    trabalho. Mais que orientador tornou-se amigo, obrigada pelo respeito e pela pacincia,pois nosso trabalho comeou pela confiana e optamos pela interao de saberes (um

    engenheiro florestal e uma pedagoga). Hoje temos muito em comum, mas, principalmente,

    a certeza absoluta da possibilidade da to questionada e muitas vezes desprezada

    interdisciplinariedade que deu alma e fora construo dessa dissertao.

    professora Dra. Maria Augusta Mundim Vargas pela co-orientao deste

    trabalho, suas leituras e sugestes, por apresentar-me a possibilidade de mestrado no

    NESA, por fazer parte dessa caminhada, meu carinho, admirao, respeito e muitoobrigada.

    Aos colaboradores: a Professora Dra. Rosemeri de Melo e Souza, ao Pesquisador da

    Embrapa Tabuleiros Costeiros Edson Luis Bolfe, ao Mestre em Desenvolvimento e Meio

    Ambiente Ismael Quirino Trindade Neto pela confiana, amizade e sabedoria com que

    muitas vezes mergulharam neste tema da pesquisa, ajudando-me a construir este trabalho,

    meu obrigada e gratido.

    Aos parceiros do projeto de implantao, nas pessoas de Salete Rangel da Embrapa

    Tabuleiros Costeiros, Andr Maciel da Prefeitura de Japaratuba, ao Professor Dr. Aro e

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    9/179

    ix

    aos estagirios da Escola Agrotcnica (EFASC), em especial a Silvnia pelos ensinamentos

    prticos e a troca de idias, e s demais pessoas que estiveram envolvidas no projeto.

    A Ernest Gtsch, criador do sistema, um ser apaixonado por todas as formas de

    vida, pela sua sabedoria, simplicidade e competncia.

    Aos agricultores, parte fundamental dessa pesquisa, por seus exemplos, carinho e

    pacincia. Muito obrigada: Erivaldo, Jaime, Jos Augusto, Maria Luiza, Jos Carlos,

    Erisvandro, Nelson, Maria Lcia, Jos Antnio, Maria Jos, Edmilson e Jos, as suas

    famlias que muitas vezes estiveram presentes e j participam desse projeto.

    Aos Professores das disciplinas cursadas no Programa de Ps-Graduao em

    Desenvolvimento e Meio Ambiente: Edmilson, Antnio Carlos, Maria Augusta, Rivanda,

    Roberto, Tnia, Edmar, e Francisco Sandro pelos encontros em sala de aula durante acaminhada.

    A Petrobrs, pela logstica fornecida para a realizao deste trabalho, e pelas

    amizades l na empresa conquistadas durante o perodo.

    Aos Professores Drs., pela participao e sugestes como banca examinadora.

    A todos colegas da turma de 2003, pela contribuio e amizade, especialmente a

    Ivana, Ailton, Miriam e Antnio Ricardo.

    Aos colegas da turma de 2002 e 2004 pelas conversas, trocas, estmulos e risadas.Aos funcionrios do NESA, Aline, Naj e tambm a Dona Rosa pela amizade e

    colaborao fornecida.

    A todos que, diretamente ou indiretamente, contriburam para a realizao deste

    trabalho.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    10/179

    x

    RESUMO

    A educao na floresta vem como uma forma de constituir uma nova relao do ser humano

    com a natureza, esta que vem sofrendo transformaes ao longo dos tempos. Um dosmaiores exemplos disso a agricultura, que surgiu no momento em que o homem passou

    daquilo que habitualmente colhia, ou que a natureza lhe oferecia, para plantar seu alimento,

    modificando dessa forma radicalmente os ecossistemas em que vive. Assim, os sistemas

    agroflorestais sucessionais, que significam conceitualmente, consrcios de espcies

    herbceas, arbustivas e arbreas, em que se procura reproduzir uma dinmica sucessional

    natural, uma vertente da agroecologia, caracterizados como um modelo regenerativo, que

    se apresentam como uma alternativa para construir uma relao do ser humano com a

    natureza, pautada no respeito, na complementariedade e na diversidade, sem pensar num

    retorno physis, mas na coexistncia e no pertencimento de vidas. Encontra-se na educao

    libertadora, que prima pela participao, cultura, conscientizao um instrumento

    fundamental para a construo desse modo de fazer agricultura. Os sistemas agroflorestais

    sucessionais tm como princpios bsicos a diversidade e a densidade de espcies; nesse

    sentido, o conhecimento local essencial e o respeito ao saber do agricultor pertencente a

    comunidade. A pesquisa desenvolveu-se com agricultores familiares, na Fazenda Oiteirinhos

    no municpio de Japaratuba, em Sergipe, tendo como objetivo geral investigar a percepo

    dos agricultores familiares em relao aos sistemas agroflorestais sucessionais e possibilitar

    uma apropriao coletiva dos princpios que os regem na regio. Para tanto, verificou-secomo se d a relao dos agricultores com a natureza, o conhecimento dos atores sociais

    envolvidos na proposta. Em seguida procedeu-se elaborao de um banco de dados

    geogrficos de uso da terra. Acompanhou-se o processo de implantao dos sistemas

    agroflorestais sucessionais, assim como a representao destes atravs de mapas mentais dos

    agricultores e por fim a construo de categorias a partir das falas obtidas em entrevistas e

    observaes dos agricultores. Por fim, neste trabalho afirma-se a importncia de se trabalhar

    com os sistemas agroflorestais sucessionais inerentes a um processo educativo tangendo a

    sustentabilidade ambiental e cultural, pois se est construindo territrios e territorialidades, e

    o agricultor passa a ser um co-criador da realidade, parceiro e no dominador, quando aincluso, a participao, o pertencimento passam a ser conseqncia da nova atitude de estar

    no mundo e com o mundo. Para concluir, a percepo destas pessoas passou por um

    processo de modificao, ou de reconstruo. E a apropriao coletiva dos sistemas

    agroflorestais sucessionais se deu alm da percepo, como uma mudana de valores

    demonstrada em suas atitudes frente natureza, apresentando-se, ento, a proposta

    metodolgica da educao para sistemas agroflorestais sucessionais construda ao longo do

    processo de implantao destes.

    Palavras-chaves: Educao libertadora, relao sociedade e natureza, agricultura sustentvel.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    11/179

    xi

    ABSTRACT

    The education in the forest comes from to constitute a new relation between the human

    been with the nature, this one has been suffering transformation throughout the times. Oneof major examples about this, is the agriculture, which emerged in the moment that the

    men passed from that what he usually harvested, or from what the nature offered to them,

    to plant their aliment, modifying drastically the ecosystems. So the agroforestry systems

    successionals, which means conceivable, groups of herbaceous, arbustives and arborous,

    that try to reproduce a dynamic sucessional and natural, its a watershed of agroecology,

    characterides as a regenerative among men an nature, ruled by the respect,

    complementarity, diversity, without thinking about the return of Physis but in the

    coexistence and possessions of life. Its found in the free education, wich ask for the

    participation, culture, conscience is a fundamental instrument for this way of makingagriculture. The agroforestry systems successionals has principles the diversity and the

    species density, in this order, the local knowledge is essential, and the respect pertaining to

    the agriculturists and the community. The research develop with agriculturis from

    Oiteirinhos Farm in the town Japaratuba, in Sergipe, wich the local agriculturists in

    relation to the agroforestry systems sucessionais and to possibilities a collective

    appropriating principles that rules in the region. Was verified that the relationship between

    the agriculturist and nature, the knowledge of the social actors involved in the proposal.

    After that an elaboration of a geographic data bank proceeded about the use of the land.

    The implantation of the agroforestry systems successionals, was followed, in the

    agriculturist and finally the construction of the categories obtained from the voices in

    interviews and observations of the agriculturists. In the end, this work confirms the

    importance in dealing with agroforestry systems successionals inherence to a educative

    process tangent to a environmental sustainability and cultural, so, if its been constructing

    territories and territorietalities, and the agriculturist turns info a co-creator for the reality,

    partner and not dominator, when the inclusion, the participation, the possessions turns info

    a consequence of a new attitude for been in the world and with the world. To conclude, the

    perception of these people passed through a modification process, or reconstruction. Thecollective appropriation of the agroforestry systems successionals went beyond the

    perception, as a nature, so, showing the methodological proposal of education for

    agroforestry systems successionals built throughout this long process of implantation.

    Key- words: free education, relation the society been with the nature, sustainability

    agriculture.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    12/179

    xii

    SUMRIO

    Pgina

    LISTA DE FIGURAS xivLISTA DE FOTOGRAFIAS xv

    LISTA DE GRFICOS xvi

    LISTA DE TABELAS xvii

    LISTA DE QUADROS xviii

    CAPTULO 1 INTRODUO 1

    CAPTULO 2 A RELAO SOCIEDADE-NATUREZA 4

    2.1 BREVE HISTRICO DE COMO SE INSTITURAM AS RELAES

    SOCIEDADE-NATUREZA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA

    CIVILIZAO 5

    2.2 A RELAO SOCIEDADE-NATUREZA NO BRASIL COLONIZADO 15

    2.3 RELAO SOCIEDADE NATUREZA NA AGRICULTURA 18

    2.4 AGRICULTURA FAMILIAR 24

    CAPTULO 3 AGRICULTURA SUSTENTVEL: O QUE SO OS SISTEMAS

    AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS 27

    3.1 AGRICULTURA SUSTENTVEL 28

    3.2 AGROECOLOGIA 31

    3.3 SISTEMAS AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS: UMA ALTERNATIVA DA

    VIDA NO MUNDO E COM O MUNDO 34

    3.3.1 Fundamentos tericos dos Sistemas Agroflorestais Sucessionais 363.3.2 Ecossistema e/ou Agroecossistema 40

    3.3.3 Diversidade: sucesso natural de espcies 42

    CAPTULO 4EDUCAO OU EXTENSO RURAL 49

    CAPTULO 5 METODOLOGIA 59

    5.1 QUESTES DE PESQUISA 605.2 CARACTERIZAO DO ESTUDO 61

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    13/179

    xiii

    5.3 MTODOS 61

    5.4 INSTRUMENTOS 62

    5.5 CENRIO DA PESQUISA 62

    5.6 TRABALHO DE CAMPO 65

    5.7 ANLISE DE DADOS 66

    CAPTULO 6 RESULTADOS E DISCUSSES 68

    6.1 CONHECENDO OS ATORES SOCIAIS 69

    6.2 BANCO DE DADOS GEOGRFICO DE USO TEMPORAL DA TERRA 81

    6.3 REPRESENTANDO: PERCEPO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS AO

    LONGO DO PROCESSO 876.3.1 Antes da implantao dos sistemas agroflorestais sucessionais 88

    6.3.2 Comeo da implantao dos sistemas agroflorestais sucessionais 91

    6.3.3 Depois de conhecerem um sistema agroflorestal sucessional j implantado 94

    6.3.4 Aps a primeira colheita do sistema agroflorestal sucessional implantado

    pelos prprios agricultores 97

    6.4 CATEGORIAS: A EXPERINCIA DA EDUCAO NA CONSTRUO

    PARTICIPATIVA DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS 102

    CAPTULO 7 - CONCLUSES E SUGESTES 127

    7.1 CONCLUSES 128

    7.2 SUGESTES 130

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 131

    ANEXO AQUESTIONRIO 143

    ANEXO B ENTREVISTA INICIAL 149

    ANEXO C ROTEIRO DE OBSERVAESIN LOCO 151

    ANEXO D ENTREVISTA FINAL 153

    ANEXO E PROPOSTA DE EDUCAO PARA SISTEMAS AGROFLORESAIS

    IMPLANTADA NO PROJETO PILOTO NA FAZENDA OITEIRINHOS,

    JAPARATUBA, SE. 155

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    14/179

    xiv

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 3.1 - Hierarquia dos diferentes planos de existncia................................................ 39

    Figura 3.2 - Insero do ser humano no universo. .............................................................. 39Figura 5.1 - Representao da rea de estudo. .................................................................... 63

    Figura 6.1- Imagem TM (1988) e Imagem TM (1998), Japaratuba-SE.............................. 82

    Figura 6.2 - Classificao do uso da terra (1988) e Classificao do uso da terra (1998),

    Japaratuba-SE..............................................................................................................84

    Figura 6.3 - Sistema de cultivo com predomnio de plantio em linha.................................89

    Figura 6.4 - Sistema de cultivo com plantio disperso (milho, feijo e mandioca). ............. 90

    Figura 6.5 - Sistema de cultivo com espcies herbceas e arbreas com espacializaoparcial. ......................................................................................................................... 92

    Figura 6.6 - Sistema de cultivo com espcies herbceas e arbreas com espacializao

    total..........................................................................................................................93

    Figura 6.7 - Sistema de cultivo diversificado com espacializao parcial. ......................... 95

    Figura 6.8 - Sistema de cultivo diversificado com espacializao total.............................. 96

    Figura 6.9 - Sistemas Agroflorestais. .................................................................................. 99

    Figura 6.10 - Sistemas agroflorestais comparadas ao cultivo convencional. ....................100

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    15/179

    xv

    LISTA DE FOTOGRAFIAS

    Foto 6.1 - Reunio Centro Comunitrio D. Joanoca. .......................................................... 70

    Foto 6.2 - Aplicao do questionrio na BR 101. ............................................................... 71Foto 6.3 - Matria Orgnica. ............................................................................................... 74

    Foto 6.4 - Construo dos mapas mentais pelos agricultores em Japaratuba, SE. .............. 88

    Foto 6.5 - Mapas mentais construdos pelos agricultores em Pira do Norte, BA. ............. 94

    Foto 6.6 - Diferena de terra com cobertura (escura) e sem cobertura (clara). ................... 97

    Foto 6.7 - Coquetel de Sementes. ...................................................................................... 101

    Foto 6.8 - Reunio Semanal................................... ........................................................... 103

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    16/179

    xvi

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 6.1 - Participantes por gnero................................................................................ 69

    Grfico 6.2 - Faixa Etria dos agricultores.......................................................................... 71Grfico 6.3 - Escolha dos cultivos adotados. ......................................................................73

    Grfico 6.4 - Tcnica utilizada na plantao agrcola pelos agricultores............................ 73

    Grfico 6.5 - Como a tcnica utilizada afeta o solo. ........................................................... 74

    Grfico 6.6 - Aspiraes de cultivo dos agricultores........................................................... 75

    Grfico 6.7 - Recursos naturais apontados pelos agricultores.............................................76

    Grfico 6.8 - Percepo dos recursos naturais..................................................................... 76

    Grfico 6.9 - Percepo dos agricultores da mata. .............................................................. 78Grfico 6.10 - Relao da famlia com a natureza. ............................................................. 78

    Grfico 6.11 - Tempo de escolaridade................................................................................. 79

    Grfico 6.12 - Participao em organizaes, instituies, etc. .......................................... 80

    Grfico 6.13 - Atividades coletivas j desenvolvidas pelos agricultores. ........................... 80

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    17/179

    xvii

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 6.1 - Quantificao do uso da terra do municpio de Japaratuba, Sergipe (Km).... 85

    Tabela 6.2 - Quantificao do uso da terra do municpio de Japaratuba, Sergipe (%)........ 85

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    18/179

    xviii

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 5.1 - Modelo da matriz de categorias. ....................................................................67

    Quadro 6.1 - Cultivos adotados pelos agricultores.............................................................. 72Quadro 6.2 - Percepo da mata. .........................................................................................77

    Quadro 6.3 - Categoria Relao Ser Humano e Natureza. ................................................ 103

    Quadro 6.4 - Categoria conceito de sistemas agroflorestais sucessionais......................... 108

    Quadro 6.5 - Categoria participao.................................................................................. 113

    Quadro 6.6 - Categoria aprendizagem............................................................................... 115

    Quadro 6.7 - Categoria territrio e territorialidade............................................................ 120

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    19/179

    CAPTULO 1

    INTRODUO

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    20/179

    Captulo 1 Introduo 2

    1.0 - INTRODUO

    No decorrer dos tempos as sociedades tm se comportado como se fossem as ltimas a

    habitar a Terra, sem nenhuma preocupao com seus descendentes. visvel uma situao

    scio-ambiental insustentvel, visto a degradao ambiental, o risco do colapso ecolgico e

    o avano das desigualdades sociais e da pobreza.

    Tem-se na agricultura a atividade produtiva em que a relao ser humano e natureza

    aparece com toda a clareza e obstculos; nela, a crise ambiental fruto da chamada

    revoluo verde, pois, ao contrrio das frmulas genricas dos pacotes tecnolgicos,

    fundamental saber que solues sustentveis costumam ser exigentes quanto ao

    conhecimento de ecologia e especificidades locais.

    Assim, os sistemas agroflorestais se apresentam como uma alternativa de produo

    agrcola transcendendo qualquer modelo pronto e sugerido sustentabilidade, pois partem

    de conceitos bsicos fundamentais, aproveitando e resgatando os conhecimentos culturais

    locais, adquiridos atravs da vivncia das geraes em seu ecossistema, dados de extremo

    valor e importncia na elaborao de sistemas de produo sustentveis.

    Para tanto, a educao adquire um sentido fundamental, pois funo dos educadores

    favorecer processos que permitam que os indivduos e os grupos sociais ampliem a sua

    percepo e internalizem, conscientemente, a necessidade de mudana. Um carter

    libertador e emancipador da educao, ressignificada por princpios de sustentabilidade

    ecolgica e diversidade cultural, procura dar ao ser humano a oportunidade de re-

    descobrir-se atravs da retomada reflexiva do prprio processo, em que ele vai sedescobrindo, manifestando e construindo.

    O objetivo geral desse trabalho foi investigar a percepo dos agricultores familiares em

    relao aos sistemas agroflorestais sucessionais e possibilitar uma apropriao coletiva dos

    princpios que os regem na regio.

    Os objetivos especficos: a) diagnosticar a realidade histrico-social das famlias rurais daregio envolvidas no processo; b) elaborar um banco de dados geogrfico com informaes

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    21/179

    Captulo 1 Introduo 3

    temporais de uso da terra do sistema agroflorestal; c) identificar com a devida importncia

    o saber agroecolgico acumulado por indivduos e comunidades; d) permitir a associao

    de saberes ecolgicos fragmentados da comunidade rural da regio para um projeto

    agregador comum.

    O trabalho parte de um entendimento de como se instituram as relaes sociedade e

    natureza no mundo ocidental, procura resgatar como se deram essas relaes no Brasil

    colonizado, a devastao das florestas e o surgimento da agricultura que modificou

    drasticamente a relao do ser humano com a natureza, e que se tornou altamente

    insustentvel no seu modelo atual, principalmente para os denominados agricultores

    familiares.

    O segundo captulo apresenta a agricultura sustentvel, seus modelos, divergncias e

    dificuldades, situa a agroecologia como um campo de conhecimento agrcola capaz de

    minimizar o alto impacto negativo causado no meio ambiente, evidencia as correntes, seus

    modelos prticos. Dentre eles, os sistemas agroflorestais sucessionais caracterizados como

    um modelo agrcola regenerativo, que significa a regerao do que tenha sido perdido ou

    destrudo, e nesse ponto, inclusive as relaes do ser humano com a natureza. No que sequeira um retorno physis, mas um reencontro com o respeito a vida, coexistindo com

    semelhantes.

    No terceiro captulo se mostra como os sistemas agroflorestais podem tornar-se prtica,

    para isso nega-se a extenso rural nos moldes da Revoluo Verde, ou seja, de persuaso e

    invaso cultural; apresenta-se uma prtica educativa balisada em sujeitos histricos sociais

    e na construo coletiva do conhecimento, numa educao como prtica de liberdade,problematizadora e no domesticadora.

    um estudo de caso fruto de uma pesquisa qualitativa que demonstra como acontece a

    receptividade dos agricultores, o caminho que esse processo percorre, e qual a metodologia

    a ser utilizada nas comunidades para implantao de sistemas agroflorestais sucessionais

    em Sergipe.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    22/179

    CAPTULO 2

    A RELAO SOCIEDADE-NATUREZA

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    23/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 5

    2.0 A RELAO SOCIEDADE-NATUREZA

    2.1 BREVE HISTRICO DE COMO SE INSTITURAM AS RELAES

    SOCIEDADE-NATUREZA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA

    CIVILIZAO

    Neste captulo busca-se a retomada do conceito de natureza instituda ao longo da trajetria

    humana e procura-se situar o conflito que se instaurou entre cultura e natureza, mostrando

    que a tradicional dicotomia homem-natureza que conformou o saber na sociedade

    ocidental volta a ser questionada, pois a cultura humana no sai da natureza, ao contrrio,

    uma de suas qualidades, visto que o homem, por natureza, produz cultura.

    Produzir cultura uma especificidade natural dos seres humanos, pois os homens ao longo

    da histria criam normas, regras e instituies, no para evitar cair no estado de natureza,

    mas o fazem desenvolvendo sua prpria natureza, no somente em funo dos estmulos

    advindos do meio ambiente, mas tambm das relaes que os homens estabelecem entre si.

    Atualmente, a sobrevivncia humana est ameaada por vrias aes igualmente humanasadvindas de uma viso de mundo mecanicista e fragmentada. S reagiremos se formos

    capazes de mudar radicalmente os mtodos e os valores subjacentes nossa cultura

    individualista e materialista atual e nossa tecnologia de explorao do meio-ambiente.

    Esta mudana dever, logicamente, refletir-se em atitudes mais orgnicas, holsticas e

    fraternas entre os seres humanos e entre estes e a natureza, em todos os seus aspectos,

    inclusive na agricultura que parte do tema deste trabalho; pois a sustentabilidade

    prioridade em nosso tempo, como afirma Leff (2001), sendo o significado de uma falhafundamental na histria da humanidade, crise da civilizao que alcana seu momento

    culminante na modernidade, mas cujas origens remetem concepo do mundo que serve

    de base civilizao ocidental.

    Quando apresentam-se para reflexo as atitudes necessrias nos dias atuais, necessrio

    explicar-se que orgnicas, conforme Vargas (2003), tm o sentido de relaes valorizadas

    pela herana de prticas culturais repassadas atravs de geraes. J o holstico, segundoMello e Souza (2003), significa a apreenso dos fenmenos da natureza entendidos como

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    24/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 6

    imersos na totalidade complexa e originria, haja vista a origem etimolgica desse

    vocbulo remontar ao grego Holos, referente qualidade daquilo que inteiro, completo,

    associado, de modo freqente, noo de complexidade, por sua vez derivada do latim

    complexus, significando aquilo que tecido junto. E fraternas, fazer causa comum, ou

    comungar de idias, aliar-se ou travar amizades, conforme Ferreira (1985).

    Segundo Trindade Neto (2003) o desafio civilizacional parece residir mais em como se

    reintegrar sem perder as aquisies cognitivas e culturais. Enfim, um retorno, mas no uma

    regresso, ou, mais propriamente, um processo de reintegrao humana natureza, da qual

    sempre foi uma das partes, levando consigo a conscincia conquistada. Trata-se de um

    modo de estar que inclusivo, considerando o valor intrnseco de todos os seres, no-vivose vivos, o que inclui os humanos.

    Para tanto, necessrio construir um outro conceito de natureza que envolve tambm um

    outro conceito de homem e de uma outra sociedade que tome a tcnica como ela , apenas

    um meio para se atingir um determinado fim. Fins que no so externos e imutveis. Assim

    poderemos lutar contra a desigualdade social no como forma de igualdade para que todos

    os seres humanos sejam iguais, pois o que os seres humanos tm de igual so as diferenas.

    Constata-se que esse estado do mundo est intrinsecamente ligado ao desenvolvimento das

    sociedades humanas, no momento em que se traam algumas fases da evoluo histrica,

    distinguindo etapas em que o homem saiu de sua condio de ser imerso na natureza

    indiferenciado, para uma posio de ser que transforma a natureza, como coloca Trindade

    Neto (2003).

    Mas, para se ter outra atitude, necessrio uma outra compreenso da realidade e da

    posio do homem nesta, retomar vises que foram esquecidas, como salienta Capra

    (1997); por exemplo, a de Goethe, filsofo alemo que admirava a ordem mvel da

    natureza e concebia a forma como um padro de relaes, em que cada criatura apenas

    uma gradao padronizada de um grande todo harmonioso. Ou ainda, as vises que falam

    de uma integrao de partes e todos, a grande teia da vida em que o homem um dos fios.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    25/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 7

    Segundo Trindade Neto (2003), a busca por uma epistemologia integrativa se obtm ao

    optar por celebrar a realidade, pois o homem passa a ser um co-criador da mesma, um

    parceiro e no mais um dominador; a escuta, o dilogo, o questionamento mais profundo

    sobre o destino dessa realidade devem ser os meios com os quais a humanidade deve se

    pautar para a construo desse momento em que a incluso passa a ser conseqncia da

    nova atitude de estar no mundo e com o mundo.

    Por isso, necessrio revisitarmos as relaes de natureza e sociedade institudas ao longo

    da histria humana no ocidente, desde a Antigidade Clssica at nossos dias, a partir de

    aspectos como o lugar do homem na ou com a natureza, a prxis humana em relao a ela.

    Inicia-se por definir natureza como aquilo que se ope cultura como afirma Gonalves(1998), pois a cultura tomada como algo superior e que conseguiu controlar e dominar a

    natureza, como evidenciado pela revoluo neoltica. Com a agricultura, o homem passou

    da coleta daquilo que naturalmente a natureza oferecia para a coleta do que se planta, se

    cultiva; comea-se a domesticar a natureza e formam-se os beros de civilizaes.

    A oposio homem-natureza acontece na complexa histria do ocidente em luta com outras

    formas de pensar e o agir de nossa sociedade, pois j houve poca, a pr-socrtica, em queo modo de pensar a natureza foi radicalmente diferente dessa viso dicotomizada,

    fragmentada, oposta, entre homem e natureza. Nessa poca, segundo Bornheim (1989) os

    deuses existem, como existem as plantas, as pedras, o amor, os homens, o riso, o choro, a

    justia. Nos dias atuais, a natureza confunde-se com o objeto das cincias naturais,

    podendo ser dominada e estando a servio do homem, canalizada em termos da tcnica, e

    assim, transforma-se em expresso da vontade de poder; no entanto, o conceito pr-

    socrtico da natureza vem daphysisem que se pensa numa compreenso da totalidade doreal.

    Conceituando a natureza na fase pr-socrtica, continua Bornheim (1989), so trs os

    aspectos fundamentais daphysis: primeiro, que esta indica aquilo que por si brota, se abre,

    emerge, o desabrochar de si prprio, um conceito que se caracteriza por sua dinamicidade;

    segundo, tudo est cheio de misteriosas foras vivas e a distino entre a natureza animada

    e a inanimada no tem fundamento algum, tudo tem uma alma. E por fim, a physis

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    26/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 8

    compreende a totalidade de tudo o que , podendo ser apreendida em tudo o que acontece:

    na aurora, no crescimento das plantas, no nascimento de animais e homens.

    Conforme Kesselring (1992), para os gregos o conceito de natureza (physis) que significa

    cosmos, universo e tudo o que existe, contrape-se ao conceito de arte e artesanato

    (techne), palavra que designa a capacidade humana de construir coisas, casas, instrumentos

    ou objetos artsticos.

    No entanto, com Plato e Aristteles que se observa segundo Gonalves (1998) uma

    mudana no conceito de physis, da natureza que se no aparece num primeiro momento,

    pouco a pouco, atinge a concepo da natureza desumanizada, da natureza no-humana.

    Segundo Kesselring (1992) para Aristteles aphysis o princpio do movimento e repouso

    inerente a todas as coisas. Nos seres vivos o princpio do movimento a psyche, a alma;

    visto que ela imaterial, os aristotlicos chamaram-na de forma corporis. Enquanto

    princpio da vida, a alma , ao mesmo tempo, o princpio das capacidades e qualidades

    especficas de cada ser vivo. As plantas possuem alma vegetativa, cujo movimento de

    nascer e murchar. Os animais e homens podem movimentar-se, deslocar-se, ter impulsos einclinaes e necessidades por que tm a alma apetitiva e, alm disso, continua o mesmo

    autor o homem tem a alma racional, ou seja, capaz de pensar e planejar suas aes. Entre

    outras capacidades, tem tambm a competncia de compreender cientificamente a

    natureza; a possibilidade da cincia e do conhecimento pertencem, ento, natureza

    humana.

    Sendo a natureza tudo o que no produzido pelo homem, pois ela tem leis prprias, ciclosdos quais os homens no fazem parte, surgem conceitos que paulatinamente assinalam o

    distanciamento da natureza que precisa ser explicada para ser entendida, um certo desprezo

    pelas pedras e plantas, e um privilgio do homem e da idia. Todavia, conforme Soffiati

    (2002), nem mesmo Aristteles, o filsofo grego que mais estudou a natureza no humana,

    props uma postura de dominao para ela. Nesse sentido, se afirma que:

    Nessa transio inicial do mito ao logos ou da imagem

    ao conceito, est o incio de um longo processo que

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    27/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 9

    caminha para a possibilidade de o homem se entender e

    se assumir, aos poucos, como ser pensante autnomo em

    contraposio Natureza com a qual ele antes conflua.

    (Veiga 2001, p. 62 apud Trindade Neto 2003, p. 20).

    Mesmo que luz da contemporaneidade e das perspectivas ps-modernas atuais esta

    concepo clssica de natureza seja tomada como superada, ela no perde sua importncia por

    configurar uma natureza plasmada medida dos homens, cujos resqucios esto presentes at o

    Renascimento no pensamento filosfico (Merleau-Ponty, 2000 apud Mello e Souza, 2003).

    Foi com a influncia judaicocrist, como diz Gonalves (1998), que a oposio homem enatureza, esprito-matria adquiriu maior dimenso; pois a assimilao aristotlico-

    platnica que o cristianismo far em toda a Idade Mdia cristalizar a oposio atravs de

    leitura prpria da igreja e pela censura negar a obra dos filsofos gregos; j que Deus

    criador de todas as coisas e o dogma mostrar a verdade que era somente religiosa.

    Segundo Kesselring (1992) principalmente atravs da tradio bblica que surgem novos

    aspectos da concepo de natureza que, segundo a tradio crist, o mbito da criao.Da se segue, por um lado que o mundo tem um incio e um fim, e por outro que ele no

    surgiu espontaneamente por si mesmo. Existe um criador, mas este no faz parte do

    mundo, no reside dentro da natureza.

    Conforme Soffiati (2002) a histria do povo hebreu, judeu e, posteriormente, a da

    humanidade crist, divorciaram-se da histria do cosmos, e em seguida a histria humana

    torna-se uma entidade com vida prpria num universo progressivamente reificado. NaIdade Mdia o conhecimento da natureza se amplia, e embora o modelo hegemnico

    negasse o racionalismo aristotlico, a viso de natureza se torna cada vez mais utilitria

    aprofundando-se no pensamento racional.

    No perodo renascentista, as profundas alteraes da vida correspondentes ao

    desmantelamento do Feudalismo, tiveram amplas repercusses no campo das idias, a

    exemplo da revalorizao do empirismo e do racionalismo e da contestao religiosa

    responsvel pela ecloso do Protestantismo a partir das idias de Lutero; a partir da, o

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    28/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 10

    poder da Igreja Catlica de Roma deixa de ser incontestvel, sobretudo em domnios

    filosficos, conforme Mello e Souza (2003).

    No entanto, com Descartes e seu pensamento cartesiano que a oposio homem-natureza,

    esprito-matria, sujeito-objeto se tornar mais completa, se constituindo no centro do

    pensamento moderno e contemporneo, pois conforme Kesselring (1992) a natureza torna-

    se objeto da cincia.

    Sintomtica pela ciso entre homem e natureza a diviso cartesiana do mundo em duas

    partes: a res extensa (mundo dos corpos materiais) e a res cogitans (mundo do

    pensamento); neste esquema a natureza restringe-se res extensa e o pensamento, poroutro lado, no pertence natureza.

    Ainda dois aspectos marcam a modernidade, conforme Gonalves (1998): primeiro, o

    carter pragmtico do conhecimento, que v a natureza como um recurso, um meio para se

    atingir um fim. E segundo, o antropocentrismo, em que o homem torna-se o centro do

    mundo, um sujeito em oposio ao objeto que a natureza, visto que o homem,

    instrumentalizado pelo mtodo cientfico, pode penetrar nos mistrios da natureza e assimse tornar senhor e possuidor da natureza.

    Assim, a natureza perde o carter de finalidade e espontaneidade com a qual os Antigos a

    haviam impregnado, e passou a ser interpretada como mquina, podendo ser esmiuada de

    maneira que tudo seja conhecido, que nada cause espanto ou admirao, pois segundo

    Donatelli (2003) no h mais sentido estudar fenmenos com o objetivo de descobrir as

    intenes da natureza, pois segundo a teoria mecanicista, o homem deve ser ummanipulador da natureza. Dessa forma, a natureza foi dessacralizada, explica Acot (1990),

    e um terrvel conceito utilitrio tomou conta de ns; s nos interessamos pelo que serve,

    pelo que tem um rendimento, de preferncia imediato. Ampliando-se assim, o carter de

    finalidade e aprofundando-se a concepo de matria a ser explorada e dominada pela

    tcnica.

    Conforme Filho (2003), este homem de pensamento cartesiano em contraposio ao

    pensamento medieval afirma que o ser humano deve ser conhecedor da natureza para que

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    29/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 11

    nela encontre e dela extraia os recursos, o que inclui, alm da satisfao do esprito o bem

    estar do corpo. Mas o antropocentrismo e o sentido pragmtico-utilitarista no podem ser

    vistos desvinculados do mercantilismo que se afirmava e j se tornava como colonialismo,

    o senhor e possuidor de todo o mundo, pois o antropocentrismo consagrar a capacidade

    humana de dominar a natureza.

    No entanto, a concepo romntica de natureza esboada por Schelling faz uma retomada

    da viso dos filsofos pr-socrticos, ao afirmar que o ser da natureza antecede s

    contingncias, ou seja, est atrs de ns. Ao retomar essa concepo de natureza, os

    romnticos abrem espao, do ponto de vista filosfico, a uma filosofia da natureza e, do

    ponto de vista ideolgico, a uma formulao que confere sustentao aos defensores dapostura do ambientalismo denominada holstica no campo das ideologias ambientalistas,

    conjugada ampliao das dicotomias entre abordagens racionalistas e idealistas, no

    campo cientfico, verificadas ao longo do sculo XIX, segundo Mello e Souza (2003).

    No campo racionalista, destaca-se o Positivismo, com o acirramento das proposies de

    controle e de experimentao dos fenmenos naturais e sociais e representando o auge da

    viso de progresso da humanidade, ainda que obtido custa da degradao da natureza.Enquanto reao ao Positivismo no campo das filosofias racionalistas, afirma-se o

    Marxismo, cuja influncia estende-se ao longo do sculo XX, coloca Mello e Souza

    (2003).

    No Marxismo, conforme Bernardes e Ferreira (2003) a relao do homem com a natureza

    sempre dialtica: o homem enforma a natureza, ao mesmo tempo, que est o enforma, com

    o conceito de intercmbio orgnico. Segundo Engels (1979) tem-se considerado a naturezade um lado e o pensamento do outro, mas precisamente a modificao da natureza pelos

    homens e no unicamente a natureza como tal o que constitui a base mais essencial e

    imediata do pensamento humano; e na medida em que o homem aprendeu a transformar

    a natureza que a sua inteligncia foi crescendo, pois o homem tambm reage sobre a

    natureza, transformando-a e criando para si novas condies de existncia.

    Marx introduz uma concepo nova da relao do homem com a natureza, o homem

    socialmente ativo, que pe em movimento as foras naturais pertencentes sua

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    30/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 12

    corporeidade, braos e pernas, cabea e mos, para apropriar-se da substncia natural em

    uma forma utilizvel para sua prpria vida. Na medida em que o homem, mediante esse

    movimento, atua sobre a natureza exterior a ele e a transforma, modifica ao mesmo tempo

    sua prpria natureza.

    Por fim, para no incorrer no vis do reducionismo, convm articular complexamente o

    paradigma mecanicista s transformaes econmicas, sociais e polticas que ocorreram na

    Europa entre os sculos XVI e XVIII, assim como, houve a instituio do valor de uso e de

    troca ampliando-se o valor da natureza, o que pode ser oferecido para acumulao do

    capital, pois ao se acumular o capital se detm o poder.

    Com a produo para troca, a produo da natureza ocorre em escala ampliada, pois agora

    os seres humanos no produzem somente a natureza imediata da sua existncia, mas toda a

    sua textura social. Sendo uma produo numa escala maior, a relao com a natureza passa

    a ser, antes de mais nada, uma relao de valor de troca, pois a partir do preo que se

    coloca na mercadoria que se determina o destino da natureza, passando a relao com a

    natureza a ser determinada pela lgica do valor de troca, conforme Bernardes e Ferreira

    (2003).

    Segundo Soffiati (2002), tanto o capitalismo comercial no bojo do pensamento positivista e

    o mecanicismo aplainaram o terreno para a ecloso da Revoluo Industrial, em fins do

    sculo XVIII, que fez nutrir a atitude instrumentalizadora ocidental ante a natureza, ao

    mesmo tempo que se nutrir dela. Caminhamos, assim, para a crise ambiental da

    atualidade.

    A idia da natureza objetiva e exterior ao homem se cristaliza com a civilizao industrial

    inaugurada pelo capitalismo. A Revoluo Industrial evidencia a fora dessas idias, sendo

    considerada por alguns como base destas, pois no sculo XIX que acontece o triunfo do

    mundo pragmtico, com a cincia e a tcnica adquirindo significado central na vida dos

    homens, e a natureza cada vez mais um objeto a ser possudo e dominado, alm de tambm

    subdividida pela cincia, para melhor conhecimento e maior dominao, em fsica, qumica

    e biologia. E as cincias do homem, as humanidades subdivididas em economia,

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    31/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 13

    sociologia, antropologia, histria e psicologia; espelhando a fragmentao do pensamento

    nas relaes sociais e na diviso social do trabalho.

    Paradoxalmente, o prprio Marx afirma que todas as relaes sociais esto mediadas por

    coisas naturais e vice-versa, so sempre relaes de homens entre si e com a natureza,

    significando que a natureza uma categoria social e a sociedade uma categoria natural,

    conforme Bernardes e Ferreira (2003).

    Toda categoria social forma-se a partir de uma representao coletiva, e a natureza assim

    se apresenta, j que um conceito que comunica aos indivduos o modo pelo qual uma

    sociedade particular classifica e organiza o mundo natural, dita as formas e limites denossa ao sobre o mundo natural, informa sobre a diferena entre o mundo social e o

    mundo natural, segundo Lima (1998).

    Entretanto, a natureza em nossa sociedade um objeto a ser dominado por um sujeito, o

    homem. No mundo ocidental vivemos, de fato, duas concepes: ou a natureza como algo

    hostil, lugar da luta de todos contra todos, a chamada lei da selva, ou vemos a natureza

    como harmonia e bondade, mantendo a dicotomia sociedade-natureza, homem-natureza, aprimeira denominada antropocentrismo e a segunda o biocentrismo. Mas, do mesmo modo,

    homem e natureza excluem-se em amas concepes, pois essa idia de uma natureza

    objetiva e exterior ao homem pressupe a idia de um homem no natural e fora da

    natureza.

    Alm dessas idias, preciso ressaltar a abordagem holstica, que norteada pela

    concepo ecocntrica. Unger (1991) explica que no se trata de uma impossvel voltaatrs, nem de querer retornar ao mundo dos pr-socrticos ou ao mundo do homem mito-

    poitico, mas significa que a projeo da utopia no passado ou sua projeo no futuro pode

    ter seu valor como paradigma, pois, se reconciliando com os outros homens atravs de uma

    ordem social justa, o homem se reconciliaria simultaneamente consigo mesmo e com o

    Todo.

    O modo de vida preconizado para servir de reconciliao com a natureza concebido

    como um retorno esfera de relaes comunitrias de vida, orientadas por uma postura

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    32/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 14

    ideolgica ecocntrica, ou seja, o centro no ocupado nem por homens nem por outros

    seres naturais (vivos e no-vivos), mas o que buscado justamente um convvio

    harmnico, em equilbrio dinmico, no sentido etimolgico de harmonia como co-

    pertinncia de diferenas, conforme Mello e Souza (2003).

    Segundo Gonalves (1998) no existem palavras naturais para falar de natureza, visto que

    as palavras so criadas e institudas em contextos sociais especficos, de modo que o

    conceito de natureza no natural; portanto, necessrio compreender o conceito de

    natureza que nossa sociedade instituiu.

    Na relao sociedade e natureza os homens so condicionados por um determinado nvelde desenvolvimento das suas foras produtivas e do modo de relaes que lhes

    correspondem; assim, sugere-se uma unidade geral da natureza com a sociedade, na qual as

    relaes limitadas dos homens com a natureza expressam as relaes limitadas entre os

    homens, e estas s dos homens frente a natureza; entretanto, as contradies permeiam as

    relaes entre os homens, assim, segundo Smith (1998:85) apud Bernardes e Ferreira

    (2003:20), a relao com a natureza acompanha o desenvolvimento das relaes sociais e,

    na medida em que estas so contraditrias, tambm o a relao com a natureza.

    Analogamente, Herculano (1992) coloca que os inventos, a nova ordem social e a

    urbanizao da era industrial deram formas a uma civilizao que se caracterizou por

    ultrapassar os limites da dimenso humana, por criar o tempo abstrato e aglutinar uma

    massa de miserveis urbanos em substituio pobreza rural. A modernidade, que eclodiu

    a partir do sculo XVI, com as expanses ultramarinas e as revolues cientfica e

    industrial, transformou a cultura em um processo civilizatrio e assim passou a estabeleceruma relao de oposio entre cultura/civilizao, de um lado, e natureza de outro,

    lembrando que civilizar passa a ser a expresso usada para designar as conquistas

    mercantis-colonialistas da Europa sobre os povos primitivos dos demais continentes.

    No Sculo das Luzes inmeras expedies percorreram o globo terrestre, os homens e a

    cincia descobriram lugares, povos, plantas e animais em enormes distncias na busca do

    conhecimento e controle sobre os processos naturais. E a colonizao portuguesa no Brasil

    realizou-se sob a perspectiva da natureza como fonte inesgotvel de lucros, conforme

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    33/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 15

    Raminelli (2001), pois a descoberta desse pas realizou-se sob o signo da expanso

    comercial portuguesa.

    2.2 A RELAO SOCIEDADE-NATUREZA NO BRASIL COLONIZADO

    A conquista da natureza aconteceu apenas em nome da busca de lucros e acmulo de

    dividendos, sem avaliar-se que a destruio da natureza implica em subtrair as possibilidades

    de sobrevivncia na terra, pois visvel que os recursos naturais esto se extingindo e isso no

    Brasil vem ocorrendo desde a colonizao. Nessa poca alm da doutrina crist que animou

    os homens a destruir a natureza, tambm proliferava o sistema capitalista, desse modo:

    A conquista desse territrio somente se faria caso o

    empreendimento resultasse em rendimentos. Ouro, canela

    e cravo no havia nessas paragens, mas as florestas eram

    densas e serviam, provisoriamente, como estmulo para

    ocupao do territrio. (Raminelli, 2001, p. 48-49).

    Nesse territrio, o portugus nada mais fez que reproduzir os ciclos econmicossucessivos, o modelo hierrquico e autoritrio em vigor no seu pas, pois vir para o Brasil

    era uma forma de tentar melhorar e garantir a identidade social de seu pas de origem.

    Segundo Da Matta (1993) assim que o Brasil nasce, com o selo de uma viso relacional,

    ao mesmo tempo ingnua e retorcida da sociedade humana e da natureza, uma viso

    hierrquica e holstica em que os superiores dispensariam a f crist civilizadora em troca

    do direito inato de explorar a sua vontade as gentese os recursos naturais.

    Os colonizadores eram impulsionados pela cobia, pela possibilidade de enriquecimento e

    glria, se no Novo Mundo encontrassem ouro, prata e especiarias se tornariam homens

    ricos, comprariam terras e castelos e viveriam, talvez, como nobres no seu rinco de

    origem, Raminelli (2001).

    Na poca do descobrimento, a Mata Atlntica deixava impassveis ou atnitos os

    colonizadores, que diversas vezes penetraram-na e trouxeram apenas relatos. No entanto,

    rapidamente, produziram tamanha devastao, o que constitui o comeo, a fundao do

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    34/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 16

    povoamento, da colonizao e do imprio, de uma civilizao transferida e imposta,

    conforme Dean (1996).

    A denominao Mata Atlntica segundo Souza e Siqueira (2001) abrange todas as

    formaes florestais que ocorrem ao longo da costa brasileira, ou seja, do Rio Grande do

    Norte ao Rio Grande do Sul. Nesta regio h uma grande variao de relevo, tipos de solo

    e clima, com uma cobertura vegetal caracterstica que reflete as diferenas do ambiente.

    Pode ter maior ou menor proximidade do oceano ou situar-se em reas de transio da

    floresta costeira mida e caatinga seca do interior como na rea de estudo.

    O enriquecimento rpido como valor alimentado pela idia de den orientou a economiabrasileira para uma atividade extrativista, imediatista e predadora, como coloca Da Matta

    (1993), uma histria marcada por ciclos, cada um deles correspondendo descoberta de

    uma fonte natural, sua explorao, ao seu declnio e, por fim, ao seu esgotamento. Foi

    assim que sucessivamente, se verificaram os ciclos da madeira (pau-brasil), do acar, do

    ouro, do caf e da borracha.

    Apesar de poucos estudos terem se debruado sobre a prtica do comrcio de pau-brasil evidente que sua extrao, assim como de todas as demais com que os portugueses

    lidaram, teve origem no conhecimento que os nativos tinham da floresta. Estes

    consideravam as florestas como pertencentes aos espritos e animais que as habitavam, ou

    pelo menos, como pertencentes tantos queles seres, como a eles mesmos, para uso dos

    recursos naturais. Por isso, enfatizado que somente a partir de 1600 que o

    relacionamento humano com a Mata Atlntica foi transformado em valor de troca,

    principalmente porque a maioria de seus habitantes humanos originais havia desaparecidoe porque o nmero de colonizadores e /ou invasores era suficiente para substitu-los, como

    nos apresenta Dean (1996).

    Atualmente, afirmam Souza e Siqueira (2001) a Mata Atlntica um dos ecossistemas

    brasileiros com maior perturbao antrpica e com maiores taxas de ocupao de sua rea.

    Da rea coberta quando da chegada dos portugueses ao Brasil, resta muito pouco; em

    algumas partes, ela foi completamente eliminada e em outras restam pequenos trechos de

    mata muito alterados pela ao humana.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    35/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 17

    Desse processo resulta uma lgica relacional ambgua que oscila entre a concepo de

    natureza habitada pelo maravilhoso, intocada e com poderes mgicos, e outra concepo

    de mundo natural merc do homem. Ainda Da Matta (1993) coloca da imbricao da

    natureza na cultura e da cultura na natureza, sendo que estes sistemas escapam frmula

    moderna de uma natureza que exclui a cultura.

    Todavia, historicamente, a sociedade humana elabora seus conceitos, inclusive o de

    natureza, ao mesmo tempo em que institui suas relaes sociais, visto que a cultura no

    exclui a natureza, mas se desenvolve no interior dela, realizando novas snteses de matria

    e energia socialmente institudas e, portanto, passveis de novos caminhos, novas agri-

    culturas, novas formas de medio entre o homem e o seu outro orgnico-inorgnico,sendo preciso romper com o cartesianismo do res cogitans, o sujeito que pensa, e a res

    extensa, o mundo que se apresenta diante de ns, conforme Gonalves (1998).

    Para Bourg (1993) as representaes do mundo natural e da sociedade refletem um mesmo

    conjunto de valores, em que se organizam por meio de relaes complementares que vo

    desde o outro mundo at os animais e s plantas, passando pelos homens organizados

    hierarquicamente, sendo possvel compreender o sistema de monocultura patriarcalcaracterstica do estado em formao no Brasil a referir-se a uma sociedade que se

    assentava numa pesada hierarquia. [...] entre os homens e a natureza estabeleceu-se uma

    lgica idntica quela que governava os homens entre si: a lgica da desigualdade

    (p.135).

    Conforme Dean (1996), as relaes dos seres humanos com a floresta transformaram-se

    radicalmente com a adoo da agricultura, visto que ela era muito mais vivel nos solos dafloresta, exigindo seu sacrifcio. Isso ocorreu desde o comeo, com uma tcnica

    extremamente simples que assim acontecia: perto do fim da estao seca, a macega de uma

    faixa da floresta era cortada e deixada secar. Por meio de machados e pedras, retirava-se o

    anel da casca dos troncos das rvores maiores; ento um pouco antes da chegada das

    chuvas, a rea era queimada fazendo com que a enorme quantidade de nutrientes na

    biomassa da floresta casse sobre a terra em forma de cinzas. As chuvas drenavam os

    nutrientes para o interior do solo neutralizando-o e ao mesmo tempo fertilizando-o, e assim

    plantava-se sem qualquer utenslio, alm de um basto para cavoucar.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    36/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 18

    No entanto, continua Dean (1996), foi a rpida expanso da rea ocupada por neo-

    europeus que sugere uma dilapidao impiedosa dos recursos florestais. O regime de

    derrubada e queimada, tal como praticado pelas populaes nativas com densidade

    inferior a 0,5 pessoas por quilmetro quadrado, fora vivel indefinidamente, mas a

    colonizao portuguesa, todavia, implicava numa explorao mais intensiva dos solos da

    floresta, porque a preocupao tanto do governo quanto da igreja era fixar

    permanentemente a populao rural, havendo ainda residentes urbanos para alimentar, e

    ainda fornecer um excedente para a metrpole. Houve ainda, a introduo de implementos

    de ferro (machados, enxadas) que possibilitou outro tipo de intensificao do regime de

    derrubada e queimada.

    Em suma, a histria da colonizao desse territrio brasileiro mostra que os primeiros

    colonizadores costumavam ver a mata como um empecilho a ser eliminado para que o

    progresso e a civilizao chegassem, segundo Souza e Siqueira (2001).

    2. 3 RELAO SOCIEDADE NATUREZA NA AGRICULTURA

    A adoo da agricultura modificou as relaes dos seres humanos com a floresta desde quese estabeleceu h cerca de 10.000 anos, pois foi uma mudana para um sistema

    radicalmente novo, baseado na alterao de ecossistemas naturais com o objetivo da

    produo de gros e pastos para os animais, marcando a transio mais importante da

    histria humana, conforme Poting (1995) apud Trindade Neto (2003).

    Ao longo da histria da humanidade, a agricultura tem sido uma ao de interferncia

    consciente sobre o meio ambiente. A concepo de agricultura o resultado depensamentos diversos submetidos a valores de tica, de ideologias e da religiosidade,

    adequados aos interesses das sociedades ou grupos. possvel consider-la, a mais intensa

    e ntima ligao entre a sociedade e a natureza.

    Mesmo com o surgimento da agricultura, as florestas continuam tendo, ecolgica e

    intrinsecamente, diversas funes. No Brasil, assim como no resto do mundo, tem ocorrido

    a ocupao de reas florestadas para uso dos recursos florestais ou para sua transformao

    em reas de produo de alimentos, ou seja, para agricultura ou pastagens. Estes seriam

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    37/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 19

    efeitos da colonizao de ecossistemas como o Brasil, por exemplo, colonizado por

    populaes estranhas ao ambiente e cultura autctone, que deixou seqelas irreversveis

    para todo o sistema vivo original, como coloca Vivan (1998).

    Os regimes agrcolas representam transtorno a um ecossistema natural, explica Dean

    (1996), porque procuram congelar a sucesso natural em seu estgio mais primitivo,

    introduzindo plantas cultivadas que, em seu estado selvagem, tinham sido espcies

    precursoras.

    Assim, conforme Raminelli (2001), depois do ciclo do pau-brasil, a primeira catstrofe

    ecolgica brasileira foi a cana-de-acar, uma espcie eleita para substituir os espaosantes cobertos pelas matas nativas, que veio do Oriente e se adaptou muito bem ao solo

    antes coberto pela Mata Atlntica. A partir desse cultivo intensificou-se a ocupao do

    territrio dito descoberto, pois a produo de acar provocava a derrubada de rvores,

    destrua a fauna e a flora, polua os rios. Era a cobertura da mata que retinha no solo os

    microorganismos e minerais indispensveis para a fertilidade da terra, e quando a floresta

    desaparecia, eles lentamente escorriam pelos rios, deixando a terra sem capacidade de

    reproduzir espcies.

    Inicialmente, apesar dos problemas ocasionados pelo desmatamento, como a proliferao

    de doenas, o solo limpo obtido pela queima da floresta proporcionava rendimento alto

    durante dois ou trs anos, ao final dos quais se deixava em pousio a rea recm-queimada

    por perodos de 10 ou mais anos. Cresciam, sobre essas terras em pousio, as capoeiras que

    iriam, no futuro, ser queimadas para implantao da agricultura por mais dois ou trs anos;

    todavia, esse sistema de rotao de terras foi rompido pelo aumento da pressopopulacional e da demanda de mercado, no permitindo a regenerao das capoeiras,

    conforme Brasil (2000) apud Trindade Neto (2003).

    Embora a agricultura seja uma experincia milenar, o domnio sobre as tcnicas de

    produo, geralmente, era muito precrio e a produo de alimentos sempre foi um dos

    maiores desafios da humanidade. Conforme Ehlers (1999) durante toda a Antiguidade, a

    Idade Mdia e o Renascimento, a fome dizimou centenas de milhares de pessoas em todo o

    mundo, e foi apenas nos sculos XVIII e XIX, com o incio da agricultura moderna, que

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    38/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 20

    alguns povos comearam a produzir em maior escala, pondo fim a um longo perodo de

    escassez de alimentos. Essas transformaes ocorreram a partir da crescente aproximao

    das atividades agrcolas e pecurias, perodo conhecido como Primeira Revoluo

    Agrcola. J em meados do sculo XIX, uma srie de descobertas cientficas e de avanos

    tecnolgicos, como os fertilizantes qumicos e o melhoramento gentico, entre outros

    fatores, marcou o incio de uma nova e ainda mais produtiva fase da histria da agricultura:

    a segunda Revoluo Agrcola, que consolidou uma prtica ainda utilizada nas ltimas seis

    dcadas de padro produtivo.

    A agricultura moderna como hoje conhecida, teve sua origem nos sculos XVIII e XIX,

    em diversas regies da Europa, na chamada Primeira Revoluo Agrcola Contempornea.Neste perodo, ocorreram intensas mudanas, tanto econmica, quanto social e tecnolgica.

    Estas mudanas desempenharam um papel central no processo de decomposio do

    feudalismo e no surgimento do capitalismo, segundo Veiga (1991).

    Conforme Marcatto (2004), a Primeira Revoluo Agrcola, do ponto de vista tecnolgico,

    caracterizou-se pelo abandono paulatino do pousio e pela introduo de sistemas

    rotacionais com leguminosas e/ou tubrculos. Estas plantas podiam ser utilizadas tanto naadubao do solo, quanto na alimentao humana e animal.

    Na Primeira Revoluo Agrcola, em meados do sculo XIX, os arados utilizados passaram a

    ser fabricados de ferro fundido e no mais de madeira pelos arteses locais, com a introduo

    tambm de arados com chapas de ao que mais resistente. Tambm a colheita de pequenos

    gros que se baseava no trabalho manual com uso de foice e gadanha passou a ser realizada

    por colhedeiras mecnicas puxadas por cavalos. Apesar dessas mudanas, a base energticada produo agrcola permaneceu inalterada durante a segunda metade do sculo XIX.

    Ehlers (1999) afirma que enquanto o setor manufatureiro utilizava mquinas a vapor como

    matriz energtica, a agricultura continuava a empregar a fora de cavalos e mulas.

    A Segunda Revoluo Agrcola trouxe significativas mudanas, tais como a reduo da

    importncia relativa da rotao de culturas, o progressivo abandono do uso da adubao

    verde e do esterco na fertilizao, a separao da produo animal da vegetal e,

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    39/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 21

    principalmente, a absoro de algumas etapas do processo de produo agrcola pelas

    indstrias.

    No entanto, aps a primeira guerra mundial deu-se a introduo do motor a combusto

    interna, que originou a motomecanizao, dando incio a um novo padro de

    desenvolvimento para a agricultura num sistema mais intensivo de produo; foi uma

    revoluo que transformou profundamente a agricultura mundial, que recebendo a

    denominao de Revoluo Verde, na qual as indstrias qumicas e mecnicas emergentes

    intensificaram a produo de insumos agrcolas, passando a agricultura a depender cada

    vez menos dos recursos locais, e cada vez mais dos tratores, colheitadeiras, arados,

    agrotxicos e rao animal produzidos pela indstria, segundo Marcatto (2004).

    Uma srie de descobertas cientficas aliadas ao grande desenvolvimento tecnolgico, alm

    da motomecanizao, aconteceu, por exemplo, com os fertilizantes qumicos e

    melhoramento gentico de plantas. Muito significativas foram as mudanas deste perodo

    que Ehlers (1999) denomina Revoluo Verde, como um processo pelo qual o padro

    agrcola, qumico, motomecnico e gentico advindo dos EUA e Europa perpetua-se em

    vrias partes do planeta. Ele possibilita a produo de variedades altamente produtivasdesde que utilizem tambm um conjunto de prticas e de insumos que ficou conhecido

    como pacote tecnolgico; o que leva, na maioria das vezes, degradao e ameaa aos

    recursos naturais, sua contaminao e do ser humano.

    O modelo da Revoluo Verde tem como eixos a monocultura e a produo estvel de

    alimentos, principalmente arroz, trigo e milho. O pacote tecnolgico da Revoluo

    Verde envolve tecnologias como motomecanizao, uso de variedades vegetaisgeneticamente melhoradas (para obteno de alto rendimento), fertilizantes de alta

    solubilidade, pesticidas, herbicidas e irrigao.

    Vrios foram os motivos que contriburam para a rpida disseminao deste modelo de

    produo pelo mundo. A Revoluo Verde surgiu no contexto da Guerra Fria, em um

    mundo polarizado entre dois blocos super poderosos. Naquela poca, entendia-se que o

    rpido crescimento populacional, aliado a uma distribuio inadequada de alimentos, eram

    as principais causas da fome e da instabilidade poltica no Terceiro Mundo. A estratgia

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    40/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 22

    central da Revoluo Verde foi a de lutar contra a deficincia de alimentos, via aplicao

    massiva de inovaes tecnolgicas no campo, seu objetivo era o de maximizar a

    produtividade agrcola. E, por razes polticas, as tecnologias da Revoluo Verde foram

    vistas como uma ferramenta para produzir os alimentos necessrios, e assim lutar contra o

    crescimento das doutrinas de esquerda no campo, como coloca Marcatto (2004).

    No que se refere ao aumento da produo total da agricultura conforme Ehlers (1999) a

    Revoluo Verde foi, sem duvida, um sucesso. Entre 1950 e 1985, a produo mundial de

    cereais passou de 700 milhes para 1,8 bilhes de toneladas, a produo alimentar dobrou,

    a disponibilidade de alimento por habitante aumentou em 40%. Rapidamente houve

    investimento neste modelo tecnolgico assim como a expanso da pesquisa pblica, ambosfinanciados pelos governos dos pases desenvolvidos e por agncias internacionais

    controladas por estes governos, como o Banco Mundial, Banco Interamericano de

    Desenvolvimento (BID), a United States Agency for International Development (USAID),

    a Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a Alimentao (FAO), dentre

    outras.

    As contribuies ao processo de expanso do modelo da Revoluo Verde tambm vieramdos pases em desenvolvimento. No Brasil, por exemplo, foram criados os sistemas de

    assistncia tcnica e extenso rural e o sistema de pesquisa agrcola, com seus mais de

    trinta Centros Nacionais de Pesquisa; nas universidades de agronomia os currculos foram

    completamente reformulados, e os professores universitrios foram enviados para

    treinamento em universidades dos EUA (principalmente). Tambm, o governo brasileiro

    criou linhas especiais de crdito rural para permitir a compra de mquinas, equipamentos e

    insumos modernos; estabeleceu subsdios especiais para a instalao do emergente setoragro-industrial, assim como, uma parte de recursos financeiros, materiais e equipamentos

    necessrios foram fornecidos por agncias doadoras do primeiro mundo e por organismos

    internacionais, conforme Ehlers (1999).

    A Revoluo Verde foi introduzida no Brasil no perodo da ditadura militar, como parte da

    estratgia de modernizao do pas. O processo de modernizao incluiu ainda a rpida

    industrializao, principalmente do Sudeste do pas, a construo da infra-estrutura

    necessria (estradas, centrais eltricas, portos, sistemas de comunicao, etc.), e a liberao

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    41/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 23

    de parte da mo-de-obra rural para mover as indstrias da rea urbana. O regime militar foi

    capaz de modernizar o campo brasileiro, sem alterar o elevado grau de concentrao de

    terras que caracterizava (e caracteriza) a estrutura agrria nacional. Para difuso e

    consolidao do novo modelo foram implantadas ainda, uma srie de leis, regulamentos e

    programas especiais; um arsenal de leis e instituies desempenharam um papel

    fundamental no processo regulador das relaes sociais, administrando os conflitos

    resultantes das mudanas da organizao tcnica e social que o modelo causou (Silva,

    1992).

    A agricultura moderna est baseada no industrialismo da sociedade capitalista em que os

    meios de produo podem ser simplificados: a terra (que nada mais que suporte),insumos e mecanizao; ou seja, com sementes melhoradas por um lado do sistema, retira-

    se pelo outro lado o produto agrcola desejado a partir de receitas totalmente ajustadas.

    Conforme Ehlers (1999) o problema que este sistema apresenta situaes inesperadas

    como doenas, pragas resistentes aos agrotxicos, compactao e eroso do solo,

    salinizao, contaminao da gua por agrotxicos, perda de biodiversidade, destruio de

    habitats naturais, eroso gentica e aumento da instabilidade econmica e social nas

    comunidades de agricultores familiares, conflitos sociais, etc., alm de um balanoenergtico desfavorvel que se define no custo de produo.

    claro que atualmente o modelo de produo agrcola denominada agricultura

    convencional, que segundo Knorr & Watkins (1984) apud Ehlers (1999) significa

    agricultura de fertilizantes artificiais, herbicidas, pesticidas, alm de intensiva produo

    animal, vive um perodo de crise por mostrar-se uma atividade altamente insustentvel.

    Insustentvel porque degradante do meio e depende de altos inputs energticos, deinsumos externos, com custos elevados e srios reflexos sociais ocasionados pelo xodo

    rural, conforme Peneireiro (1999).

    Para desenvolver uma agricultura que seja sustentvel ambientalmente preciso assumir

    que o industrialismo que direciona o fazer agricultura nos moldes modernos, pressupondo

    monocultura em grandes reas, mecanizao, uso de espcies melhoradas geneticamente,

    de insumos externos em larga escala, deve ser superado, pois incompatvel com as leis

    que regem os sistemas vivos, com seus ritmos e comportamentos prprios. Solues

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    42/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 24

    sustentveis costumam ser exigentes quanto ao conhecimento de ecologia local, estando

    sempre relacionadas a especificidades locais e no a frmulas genricas que poderiam ser

    difundidas em pacotes tecnolgicos do tipo Revoluo Verde.

    preciso enfatizar que, alm da insustentabilidade ambiental da agricultura fruto da

    Revoluo Verde, a questo scio-cultural importantssima, pois muitas das propriedades

    rurais no Brasil tm menos de 100 ha de terras. Parte importante destas reas ocupada

    pela agricultura familiar, em que os sistemas de produo destes agricultores apresentam

    caractersticas bastante diferentes (quase opostas) daquelas exigidas pelas tecnologias da

    Revoluo Verde (tambm chamadas convencionais). Em geral, estes agricultores utilizam

    mo-de-obra familiar, no dispem de recursos financeiros, alem de terem dificuldade deacesso a terra, mquinas e equipamentos. Estes agricultores esto claramente excludos do

    processo de desenvolvimento (modernizao) da agricultura em curso no pas.

    2.4 AGRICULTURA FAMILIAR

    O processo de desenvolvimento rural brasileiro, principalmente no perodo de 1950 a 1980

    ocorreu por intermdio de um processo genrico de crescente integrao da agricultura aosistema capitalista industrial, especialmente atravs de mudanas tecnolgicas que

    ocorreram em funo de crditos subsidiados e grandes investimentos. No entanto, a

    agricultura familiar foi excluda em massa deste processo, conforme Pedroso (2002).

    A Agricultura familiar segundo Lamarche (1993) foi profundamente marcada pelas origens

    coloniais da economia e das sociedades brasileiras com suas trs grandes caractersticas: a

    grande propriedade, as monoculturas de exportao e a escravatura. Seguindo asmonoculturas situam-se os ciclos econmicos sucessivos correspondentes evoluo do

    mercado internacional, e a fragilidade e dependncia dos produtores do campo so

    reforadas em toda parte por mentalidades enraizadas pelas antigas relaes do tipo

    senhor/escravo.

    importante enfatizar-se o conceito de agricultura familiar que segundo Wanderley

    (1997) entendida como aquela em que a famlia, ao mesmo tempo em que proprietria

    dos meios de produo, assume o trabalho no estabelecimento produtivo, sendo importante

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    43/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 25

    insistir que o familiar no detalhe superficial ou descritivo, pois a associao famlia-

    produo-trabalho tem consequncias fundamentais para a forma como age econmica e

    socialmente.

    Lamarche (1993) afirma que a agricultura familiar no um elemento da diversidade mas

    contm nela mesma toda a diversidade. E pode tambm ser definida com base em trs

    caractersticas centrais:

    a) a gesto da unidade produtiva e os investimentos

    nela realizados feita por indivduos que mantm entre

    si laos de sangue ou de casamento; b) a maior partedo trabalho igualmente fornecida pelos membros da

    famlia; c) a propriedade dos meios de produo

    (embora nem sempre a terra) pertence famlia e em

    seu interior que se realiza a sua transmisso em caso

    de falecimento ou de aposentadoria dos responsveis

    pela unidade produtiva. (Guanziroli, 1996, p. 4)

    Embora muitos outros autores se dedicam a caracterizar ou estabelecer caractersticas para

    a agricultura praticada em regime familiar, Guedes e Tavares (2001) afirmam que em todas

    elas verifica-se haver elevado grau de consenso quanto a algumas condies que, de modo

    bsico, marcam este segmento social e econmico, dentre as quais as trs citadas acima

    esto, em regra, presentes.

    Tradicionalmente, a produo familiar se encontra inserida numa realidade localcomunitria; segundo PRONAF (2002), essas comunidades transmitem de gerao para

    gerao conhecimentos tcnicos e produtivos, utilizando um conhecimento acumulado

    sobre os ecossistemas locais e a proximidade das relaes entre as pessoas (parentes e

    vizinhos) permite a existncia de formas diversas de solidariedade, pela troca de bens e

    servios.

    Segundo Lages (2001) a agricultura familiar nasceu e sobrevive no Brasil sob o signo da

    precariedade jurdica, social e econmica do controle dos meios de produo. Sobreviveu

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    44/179

    Captulo 2 A Relao Sociedade-Natureza 26

    no perodo colonial, quase que exclusivamente nos interstcios das grandes plantaes.

    Esta situao bem mais acentuada no Nordeste Brasileiro, bero do latifndio, onde a

    agricultura familiar pode-se desenvolver para produzir alimentos para autoconsumo e

    subsistncia dos trabalhadores e escravos, articulando-se ao mercado apenas para assegurar

    a compra de outros bens que desoneravam os proprietrios das grandes plantaes.

    Pode-se situar a agricultura familiar em trs linhas distintas: a) a nvel tecnolgico, em que

    se atribui a ela menor eficincia, pois est apoiada no tradicionalismo e no uso restrito de

    tecnologias ditas modernas; b) o tamanho das propriedades, que geralmente so

    consideradas pequenas e inadequadas para uma economia de escala, ou incapazes de

    enfrentar a concorrncia em mercados tecnologicamente e organizacionalmentecompetitivos; c) a contraposio de uma racionalidade econmica atribuda agricultura

    capitalista ou patronal, a uma racionalidade social consagrada na unidade familiar de

    produo, citadas por Lages (2001).

    Partindo da explicao dessas trs linhas da agricultura familiar, Neves (1993) apud Lages

    (2001) afirma como Lamarche que existe uma grande diversidade no universo familiar da

    produo agrcola, e talvez por esta razo, e por incluir irrestritamente os agricultoresfamiliares no conjunto da chamada agricultura tradicional, historicamente, foi considerado

    um entrave para o desenvolvimento agrcola, j que a modernizao implantada no Brasil

    tambm teve por objetivo a sua superao, no a incorporando suposta modernidade que

    a Revoluo Verde trouxe.

    Embora a estratgia modernizadora adotada no Brasil e em outros pases em

    desenvolvimento considerasse as propriedades patronais mais adequadas para implantaodo padro convencional, relegando a agricultura familiar a um segundo plano, Ehlers

    (1999) explica que atualmente na transio para uma agricultura sustentvel a produo

    familiar que apresenta uma srie de vantagens, seja pela sua escala menor, pela maior

    capacidade gerencial, pela mo de obra mais qualificada, por sua flexibilidade e, sobretudo

    por sua maior aptido diversificao de culturas e preservao dos recursos naturais.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    45/179

    CAPTULO 3

    AGRICULTURA SUSTENTVEL: O QUE SO OSSISTEMAS AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS?

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    46/179

    Captulo 3 Agricultura Sustentvel: O que so os Sistemas Agroflorestais Sucessionais 28

    3.0 AGRICULTURA SUSTENTVEL: O QUE SO OS SISTEMAS

    AGROFLORESTAIS SUCESSIONAIS

    3.1 AGRICULTURA SUSTENTVEL

    A busca de sustentabilidade nas aes da humanidade tem-se configurado como um grande

    desafio neste sculo, pois emergente a necessidade de novos rumos na agricultura, visto

    que esta uma atividade imprescindvel para a espcie humana. Neste captulo

    apresentam-se conceitos de agricultura sustentvel, e situam-se os sistemas agroflorestais

    sucessionais, tema deste trabalho.

    Conforme Peneireiro (2004a), h diferentes formas de se fazer agricultura no mundo todo.

    Todas elas tm por trs um paradigma, um conjunto de valores, e uma srie de

    condicionantes, ecolgicas, sociais, econmicas e culturais, que levam a se fazer um

    determinado tipo de agricultura em um determinado lugar. Essas formas de fazer

    agricultura, umas consideradas arcaicas, outras modernas, podem passar por um

    julgamento que possibilita elenc-las em uma escala de gradiente de sustentabilidade.

    Para Ferraz (2003), o conceito de agricultura sustentvel abrange um amplo leque de

    vises refletindo o conflito de interesses existentes na sociedade; congrega desde uma

    maioria que v a possibilidade de uma simples adequao ao atual sistema de produo, at

    aqueles que vem a possibilidade de promover mudanas estruturais.

    Ehlers (1999) define a palavra sustentvel como originria do latim sus-tenere, usada em

    ingls desde 1290, embora e as referncias ao termo sustentvel em relao ao uso da terra,dos recursos biticos, florestais e dos recursos pesqueiros sejam anteriores dcada de

    1980, pois a partir da que a expresso agricultura sustentvel passa a ser empregada com

    maior frequncia, assumindo tambm dimenses econmicas e scio-ambientais.

    Muitas vezes as interpretaes convencionais do termo se confundem com a

    perdurabilidade da produo e do mximo de rendimento; entretanto, qualquer que seja sua

    definio deve levar em conta necessariamente as dimenses cultural e estrutural, segundoFerraz (2003).

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    47/179

    Captulo 3 Agricultura Sustentvel: O que so os Sistemas Agroflorestais Sucessionais 29

    A partir desse momento, multiplicaram-se definies e explicaes sobre a agricultura

    sustentvel. No entanto, todas incorporam os itens abaixo:

    Manuteno a longo prazo dos recursos naturais e da

    produtividade agrcola; o mnimo de impactos

    adversos ao ambiente; retornos adequados aos

    produtores; otimizao da produo das culturas com

    o mnimo de insumos qumicos; satisfao das

    necessidades humanas de alimentos e de renda; e

    atendimento das necessidades sociais das famlias e

    das comunidades rurais. (Ehlers, 1999, p. 103).

    A agricultura, explica Lages (2001) significou a transformao de ecossistemas naturais

    como as florestas em ecossistemas agrcolas, ou agroecossistemas; ao privilegiar uma ou

    apenas algumas espcies no processo de obteno de biomassa til, estava o homem

    iniciando um processo de biosimplificao, ou seja, a reduo da diversidade biolgica, que

    se acelerou com o desenvolvimento do processo civilizatrio; pois a interveno na sucesso

    ecolgica, reduzindo o nmero de espcies numa dada rea cultivada, quer atravs da enxadaou dos agroqumicos, um dos primeiros impactos ambientais da agricultura.

    Impacto ambiental este que pode ser conceituado como qualquer alterao das

    propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente, causada por qualquer forma

    de matria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente

    afetam a sade, a segurana e o bem-estar da populao; as atividades sociais e

    econmicas; a biota; as condies estticas e sanitrias do meio ambiente; a qualidadeambiental, conforme Verdum (1995).

    Entretanto, aps a agricultura ter passado pelo extenso perodo caracterizado dos pousios

    sucedidos pelos sistemas rotacionais e mistos da Primeira Revoluo Agrcola e finalmente

    pelo padro produtivo disseminado pela Revoluo Verde, afirma Ehlers (1999),

    provvel que a agricultura sustentvel venha a ser considerada uma nova fase na histria da

    dinmica do uso da terra; nela, o uso abusivo de insumos industriais e de energia fssil

    dever ser substitudo pelo emprego elevado do conhecimento ecolgico.

  • 7/26/2019 Educao Na Floresta e Sistemas Agroflorestais

    48/179

    Captulo 3 Agricultura Sustentvel: O que so os Sistemas Agroflorestais Sucessionais 30

    Agricultura Sustentvel pode ser definida como uma agricultura ecologicamente

    equilibrada, economicamente vivel, socialmente justa, humana e adaptativa, segundo

    Reijntjes et al., (1992). Algumas definies de Agricultura Sustentvel incluem ainda:

    segurana alimentar, produtividade e qualidade de vida, mas uma srie de outras

    possibilidades existem. Por exemplo, Lehman et al. (1993) apud Marcatto (2004), optaram

    pela nfase ao meio ambiente em sua definio de agricultura sustentvel. Para eles,

    viabilidade econmica pode ser um objetivo social importante, mas esse um objetivo que

    deveria ser encarado como independente dos objetivos da agricultura sustentvel.

    Agricultura Sustentvel consiste em processos agrcolas, isso , processos que envolvam

    atividades biolgicas de crescimento e reproduo com a inteno de produzir culturas,que no comprometam nossa capacidade futura de praticar agricultura com sucesso. Assim

    pode-se dizer que Agricultura Sustentvel consiste em processos agrcolas que no

    exaurem nenhum recurso que seja essencial para a agricultura.

    Para o CGIAR-FAO (1988) citado por Reijntjes et al. (1992), a Agricultura Sustentvel o

    manejo bem sucedido dos recursos agrcolas, satisfazendo s necessidades humanas,

    mantendo ou melhorando a qualidade ambiental e conservando os recursos naturais.

    Altieri (1999) define sustentabilidade como sendo a habilidade de um agroecossistema em

    manter a produo atravs do tempo, face a distrbios ecolgicos e presses scio -

    econmicas de longo prazo. Conforme Conway et al. (1990), a Agricultura Sustentvel a

    habilidade de manter a produtividade, seja em um campo de cultivo, em uma fazenda ou

    uma nao, face a stress ou choque.

    Segundo Gtsch (1995) deve-se partir do princpio de que mais gratificante enriquecer o

    lugar do que explor-lo, pois quando o local fica rico em vida, h excedentes, que geraro

    recursos para os agricultores, sendo que uma agricultura sustentvel pressupe uma nova

    relao ser humano-natureza, em que se