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Eliana Lucia Ferreira (organizadora) EDUCAÇÃO FÍSICA INCLUSIVA Volume 2 Juiz de Fora NGIME/UFJF 2013

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Eliana Lucia Ferreira (organizadora)

EDUCAÇÃO FÍSICA INCLUSIVA

Volume 2

Juiz de ForaNGIME/UFJF

2013

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© 2013 by Eliana Lucia Ferreira (organizadora).Direitos desta edição reservados ao NGIME/UFJF.

Capa: Liliane da Rocha FariaProjeto gráfico, diagramação e editoração: Camilla Pinheiro

Revisão: Liliane MendesOs textos são de responsabilidade total de seus autores.

Reitor Henrique Duque de Miranda

Chaves Filho

Vice-ReitorJosé Luiz Rezende Pereira

Pró-Reitor de Pós-graduaçãoFernando Monteiro Aarestrup

Centro de Ensino a Distância da UFJF (Cead)Flávio Iassuo Takakura

Coordenador Geral

Faculdade de Educação Física (Faefid)Maurício Gattas Bara Filho

Diretor

Grupo de Pesquisa em Inclusão, Movimento e Ensino a Distância (NGIME)

Eliana Lucia FerreiraCoordenadora Geral

NGIME – Campus Universitário da UFJFBairro Martelos – CEP 36036-900 – Juiz de Fora, MG

Distribuição gratuita

Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

E24 Educação Física inclusiva / Eliana Lucia Ferreira (organizadora). - Juiz de Fora : NGIME/UFJF, 2013. 228 p. : il. ; 21 cm. ─ (Inclusão e deficiên- cia ; v. 2) Inclui bibliografias. ISBN 978-85-67380-00-1 1. Esportes para deficientes físicos. 2. De- ficientes físicos – Reabilitação. I. Ferreira, Eliana Lucia. II. Série. CDD 796.109

Apoio: SECADI – Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização, Diversidade e Inclusão

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SUMÁRIO PREFÁCIO....................................................................................... 7

APRESENTAÇÃO........................................................................... 11

ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS DA DEFICIÊNCIA......................................... 15

Apolônio Abadio do Carmo

1 CONCEPÇÕES HISTÓRICO-FILOSÓFICAS DO CORPO..................... 172 ENTENDIMENTOS DE DIFERENÇA......................................................... 263 ENTENDIMENTO DE INCLUSÃO.............................................................. 354 ENTENDIMENTO DE JOGO E ESPORTE.................................................. 445 TODA PRÁTICA É TEÓRICA E TODA TEORIA É PRÁTICA................ 656 A “DEFICIENTE” HISTÓRIA DOS DEFICIENTES.................................. 82 REFERÊNCIAS................................................................................................. 95

METODOLOGIAS DE ENSINO EM EDUCAÇÃO FÍSICA: OS ESTILOS DE ENSINO SEGUNDO MOSSTON E ASHWORTH................................................................................ 103 Helder Guerra de Resende Agostinho da Silva Rosas

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1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 1052 SITUANDO A QUESTÃO CONCEITUAL................................................... 1073 SITUANDO OS MÉTODOS E AS METODOLOGIAS DE ENSINO APLICADOS À EDUCAÇÃO FÍSICA.......................................... 1194 OS ESTILOS DE ENSINO SEGUNDO MOSSTON E ASHWORTH........ 1294.1 POR UMA TEORIA UNIFICADA DO ENSINO........................................... 1324.2 O ESPECTRO DOS ESTILOS DE ENSINO.................................................... 1354.3 PROPOSIÇÃO FUNDAMENTAL................................................................... 1364.4 ESTRUTURA DA TEORIA: AS PREMISSAS................................................. 1364.5 ESTILOS DE ENSINO....................................................................................... 1424.6 DO “ESTILO DE ENSINO COMANDO” (A) AO “ESTILO DE ENSINO INCLUSÃO” (E)................................................................................ 1444.7 ESTILO DE ENSINO COMANDO (THE COMMAND STYLE)................. 1474.8 ESTILO DE ENSINO PRÁTICO (THE PRACTICE STYLE)........................ 1504.9 ESTILO DE ENSINO RECÍPROCO (THE RECIPROCAL STYLE)............. 1534.10 ESTILO DE ENSINO AUTOAVALIAÇÃO (THE SELF CHECK STYLE).. 1594.11 ESTILO DE ENSINO INCLUSÃO (THE INCLUSION STYLE)................... 1634.12 O ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA ORIENTADA (F) E O ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA CONVERGENTE (G)............... 1684.13 ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA ORIENTADA (THE GUIDED DISCOVERY STYLE)............................................................. 1694.14 ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA CONVERGENTE (THE CONVERGENT DISCORERY STYLE).................................................. 1734.15 DO ESTILO DE ENSINO PRODUÇÃO DIVERGENTE (H) AO ESTILO DE ENSINO AUTOENSINO (K)............................................... 177

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4.16 ESTILO DE ENSINO PRODUÇÃO DIVERGENTE (THE DIVERGENT PRODUCTION STYLE).................................................. 1774.17 ESTILO DE ENSINO PROGRAMAÇÃO ELABORADA PELO ESTUDANTE (THE LEARNER DESIGNED INDIVIDUAL PROGRAM STYLE)........................................................................................... 1804.18 ESTILO DE ENSINO INICIADO PELO ESTUDANTE (THE LEARNER-INITIATED STYLE)............................................................. 1844.19 ESTILO DE ENSINO AUTOENSINO (THE SELF-TEACHING STYLE)... 1875 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 189 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 193

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: PRINCÍPIOS, PARÂMETROS, PREMISSAS E PROCEDIMENTOS............................................ 197 Romeu Kazumi Sassaki

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 1992 PRINCÍPIOS..................................................................................................... 2023 PARÂMETROS................................................................................................. 2044 PREMISSAS....................................................................................................... 2065 PROCEDIMENTOS......................................................................................... 210 REFERÊNCIAS................................................................................................. 226

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PREFÁCIOO Ministério da Educação lançou em 2007 o Plano de

Desenvolvimento da Educação – PDE (Decreto nº 6.094), que tem como um dos seus eixos norteadores a formação de professores para a educação especial, a implantação de salas de recursos multifuncionais e a acessibilidade das escolas da rede pública de ensino, garantindo condições para o acesso e a permanência dos alunos com deficiência, público alvo da educação especial no ensino regular, e a oferta do atendi-mento educacional especializado.

No âmbito do PDE, a SEESP criou o Programa da Rede de Formação Continuada de Professores em Educação Espe-cial, na modalidade a distância, com o objetivo de apoiar os sistemas de ensino na implementação da política de forma-ção continuada de professores na educação especial. A pers-pectiva da educação inclusiva, que contribui no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para a cons-trução de projetos pedagógicos que atendam a necessidade de organização das escolas e de desenvolvimento de práticas pedagógicas que respeitem a diversidade humana, consolida uma educação para todos, em todo o território brasileiro.

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Na perspectiva do desenvolvimento (da educação in-clusiva da escola), que acompanha os avanços do conheci-mento acadêmico, das lutas sociais e da própria legislação, no que tange aos direitos do cidadão, o MEC por meio de sua Secretaria de Educação Especial (SEESP), com o fim de aprofundar as políticas públicas promotoras de uma educa-ção de qualidade para todos, publica a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva no Brasil, em 2008. Dentre outros objetivos desta Política está a formação de professores para o atendimento educacional especializado e dos demais professores para as práticas pe-dagógicas no contexto da inclusão escolar.

Sendo assim, a Rede de Formação Continuada de Pro-fessores em Educação Especial promove a oferta de cursos gratuitos de formação continuada (níveis de extensão, aper-feiçoamento e de especialização lato sensu), na modalidade a distância, na área da Educação Especial, no âmbito da Uni-versidade Aberta do Brasil – UAB, para os professores da rede pública de educação básica, ofertados por Instituições Públi-cas de Ensino Superior integradas ao apoio efetivo das Secre-tarias de Educação Municipal, Estadual e do Distrito Federal.

Para implementar o Programa da Rede de Formação Continuada de Professores em Educação Especial, na mo-

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dalidade a distância, a SEESP/MEC utilizou-se de Editais com chamadas públicas, do Plano de Ações Articuladas – PAR e a partir de 2009, da Plataforma Freire. Estes mecanis-mos possibilitaram que gestores e educadores pudessem ter acesso a oferta de cursos e que as instituições de educação superior organizassem suas turmas, promovendo cursos de formação continuada na área da educação especial.

E foi na primeira Chamada Pública, Editais MEC/SE-ESP no 2 e 6/2007, que a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) obteve a aprovação da proposta do Curso de Extensão “Atividade Física para Pessoas com Deficiência Fí-sica”. Desde então a UFJF pertence à esta Rede e tem sido uma das parceiras e agentes na efetivação de uma política pública de educação inclusiva.

Assim, é com muita satisfação que apresentamos esta série de publicações sobre “Inclusão e Deficiência”, tendo como título Educação Física inclusiva, como um dos resul-tados do trabalho de qualidade desenvolvido pelo grupo de pesquisadores coordenados pela Profa. Dra. Eliana L. Fer-reira, vinculados ao Curso de Aperfeiçoamento em Ativida-de Física para Pessoas com Deficiência Física, do Programa da Rede de Formação Continuada de Professores em Educa-ção Especial do MEC/SEESP.

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Os autores estão de parabéns pela publicação e divulga-ção desta série, atendendo aos objetivos da Rede, de fomen-to à produção de conhecimentos de desenvolvimento e de disseminação de metodologias educacionais inovadoras na área da Educação Física inclusiva. Este trabalho constitui um referencial importante para a formação inicial e continuada dos professores, no que se refere às novas práticas de uma educação especial, na perspectiva da educação inclusiva.

Claudia Pereira DutraSecretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diver-sidade e Inclusão (SECADI)

Maria Medianeira PadoinProfessora da Universidade Federal de Santa Maria

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APRESENTAÇÃOA obtenção da igualdade de oportunidades das pesso-

as com deficiência passa, necessariamente, pela tomada de consciência de seus direitos sociais e também corporais, as-sim como das contribuições que a sociedade tende a oferecer.

Os estudos têm mostrado que as pessoas com defici-ência proclamam uma urgência de experimentar vivências corporais e de sobreviver socialmente. É uma espécie de ne-cessidade, não apenas de encontrar um modelo de vida di-ferente, mas de buscar, a partir do contraste histórico entre deficiência e as propostas de inclusão, uma identidade mais definida, isto é, uma nova forma de organização para o que já existe.

Na área da Educação Física, entre outros avanços, um importante passo para a efetivação dessas conquistas tem ocorrido nas escolas através do desenvolvimento de ativi-dades físicas inclusivas, que estão cada vez mais presentes.

Sendo assim, a publicação da série “Inclusão e Defi-ciência”, ora proposta, destina-se a orientar professores de

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Educação Física que estão na busca de uma sociedade mais justa, e, consequentemente mais participativa.

O nosso interesse aqui é intensificar as ações de ativi-dades físicas inclusivas que estão ocorrendo no interior das escolas. Queremos assim, estimular cada vez mais, a parti-cipação das pessoas com deficiência nas aulas de Educação Física.

Metodologicamente, a série está dividida em oito mo-mentos: nos dois primeiros volumes, os autores buscaram discutir sobre a questão da inclusão, mostrando suas espe-cificidades e memórias. Os momentos seguintes desta série foram construídos tendo como referencial as possibilidades do movimento corporal através de atividades físicas e es-portivas. Comum em todos os textos, está o alargamento da compreensão do que é o corpo, do que é a deficiência.

Nos textos aqui apresentados, os autores foram além de buscar o entendimento corporal para a melhoria de uma técnica de movimento e mostraram as possibilidades e as capacidades expressivas do corpo.

Sabemos que não podemos delimitar os caminhos que as pessoas com deficiência são capazes de percorrer. No en-

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tanto acreditamos, como um primeiro passo, que é necessá-rio o compromisso de romper com as barreiras corporais e depois dar a oportunidade a esses indivíduos de decidirem sobre o seu próprio corpo, pois acreditamos que a partir do momento em que as pessoas com deficiência conseguem enfrentar o processo de deficiência, elas elaborarão os seus próprios movimentos.

As propostas de atividade física aqui apresentadas não proprõem somente oportunizar à pessoa com deficiência a realização de movimentos corporais, mas de criar tensões que provoquem a necessidade de extravasar o corpo real para uma vida social calcada na diversidade.

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* Doutor em Educação Física — Professor da UFJF.

Apolônio Abadio do Carmo*

ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS DA DEFICIÊNCIA

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1 CONCEPÇÕES HISTÓRICO-FILOSÓFICAS DO CORPO

O objetivo deste trabalho é discutir aspectos históricos e filosóficos que envolvem a relação homem-sociedade e, dentro desta, os problemas oriundos do processo de esco-larização, em face da política de inclusão, das pessoas com deficiência (PPD).

Para tanto, a discussão será estruturada em três etapas. Na primeira, serão abordadas as concepções históricas de corpo e os estigmas daí decorrentes. Na segunda, serão trabalhados os entendimentos que têm sido dados à diferença e, por último, será apresentado o conceito de inclusão e a relação desse ideá-rio com a prática profissional do professor de Educação Física.

Um dos problemas históricos do corpo reside no dua-lismo psicofísico em que o corpo (material) está separado da alma (espiritual e consciente). Essa concepção está pre-sente entre os homens desde o século V a.C. Naquela época, Platão acreditava que

[...] a alma, antes de se encarnar, teria vivido a

contemplação do mundo das ideias onde tudo co-

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nheceu por simples intuição, ou seja, por conheci-

mento intelectual direto e imediato, sem precisar

utilizar os sentidos [...].

Platão também acreditava que a alma, quando por ne-cessidade natural ou expiação de culpa, se unia ao corpo, ela se degradava, pois se tornava prisioneira dele. Em suas palavras,

[...] quando isto ocorre, a alma humana passa a

se compor de duas partes: uma superior (alma) e

outra inferior a (alma do corpo). E todo o drama

humano consiste em fazer com que a alma supe-

rior domine a alma inferior [...].

Um dos exemplos clássicos desse drama humano é a prática da purificação realizada por meio de atividades es-pirituais visando ao controle dos desejos por intermédio da mortificação da carne. As manifestações mais conhecidas nesse sentido são os jejuns, as penitências e as flagelações, cujas realizações são consideradas necessárias para se atin-gir a virtude da plenitude moral.

O entendimento das flagelações dos corpos exige ne-cessariamente que se faça a seguinte pergunta: os indivídu-

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os pensam ou são os pensamentos que pensam neles? Essa pergunta pode parecer um jogo de palavras, porém não o é. Ela encerra a dúvida sobre se existe diferença entre o ato de pensar e o conteúdo do pensamento.

Seguramente, pelo fato de o ato de pensar ser uma ca-pacidade humana, pode-se afirmar que todos têm a capaci-dade de pensar. Porém, quanto ao conteúdo do pensamento, a resposta pode ser dada de duas formas: uma sob o ponto de vista de que o conteúdo é inato, no qual “ser e pensamen-to se identificam”, e outra que advoga a “distinção entre ser e pensamento”, sendo o conteúdo do pensamento fruto das relações históricas e sociais vivenciadas pelo indivíduo.

Portanto, a resposta para essa questão depende de con-siderar sobre qual ótica se está falando. Por exemplo, do ponto de vista idealista1 de homem, haverá unidade entre o ser pensante e o conteúdo do pensamento. Porém, sob o ponto de vista materialista2, o ser pensante e o conteúdo do pensamento são coisas distintas.

Mas, afinal, o que significa a unidade, defendida pela vi-são idealista, entre o ser e o pensamento? Significa que a cons-ciência é um dado primário e a realidade, um dado secundário. Nessa perspectiva, nem tudo o que se expressa no pensamento,

1 Refere-se ao Idealismo dogmático que, segundo Lalande (1985, p. 493), “[...] o mundo exterior é criado pelo sujeito considerado quer como consciente, quer no seu prolongamento inconsciente (porque todos os teóricos do conhecimento dão, sob uma forma ou outra, um lugar mais ou menos importante a uma forma de existência que envolve a existência consciente e é conhecida apenas pelos seus efeitos) [...]”.

2 Materialismo é uma “[...] doutrina segundo a qual não existe outra substância além da matéria, à qual se atribuem propriedades variáveis segundo as diversas formas de materialismo, mas que tem como característica comum o fato de ser concebida como um conjunto de objetos individuais, representáveis, figurados [...]” (LALANDE, 1985, p. 651).

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ou em crenças tem correspondência real ou concreta. Crenças em fenômenos não materializados, como anjos, céu, inferno, dentre outros, são exemplos dessas expressões.

Além disso, pode-se, ainda, criar, imaginar, pensar o que se quiser, sem nenhum compromisso em demonstrar a existência concreta dessas criações ou imaginações. Vale des-tacar a ideia que Platão tinha da própria ideia. Segundo esse autor, as ideias perfeitas ficam fora do tempo e do espaço. Para explicar esse fenômeno, utilizava a equação matemática da esfera perfeita e imutável, cuja fórmula é x2 + y2 + z2 =r2.

E mesmo falando sobre a esfera perfeita, deixa claro que nunca se poderá obter essa esfera, mas apenas cópias irre-gulares, imperfeitas. Todas as cópias mudam no espaço e no tempo, chegando, em alguns casos, a se modificar e a se trans-formar em outra coisa. Somente a esfera perfeita e sem falha permanece perfeita como tal. Isso ocorre porque é uma abs-tração, uma coisa ideal. Nesse sentido, as flagelações dos cor-pos com base na crença de que esse ato purifica a alma estão perfeitamente adequadas à concepção idealista de mundo.

Outro exemplo dessa forma de pensar, bem próximo dos professores de Educação Física, é o planejamento escolar. Ge-ralmente, esses professores, sem um conhecimento prévio da

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concreticidade dos alunos, ficam reunidos em salas, semanas a fio, fazendo os planos semestrais ou anuais. Esses planos têm por base as conjecturas que eles fazem acerca das crian-ças e das necessidades de cada série. Assim, planejam suas au-las para crianças e mundos imaginários e, muitas vezes, esses planos não saem das gavetas dos supervisores, fortalecendo ainda mais as clássicas críticas acerca do distanciamento exis-tente entre o que se ensina na escola e a realidade do aluno.

Outro exemplo que acontece na vida diária são as cha-madas imagens que são feitas das pessoas, dos objetos e dos espaços. Quando alguém vai participar de um Congresso e já ouviu falar de um palestrante, ou quando ouve falar de uma praia ou cidade, imediatamente constrói uma imagem desse sujeito, dessa praia e dessa cidade. Geralmente, quan-do concretamente tem contato, fica surpreso com a diferen-ça existente entre a imagem criada e a realidade vivida.

Sinteticamente, o que acontece é que os seguidores des-sa linha de pensamento partem de um ponto de vista abstra-to, vão ao concreto e retornam ao abstrato para correções e adaptações daquilo que foi pensado inicialmente.

Essa discussão, para o professor, seja ele de qualquer disciplina, é importante porque muitos ainda trabalham à

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luz da ontologia platônica que, séculos antes de Cristo, di-vidiu o mundo em dois: “o mundo sensível”, da mudança, da aparência, e “o mundo inteligível”, da identidade, da per-manência, da verdade, conhecido pelo intelecto puro, sem qualquer interferência dos sentidos e das opiniões.

O primeiro, o “mundo sensível”, é o das coisas. Já o segundo é o mundo das ideias e das essências verdadeiras. Somente para provocar, é necessário destacar uma posição singular de Platão: as ideias do bem, do belo, do justo, do homem, dos astros, do amor, do animal e do vegetal são de seres reais. O que acha desse posicionamento Platônico? Pense em sua vida e procure saber onde você obteve suas concepções de amor, beleza, tristeza, liberdade ou alegria. No mundo sensível ou inteligível?

A linha materialista, por sua vez, ao desatrelar o ser pensante do conteúdo do pensamento, inverte a relação ide-alista, advogando que a “consciência é um dado secundário e a realidade, um dado primário”.

Com isso, utilizando como exemplo o planejamento escolar mencionado anteriormente, na perspectiva materia-lista, o professor primeiro conhece seus alunos e depois faz o plano. Ele obedece à seguinte sequência de ação: conhe-

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cimento da realidade → reflexão sobre essa realidade → e volta à realidade com o plano que será executado.

Geralmente, os defensores desse ideário evitam criar imagens, conjecturas. As criações e as análises de tendências somente são realizadas a partir de dados concretos e não de abstrações.

O materialismo histórico tem em Karl Marx, filósofo alemão, sua grande expressão e, na dialética, o único méto-do científico de pesquisa. O termo dialética vem do grego dialegein, que significa discutir as ideias contrárias. Marx, utilizando de forma invertida a dialética de Hegel, outro grande filósofo alemão, descobriu que as leis da dialética são as leis do mundo material. Assim, se o pensamento é dialé-tico, os homens não são alheios a esse mundo, mas fazem parte dele. Em outras palavras, para Marx, o movimento do pensamento não é senão o reflexo do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem, razão pela qual a consciência é um dado secundário e a realidade, um dado primário.

Quanto às características da dialética, sinteticamente, serão mencionadas as quatro leis fundamentais: lei da ação recíproca e da conexão universal; lei da transformação uni-

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versal e do desenvolvimento incessante; a mudança quanti-tativa e a luta dos contrários.

A primeira lei diz que tudo se relaciona e o mundo não é um amontoado acidental de objetos, de fenômenos isolados uns dos outros, independentes, mas um todo unido, coeso, em que os objetos e os fenômenos são organicamente ligados entre si, dependentes e condicionados reciprocamente.

A segunda advoga que tudo se transforma porque a natureza está em constante mudança, renovação, desenvol-vimento incessante, em que as coisas nascem e se desenvol-vem, desagregam e desaparecem.

A terceira lei deixa esclarecer a questão da quantida-de versus qualidade. Para Marx, a mudança qualitativa é a passagem de uma qualidade para outra, a passagem de um estágio para outro, como a passagem do estado líquido para o gasoso da água, fruto do aumento da temperatura.

A quarta e última lei, a luta dos contrários, defende que os objetos e fenômenos da natureza supõem contra-dições internas porque têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro. Todos têm elementos que desaparecem e elementos que se desenvolvem. A luta

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entre o velho e o novo, o que nasce e o que morre, o que perece e o que evolui, possibilita as mudanças quantitativas em qualitativas.

Mas, afinal, qual é a importância dessa discussão para o entendimento do professor sobre as questões históricas e filosóficas que envolvem os deficientes e a política de inclusão?

Essa discussão é de suma importância, pois a prática social e pedagógica do professor depende essencialmente de três fatores: os valores históricos que acredita e defende; como se relaciona com os Outros e como utiliza o poder do conhecimento que possui. E são justamente esses fatores que serão tratados a seguir.

Os estudos de Maurice Tardif (2004) mostram o quanto a história de vida dos professores influencia sua prática pe-dagógica. Segundo esse autor, os fundamentos que consti-tuem a sua competência são adquiridos por meio de sua ex-periência de vida e atividade profissional. Os hábitos podem transformar-se num estilo de ensino e até mesmo em traços de sua personalidade, pois carregam consigo uma história marcada por estigmas, crenças e preconceitos. Somem-se a isso os longos tempos que passaram na escola, tendo aulas

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com outros professores. Essas lembranças e vivências, na hora de ensinar, falam mais alto do que os conhecimentos que aprendem nas universidades durante a formação.

Por essa razão, não basta apenas investir em formação continuada, conteudista. É preciso fazer com que os profes-sores superem valores e crenças arraigados, mudando signi-ficativamente a forma de ver e se relacionar com o Outro e com o conhecimento.

O segundo fator diz respeito à forma de ver e se rela-cionar com o Outro. O entendimento dessa relação somente é possível se os professores tiverem clareza sobre qual é sua concepção de diferença. Em que pese o discurso sobre as di-ferenças ter ganhado terreno nos últimos anos, ela necessita ser entendida historicamente.

2 ENTENDIMENTOS DE DIFERENÇA

Historicamente, a ideia de diferença entre os seres hu-manos tem sido entendida de várias formas e comprometi-do as ações políticas que tentam reparar as desigualdades e as injustiças sociais ocorridas em cada época.

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Na Antiguidade, por exemplo, o Ser, como elemento identitário de todas as coisas, explicitou a diferença ontoló-gica, que, segundo Heidegger, significa a diferença entre o Ser e o Ente (ABBAGNAMO, 1962, p. 258). Natureza onto-lógica deve ser entendida como o Ser enquanto Ser e Ente é tudo aquilo a que, de um modo ou de outro, se refere (AB-BAGNAMO, 1962, p. 315).

O Ser representa a existência e o não-Ser, a não-existên-cia. A tese famosa de Parmênides, que diz que o Ser é e não pode não ser, estabelece como significado fundamental do Ser a necessidade, o não poder não-Ser (ABBAGNAMO, 1962, p. 851). Com isso, nessa época, eram considerados Seres apenas os nobres, os homens livres e o Clero. Os demais, escravos, bárbaros e conquistados, eram considerados não-Seres.

Entretanto, dada a complexidade da diferenciação en-tre Ser e Ente, a distinção entre os homens ficou centrada no Ser e a igualdade, no Ente, entendido como criador do Ser existente. O Ente está por Deus como ser necessário e exis-tente pelas coisas criadas (ABBAGNAMO, 1962, p. 315). A ideia abstrata de igualdade universal entre os homens é re-forçada e ampliada pelas diferentes vertentes religiosas. Há clareza de que as questões que envolvem o entendimento de Ser e Ente são históricas e não é pretensão deste texto

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esgotar essa discussão, razão pela qual serão retomadas as-considerações anteriores.

Duas outras distinções utilizadas para designar o Ser merecem destaque: o uso predicativo e existencial. No pri-meiro caso, por exemplo, se diz: “João é homem” ou “A casa é branca”; no segundo, “João é = existe” ou “A casa é = exis-te” (ABBAGNAMO, 1962, p. 846).

Nessa linha de raciocínio, a questão é saber quem, na Antiguidade, era considerado não-Ser quando se utilizava o entendimento predicativo ou o existencial do Ser. Isso é im-portante porque dependendo da forma como o predicativo é utilizado, ele assume significado diferente. Por exemplo, quando a diferença predicativa do Ser era aliada ao logos grego do pensar, da inteligência e da liberdade, apenas al-guns homens eram reconhecidos Seres e os outros como não-Seres, apesar da existência ser a mesma.

Ao Ser Maria, por exemplo, era atribuído, dependendo de sua condição social, o predicado “escrava” ou “mulher livre”. Com isso, a aceitação ou exclusão de Maria passava a ser realizada a partir do ponto de vista do predicado e não da existência de Maria, porque enquanto existência não existe diferença.

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Além disso, a diferença entre os Seres era vista como dependência, negatividade. Um não é o Outro, são diferen-tes. A diferença era explicada em função do predicado e não da existência do Ser.

O segundo entendimento de diferença surge com o flo-rescimento da ciência moderna, centrado no racionalismo e no discurso científico. O embate entre as visões teocên-trica (Deus é centro do conhecimento) e antropocêntrica (O homem é o centro do conhecimento) dividiu opiniões a respeito de quem pode conhecer e deu à razão humana po-deres incomensuráveis. O Eu racional passou a predominar na relação com o Outro. A máxima de Descartes, “Penso, logo existo”, deixa clara a centralidade do Eu nas relações.

A diferença não pode mais ser discutida tendo como referência o Ser e o Não–Ser, sobretudo, porque os indica-dores dessa diferença desapareceram com os avanços so-ciais. Escravos, bárbaros, clero e nobreza deixaram de exis-tir na maioria dos Estados mundiais. Novos padrões eram necessários para diferenciar os Seres.

O desenvolvimento científico surge, então, como for-ma de comprovar, principalmente nas áreas da biologia e psicologia, várias distinções físicas, biológicas e psicológicas

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dos seres humanos, que, até então, eram percebidas apenas empiricamente.

Assim, Maria passou a não ser considerada Ser ou não--Ser pelo status social que ocupava, mas por suas caracterís-ticas físicas, habilidades e capacidades.

Nunca, na história, os homens foram tão medidos e quantificados. Testes de inteligência, de condição física, de capacidade motora e muitos outros foram desenvolvidos e implementados visando dar à diferença um cunho científi-co e “verdadeiro”.

Por exemplo, uma criança cujo quociente de inteli-gência (QI) fosse abaixo de 60 era considerada incapaz de frequentar o mesmo espaço de uma criança com QI 120. Vários testes físicos foram realizados e relacionados com a cor dos indivíduos, o sexo, a idade, biótipo etc. Os testes eram considerados pelo método científico como fidedignos e válidos, e, portanto, seus resultados espelhavam a verdade.

O uso da razão passou a atuar como critério da capa-cidade humana e o Eu racional, a ser a referência epistemo-lógica da existência. Em nenhum momento a máxima des-cartiana foi pensada como: “Eu penso, logo o Outro existe”.

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A centralidade no Eu racional permitia que o Outro, o diferente, o que fugisse aos padrões, fosse visto como não racional, não capaz, não livre, não produtor. Nessa ló-gica de raciocínio, por exemplo, o indivíduo vê o outro a partir de sua consciência e não como o Outro é realmente. Ele vê o Outro como gostaria que o Outro fosse. Com isso, não vê o Outro, mas se vê no Outro, fato este que “mata” o Outro.

Nesse processo, a relação é unilateral e o indivíduo vê no Outro apenas o que sua consciência permite. Tudo que fugir a essa lógica passa para o campo do estigma. Esses in-divíduos acreditam ainda que a consciência de um seja aná-loga a do Outro, coisa impossível de acontecer porque cada Ser é único em sua existência. Ninguém pode sentir, pensar, querer, gostar ou reagir como o Outro pelo simples fato de não ser o Outro.

O pieguismo, sentimento tão comum entre as pesso-as, tem como referência a lógica da analogia da consciência. O indivíduo, ao ver uma criança deficiente ou um jovem paraplégico, imediatamente tem dó, pena, dentre outros sentimentos. Entretanto, por mais que queira, jamais saberá o significado ou o sentido que essas deficiências têm para essas pessoas.

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Outro exemplo comum é o professor vedar os olhos de seus alunos e pedir para andarem pela cidade ou em um local qualquer com o objetivo de “conscientizar” essas pes-soas das dificuldades dos cegos. Por mais que andem, jamais terão o mesmo sentimento dos cegos pelo simples fato de não serem cegos.

O entendimento de diferença centrado nos aspectos fí-sicos, biológicos e psicológicos ainda predomina fortemente em pleno século XXI. O nível de inteligência, de capacidade de raciocínio e a pureza da raça (Eugenia) estabelecem com vigor o tipo de normalidade e de diferença.

O fortalecimento da razão instrumental e as grandes descobertas científicas, associadas aos movimentos do modo da produção capitalista, cada dia mais, reforçam a tese do Eu individual em relação ao Outro. A ideia abstrata de igual-dade universal paulatinamente está sendo substituída pela concepção de diferença concreta.

O terceiro entendimento de diferença surge quando a razão instrumental começa a ser questionada como única forma de se chegar à verdade. Com isso, aumenta a tensão entre objetividade e subjetividade do Ser, na produção do conhecimento. A ciência positiva centrada na neutralidade,

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objetividade, rigor e precisão são duramente questionados. Novos métodos de pesquisa são utilizados e a produção des-se conhecimento centrado no subjetivismo do Ser tende a questionar fatos como o sentido da vida, o sentido e o signi-ficado das coisas, dentre outros.

Essas novas tendências surgem como alternativas para a Razão repensar sua própria atividade no mundo. A Dialé-tica negativa, oriunda da escola de Frankfurt, por exemplo, é uma dessas tendências. Ela afirma o projeto da diferença e do Outro.

A diferença, nessa nova perspectiva, está na crítica se-vera e radical à lógica da razão instrumental. A relação Eu com o Outro passa a ser vista como uma relação dialética entre o (Ser) unidade e os (Outros) diversidade. A lógica de pensamento é direcionada para uma dinâmica que permite ver o Ser no Outro e o Outro no Ser, sem ponto de partida ou chegada.

Por exemplo, um homem e uma mulher podem ser diferentes em tudo (gênero, cor, raça, crença, habilidades, capacidades, dentre outras), mas, apesar disso, são também iguais como seres humanos. São iguais e diferentes simul-taneamente. O homem possui muito da mulher e a mulher

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muito do homem, mesmo sendo diferentes. Nessa lógica, não se vê o outro tendo como referência seus valores, cren-ças, conceitos e preconceitos, mas se vê como ele realmente é: diferente e igual, simultaneamente.

Essa nova concepção de diferença supera as outras duas anteriores na medida em que critica a razão técnica e, con-sequentemente, o liberalismo e a sua versão mais avançada, o neoliberalismo. Além disso, coloca em discussão a globa-lização e os seus desdobramentos econômicos. Denuncia e explicita as armadilhas e simulacros do ideário globalizante, que tenta a todo custo igualar, em nome da livre concorrên-cia, da abertura de mercado e lei da oferta e da procura, as histórias dos povos em todo o mundo.

As ideias excludentes dos imperialistas que detêm o poder econômico mundial fazem com que sejam vítimas de seus próprios processos de exclusão. Eles, apesar de toda a riqueza que possuem, não conseguem alimentar com sua cultura as massas excluídas. Reina, então, a polarização en-tre culturas, o que é altamente inquietante para todas as par-tes envolvidas.

A nova concepção de diferença, portanto, supera a tensão entre o particular que se pretende universal e o uni-

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versal que se pretende particular, na medida em que tra-balha dinamicamente o universal e o particular visando à superação da razão técnica como única forma de se chegar à verdade.

3 ENTENDIMENTO DE INCLUSÃO

Antes de se entrar na discussão propriamente dita sobre a inclusão, é preciso considerar que falar sobre ela pressupõe uma reflexão acerca da ideia de exclusão social, conceito que, a partir da década de 1990, do século XX, substituiu o termo utilizado até então — pobreza. Essa de-nominação fazia, e continua fazendo, referência às camadas da sociedade aptas fisicamente ao trabalho, porém vítimas das conjunturas sociais, políticas e econômicas, distantes da maioria das riquezas geradas pelos homens.

O Instituto Ethos afirma que 46 milhões de brasileiros vivem com menos de US$ 1 por dia, o que os torna, evidente-mente, excluídos sociais. Esse número significa aproximada-mente 36,9% da população brasileira que, somados aos núme-ros de outros países da América Latina, totalizam 88 milhões de latino-americanos excluídos, vivendo em miséria total.

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A mudança do conceito de pobreza para o conceito de excluídos em nada contribuiu para minimizar a miséria em que vivem esses 88 milhões de latino-americanos. Por essa razão, a inclusão não pode ser entendida como algo isolado, pertencente apenas ao campo educacional. Os excluídos o são na saúde, na educação, na habitação, na alimentação, no lazer, no esporte, enfim, são excluídos das riquezas geradas pelos homens ao longo do tempo.

Portanto, o despertar político mundial para a inclusão, a partir de 1990, levou em conta a totalidade da exclusão social e não apenas exclusões isoladas, como têm sido vistas pe-los governantes brasileiros. Por força do antigo e fracassado modelo de integração social defendido entre os anos 1970 e 1990 do século XX, pelas políticas públicas nacionais, ainda hoje, quando se fala em inclusão, vem logo à mente, de for-ma errônea, a ideia de que se está falando apenas das pessoas com necessidades especiais ou deficientes. Porém, a política internacional de inclusão defendida no Fórum Mundial de Educação para Todos, realizado na Tailândia, em 1990, foi pensada no sentido de abranger outros estratos sociais.

E se pergunta: por que tanto o atual governante brasi-leiro como os anteriores não colocaram essa questão como de Estado e global? Qual a razão de tantos Ministérios te-

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rem a inclusão social e educacional como eixo central e trabalharem, simultaneamente, em total descompasso uns com os outros? Talvez as explicações abaixo respondam a essa pergunta.

Uma ação política do governo Federal para acabar com a fome, por exemplo, pode caminhar em dois sentidos: pro-pondo o plantio de uma grande lavoura de arroz, capaz de saciar a fome de todos ou propondo o plantio em terrenos isolados. A primeira envolve toda a nação, exigindo um es-forço coletivo. A segunda envolve partes do governo (cada ministério, secretaria, diretoria e coordenação) propondo o plantio do arroz em terrenos próprios. O arroz da grande la-voura conseguirá matar a fome de todos e retirá-los da lista dos miseráveis, mesmo sendo um trabalho enorme e mais difícil que plantar arroz em terrenos menores. Entretanto, apesar de mais fácil de plantar e cuidar, o produto desses terrenos matará a fome apenas de alguns e, por mais sucesso que se tenha na colheita, a forma utilizada no plantio não poderá ser transplantada para outros terrenos, porque são totalmente diferentes uns dos outros.

As consequências da segunda linha de ação são ex-tremamente danosas ao país, pois, mesmo conhecendo os excluídos, as ações são pulverizadas e independentes. Além

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disso, pela falta de um cadastro único, cada ministério, na tentativa de mostrar serviço e adquirir poder, lança um pro-grama isolado (planta seu terreno) com idênticos objetivos, gerando uma competição entre os “terrenos”, diluindo os parcos recursos existentes nas malhas da burocracia. Uma coisa é gerenciar um projeto único, outra, vários micropro-jetos. O custo administrativo para divulgar, cadastrar, sele-cionar, avaliar e controlar microprojetos é quase cinco vezes maior que o custo gerencial de um único projeto.

A preferência pelo plantio de arroz em terrenos isolados é uma das formas mais bem acabadas de dissimulação das políticas públicas. Os excluídos são os mesmos e comem o ar-roz de diferentes áreas, sem, entretanto, deixarem a condição de excluídos. Com isso, a questão inicial, acabar com a exclu-são via inclusão, não é resolvida e o processo se torna cíclico.

Tão importante quanto incluir milhares e milhares de pessoas em diversos programas de inclusão é saber como e em que condições elas vão sair desses programas. Assim, a inclusão pode ser vista sob três perspectivas.

A primeira é o moralismo3 abstrato4, que defende a presença de todos com todos e busca a normalização pela igualdade a partir de um forte apelo sentimental.

3 O termo moralismo deve ser entendido como “um formalismo ou conformismo moral que tem pouca substância humana” (ABBAGNAMO, 1962, p. 653).

4 O termo abstrato deriva de abstração que significa [...] “a operação mediante a qual alguma coisa é escolhida como objeto de percepção, atenção, observação, consideração, pesquisa e estudo, e isolada de outras coisas com que está em uma relação qualquer” (ABBAGNAMO, 1962, p. 5).

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A segunda perspectiva é o moralismo pseudoconcreto, que vê a educação como direito de todos e dever do Estado. Trabalha com o princípio das diferenças e na possibilidade da normalização pelas diferenças. Excluídos e incluídos são vistos como iguais, desaparecendo a diferença na diferen-ça, predominando a igualdade na diferença e, consequente-mente, a negação das identidades.

Assim, a recontextualização e a reparticularização das identidades negadas alimentam a contradição entre o uni-versal e o particular. O universal deriva da lógica e da forma de mercado homo economicus. O particular é o resultado da força de trabalho central e periférica. O sistema precisa segre-gar (raças, sexo) como estratégia para remunerar um grande contingente de força de trabalho abaixo dos salários normais sem correr o risco de agitação política. A isso se denomina, na falta de uma palavra que melhor defina o que está ocorrendo, de neossegregação e neodiscriminação. Essa “nova” roupa-gem da discriminação e da segregação não utiliza como antes o “tecido” das diferenças biológicas e limitações das pessoas. Por sua vez, elas constroem suas vestimentas com os fios das diferenças culturais e de conduta do indivíduo.

O processo global de imigração e miscigenação, desse modo, substitui a raça pelo multiculturalismo, a segrega-

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ção pela desnormatização, dissolvendo com isso a cons-ciência e a luta de classes. A exclusão e a discriminação não são mais problemas da minoria, mas da maioria da população.

Nessa tendência, ocorre a particularização e universa-lização da diferença. A diferença passa a ser singular e uni-versal ao mesmo tempo. Como singular, representa a volta ao campo concreto e real do sujeito; como universal, repre-senta a volta à normalização. Com isso, desaparece, num passe de mágica, o singular no universal, perdendo o indi-víduo novamente sua concreticidade inicial.

A desigualdade social desaparece do campo da discus-são à medida que a singularidade do sujeito é convertida em universalidade. A fusão singularidade-universalidade faz com que o incluído e o excluído sejam vistos apenas como uma questão temporal e não estrutural da sociedade.

A neossegregação e a neodiscriminação deixam o cam-po do moralismo abstrato e ressignificam o real em bases contraditórias. O particular e o universal se igualam, fazen-do com que a discriminação deixe o campo específico da diferença e passe a incidir sobre o campo geral da univer-salidade, permitindo, por exemplo, que as pessoas afirmem,

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equivocadamente, que “todos somos diferentes e por esta razão somos deficientes em alguma coisa”.

Nessa mesma linha de raciocínio, a escola, diante das incompatibilidades que tem enfrentado face à política de inclusão, utiliza a mesma lógica e raciocínio anteriormen-te mencionados, concluindo que se todos os alunos são di-ferentes, podem perfeitamente ocupar o mesmo espaço e tempo para a aprendizagem. Com isso, é “normal” colocar, em classes regulares, crianças portadoras de necessidades especiais as mais diversas sem se realizar nenhuma mudan-ça estrutural no espaço e no tempo escolares. Negam o esta-tuto histórico dos alunos em nome da normalização.

Vale ressaltar que, se no moralismo abstrato, o estatuto histórico era negado em nome da igualdade universal, no moralismo pseudoconcreto, a negação continua, porém em bases mais sólidas e complexas.

A terceira e última perspectiva é o moralismo concreto que utiliza a dialética como método em todas as análises realizadas. Advoga a unidade na diversidade, a igualdade na diferença e o específico no geral. Identifica e compreende os mecanismos sociais e os critérios utilizados para nominar tanto os incluídos como os excluídos. Ao invés de negar o

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estatuto histórico do sujeito, procura explicitá-lo. Ao con-trário de silenciar diante das contradições e incompatibili-dades sociais, denuncia-as.

Desse modo, concebe as desigualdades concretas exis-tentes entre os homens como fruto histórico e estrutural da sociedade, e não apenas como obra da meritocracia, das capacidades e habilidades individuais. Os princípios dessa tendência serão exemplificados no segundo capítulo, quan-do será discutida a escola não-seriada.

O ideário inclusivista dominante no Brasil, portanto, traz em si profundas contradições em função dessas perspectivas em que a sutileza das diferenças existentes tem fomentado debates em centenas de encontros, porém sem a localização precisa do verdadeiro problema que se enfrenta e, consequen-temente, um consenso mínimo das ações a serem tomadas.

O grande desafio, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, consiste em combinar princípios universais com diferenças culturais. Em outros termos, a construção da paz e a resolução dos conflitos, sejam globais ou específicos de cada sociedade, passam necessariamente pela mudança nos valores dominantes, de forma que a unidade seja a base da diversidade cultural e religiosa, dentre outras.

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Compartilha-se dos pressupostos de Touraine (2002, p. 45), quando afirma que:

A ideia que jamais deverá ser sacrificada é a de

que a paz tanto interna a uma sociedade como en-

tre sociedades diferentes não pode existir sem o

reconhecimento, antes de qualquer coisa, de um

princípio universalista que prevaleça sobre a razão

instrumental que rege a economia e sobre a diver-

sidade cultural. [...] A educação não pode ser me-

ramente um modo de fortalecer a sociedade: ela

tem que servir também à construção de persona-

lidades capazes de inovar, resistir e se comunicar,

afirmando seu próprio direito universal e reco-

nhecendo o do outro, de participar na era técnica

moderna com suas personalidades, lembranças,

linguagem e desejos.

Essa unidade seria, por exemplo, um código moral ca-paz de nortear a economia, a política e a prática educacio-nal. Com isso, a escola formal deixaria de ser o lugar onde um adulto ensina 45 alunos em espaços e tempos definidos e passaria a trabalhar com uma concepção de educação ca-paz de promover a “cidadania múltipla”5, somente possível na ótica da unidade na diversidade.

5 Segundo Colin Power (2002, p. 51), este conceito começa pela aceitação da unidade da família humana e da interconexão de todas as nações, culturas e religiões. Ele implica, por exemplo, que se deve, de forma sistemática, tentar desenvolver, por meio dos programas educacionais nacionais, um apaixonado respeito pela dignidade inerente e pelos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana.

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4 ENTENDIMENTO DE JOGO E ESPORTE

O jogo e o esporte sempre estiveram presentes no coti-diano das pessoas. Tente se lembrar de sua infância e das ati-vidades físicas que realizava com seus amigos, nas ruas, nos passeios, em terrenos baldios e em praças. Você vai perceber que existiam atividades livres como piques de rua, jogos com bolas de meia e de borracha, dentre outras, das quais partici-pava quem quisesse, com total liberdade de entrar e sair. Essas atividades eram denominadas de jogos ou brincadeiras. Exis-tiam, ainda, outras atividades chamadas de esporte que eram organizadas e realizadas em clubes, escolas e terrenos baldios, nas quais os participantes utilizavam uniformes, as regras eram rígidas e os vencedores recebiam troféus e medalhas.

Apesar das aparentes diferenças apresentadas anterior-mente entre jogo e esporte, existem autores e profissionais da área que são contrários a elas. Eles afirmam que entre o esporte e o jogo existe mais identidade do que diferenças. E, você, o que pensa a esse respeito?

Na sequência, serão apresentados alguns elementos que se julgam importantes para a compreensão desta polêmica.

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Inicia-se a discussão com o que vem a ser os movimentos fundantes e secundários do homem.

Como se sabe, a busca dos fatos e fenômenos relacio-nados às origens da vida sempre foi uma necessidade dos homens. Não poderia ser diferente para as questões que en-volvem a origem dos jogos, dos esportes e dos movimentos.

Desse modo, identificam-se algumas concepções his-tóricas a respeito dos movimentos. A primeira delas trata o movimento humano como atividade física, que chega, às vezes, a se constituir em um hábito corporal. Sob esse pris-ma, seus conteúdos serviram para preparar os homens para diferentes tipos de relações: guerras, rituais e sacrifícios re-ligiosos, festas e, principalmente, no mundo oriental, como forma de autoconhecimento e domínio do próprio corpo.

Como hábito corporal, as atividades físicas foram cul-tivadas em diferentes épocas e civilizações com técnicas específicas e bem direcionadas. Essas atividades se mani-festaram ao longo da história com múltiplos objetivos e di-ferentes conteúdos internos.

Assim, destacam-se as informações retiradas da obra “A Ilíada”, de Homero, que menciona uma das mais antigas com-

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petições atléticas ocorridas no mundo grego. No funeral de Patrocle, fiel amigo de Aquiles, morto por Hector, ele organi-zou uma cerimônia fúnebre composta por jogos, corridas a pé, lutas, lançamento de disco e arco e flecha (THOMAS, 1991).

Outro exemplo são os vestígios encontrados por arque-ólogos em peças de argila datadas de 3000 - 1500 a.C., época da civilização sumeriana. Estão retratadas ali lutas entre os homens semelhantes ao boxe atual (THOMAS, 1991).

Nesses dois relatos históricos, chama-se a atenção para as atividades físicas: corrida a pé, lançamento de disco, arco e flecha e lutas. Assim, em que esses movimentos, realizados há milhares de anos, se diferenciam de seus similares hoje?”

Você poderá responder: “Em muitos aspectos”. Em par-te, pode-se concordar porque, ao se aprofundar nas análises, irá perceber que essas diferenças, fruto da história evolutiva do conhecimento, não são essenciais e sim, secundárias.

São secundárias porque apesar de esses movimentos não serem mais realizados com as mesmas técnicas e instru-mentos de antigamente, nem a corrida a pé, o lançamento do disco ou o arco e flecha deixaram de ser essencialmente o que foram há séculos. Cada um guarda em si o que lhes

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dá identidade de ser o que é, “um movimento fundante”, es-sencial e primário. As identidades da corrida a pé, do salto e do arremesso são inerentes a eles mesmos e não às técni-cas que os aperfeiçoaram. As novas técnicas e instrumentos utilizados atualmente nada mais são do que conhecimentos agregados ao movimento fundante.

Pelo fato de o tempo da maratona ter diminuído, ou os atletas utilizarem roupas e calçados especiais, ou terem sido preparados com as mais novas técnicas de treinamentos, a antiga corrida a pé não deixou de ser ela mesma. Pelo con-trário, ela continua sendo corrida a pé, apesar de todos os novos conhecimentos técnicos que a ela foram agregados. Se as técnicas novas (secundárias) tivessem o poder de mu-dar radicalmente o movimento principal, não se teria atual-mente corrida a pé, mas qualquer outra atividade com nova denominação e conteúdo.

O mesmo acontece quando se relaciona o lançamento do disco realizado no mundo grego e o realizado nas últimas Olimpíadas. Percebem-se similitudes e diferenças importan-tes entre eles. E é justamente nas similitudes, que o tempo histórico não apagou, que residem as igualdades dos movi-mentos. Daí a importância de se considerar nas análises a identificação dessas igualdades fundantes dos movimentos.

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Nessa perspectiva, na história das atividades físicas, os jogos e os esportes modernos, em termos de movimentos fundantes, estão intimamente imbricados. O movimento realizado pelos homens, quer nos jogos, quer nos esportes, possui identidade na origem e diferença no tempo históri-co. Originalmente, nas práticas, tanto nos jogos quanto nos esportes, o elemento essencial agonístico e os movimentos fundantes estão presentes e são os mesmos.

Não se pode negar, entretanto, que os objetivos e as fi-nalidades dos esportes se diferenciaram ao longo dos tem-pos e ainda se diferenciam dos objetivos e finalidades dos jogos. Apesar disso, a base primária (movimentos fundantes e elemento agonístico), tanto dos movimentos, quanto dos jogos e esportes, continua a mesma.

A diferenciação não é essencial, nem principal, mas se-cundária. Seria uma questão principal se, no momento da realização efetiva do jogo e do esporte, os conteúdos soli-citados e os gestos apresentados não guardassem em si ne-nhuma relação nem com os gestos primários do movimen-to, nem com o caráter agonístico original.

Dito isso, questiona-se: o correr de dois atletas visando à disputa de bola no futebol, ou o correr de duas crianças

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conduzindo uma bola no jogo estafeta, como movimento fundante e agonístico (disputa pela bola), são diferentes em quê? Ou ainda, onde reside a diferença primária entre o sal-tar no basquete e no voleibol e os saltos que as crianças rea-lizam em ruas, escolas e praças das cidades?

A resposta pode parecer fácil se for dada de forma apressada, porque, aparentemente, esses gestos são qualita-tivamente diferentes. Porém, se analisados bem, serão perce-bidas as diferenças e localizadas apenas nos objetivos da cor-rida e do salto porque, essencialmente, eles são os mesmos.

O salto e a corrida, bem como o interesse em vencer e ganhar, continuam sendo os mesmos de séculos atrás, em que pese todo conhecimento técnico nele agregado. Se não fosse assim, deixariam de ser salto e corrida e o caráter ago-nístico seria extinto.

Admitir a diferença primária entre esses saltos e corri-das, bem como negar o caráter agonístico dos jogos e espor-tes, é o mesmo que admitir a extinção do salto, da corrida e da competição.

Portanto, o entendimento do movimento humano exi-ge a identificação, em cada um deles, do que é essencial e do

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que é secundário. Essa identificação é de suma importância para a compreensão do jogo, do esporte e da atividade física.

Na sequência, serão discutidos alguns aspectos acerca das origens dos jogos e do esporte com o objetivo de explici-tar os encontros e desencontros conceituais existentes.

As origens do esporte, não só no Brasil como no mun-do, já foram objeto de estudo de vários autores (CANTA-RINO FILHO, 1982; CASTELLANI FILHO, 1991; CAS-TRO, 1997; MARINHO, 1944; SPIVAK, 1985; THOMAS, 1991) e cada um ao seu modo procurou demonstrar o mo-vimento histórico percorrido por esse fenômeno ao longo dos tempos.

Seguramente, pela complexidade do problema, discutir as origens das atividades esportivas envolve questões pluri-dimensionais do conhecimento. Segundo Palmer, Howell, citados por Thomas (1983, p. 26),

[...] é difícil situar bem historicamente a primei-

ra prática esportiva. Para tanto, seria necessária

uma aproximação interdisciplinar de múltiplos

conhecimentos, notadamente de história antiga,

medieval, moderna e contemporânea, de antropo-

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logia, de sociologia, filosofia, dentre outras, e ter

uma clara compreensão da natureza do esporte e

do jogo [...].

O trabalho histórico legado por diferentes pesquisado-res, sem sombra de dúvida, significou (e ainda significa) um marco importante para os jogos e os esportes. Entretanto, apesar da contribuição dada, saber com clareza se os mo-vimentos trabalhados nos jogos e nos esportes formam um todo indivisível (ou se são coisas distintas) continua sendo ainda um desafio.

Por essa razão, uma das primeiras questões levantadas pela grande maioria dos autores ao se discutir as origens do esporte é saber qual é a sua definição. A questão clássica é: “Em que os elementos essenciais dos jogos se diferenciam dos elementos essenciais dos esportes e vice-versa?”

Antes de responder a essa questão, mesmo de forma breve, serão analisados o movimento evolutivo e as princi-pais tentativas de definição desses fenômenos6.

Segundo Thomas (1991), no início do século XII, um senhor chamado John Lepton apostou que conseguiria per-correr, sem parar, sobre um cavalo, a mesma distância exis-

6 A palavra desport tem origem no francês antigo. Deriva do verbo desporter, que significa “abater” (s’abattre) (séculos XII e XIII). Mais tarde, o verbo desporter passou a ter o significado de “divertir”, “recrear”, “distrair” (s’amuser). Segundo Rabelais, a palavra desport foi levada pela cavalaria inglesa no século XIV. Mais tarde, os ingleses passaram a utilizar com o mesmo significado a palavra sport. É interessante ressaltar que para a palavra sport não existe equivalente em francês, mesmo desporter sendo de origem francesa.

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tente entre Londres e Nova York. Ele conseguiu essa façanha em cinco dias. Com isso, três elementos importantes foram explicitados e passaram a pertencer ao esporte: o record; o interesse crescente pela rapidez; a obsessão pela medida.

Muitos estudos deixam claro que, apesar da manuten-ção do elemento primário agonístico, não existe uma liga-ção entre os objetivos e as finalidades dos esportes moder-nos e os jogos utilizados nas cerimônias religiosas e festas na Antiguidade. Sinteticamente, enumeram-se algumas di-ferenças. São elas:

a) Na Antiguidade, os jogos não eram praticados por todas as pessoas. Os escravos sempre foram exclu-ídos. Na Idade Média, os jogos eram reservados aos nobres.

b) No esporte moderno, existe grande especialização das regras, fato inexistente nos jogos da Antigui-dade. Ele é submisso às regras, extremamente bu-rocrático, medido e qualificado.

c) O esporte moderno busca sempre o record. Na verdade, cria o record, enquanto que, nos jogos da Antiguidade, existia apenas o vencedor.

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Para muitos, essas diferenças são aceitas e justificadas pela evolução histórica. Porém, apesar das diferenças de objetivos e dos praticantes dos jogos e dos esportes, atu-almente, o caráter agonístico essencial não mudou. Seja o jogo praticado por nobres ou escravos, brancos ou negros, em funerais, festas religiosas, em escolas ou nas Olimpíadas da era Moderna, o caráter agonístico continua presente nos jogos e nos esportes porque sem ele não existe nem jogo nem esporte.

Retomando o rastreamento histórico acerca das ten-tativas de definição do esporte, merecem destaque as de alguns autores em conceituá-lo, como Thomas (1991), que destaca os autores em ordem cronológica, como será visto a seguir.

Em 1873, a definição aceita na França era “[...] sport, palavra inglesa que significa exercícios em pleno ar, corrida de cavalos, remo, caça e pesca, arco e flecha, ginástica e es-grima [...]” (THOMAS, 1991, p. 28).

Em 1890, Coubertin (1951 apud THOMAS, 1991, p. 28) entendia o esporte como “[...] um culto voluntário e habitual de esforço muscular intenso apoiado no desejo de progresso e risco [...]”.

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Já, em 1922, Prevost (1922 apud THOMAS, 1991, p. 29) concebia o esporte como “[...] exercício metódico e hi-giênico do corpo humano, visando desenvolver a força, a beleza e a energia do espírito [...]”.

Em 1925, George Hebert (apud THOMAS, 1991, p. 29), pai do método natural, deu ao esporte uma definição específica:

[...] esporte é todo gênero de exercício ou de ati-

vidade física realizada em busca da performance,

cuja execução repousa essencialmente sobre a

ideia de luta contra um elemento definido: uma

distância, uma duração, um obstáculo, uma difi-

culdade material, um perigo, um animal, um ad-

versário e, por extensão, contra si mesmo [...].

Em 1950, Dumazedier (apud THOMAS, 1991, p. 30) entendia o esporte como “[...] toda atividade física exercida pelo homem visando melhorar as qualidades de seu corpo desenvolvendo e medindo-o de acordo com as regras ado-tadas [...]”.

Para Callois (1958 apud THOMAS, 1991, p. 30), “es-porte é a forma socializada do agon (jogos de competição)”.

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Numa perspectiva semelhante, Diem (1966 apud THO-MAS, 1991, p. 30) entende que

o esporte pertence ao domínio do jogo, e, como o

jogo, é de uma índole especial, livremente adotado,

pleno de valor, levado a sério, regulado com exa-

tidão e, antes de tudo, buscando rendimento [...].

Ainda, segundo Bouet (1968 apud THOMAS, 1991, p. 26), esporte é

[...] uma atividade institucionalizada de lazer e

participação corporal, de estrutura motriz rigo-

rosamente especializada, exercida pelo próprio

homem no mundo competitivo, visando à per-

formance [...] o esporte é efetivação, aplicação de

princípios, normas, superação, consciência do in-

divíduo, busca de objetivos, especialização.

Já Magnane (1969 apud THOMAS, 1991, p. 27-28) examina o esporte do ângulo individual e despreza a sua perspectiva social. Esse autor o qualifica como sendo uma

[...] atividade de prazer, podendo deixar de exer-

cer este papel com relativa facilidade, quando

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converte a prática esportiva em profissão [...] o

esporte é uma atividade de prazer na qual domina

o esforço físico de quem participa. Ele não é dife-

rente do jogo e do trabalho praticado de maneira

esportiva, que comporta regulamentos e institui-

ções específicas, e é suscetível de transformar-se

em atividade profissional.

Segundo Eppensteiner (1973 apud THOMAS, 1991, p. 26),

[...] o esporte é compreendido como atributo origi-

nário da natureza humana, devendo sua origem a

instintos profundamente ligados ao prazer, entre os

quais o movimento, e a uma clara intenção de con-

jugar, com repercussões positivas biológicas e cultu-

rais, o instinto lúdico de luta no instinto esportivo.

Para Brohm (1976 apud THOMAS, 1991, p. 29), o es-porte é

[...] um sistema institucionalizado de práticas

competitivas de domínio psíquico, delimitado,

codificado, regulado convencionalmente, cujo ob-

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jetivo é comparar as performances para designar o

melhor concorrente (o campeão) ou para registrar

a melhor performance (o record).

Feio (1978 apud THOMAS, 1991, p. 35) afirma que o esporte é “[...] o lugar onde se desenvolve o comportamento do homem, o homem só, o homem em pequenos grupos ou em multidão, numa situação agonístico-recreativa”.

Para Prieto (1979 apud THOMAS, 1991, p. 30-31), o esporte é entendido:

a) do ponto de vista individual, como uma atividade humana predominantemente física, que se prati-ca isolada ou coletivamente e em cuja realização pode-se encontrar a autossatisfação ou um meio de alcançar outras aspirações;

b) do prisma social, como um fenômeno de primeira magnitude na sociedade, mas também com conse-quências econômicas e políticas.

Cagigal (1979 apud THOMAS, 1991, p. 32) compreen-de o esporte como

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uma conduta humana típica e específica e um su-

cesso antropológico, onde o protagonista, centro

desse sucesso, é o esportista, que é um ser humano

com uma característica especificada por um cer-

to tipo de “práxis”, entendida como um exercício

liberador da evidência lúdica, além de uma con-

frontação de capacidades pessoais, evolucionadas

até uma competitividade.

Para Guima (1984 apud THOMAS, 1991, p. 32-33), o esporte está associado a

[...] uma atitude pessoal, uma forma de admitir a

vida, que se consegue pela reiteração de exercícios

físicos, que se concretiza em conhecer-se e aceitar-

se e aos demais sem que se produza outro benefí-

cio para a sociedade.

Em que pese as inúmeras tentativas de definição, o conceito de esporte está intimamente imbricado com o con-ceito de jogo. Assim, as definições apresentadas explicitam aspectos importantes que têm contribuído para que, em ní-vel do “senso comum”, continue existindo essa indefinição acerca dos limites entre jogo e esporte.

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O primeiro deles é a quantidade enorme de conteúdos que o esporte possui como atividade física, exercícios espe-cializados, remo, arco e flecha, lutas diversas, competições coletivas e individuais, lazer, recreação e muitas outras.

Essa polissemia do termo esporte tem impedido que se defina com precisão o seu conteúdo. Por exemplo, espor-te pode ser entendido como lazer ou como atividade física. Bordar, para uma rendeira no interior do nordeste, é uma atividade física de subsistência. Porém, para uma senhora rica, que mora em um grande centro urbano, é lazer. Parti-cipar de uma partida de futebol, para um jogador profissio-nal, é uma atividade física extenuante, enquanto que, para milhões de brasileiros que jogam os famosos “rachas” de fim de semana, é lazer.

O segundo aspecto a ser destacado é a linearidade que existe entre a primeira e a última definição. A maioria dos conceitos traz como eixo central a busca pela alta perfor-mance, pelo record. Esse parece ser um traço característico nas definições dos autores.

Por último, cabe destacar a definição que incluiu, no final do século XIX, a ginástica como esporte. Esse dado é

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importante porque a ginástica sempre foi utilizada, ao lon-go dos tempos, para melhorar a saúde e a preparação física dos futuros soldados, enquanto que os jogos eram práticas livres, espontâneas e utilizadas em festas pagãs, religiosas e até em funerais de pessoas importantes.

Não há dúvida de que a indefinição, tanto conceitual quanto do conteúdo do esporte, pode ser perfeitamente es-tendida aos jogos. A falta de limites claros tem impossibili-tado que os especialistas da área tenham clareza do que é e do que não é esporte e jogo.

A imbricação de conteúdo é tão grande que, por mais que se tenha tentado delimitar o jogo e o esporte, todas as iniciativas existentes parecem ter sido inócuas. Em função disso, se pergunta: “Foram inócuas por quê?”

Talvez porque a maioria dos autores desconsiderou em suas análises os aspectos comuns existentes entre o jogo e o esporte e se detiveram apenas nos aspectos específicos e secundários.

O reflexo disso se expressa nas ações dos profissionais da área. Poucos têm dúvida de que o Futebol, a Natação, o Basquete e o Voleibol são esportes, e que os grandes e pe-

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quenos jogos recreativos, bem como as inúmeras atividades de lazer, não podem ser considerados como tal.

Por essa razão, as tentativas de diferenciar o esporte dos jogos, entendendo os primeiros como sendo mais com-petitivos e os segundos menos competitivos e mais educati-vos, não conseguiram sucesso porque desconsideraram que o jogo e o esporte formam um todo de uma mesma relação. Isto é, o componente essencial do esporte e do jogo é a rela-ção agonística, sem a qual nem o jogo nem o esporte podem ser realizados.

A relação agonística implica necessariamente competi-ção, luta entre os elementos envolvidos no jogo ou no espor-te. Tanto no jogo quanto no esporte, a competição é fator principal, o móvel dessas atividades. Um jogo simples como o par ou ímpar implica regras, em vencedor e vencido. Não se tem notícias de empate nesse jogo, mesmo sabendo que o empate é uma das possibilidades do agons.

O caráter agonístico, elemento primário dos jogos e dos esportes, não pode ser negado, sob pena de deixarem de existir. Por essa e outras razões, dificilmente os jogos e os esportes podem contribuir para uma formação cooperati-va e solidária de seus participantes. Tanto nos jogos quanto

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nos esportes, o caráter agonístico não se restringe às equipes oponentes. Ele serve de mediação também para os atletas dentro de cada equipe.

A solidariedade e a cooperação entre as equipes termi-nam no exato momento em que o jogo e o esporte começam, o mesmo ocorrendo entre os atletas no final das partidas. Quando a equipe é vencedora, o respeito e a solidariedade entre os atletas permanecem até o jogo seguinte. Porém, en-tre os atletas vencidos, ela geralmente termina com o apito final do árbitro e passa a predominar o jogo de culpa.

Não se pode esquecer que o abraçar, o beijar e toda ex-citação que os jogadores manifestam nos momentos de gló-ria, quando suas equipes são vencedoras, não se reduz nem se explica pelo simples ato de ganhar e vencer. O ganhar e o vencer trazem consigo conquistas como dinheiro e reco-nhecimento, no caso dos esportes como o futebol, voleibol e outros.

Assim, marcar um gol ou conquistar um ponto não deve ser entendido apenas como um feito heróico ou “obra de arte”, conceitos que muitos locutores tentam induzir nas torcidas. O gol e o ponto possuem valor, o de que o homem jogador está em sua capacidade e habilidade de fazer gols e

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marcar pontos. Uns valem pelos pontos que marcam, outros pelos pontos que evitam, mas no fundo todos são regidos pela mesma lógica, que é a do valor7, a que define o quanto vale o homem no jogo e no esporte.

Sob o manto da neutralidade, muitos autores preferem ignorar a lógica do valor presente nos jogos e esportes por meio de tentativas vãs de classificação. Assim, classificam os esportes em alto rendimento, escolar, comunitário, mi-litar, classista, dentre outros, tendo como referência os pra-ticantes e o local onde são realizados, e não seus elementos constitutivos primários. O local e os praticantes podem ser diferentes. Porém, essencialmente, os jogos e os esportes são os mesmos.

É um equívoco, desse modo, contrapor o esporte de alto rendimento, que representa o mais elevado nível de performance com vistas ao record, ao esporte escolar, com o discurso de que o segundo é diferente do primeiro e visa apenas à educação, à crítica e à cooperação entre os alunos.

Os defensores dessas ideias se esquecem de que am-bos são educativos e, sobretudo, iguais como conhecimento universalmente difundido. Por exemplo, o componente ago-nístico, o ato educativo e político, bem como os fundamen-

7 O valor de uma mercadoria expressa a forma histórica particular do caráter social do trabalho sob o capitalismo, enquanto dispêndio de força de trabalho social. O valor não é uma relação técnica, mas uma relação social entre pessoas que assume uma forma material específica sob o capitalismo e aparece como uma propriedade dessa forma (BOTTOMORE, 1983, p. 397).

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tos técnicos do basquete, do voleibol ou do futebol, estão presentes tanto no esporte de alto rendimento, quanto no escolar. Uma coisa é discordar do direcionamento educati-vo e das finalidades do esporte de alto rendimento. Outra é pretender contrapor essa visão alterando apenas a adjetiva-ção do esporte, isto é, de basquete de alto rendimento para basquete escolar.

Como já afirmado anteriormente, caso o basquete per-ca suas características essenciais e fundantes, ele poderá vir a ser qualquer outro esporte, menos o basquete. Por essa razão, ações como diminuir a altura da tabela; aumentar o número de participantes; permitir que se carregue a bola presa junto ao corpo (e outras “inovações”) não passam de recursos didático-metodológicos de ensino e que em nada alteram a essência do verdadeiro basquete.

É comum, ainda, argumentar que as crianças e os jo-gadores, ao “alterarem as regras do jogo”, tornam o esporte mais “cooperativo” durante a aula. É um ledo engano, por-que em qualquer lugar onde o aluno queira jogar o bas-quete, terá que retornar às bases originais desse esporte. As modificações que ele aprendeu a fazer valem somente até o término da aula e sua vida não se limita às quatro linhas de uma quadra esportiva.

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Em síntese, pode-se afirmar que, essencialmente, o jogo e o esporte formam um todo indivisível. Ambos são educativos e possuem função política determinada nas rela-ções sociais. Não será a pedagogização ou a psicologização do esporte e do jogo que determinarão se esses fenômenos serão mais ou menos seletivos e competitivos, porque a sele-ção e a competição são seus elementos basilares, fundantes.

5 TODA PRÁTICA É TEÓRICA E TODA TEORIA É PRÁTICA

Quando se analisa a prática pedagógica de um profes-sor, percebe-se que a grande maioria dos docentes não leva em conta a origem do conteúdo que escolhe para veicular em suas aulas.

Desconsideram, por exemplo, que todas as vezes que são selecionados conhecimentos para serem transmitidos aos alunos, selecionam, também, as ignorâncias que devem ser perpetuadas.

Na relação escolha do conhecimento versus escolha da ignorância, tem prevalecido muito mais a ignorância do que

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o conhecimento, porque os planos de ensino são edificados do plano abstrato para o concreto, reforçando ainda mais os discursos que denunciam o distanciamento entre os conte-údos ensinados e as exigências reais da vida, razão pela qual a desqualificação dos alunos ocupa cada vez mais os notici-ários e documentos brasileiros.

E pergunta-se: “Afinal, os alunos considerados desqua-lificados e fracassados o são em que perspectiva? Sob a pers-pectiva dos conteúdos exigidos pela cultura escolar ou pela cultura do aluno?”

A resposta a essa questão não pode ser dada sem que a relação poder e conhecimento seja considerada e discutida, pois se trata de interesses diferentes e conflitantes.

O conflito se inicia no momento em que uma cultura deva prevalecer sobre a outra ou, em outras palavras, para que a cul-tura escolar se torne hegemônica, é necessário que a cultura do aluno seja sufocada. Uma das formas que a escola tem utilizado para concretizar e tornar sua cultura hegemônica é subtraindo, negando a história e a concreticidade social do aluno.

O discurso da igualdade universal entre os homens é a forma mais bem acabada de realizar esse feito, porque, ao

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igualar abstratamente os homens, toda sua história fica dis-simulada e, como num passe de mágica, o homem concreto se torna abstrato e vice-versa.

No caso específico da Educação Física e a política de inclusão escolar, vale destacar, para reflexão, dois aspectos que envolvem as pessoas com necessidades especiais. O pri-meiro diz respeito aos conhecimentos disponíveis no campo da Educação Física Adaptada e o segundo, ao entendimento histórico-social acerca da deficiência.

A respeito do primeiro, seguramente pode-se afirmar que a Educação Física brasileira, hoje, está passando por um dos desafios mais importantes de sua trajetória histórica, já que há uma nova realidade a ser enfrentada em face da po-lítica de inclusão escolar.

Afirma-se isso porque a história percorrida pela Edu-cação Física, ao longo das últimas duas décadas, no Brasil, em que pese seu intenso envolvimento com as mais diversas formas de esportes adaptados desde os anos 70, apresenta, ainda, problemas das mais diferentes ordens e formas, como qualquer outra área do conhecimento, sobretudo no tocante ao atendimento, ao ensino e à pesquisa voltados para as pes-soas com necessidades especiais (PNE).

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Nesse contexto, poucos são, ainda, os professores de Educação Física que têm dúvidas em relação às possibili-dades de essas pessoas praticarem algum tipo de atividade esportiva, recreativa ou de lazer.

Felizmente, os ideários perversos da aptidão física e da máxima mens sana in corpore sano8, combatidos longamen-te por diferentes autores brasileiros9, cederam, já há algum tempo, lugar para outra concepção de homem, corpo e mo-vimento, considerando a diversidade humana, das diferen-ças, das desigualdades.

Com isso, o trabalho que a Educação Física vem desen-volvendo com as PNEs, nessas duas últimas décadas, opor-tunizou a abertura de novos campos de trabalho e pesqui-sas. A fundação da Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada, a criação de um GT nos Congressos do CBCE, a inclusão de várias linhas de pesquisas nos Programas de Mes-trados e Doutorado no Brasil, tanto em Educação quanto em Educação Física, o fortalecimento do Comitê Paraolímpico Brasileiro e as grandes conquistas dos atletas nas Paraolim-píadas na China, por exemplo, corroboram essas afirmações.Acredita-se que tudo isso seja fruto de uma longa luta so-cial, envolvendo diferentes segmentos “de” e “para” deficien-tes10 brasileiros e de outras nações.

8 Esta máxima valoriza e confirma a ideia de superioridade do espírito sobre o corpo, pois “[...] significa que a educação física rigorosa põe o corpo na posse de saúde perfeita, permitindo que a alma se desprenda do mundo do corpo e dos sentidos para melhor se concentrar na contemplação das ideias. Caso contrário, a fraqueza física torna-se empecilho maior à vida superior do espírito”.

9 Ver a respeito em Castellani Filho (1998), Soares e outros (1992), Soares (1994).

10 Instituições de deficientes são aquelas fundadas e dirigidas somente por pessoas deficientes, enquanto que instituições para deficientes são aquelas fundadas e dirigidas por pessoas não deficientes.

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Por essas razões, atualmente, as PNEs que tiveram acesso aos esportes atingiram um razoável estágio em ter-mos de participação e desenvolvimento físico desportivo. Basta olhar a quantidade de atletas existentes, o número de disciplinas voltadas para esse fim nos cursos de graduação em Educação Física e o contingente de professores atuando na área, que se terão as mais claras respostas.

Por isso, não se pode, em face da política de inclusão, continuar querendo ensinar os mesmos conhecimentos para todas as crianças. Por exemplo, os deficientes mentais podem e devem estar no ambiente escolar comum, porém as exigências e os conhecimentos a eles atribuídos devem levar em conta sua realidade nas relações sociais. Preparar um indivíduo, tendo como referência sua concreticidade ou a abstração que se faz dele, faz muita diferença.

Uma coisa é querer que esses indivíduos façam, apren-dam e tenham comportamentos similares aos das outras crianças. Outra é respeitá-los concretamente e lhes oportu-nizar conhecimentos e aprendizados compatíveis com suas diferenças.

Cabe ressaltar que os defensores dos denominados “currículos funcionais”11 conseguem, na segunda perspec-

11 O currículo funcional propicia ao aluno deficiente mental acesso às atividades de vida diária, sem preocupação única com alfabetização, como os outros currículos. A denominação poderia ser mais adequada tendo em vista que todo currículo em tese deveria ser funcional.

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tiva, realizar esse trabalho muito bem com os deficientes mentais. Acontece, porém, que essa visão curricular não atende aos interesses educacionais das escolas comuns, que historicamente balizaram seus currículos em concepções igualitárias e ideais de homem. É perceptível, ainda, nesses exemplos anteriores, que a concepção materialista ou idea-lista do professor faz muita diferença na prática escolar.

Ainda sobre o conhecimento disponível e utilizado pela Educação Física Adaptada, não se pode perder de vista que essa área do conhecimento sempre trabalhou na perspectiva da adaptação aos PNEs dos conhecimentos universalmente produzidos e disseminados.

Os técnicos e os professores fazem as adaptações quando transferem, como se fosse a única possibilidade, os conhe-cimentos das diferentes modalidades esportivas conhecidas e universalmente disseminadas (basquete, futebol, voleibol, natação, tênis, dentre outras) para a prática dos “deficientes”. Adaptam os fundamentos e as regras e, à medida que os pro-blemas vão surgindo no interior das práticas, novas mudanças vão sendo realizadas na tentativa de adequar o inadequado.

Essa forma de pensar possui grande similitude com o fa-moso ideário da equalização social, presente no escolanovis-

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mo. Essa concepção acreditava na possibilidade de se corrigir a marginalidade, fruto das desigualdades sociais, pela via do ajustamento, da adaptação dos indivíduos à sociedade, incu-tindo-lhes o sentimento de aceitação passiva e alienada. Além disso, ela tem profundas implicações sociopolíticas e econô-micas, principalmente quando a adaptação é colocada como sinônimo de equalização ou equidade de oportunidades.

Uma das implicações diz respeito aos mecanismos uti-lizados pela sociedade, via escolas, partidos políticos, igreja e outras instituições sociais, que buscam sempre, a todo cus-to, a hegemonia de valores, leis, crenças e conhecimentos. Para que isso ocorra, outros valores, leis e conhecimentos necessitam ser sufocados.

No caso específico da Educação Física, para que os co-nhecimentos produzidos e disseminados nos esportes pos-sam prevalecer, é necessário que a adaptação ocorra. Ad-vogar a adaptação significa, em última instância, defender a hegemonia de um corpo de conhecimento sobre outro, mesmo que esse outro ainda nem tenha se esboçado.

Muitos profissionais da Educação Física acreditam que, ao adaptarem os conhecimentos existentes aos PNEs, estão realizando um grande feito ou sendo extremamente criativos.

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No modo particular de entender, todo esse sucesso e criatividade existem, porém estão servindo muito mais para manter o princípio da igualdade universal entre os homens e as mazelas daí decorrentes do que para explicitar o princí-pio da diferença e da desigualdade, na tentativa de supera-ção desse quadro social.

É muito interessante como essa questão contraditória se apresenta na realidade objetiva: os professores que tra-balham com deficientes, em sua grande maioria, se apre-sentam contra a discriminação, o preconceito e a segre-gação social. Entretanto, o corpo de conhecimentos que utilizam, na prática, na tentativa de vencer esses compor-tamentos indesejáveis, os conduz diretamente à manuten-ção desses mesmos comportamentos. Em outras palavras, os professores precisam, no discurso, ser o que não são (contra a discriminação e o preconceito) para, na prática, conseguirem ser o que realmente são (preconceituosos e discriminadores).

E podem ser feitas mais perguntas: “Será que esses pro-fissionais não percebem os componentes de poder e interes-se presentes em todos os conhecimentos? Que são justamen-te esses interesses e poderes imbricados nos conhecimentos que determinam quem tem e quem não tem valor social?”

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Vale aqui relembrar Habermans (1987, p. 50), que ensi-na a esse respeito que:

[...] o saber não pode, enquanto tal, ser isolado de

suas consequências. Não é pela contemplação de

algo, na suposta apropriação conceitual daquilo

que as coisas são num determinado instante, que

os homens aprendem, mas pela transformação

desta coisa, pelas consequências que seu saber

opera no real [...]

Nessa linha de raciocínio, os profissionais envolvidos com a Educação Física adaptada necessitam produzir co-nhecimentos que tragam consequências e contribuam para modificar o atual quadro social em que vivem as PNEs.

E é justamente aí que reside o grande desafio da comuni-dade científica da área, isto é, conciliar a função social da esco-la com os princípios da Educação Física Adaptada e os princí-pios da inclusão escolar, que, em tese, são contraditórios.

O mais interessante de tudo isso é que tanto os prin-cípios da Educação Física Adaptada quanto os da inclusão escolar, em última análise, defendem os mesmos valores, porém às avessas. À guisa de exemplificação, os defensores

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da Educação Física Adaptada, contraditoriamente, sempre defenderam e apoiaram as políticas inclusivistas, todavia sempre realizaram práticas segregadoras.

Com isso, as políticas segregadoras e inclusivistas, mesmo sendo contraditórias, se identificam, fazendo com que os princípios inclusivistas da Educação Física Adaptada se tornem princípios segregadores.

Isso tem ocorrido porque a grande maioria dos profis-sionais da área não têm tido a preocupação (ou nem perce-bem) que a concepção de homem, presente em seus discur-sos e práticas, é contraditória.

Falam e lutam por um homem e uma sociedade onde todos sejam iguais, tenham as mesmas condições, os mes-mos direitos e deveres. Porém, trabalham com um homem concreto, diferente, discriminado, desigual, e utilizam como instrumental os conhecimentos gerados historicamente para atender às características e valores desse primeiro tipo de homem.

Diante dessa contradição, esses profissionais, ao invés de enfrentá-la na busca de sua superação, optam por práti-cas e discursos adaptativos, reorganizadores, maquiadores

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do real, dando uma “nova” feição, uma “nova” aparência a essa realidade.

Acontece, porém, que a questão principal – homem concreto, desigual e diferente tratado como homem abstra-to e igual – continua presente e sem solução.

A persistir essa ação, não há dúvidas de que, por mais que tentem, pela via da adaptação pura e simples, solucio-nar esse problema, a história, por estar em movimento e ser condicionada, conduzirá o processo sempre para o eixo central do pensamento dominante e hegemônico, que é o da pseudoigualdade universal entre os homens.

Essa tendência fará com que todas as ações políticas centradas nas adaptações tendam a conduzir os parâmetros avaliativos e os resultados esperados para bem próximo dos valores preconizados pela base igualitária. A condição de segregação consentida em que vivem os PNEs, matricula-dos em salas regulares, são exemplos inequívocos dessa rea-lidade. Esses alunos frequentam regularmente as aulas e no entanto, continuam retidos anos e anos na mesma série. Os avanços para as séries seguintes ocorrem muito mais pela benevolência dos professores do que pelos conhecimentos que dominam. Essa situação, gerada pela contradição entre

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inclusão e segregação, tem como principal responsável a or-ganicidade escolar que em nada mudou para atender a esses alunos considerados especiais.

A concepção de que a sociedade segrega e discrimina os deficientes pela falta de preparação, escolarização ou for-mação profissional encerra meias verdades. Afirma-se isso tendo como referência a negação histórica que sempre exis-tiu do estado de deficiência desses indivíduos.

A negação do estado de deficiência ocorre antes mes-mo da criança nascer. Basta perguntar para uma mulher ou homem qual a sua preferência de gênero em relação ao fu-turo bebê? A resposta será sempre a mesma “desde que seja perfeita e nasça com saúde, qualquer sexo serve”.

Essa resposta pode parecer óbvia, coerente e a mais oportuna. Porém, os respondentes utilizaram em suas res-postas imagens virtuais do filho que sempre quiseram ter. Em outros termos, a lógica de pensamento leva em conta apenas dois aspectos:

a) sexo masculino ou feminino;

b) com saúde e perfeição.

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Caso os futuros pais tivessem levado em consideração não somente imagens, mas as possibilidades reais, teriam considerado três aspectos:

a) sexo masculino ou feminino;

b) com saúde e perfeição;

c) diferentes ou deficientes.

Apesar de, na pesquisa, todos terem dado a primeira resposta, no fundo têm consciência da possibilidade de vi-rem a ter um filho portador de alguma anomalia.

Mesmo o casal não admitindo em hipótese alguma a alternativa “c”, o medo de ela vir a se concretizar o acom-panha durante toda a gestação. Assim, a felicidade dos pais e familiares com o nascimento dos filhos não fica resumida ao ato de a criança nascer, de estar viva, mas também ao fato de ela estar “perfeita”, sem nenhuma anomalia ou di-ferença.

Essa constatação permite afirmar que os deficientes são mortos antes de nascer ou, em outras palavras, a sociedade, ao mesmo tempo em que faz o discurso virtual da igualdade

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entre os homens, nega radical e concretamente todo estado de deficiência humana, estado de ser diferente, de ser desigual.

Mais uma vez, reafirmam-se as observações iniciais de que, quando há a união entre Ser e pensamento, virtual-mente, tudo é possível. Porém, quando se separa o Ser pen-sante do conteúdo de seu pensamento, condicionando esse conteúdo à dinâmica da história, percebe-se que a realidade é um dado primário e não secundário, como pretendem os idealistas. Por essa razão, conhecimento e interesse não po-dem ser tratados isoladamente.

As consequências dessa postura virtual têm sido dra-máticas para a vida das PNEs. Muitas, por mais que lutem, ou demonstrem capacidade, eficiência e tolerância, não con-seguem ser aceitas socialmente. A negação do estado de de-ficiência tem falado mais alto nas relações sociais vigentes.

Por isso, é comum encontrar mães e pais que afirmam constantemente, no plano virtual, que não consideram seus filhos deficientes, que os tratam como os demais, que os amam como amam a qualquer outro filho.

Essa forma de pensar deixa clara, nas entrelinhas, a não aceitação dos pais. Seus filhos são concretamente diferentes

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e se aceitassem esse estado de deficiência, jamais os compa-rariam com os outros filhos ou os considerariam normais. Entretanto, essa forma velada de agir, dando a entender que todos, mesmo os diferentes, são iguais, é uma postura peri-gosa e não contribui para a aceitação e reconhecimento do real estado de deficiência.

Com isso, o estado de deficiência concreto passa a ser visto como abstrato. Esse esvaziamento de seu conteúdo (a diferença), ao invés de resolver o problema, o aguça ainda mais, pois torna todo e qualquer processo educacional qua-se que impossível de ser alcançado.

Fica difícil seu alcance na medida em que os educado-res têm que conciliar currículo igualitário com indivíduos diferentes. Essa situação fica ainda mais complicada se for adicionada nessa relação a luta que existe entre os interesses e poderes dos conhecimentos que fazem parte da cultura escolar, e os interesses e poderes dos conhecimentos que circundam a cultura do aluno.

A inclusão escolar, ao pretender harmonizar essa luta de poder e interesses, tem explicitado os limites e as pos-sibilidades da escola regular brasileira. Os condicionantes históricos negados e as contradições que sempre ronda-

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ram os ambientes escolares como fantasmas, com o adven-to da inclusão, adquiriram vida e vagam pelos corredores e salas de aulas em busca de seus espaços usurpados. Têm restado aos professores e dirigentes o pânico e a insatisfa-ção generalizada.

Não se pode esquecer que os PNEs podem se relacionar com os outros homens de diferentes formas e, geralmente, a escola exige e oportuniza-lhes apenas a relação conven-cional e dominante, expressa por meio da linguagem oral e escrita.

Antes de pensar ou lutar para que o PNE tenha acesso às classes comuns, é preciso superar essa estrutura atual de escolarização rumo à escola não seriada e pluricurricular12 ou outra que dê condições de trabalhar o uno e o diverso simultaneamente.

Além disso, há ainda a resistência dos defensores das escolas especiais, que querem a sua manutenção, com o dis-curso de que as PNEs especiais (paralisia cerebral, mental profunda, autismo) necessitam ser escolarizadas como as outras pessoas, porém em ambientes especiais.

12 Na escola não seriada, existe a possibilidade do trabalho simultâneo de várias propostas curriculares capazes de atender às diferenças individuais dos alunos. É possível, por exemplo, ensinar tanto as crianças deficientes quanto as normais no mesmo espaço e tempo de escolarização.

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Mas será que a ideia de escolarização, de ter que apren-der a ler e a escrever, é uma necessidade dessas pessoas ou de seus pais e professores? Por que a escola comum não pode oportunizar a essas pessoas currículos diferenciados, como, por exemplo, os chamados programas funcionais?

As pesquisas (ENGLERT et al., 1992) têm demonstrado que a escolarização de crianças deficientes, em ambientes de classes regulares, possibilita-lhes vivenciarem um contexto de aprendizagem mais significativo e motivante, pois susci-tam esforços de colaboração superiores aos da segregação vivenciada nas escolas especiais.

A ideia de inclusão não visa a atender somente às crian-ças rotuladas de deficientes, mas representa um avanço nas relações estabelecidas na escola regular. Significa avanço na medida em que todos os princípios que até hoje nortearam a escola regular terão que ser revistos e superados, princi-palmente a pesada e ultrapassada estrutura organizacional da escola. Caso isso não ocorra, toda e qualquer tentativa de mudança rumo à inclusão não passará de mais uma ten-tativa frustrada, que, infelizmente, somente a história de-monstrará.

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6 A “DEFICIENTE” HISTÓRIA DOS DEFICIENTES

Os problemas sociais que envolvem as pessoas com deficiência acompanham os homens desde os tempos mais remotos da civilização. Apesar disso, muito pouco ou qua-se nada foi escrito pelos historiadores. A maioria das obras existentes faz menção a essas pessoas de forma genérica, como por exemplo, velhos, deficientes e doentes. Essa falsa identificação torna difícil entender-se especificamente cada segmento, mesmo se sabendo que a discriminação e o pre-conceito se manifestam em todos eles.

O objetivo deste capítulo é destacar e correlacionar al-guns fatos históricos ocorridos em séculos passados com os problemas enfrentados atualmente pelas pessoas com defi-ciência. Utilizaremos como fonte de informações algumas obras que abordam o tema com autoridade e competência (GOFFAM, 1982; LERY, 1911; SILVA, 1987; SOUTLEY, s. d.).

Esses trabalhos contêm dados históricos extremamen-te ilustrativos de como os homens se relacionavam com as pessoas com deficiência, desde a idade da pedra lascada, passando pelas culturas antigas (egípcias, hebraica, grega e

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romana), pela Idade Média, Renascimento, até o século XX. Mais especificamente, no caso da história do Brasil, desde o período colonial até os dias atuais.

Silva deixa claro, em sua obra, a evolução, nas diferen-tes culturas, da forma de tratamento atribuído à pessoa com deficiência. Por exemplo, na Antiguidade podem-se obser-var basicamente dois tipos de atitude para com as pessoas idosas ou com deficiência: uma atitude de aceitação, tole-rância, apoio e assimilação, e outra de eliminação, menos-prezo ou destruição (SILVA, 1987, p. 39).

Nas culturas primitivas, que sobreviviam basicamen-te da caça e da pesca, os idosos, doentes e deficientes eram geralmente abandonados, por considerável número de tri-bos, em ambientes agrestes e perigosos, e a morte se dava por inanição ou ataque de animais ferozes. O estilo de vida nômade não somente dificultava a aceitação e manutenção dessas pessoas, consideradas dependentes, como também colocava em risco todo o grupo, face aos perigos da época.

Vejam que o elemento determinante da vida ou mor-te da pessoa com deficiência, na tribo, nessa época, era o primado do coletivo sobre o individual, isto é, para essas tribos qualquer pessoa (individual) que colocasse em risco

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a segurança e perpetuação da tribo (coletivo) era eliminada. Essa visão pode parecer, para muitos, condenável. Porém, se analisarmos com bastante cuidado essa atitude tribal, vamos perceber que seus valores e princípios estavam co-erentes com suas ações. Atualmente, no primado do indi-vidualismo, em nível do discurso, não abandonamos nem matamos nossos velhos e deficientes. Porém, na prática, os idosos são entregues aos asilos e por lá ficam até a morte, sem amparo da família, e os deficientes sofrem, de forma velada, todo tipo de discriminação e abandono.

De acordo com Silva, existia nas florestas situadas entre o Sul do Sudão e o Congo uma tribo muito primitiva de-nominada Azande. Os componentes dessa tribo, apesar de acreditarem em feitiçaria, não chegaram a relacionar defei-tos físicos com intervenções sobrenaturais. As crianças con-sideradas anormais nunca foram abandonadas ou mortas. Para eles, dedos adicionais nas mãos ou pés eram bastante comuns e se orgulhavam de possuí-los.

Outra tribo mencionada pelo autor é a dos Xangga, que vivia ao norte da Tanzânia, leste da África. Vivendo em es-tado primitivo, esses povos também não prejudicavam ou matavam as crianças ou adultos com deficiência. Acredita-vam que os maus espíritos habitavam essas pessoas e nelas

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arquitetavam a maldade e se deliciavam, para tornar possí-vel a todos os demais membros a normalidade.

Essa proteção aos velhos e deficientes não ocorria em outras tribos, como a dos Esquimós, entre os séculos XVII e XVIII nos territórios canadenses de hoje, ou como a dos índios Ajores, que viviam nas regiões pantanosas entre os rios Otunques e Paraguai, na Bolívia. Os primeiros deixa-vam os velhos e deficientes por sua própria conta em locais próximos dos pontos onde todos sabiam ser a área de con-vergência contínua e de aparecimento dos ursos brancos, para serem por eles devorados. Os ursos brancos eram con-siderados animais sagrados e de grande utilidade para a tri-bo e, por isso, deviam manter-se bem alimentados. Assim, sua pelagem mantinha-se, também, em ótimo estado para, quando mortos, bem agasalharem a população.

Os segundos, por sua vez, devido ao nomadismo da tribo, eliminavam os recém-nascidos com deficiências, ou mesmo aqueles indivíduos não desejados. Quanto aos ve-lhos ou aqueles que, devido às circunstâncias, ficaram defi-cientes, eram enterrados vivos, por solicitações próprias ou mesmo contra sua vontade. Consideravam alguns esse tipo de morte altamente desejável, pois a terra os protegeria con-tra tudo e contra todos.

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A concepção de que a deficiência é um sinal de desar-monia ou obra dos maus espíritos acompanhou o homem pelas diferentes épocas da história. Entre os Hebreus, por exemplo, toda doença crônica ou deficiência física, ou qual-quer deformação corporal simbolizava impureza ou pecado. Essa relação com o “impuro” era tão forte a ponto de Moi-sés, em seu livro “Levítico” (conjunto de normas e orienta-ções para sacerdotes), dizer:

[...] o homem de qualquer família de tua linhagem

que tiver deformidade corporal, não oferecerá

pães ao seu Deus, nem se aproximará de seu Mi-

nistério; se for cego, se coxo, se tiver nariz peque-

no ou grande, ou torcido; se tiver pé quebrado ou

a mão; se for corcunda.

Relata a história que Moisés tinha um grave problema de comunicação. Foi necessário seu irmão Aarão acompa-nhá-lo em todas as suas horas, tanto para convencer os líde-res hebreus, quanto para falar ao faraó nas horas aprazadas.

Outro exemplo do significado estigmatizante e de desar-monia que tem acompanhado historicamente a visão da de-ficiência está presente no Código de Hamurabi, existente no Museu do Louvre, em Paris. Trata-se de uma pequena coluna

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de 2,25m de altura, de cor negra, em forma de cone e toda escrita em caracteres cuneiformes. Essa obra está dividida em 46 pequenas colunas em toda a sua volta, com 3600 linhas escritas. É a coleção mais antiga de leis que se conhece; bem mais antiga do que o Decálogo de Moisés e do que as normas por ele traçadas no Levítico. Veremos alguns pontos desse có-digo de leis que indicam, como punição, as amputações.

De hoje em diante [...] se alguém apagar a marca de

ferro em brasa de um escravo, terá seus dedos cor-

tados. Se um médico operar um patrício com faca

de bronze e causar-lhe a morte, ou abriu-lhe a orbi-

ta do olho e causou-lhe a destruição, terá sua mão

cortada. Se um escravo disser ao seu dono: tu não és

meu senhor, seu senhor provará que o é e cortará sua

orelha. Se um homem bater em seu pai, terá as mãos

cortadas [...] um olho por um olho, um dente por um

dente. Trata-se de uma justiça sem piedade. Se um

homem tira o olho de um patrício, também seu olho

será tirado; se ele quebrou o osso de um patrício, seu

braço será quebrado. As classes inferiores da socie-

dade também merecem compensações. Se ele tirou

o olho ou quebrou o osso de um plebeu, ele deverá

pagar uma mina de prata; se foi de um escravo seu

pagará a metade do preço [...] (SILVA, 1987, p. 78).

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Essa prática da amputação como mecanismo de puni-ção e estigmatização era muito comum entre os povos anti-gos, conseguindo sobreviver até os dias de hoje, em determi-nadas civilizações. Esses sinais – amputações – objetivavam informar a todos que o portador era escravo, criminoso ou traidor.

A esse respeito, Goffmam (1982) distingue três tipos de estigmas nitidamente diferentes, utilizados pelo homem e ainda presentes na sociedade. Segundo esse autor:

Em primeiro lugar, há as abominações do cor-

po, as várias deformidades físicas. Em segundo,

as culpas de caráter individual percebidas como

vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais,

crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo es-

sas inferidas a partir de relatos conhecidos de, por

exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoo-

lismo, homossexualismo, desemprego, tentativas

de suicídio e comportamento político radical. Fi-

nalmente, há os estigmas tribais de raça, nação, e

religião, que podem ser transmitidos através de li-

nhagem e contaminar por igual todos os membros

de uma família.

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Em todos esses exemplos de estigmas, podemos perce-ber a necessidade última que os povos tinham de diferenciar e associar a maldade ao corpo disforme ou mutilado.

Na Idade Média, os indivíduos que apresentavam qual-quer “deformação física” tinham poucas chances de sobrevi-vência, tendo em vista a concepção dominante de que essas pessoas possuíam poderes especiais, oriundos dos demônios, bruxas e/ou duendes malignos. Nessa época, ainda, por falta de conhecimentos mais profundos a respeito das doenças e suas causas, pela falta de educação generalizada e o receio do desconhecido e do sobrenatural, o povo tinha verdadeira necessidade de dar aos males deformantes uma conotação diferente e misteriosa, muito mais diabólica e vexatória do que qualquer outro sentido positivo (SILVA, 1987, p. 216).

A ligação do demoníaco, do satânico à deformidade física, durante essa época, pode ser facilmente percebida, bastando olhar os quadros pintados para que se tenham res-postas as mais claras. Nesses quadros, tanto os dos espíritos malignos da hierarquia imaginária de Satã, quanto os seres lendários e de comportamento malévolo e desumano, são invariavelmente representados por seres como rostos mons-truosos, os pés deformados, as cabeças enormes ou muito

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pequenas, as orelhas desproporcionais, o nariz aquilino muito comprido, corcundas, membros retorcidos e, apesar dos esforços eventuais dos grupos religiosos ou mesmo da própria doutrina cristã, o povo em geral acreditava que um corpo deformado somente poderia abrigar uma mente tam-bém deformada.

Não podemos dissociar essas concepções ou ligações das deformações com o demoníaco das crenças religiosas dominantes na época. O Cristianismo sempre pregou a existência de um Deus onipotente, onipresente e oniscien-te, puro e acima do bem e do mal. A ideia dominante de um Deus perfeito e do homem à sua imagem e semelhança trouxe aos mutilados e deformados a condenação sumária, como coisas do demônio. Isso fica claro nas escrituras sa-gradas. Caso queira comprovar isso, procure saber em sua cidade se existe algum padre, bispo ou cardeal deficiente. Portanto, essa ligação direta entre perfeição divina e muti-lação ou deformação tem condenado as pessoas com defici-ência há séculos.

Somente com o advento do Renascimento a situação da pessoa com deficiência conseguiu caminhar rumo à supera-ção dessa fase negra da história do homem. É importante destacar que o período renascentista teve seu início no fim

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do século XIV, foi até o fim do século XVI e se difundiu da Itália para outros países da Europa, representando um gran-de marco no campo dos direitos e deveres dos deficientes.

A fundamental característica humanista desse perío-do, que buscava o reconhecimento do valor do homem e da humanidade associada ao naturalismo, foi o renovado inte-resse pela pesquisa direta na natureza, que trouxe grandes avanços no campo da reabilitação física, pois, a partir daí, estudos e experiências nessa área do conhecimento come-çaram a ser realizadas com relativos êxitos.

Inegavelmente, apesar da situação marginal da pessoa com deficiência não ter sido alterada significativamente nes-se período, modificações ocorreram nas relações entre os homens considerados “normais” e os deficientes. Por exem-plo, na Inglaterra foi criada a Lei dos Pobres, pelo Rei Hen-rique VIII. Essa Lei obrigava todos os súditos a recolherem a chamada “taxa da caridade”, que tinha a função de auxi-liar os pobres, velhos e deficientes. Na França foi fundado (1554) o Grand Bureau de Pauvres, composto por burgueses importantes e através do qual as contribuições recolhidas eram destinadas à manutenção dos hospitais da Trindade e das Petites Maisons, que atendiam doentes pobres, paralíti-cos, amputados, cegos e portadores de outras deformações.

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Existiam, ainda naquela época, grandes personalidades famosas portadoras de alguma anomalia congênita ou ad-quirida. Dentre estas, destacamos:

a) Luís de Camões, cavaleiro e fidalgo português, que perdeu um de seus olhos em luta contra os mar-roquinos. É considerado um dos maiores poetas portugueses;

b) Galileu Galilei, matemático, astrônomo, inventor do telescópio. Revolucionou o mundo com a te-oria heliocêntrica. Ficou cego nos últimos quatro anos de sua vida e, mesmo assim, continuou estu-dando e pesquisando;

c) Johamnes Kepler, astrônomo alemão, desenvolveu importantes estudos sobre o movimento dos plane-tas. Kepler tinha uma séria deficiência visual causa-da por sarampo adquirida aos quatro anos de idade;

d) Ludwing Von Beethoven, considerado um dos maiores gênios da música erudita. Perdeu totalmen-te a audição nos últimos anos de vida. Mesmo assim, conseguiu compor suas obras mais famosas, “Apas-sionata, Sonata ao Luar e Sinfonias número 3 até 6.

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Apesar das evidentes demonstrações de capacidades e habilidades dessas pessoas “deficientes ilustres”, ao longo da história a situação da pessoa com deficiência, principal-mente as pertencentes às camadas mais baixas da sociedade, continuou a mesma, isto é, elas eram marginalizadas e dis-criminadas. A grande maioria das instituições e organiza-ções de reabilitação, criadas para atender aos pobres, velhos e paralíticos, pautava seu trabalho numa filosofia assisten-cialista, filantrópica e segregacionista. Some-se a isso o fato de os deficientes não serem vistos como seres úteis. A visão utilitária somente ocorreu depois da revolução industrial. A recuperação e o aproveitamento das habilidades e capacida-des dessas pessoas passaram a ser alvo de luta para atender ao mercado de trabalho em expansão.

No Brasil, diferentemente do resto do mundo, em seu período colonial, era raríssimo se encontrar aleijados, ce-gos, surdos-mudos, coxos entre os indígenas brasileiros. Os dados históricos consultados indicam que as poucas ano-malias físicas que alguns índios portavam eram fruto de guerras ou acidentes na selva. A deficiência física de origem congênita ou como consequência de doenças incapacitan-tes não foi notada. Os historiadores afirmam que nos casos congênitos as crianças eram sacrificadas pelos pais após o nascimento.

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A esse respeito, no ano de 1998 estudamos no Estado de Roraima o infanticídio entre os índios Macuxis. Nasceu uma criança com hidrocefalia na tribo, e a mãe (contra sua vontade) e a criança foram levados à Casa do Índio, em Boa Vista. Assistida pelos médicos, a criança reagia bem, mas a mãe, mesmo assim, retirou-a durante um descuido das en-fermeiras, levou-a para a selva e a matou, repetindo com isso uma tradição secular.

À guisa de conclusão, podemos afirmar que os graus de discriminação e segregação da pessoa com deficiência, ao longo da história, em que pesem os avanços ocorridos nos campos sociais e econômicos, muito pouco se modificaram no mundo contemporâneo. Elas continuam sendo vistas como inferiores, menos capazes para o trabalho, sem acesso às principais riquezas geradas pelos homens e vítimas vela-das de preconceito e discriminação.

Não podemos desconsiderar as lutas sociais em prol dessas pessoas, as políticas públicas existentes em todo o mundo e os grandes avanços ocorridos no campo científi-co, visando a minorar sofrimentos e melhorar a capacidade interativa com as outras pessoas, por meio de adaptações, órteses e próteses diversificadas.

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* Doutor/Livre Docente em Didática da Educação Física – Professor da UFJF.** Doutor em Educação – Professor da UFPe.

Helder Guerra de Resende* Agostinho da Silva Rosas**

METODOLOGIAS DE ENSINO EM EDUCAÇÃO FÍSICA: OS ESTILOS DE ENSINO SEGUNDO MOSSTON E ASHWORTH

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1 INTRODUÇÃO

O presente texto foi desenvolvido com a intenção de atender a finalidades de reflexão e de aplicação didático-pedagógica.

Num primeiro momento, tivemos a pretensão de situar o leitor diante da polêmica existente sobre os significados dos termos “métodos”, “metodologias”, “procedimentos”, “estratégias”, “técnicas” e “estilos de ensino”. Alguns autores utilizam e até conceituam estes termos com diferentes signi-ficados entre si, assim como outros autores utilizam vários desses rótulos com o mesmo significado. Não existe, por-tanto, um consenso a respeito. No entanto, para haver um entendimento por parte do leitor, ocupamo-nos em explici-tar nossas posições sobre esta questão.

Num segundo momento, ocupamo-nos em reunir num só texto didático as posições de diferentes autores que trataram da questão das metodologias aplicadas ao ensino da Educação Física. Apesar da nossa afinidade com o con-texto da educação escolar, esclarecemos, de antemão, que o suporte didático-pedagógico deste texto é perfeitamente aplicável em outros contextos e espaços institucionais que

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pressuponham a relação ensino-aprendizagem da cultura do movimento humano.

Por último, decidimos agregar ao texto uma síntese mais elaborada dos denominados “Estilos de Ensino” de-senvolvidos por Mosston e Ashworth (1990). Esta decisão deve-se ao fato de existirem poucos textos publicados em português sobre os estilos de ensino na última versão de-senvolvida pelos referidos autores e acessível a professores e graduandos de Educação Física1. A despeito das inúme-ras críticas formuladas por alguns especialistas brasileiros, acreditamos que o trabalho de Mosston&Ashworth seja um dos mais completos no sentido de retratar as diferentes possibilidades de como ensinar a cultura do movimento hu-mano. Estaremos, portanto, privilegiando a dimensão téc-nico-pedagógica dos denominados “Estilos de Ensino”, sem considerar o tipo de conhecimento privilegiado por Moss-ton e Ashworth na versão original do referido trabalho.

Acreditamos que os sentidos e os valores (ou seja, a visão de mundo) são transmitidos, consciente ou incons-cientemente, independentemente da metodologia de ensi-no utilizada pelo professor. Por exemplo, um determinado conhecimento pode ser pedagogicamente tratado e critica-mente analisado a partir de diferentes perspectivas ideoló-

1 Uma das poucas publicações conhecidas e disponíveis, a saber: Gozzi e, Ruete (2006).

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gicas, assim como uma determinada metodologia de ensi-no não pressupõe, por si só, sua identificação com a matriz ideológica “A” ou “B”. Podemos perfeitamente tratar um conhecimento por meio de um conjunto de aulas exposi-tivas, orientado por uma visão crítica do contexto político, econômico e social vigentes numa determinada sociedade, assim como um docente não perderá sua identificação com uma visão liberal ao adotar como opção metodológica de “solução de problemas”, ou outras técnicas de ensino par-ticipativo.

Neste sentido, encontramos a justificativa necessária para finalizar este texto didático apresentando e tecendo considerações técnico-pedagógicas sobre os denominados “Estilos de Ensino”.

2 SITUANDO A QUESTÃO CONCEITUAL

Como já anunciamos, paira certa confusão sobre os significados dos termos “métodos”, “metodologias”, “proce-dimentos”, “estratégias” e “técnicas de ensino”. A literatura especializada não aborda essa questão de forma conclusiva;

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ou usa esses termos de forma indiscriminada como se fos-sem sinônimos ou promove uma confusão conceitual que em nada contribui para o seu processo elucidativo. Dessa forma, faz se necessário um posicionamento inicial, no sentido de situar o leitor acerca dos significados que serão conferidos a esses termos neste texto didático. Não temos a pretensão de elucidar essa questão, mas assumir uma posição, dentre as várias existentes, para balizar as proposições efetuadas e tentar minimizar as divergências em relação às elaborações didáticas desses conceitos na prática pedagógica.

O primeiro conflito trata da distinção entre o signifi-cado de método, num sentido mais genérico, e método de ensino. A literatura didática tem secundarizado ou negli-genciado uma análise do sentido geral do termo, privile-giando o seu caráter técnico instrumental. Dessa forma, a prática pedagógica tem se sustentado na simples aplicação de mecanismos e técnicas, sem se importar e ter a neces-sária lucidez acerca das finalidades político sociais da edu-cação, principalmente a escolarizada, porque pressupõe uma intenção deliberada de socialização de conhecimen-tos e de formação cidadã. Ou seja, a educação escolar é uma opção político-social da modernidade com finalida-des de formação intelectual, cultural e técnico-profissio-nal da humanidade.

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O sentido etimológico da palavra “método” diz respei-to a “caminho para”, ou seja, o caminho necessário para se alcançar um determinado fim. Pressupõe uma direção de-liberada com o propósito de se alcançar uma finalidade. Se pressupõe uma ação deliberada, então o método deve ser assumido conscientemente, deve ser sistematizado, planeja-do e pedagogicamente conduzido.

Recorrendo ao entendimento de Luckesi (1990), exis-tem pelo menos duas possibilidades para a compreensão do que seja método. Ele pode ser entendido sob um ponto de vista “teórico-metodológico” ou sob um ponto de vista “técnico-metodológico”.

O método, sob a ótica “teórico-metodológica”, diz res-peito ao “modo de abordar a realidade”, seja no sentido da produção do conhecimento ou das ações humanas. Em am-bos os casos o indivíduo assume uma posição para apreen-der a realidade, a partir de um determinado ponto de vista que pode ser reducionista ou dialético.

No primeiro caso, poder se ia abordar a realidade da edu-cação e da Educação Física a partir da sua constituição técnica e dos seus problemas internos e imediatos, enquanto numa abordagem dialética, considerar-se iam essas atividades so-

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ciais a partir das suas determinações histórico culturais obje-tivas. Portanto, o referencial desses dois exemplos é diferente.

O conhecimento da realidade exige uma forma

metodológica de abordá-la, uma perspectiva se-

gundo a qual a realidade é vista. Aqui o método

ganha o seu caráter teórico, ou seja, o modo se-

gundo o qual ele permite que a realidade seja apre-

endida do ponto de vista do conhecimento (LU-

CKESI, 1990, p. 151).

Do ponto de vista das ações humanas, o método pode ser autoritário ou democrático; conservador ou de perspecti-va superadora. No caso autoritário, o processo decisório está centrado nas convicções particulares dos indivíduos ou do grupo hegemônico. As decisões são estabelecidas de forma estritamente acabada, cabendo aos sujeitos a reprodução ou a resposta desejada e prevista pelo professor. No caso demo-crático, as decisões são tomadas a partir da participação e da representatividade dos atores sociais envolvidos no processo em questão. Exige-se do sujeito um esforço intelectual de le-vantar diferentes possibilidades de se resolver um determi-nado problema. Enquanto no modelo conservador as inten-ções são reforçar e manter a estrutura vigente, na perspectiva superadora estão voltadas à ação crítica, em função dos pro-

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blemas existentes, visando refletir e levantar possibilidades de, se for o caso, transformar as estruturas que, em alguma medida, provocam e condicionam aqueles problemas.

Em síntese, no enfoque teórico do método o conheci-mento e as ações humanas estão condicionados pela visão de mundo que subsidia o seu processo, bem como os seus resultados.

Partindo dessa premissa é que pode ser compreendido o significado do que Luckesi denominou de ótica “técnico-metodológica”, e que alguns autores como Rays (1989) e Li-bâneo (1991) chamam de método de ensino.

Todo processo de ensino implica uma sistematização de princípios e de normas para o seu desenvolvimento, com vistas ao alcance das finalidades educacionais articuladas com a dinâmica almejada para a prática político-social. Dessa forma, o método de ensino pode ser encarado sob o ponto de vista técnico e ser definido como o modo inten-cional pelo qual o professor organiza e conduz as atividades de ensino, visando à consecução dos objetivos de aprendi-zagem. Por sua vez, esses objetivos devem estar articulados com uma concepção de educação e, por conseguinte, com uma concepção político-social.

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Nesse caso, o ponto de vista “técnico do método” é de-corrente de uma dada concepção de sociedade e da compre-ensão da prática educativa e humana nesse dado contexto. Depende, portanto, dos objetivos elaborados, tendo em vista o processo ativo de transmissão assimilação reflexão acerca dos conhecimentos, habilidades e atitudes necessários à for-mação das crianças e adolescentes, no sentido crítico supe-rador do contexto político, econômico e sociocultural.

A formação do indivíduo, portanto, deve ser concebida num sentido mais amplo e numa perspectiva crítico supe-radora. Amplo porque deve considerar não só o processo de apreensão dos conhecimentos, habilidades e atitudes, mas também suas possibilidades de aplicação concreta, no sentido de resolver os problemas do cotidiano imediato dos indivíduos, sem perder de vista a necessidade de democra-tização da sociedade.

Em síntese, o enfoque técnico do método diz respeito às ações de organização das atividades de ensino, visando conduzir os estudantes à consecução dos objetivos de en-sino por meio de uma perspectiva dialógica de assimilação ativa e participativa dos conteúdos. Nesse sentido, os méto-dos de ensino devem considerar necessariamente “não só a realidade vital da escola (representada principalmente pelas

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figuras do educador e do educando), mas também a realida-de sociocultural em que está inserida” (RAYS, 1989, p. 86). Portanto, as óticas teórica e técnica do método devem estar articuladas intencionalmente.

Cabe, ainda, esclarecer que entendemos por proce-dimentos ou técnicas de ensino o modo operacional e os recursos imediatos utilizados pelo professor nas atividades de ensino-aprendizagem. Importa também ter claro que os procedimentos ou técnicas de ensino devem estar articula-dos deliberadamente com aquelas duas abordagens do mé-todo, ou seja, a técnica e a teórica.

A título de ilustração, julgamos oportuno apresentar um exemplo de como seria uma possível articulação dos conceitos até aqui apresentados, mesmo que ela evidencie uma postura funcionalista (ou seja, os acontecimentos não são lineares como sugere o exemplo).

Vejamos: considerando o encaminhamento his-

tórico de contradições e conflitos decorrentes do

modo de produção capitalista, justificam-se ações

de mobilização, de organização, de críticas e de

ações impetradas por grupos sociais que se con-

traponham a esse contexto estrutural, no sentido

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da transformação das condições materiais objeti-

vas norteadas por valores democráticos de justiça,

de igualdade, de solidariedade, etc.

Nesse sentido, esses grupos sociais, disseminados

nas diferentes instituições sociais, tendem a estabe-

lecer um amplo processo sócio-comunicativo e de

ações concretas que se contrapõem aos valores e às

práticas oficiais e hegemônicas. Para isso, é preciso ir

gradativamente reeducando os grupos sociais para

compreender e se conscientizar das contradições

entre as realizações e os discursos proclamados, os

conflitos de interesses e necessidades entre as dife-

rentes classes sociais, dentre os outros aspectos, até

que se reuna as condições objetivas para consolidar

a transformação estrutural da sociedade.

No âmbito específico da educação escolarizada

implica, portanto, na necessidade de se apreender

o sentido particular e global desse contexto, em

conjugação com o processo de formação da cida-

dania dos estudantes, na perspectiva da emanci-

pação, da participação, da postura e da ação crí-

tico-transformadora, da autonomia (sem perder

de vista as necessidades coletivas), da resolução de

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problemas, da autocrítica etc. Para tal, é preciso

que a prática pedagógica esteja norteada por uma

ação metodológica fundamentada em princípios

coerentes com esta perspectiva superadora (óti-

ca teórico metodológica do conhecimento) e de-

mocrática (ótica teórico metodológica das ações

humanas). Esse ponto de vista significa um dos

modos de se ver e abordar a realidade.

No entanto, é preciso que os estudantes, a partir

de um processo intencional e sistematizado, sejam

apresentados e entrem em contato com os conheci-

mentos, as habilidades e os valores sociais, morais,

éticos e estéticos subjacentes; exercite-os e os apli-

quem em diferentes circunstâncias, estabelecendo

nexos com as múltiplas situações caracterizadoras

do cotidiano particular; e, finalmente, avaliem as

implicações positivas e negativas das aplicações

realizadas. Para tal, o professor pode utilizar um

meio (métodos de solução de problemas) para a

consecução desses objetivos mais específicos, em

coerência com aquelas finalidades político-sociais.

Mas método baseado em solução de problemas,

sendo considerado o meio pelo qual o professor

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conduz os estudantes à aprendizagem dos conte-

údos, pode ser operacionalizado por meio de vá-

rios procedimentos ou técnicas de ensino. É ne-

cessária a apresentação do problema por meio de

informações que o torne bem claro e delimitado;

é necessário que os estudantes sejam orientados

e estimulados a levantar informações, dados ou

experiências anteriores visando às possíveis so-

luções; fazer opção pela ou pelas alternativas que

pareçam mais viáveis para a solução do problema

(hipotetização), aplicação das alternativas de solu-

ção (experimentação) e avaliação dos resultados.

Esses procedimentos de ensino colocam os alunos

diante da necessidade de delinear problemas, ana-

lisar, hipotetizar, experimentar e avaliar as dife-

rentes situações pedagogicamente problematiza-

das e desencadeadoras das ações dos alunos.

Cabe ressaltar que método baseados em solução de problemas (aqui exemplificado), assim como outro qual-quer, não assegura por si só a sua articulação e coerência com a formação de um tipo de homem emancipado e de uma sociedade democrática. A ação do professor tem que ser intencional, criticamente elaborada e dirigida, no sen-tido de mostrar as relações entre valores, conhecimentos e

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habilidades (social e historicamente construídos, bem como científica e pedagogicamente tratados) e as necessidades de emancipação cultural e político-social.

Nessa perspectiva de educação e de Educação Física, os métodos de ensino devem buscar a superação dos modelos tradicionais de educação, de modo a

provocar a atividade e a iniciativa dos alunos sem

abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favo-

recer o diálogo dos alunos entre si e com o profes-

sor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a

cultura acumulada historicamente; levar em conta

os interesses dos alunos, os ritmos de aprendiza-

gem e o desenvolvimento psicológico mas sem

perder de vista a sistematização lógica dos conhe-

cimentos, sua ordenação e gradação para efeitos

do processo de transmissão assimilação dos con-

teúdos [...] (SAVIANI, 1987, p. 72-73).

Continuando, Saviani esclarece e adverte que esses princípios não devem ser entendidos como um procedi-mento eclético em que se faz um arremedo justaposto do que “há de bom” nos métodos de ensino inspirados nos diferentes modelos existentes. Professor e estudantes de-

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vem ser considerados em termos individuais e como agen-tes sociais. Para tanto, Saviani (1975, p. 75) propõe que o método de ensino tenha como ponto de partida as práti-cas sociais dos estudantes e do professor (que podem ser iguais ou diferentes), para que possa haver a problemati-zação, a instrumentalização e a efetiva assimilação críti-ca dos conteúdos científicos e culturais, “transformados agora em elementos ativos de transformação social” para, finalmente, tomar-se, mais uma vez, a prática social, agora como ponto de chegada.

De acordo com Candau (1988), a articulação objetivo conteúdo-método é uma questão clássica no âmbito da didá-tica. Por um lado, há uma tendência para se construir novas elaborações técnico-metodológicas a partir e em contrapo-sição aos modelos tradicionais; por outro, apresenta-se uma tendência emergente de considerar aquela articulação a partir da sua contextualização histórico crítica. A primeira tendên-cia caracteriza-se por postulados formalistas, em que o grande desafio é a elaboração de um método universal que seja capaz de ensinar tudo a todos os indivíduos. A autora considera:

que esse sonho pertence ao “inconsciente coletivo”

das pessoas que trabalham com a didática e, muitas

vezes, do professorado em geral [...]. Daí podem de-

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rivar de alguma forma os diferentes modismos que,

através da história, imperam na prática pedagógica,

sempre se apresentando como um método que vai

resolver todos os problemas e que pode ser aplicado

em qualquer situação, qualquer sujeito, com qual-

quer conteúdo (CANDAU, 1988, p. 28- 29).

3 SITUANDO OS MÉTODOS E AS METODOLOGIAS DE ENSINO APLICADOS À EDUCAÇÃO FÍSICA

Na perspectiva formalista inserem-se os diferentes e tradicionais modelos de sistematização de aulas de Educa-ção Física que, inadequadamente, ainda são chamadas de métodos (exemplo: método alemão, método calistênico, método sueco, método francês, método natural austríaco, Educação Física desportiva generalizada etc.).

Partindo da premissa de que a Educação Física era, e ainda continua sendo, tratada como uma atividade eminen-temente prática2, o método de ensino que fundamenta as formas de sistematização de aulas baseadas nos exercícios físicos poderia ser denominado de método analítico. Nessa

2 Em que pese a atual LDB (Lei nº 9.394/96) definir a educação física como componente curricular obrigatório da Educação Básica integrada à proposta pedagógica da escola, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar.

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abordagem busca-se o desenvolvimento e o fortalecimento anátomo-fisiológico dos indivíduos, a partir da exercitação dos diferentes segmentos corporais e grupamentos muscu-lares. Ou seja, parte-se do pressuposto de que o somatório dos exercícios analíticos e fragmentados desses segmentos e grupamentos levam ao desenvolvimento global do indiví-duo (obviamente, nesta perspectiva, o sentido de global é o anátomo-fisiológico e o neuro-motor).

Recorrendo ainda à fundamentação de Candau (1988), é possível, por analogia, afirmar que, com a desportivização da Educação Física escolar, a Educação Física passou do for-malismo lógico tradicional para o formalismo técnico.

Quando a aprendizagem do movimento humano, re-presentada pelos movimentos básicos fundamentais (na acepção de Gallahue 1982), passou a ser objetivo das aulas de Educação Física, novas elaborações foram desenvolvi-das, passando a ser disseminado no âmbito da didática da Educação Física o que Xavier (1986) elegeu como principais métodos aplicados ao ensino da Educação Física, a saber: método parcial, método global e método misto.

Xavier conceitua o “método parcial” como aquele cujo objetivo é ensinar uma determinada destreza motora, ou

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movimento básico fundamental, a partir de pequenos pas-sos (fragmentos constitutivos do movimento total), para depois uni-las entre si. Dessa forma, para o estudante vir a executar um passe com as mãos ele deverá executar os movimentos das mãos sem a bola, depois exercitar a movi-mentação dos pés, logo a seguir a combinação de ambos os movimentos ainda sem a bola para, finalmente, introduzir a bola no movimento proposto.

O autor propõe, ainda, diferentes variações do méto-do parcial (no meu modo de entender, trata-se de proce-dimentos ou técnicas de ensino) apoiado nos trabalhos de Stammers e Patrick (1978): parcial puro, parcial progressivo (exemplo apresentado), parcial repetitivo, parcial retrogres-sivo e parcial isolado.

O “método global” é conceituado como aquele cujo propósito é ensinar uma destreza motora ou movimento básico fundamental apresentando e praticando-o em todo o seu conjunto. Nesse contexto, a aprendizagem de um rolo para frente seria a partir da execução do movimento como um todo. Grosso modo, para melhor exemplificar, aprende-se a executar o rolo para frente... rolando; ou seja, executando o movimento completo desde a primeira ex-periência.

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O “método misto” consiste em ensinar uma destreza motora ou um movimento básico fundamental incentivan-do a sua execução em todo o seu conjunto. Caso o estudan-te apresente algum problema de aprendizagem, o professor deve orientá-lo de modo a praticar isoladamente a parte da destreza ou movimento provocador da dificuldade, utilizando-se do método parcial, para retornar à execução global do movimento. Portanto, o método misto é decor-rente dessa conjugação entre os métodos global/parcial/global. No exemplo anterior, caso o estudante encontre di-ficuldades para posicionar o pescoço/cabeça no momento de executar o rolo para frente, o professor deve propor al-guns exercícios educativos até que o executor automatize essa parte do movimento, para então retornar à execução do rolo para frente.

Cabe ressaltar que os métodos parcial, global e misto indicam a memorização como operação cognitiva predomi-nante – o estudante aprende na medida em que sejam aten-didos os comandos ou sejam realizadas as tarefas planeja-das pelo professor. O Professor Telmo Pagana Xavier (1986) chegou ao detalhe de apresentar no seu livro o que julgou ser o adequado processo de aplicação desses métodos para o ensino dos movimentos característicos de cada modalidade desportiva, em função das diferentes faixas etárias.

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Na perspectiva do que Candau (1988) denominou de formalismo subjetivista ou psicologizante, existem outras metodologias de ensino que, sem perder a referência do es-porte, objetivam também o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos, no que concerne à prática continuada das atividades físico-esportivas, sob um enfoque preventivo de saúde e até mesmo uma prática dinamizadora das intera-ções sócio-comunicativas.

Para responder às exigências metodológicas do ensino dos jogos e das atividades esportivas, numa perspectiva lú-dica, destaca-se o livro Os grandes jogos: metodologia e prá-tica, de Dietrich e outros (1984). Enquanto a conceituação de Xavier (1986) considerava apenas o ensino das destrezas motoras e dos movimentos esportivos especializados (foco no movimento em si), os autores alemães propõem meto-dologias para o ensino dos jogos esportivos, baseadas no conceito recreativo do jogo (foco no jogo como um todo).

Dietrich e seus colaboradores apresentam o “método parcial” como sendo o processo pelo qual, antes da inicia-ção ao jogo, os estudantes devem dominar, através de uma série de exercícios, todas as destrezas básicas, os fundamen-tos técnicos e os fundamentos táticos constitutivos de um determinado jogo. Exemplificando, para se jogar o basque-

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tebol, é preciso organizar e desenvolver o processo de en-sino-aprendizagem de modo que os estudantes aprendam, inicialmente, a executarem os passes, depois o drible, depois os arremessos até conjugar estes fundamentos técnicos no jogo propriamente dito.

O outro método denomina-se “método de confronta-ção”, em cujo processo os estudantes basicamente aprendem a jogar jogando. Para isso, o professor pode simplifica as re-gras e a dinâmica, de maneira que os estudantes pratiquem formas rudimentares do jogo esportivo antes do jogo fim. Grosso modo, poderíamos dizer que os estudantes apren-dem a jogar um jogo...jogando.

Finalizando, os autores apresentam e defendem,como melhor opção de ensino-aprendizagem, o “conceito recrea-tivo do jogo” como sendo uma espécie de conjugação de se:

jogar desde o princípio e a construção do jogo

passo a passo [...]. As séries de jogos dão aos prin-

cipiantes a possibilidade de vivenciar um jogo

que desejam aprender desde o início em sua idéia

fundamental e, com um conhecimento crescente,

experimentar formas mais difíceis (DIETRICH et

al, 1984, p. 18-19).

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Nesse contexto, denominado de formalismo subjetivis-ta ou psicologizante, apresentam-se também as concepções abertas ao ensino da Educação Física, em contraposição à tônica que vinha sendo dada no contexto escolar aos exercí-cios analíticos (calistenia), ao formalismo diretivo e ao redu-cionismo desportivizante através do ensino dos movimentos especializados. Segundo Dieckert (1985b, p. 8), esses mode-los de Educação Física são limitados em relação aos objeti-vos escolares como “maioridade crítica, independência, au-todeterminação, auto-organização, etc., sempre no sentido da responsabilidade de cada cidadão na sociedade”.

Entendemos que seja limitado, considerando que a Educação Física concebida como componente curricular não se reduz ao ensino-aprendizagem dos movimentos humanos e dos jogos populares e esportivos em si. Conce-bemos que a Educação Física na educação básica deve ser pedagogicamente tratada de modo a assegurar o ensino--aprendizagem da cultura do movimento humano, balizado por uma postura reflexiva, no sentido da aquisição da auto-nomia necessária a uma prática intencional, que considere o lúdico e os processos sócio-comunicativos, nas perspectivas da formação e da ampliação cultural dos estudantes, vis-lumbrando a opção pela adoção de um estilo de vida ativo, prazeroso, saudável e eticamente orientado.

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Dieckert (1985b) continua argumentando que os mo-delos fechados de ensino da Educação Física não preparam os estudantes para a ocupação do seu tempo livre com a prática esportiva, principalmente quando os locais disponí-veis não possuem de instalações e materiais padronizados e adequados. Concluindo, ele defende que a Educação Física brasileira precisa ser orientada por uma nova antropologia, acentuando a autonomia e a criatividade do ser humano.

Diante dessas argumentações, Dieckert propõe os mé-todos criativos em Educação Física baseados nos funda-mentos estruturais da criatividade elaborados por Joachim Sikora (DIECKERT, 1985a).

Dentre os métodos de ensino criativos, Taffarel (1985) desenvolveu sua pesquisa de Mestrado aplicando os méto-dos denominados de “perguntas operacionalizadas”, “análi-se”, “análise síntese”, brainstorming e checklist, numa escola pública brasileira.

Chamamos a atenção do leitor para uma análise com-parativa desses denominados “métodos criativos” com os denominados “Estilos de Ensino” propostos por Mosston e Ashworth (1990). Os métodos de ensino criativos só con-templam aqueles que se situam, na proposta de Mosston e

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Ashworth, a partir do chamado “limiar da cognição dos Es-tilos de Ensino”, confrontando os estudantes com a perspec-tiva de experiências motoras que exijam níveis mais com-plexos de elaboração cognitiva.

Para Guilford (1971), o pensar e o agir criativos são conseqüências de operações cognitivas desencadeadas pelo pensamento divergente. O comportamento criativo emerge dos ensaios provenientes da reflexão crítica acerca de um dado problema. Enquanto métodos que impulsionam a cria-tividade, Mosston e Ashworth concordam com Guilford, no sentido de apontar a “operação cognitiva descoberta” como o limiar que distingue os estilos de ensino que se utilizam predominantemente da memória dos estilos de ensino cujas características sugerem a criatividade.

Considerando as possibilidades de experiências de movimento, Hildebrandt e Laging (1986) diferenciam os denominados métodos criativos daqueles fundamentados nas teorias associacionistas de aprendizagem, alegando que são métodos de ensino fechados às experiências e às possi-bilidades criativas dos indivíduos. Já os métodos de ensino criativo, que se articulam com as teorias interacionistas da aprendizagem, fundamentam-se numa concepção aberta às experiências e às ações criativas dos indivíduos3.

3 Concordamos em parte com a crítica de Hildebrandt e Laging. O leitor poderá constatar mais adiante que os denominados “Estilos de Ensino” situados à esquerda da barreira da cognição apresentam, de fato, esta perspectiva fechada, cabendo aos estudantes poucas possibilidades de decisão ou co-decisão. Nesses “Estilos de Ensino” os estudantes tendem a reproduzir as orientações do professor. No entanto, a referida crítica não cabe aos “Estilos de Ensino” localizados à direita da barreira da cognição.

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Em que pese essa concepção metodológica significar um avanço, num entendimento de totalidade do homem (ou seja, não parece sensato afirmar que existam ações eminentemente-motora, ou cognitiva e ou afetivo social, pois essas dimensões da ação humana estão necessariamente interligadas, interagin-do a todo o momento ao londo do processo de ensino apren-dizagem), ela não traz na sua essência uma perspectiva crítico superadora. Nos escritos de Dieckert (1985) é possível destacar sua preocupação com o entendimento mais amplo sobre a cul-tura do movimento humano, com a crítica às concepções tra-dicionais e esportivizantes da Educação Física, com a elevação da qualidade de vida e com a autonomia das pessoas. Mesmo assim, Taffarel (1985) ensaia em seu trabalho a aplicação dos métodos de ensino criativo, numa perspectiva crítica da Edu-cação Física, da educação e da sociedade brasileira.

O desafio é não cair também na armadilha do forma-lismo ideologizante. Como argumenta Candau (1988), é necessário superar qualquer tipo de reducionismo e forma-lismo didático que, nesse caso específico, trata-se de evitar o equívoco de se procurar elaborar um método único capaz de ensinar tudo a todos e que seja o mais adequado por si só.

Na mesma linha do raciocínio de Saviani (1987), a au-tora destaca o ainda atual desafio dos métodos de ensino de

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promoverem a articulação entre o componente lógico (tra-dicional), o sujeito da aprendizagem (escolanovismo), o téc-nico (tecnicismo) e o contexto político social (progressistas). Como ressalta Saviani, não se trata de proposições ecléticas, mas de articulações dialéticas. Candau (1988, p. 31) conclui seu trabalho afirmando que “se cada área do conhecimento tem uma organização, uma constituição e uma lógica pró-prias, não cabe afirmar a possibilidade de um método único”.

4 OS ESTILOS DE ENSINO SEGUNDO MOSSTON E ASHWORTH

No contexto do que Candau denominou de formalismo técnico, foi divulgado no Brasil o trabalho de Muska Mosston denominado de “Estilos de Ensino” da Educação Física, em seus vários estágios de desenvolvimento. A primeira versão do trabalho de Mosston, ao qual tivemos acesso, foi uma tradução do inglês para o espanhol de 1978, La ensenanza de la educa-ción física del comando al descubrimiento. Esta versão foi pos-teriormente traduzida e sintetizada por Faria Júnior e outros (1982) no seu livro Prática de ensino em educação física: está-gio supervisionado. Desde a primeira versão dos originais de Mosston, duas outras atualizações foram realizadas (MOSS-

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TON, 1981; MOSSTON; ASHWORTH, 1986). Obviamente, no presente texto trataremos da última versão publicada antes do falecimento de Muska Mosston, em 1994.

As ideias, os conceitos e a intenção pedagógica orien-tadores dos estudos e trabalhos desenvolvidos por Muska Mosston visaram levar os professores a serem mais conscien-tes e deliberados nas suas intervenções pedagógicas com os estudantes. Seu trabalho acadêmico sempre teve como foco o desenvolvimento de uma teoria unificadora de ensino que se iniciou no âmbito da Educação Física, mas que, segundo Mosston, serve de estrutura para todas as disciplinas. Os que para nós seriam métodos de ensino são propostos sob a for-ma de um espectro que visa à seleção do “Estilo de Ensino” (método de ensino) mais adequado para a consecução de de-terminados objetivos pré-definidos de ensino-aprendizagem.

A proposição de Mosston e Ashworth (1986) sustenta-se nos pressupostos de que cada “Estilo de Ensino” tem uma importância particular em função dos objetivos de ensino-aprendizagem almejados. Significa dizer que os diferentes ob-jetivos demandam a opção por diferentes “Estilos de Ensino”.

Outra premissa apontada pelos autores é que uma aula não se reduz, necessariamente, a um único “Estilo de En-

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sino”; no decorrer da aula, em função de necessidades e de propósitos específicos, o professor pode mudar o “Estilo de Ensino”.

Outro princípio da teoria desenvolvida por Mosston é de que deve haver uma transferência gradativa do processo decisório do professor para o estudante, o que não impede a adoção de um “Estilo de Ensino” em que o professor retome o controle de decisões anteriormente transferidas para os estudantes.

Sendo assim, entende-se que alguns “Estilos de Ensi-no” fundamentam-se num modelo de reprodução do co-nhecido, enquanto que outros suscitam uma perspectiva de descoberta e de produção a partir de algo desconhecido.

Uma das críticas desenvolvidas em relação a este traba-lho é que a tônica nas proposições formais e técnicas dessa natureza é a de se controlar o processo para a obtenção dos melhores resultados que, por sua vez, encontram limites na habilidade dos estudantes para executarem adequadamente as destrezas motoras, os movimentos especializados e os pró-prios jogos esportivos. Ao se indagar acerca dos motivos des-ses objetivos específicos, geralmente as respostas encontram limites nas intenções gerais de promoção da aptidão física, na

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formação de talentos esportivos e, quando muito, nos jogos esportivos a serem praticados na perspectiva recreativa.

No entanto, os métodos de ensino propostos pelos au-tores em pauta prestam-se também, no nosso entender, a outras concepções e objetivos específicos almejados para o ensino da Educação Física.

4.1 POR UMA TEORIA UNIFICADA DO ENSINO

No prefácio do livro The Spectrum of Teaching Styles, Mosston e Ashworth (1991) relatam a experiência que vi-venciaram e os conduziram ao desenvolvimento das ideias relativas ao que se denominou “Espectro de Estilos de Ensi-no” e à “Teoria Unificada do Ensino”.

O problema original motivador de Mosston foi a per-plexidade sentida na ocasião em que atuava na Rutgers University, em Nova Jersey, diante das divergências de posição acerca dos diferentes métodos de ensino defendi-dos e aplicados por seus colegas. De um lado situavam-se aqueles que defendiam e colocavam em prática métodos

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de ensino objetivando o melhor desempenho em sala de aula, compreendido o desempenho como a aprendizagem de conceitos estabelecidos (Teaching Effectiveness). De ou-tro, situavam-se aqueles que defendiam e colocavam em prática métodos de ensino que privilegiavam os modelos de análise cognitiva, de pensamento crítico, de criativi-dade, de resolução de problemas e propósitos correlatos (Thinwing Swills).

Ambas as correntes contavam com eminentes parti-dários. Seus discursos apoiavam-se na acentuação das di-vergências: ensino individualizado versus experiências de grupos; educação afetiva versus educação cognitiva; cria-tividade versus submissão; preferências idiossincráticas do professor versus modelos de ensino, e assim por diante.

Para Mosston parecia claro que a marca característica da educação e do ensino era a fragmentação, que conduzia a um dilema inaceitável, em sua opinião. Foi este contexto de tensões que o levou à busca de uma concepção do ensi-no que enfatizasse as relações e conexões entre as diferentes práticas educativas, ao invés de acentuar o isolamento e a disparidade que se revelavam nos discursos de seus colegas. O resultado dessa busca foi a formulação do Spectrum of Teaching Styles (MOSSTON; ASHWORTH, 1990, p. xiii).

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Mosston recomenda pensar o “Espectro” como um mapa.Trata-se de um mapa que mostra a variedade de “Es-tilos de Ensino” e, dentro de cada “Estilo de Ensino”, os “elementos” que o caracterizam (teachingelements). Assim posto, o “Espectro” representa, simultaneamente, uma ma-cro e uma micro conceituação do ato de ensinar. Contesta a conveniência pedagógica e didática das ações radicais em defesa ou em crítica a qualquer um dos “Estilos de Ensino”. A opção pelo “Estilo de Ensino” a ser adotado depende dos objetivos de ensino-aprendizagem, do nível de desenvolvi-mento dos alunos e das suas possibilidades de conquistas e avanço na aprendizagem, entre outras variáveis que se ma-nifestam no contexto das aulas.

Combate também a fragmentação do pensamento so-bre a educação e das práticas de ensino e, em seu lugar, introduz um pensamento e implementa práticas condizen-tes com uma estrutura integrada do ensino. Ao invés da noção de versus, a noção de integração; ou seja, ao invés de serem os “Estilos de Ensino” concebidos uns contra os outros ou uns melhores e mais adequados que os outros, os autores procuraram mostrar como os diferentes “Estilos de Ensino” são reunidos e interrelacionados. Estes são os fundamentos de sua Teoria Unificada do Ensino (Unified Theory of Teaching).

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4.2 O ESPECTRO DOS ESTILOS DE ENSINO

Na sistematização e aprofundamento da Teoria Unifi-cada do Ensino, Mosston contou com a colaboração de Sara Ashworth. Muska Mosston e Sara Ashworth desenvolveram o modelo teórico do “Espectro” a partir de dois eixos. O pri-meiro concerne à sua estrutura lógica, expressa pela propo-sição fundamental e por seis premissas complementares. O segundo, à descrição dos “Estilos de Ensino”.

A denominação do modelo teórico – “Espectro dos Estilos de Ensino” – exprime, em sentido figurado, a ideia que permeia todo o pensamento de seus autores: de um continuum de mão dupla, uma gradação de atitudes e de-cisões pedagógicas representativas de “Estilos de Ensino”, que vão desde um modelo fundamentalmente reprodutivo (comando) ao seu oposto, ou seja, à descoberta e ao auto-ensino.

Mesmo que Mosston e Ashworth tenham tido a pre-tensão de universalização dos “Estilos de Ensino” para qual-quer disciplina escolar, toda experiência foi desenvolvida com o ensino da Educação Física.

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4.3 PROPOSIÇÃO FUNDAMENTAL

Na construção teórica do Spectrum of Teaching Styles, Mosston e Ashworth partiram da proposição fundamental de que o quotidiano do ensino é comandado por um sin-gular processo de unificação na tomada de decisão4. De-corram elas da vontade isolada do professor ou resultem de um esforço conjunto do professor e dos estudantes, deve-rão expressar uma linha condutora uniforme, um compor-tamento central ou primário, do qual derivarão os demais comportamentos: como organizar o tema/conteúdo a ser estudado, como administrar o tempo, o espaço, os recursos materiais, como interagem professor e estudantes e assim por diante. No fundo, trata-se de um contrato pedagógico cujas bases são comunicadas aos estudantes ou elaboradas com a participação de todos.

4.4 ESTRUTURA DA TEORIA: AS PREMISSAS

O primeiro eixo do modelo teórico de Mosston e Ashworth compreende as seis premissas que completam a

4 “The fundamental proposition of the Spectrum is that teaching is gouverned by a single unifying process: decision making” (MOSSTON; ASHWORTH, 1991, p. 3).

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estrutura do modelo teórico conducente ao “Espectro dos Estilos de Ensino”.

A primeira premissa, axioma decorrente da propo-sição fundamental (Cronograma 1), sustenta que todo ato deliberado de ensino resulta de um conjunto prévio de de-cisões que são tomadas pelo professor, pelos estudantes ou pelo professor em conjunto com os estudantes (Teaching behavioris a chain of decision making).

A segunda premissa diz respeito à “anatomia de um Esti-lo de Ensino”, que compreende três conjuntos de decisões que devem ser tomadas durante o processo de ensino-aprendizado:

a) antes da realização da aula (Pré-impacto) – indi-cam a intenção em relação ao que fazer; diz respei-to à fase de planejamento do ensino;

b) durante a realização da aula (Impacto) – corres-pondem às deliberações que acompanham a ação, o desempenho em curso; diz respeito ao desenvol-vimento da aula propriamente dita;

c) após a realização da aula (Pós-impacto) – dizem respeito à avaliação do desempenho, à congruên-

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cia entre a intenção e a ação pedagógica; versa so-bre a avaliação do ensino-aprendizagem.

Mosston e Ashworth apresentam uma minuciosa lista de itens, como um roteiro a ser seguido no processo de to-mada de decisão antes de iniciar a aula, durante o desenvol-vimento da aula e após a conclusão da aula. Deixam sempre em aberto a possibilidade de outros itens serem acrescen-tados em cada um dos momentos da “anatomia dos Estilos de Ensino”.

A terceira premissa está relacionada aos sujeitos que integram o processo de ensino-aprendizagem – o profes-sor e os estudantes – virtuais agentes das decisões sobre o ensino-aprendizagem (the decision makers). Quem decide? Quem e em que nível – do mínimo ao máximo – participam do processo de decisão? Apenas o professor? Apenas os es-tudantes? Ou o professor e os estudantes, conjuntamente?

A quarta premissa diz respeito ao “Espectro” propria-mente dito aos “Estilos de Ensino”. Desde 1981, com a revi-são da primeira edição de Teaching Physical Education, os autores estabeleceram uma relação de dez “Estilos de Ensi-no” (de A à J). Posteriormente, em The Spectrum of Teaching Styles: from Command to Descover (1990), acrescentaram

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mais um “Estilo de Ensino”, perfazendo um total de onze Estilos de Ensino. São eles:

A) Comando;B) Prático; C) Recíproco;D) Auto-avaliação;E) Inclusão;F) Descoberta Orientada;G) Descoberta Convergente;H) Produção Divergente;I) Programação Elaborada pelo Aluno;J) Programação Iniciada pelo Aluno;K) Auto-Ensino.

A quinta premissa concerne aos conjuntos (the clusters) de comportamentos que refletem as duas capacidades humanas básicas: as capacidades de reproduzir e de produzir conheci-mentos e habilidades. Neste sentido, os “Estilos de Ensino” são reunidos em dois grupos: a) os que estimulam a reprodução de conhecimentos e habilidades (de A à E); b) os que estimulam sua produção de conhecimentos e habilidades (de F à K).

Uma linha de demarcação situa-se na interface dos dois grupos de “Estilos de Ensino”, denominada “limiar de

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descoberta” (discovery threshold) e o “limiar de criatividade” (creativity threshold).

Finalmente, a sexta premissa ressalta as consequên-cias de cada “Estilo de Ensino” no desenvolvimento pessoal dos estudantes (the developmental effects). Cada “Estilo de Ensino” influencia os estudantes em relação à formação de hábitos, particularmente relativos ao ensino-aprendizagem, conducentes à reprodução de conhecimentos estabelecidos ou à produção de novos conhecimentos. Portanto, cada “Es-tilo de Ensino” tende a estimular mais ou menos os seguin-tes canais de desenvolvimento humano:

• Físico.• Social.• Emocional.• Cognitivo.• Moral.

Vejamos a configuração dessas seis premissas no Cro-nograma 1.

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Cronograma 1 – A Estrutura do Espectro dos Estilos de Ensino

1. Axioma:

O ensino é uma sequência de tomadas de decisão

2. Anatomia dos estilos de ensino:

Conjunto de decisões que devem ser tomadas nas fases de: Pré-impacto (ou seja, planejamento do ensino aprendizagem; Impacto (ou seja, durante o desenvolvimento da aula); Pós-impacto (ou seja, na avaliação do ensino-aprendizagem).

3. A quem compete as tomadas de decisão:

Professor(a): máximo mínimo

Aluno(a): mínimo máximo

4. O espectro:

5. Agrupamentos:

6. Efeitos desenvolvidos

A B C D E F G H I J K

Reproduçãomemória

Produçãodescoberta/criatividade

Canal de desenv. físicoCanal de desenv. socialCanal de desenv. emocionalCanal de desenv. cognitivoCanal de desenv. moral

máximomínmo

Quem toma as decisões

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 5).

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4.5 ESTILOS DE ENSINO

O segundo eixo do modelo teórico de Mosston e Ashworth compreende a descrição dos “Estilos de Ensino”.

O axioma de que o ensino é uma cadeia de decisões (the teaching behavioris a chain of decision) regula todos os “Estilos de Ensino” no Spectrum of Teaching Styles. Tem im-plícito que um conjunto de decisões deve ser tomado antes de cada acontecimento de ensino-aprendizagem. Professor e estudantes, isolada ou conjuntamente, são levados a de-finir um contrato pedagógico nas fases de planejamento (Pré-impacto), de desenvolvimento da aula (Impacto) e da avaliação do ensino-aprendizagem (Pós-impacto).

Os processos cognitivos estimulados determinam a seleção dos “Estilos de Ensino” e, consequentemente, sua direção no sentido da reprodução de conhecimentos e habi-lidades ou no sentido da produção de novos conhecimentos e habilidades. No primeiro caso, a memória e a mera repro-dução de uma tarefa proposta pelo professor será o princi-pal processo cognitivo acionado. No segundo, a investiga-ção e a criatividade serão as exigências cognitivas acionadas na realização dos estudantes (Cronogramas 2 e 3).

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Cronograma 2 – Os Limiares da Descoberta e da Criatividade

A B C D E F G H I J K

Limiar de descoberta

Limiar de criatividade

Descoberta/CriatividadeMemória

Descoberta

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 18).

A descrição dos “Estilos de Ensino”, nos termos ex-postos por Mosston e Ashworth, mostra que os “Estilos de Ensino” de “A” a “E” estimulam a aprendizagem através da reprodução de conhecimentos e habilidades, enquanto os “Estilos de Ensino” de “H” a “K” estimulam a aprendizagem através da produção de novos conhecimentos e habilidades. Duas barreiras cognitivas, representadas respectivamente pelos “Estilos de Ensino” “F” e “G”, indicam os limites de descoberta e de criatividade situados na interface dos dois conjuntos de “Estilos de Ensino” (Cronograma 3).

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Cronograma 3 – Capacidades Humanas, Processos Cognitivos e

o Espectro dos Estilos de Ensino

A B C D E F G H I J K

ProduçãoReprodução

Descoberta/CriatividadeMemória

Descoberta

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 19).

4.6 DO “ESTILO DE ENSINO COMANDO” (A) AO “ESTILO DE ENSINO INCLUSÃO” (E)

Os “Estilos de Ensino” incluídos nesta faixa do espec-tro pressupõem, em maior ou menor grau, um processo ensino-aprendizagem baseado na transmissão, na fixação

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e na reprodução dos conhecimentos e habilidades plane-jados. Os conhecimentos e os parâmetros das habilidades objetivadas são definidos e apresentados pelo professor de “forma estritamente acabada”. Cabem aos alunos reproduzir os modelos explicados e/ou demonstrados pelo professor de forma direta ou por meio de outros recursos de ensino.

A partir da 2ª edição do livro Teaching Physical Educa-tion (1981), quando foi apresentada uma nova diagramação e fundamentação sobre o “Espectro dos Estilos de Ensino”, a opção por um “Estilo de Ensino” deixou de ser motivada pela seleção por exclusão. Ou seja, rompe-se com a noção anterior de non versus. Neste estágio de desenvolvimento da teoria, Mosston acreditava que o “Estilo de Ensino Coman-do” deveria ser substituído pelo “Ensino Prático”, e assim sucessivamente, até os estudantes adquirirem as condições de “Auto-Ensino”. A partir desta edição (1981), Mosston concluiu suas observações e análises de ensino, que nenhum “Estilo de Ensino” deve ser considerado, por si só, melhor ou mais adequado do que um outro “Estilo de Ensino”. Como já foi enfatizado algumas vezes neste texto, cada “Estilo de Ensino” tem um papel importante em função dos objetivos de ensino-aprendizagem e das condições para o desenvolvi-mento das aulas.

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A seleção de um “Estilo de Ensino” deve ser definida, então, pelas características e demandas didáticas referentes ao processo de tomada de decisão típico das aulas. A situ-ação e as necessidades pedagógicas é que influenciarão a tomada de decisão do professor em relação à aplicação de um ou mais “Estilos de Ensino” numa determinada aula ou no conjunto de aulas referentes ao desenvolvimento de um tema/conhecimento/habilidade.

Uma aula pode ser concebida, planejada e desenvolvida a partir de duas características principais: ser consecutiva, ou concorrente. Ambas estão relacionadas com a intenção pedagógica pré-fixada pelo professor. Quando as decisões referentes à escolha dos “Estilos de Ensino” são consecu-tivas, implicam na utilização de vários “Estilos de Ensino” consecutivamente aplicados numa mesma aula. Contudo, cada um dos estudantes é envolvido numa mesma atividade prática. Quando as decisões são concorrentes, os estudantes poderão engajar-se em diferentes “Estilos de Ensino” e dife-rentes atividades práticas numa mesma aula.

Passaremos agora a apresentar cada “Estilo de Ensino”, salientando sua especificidade e seus objetivos quanto ao conteúdo de ensino e quanto aos comportamentos espera-dos (ou seja, a “anatomia do Estilo de Ensino”).

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4.7 ESTILO DE ENSINO COMANDO (THE COMMAND STYLE)

O “Estilo de Ensino Comando” está fundamentado no sistema do tipo estímulo-resposta (S-R). Fiel ao princípio, o “Estilo de Ensino Comando” tem como características es-senciais:

1 As ações e respostas específicas dos estudantes são provocadas por um estímulo específico e determi-nado pelo professor.

2 A relação entre estímulo do professor e respostas dos estudantes é apresentada e conhecida ante-riormente à execução da atividade prática.

3 A resposta é imediata ao estímulo.

4 Os estudantes são levados a fazer uso do tempo de execução de uma tarefa com eficiência e produti-vidade.

5 A memória é a operação cognitiva dominante.

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6 Cada atividade é selecionada para atender especi-ficamente a uma parte do conhecimento/habilida-de de ensino.

7 Os estudantes realizam e devem aprender as tare-fas determinadas num período de tempo relativa-mente curto. Para tal, devem agir em estrito acordo com o estímulo do professor, bem como atender uniformemente aos comandos da tarefa (tais como tipo de formação, onde se colocar no espaço, mo-mento de iniciar a execução, o ritmo da execução, o momento de terminar a execução etc.).

Os objetivos relativos aos conteúdos de ensino são: re-produzir um modelo de execução e de desempenho ime-diato; desempenhar a tarefa com exatidão e precisão; fazer uso eficiente do tempo; apresentar resultados imediatos; compreender um maior número de conteúdos e dominar habilidades específicas a cada conteúdo de ensino; perpetuar rituais tradicionais.

Entre os objetivos comportamentais destacam-se: a adesão às normas do grupo; agir em conformidade e uni-formidade em relação aos padrões prefixados; obedecer

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ao proposto pelo professor; acatar as normas disciplina-res; desenvolver hábitos e rotinas; controlar o grupo (ou o indivíduo); manter a segurança; alcançar padrão estético específico.

No “Estilo de Ensino Comando” compete ao professor tomar todas as decisões sobre o planejamento de ensino – Pré-Impacto – (objetivos a serem alcançados, conteúdos de ensino, as atividades de ensino, etc.) e a avaliação do ensi-no-aprendizagem – Pós-Impacto – (avaliação e feedback). Cabe decidir igualmente sobre os comportamentos (respos-tas) exigidos dos estudantes durante o desenvolvimento da aula – Impacto. Ou seja: quanto à aparência e vestimenta; ordem; sequência das atividades; momento de início; in-tervalos; cadência e ritmo de execução; momento de parar cada atividade. Aos estudantes compete seguir e desempe-nhar as atividades, como e quando determinada (comando) pelo professor (Cronograma 4).

São exemplos de aulas comumente orientadas pelo “Es-tilo de Ensino Comando”: diferentes manifestações cultu-rais da Ginástica Aeróbia; Calistenia; Coreografias de Dan-ça, de Ginástica Olímpica, de Ginástica Rítmica Desportiva e de Ginástica Geral; de Macroginástica; entre outras.

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Cronograma 4 – O Estilo de Ensino Comando

A B C D E F G H I J K

Fases doprocesso Competência das decisões

Pré-impacto (P)

Impacto (P)

Pós-impacto (P)

(P) Professor

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 31).

4.8 ESTILO DE ENSINO PRÁTICO (THE PRACTICE STYLE)

Apesar da semelhança que guardam entre si, os “Estilos de Ensino Comando e o Prático” (A e B) apresentam distin-ções. No “Estilo de Ensino Comando” todas as decisões das fases de planejamento, desenvolvimento e avaliação da aula são da competência exclusiva do professor.

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No “Estilo de Ensino Prático” (Cronograma 5), as de-cisões concernentes ao Pré-Impacto e Pós-Impacto conti-nuam sendo atribuições exclusivas do professor. Entretanto, há uma transferência das decisões do professor para os estu-dantes no que tange à execução das atividades práticas du-rante o desenvolvimento da aula (Impacto): decisões quan-to à postura; à localização; à sequência das várias etapas da atividade; ao tempo gasto; à cadência e ao ritmo de execu-ção da tarefa; às vestimentas e à aparência; à solicitação de esclarecimentos.

Outrossim, são consideradas características relevantes do “Estilo de Ensino Prático” a oportunidade dos estudantes desempenharem individualmente suas atividades práticas. Com isso, passa a existir a possibilidade do professor traba-lhar atendendo às necessidades de cada um dos estudantes.

A mudança do comportamento pedagógico e didá-tico do professor tem implícita a ocorrência de uma série de mudanças comportamentais. Tendo sido modificado o comportamento de ensino, semelhante efeito ocorre no comportamento de aprendizagem. Assim, a relação profes-sor-estudante, a relação do estudante com a tarefa e do estu-dante com os outros estudantes também sofrem mudanças.

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Neste sentido, Mosston e Ashworth (1986, p. 25) chamam a atenção para uma nova situação no processo ensino-apren-dizagem: uma nova condição para aprender e atingir dife-rentes objetivos.

Cronograma 5 – Comparação entre os Estilos de Ensino

Comando e Prático

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 57).

No “Estilo de Ensino Prático” o objetivo principal é o início do processo na direção da autonomia dos estudantes (weaningprocess). Os estudantes vão tornando-se gradu-almente independentes do professor e, consequentemente, vão assumindo a responsabilidade por determinadas deci-

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sões durante o desenvolvimento da(s) aula(s). Vão apren-dendo a respeitar o direito dos colegas e a iniciar uma rela-ção individual ou particular com o professor.

Constitui objetivo relativo ao conteúdo do ensino, que os estudantes o reproduzam após ter vivenciado sua prática.

4.9 ESTILO DE ENSINO RECÍPROCO (THE RECIPROCAL STYLE)

O “Estilo de Ensino Recíproco” tem uma estrutura di-ferente dos dois “Estilos de Ensino” apresentados até ago-ra (A e B), na medida em que exige uma relação tríplice, envolvendo o professor e dois estudantes: um denominado Aluno-executante (Ae) e outro, Aluno-observador (Ao) – (Cronogramas 6 e 7).

Cada um dos sujeitos assume uma função específica, assim como específico é o conjunto das decisões que devem ser tomadas durante o processo ensino-aprendizagem.

O “Estilo de Ensino Recíproco” pressupõe uma nova dimensão pedagógica: a reciprocidade implícita na intera-

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ção social, expressa por meio da composição de duplas de estudantes (Ae - Ao), bem como a intenção de introduzi-los em experiências de avaliação.

Quando em dupla, um dos estudantes assume a fun-ção de executar (Ae) a atividade programada pelo professor, cabendo-lhe tomar algumas decisões durante o desenvolvi-mento da aula. O segundo estudante, ao assumir a função de observador (Ao), compara e contrasta o desempenho do Aluno-executante (Ae) com o modelo de desempenho programado pelo professor e apresentado, geralmente, por meio de uma “ficha-controle” ou “ficha de checagem” para, em seguida, formular conclusões, elaborar sua opinião e re-gistra na ficha o padrão de desempenho observado. Após o registro, o Aluno-Observador (Ao) deverá comunicar ao Aluno-executante (Ae) o desempenho observado e registra-do, assegurando uma organização de ensino que pressupõe e garante a emissão de feedback imediato.

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Cronograma 6 – A Tríade – Possíveis Direções de Comunicação

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 87).

Neste procedimento de ensino, os estudantes são leva-dos a vivenciar as duas funções (de Ao e de Ae). Assim, ao ser concluída uma rodada de atividades, em que as funções são exercitadas com sucesso, precisa haver uma troca de pa-péis, oportunizando aos estudantes a vivência e a aprendi-zagem de ambas as funções.

Na medida em que um executa as atividades (Ae) e o outro avalia a execução (Ao), o professor fica com mais li-berdade para observar e ajudar as duplas mais necessitadas de apoio pedagógico durante o desenvolvimento da aula (Impacto) e no momento da avaliação do ensino-aprendi-zagem (Pós-impacto).

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Um aspecto importante, é que o professor deve man-ter, preferencialmente e sempre que requisitado, comuni-cação com os estudantes que desempenham a função de observadores (Ao) (Cronograma 7). A comunicação entre o professor e o Aluno-executante (Ae) deve ocorrer apenas quando Ao e Ae estiverem com dificuldades para desem-penhar suas atribuições e para solucionar o problema entre eles próprios.

O “Estilo de Ensino Recíproco” é um modelo de ensino que deve ser empregado quando o professor deseja desen-volver nos estudantes as capacidades iniciais de avaliação, bem como aproximar os estudantes uns dos outros.

A partir das propostas pedagógicas estabelecidas, ob-jetiva-se que os estudantes compreendam as especificidades dos conteúdos/habilidades propostos, os passos que devem ser dados para sua correta execução, corrijam imediatamen-te os erros cometidos, aprendam a dar e a receber feedback durante e após cada atividade realizada.

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Cronograma 7 – A Tríade – Direções de Comunicação

Desejadas para o Estilo de Ensino Recíproco

Ae Ao

P

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 88).

No tocante aos objetivos comportamentais, espera-se que os estudantes aprendam a observar, comparar, contes-tar, dar e receber feedback de seus pares, respeitar e tolerar divergências, desenvolver a socialização.

No “Estilo de Ensino Prático” (B), verificou-se a trans-ferência de decisões do professor para o estudante durante o desenvolvimento da aula. Já no “Estilo de Ensino Recíproco”, além de ser mantido este conjunto de decisões em relação ao Aluno-executante (Ae), ao Aluno-observador (Ao) são transferidas as decisões relativas à avaliação do desempe-nho do Ae (Pós-impacto), bem como seu assessoramento.

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Continua cabendo ao professor as decisões relacio-nadas ao planejamento do ensino-aprendizagem (Pré-im-pacto), tais como definir os objetivos, os conteúdos e pro-cedimentos de ensino, organização dos estudantes em sala de aula, seleção das atividades, criação da “ficha-controle”. Durante o desenvolvimento da aula (Impacto), cabe ao professor implementar as decisões planejadas, distribuir as “fichas-controle” entre as duplas de estudantes, observar os desempenhos dos estudantes (Ae e Ao) e emitir feedback, ajustando decisões que os estudantes não foram suficiente-mente hábeis em solucionar. Na fase de avaliação do ensi-no-aprendizagem (Pós-impacto), o professor deve avaliar o desempenho dos estudantes e auxiliá-los em relação ao cumprimento de ambas as funções – de executante e de ob-servador (Cronograma 8).

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Cronograma 8 – Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando ao Recíproco

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 87).

4.10 ESTILO DE ENSINO AUTOAVALIAÇÃO (THE SELF CHECK STYLE)

A principal intenção pedagógica que caracteriza o “Estilo de Ensino Auto-avaliação” é “a disponibilidade do aluno dis-por de feedback imediato e preciso em relação ao seu próprio desempenho” (MOSSTON; ASHWORTH, 1990, p. 116).

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Fazendo uso de uma “ficha-controle” (que pode ter as mesmas características da utilizada no “Estilo de Ensino Re-cíproco”) elaborada pelo professor, o estudante deve tomar as mesmas decisões identificadas no “Estilo de Ensino Prá-tico” referente à fase de Impacto, além de “auto-avaliar-se”, ou seja, avaliar seu próprio desempenho. Neste “Estilo de Ensino” some a figura do Aluno-observador (Ao).

Durante a execução da atividade planejada pelo profes-sor e apresentada numa “ficha-controle”, o estudante pode efetuar constantes interrupções com o propósito de compa-rar e confrontar seu desempenho com o modelo proposto pelo professor, que deve estar registrado na “ficha-controle”.

O estudante defronta-se, deste modo, com uma das se-guintes alternativas:

1 Havendo erro na execução da tarefa, efetua corre-ção imediata seguindo o padrão de desempenho constante na “ficha-controle”.

2 Não havendo erro de execução, segue para a pró-xima atividade ou tarefa, ação esta que se asseme-lha ao “Estilo de Ensino Instrução Programada”.

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O “Estilo de Ensino Auto-avaliação” tem o propósito de valorizar o comportamento independente do estudante e estimulá-lo a aprender habilidades que o ajudem a moni-torar e corrigir seu próprio desempenho. Um pressuposto primordial é que o professor acredite na honestidade dos estudantes em se auto-avaliarem e que eles são suficiente-mente hábeis para fazê-lo.

Em relação aos conteúdos e habilidades ensinados, o “Estilo de Ensino Auto-avaliação” tem como objetivos que os estudantes realizem a atividade, continuem a aprendiza-gem do manuseio da “ficha-controle”, aprendam a corrigir seus próprios erros no desempenho da atividade e a me-lhorar o uso do tempo no trabalho. No que se refere aos objetivos comportamentais, espera-se que os estudantes consigam aumentar o nível de independência em relação às decisões e interferências do professor e dos companheiros, começando a contar com o próprio feedback acerca do seu desempenho; que usem corretamente a “ficha-controle” na avaliação de seu próprio desempenho; mantenham-se ho-nestos ao realizarem sua auto-avaliação; reconheçam, acei-tem e ajam no sentido de superar suas limitações; prossigam modificando suas decisões de acordo com o que tiver sido aprendido no desenvolvimento da aula (Impacto) e na ava-liação do ensino-aprendizagem (Pós-impacto).

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O “Estilo de Ensino Auto-avaliação” atribui ao pro-fessor a função de tomar todas as decisões relacionadas ao planejamento de ensino (Pré-impacto), elaborando as “fi-chas-controle” para cada um dos estudantes, considerando suas expectativas de rendimento. Durante a aula (Impac-to), cabe ao professor implementar o planejado; deliberar sobre as atividades, sob forma de apresentação da “ficha--controle”; observar o desempenho dos estudantes durante a realização das atividades e ajustar as decisões que forem necessárias. Na avaliação do ensino-aprendizagem (Pós--impacto), avaliar o desempenho dos estudantes individu-almente e informá-los acerca da “auto-avaliação” desenvol-vida por cada um deles.

Aos estudantes são atribuídas a tomada de algumas de-cisões durante a aula e em relação à avaliação de seus pró-prios desempenhos, em coerência com o padrão de desem-penho identificado na “ficha-controle”.

Neste sentido, a transferência de decisões, referentes à auto-avaliação, do professor para o estudante constitui a maior diferença do “Estilo de Ensino Auto-avaliação” quan-do comparado com o anteriormente apresentado, ou seja, o “Estilo de Ensino Recíproco” (Cronograma 9).

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Cronograma 9 – Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando a Auto-Avaliação

A B C D E F G H I J K

Fases doprocesso Competência das decisões

Pré-impacto (P) (P) (P) (P)

Impacto (P) (A) (Ae) (A)

Pós-impacto (P) (P) (Ao) (A)

(P) Professor(A) Aluno

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 117).

4.11 ESTILO DE ENSINO INCLUSÃO (THE INCLUSION STYLE)

O “Estilo de Ensino Inclusão” apresenta uma caracte-rística interessante, pois introduz a concepção de múltiplos níveis de dificuldades para uma mesma atividade ou tarefa proposta pelo professor. Isto provoca a expectativa de uma maior diversidade de níveis de desempenho entre os estu-

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dantes, pois numa única tarefa os diferentes níveis de exi-gência tendem a estimular as ações dos estudantes.

Enquanto nos “Estilos de Ensino” anteriores os estu-dantes são submetidos ao desempenho de uma mesma ati-vidade com nível de dificuldade semelhante, no “Estilo de Ensino Inclusão” os estudantes aprendem a selecionar um nível de dificuldade compatível com suas habilidades, que signifique um desafio possível de ser superado.

Mas o “Estilo de Ensino Inclusão” não se limita a ideia de inclusão ou, mais precisamente, de auto-inclusão, na me-dida em que pressupõe também a continuidade. Uma ativi-dade obedece a uma sequência de dificuldades que, por sua vez, é contínua na medida em que a execução da atividade leva o estudante a refletir sobre seu desempenho e a tomar novas decisões.

Ao desempenhar uma atividade, o estudante coloca-se diante de algumas alternativas de decisão:

a) repetir a atividade mantendo igual nível de difi-culdade;

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b) selecionar um nível mais elevado de dificuldade;

c) selecionar um nível menos elevado de dificuldade.

O processo é, portanto, de inclusão e de continuidade, na perspectiva do nível de habilidade e de desempenho. Esta ideia corresponde ao que Kurt Lewin (1964) denominou de “nível de aspiração”, ou que Vigotsky (1984) definiu como “zona de desenvolvimento proximal”, ou como outros espe-cialistas preferem denominar de “zona de desenvolvimento potencial”. Segundo Vigotsky (1984, p. 97),

a zona de desenvolvimento proximal define aque-

las funções que ainda não amadureceram, mas

que estão em processo de maturação; funções que

amadurecerão, mas que estão presentemente em

estado embrionário. Essas funções poderiam ser

chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvi-

mento, ao invés de frutos do desenvolvimento.

Quanto aos conteúdos lecionados, o “Estilo de Ensino Inclusão” tem como objetivos adequar os níveis de dificul-dade de uma atividade ou tarefa às diferenças individuais, e oferecer opções, dentro de uma mesma atividade, de tal

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modo que as opções favoreçam a inclusão de todos os estu-dantes no processo. A variação proposta numa determinada aula não é de tarefas, mas dos níveis de exigência de desem-penho de uma mesma tarefa.

Do ponto de vista comportamental, espera-se que o estudante aprenda a decidir sobre o nível de desempenho inicial em função da sua capacidade e potencialidade; com fundamento na avaliação de seu desempenho, que aprenda a decidir acerca de cada uma das etapas seguintes; a com-preender a realidade das diferenças individuais; a lidar com a congruência ou discrepância entre uma aspiração, o de-sempenho possível e o alcançado; a manter-se honesto na seleção de um nível apropriado de desempenho, bem como no processo de auto-avaliação.

No “Estilo de Ensino Inclusão” são transferidas para o estudante decisões que devem ser tomadas em dois mo-mentos didáticos: durante a aula (Impacto) e na avaliação do ensino-aprendizagem (Pós-impacto) (Cronograma 10).

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Cronograma 10 – Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando a Inclusão

A B C D E F G H I J K

Fases doprocesso Competência das decisões

Pré-impacto (P) (P) (P) (P) (P)

Impacto (P) (A) (Ae) (A) (A)

Pós-impacto (P) (P) (Ao) (A) (A)

(P) Professor(A) Aluno

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 131).

Semelhante aos “Estilos de Ensino” anteriores, no “Es-tilo de Ensino Inclusão” todas as decisões relacionadas ao planejamento (Pré-impacto) também são atribuídas ao pro-fessor. Nesta fase, a elaboração das “fichas-controle” deve atender, dentre as características, a uma que é específica e que diferencia o “Estilo de Ensino Inclusão” dos demais “Es-tilos de Ensino”: a multiplicidade de níveis de desempenho para cada atividade ou tarefa proposta.

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Durante a aula são atribuições do professor introduzir o modelo, a matéria do ensino e as “fichas-controle”, expli-cando a transferência das novas decisões. Na avaliação do ensino-aprendizagem compete ao professor avaliar o de-sempenho dos estudantes e discutir acerca do processo de inclusão e auto avaliação.

Aos estudantes são atribuídas as decisões de seleção do nível de dificuldade da atividade ou tarefa e sua execução durante a aula. Durante a execução da atividade ou tarefa, bem como ao concluí-la, os estudantes deverão realizar a auto-avaliação considerando os critérios estipulados para cada atividade e respectivos níveis de dificuldade, em com-paração com o desempenho realizado.

4.12 O ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA ORIENTADA (F) E O ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA CONVERGENTE (G)

Os “Estilos de Ensino Descoberta Orientada e Des-coberta Convergente” (F e G) representam os limiares que separam os “Estilos de Ensino” (A a E), marcadamente

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identificados com a memorização e a reprodução de conhe-cimentos/habilidades planejados, e os “Estilos de Ensino” (H a K) estimuladores da produção criativa dos estudantes. Vejamos as características dos “Estilos de Ensino Descober-ta Orientada e Descoberta Convergente”.

4.13 ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA ORIENTADA (THE GUIDED DISCOVERY STYLE)

O “Estilo de Ensino Descoberta Orientada”, o primeiro a situar-se para além do “limiar da descoberta”, coloca os es-tudantes diante de operações cognitivas mais complexas que, por sua vez, tendem a estimular ações de produção e criação.

Sua característica essencial incide sobre a relação pro-fessor/estudantes. O comportamento do professor (ensino) deve se dar no sentido de estimular os estudantes à inves-tigação e à descoberta das respostas corretas (aprendiza-gem). Uma sequência de questões (perguntas) é planejada e apresentada pelo professor de modo a estimular os estu-dantes a elaborarem (descobrirem) as respostas adequadas para cada caso.

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No “Estilo de Ensino Descoberta Orientada” evoca-se a lógica do pensamento convergente. Como argumentam Mosston e Ashworth (1990, p. 191),

cada questão formulada pelo professor sugere uma

única resposta correta elaborada pelo aluno […] e

o efeito cumulativo desta freqüência de questões

– um processo convergente – leva os alunos a des-

cobrirem o conceito, o princípio ou a idéia.

Advertem ainda que a iniciação dos estudantes na des-coberta das respostas corretas pressupõe que eles tenham informações ou experiências prévias sobre os tópicos e que os tópicos não envolvam questões subjetivas, crenças ou va-lores. Os tópicos devem ter significados e apresentar grau de dificuldade compatível com as possibilidades dos estudantes.

Deste modo, a sequência de questões deve ser apresen-tada em graus crescentes de complexidade, conduzindo a uma meta ou objetivo previamente fixado5.

O objetivo deste “Estilo de Ensino” é descobrir a rela-ção entre a sequência planejada de perguntas e o respectivo conceito, princípio ou ideia.

5 Esta proposição é uma identificação do trabalho de Mosston com as teorias de Skinner (1967) sobre modelagem do comportamento operante e “aproximações sucessivas”.

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Em termos de objetivos comportamentais, espera-se que os estudantes aprendam a ultrapassar o “limiar de descoberta”; a se engajar, sob a perspectiva do pensamento convergente e a direção do professor, no esforço pela desco-berta de conceitos e princípios que conduzam à meta ou ao objetivo formulado; a se comportar, nesse esforço, de modo cognitivamente econômico (cognitive economy), dando os mínimos, corretos e lógicos passos; a desenvolver um clima afetivo favorável à descoberta.

Todas as decisões relativas ao planejamento de ensi-no (Pré-impacto) permanecem sob a responsabilidade do professor. O professor deverá decidir sobre os objetivos, as metas e a seqüência de perguntas que guiará os estudantes no processo de descoberta, bem como acerca dos passos, antecipando possíveis respostas dos estudantes.

Durante o desenvolvimento da aula, professor e estu-dantes interagem dinamicamente. Inicialmente o professor decide sobre o modo de apresentar as perguntas planejadas, e formula a primeira delas. O professor aguarda a respos-ta do estudante. O estudante engaja-se na busca da respos-ta à questão, descobre e responde ao professor. Resolvido o primeiro passo, o professor emite o feedback em relação

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ao esforço e à adequação da resposta formulada, propon-do, a seguir, uma segunda questão. O professor aguarda a nova resposta do estudante, continuando o processo até que a meta ou objetivo seja atingido. Ou seja, aguarda que o estudante descubra os conceitos, as ideias e os princípios que o professor precisará para dar continuidade ao processo ensino-aprendizagem.

Simbolicamente, neste momento da anatomia do “Es-tilo de Ensino”, a direção de comunicação entre o professor e o estudante é P ←→ A, sugerindo uma relação recíproca e contínua entre o professor e os estudantes.

A fase de avaliação do ensino-aprendizagem (Pós--impacto) neste “Estilo de Ensino” é marcada pela partici-pação conjunta do professor e dos estudantes. Ao professor compete retro-alimentar (fornecer feedback) o trabalho dos estudantes, com a frequência que se fizer necessária, objeti-vando dirigir os estudantes rumo à descoberta da meta ou objetivo almejado. Aos estudantes compete receber e anali-sar cada feedback emitido pelo professor, de modo a formu-lar a resposta correta.

O Cronograma 11 apresenta graficamente as transfe-rências de decisões do professor para os estudantes durante

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os três momentos didáticos da anatomia do “Estilo de Ensi-no Descoberta Orientada”.

Cronograma 11– Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando a Descoberta Orientada

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 194).

4.14 ESTILO DE ENSINO DESCOBERTA CONVERGENTE (THE CONVERGENT DISCORERY STYLE)

Assim como acontece com “Estilo de Ensino Desco-berta Orientada”, o “Estilo de Ensino Descoberta Conver-

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gente” visa incentivar os estudantes à descoberta da resposta correta, à luz da operação cognitiva identificada pelo “pen-samento convergente”. O encaminhamento de questões ou problemas formulados pelo professor caracteriza-se por conduzir os estudantes à descoberta da única resposta pos-sível. Cada questão ou problema deve ter apenas uma única resposta ou solução correta.

A diferença fundamental entre os dois “Estilos de En-sino” (F e G) está na atuação do professor (comportamen-to de ensino). No “Estilo de Ensino Descoberta Orientada” (F), o professor seleciona a sequência de decisões referente aos passos que os estudantes deverão efetuar para descobrir a resposta ou solução correta, enquanto que no “Estilo de Ensino Descoberta Convergente” estas decisões são transfe-ridas para o estudante (Impacto).

Quanto ao conteúdo, o “Estilo de Ensino Descoberta Convergente” tem apenas o objetivo de estimular os estudantes à descoberta da única resposta correta para uma dada questão, ou uma única solução possível para um dado problema.

Dos estudantes espera-se que aprendam a ultrapassar o limiar de descoberta para produzir a única resposta correta (pensamento convergente); a engajar-se numa sequência de

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operações cognitivas sem grande preocupação com o tem-po (That comprises the mini hierarchy at the time); a atenção e o comprometimento em buscar a solução do problema, o raciocínio e o pensamento crítico.

Segundo a anatomia do “Estilo de Ensino Descoberta Convergente”, o professor permanece tomando todas as deci-sões referentes ao planejamento de ensino (Pré-Impacto). Se-leciona também as operações cognitivas e os conteúdos afins, assim como decide sobre as questões ou problemas que con-duzirão os estudantes à descoberta convergente, além de de-terminar a logística apropriada para conduzir a experiência.

Durante a aula (Impacto), o professor dirige-se aos es-tudantes para explicar como o trabalho deverá ser realizado, bem como as normas que deverão ser obedecidas, o empenho de cada estudante na solução dos problemas e na avaliação de seus próprios acertos ou erros. Quando julgar necessário, o professor poderá interromper o processo, avaliar o andamento dos trabalhos e dar novo encaminhamento às atividades dos estudantes, de modo que os objetivos possam ser alcançados.

Os estudantes deverão acatar todas as decisões do pro-fessor sobre o planejamento e desempenhar as atividades determinadas segundo as normas expostas.

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Na fase de avaliação do ensino-aprendizagem, o pro-fessor avalia os resultados durante e após o processo de descoberta do estudante. Este, por sua vez, verifica o proce-dimento, a resposta ou a solução que lhe pareça mais apro-priada, levando em consideração o desempenho estabeleci-do e registrado na “ficha-controle”.

O Cronograma 12 identifica, graficamente, a transfe-rência de decisões do professor para os estudantes e de “Es-tilo de Ensino” para “Estilo de Ensino”, durante o momen-to didático das três fases da anatomia do “Estilo de Ensino Descoberta Convergente”.

Cronograma 12 – Comparação entre os Estilos de Ensino de Co-

mando a Descoberta Convergente

A B C D E F G H I J K

Fases doprocesso Competência das decisões

Pré-impacto (P) (P) (P) (P) (P) (P) (P)

Impacto (P) (A) (Ae) (A) (A) (PA) (A)

Pós-impacto (P) (P) (Ao) (A) (A) (PA) (AP)

(P) Professor(A) Aluno

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 220).

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4.15 DO ESTILO DE ENSINO PRODUÇÃO DIVERGENTE (H) AO ESTILO DE ENSINO AUTOENSINO (K)

Do “Estilo de Ensino Produção Divergente” (H) até o “Estilo de Ensino Auto-ensino” (K) pressupõe-se uma pers-pectiva de produção de “novos” conhecimentos e habilida-des (pensamento divergente). Vejamos este grupo de “Esti-los de Ensino”.

4.16 ESTILO DE ENSINO PRODUÇÃO DIVERGENTE (THE DIVERGENT PRODUCTION STYLE)

No “Estilo de Ensino Produção Divergente”, admite-se que as situações-problema possam suscitar diferentes res-postas igualmente corretas (pensamento divergente).

Diferentemente dos “Estilos de Ensino Descoberta Orientada e Descoberta Convergente” (F e G), que pressu-põem a existência de uma única resposta ou solução correta

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para uma determinada questão ou problema, o “Estilo de Ensino Produção Divergente” caracteriza-se por incentivar a descoberta de diferentes respostas possíveis para uma mes-ma questão ou problema. Descobrir uma variedade de res-postas ou soluções compatíveis com sua respectiva aplicação constitui a característica principal deste “Estilo de Ensino”.

Como nos “Estilos de Ensino” anteriormente tratados (de A a G), aqui também são formulados objetivos referen-tes ao conhecimento e à habilidade de ensino, bem como aos comportamentos de aprendizagem. Em relação aos con-teúdos de ensino, objetiva-se produzir respostas alternativas e variadas para uma mesma questão, ou múltiplas soluções para um mesmo problema. Sobre os objetivos comporta-mentais, os estudantes deverão ultrapassar o “limiar de des-cobertas” para produzir respostas ou soluções diferentes; engajar-se numa operação cognitiva específica visando à produção de pensamentos divergentes; descobrir alternati-vas de respostas ou de soluções para uma mesma questão ou problema; respeitar as idéias de outras pessoas.

Compete, ainda, ao professor, tomar todas as decisões sobre o planejamento de ensino (Pré-impacto), tais como selecionar os conteúdos de ensino e a operação cognitiva dominante a ser vivenciada pelos estudantes; indicar as

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questões ou problemas específicos relacionados aos conteúdos selecionados; e determinar a logística apropriada ao caso (Cronograma 13).

Cronograma 13 – Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando a Produção Divergente

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 230).

Durante a aula (Impacto) o professor informa e justifica os objetivos e a dinâmica do “Estilo de Ensino”, além de ex-plicar o papel de cada um no processo ensino-aprendizagem. Cabe ao professor expor as questões ou os problemas con-cernentes ao tema da aula, aguardar as soluções e respostas apresentadas pelos estudantes e orientá-los na comprovação,

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aplicação e experimentação de suas descobertas. O papel do estudante é anotar as questões ou problemas expostos pelo professor, pensar e descobrir respostas ou soluções adequa-das e, quando for necessário, pedir ajuda ao professor.

Na fase de avaliação do ensino-aprendizagem, o professor deve concentrar-se no processo de soluções divergentes e não no mérito das respostas. Deve estimular os estudantes a de-monstrarem logicamente o acerto de suas soluções e respostas.

4.17 ESTILO DE ENSINO PROGRAMAÇÃO ELABORADA PELO ESTUDANTE (THE LEARNER DESIGNED INDIVIDUAL PROGRAM STYLE)

O “Estilo de Ensino Programação Elaborada pelo Estu-dante” possibilita um maior grau de independência do estu-dante no processo de tomada de decisão durante o desenvol-vimento da aula – representa mais um passo após o “limiar de descoberta”. O professor define o tema da aula, cabendo aos estudantes planejarem questões e problemas pertinentes ao tema, bem como as consequentes respostas ou soluções.

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Ao contrário do que possa parecer, no “Estilo de En-sino Programação Elaborada pelo Estudante” não existe a possibilidade dos estudantes fazerem o que quiserem a seu bel-prazer. Fundamentalmente, é um “Estilo de Ensino” que leva o estudante a uma atitude de exigência em relação à disciplina e à perseverança; incentiva os estudantes a agir criativamente – pensar divergentemente. Trata-se de

um modelo sistemático para explorar e examinar

uma questão sobre a descoberta de seus compo-

nentes, a relação entre os componentes e as possí-

veis ordens ou seqüências desses componente […].

Exige que o aluno tenha conhecimentos acerca

dos fatos, para que seja capaz de identificar cate-

gorias, analisá-las e, assim, construir um esquema

(MOSSTON; ASHWORTH, 1990, p. 268-269).

De modo semelhante ao “Estilo de Ensino Produção Divergente” (H), é um modelo que conduz cada um dos estudantes a descobrir, a criar uma série ou sequência de respostas ou soluções. Diferencia-se dos demais “Estilos de Ensino” precedentes por envolver os estudantes num maior conjunto de decisões, tanto durante a aula (Impacto) quanto na fase de avaliação do ensino-aprendizagem (Pós--impacto). Aos estudantes é conferida a responsabilidade de

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decidir sobre o tópico do tema da aula que irá abordar. A partir daí procede tomar decisões, a exemplo do “Estilo de Ensino Produção Divergente” (H).

O tempo para o desenvolvimento do tema da aula não se esgota necessariamente em uma única sessão de aula. É possível que o tempo destinado a várias aulas seja ultrapas-sado para que se conclua o processo criativo sobre a questão ou o problema em estudo.

Espera-se que no final do processo os estudantes te-nham aprendido por si próprios a descobrir, criar, organizar ideias, a estabelecer padrões de desempenho, a avaliar seu próprio desempenho, a responsabilizar-se pela completa so-lução dos problemas definidos.

Sobre os objetivos comportamentais, os estudantes de-vem desenvolver a capacidade de trabalhar com independên-cia e, ao mesmo tempo, compreender as diferenças individuais referentes ao pensamento e ao desempenho de seus colegas.

A exemplo dos “Estilos de Ensino” antecedentes, no “Estilo de Ensino Programação Elaborada pelo Estudante” todas as decisões inerentes ao planejamento de ensino (Pré--impacto) continuam sendo tomadas pelo professor, a quem

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compete decidir sobre quando o “Estilo de Ensino” deve ser aplicado, bem como sobre a temática a ser estudada. Duran-te o desenvolvimento da aula (Impacto), novas decisões são transferidas do professor para os estudantes. Assim, entre outras coisas cabe aos estudantes identificar fontes e coletar dados acerca do tema em estudo; decidir quanto ao tópi-co que será o foco de seus estudos; descobrir e desenvolver questões ou problemas relacionados ao tópico; descobrir múltiplas respostas ou soluções alternativas.

Na fase de avaliação do ensino-aprendizagem (Pós-impacto) também são transferidas novas decisões para os estudantes. Avaliar e verificar a adequação das respostas ou soluções por meio de critérios conhecidos ou esclarecidos por eles próprios; se necessário, reformular os critérios de avaliação; comunicar seu progresso no desempenho de suas funções e atividades. Ao professor cabe ouvir as apresenta-ções e as avaliações dos estudantes; verificar a congruência entre a avaliação e os critérios selecionados; alertar os es-tudantes em relação às possíveis inadequações da avaliação realizada; quando necessário, levar os estudantes à auto-avaliação de suas respostas ou soluções.

O Cronograma 14 apresenta a transferência de decisões do professor para os estudantes durante os três momentos

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didáticos da anatomia do “Estilo de Ensino Programação Elaborada pelo Estudante”.

Cronograma 14 – Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando a Programação Elaborada Pelo

Estudante

A B C D E F G H I J K

Fases doprocesso Competência das decisões

Pré-impacto (P) (P) (P) (P) (P) (P) (P) (P) (P)

Impacto (P) (A) (Ae) (A) (A) (PA) (A) (A) (A)

Pós-impacto (P) (P) (Ao) (A) (A) (PA) (AP) (AP) (A)

(P) Professor(A) Aluno

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 270).

4.18 ESTILO DE ENSINO INICIADO PELO ESTUDANTE (THE LEARNER-INITIATED STYLE)

A característica essencial do “Estilo de Ensino Iniciado pelo Estudante” é a transferência das decisões do professor

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para os estudantes durante a fase de planejamento. Dentre todos os “Estilos de Ensino”, é o primeiro a ser iniciado pe-los estudantes individualmente, cada um com seu próprio programa. Além disso, os estudantes decidem, também, quando solicitar apoio e ajuda ao professor.

O principal objetivo do “Estilo de Ensino Iniciado pelo Estudante” é proporcionar aos estudantes a oportunidade de descobrir, criar e desenvolver ideias acerca do tema es-colhido para o desenvolvimento da aula. Do ponto de vista comportamental, os estudantes devem aprender a iniciar suas experiências de aprendizagem, realizá-las e avaliar os resultados alcançados.

Como já foi dito, na fase de planejamento do ensino (Pré-impacto), todas as decisões passam a ser da responsa-bilidade dos estudantes.

No desenvolvimento da aula (Impacto), a exemplo do “Estilo de Ensino Programação Elaborada pelo Estudante” (I), todas as decisões são tomadas pelos estudantes indivi-dualmente, com o propósito de desempenhar atividades relacionadas com as decisões do planejamento. Ao profes-sor compete aceitar as decisões iniciadas pelos estudantes e reunir as melhores condições para que os estudantes desen-

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volvam seus planos de ação; apresentar os parâmetros mais amplos possíveis para o desenvolvimento dos programas planejados pelos estudantes; informar e orientar os estu-dantes sobre outras fontes, dentro e fora da escola, quando tratar-se de um tema desconhecido pelo próprio professor; acompanhar os estudantes até o final do processo, atenden-do às solicitações que eles fizerem.

Na fase de avaliação do ensino-aprendizagem (Pós--impacto) todas as decisões também são tomadas pelos es-tudantes, cada um com seu próprio programa de estudo. O professor, por sua vez, toma ciência das decisões dos estu-dantes e as respeita quando providas de argumentos válidos. O professor deve apontar e justificar inadequações que pos-sam existir entre as intenções e as respectivas ações dos es-tudantes, bem como analisar as avaliações elaboradas pelos estudantes de modo a orientá-los acerca de possíveis erros de aprendizagem.

O Cronograma 15 demonstra, graficamente, a transfe-rência de decisões do professor para os estudantes durante os três momentos didáticos da anatomia do “Estilo de Ensi-no Iniciado pelo Estudante”.

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Cronograma 15 – Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando ao Iniciado Pelo Estudante

A B C D E F G H I J K

Fases doprocesso Competência das decisões

Pré-impacto (P) (P) (P) (P) (P) (P) (P) (P) (P) (A)

Impacto (P) (A) (Ae) (A) (A) (PA) (A) (A) (A) (-)

Pós-impacto (P) (P) (Ao) (A) (A) (PA) (AP) (AP) (A) (A)

(P) Professor(A) Aluno(-) Intervenção do professor quando requisitado pelos alunos

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 279).

4.19 ESTILO DE ENSINO AUTOENSINO (THE SELF-TEACHING STYLE)

No “Estilo de Ensino Autoensino” todas as decisões, durante os três momentos da anatomia de ensino, são to-madas pelos estudantes.

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Como alertam os autores, dificilmente este “Estilo de Ensino” aplica-se ao contexto da educação escolar, pois só é possível de ser aplicado quando o estudante assume a du-pla função de professor e de estudante, quando, simultane-amente, ensina e aprende por si próprio. O autodidatismo e a formação autônoma são exemplos de estratégias no Auto-ensino. Geralmente, são pessoas com excepcional bagagem de conhecimentos, experiências e capacidade de decisão, habilitadas a aprender novos conhecimentos/habilidades por conta própria.

O Cronograma 16 apresenta, graficamente, as transfe-rências de decisões do professor para os estudantes – embo-ra nesse caso não existam, a rigor, estudantes – durante os três momentos didáticos da anatomia do “Estilo de Ensino Autoensino”.

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Cronograma 16 – Comparação entre os Estilos de Ensino de

Comando ao Auto-Ensino

Fonte – Os autores (2011) adaptação de Mosston e Ashworth

(1990, p. 284).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O professor de Educação Física tem a responsabilida-de de decidir quais os caminhos a seguir, que assegurem o processo de transmissão-assimilação-reflexão dos conheci-mentos, habilidades e valores sociais, morais, éticos e estéti-cos. Sua atuação deve reforçar a contínua articulação entre o conhecimento científico, a cultura do movimento humano e a perspectiva de construção de uma sociedade democrática.

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Em termos específicos, os métodos de ensino devem ser abertos às experiências de apropriação crítica dos conteúdos culturais da Educação Física, bem como às experiências de ações criativas e construtivas, no sentido de possibilitar aos estudantes a vivência sistematizada de conhecimentos/habilidades da cultura do movimento humano tematizada, balizada por uma postura reflexiva no sentido da aquisição da autonomia necessária a uma prática intencional, que considere o lúdico e os processos sócio-comunicativos na perspectiva do lazer, da formação cultural e de um estilo de vida ativo, saudável e eticamente orientado.

Para tanto, é necessário que o método possibilite um efetivo processo de transmissão, vivência e reflexão sobre os conhecimentos/habilidades que compõem a cultura do movimento humano tematizada no contexto da ginástica, do jogo, do esporte e da dança, assim como estes temas se-jam tratados e refletidos em termos dos seus fundamentos histórico-culturais, comportamentais e biodinâmicos.

No sentido de fazer entender as relações existentes en-tre a prática social global e o ensino da Educação Física, os estudantes deverão ser gradativamente estimulados a pra-ticar e a refletir criticamente a respeito das possibilidades,

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limitações, paradoxos e mitos que se manifestam no âmbito da cultura do movimento humano.

Necessário também é desvelar o conjunto de valores sociais, morais, éticos e estéticos subjacentes à cultura do movimento humano, identificados com a formação de uma cidadania emancipada, em crítica àqueles que reproduzem a marginalização, os estereótipos, o individualismo, a com-petição discriminatória, a intolerância com as diferenças, as desigualdades, o autoritarismo, dentre outros valores dessa natureza.

Os “Estilos de Ensino” podem ser aplicados no sentido de interagir com esta perspectiva. Devem ser identificados como instrumentos pedagógicos cujos propósitos consti-tuir-se-ão através da sistematização do ensino-aprendiza-gem, em que pese a relação professor/estudante/conheci-mento/realidade.

Na medida em que o professor conscientiza-se e ad-quire competência sobre seu papel na mediação crítica des-ta relação, os estudantes podem aprender a tomar decisões com responsabilidade, adequação e compromisso social. Por essa razão, os estilos de ensino estão distribuídos num

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espectro cuja estrutura não identifica a qualidade de um em detrimento de outros, bem como não inviabiliza adap-tações, associações e interações entre eles. Diferentemente disso, expõe as características teóricas que dão fundamento ao estilo e oferece informações ao(s) sujeito(s) esclarecen-do seus papéis quando tomam decisões no ensino-aprendi-zagem. Por fim, na composição do Espectro dos Estilos de Ensino, Mosston e Ashworth evidenciam que a tomada de decisão na aprendizagem escolar consiste de um contrato pedagógico cujas partes (professor e estudantes) interagem numa relação objetiva que pretende sistematizar atitudes autônomas, independentes e livres.

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* Consultor de Educação Inclusiva

Romeu Kazumi Sassaki*

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: PRINCÍPIOS, PARÂMETROS, PREMISSAS E PROCEDIMENTOS

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1 INTRODUÇÃO

Durante os últimos quatrocentos e vinte anos, a escola foi sempre do mesmo jeito. Como assim? Após quatro sécu-los, a escola continua sendo um lugar que decide tudo: o que os alunos precisam estudar, como eles precisam se comportar para conseguir aprender o que os professores ensinam, quais atividades devem realizar, como será avaliado o aprendizado, para a escola saber quem aprendeu e quem não aprendeu. A fim de poder cumprir essas decisões, a escola sempre foi um lugar que somente aceitava a matrícula das crianças que su-postamente tinham capacidade intelectual para aprender.

Esse tipo de escola sempre acreditou que não poderia matricular crianças consideradas, por algum critério, incapa-zes de aprender como a maioria dos alunos. Também os pro-fessores que trabalhavam nesse tipo de escola sempre acredi-taram que não era obrigação deles ensinar crianças que não se encaixavam no perfil de “alunos capazes” sob o ponto de vista intelectual, psicossocial, visual, auditivo e físico.

A escola e a sociedade copiavam uma da outra esse modelo de valorização das pessoas “capazes” e de exclusão das pessoas consideradas “incapazes”.

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Mas, felizmente, nos últimos vinte anos, o mundo co-meçou a repudiar radicalmente esse tipo de escola e de so-ciedade. Um número cada vez maior de pais, educadores e outras pessoas sinceramente preocupadas com os direitos de todos os seres humanos defende uma escola que receba e ensine a todos os tipos de criança; uma escola que encoraje todas as crianças a aprenderem juntas, colaborando e coo-perando mutuamente; uma escola que discorde da prática de dividir as crianças em capazes e incapazes; uma escola que concorde que todas as crianças são capazes e que cada criança é capaz a seu modo; uma escola que admite que cada criança aprende de um jeito só dela e, por isso, tem o direito de aprender do jeito dela; uma escola que ensina o que as crianças querem e precisam aprender em função da situação de vida de cada uma delas.

Os profissionais da educação deram o nome de “edu-cação inclusiva” a essa nova e revolucionária forma de ensino e aprendizagem. As escolas que adotam o modelo inclusivo chamam-se “escolas inclusivas”. E o que é “edu-cação inclusiva”?

Educação inclusiva é o conjunto de princípios e pro-cedimentos implementados pelos sistemas de ensino para adequar a realidade das escolas à realidade do alunado, que

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por sua vez, deve representar toda a diversidade humana. Nenhum tipo de aluno poderá ser rejeitado pelas escolas. As escolas passam a ser chamadas inclusivas no momento em que decidem aprender com os alunos o que deve ser eli-minado, modificado, substituído ou acrescentado nas seis áreas de acessibilidade: arquitetônica, atitudinal, comunica-cional, metodológica, instrumental e programática. A obri-gatoriedade da implantação de algumas dessas áreas está prevista em leis federais como, por exemplo, o Decreto no 5.296, de 2 de dezembro de 2004; a Resolução CNE/CEB no 2, de 11 de setembro de 2001; a Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (SASSAKI, 2003, p. 15) e, mais recente-mente, o Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, e o Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009. Detalhes sobre essas seis áreas serão apresentados na parte final deste texto.

Hoje, em todo o território brasileiro – a exemplo do que ocorre em muitas partes do mundo – existem pais e educadores preocupados em transformar as escolas comuns em escolas inclusivas, a fim de que todas as crianças e todos os jovens e adultos, quaisquer que sejam suas características diferenciais, possam estudar juntos em um ambiente posi-tivo, includente, acolhedor, estimulante, desafiador, interes-sante, eficiente e eficaz. Um ambiente onde todos consigam aprender, estudar, crescer e desenvolver-se como pessoas

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por inteiro. Uma das condições para que a educação se efe-tive é que o sistema de ensino deva adequar-se ao aluno, e não o inverso. “A inclusão escolar parte do princípio de que todas as crianças podem aprender juntas e de que todas elas se beneficiam e aprendem melhor quando lhes é oferecida a oportunidade de aprender uma com a outra em um am-biente aberto e estimulador” (SASSAKI, 2004).

Existem muitos recursos que podem ajudar pais e edu-cadores a encontrar inspiração, orientação e apoio para que todos os alunos – sem exceção – tenham sucesso na escola. Isso acontece porque já existe um imenso conjunto de do-cumentos que relatam experiências bem-sucedidas em edu-cação inclusiva.

Esses resultados positivos da educação inclusiva são devido à aplicação de determinados princípios, parâmetros, premissas e procedimentos, a seguir descritos.

2 PRINCÍPIOS

Os princípios que inspiram a educação inclusiva são a singularidade, as inteligências múltiplas, o estilo de apren-

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dizagem, a avaliação da aprendizagem e a coerência (SAS-SAKI, 2011, p. 53).

Singularidade. Cada aluno é único; portanto, a escola precisa traçar metas individualizadas, juntamente com o aluno e/ou a família dele.

Inteligências múltiplas. O professor, ao ensinar o conteú-do de sua disciplina, precisa estimular e utilizar o cérebro inteiro de cada aluno. Todas as pessoas têm cerca de doze inteligências e deve ser assegurada a cada pessoa a pos-sibilidade de utilizar esse conjunto de inteligências para estudar, preparar projetos, realizar tarefas, brincar, etc.

Estilo de aprendizagem. O professor, ao preparar suas aulas, precisa pensar em atingir o modo como cada aluno aprende. Cada aluno tem o direito de aprender usando o seu estilo de aprendizagem, motivo pelo qual todo professor precisa preparar suas aulas em formatos que atinjam todos os estilos de aprendizagem: o visual, o auditivo, o artístico, o cinestésico e todas as combina-ções desses quatro estilos.

Avaliação da aprendizagem. A escola precisa adotar o sistema baseado em três valores: ipseidade (comparar

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a avaliação de cada aluno com as outras avaliações do mesmo aluno e não de outros alunos), continuidade (todas as aulas servem como fontes de evidência do aprendizado) e inclusividade (avaliar para incluir e não para excluir o aluno).

Coerência. A escola inteira precisa adotar atitudes inclu-sivas: os professores e os funcionários precisam passar por capacitações periódicas sobre educação inclusiva.

3 PARÂMETROS

Os parâmetros que asseguram a inclusividade do pro-cesso ensino-aprendizagem são a equiparação de oportuni-dades, as necessidades especiais, as diferenças individuais, a educação de qualidade, o plano individualizado de edu-cação, a diversidade humana e o empoderamento (SAS-SAKI, 2004).

Equiparação de Oportunidades. As oportunidades de aprendizagem devem ser proporcionadas a todos os alunos no mesmo espaço escolar. Para tanto, todas as barreiras (atitudinal, arquitetônica, metodológica, ins-

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trumental, comunicacional e programática) devem ser eliminadas desse espaço.

Necessidades Especiais. Cada segmento da diversida-de humana pode apresentar necessidades peculiares, que variam de acordo com cada pessoa e a situação na qual ela se encontre.

Diferenças Individuais. Não há duas pessoas iguais e todas têm o direito de ser o que são e de ser respeitadas em suas diferenças.

Educação de Qualidade. O sistema de ensino deve ofe-recer a cada aluno oportunidades que o ajudem a re-alizar seus interesses, expectativas, sonhos e objetivos de vida.

Plano Individualizado de Educação. Cada aluno tem direito a um plano de ensino que contribua para que aprenda e progrida, atingindo seus objetivos individuais.

Diversidade Humana. O sistema de ensino deve rece-ber todas as pessoas, independentemente de seus atri-butos étnicos, raciais, culturais, linguísticos, sexuais, físicos, intelectuais e outros.

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Empoderamento. O aluno constrói seu saber fazen-do uso do poder de escolher, de decidir e de assumir o controle de sua situação de aprendizagem.

4 PREMISSAS

As principais premissas da educação inclusiva são as seguintes:

1 Frente à diversidade do alunado, o objetivo da es-colarização é o de capacitar todos os alunos, desde pequenos, para participarem ativamente em suas comunidades como cidadãos.

2 Em cada sala de aula inclusiva há alunos que se diferenciam significativamente de seus colegas quanto a estilos de interação social, estilos de aprendizagem, ritmos de aprendizagem, combina-ção das inteligências múltiplas e formas de acesso aos ambientes de aprendizagem.

3 Os alunos não são problemas; eles são desafios às habilidades dos professores em encontrar res-

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postas educativas às necessidades individuais dos educandos.

4 O fracasso escolar não é um fracasso pessoal dos alunos e sim um fracasso da escola em atender às necessidades desses alunos.

5 O ensino de qualidade é primordial e o esforço para atender às necessidades dos alunos que apre-sentam desafios específicos beneficia a todos.

6 Na condição de pensadores críticos, os professores não precisam de receitas prontas e sim de habi-lidades para avaliar situações novas, desenvolver estratégias e encontrar respostas educativas às ne-cessidades de cada aluno.

7 Os bons professores são capazes de definir, proje-tar, avaliar e refletir sobre soluções para os desafios das escolas inclusivas e salas de aula inclusivas.

8 O respeito pelos alunos e pelas suas contribuições e potencialidades individuais constitui uma das atitudes básicas do professor inclusivo.

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9 É o aluno que produz o resultado educacional, ou seja, a aprendizagem.

10 Os professores, trabalhando de forma articulada, como membros de equipe, com outros profissio-nais, atuam no papel de facilitadores da aprendi-zagem dos alunos. Entre esses profissionais estão, por exemplo, pedagogos, psicólogos, psicopeda-gogos, intérpretes da língua de sinais, instrutores da língua de sinais e assistentes sociais.

Acrescento aqui as dez premissas sugeridas pelo Cen-tro de Estudos sobre Educação Inclusiva, da Grã-Bretanha.

1 Todas as crianças têm o direito de aprender juntas.

2 As crianças não devem ser desvalorizadas ou dis-criminadas por meio da exclusão ou rejeição com base em sua deficiência ou dificuldade de aprendi-zagem.

3 Adultos com deficiência, descrevendo a si mesmos como sobreviventes de escolas especiais, estão exi-gindo o fim da segregação.

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4 Não existem razões legítimas para separar as crianças na vida educacional. As crianças se per-tencem, com vantagens e benefícios para todas. Elas não precisam ser protegidas umas das outras.

5 As pesquisas mostram que as crianças aprendem melhor, acadêmica e socialmente, em ambientes inclusivos.

6 Não há ensino ou atenção em uma escola segrega-da que não possa ser oferecido em escolas comuns.

7 Com apoio e compromisso, a educação inclusiva constitui um melhor uso dos recursos educacionais.

8 A segregação ensina as crianças a terem medo e se-rem ignorantes, além de fomentar o preconceito.

9 Todas as crianças precisam de uma educação que as ajude a desenvolver relacionamentos e as prepa-re para a vida na sociedade.

10 Somente a inclusão tem o potencial para reduzir o medo e construir amizade, respeito e compreensão.

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5 PROCEDIMENTOS

Os procedimentos de educação inclusiva podem ser agrupados em três categorias: a) Reestruturação da unida-de escolar; b) Reflexões sobre as práticas em sala de aula; e c) Medidas emanadas da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2007).

a) Reestruturação da unidade escolar (COADY; DENNY, 1996)

Experiências do alunado

O tempo de aprendizagem é igualmente distribuído entre o ensino para a classe toda, o trabalho em grupos e para o estudo individual, ou seja, não é tomado exclu-sivamente pelo ensino para a classe toda.

Os alunos passam a maior parte do tempo em grupos heterogêneos.

As tarefas de aprendizagem e de avaliação enfatizam a pro-dução dos alunos e não a reprodução do conhecimento.

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Para completar seus trabalhos, os alunos geralmente falam e escrevem frases inteiras e não algumas palavras ou frases fragmentadas.

As tarefas de aprendizagem procuram aprofundar a compreensão e não ficar no entendimento superficial.

As tarefas de aprendizagem enfatizam as inteligências múltiplas e a diversidade humana.

Todas as disciplinas acadêmicas estão integradas no currículo.

O tempo para aprendizagem escolar está organizado de modo flexível e não em períodos de extensão padronizados.

Os alunos participam do projeto de instrução baseado na comunidade.

Os alunos se relacionam com orientadores adultos, se-jam professores ou pessoas de fora da escola, em ter-mos programáticos de longo prazo.

O trabalho dos alunos é auxiliado pelo uso extensivo da tecnologia de computadores.

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Os alunos servem como tutores dos colegas e têm aces-so aos tutores colegas.

Os alunos têm influência substancial no planejamento, realização e avaliação de seus trabalhos.

Vida profissional dos professores

Os professores atuam em papéis diferenciados, tais como: orientando os colegas novatos, dirigindo o de-senvolvimento de currículo e supervisionando colegas.

A equipe atua em papéis extensivos junto aos alunos, em termos de aconselhamento e orientação.

A equipe ajuda a projetar a capacitação contínua, em serviço, com base na avaliação de necessidades da escola.

A equipe participa de planejamento colegiado, desen-volvimento curricular e observação-reflexão de cole-gas, em tempo programado para isso durante o dia.

Os professores lecionam em equipes.

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Os professores exercem controle sobre o currículo e a política da escola.

Há incentivos organizacionais específicos para os pro-fessores experimentarem e desenvolverem novos pro-gramas e currículo que respondam mais efetivamente à diversidade do alunado.

Os professores trabalham junto aos alunos em perío-dos flexíveis de tempo.

Os professores trabalham junto aos alunos, tanto em pequenos grupos e em estudos individuais, quanto no ensino para a classe toda.

Os professores trabalham junto com os pais e aos pro-fissionais de ensino, a fim de atenderem às necessida-des dos alunos.

Os professores recebem prêmios pecuniários baseados nos resultados dos alunos e na avaliação do desempe-nho dos professores.

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Liderança, gerenciamento e administração

A escola exerce controle sobre orçamento, equipes e currículo.

A escola é conduzida por um conselho no qual os pro-fessores e/ou os pais têm controle sobre orçamento, equipes e currículo.

A escola recebe prêmios pecuniários baseados nos re-sultados dos alunos.

A escola toma decisões programáticas baseadas na aná-lise sistemática dos dados de desempenho dos alunos, desmembrados em suas características (por ex. raça, gênero, status sócio-econômico, etc.).

A delegacia regional provê incentivos especiais para o diretor participar da reestruturação da escola.

Os alunos se matriculam na escola por livre escolha e não por algum outro critério.

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Coordenação de serviços comunitários

A escola possui uma programação sistemática para os pais se envolverem na vida acadêmica dos alunos, pro-gramação esta que vai além das atividades tradicionais dos pais (reunião de pais, participação em eventos in-ternos da escola, etc.).

A escola possui um mecanismo formal para se articular com recursos comunitários prestadores de serviços nas áreas de cuidados à infância, abuso de drogas e álcool, ruptura familiar, pessoas sem-teto, abuso sexual, gravi-dez de adolescentes, crime e delinquência, assistência sócio-econômica, treinamento e emprego de pais).

A escola participa de programas comunitários direta-mente pertinentes aos seus alunos.

A escola possui acordos formais com empregadores locais para colocar seus alunos em empregos ou traba-lhos de início de carreira, durante o ano letivo ou nas férias escolares, e após a sua formatura.

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A escola possui acordos formais com instituições de en-sino para ajudar seus alunos a continuarem os estudos.

A escola possui acordos formais com instituições de ensino para a promoção do desenvolvimento de suas equipes e para o planejamento curricular.

A escola oferece programas de educação de adultos e atividades recreativas para a comunidade em geral.

b) Reflexões sobre as práticas em sala de aula (RO-GERS, 1993)

1 Partimos verdadeiramente da premissa de que cada aluno pertence à sala de aula que frequenta-ria se não tivesse deficiência? [Ou agrupamos alu-nos com deficiência em classes separadas e escolas especiais?]

2 Individualizamos o programa instrucional para todos os alunos, tenham eles deficiência ou não, e oferecemos os recursos que cada aluno neces-sita para explorar interesses individuais no am-biente escolar? [Ou temos a tendência de oferecer os mesmos tipos de programa e recursos para a

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maioria dos alunos que possuem o mesmo rótulo diagnóstico?]

3 Estamos plenamente comprometidos em desen-volver uma comunidade que se preocupe em fo-mentar o respeito mútuo e o apoio entre a equipe escolar, os pais e os alunos, comunidade na qual acreditamos honestamente que os alunos com de-ficiência podem beneficiar-se da amizade com co-legas sem deficiência e vice-versa? [Ou as nossas práticas tacitamente toleram que alunos sem defi-ciência provoquem colegas que têm deficiência ou os isolem como se estes fossem seres estranhos?]

4 Nossos professores comuns e educadores especiais já integraram seus esforços e seus recursos de tal forma que possam trabalhar juntos como parte in-tegrante de uma equipe unificada? [Ou estão eles isolados em salas separadas e departamentos se-parados, com supervisores e orçamentos separa-dos?]

5 A nossa diretoria cria um ambiente de trabalho no qual os professores são apoiados quando ofe-recem ajuda um para o outro? [Ou os professores

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têm receio de ser considerados incompetentes, se pedirem colaboração no trabalho com os alunos?]

6 Estimulamos a plena participação dos alunos com deficiência da vida da nossa escola, inclusive nas atividades extracurriculares? [Ou eles participam apenas da parte acadêmica de cada dia escolar?]

7 Estamos preparados para modificar os sistemas de apoio para os alunos, à medida que suas necessida-des mudem ao longo do ano escolar, de tal forma que eles possam atingir e vivenciar sucessos e sentir que verdadeiramente pertencem à sua escola e à sua sala de aula? [Ou às vezes lhes oferecemos serviços tão limitados que eles ficam fadados ao fracasso?]

8 Consideramos os pais de alunos com deficiência uma parte plena da nossa comunidade escolar, de tal forma que eles também possam vivenciar o senso de pertencer? [Ou os deixamos com uma Associação de Pais e Mestres separada e lhes en-viamos um jornal separado?]

9 Damos aos alunos com deficiência o currículo es-colar geral na medida de suas capacidades, e mo-

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dificamos esse currículo na medida de suas neces-sidades, para que eles possam partilhar elementos dessas experiências com seus colegas sem defici-ência? [Ou temos um currículo separado para alu-nos com deficiência?]

10 Temos incluído, com apoios, os alunos com defi-ciência no maior número possível de trabalhos e outros procedimentos de avaliação a que se sub-metem seus colegas sem deficiência? [Ou nós os excluímos dessas oportunidades sob o argumento de que eles não podem beneficiar-se delas?]

c) Medidas emanadas da Convenção sobre os Di-reitos das Pessoas com Deficiência (SASSAKI, 2008, p. 83-85)

A “inclusão escolar” é o processo de adequação da escola para que todos os alunos possam receber uma educação de qualidade, cada um a partir da realidade com que chega à escola, independentemente de raça, etnia, gênero, situação socioeconômica, deficiências, etc. É a escola que deve ser capaz de acolher todo tipo de aluno e de lhe oferecer uma educação de qualidade, ou seja de dar respostas educativas compatíveis com

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as suas habilidades, necessidades e expectativas. Por sua vez, a integração escolar é o processo tradicional de adequação do aluno às estruturas física, adminis-trativa, curricular, pedagógica e política da escola. A integração trabalha com o pressuposto de que todos os alunos precisam ser capazes de aprender no nível pré-estabelecido pelo sistema de ensino. No caso de alunos com deficiência (intelectual, auditiva, visual, física ou múltipla), a escola comum condicionava a matrícula a uma certa prontidão que somente as esco-las especiais (e, em alguns casos, as classes especiais) conseguiriam produzir.

Inspirada no lema do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (Participação Plena e Igualdade), tão dis-seminado em 1981, uma pequena parte da sociedade, em muitos países, começou a tomar algum conheci-mento da necessidade de mudar o enfoque de seus es-forços. Para que as pessoas com deficiência realmente pudessem ter participação plena e igualdade de opor-tunidades, seria necessário que não se pensasse tanto em adaptar as pessoas à sociedade e sim em adaptar a sociedade às pessoas. Isso deu início ao surgimento do conceito de inclusão, a partir do final da década de 1980.

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O termo “necessidades especiais” não substitui a palavra “deficiência”, como se imagina. A maioria das pessoas com deficiência pode apresentar necessidades especiais (na escola, no trabalho, no transporte, etc.), mas nem todas as pessoas com necessidades especiais têm defici-ência. As necessidades especiais são decorrentes de con-dições atípicas como, por exemplo: deficiências, insufici-ências orgânicas, transtornos mentais, altas habilidades, experiências de vida marcantes, etc. Essas condições po-dem ser agravadas ou resultar de situações socialmente excludentes (trabalho infantil, prostituição, pobreza ou miséria, desnutrição, saneamento básico precário, abuso sexual, falta de estímulo do ambiente e de escolaridade). Na “integração escolar”, os alunos com deficiência eram o foco da atenção. Na “inclusão escolar”, o foco se am-plia para os alunos com necessidades especiais (dentre os quais, alguns têm deficiência), já que a inclusão traz para dentro da escola toda a diversidade humana.

A seguir, parágrafos e letras do Artigo 24 da Conven-ção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência serão mencionados entre colchetes após os comentários.

Em primeiro lugar, a Convenção defende um sistema educacional inclusivo em todos os níveis [§ 5]. Em suas

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linhas, percebemos que a educação inclusiva é o con-junto de princípios e procedimentos implementados pelos sistemas de ensino para adequar a realidade das escolas à realidade do alunado que, por sua vez, deve representar toda a diversidade humana. Nenhum tipo de aluno poderá ser rejeitado pelas escolas [§ 2, “a”]. As escolas passam a ser chamadas inclusivas no momento em que decidem aprender com os alunos o que deve ser eliminado, modificado, substituído ou acrescentado no sistema escolar para que ele se torne totalmente aces-sível [§ 1°; § 2°, “b” e “c”; § 5°]. Isso permite que cada aluno possa aprender mediante seu estilo de aprendi-zagem e com o uso de todas as suas inteligências [§ 1°, “b”]. Portanto, a escola inclusiva percebe o aluno como um ser único e o ajuda a aprender como uma pessoa por inteiro [§ 1°, “a”].

Para a Convenção, um dos objetivos da educação é a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre [§ 1°, “c”; § 3°], o que exige a cons-trução de escolas capazes de garantir o desenvolvimen-to integral de todos os alunos, sem exceção.

Uma escola em processo de modificação sob o para-digma da inclusão é aquela que adota medidas concre-

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tas de acessibilidade [§ 2°, “d” e “e”; § 4°]. Quem deve adotar essas medidas? Professores, alunos, familiares, técnicos, funcionários, demais componentes da comu-nidade escolar, autoridades, entre outros. Cada uma dessas pessoas tem a responsabilidade de contribuir com a sua parte, por menor que seja, para a construção da inclusividade em suas escolas. Exemplos:

Arquitetura. Ajudando a remover barreiras físicas ao redor e dentro da escola, tais como: degraus, buracos e desníveis no chão, pisos escorregadios, portas estreitas, sanitários minúsculos, má iluminação, má ventilação, má localização de móveis e equipamentos, etc. [§ 1°; § 2°, “b” e “c”].

Comunicação. Aprendendo o básico da língua de si-nais brasileira (Libras) para se comunicar com alunos surdos; entendendo o braile e o sorobã para facilitar o aprendizado de alunos cegos; usando letras em tama-nho ampliado para facilitar a leitura para alunos com baixa visão; permitindo o uso de computadores de mesa e/ou notebooks para alunos com restrições moto-ras nas mãos; utilizando desenhos, fotos e figuras para facilitar a comunicação para alunos que tenham estilo visual de aprendizagem, etc. [§ 3°, “a”, “b” e “c”; § 4°].

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Métodos, técnicas e teorias. Aprendendo e aplicando os vários estilos de aprendizagem; aprendendo e apli-cando a teoria das inteligências múltiplas; utilizando materiais didáticos adequados às necessidades espe-ciais, etc. [§ 1°; § 2°; § 3° e § 4°].

Instrumentos. Adequando a forma como alguns alu-nos poderão usar o lápis, a caneta, a régua e todos os demais instrumentos de escrita, normalmente utiliza-dos em sala de aula, na biblioteca, na secretaria admi-nistrativa, no serviço de reprografia, na lanchonete, na quadra de esportes, etc. [§ 3°, “a” e “c”; § 4°].

Programas. Revendo atentamente todos os programas, regulamentos, portarias e normas da escola, a fim de garantir a eliminação de barreiras invisíveis neles con-tidas, que possam impedir ou dificultar a participação plena de todos os alunos, com ou sem deficiência, na vida escolar [§ 1°].

Atitudes. Participando de atividades de sensibilização e conscientização, promovidas dentro e fora da escola, a fim de eliminar preconceitos, estigmas e estereótipos, e estimular a convivência com alunos que tenham as mais diversas características atípicas (deficiência, sín-

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drome, etnia, condição social, etc.), para que todos aprendam a evitar comportamentos discriminatórios. Um ambiente escolar (e também familiar, comunitário, etc.) que não seja preconceituoso melhora a autoesti-ma dos alunos e isso contribui para que eles realmente aprendam em menos tempo e com mais alegria, mais motivação, mais cooperação, mais amizade e mais feli-cidade [§ 4°].

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REFERÊNCIAS

COADY, Margaret; DENNY, Margaret. Managing and im-plementing inclusive education. Lafayette: University of New Orleans, Louisiana Systems Change Project for Inclusive Education, 1996.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção so-bre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Protocolo Fa-cultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Tradução oficial da Corde. Brasília, DF, 2007.

ROGERS, Joy. The inclusion revolution. Research Bulletin, Bloomington, no. 11, May 1993.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Artigo 24 – Educação. In: RE-SENDE, Ana Paula Crosara de; VITAL, Flavia Maria de Paiva (Org.). A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada. Brasília, DF: Corde, 2008.

______. Educação inclusiva: barreiras e soluções. Revista Incluir, São Paulo, ano 2, n. 12, p. 53, jul./ago. 2011.

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SASSAKI, Romeu Kazumi.A educação inclusiva e os obstá-culos a serem transpostos. Jornal dos Professores, [São Pau-lo], ano 38, n. 343, p. 15, fev. 2003.

______. Programa Estadual de Educação para a Diversidade numa perspectiva Inclusiva no Estado de Goiás, Brasil. Rela-to preparado para o Banco Mundial. Goiânia: Secretaria de Educação do Estado de Goiás, 2004.

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