educação e sociologia - emile durkheim

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EDUCAO E SOCIOLOGIA Cmara Brasileira do Livro, SP Durkheim, mile, 1858-1917 D963e Educao e sociologia / -Emile Durkhein 11 ed. um estudo da obrade Durkheim pelo Prof, paul Fauconnet ; traduo do Prof. Loureno Filho. 11. ed. - So Paulo : Melhoramentos ; [Rio de Ja neiro] : Fundao Nacional de Material Escolar, 1978. I. Educao 2. Sociologia educacional. Fauconnet, Paul, 1874-1938. II. Ttulo.ndices para catlogo sistemtico:1. Educao 3702. Sociologia educacional 370.19311.a EDIOEDIES MELHORAMENTOSem convnio com a FUNDAO NACIONAL DE MATERIAL ESCOLARMINISTRIO DA EDUCAO E CULTURA Comp. Melhoramentos de So Paulo, Indstrias de PapelCaixa Postal 8120, So PauloPExVI - 1978Este livro foi co-editado com a Fundao Nacional de Material Escolar/MECdentro do Programa do Livro Didtico - Ensino Superior, patrocinado pela Secretaria do Planejamento da Presidncia da RepblicaNos pedidos telegrficos basta citar o cd. 7-02-31-111SUMARIO A obra pedaggica de Durkheim (introduo pelo Prof. Paul Fauconnet) 9CAPITULO IA EDUCAO: SUA NATUREZA E FUNO 1 - As definies da educao - exame crtico 33 2 - Definio da educao 38 3 - Conseqncia da definio precedente: carter social da educao 41 4 - A funo do Estado em matria de educao 47 5 - Poder da educao e meios de seu exerccio 49CAPITULO IINATUREZA DA PEDAGOGIA E SEU MTODO 1 - Confuso entre os termos educao e pedagogia 57 2 - Cincia da educao e pedagogia 58 3 - As teorias pedaggicas 63 4 - Cincia e arte aplicada 66 5 - Fundamentos da reflexo pedaggica 70CAPTULO IIIPEDAGOGIA E SOCIOLOGIA 1 - Carter social da educao - 75 2 - Importncia da ao educativa 82 3 - Fins e meios da educao 87 4 - Concluso 897A OBRA PEDAGGICA DE DURKHEIM Durkheim dedicou os melhores anos de sua vida tanto sociologia como pedagogia. Na Faculdade de Letras, de Bordus, de 1887 a 1902, deu semanalmente,sem interrupo, uma hora de aula de pedagogia, e os seus ouvintes .a eram, na maioria, professores primrios. Na Sorbonne, foi na cadeira de "Cinciada Educao"que veio a substituir Fernando de Buisson. At a morte, a reservou pedagogia um tero pelo menos, e muitas vezes dois teros de seu ensino, em aulasaos alunosda Escola Normal Superior, cursos pblicos e conferncias. Essa obra pedaggica ainda se conserva indita, na maior parte. Poucos de seus auditores puderamabarc-la,em toda a extenso, motivo por que achamos de utilidade aqui exp-la, em suas idias capitais. mile Durkheim no distribuiu o pensamento e o tempo por duas atividades distintas, s porque estivessem coordenadas de modo acidental. pelo aspectoemque a educao se apresenta como fenmeno social, que ele a aborda; e a doutrina de educao, que levanta, elemento essencial de sua sociologia. "Comosocilogo,diz ele, ser sobretudo dentro da sociologia que vos falarei da educao. Alis, assim procedendo, no haver perigo em mostrar a realidade educativa, poraspectoque a deforme; estou convencido, ao contrrio, de que no h melhor processo para salientar a verdadeira natureza da educao. Ela fenmeno eminentementesocial." A observao comprova essa afirmao. Primeiramente, h em cada sociedade tantos sistemas de educao especiais quantos sejam os meios diferentesque elacomporte. Mesmo nas sociedades igualitrias, como as nossas, que tendem a eliminar diferenas injustas, a educao varia, e deve necessariamente variar,conformeas profisses,Todas essas formas especiais de educao repousam, sem dvida, sobre uma base comum. Mas a educao comum varia tambm de uma sociedade aoutra,Cada sociedade constri, para seu uso, certo tipo ideal de homem E este ideal o eixo educativo. Para cada sociedade, a educao o "meio"9pelo qual ela prepara, na formao das crianas, as condies essenciais de sua prpria existncia. Assim, "cada povo tem a educao que lhe prpria eque podeservir para defini-la, da mesma forma que a organizao poltica, religiosa ou moral". A observao dos fatos conduz, portanto, seguinte definio: "Aeducao a ao exercida pelas geraes adultas sobre aquelas no ainda amadurecidas para a vida social. Tem por objeto suscitar e desenvolver, na criana, certonmerode estados fsicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade poltica no seu conjunto e pelo meio especial a que a criana particularmente se destine".Em poucas palavras, "a educao a socializao da criana". Mas, por que isso se d, necessariamente? D-se, porque, em cada um de ns, pode-se dizer, existem dois indivduos, os quais, embora no possammaterialmenteser separados, apresentam-se anlise bem distintos. Um se compe de todos os estados mentais que no se referem seno a ns mesmos e aos fatos de nossavida pessoal; o que poderamos chamar o "ser individual". O outro um sistema de idias, sentimentos e hbitos, que exprimem em ns no a nossa prpria personalidade,mas ogrupo, ou os grupos diversos, de que fazemos parte; Wtais so as crenas religiosas, as crenas e as prticas morais, as tradies nacionais ou profissionais,asopinies coletivas de qualquer espcie. Seu conjunto forma o "ser social"; e o objetivo da educao , precisamente, constituir ou organizar esse ser, emcada umde ns. Sem a civilizao, o homem no seria o que . Pela cooperao e pelas tradies socique o homem se faz humano. Sistemas de moral, lnguas,religies,cincias - so obras coletivas, produtos sociais. Ora, pela moral que o homem forma em si a vontade, que governa o desejo; a linguagem que o eleva acimado domnioda sensao; nas religies, primeiramente, e depois na cincia, que se elaboram as noes rdeais com que a inteligncia vem a tornar-se propriamentehumana."Este ser , social no se apresenta acabado, na constituio primitiva do homem... Foi a sociedade que, medida que se veio consolidando, pde tirar deseu prprioseio estas grandes foras morais... Penetrandona vida, a criana no traz seno a constituio primitiva do homem. Em face de cada nova gerao, a sociedade se acha, pois, como se estivesse diante deuma tbularasa, ou quase; e isso a fora a novos dispndios, para uma construo que perpetuamente ter de renovar-se. preciso que, pelos meios mais rpidos e seguros,ela sobreponha ao ser egosta e associal, que acaba de nascer, um outro ser capaz de submeter-se vida moral e social. Eisa a obra da educao. A hereditariedade transmite os mecanismos instintivos que asseguram a vida orgnica e, nos animais que vivem em sociedade, uma vida social muitosimples.Mas no chega a transmitir as aptides que a vida social do homem supe, aptides muito complexas para serem materializadas sob a forma de predisposiesorgnicas.A transmisso dos atributos especficos, que distinguem o homem, se faz por uma via que social, como eles o so: essavia a ao educativa. Para o esprito habituado a observar a realidade, nessa forma, a concepo sociolgica da natureza da educao e de seu papel se impe com a forade umaevidncia. Durkheim a prope como um "axioma fundamental". Digamos, mais exatamente, ela uma verdade verificvel pela observao. Vemo-lo claramente quando,comohistoriadores, notamos que a educao em Esparta era a civilizao lacedemnia, preparando espartanos para a cidade lacedemnia; ou que a educao ateniense,aotempo de Pricles, era a civilizao ateniense preparando homens sob o ideal do homem da poca, naquele meio, para a cidade, ao mesmo tempo que para a humanidade,tal como Atenas a representava nas suas relaes consigo mesma. Bastar antecipar-nos ao futuro, para compreender como os historiadores interpretaro aeducaofrancesa do sculo XX: mesmo nas suas tentativas mais audaciosamente idealistas e humanitrias, ela um produto da civilizao francesa, consistindo emtransmitiressa civilizao; logo, ela procura plasmar homens conforme o tipo ideal do homem que essa civilizao implica, e preparar homens para a Frana e tambmpara a humanidade,tal como a Frana a imagina. Todavia, essa verdade to evidente tem estado quase desprezada e, de modo especial, no decorrer dos ltimos sculos. Filsofos e educadores tmacordadoem ver na educao um fenmeno eminentemente individual. "Para Kant, escrevia Durkheim, - para Kant, como para Mill, para Herbart, como para Spencer,a educao tinha por objeto, antes de tudo, realizar em cada indivduo os atributos constitutivos da espcie humana em geral, levando-os ao mais alto graude perfeio."Mas tal acordo no uma garantia da verdade. Bem sabemos que a filosofia clssica quase sempre tem esquecido o homem real, o homem de certo tempo e delugar determinado,nico que realmente observvel, para especular sobre uma pretensa natureza humana universal, produto ideolgico e arbitrrio, concebido sem mtodo, sobrenmeromuito restrito de tipos humanos. Admite-se hoje, geralmente, que o carter abstrato dessa filosofia falseou de muito a especulao poltica do sculo XVIII,porexemplo: individualista em excesso, muito separada da observao histrica, ela legislou quase sempre para um tipo de homem convencional, independente dequalquermeio social definido. Mas o progresso que atingiram, no sculo XIX, as cincias polticas, sob a influncia da histria, e da filosofia inspirada na histria,progressopara que tenderam no fim do sculo todas as cincias morais, devia realizar-se tambm no campo da filosofia da educao. A educao um processo social; isto , esse processo pe em contato a criana com uma sociedade determinada, e no com a sociedade in genere.Se esta afirmao legtima, a verdade que ela encerra preside no somente reflexo especulativa sobre a educao, mas comanda a prpria ao prtica de educar. E, comefeito, isso incontestvel, se bem que em teoria seja muitas vezes contraditada. Examinemos algumas das resistncias que a proposio de Durkheim suscita, quandoenunciada. Ouve-se, primeiro, o protesto que se podia chamar de universalista ou humanista. Ser danoso encorajar um nacionalismo estreito, ou seja, imolaros interessesda humanidade aos do Estado, ou mesmo de determinado regime poltico. No decorrer da guerra, freqentemente se ops a educao germnica educao latina,aquelapuramente nacional e toda em benefcio do Estado, esta liberal e humana. Afirma-se, sem dvida, que a educao prepara a criana para a ptria, mas tambmpara ahumanidade. De diversos modos assim se estabelece um antagonismo entre estes termos: educao social, educao humana, sociedade e humanidade. O pensamento de Durkheim paira bem acima de objees deste gnero. Ele jamais teve a inteno, como educador, de fazer prevalecer os fins nacionaissobreos fins humanos. Dizer que a edu-cao coisa social no formular um programa de educao: verificar um fato. Durkheim t este fato por verdadeiro, por toda parte, fosse qual fossea tendnciaque prevalecesse, aqui ou ali. O cosmopolitismo no menos social que o nacionalismo. H civilizaes que impelem o educador a colocar a ptria acima detudo; outrasque o levam a subordinar os fins nacionais aos fins humanos, ou melhor, a harmoniz-los. O ideal universalista est ligado a uma civilizao sinttica,que tendea combinar todas as outras. Alis, no mundo contemporneo, cada nao tem o seu cosmopolitismo, seu humanismo prprio, no fundo do qual se reconhece o seuprprioesprito. Qual , com efeito, para ns, franceses do sculo XX, o valor relativo dos deveres para com a humanidade, e dos deveres para com a ptria? Comopodem elesentrar em conflito? Como podem ser conciliados? Muito altas so essas indagaes, e o socilogo no as resolver em proveito do nacionalismo se comearpor definira educao como ele o faz. Se o fizer, ao abordar essas questes, ter as mos livres. Reconhecer o carter que realmente anima a educao, no o leva aprejulgardas foras morais que solicitam o educador em direes diversas e, s vezes, opostas. A mesma resposta responde s objees individualistas. Durkheim define a educao como a socializao da criana. Mas ento, pensam alguns, de nadavalea personalidade humana, a noo da iniciativa, da responsabilidade, o aperfeioamento prprio do indivduo. Estamos to acostumados a opor a idia de sociedadeidia de indivduo que toda doutrina, que faa do termo "sociedade" uso freqente, parece sacrificar o indivduo. Ainda aqui, h confuso. Se um homem existiucomoum indivduo, com personalidade prpria, com tudo quanto o termo implica de originalidade criadora e resistncia s influncias coletivas - esse homem foiDurkheim.E sua doutrina moral corresponde to bem ao seu prprio carter que no se avanaria um paradoxo se se desse a essa doutrina o nome de individualismo. Suaprimeiraobra "A Diviso do Trabalho Social" (la Division du travail social) prope toda uma filosofia da histria, na qual a gnese, a diferenciao, a libertaodo indivduoaparecem como carter dominante do progresso da civilizao, e a exaltao da pessoa humana como o seu termo atual. Tal filosofia da histria leva a estaregra moral:"distingue-te, torna-te uma pessoa". Como semelhante doutrina enxergaria, na educao, qualquer processo dedespersonalizao? Se preparar uma pessoa atualmente o fim da educao, e, se educar socializar, concluamos com Durkheim, que possvel individualizar,socializando. esse, precisamente, o seu pensamento.. Pode-se discutir o modo pelo qual ele encara a educao da individualidade. Mas a sua definio de educao a de um pensador que, por um instante,nodesmerece nem sobreestima a funo ou o valor do indivduo. E preciso assinalar aos socilogos que, justamente, da anlise que ele faz da educao, ressaltaoseu pensamento acerca das relaes entre a sociedade e o indivduo, como a respeito da funo dos indivduos de escol no progresso social. Aparece tambm, por fim, quem se contraponha ao realismo de Durkheim em nome do ideal. Faz-se-lhe o reparo de que ele humilha a razo, e desencorajaosesforados, como se se fizesse v apologista sistemtico do que , e ficasse indiferente ao que deva ser. Para compreender como, ao contrrio, esse realismopedaggicose mostra capaz de orientar a ao humana, vejamos qual a concepo que Durkheim fazia de pedagogia. - Todo o ensino de Durkheim satisfazia a uma necessidade profunda de seu esprito, e que era a da prpria orientao cientfica ou positiva. Durkheimsentiaverdadeira repulso pelas construes arbitrrias, pelos programas de ao que to-somente tduzissem as tendncias de seu autor. H necessidade de refletirsobreum dado, sobre uma realidade de observao, sobre o que ele chamava uma coisa. Considerar os fatos sociais como coisa tal a primeira regra de seu mtodo.Assim,quando discorria sobre assuntos de moral, via-se que primeiramente apresentava fatos, coisas; e os seus prprios gestos demonstravam que, se bem que setratassede realidades espirituais, no materiais, ele no se limitava a analisar os conceitos, mas parecia torn-las ao vivo, para mostr-las, manejando realidades.A educao uma coisa, ou, por outra palavra, um fato, um processo real: Em todos os grupos sociais, com efeito, d-se o fenmeno da educao. Conforme as tradies, os hbitos, as regras explcitas ou implcitas, numcerto quadrodeterminado de instituies comum instrumental prprio, sob a influncia de idias e de sentimentos coletivos, neste pas, no sculo XX -educadores educam, crianas so educadas. Tudoisso podeser descrito, analisado, explicado. A noo de uma cincia da educao , pois, idia perfeimente clara. Como cincia, tem por fim nico conhecer, compreendero que existe. No se confunde com a atividade efetiva do educador, nem mesmo com a pedagogia, que visa a dirigir essa atividade. A educao o seu objeto;mas entendamosque nem por isso ela tende aos mesmos fins que a educao. Aocontrrio, ela supe a educao j existente, por isso mesmo quex a observa. Essa cincia Durkheim no contesta que, em grande parte, seja de ordem psicolgica. S a psicologia, apoiada na biologia, ampliada pela patologia,permitecompreender por que a criana tem necessidade de educao; no que ela difere do adulto; como se formam e evoluem seus sentidos, sua memria, suas capacidadesdeassociao, de ateno, sua imaginao, seu pensamento abstrato, sua linguagem, seus sentimentos, seu carter, sua vontade. A psicologia infantil, relacionadacoma do homem adulto, completada pela psicologia prpria do educador - eis uma das vias por onde a cincia pode abordar o estudo da educao. Isso universalmenteadmitido. Mas a psicologia no seno uma das duas vias de acesso possvel. Quem a tomar, de modo exclusivo, expe-se a no abordar o fato educativo senopor umade suas faces. Porque a psicologia evidentemente incompetente quando se trate de dizer no mais o que seja a criana, que recebe a educao, sua maneiraprpriade assimilar e de reagir, mas a natureza mesma de civilizao que a educao transmite, e a aparelhagem que emprega para transmiti-la. A Frana do sculoXX possuiquatro graus e formas de ensino: primrio, secundrio, superior, tcnico, cujas relaes no so perfeitamente as mesmas que apresentam na Alemanha, naInglaterraou nos Estados Unidos. Seu ensino secundrio repousa sobre o francs, as lnguas clssicas, as lnguas vivas, a histria, as cincias; em 1600, repousavaexclusivamentesobre o latim e o grego; na Idade Mdia, sobre a dialtica. Nosso ensino se faz, em parte, por processos intuitivos e experimentais; o dos Estados Unidoslana modesses processos em mais larga escala, ao passo que a educao medieval e humanista era exclusivamente livresca. Ora, evidente que as instituies escolares,asmatrias do ensino15e os mtodos so fatos sociais. O livro, o prprio livro, um fato social; o culto do livro e o declnio desse culto dependem de causas sociais. No alcanocomoo psiclogo, nessa qualidade, possa conhecer dessas coisas. A educao fsica, moral, intelectual, que uma sociedade fornece em dado momento de sua histriapertence,manifestamente, ao campo da sociologia. Para estudar cientificamente a educao, como fato suscetvel de observao, a sociologia deve colaborar com a psicologia.Sob um desses dois aspectos, o estudo cientfico da educao sociolgico. E por ele que Durkheim abordava o assunto. Fazendo-o, abria um novo caminho, levado apenas pela lgica interna de seu prprio pensamento, como precursor que era e no imitador de doutrinashoje muitoem voga, mas inferiores sua nitidez e fecundidade. A Alemanha criou a expresso Sozialp?idagogik; e os Estados Unidos, a de Educational Sociology, quemarcam seguramentea mesma tendncia. Mas, sob tais expresses., misturam-se ainda freqentemente coisas bem distintas, como por exemplo, de um lado, orientao mais ou menosincertapara o estudo sociolgico da educao, tal como Durkheim o concebia; e, de outro, um sistema de educao que se preocupa mais particularmente em prepararo homempara a vida social, ou seja, formar o cidado: Staatsbrgerliche Erziehung, como o chama Kerschensteiner. A idia americana da Educational Sociology seaplica confusamenteao estudo sociolgico da educao e, ao mesmo tempo, introduo da sociologia nas classes, como matria do ensino comum. A cincia da educao, como adefiniaDurkheim, sociolgica em acepo muito mais clara. Quanto ao que ele entende por pedagogia, convir lembrar que no a atividade educativa, por si mesma, nem a cincia especulativa da educao. a reaosistemtica da segunda sobre a primeini, a obra da reflexo, que pesquisa na psicologia e na sociologia princpios para a prtica ou a reforma da educao.Assimconcebida, a pedagogia pode ser idealista, sem chegar a ser utpica. Que muitos e muitos pedagogos ilustres tenham cedido ao esprito de sistema, e assinalado educao um fim inacessvel ouarbitrariamente escolhido, Durkheim no trrio, pe-nos at em guarda contra isso.contesta e, pelo conA sociologia combateaqui a inimigo a que j est habituada; em todos os seus domnios, ia moral, na poltica, mesmo na economia poltica, o estudo16cientfico das instituies tem sido precedido por.uma filosofia essencialmente artificialista, que pretende formular receitas para assegurar aos indivduosou aospovos o mximo da felicidade, sem deles conhecer antes disso, suficientemente, as condies de existncia. Nada parece mais contrrio aos hbitos mentais do verdadeira socilogo que dizer, de entrada: "eis como se deve educar a criana", fazendo tabularase daeducao que realmente se lhe d. Organizaes escolares, programas de ensino, mtodos, tradies, hbitos, tendncias, idias, ideais dos mestres - eisum conjuntode fatos cujas razes de existncia ele procurar descobrir, antes de propor qualquer mudana. Se a educao francesa em grande parte tradicionalista,pouco dispostaa modelar suas formas tcnicas por novos mtodos; se apela grandemente para as faculdades de intuiro, de tato, de iniciativa dos mestres; se respeita olivre desenvolvimentoda criana; se ela mesma resulta, em grande parte, no da alo sistemtica dos mestres, mas da ao difusa e involuntria do meio - a esto fatos, quetm causas,e que de modo geral se relacionam com as condies de vida da sociedade francesa. A pedagogia, inspirada pela sociologia, no se arrisca, pois, a defenderum sistemade aventura, ou a aconselhar a mecanizao da criana, com prejuzo do seu desenvolvimento natural. Caem, assim, por terra as objees de eminentes pensadoresquese obstinam a contrapor Educao e Pedagogia, como se o fato de refletir sobre uma ao que se tenha de exercer possa condenar essa atividade falncia. Mas no o caso de dizer que a reflexo cientfica seja praticamente estril e que o realismo seja a expresso do esprito conservador, capaz deaceitarpreguiosamente tudo o que se lhe apresente. Saber, a fim de prever e prover, dizia j Augusto Comte, da cincia positiva. E, de fato, assim . Tanto maisse conheaa natureza das coisas, mais podero ser utilizadas convenientemente. Por exemplo: o educador forado a conduzir e orientar a ateno da criana. Ningumnegarque ele melhor a conduzir se conhecer dela, exatamente, a natureza e condies de sua produo. A psicologia admite, pois, aplicaes prticas, com asquais a pedagogiaformula regras para maior eficincia da educao. Da mesma forma, o conhecimento sociolgico da educao pode admitir aplicaes prticas. Em que consistea laicizaoda moral? Quais so suas causas? Donde provm asresistncias que ela suscita? Que dificuldades ter de vencer a educao moral dissociada da educao religiosa? Problema manifestamente social, de flagranteatualidadepara as sociedades contemporneas: como contestar que o seu estudo desinteressado possa conduzir a formular regras pedaggicas de que o mestre francs dosculoXX se sirva como vantagens, na sua prtica educativa? As crises e os conflitos sociais apresentam causas que podem e devem ser estudadas. Mas isso no significa que se deva proibir o estudo das suassoluesou remdios. As instituies no so absolutamente plsticas, nem absolutamente refratrias qualquer modificao projetada. Adaptar prudentemente as reformasaosfins visados, de modo que elas se incorporem civilizao preexistente, eis at um belo campo de ao para a poltica racional; e, em se tratando de instituiesde educao, para uma pedagogia racional, nem conservadora nem revolucionria, isso ser eficaz nos limites em que a ao intencional do homem possa sereficaz. So assim conciliados o realismo e o idealismo. Porque os ideais so realidades. A Frana contempornea, por exemplo, tem um ideal intelectual;ela concebeum tipo ideal de inteligncia, que prope criana. Mas esse ideal complexo e confuso. Os publicistas, que o pretendem exprimir, no mostram dele geralmentemaisque uma face, ou elemento; elementos de provenincia, de idade, e, por assim dizer, de orientao diversas, solidrios uns com certas tendncias sociais,outroscom tendncias diversas ou opostas. No ser impossvel, porm, tratar esse ideal complexo como uma coisa, isto , analisar-lhe os componentes, determinarsua gnese,causas e necessidades a que correspondam. E esse estudo, primeiro todo desinteressado, a melhor preparao para prudente escolha entre os mais diversosprogramasde ensino, que se possam imaginar, e as regras a seguir para a execuo do programa preferido. Pode dizer-se o mesmo, mutatis rnutandis, da educao moral,e, tantodas questes de mincia, como dos problemas mais amplos. Portanto, a opinio, o legislador, a administrao, os pais, os mestres, todos tm a cada instantede tomarpartido, quer se trate de reformar profundamente as instituies quer de apenas faz-las funcionar. Ora, eles operam sobre uma matria resistente que nose deixamanejar arbitrariamente: meio social, instituies, hbitos, tradies, tendncias coletivas. No quedependa da sociologa, a pedagogia ser a preparao racional para as deliberaes a tomar. Durkheim ligava a mais alta importncia a essa concepo nacionalista da ao, no somente como estudioso, mas como cidado. Inimigo da agitaoreformista,que perturba sem melhorar, sobretudo das reformas negativas que destroem sem substituir o que condenam, ele possua, no entanto, o senso e o gosto da ao.fitaspara que a ao fosse fecunda, desejava que ela fosse dirigida para o possvel, limitado, definido, determinado pelas condies sociais. Seu ensino pedaggico,destinadoaos mestres, teve sempre carter eminentemente prtico. Absorvido por outros trabalhos, no teve temipo de aplicar-se a pesquisas puramente especulativassobre aeducao. Em suas aulas, os assuntos eram abordados sob mtodo cientfico, como o mostramos acima. Mas a escolha dos assuntos era ditada pelas dificuldadesprticasque o educador de nosso tempo pudesse encontrar. Era, portanto, a concluses de ordem :prtica que ele desejava chegar. Durkheim deixou oi manuscrito, j completamente redigido, em dezoito lies, de um curso, acerca da Educaro moral na escola primria. Qual a distribuio que deu matria? A primeira lio uma introduo sobre a Imoiga. Durkheim a define o papel moral que, na Frana,contempornea,incumbe ao educador; trata-se de dar, por meio dele, uma educao moral leiga, nacionalista. Essa laicizao d:a moralidade determinada por toda nossaevoluohistrica. MMas no fcil. A religio e a moral tm estado to intimamentte ligadas, na hiia da civilizao, que a sua separaro no poderia ser coisade simplesrealizao. Se nos contentarmos em desjpir a moral de seu contedo religioso, ela fica mutilada. Porque-- a religio exprime, a seu modo, em linguagem simblica,cousas verdadeiras. E ser preciso no perder tais verdades, com os smbolos que venhamos a eliminar; preciso retom-las, projetando-as sobre o planodo pensamentoleigo.Os sistemas racionalisstas, especialmente os sistemas no-metafsicos, tm apresentado mma imagem muito simplificada da moral.Tornando-se sociolgca, a anlise moral pode dar um funda-mento de razo, que no seja religioso nem metafsico, e que baste constituio de uma concepo moral to complexa, e mais rica mesmo, sob certos aspectos,doque a moral tradicional; alm de que poder permitir chegar at s fontes de onde jorram as mais intensas energias morais. As lies que vm a seguir, agrupam-se em duas partes bem distintas; e esse plano ilustra o que dissemos da contribuio que trazem pedagogia,de um ladoa sociologia e, de outro, a psicologia. A primeira parte estuda a moralidade, em si mesma, isto , a civilizao moral que a educao transmite criana: umaanlise sociolgica. A segunda estuda a natureza da criana que deve assimilar essa moral: e, aqui, a psicologia ocupa o primeiro lugar. As oito lies que Durkheim consagrou anlise da moralidade so tudo quanto deixou de mais acabado-acerca do assunto, pois a morte veio interromp-lonaredao dos prolegmenos de sua Moral. Ele a no trata dos deveres morais, mas dos caracteres gerais da moralidade. o equivalente, para ele, do que osfilsofoschamam de Moral Terica. Mas o mtodo por ele ensaiado renova o assunto. Concebe-se, facilmente, como a sociologia pode estudar o que, na realidade, vm a ser a famlia, o Estado, a propriedade, o contrato. Mas, quandose tratado Bem e do Dever, parece que se vo enfrentar puros conceitos, no instituies, e que um processo de anlise abstrata venha aqui impor-se, falta deaplicabilidadeda observao. Eis o ngulo do qual Durkheim encara o assunto. A educao moral tem por funo, sem dvida alguma, incitar a criana nos diversos deveres,suscitandonela virtudes particulares, presas uma outra. Mas tambm tem por fim desenvolver no educando a aptido geral da moralidade, ou disposies fundamentaisque estona raiz da vida moral, constituindo nele o agente moral, pronto s iniciativas que so a condio mesma do progresso. Quais so, com efeito, na sociedadefrancesacontempornea, os elementos do temperamento moral de que a realizao o objetivo para o qual deva tender a educao moral, em geral? Esses elementos podemserdescritos; podemos deles compreender a natureza e a funo. E , em suma, esta descrio que forma o contedo dos sistemas morais tericos. Cada filosofiadefine,a seu modo, esses elementos fundamentais. Mas cada umaquer construir tambm, mais do que descreve. Podemos fazer o20mesmo trabalho, tomando por objeto no o nosso ideal pessoal, mas o ideal que representa, em suma, o de nossa civilizao. Assim, o estudo da educao moralnospermitir apreender, nos fatos, as realidades a que correspondam, os conceitos abstratos, manejados pelos filsofos. Ela apela para a cincia dos costumes,de modoa observar o que a moralidade nos seus caracteres mais amplos; porquanto, na educao, percebemos a moral somente quando ela se transmite, no momentoem que, emconseqncia, se distingue mais nitidamente das conscincias individuais, na complexidade das quais habitualmente se acha envolvida. Durkheim reduz a trs esses elementos fundamentais da moral. So eles: o esprito de disciplina, o esprito de abnegao e o esprito de autonomia.Indiquemos,a ttulo de exemplo, o plano seguido por Durkheim, na anlise do primeiro elemento. O esprito de disciplina , a um tempo, o senso e o gosto da regularidade,osenso e o gosto da limitao ao desejo, o respeito regra que impe ao indivduo a inibioos impulsos e o esforo. Par que a vida social exige essaregularidade,limitao e esforo? E depois, como o indivduo acaba por aceitar essas exigncias como condies de sua prpria felicidade? Responder a essas indagaesser determinara funo da disciplina. Como a sociedade se torna apta a impor a disciplina e, notadamente, a despertar no indivduo o sentimento do respeito devido autoridadedum imperativo categrico, que aparece como transcendente? Responder a essa pergunta ser tratar da natureza da disciplina e de seu fundamento racional.Por que,enfim, a regra pode e deve ser concebida como independente de todo simbolismo mstico e mesmo metafsico? Em que esta objetivao modifica o contedo mesmoda idiade disciplina, o que ela exige e o que permite? Aqui tocamos a natureza e a funo da disciplina, no mais sob as condies da civilizao em geral, massob as condiesparticulares da existncia da civilizao em que vivemos. E poderemos verificar se nosso esprito de disciplina, a ns, franceses, bem o que deve ser,se ele noest patologicamente enfraquecido, e como a educao, respeitando os seus caracteres especficos, poder melhorar a moralidade nacional. Anlise idntica se aplica ao esprito de abnegao. Que , e para que serve, j do nto de vista do indivduo, j do da socie-dade? Quais so os fins a que ns, do sculo XX, nos devemosvotar? Qual a hierarquia destes fins, donde provm eles, como se podem conciliar, se entre eles houver antagonismos parciais?... As mesmas indagaescabem quantoao esprito de autonomia. A anlise deste ltimo elemento particularmente fecunda, porque se trata nele de um dos pontos mais recentes da moralidade,do cartermais caracterstico cia moralidade leiga e racionalista de nossas sociedades democrticas. Estas indicaes sumrias bastam para salientar uma das principais superioridades do mtodo seguido por Durkheim. Ele consegue demonstrar toda acomplexidade,toda a riqueza da vida moral, riqueza feita de oposies que no podero ser nunca fundidas, em sua totalidade, numa sntese harmoniosa; riqueza tal quenenhum indivduo,por maior que seja, poder aspirar a trazer em si, perfeitamente desenvolvidos, todos esses elementos, realizando assim integralmente, em si s, toda amoralidade.Pessoalmente, Durkheim foi, como Kant, homem de vontade e de disciplina. Da moralidade, o aspecto kantiano que se v primeiramente e mais nitidamente.E, por vezes,tem-se querido fazer da coao a nica ao que a sociedade pode exercer sobre o indivduo. Sua verdadeira doutrina infinitamente mais compreensiva, eno haver,talvez, filosofia moral que o seja no mesmo grau. Ele demonstra, por exemplo, que as foras morais, que constrangem e mesmo violentam a natureza animaldo homem,exercem tambm sobre o homem uma atrao, uma seduo, e que a esses dois aspectos do fato moral que correspondem as duas noes de "dever" e de "bem".E ele demonstraque, para esses dois plos, se orientam duas atividades morais distintas, das que nem uma nem outra estranha ao agente moral bem constitudo; contudoconformeprevalea uma ou outra, distinguem-se dois tipos humanos diversos: - homem de sentimento, entusiasta, em que domina a aptido a sacrificar-se, e o homemde vontade,mais frio e mais austero, em que domina o senso da lei. Mesmo o eudemonismo e o hedonismo tm seu lugar na vicia moral: preciso que haja epicuristas,dizia Durkheim.Assim, elementos dspares, mesmo contrrios, fundem-se na riqueza da civilizao moral, riqueza que a anlise abstrata dos filsofos tende a amesquinhar,porquedeseja, por exemplo, deduzir a idia do bem da do dever, conciliando os conceitos de obrigao de autonomia, e reduzindo ao jogo lgico de algumas idias simples uma realidade muito mais complexa. As neve lies, que formam a segunda parte do curso, abordam o problema propriamente pedaggico. Os elementos da moral foram indicados e definidos;importasaber como constitu-los na criana. De que modo a natureza da criana se presta a receb-los, que recursos, que formas, mas tambm que obstculos nelaencontraro educador? Os ttulos das lies bastam para indicar a marcha do pensamento: A disciplina e a psicologia da criana; A disciplina escolar, a penalidadee as recompensasescolares, prirrreiramente; depois, O altrusmo na criana; A influncia do meio escolar na formao do senso social; enfim, a influncia geral do ensinodas cincias,das letras, da histria, da prpria moral e tambm da cultura esttica sobre a formao do esprito de autonomia. A autonomia a atitude do indivduo que aceita a regra, porque a reconhece racionalmente estabelecida. Ela supe a aplicao, livre mas metdica,da inteligncia,ao exame das regras quea criana primeiro recebe feitas da sociedade, em cujo seio cresce, mas que depois deve aprender a vivificar, a conciliar, a depurar de seus elementos caducos,areformar para melhor adapt-las s condies variveis da sociedade, de que vai tornar-se membro ativo. a cincia, diz Durkheim, que confere a autonomia.S elaensina a reconhecer o que fundado na natureza das coisas, natureza fsica e natureza moral, o que inelutvel, o que modificvel, o que normal, quaissoos limites da alo eficaz para melhorar a natureza moral. Desse ponto de vista, todo 0 ensino encerra um destino moral, desde o ensino das cincias cosmolgicas,mas especialmente o ensino do prprio homem, pela histria e pela sociologia. assim que a educao moral completa reclama, hoje, um ensino da moral, duascoisasque Durkheim distinguia nitidamente, ainda que a ltima devesse servir como complemento da primeira. Parece-lhe indispensvel que, mesmo na escola primria,o mestreensine criana o que so as sociedades em que ela chamada a viver: famlia, corporao, comunidade de civilizao, a que tende a incorporar-sea humanidadeinteira; como tais sociedades se formam e se transformam; que ao elas exercem sobre o indivduo e que papel ele a vai desempenhar. Do curso que muitasvezes deusobre esse Ensino23da moral na escola primria no possumos seno esboos de redao ou planos de aulas. Durkhm a demonstra como possvel traduzir, ao alcance das intelignciasinfantis, os resultados do que ele chamava "Fisiologia do direito e dos costumes". A Educao intelectual na escola primriez foi objeto dum curso (que tambm ficou completamente redigido), paralelo ao que concerne educao morale desenvolvidosobre o mesmo plano. Durkheim no se sentia satisfeito com ele, desejava corrigi-lo. que o ideal intelectual de nossas democracias menos definido queseu idealmoral, o que se compreende por ser o estudo cientfico menos trabalhado, e a matria, mais recente. Aqui, ainda duas partes, com orientao diversa: uma visa ao fim estabelecido, outra aos meios a empregar; a primeira pede sociologia que definao tipointelectual que a sociedade atual se esfora em realizar; a outra pede lgica e psicologia informem que auxlio cada disciplina fornece, que recursos,que foras,que resistncias o esprito infantil apresenta ao educador na realizao do tipo fixado. Para assinalar um fim preciso educao intelectual, Durkheim estuda as origens do ensino primrio, e verifica como esse ensino tomou conscinciade suanatureza e de seu fim prprio. Ele se desenvolveu depois do ensino secundrio, e se definiu, de certo modo, em oposio a este. Foi nas idias Je dois deseus principaisiniciadores, Comenius e Pestalozzi, que Durkheim procurou surpreender o ideal em formao. Ambos indagaram como o ensino podia ser ao mesmo tempo enciclopdicoeelementar dar uma idia do todo, formar um esprito justo e equilibrado, isto , capaz de apreender toda a realidade, sem desconhecimento de nenhum elementoessencial- mas tambm dirigir-se a todas as crianas sem exceo, de que o maior nmero deveria contentar-se com sumrias noes, fceis de assimilar rapidamente.Pela interpretaocrtica das tentativas de Comenius e de Pestalozzi, Durkheim estabelece o ideal a realizar. Como para a moralidade, a intelectualidade requerida para ofrancs contemporneoexige a combinao, no esprito, de certo nmero de aptides fundamentais. Durkheim as chama de categorias, noes-24mestras, centros de inteligibilidade, que so os quadros e aparelhagem do pensamento lgico. Devemos entender pela expresso categorias, no somente a noode causaou de substncia, mas as idias mais ricas de contedo, que presidem nossa interpretao do real, nossa interpretao atual: nossa idia do mundo fsico,nossaidia da vida, nossa idia do homem, por exemplo. V-se logo que essas categorias no so inatas no esprito humano. Elas tm uma histria; foram estabelecidas,pouco a pouco, no curso do desenvolvimento da civilizao e, em nossa civilizao, pela evoluo das cincias fsicas e morais. Um bom esprito um espritocujasidias mestras, as que regulam o exerccio do pensamento, esto em harmonia com as cincias fundamentais, tais como esto atualmente constitudas; assimarmado,esse esprito pode mover-se na pesquisa da verdade, tal qual a concebemos. preciso ensinar s crianas os elementos das cincias fundamentais, diremosmelhor,das disciplinas fundamentais, para bem marcar que a gramtica ou a histria, por exemplo, tambm cooperam, e em alto grau, na formao do intelecto. Como outros tantos grandes pedagogos, Durkheim aceita o que se veio a denominar, de modo brbaro, a cultura formal; formar o esprito, no ench-la;no especialmente pela utilidade de informao que valem os conhecimentos. Nada menos utilitria que esta concepo da instruo. Mas o seu formalismo originalese ope claramente ao de um Montaigne, ao dos humanistas. Com efeito, a transmisso, pelo mestre ao aluno, dum saber positivo, a assimilao pela crianaduma matria,parece-lhe ser condio da verdadeira formao intelectual. Compreende-se a razo disso: a anlise sociolgica do pensamento acarreta conseqncias pedaggicas.A memria, a ateno, a associao so disposies congnitas na criana, disposies essas o desenvolve to-somente no campo da experinciaindividual,qualquer que seja o assunto ao qual essas faculdades se apliquem. As idias diretrizes elaboradas pela civilizao atual representam ao contrrio idiascoletivas,que preciso transmitir criana porque no as saberia ela elaborar por si s. Ningum refaz a cincia, por sua experincia prpria, porquanto a cincia social,nunca individual; a cincia se ensina e se aprende. Sem dvida, ela no se derrama de um esprito em outro; o prprio vaso, isto , a inteligncia quese tratade modelar pela cincia, com a cincia. Assim, ainda que as idias diretrizes sejam formais, no possvel25transmiti-Ias vazias. Augusto Comte j dizia que no se pode estudar a lgica sem a cincia, o mtodo da cincia sem a sua doutrina; nem tornar-se iniciadono espritoda cincia, sem assimilar alguns de seus resultados. Com ele, Durkheim pensa que preciso aprender coisas, adquirir conhecimentos, sem levar em conta oseu valorprprio, porque esto necessariamente implicados nas formas constitutivas da inteligncia. Para perceber tudo quanto Durkheim tira desses princpios, ser preciso entrar nas mincias da segunda parte do curso. Ele a estuda, sucessivamente,a didticade algumas partes fundamentais do ensino: as matemticas e as categorias do nmero e da forma; a fsica e a noo da realidade; a geografia e a noo domeio planetrio;a histria e a noo de durao e evoluo histrica. A enumerao incompleta, embora Durktenha tratado da educao lgica pelas lnguas.Ele nos forneceapenas exemplos. A colaborao de especialistas ser necessria para continuar, nas mincias, todas as conseqncias didticas dos princpios fixados. Seja, por exemplo, a noo da educao histrica. A histria o desenvolvimento, noempo, das sociedades humanas. Mas esse tempo ultrapassa infinitamenteas duraes que o indivduo conhece, de que ele tem experincia direta. A histria no pode ter sentido para um esprito que no possua certa representaodessadurao histrica; um bom esprito notadamente um esprito que a possui, Ora, a criana nde construir sozinha essa representao de que os elementosno lheso fornecidos pela sensao nem pela memria individual. preciso, pois, ajuda-la a construir tal representao. De fato, essa uma das funes que oensino dahistria deve preencher. Mas deve preencher, afirmamos, sem visa-lo expressamente. Observa-se que o mestre raramente percebe o nenhum valor das datas ea necessidadede trabalhar sistematicamente no sentido de dar-lhe significao. Ensina-se criana: batalha de Tolbiac, 496. Como a criana ligar a essa data sentidopreciso,quando a representao de um passado mesmo prximo lhe to difcil? necessrio longo trao, cujas etapas poderiam ser as seguintes: dar a idia deum sculo,emendando uma outra a durao de 3 ou 4 geraes; a da era crist, explicando por que o nascimento de Cristo foi escolhido como ponto de partida; entreesse pontoe a poca atual, balizando a durao por pontos de referncia concretos,26biografias de personagens notveis ou acontecimentos simblicos. Deve-se construir assim uma primeira trama, em que se estreitaro pouco a pouco os fios.Depois,fazer sentir que o ponto inicial de nossa era convencional, que h outras eras, outras histrias que no a nossa, que essas eras flutuam elas prpriasnuma duraoa que a cronologia humana no se aplica mais, que os primeiros comeos nos escapam, etc. Poucos dentre ns se lembraro de ter recebido, de seus professoresde histria,lies inspiradas em tais princpios. Ns viemos a adquirir as noes referidas pouco a pouco, mas no se pode dizer que, salvo exceo, as tenhamos constitudometodicamente. Um dos resultados essenciais do ensino da histria , pois, mais ou menos obtido, sem ser claramente percebido ou desejado. Ora, a brevidadedo ensinoprimrio exige que se caminhe direto ao fim, se essa educao deseja ser eficiente. Pode-se dizer que, at agora, o ensino gramatical e literrio o nico que tem tido conscincia plena de sua funo lgica: ele praticado paraformar;os conhecimentos que ele transmite so voluntariamente utilizados na constituio do pensamento. De certo modo, o ensino matemtico se atribui funo idntica:aqui,no entanto, j a funo educativa, criadora de conhecimentos fica muitas vezes perdida de vista, e os conhecimentos so apreciados por si mesmos. V-se que a didtica de Durkheim se aproxima da de Herbart, com novos aspectos. Colocada no lugar que lhe compete na histria das doutrinas pedaggicas,ela parece decidir o conflito do formalismo e das doutrinas que lhe so contrrias, a oposio entre o saber e a cultura. Ela fornece o princpio que permitirporsi s resolver as dificuldades em que se debatem o ensino primrio e secundrio, comprimidos como se acham entre as aspiraes enciclopdicas e o justosentimentodos perigos que dessas aspiraes derivam. Cada uma das disciplinas fundamentais implica uma filosofia latente, isto , um sistema de noes cardeais, (lueresumeos caracteres mais gerais das coisas, tal como ns as concebemos. essa filosofia, fruto acumulado de geraes, que se torna preciso transmitir criana,pois ela a ossatura da inteligncia. "Filosofia" e "elementar" no so termos que se excluam. Muito ao contrrio: tanto mais elementar, tanto mais27filosfico o ensino. Claro est que aquilo que chamamos aqui de filosfico no pode ser exposto sob forma abstrata. Essa filosofia deve ser sugerida peloensino,nunca formulada. Mas, para esse efeito, ser necessrio que inspire todo o trabalho didtica. A educao intelectual elementar ressalta nos dois tipos de ensino comum: o ensino primrio, para a massa, o ensino secundrio para grupos maisreduzidos.a educao secundria que levanta, na Frana contempornea, os problemas mais embaraosos. Desde h um sculo, nosso ensino secundrio atravessa uma crise,cujasoluo ainda incerta. Pode-se falar, sem exagero, de uma questo social do ensino secundrio. Quais so, exatamente, a sua natureza e a sua fundo? Que causas determinaram a crise, em que consiste ela precisamente, que se pode prever acercade suasoluo? Foi para tratar destas questes que Durkheim realizou um curso acerca da evoluo e do papel do ensino secundrio na Franga, curso que professouvriasvezes e de que deixou duas redaes. Empreendeu-o a pedido de Liard, quando este desejou organizar pela primeira vez um ensino pedaggico para os futurosprofessoresde ensino secundrio. Destinado aos candidatos de todas as espcies de "agregao", tanto cientficas como literrias, tinha por fim, segundo Durkheim,despertarem todos, ao mesmo tempo, o sentimento da tarefa comum: sentimento indispensvel, se se quiser que diversas disciplinas concorram a um ensino que, como0 espritoque ele forma, deve ter unidade. verossmil que os futuros professores do ensino secundrio sintam um dia, por si mesmos, a necessidade de refletir metodicamente,sob a direo dum mestre, acerca da natureza e da funo prpria da instituio que vo fazever. E, nesse dia, o curso de Durkheim aparecer como oguia maisseguro para essa reflexo. Seu autor achava insuficientes as pesquisas que havia feito sobre muitos pontos e a documentao que obtivera, incompleta. Masesse curso um modelo incomparvel de que pode dar a aplicao do mtodo sociolgico s coisas da educo nico exemplo que Durkheim deixou concludo de anlisehistricadum sistema de instituies escolares.28 Para saber o que o ensino secundrio atual da Frana, Durkheim observa como ele se formou. Os quadros datam da idade Mdia, que viu nascer asuniversidades. no seio das universidades, pela introduo progressiva nos colgios, do ensino dado na "Faculdade das Artes", que o ensino secundrio nasceu, diferenando-sedoensino superior. Assim se explicam suas afinidades; um prepara o outro. O ensino dialtico , na Idade Mdia, a propedutica geral, porque a dialtica eraentoo mtodo universal; ensino formal, cultura geral dada com o auxlio duma disciplina toda especial, possua j os caracteres que guardaria, em todo o decursode suahistria, o ensino secundrio. Mas, se os quadros foram constitudos desde a Idade Mdia, a disciplina educativa se transformou no sculo XVI; lgicasucedem ashumanidades greco-latinas. Originrio da Renascena, o humanismo, na Franga, foi obra dos jesutas, especialmente. Eles lhe imprimiram cunho especial; e,se bemque seus rivais, os de PortRoyal, e os da universidade tenham modificado o sistema, foi o humanismo, tal como o compreenderam os jesutas, que formou oespritoclssico francs. Em nenhuma outra sociedade europia a influncia do humanismo foi to exclusiva: o esprito nacional francs, por alguns de seus caracteresdominantes,nele se exprime e, ao mesmo tempo, dele resulta, com qualidades e defeitos. Mas, a partir do sculo XVIII, outras tendncias se manifestaram: a pedagogia,chamadarealista, combate de frente o humanismo. Primeiramente, faz nascer uma doutrina, sem ao imediata sobre as instituies escolares. Depois cria, com asEscolas Centrais,da Conveno, um sistema escolar completamente novo, embora de durao efmera. E o sculo XIX se pe na pendncia, sem conseguir eliminar a um ou ao outro,nemmuito menos poder concili-los de modo definitivo. E nesse conflito que ainda agora estamos. Permitindo compreend-lo, a histria nos preparar para dar-lhesoluo. O ensino pedaggico abre largo espao, em geral, histria crtica das doutrinas da educao. Durkheim reconhece o interesse desse estudo. Porlargo tempo,nisso se especializou. Nos dois cursos sobre educao intelectual, primria e secundria, h uma parte destinada histria .cias doutrinas: a de Comenius,entreoutras, reteve sua ateno. Durkheim deixou planos de29lies e notas de curso que formam uma histria das principais doutrinas pedaggicas na Frana, desde a Renascena. Redigiu, enfim, integralmente, um cursosobrePestalozzi e Herbart. Resumamos aqui apenas o plano seguido. Primeiro, nitidamente, distingue entre a histria das teorias educativas e a histria da educao. A confuso muito freqente. H a, porm, duascoisasto distintas como a histria da filosofia Poltica e a histria das instituies polticas.eria de desejar que nossos educadores reconhecessem melhora histriadas instituies escolares, e no acreditassem receb-la feita, como acontece sempre, mediante Rousseau ou Montaigne. Depois, Durkheim trata das doutrinas como se tratasse de fatos, e a educao do esprito histrico que ele pretende obter, por essa investigao.Em geral,esses estudos so abordados de modos muito diversos. Tomem-se, por exemplo, os livros de Gabriel Compayr, manuais clssicos da histria da pedagogi,:;,Apesardonome, no so estudos histricos. Certamente, prestam servio; mas relembram certa histria da filosofia, feliimente em desuso. Parece que os grandes pedagogos,Rabelais, Montaigne, Rollin, Rousseau, a surgem como colaboradores do tearista que; atualmente, procura fixar a doutrina pedaggica. Dr.$-ia- existiruma verdadepedaggica eterna, vlida universalmente, de que ele nos prope aproximaes. Na sua doutrina, procura-se separar o joio do trigo, guardar os preceitosutilizveisatualmente pelos mestres, e rejeitar os paradoxos e os erros. A crtica dogmtica toma o lugar da histria, e o elogio ou a censura, o lugar da explicaodas idias.O que fica e o que intelectualmente se aproveita muito pouco... No ser pela confrontao dialtica das teorias do passado, teorias mais ricas de instituiesconfusas que de verdades cientificamente estabelecidas, que poderemos elaborar doutrinas slidas ou praticamente fecundas. Acontece comumente que os pedagogosdesegunda ordem, eclticos, moderados e prudentes pela mediocridade, resistem muito melhor a essa crtica do que os espritos de primeira grandeza. A prudnciadeRollin ope-se com vantagem s extravagncias de Rousseau. Se a pedagogia fosse uma cincia, sua histria teria esse carter estranho: o de que o gnioa teria muitasvezes conduzido ao erro, e a mediocridade a teria posto no caminho da verdade. Certamente, Durkheim admite que se possam procurar, pela discusso crtica, os elementos de verdade contidos numa dou-30trina. No prefcio que escreveu para o livro pstumo de Hamelin, O Sistema de Descartes, deu-nos a frmula desse processo de interpretao, a um tempo crticoehistrico. E ele mesmo 0 aplica ao estudo. de Pestalozzi e de Herbart, Depois de apreciar o forte e rico pensamento desses grandes iniciadores, longe delhes desconhecera fecundidade das idias, imerrogava, se ao estud-los, no lhes emprestava alguma de que apenas se encontrassem neles leves esboos. Mas, qualquer quefosse o valordogmtico das teorias, Durkheim por elas especialmente procurava a revelao das foras sociais que as tivessem impulsionado ou, ao contrrio, modificado. A histria da pedagogia no a histria da educaro, porque as teorias no exprimem exatamente o que realmente ocorre, e no enumeram tambm exatamenteo que de fato se teria realizado. Mas as idias tambm so fatos, e quando alcancem repercusso, so fatos sociais. O prodigioso xito do Emlio teve outrascausasque no s o gnio de J. J. Rousseau: ele manifesta tendncias confusas, mas enrgicas, da sociedade europia - do sculo XVIII. H pedagogos conservadores,taiscomo Jouveney ou Roullin, que refletem o ideal pedaggico dos jesutas ou da universidade do sculo XVIII. sobretudo por isso que se vem grandes doutrinasmultiplicarem-senas horas de crise; h pedagogos revolucionrias, que traduzem ideais coletivos, suscetveis de serem observados, mas quase inatingveis diretamente: aspiraes,ideais em via de formao, rebelies contra instituies tornadas caducas. Durkheim estuda, por exemplo, desse ponto de vista, as idias pedaggicas daRenascena,tendo distinguido, melhor do que ningum antes dele, as duas grandes correntes que as dirigiram: uma, a que inspirou a obra de Rabelais; outra, muito diversa,aque animou as teorias de Erasmo. Tal , em grandes linhas, a obra pedaggica de Durkheim. Esta breve exposio basta para ressaltar a sua extenso e as estreitas relaes com oconjuntoda obra sociolgica do mesmo pensador. Aos educadores, oferece-se aqui uma doutrina original e vigorosa, acerca dos principais problemas pedaggicos. Aossocilogos,o esclarecimento, sobre alguns pontos essenciais, das concepes que Durkheim exps alhures: relaes do indivduo com a sociedade, relaes entre a cinciae aprtica, natureza da moral, natureza da inteligncia.PAUL FAUCONNETCaptulo IA EDUCAO - SUA NATUREZA E FUNO 1 - As definies da educao; exame crtico; 2 - Definio da educao; 3 - Conefinio adotada; 4 - A funo do Estado emmatriade educao; 5 - Poder da educao e meios da ao educativa. 1- As definies da educao - exame crtico A palavra educao tem sido muitas vezes empregada em sentido demasiadamente amplo, para designar o conjunto de influncias que, sobre a nossa intelignciaou sobre a nossa vontade, exercem os outros homens, ou, em seu conjunto, realiza a natureza.Ela compreende, diz STUART MiL, "tudo aquilo que fazemos porns mesmos,e tudo aquilo que os outros intentam fazer com o fim de aproximar-nos da perfeio de nossa natureza. Em sua mais larga acepo, compreende mesmo os efeitosindiretosproduzidos sobre o carter e sobre as faculdades do homem, por coisas e instituies cujo fim prprio inteiramente outro: pelas leis, formas de governo,artesindustriais, ou ainda, por fatos fsicos independentes da vontade do homem, tais como o clima, o solo, a posio geogrfica". Essa definio engloba, comose v,fatos inteiramente diversos, que no devem estar reunidos num mesmo vocbulo, sem perigo de confuso. A influncia das coisas sobre os homens, j pelosprocessos,j pelos resultados, diversa daquela que provm dos prprios homens; e a ao, dos membros cie uma mesma gerao, uns sobre outros, difere da que os adultosexercemsobre as crianas e adolescentes. unicamente esta ltima que aqui nos interessa e, por conseqncia, para ela que convm reservar o nome de educao.Mas em que consiste tal influncia, toda especial?. Respostas muito diversas tm sido dadas a essa pergunta. Todas, no entanto,podem reduzir-se a dois tipos principais. Segundo KANT,* "o fim da educao desenvolver, em cada indivduo, toda a perfeio de que ele seja capaz". Mas, que se deve entender pelo termoperfeio?Perfeio, ouve-se dizer mui tas vezes, o desenvolvimento harmnico de todas as faculdades humanas. Levar ao- mais alto grau possvel todos os poderesque estoem ns, realiz-los to completamente como possvel, sem que uns prejudiqum os outros - no ser, com efeito, o ideal supremo? Vejamos, porm, se isso possvel. Se, at certo ponto, o desenvolvimento harmnico necessrio e desejvel, no menos verdade que ele no integralmenterealizvel; porque essa harmonia terica se acha em contradio com outra regra da conduta humana, no menos imperiosa: aquela que nos obriga a nos dedicarmosauma tarefa restrita e" especializada. No podemos, nem devemos nos dedicar, todos, ao mesmo gnero de vida; temos, segundo nossas aptides, diferentes funesapreencher, e ser preciso que nos coloquemos em harmonia com o trabalho que nos incumbe. Nem todos somos feitos para refletir; e ser preciso que haja semprehomensde sensibilidade e homens de ao.4 Inversamente, h necessidade de homens que tenham, como ideal de vida, o exerccio e a cultura do pensamento. Ora, opensamentono pode ser desenvolvido seno isolado do movimento, seno quando o indivduo se curve sobre si mesmo, desviando-se da ao exterior. Da uma primeiradiferenciao,que no ocorre sem ruptura de equilbrio. Por sua vez, a ao como o pensamento, suscetvel de tomar uma multido de formas diversas e especializadas.Tal especializaono exclui, sem dvida, certo fundo comum, e, por conseguinte, certo balano de funes tanto orgnicas como psquicas; sem .o qual a sade do indivduoseria comprometida,com prejuzo, ao mesmo tempo, da coeso social. Mas no padece dvida tambm que essa harmonia perfeita possa ser apresentada como fim ltimo da condutae da educao.e Menos satisfatria, .ainda, a definio utilitria, segundo aqual a educao teria por objeto "fazer do indivduo um instru= mento de felicidade para si mesmo e para os seus semelhantes" (JnMES Mu.r.); porque a felicidade coisa essencialmente subjejetiva, que cada um aprecia a seu modo. Tal frmula deixa, portanto, indeterminado o fim da educao, e por conseqncia o daprpriaeducao, que fica entregue ao arbtrio individual. certo que SPENCER ensaiou definir objetivamente a felicidade.Para ele, .as condies da felicidade so as da vida. A felicidade completa a vida completa. Que ser necessrio entender a pela expresso "vida" Sese trataunicamente da vida fsica, compreende-se. Pode-se dizer que, sem isso, a felicidade seria impossvel; ela implica, com efeito, certo equilbrio entre oorganismoe o meio e, uma vez que esses dois termos sio dados definveis, a relao entre eles tambm o dever ser. Mas isso no acontece seno em relao s necessidadesvitais imediatas. Para o homem e, em especial, para o homem de hoje, essa vida no a vida completa. Pedimos-lhe alguma coisa mais que o funcionamentonormal denosso organismo. Um esprito cultivado preferir no viver a renunciar aos prazeres da inteligncia. Mesmo do ponto de vista material, tudo o que for almdo estritamentenecessrio escapa a toda e qualquer determino. O padro de vida mnimo abaixo do qual noonsentiramos em descer, varia infinitamente, segundo as condies,o meio e o tempo. O que, ontem, achvamos suficiente, hoje nos parece abaixo da dignidade humana; e tudo faz crer que nossas exigncias sero sempre crescentes. Tocamos aqui no ponto fraco em que incorrem as definies apontadas. Els partem do postulado de que h uma educao ideal, perfeita, apropriadaa todosos homens, indistintamente; essa educao universal a nica que o teorista se esfora por definir. Mas, se antes de o fazer, ele considerasse a histria,no encontrarianada em que apoiasse tal hiptese. A educao tem variado infinitamente com o tempo e o meio. Nas cidades gregas e latinas, a educao conduzia o indivduoa subordinar-secegamente coletividade, a tornar-se uma coisa da sociedade. Hoje, esfora-se em fazer dele personalidade autnoma. Em Atenas, procurava-se formar espritosdelicados,prudentes, sutis, embebidos da graa e harmonia, capazes de gozar o belo e os prazeres da pura especulao; em Roma, desejava-se especialmente que as crianassetornassem homens de ao, apaixonados pela glria militar, indiferentes no que tocasse s letras e s artes. Na Idade Mdia, a educao era crist, antesde tudo;na Renascena, toma carter mais leigo, mais literrio; nos dias de hoje, a cincia tende a ocupar o lugar que a arte outrora preenchia. Dir-se- que isso no representa o ideal, ou que, se a educao tem variado, tem sido pelo desconhecimento do que deveria ser. O argumento insubsistente.35 Se a educao romana tivesse tido o carter de individualismo comparvel ao nosso, a cidade romana no se teria podido manter; a civilizao latinano teriapodido constituir-se nem, por conseqncia, a civilizao moderna, que dela deriva, em grande parte. As sociedades crists da Idade Mdia no teriam podidoviverse tivessem dado ao livre exame o papel de que hoje ele desfruta. Importa, pois, para esclarecimento do problema, atender a necessidades inelutveis deque no sepode fazer abstrao. De que serviria imaginar uma educao que levasse morte a sociedade que a praticasse? O postulado to contestvel de uma educaro ideal conduz a erro ainda mais grave. Se se comea por indagar qual deva ser a educao ideal, abstraofeitadas condies de tempo e lugar, porque se admite, implicitamente, que os sistemas educativos nada tm de real em si mesmos. No se v neles um conjuntode atividadese de instituies, lentamente organizadas no tempo, solidrias com todas as outras instituies sociais, que a educao exprime ou reflete, instituiesessas, porconseqncia, que no podem ser mudadas vontade, mas s com a estrutura mesma da sociedade. Pode parecer que isso seja simples jogo de conceitos, uma construo lgica, apenas. Imagina-se que os homens de cada tempo organizam a sociedadevoluntariamente,para realizar fins determinados; que, se essa organizao no , por toda parte, a mesma, os povos se tm enganado, seja quanto natureza dos fins queconvm atingir,seja em relao aos meios com que tenham tentado realizar esses objetivos. E, desse ponto de vista, os sistemas educativos do passado aparecem como outrostantoserros, totais ou parciais. No devem, pois, entrar em consideraro; no temos de ser solidrios com os erros de observao ou de lgica cometi-dos por nossos antepassados; mas podemos e devemos encarar a questo, sem nos ocupar das solues que lhe tm sido dadas; isto , deixando de lado tudoo que a educaotem sido, devemosindagar mora o que ela deve ser. Os ensinamentos da histria podem servir, quando muito, para que pratiquemos os mesmos erros. Na verdade, porm, cada sociedade, considerada em momento determinado de seu desenvolvimento, possui um sistema de educao que se impe aos indivduosdemodo geralmente irresistvel. uma iluso acreditar que podemos educar nossos filhoscomo queremos. H costumes com relao aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito gravemente, eles se vingaro em nossos filhos.Estes,uma vez adultos, no estaro em estado de viver no meio de seus contemporneos, com os quais no encontraro harmonia. Que eles tenham sido educados, segundoidiaspassadistas ou futuristas, no importa; num caso, como noutro, no sero de seu tempo e, por conseqncia, no estaro em condies de vida normal. H,pois, a cadamomento, um tipo regulador de educao, do qual no nos podemos separar sem vivas resistncias, e que restringem as veleidades dos dissidentes. Ora, os costumes e as idias que determinaram esse tipo, no fomos ns, individualmente, que os criamos. So o produto da vida em comum e exprimemsuasnecessidades. So mesmo, na sua maior parte, obra das geraes passadas. Todo o passado dahumanidade contribuiu para estabelecer esse conjunto de princpios que dirigem a educao de hoje; toda nossa histria adeixou traos, como tambm os deixou a histria dos povos quenos precederam. Da mesma forma, os organismos superiores trazem em si como que um eco de toda a evoluo biolgicade que so o resultado. Quando se estuda historicamente a maneirapela qual se formaram e-se desenvolveram os sistemas de educao, percebe-se que eles dependem da religio, da organizaopoltica, do grau de desenvolvimento das cincias, do estado dasindstrias, etc. Separados de todas essas causas histricas, tornam-se incompreensveis. Como, ento, poder um indivduo pretender reconstruir, pelo esforo nico de sua reflexo, aquiloque no obra do pensamento individual?, Ele no se encontraem face de uma tabula rasa, sobre a qual poderia edificar o quequisesse, mas diante de realidades que no podem ser criadas,destrudas ou transformadas vontade. No podemos agir sobreelas seno na medida em que aprendemos cnhec-Ias, em quesabemos qual a sua natureza e quais as condies de que de-pendem; e no poderemos chegar a conhec-las, se no nos pusermos a estud-las, pela observaro, como o fsico estuda a matria inanimada, e o biologista,os corposvivos.Como proceder de modo diverso?Ou ando se quer determinar, to-somente pela dialtica, o queceva ser a educao, comea-se por fixar fins certos tarefa de educar. Mas que que nos permite dizer que a educao temtais fins ao invs de tais outros? No poderamos saber, a priori, qual a funo da respirao ou da circulao no ser vivo; s a conhecemos pela observao.Queprivilgio nos levaria a conhecer de outra forma a funo educativa? Responder-se- que no h nada mais evidente do que o seu fim: o de preparar as crianas!Masisso seria enunciar o problema por outras palavras: nunca resolv-lo. Seria melhor dizer em que consiste esse preparo, u que tende, a que necessidades humanascorresponde.Ora, no se pode responder a tais indagaes seno comeando por observar em que esse preparo tem consistido e a que necessidades tenha atendido, no passado.Assim,para constituir a noo preliminar de educaro, para determinar a coisa a que damos esse nome, a observaro histrica parece-nos indispensvel. 2- DEFINIO DE EDUCAO Para definir educao ser preciso, pois, considerar os sistemas educativos que ora existem, ou tenham existido, compar-los e apreender deles oscaracterescomuns. O conjunto desses caracteres constituir a definio que procuramos. Nas consideraes do pargrafo anterior, j assinalamos dois desses caracteres. Para que hajaeducao, faz-se mister que haja, em face de uma gerao deadultos, uma gerao de indivduos jovens, crianas e adolescentes; e que uma ao seja exercida pela primeira, sobre a segunda. Seria necessrio definir,agora,a natureza especfica dessa influncia de uma sobre outra gerao. No existe sociedade na qual o sistema de educao no apresente o duplo aspecto: o de, ao mesmo tempo, apresentar-se como uno e mltiplo. Vejamos como ele mltiplo. Em certo sentido, h tantas espcies de educaro, em determinada sociedade, quantos meios diversos nela existirem. ela formadade castas? A educao varia de uma casta a outra; a dos "patrcios" no era a dos plebeus; a cios brmanes no era a dos sudras. Da mesma forma, na IdadeMdia,que diferena de cultura entre o pajem, instrudo em todos os segredos da cavalaria, e o vilo, que ia aprender na escola da parquia, quando aprendia,parcas noesde clculo, (I) Cf. Educao Comparada, de Lonreno Filho, Edies Melhoramentos. (Vota do Trad.).canto h gramtica! Ainda hoje no vemos que a educao varia com as classes sociais e com as regies? A da cidade no a do campo, a do burgus no ado operrio.Dir-se- que essa organizao no moralmente justificvel, e que no se pode enxergar nelaeno um , defeito remanescente de outras pocas, destinadoa desaparecer.A resposta a esta objeo simples. Claro est que a educaro das crianas no devia depend do acaso, que as fez nascer aqui ou acol, destes pais eno daqueles.Mas, ainda que a conscincia moral de nosso tempo tivesse recebido, acerca desse ponto, a satisfaro que ela espera, ainda assim a educao no se tornariamaisuniforme e igualitria. E, dado mesmo que a vida de cada criana no fosse, em grande parte, predeterminada pela hereditariedade, a diversidade moral dasprofissesno deixaria de acarretar, como conseqncia, grande diversidade pedaggica. Cada profisso constitui um meio sui generis, que reclama aptides particularese conhecimentosespeciais, meio que regido por certas idias, certos usos, certas maneiras de ver as coisas; e, como a criana deve ser preparada em vista de certa funo,a queser chamada a preencher, a educaro no pode ser a mesma, desde certa idade, para todo e qualquer indivduo. Eis por que vemos, em todos os pases civilizados,a tendncia que ela manifesta para ser, cada vez mais, diversificada e especializada; e essa especializao, dia a dia, se torna mais precoce. A heterogeneidadeque assim se produz no repousa, como aquela de que h pouco tratvamos, sobre injustas desigualdades; todavia, no menor. Para encontrar um tipo de educao.absolutamente homogneo e igualitrio seria preciso remontar at s sociedades pr-histricas, no seio das quais no existisse nenhuma diferenciao. Devemoscompreender,porm, que tal espcie de sociedade no representa seno um momento imaginrio. na histria da humanidade. Mas, qualquer que seja a importncia destes sistemas especiais de educao, no constituem eles toda a educao. Pode-se dizer at que no se bastama simesmos; por toda parte, onde sejam observados, no divergem, uns dos outros, seno a partir de certo ponto, para alm do qual todos se confundem. RepousamassimRuma base comum. No h povo em que no exista certo nmerode idias, sentimentos e prticas que a educao deve inculcar a todas as crianas, indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertenam. Mesmoondea sociedade esteja dividida em39castas fechadas, h sempre uma religio comum a todas, e, por conseguinte, princpios de cultura religiosa fundamentais, que sero os mesmos para toda agente. Secada casta, cada famlia tem seus deuses especiais, h divindades gerais que so reconhecidas por todos e que todas as crianas aprendem .a adorar. E, comotaisdivindades encarnam e personificam certos sentimentos, certas maneiras de conceber o mundo e a vida, ningum pode ser iniciado no culto de cada uma, semadquirir,no mesmo passo, todas as espcies de hbitos mentais que vo alm da vida puramente religiosa. Igualmente, na Idade Mdia, servos, viles, burgueses e nobresrecebiamtodos a mesma educao crist. Se .assim , nas sociedades em que a diversidade intelectual e moral atingiu esse grau de contraste, por mais forte razo o ser nos povos maisavanados,em que, embora distintas, as classes esto separadas por diferenas menos profundas. Mesmo onde esses elementos comuns de toda .a educao no se exprimam seno sob a forma de smbolos religiosos, no deixam de existir. No decursoda histria,constituiu-se todo um conjunto de idias acerca da natureza humana, sobre a importncia respectiva de nossas diversas faculdades, sobre o direito e sobreo dever,a sociedade, o indivduo, o progresso, a cincia, a arte, etc., idias essas que so a base mesma do esprito nacional; toda e qualquer educaro, a do ricoe a dopobre, a que conduz s carreiras liberais, como a que prepara para as funes industriais, tem por objeto fixar essas idias na conscincia dos educandos.Resultadesses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do fsico e moral; que esse ideal , at certo ponto,o mesmopara todos os cidados; que a partir desse ponto ele se diferencia, porm, segundo os meios particulares que toda sociedade encerra em sua complexidade.Esse ideal,ao mesmo tempo, uno e diverso, que constitui a parte bsica da educao. Ele tem por funo suscitar na criana: 1) um certo nmero cie estados fsicose mentais,que a sociedade, a que pertena, considere como indispensveis a todos os seus membros; 2) certos estados fsicos e mentais, que o grupo social particular(casta,classe, famlia, profisso) considere igualmente indispensveis a todos quantos o formem. A sociedade, em seu conjunto, e cada meio social, em particular que determinameste ideal, a ser realizado. A sociedade no poderia existir sem que houvesse em seus40membros certa homogeneidade: a educao a perpetua e refora,fixando de antemo na alma da criana certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida coletiva. Por outro lado, sem umatal ou qual diversificao, toda cooperao seria impossvel: aeducao assegura a persistncia desta diversidade necessria, diferenciando-se, ela prpria, e permitindo especializaes. Se a sociedade tiver chegadoa um graude desenvolvimento em que as antigas divises em castas ou classes no possam mais manter-se, prescrever uma educaro mais igualitria, como bsica. Se,ao mesmotempo, o trabalho se especializar, provocar nas crianas, sobre um primeiro fundo de idias e de sentimentos comuns, mais rica diversidade de aptidesprofissionais.Se o grupo social viver em estado permanente de guerra com sociedades vizinhas, ela se esforar por formar espritos fortemente nacionalistas; se a concorrnciainternacional tomar forma mais pacfica, o tipo que procurar realizar ser mais geral e mais humano. A educao no , pois, para a sociedade, seno o meio pelo qual ela prepara, no ntimo das crianas, as condies essenciais da prpria existncia.Maisadiante, veremos como ao indivduo, de modo direto, interessar submeter-se a essas exigncias. Por ora, chegamos frmula seguinte: A educao a alo exercida, pelas geraes adultas, sobre asgeraes que no se encontrem ainda preparadas para a vidasocial; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criana, certonmero de estados fsicos, intelectuais e morais, reclamados delasociedade poltica, no seu conjunto, e ,,pelo meio especial a quea criana, particularmente, se destine.3 - Conseqncia da definio precedente:carter social da educao Da definio do pargrafo precedente, conclui-se que a educao consiste numa socializao metdica das novas geraes. Em cada um de ns, j ovimos, pode-sedizer que existem dois seres. Um, constitudo de todos os estados mentais que no se relacionam seno conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vidapessoal; o que se poderia chamar de ser individual. O outro um sistema de idias, sentimentos e hbitos, que exprimem em ns, no a nossa individualidade, maso grupoou osgrupos diferentes de que fazemos parte; tais so as crenas religiosas, as crenas e as prticas morais, as tradies nacionais ou profissionais, as opiniescoletivasde toda espcie. Seu conjunto forma o ser social. Constituir esse ser em cada um de ns - tal o fim da educao. por a, alis, que melhor se revela a importncia e a fecundidade do trabalho educativo. Na realidade, esse ser social no nasce com o homem,no se apresentana constituio humana primitiva, como tambm no resulta de nenhum desenvolvimento espontneo. Espontaneamente, o homem no se submeteria autoridadepoltica;no respeitaria a disciplina moral, no se devotaria, no se sacrificaria. Nada h em nossa natureza congnita que nos predisponha a tornar-nos, necessariamente,servidores de divindades, ou de emblemas simblicos da sociedade, que nos leve a render-lhes culto, a nos privarmos em seu proveito ou em sua honra. Foia prpriasociedade, na medida de sua formao e consolidao, que tirou de seu prprio seio essas grandes foras morais, diante das quais o homem sente a sua fraquezae inferioridade.Ora, excluso feita de vagas e incertas tendncias sociais atribudas hereditariedade, .ao entrar na vida a criana no traz mais do que a sua naturezade indivduo.A sociedade se encontra, a cada nova gerao, como que em face de uma tabula rasa, sobre a qual preciso construir quase tudo de novo. preciso que, pelosmeiosmais rpidos, ela agregue ao ser egosta e associai, que acaba de nascer, uma natureza capaz de vida moral e social. Eis a a obra da educao. Basta enunci-la,dessa forma, para que percebamos toda a grandeza que encerra. A educao no se limita a desenvolver o organismo, no sentido indicado pela natureza, oua tornartangveis os elementos ainda no revelados, embora procura de oportunidade para isso. Ela cria no homem um ser novo. Essa virtude criadora , alis, o apangio da educaro humana. De espcie muito diversa a que recebem os animais, se que que pode dar o nomede educaroao treinamento progressivo a que so submetidos por seus ascendentes, nalgumas espcies. Nos animais, pode-se apressar o desenvolvimento de certos instintosadormecidos,mas nunca inici-los numa vida inteiramente nova. O treinamento pode facilitar o trabalho de funes naturais, mas no cria nada de novo. Instrudo porsua me,talvez o passarinho possa voar mais cedo, ou fazer seu ninho, mas pouco aprende42alm do que poderia descobrir por si mesmo. que os animais, ou vivem fora de qualquer estado social, ou formam estados muito rudimentares, que funcionamgraasa mecanismos instintivos, perfeitamente constitudos desde o nascimento de cada animal. A educao no poder, nesse caso, ajuntar nada de essencial natureza,porquanto ela parece bastar vida do grupo quanto basta do indivduo.. No homem, ao contrrio, as mltiplas aptides que a vida social supe, muito maiscomplexas,no podem organizar-se em nossos tecidos, a se materializando sob a forma de predisposies orgnicas. Segue-se que elas no podem transmitir-se de umageraoa outra, por meio da hereditariedade. pela educao que essa transmisso se d. Entretanto - podem objetar-nos - se realmente para as qualidades morais assim, porquanto elas nos vm limitar a atividade, e por isso mesmo spodem sersuscitadas por uma ao vinda de fora, - no h outras qualidades que todo homem se interessa em adquirir e espontaneamente procura possuir? Sim; tais soas diversasqualidades da inteligncia que melhor lhe permitem adaptar a conduta natureza das coisas. Tais so, tambm, as qualidades fsicas, e tudo quanto contribuaparaa sade e vigor do organismo. Para essas, pelo menos, parece que a educao no faz seno ir adiante do que a natureza conseguiria por si mesma; mas aindaassim,para esse estado de perfeio relativa, a sociedade concorre muito: apressa aquilo que, sem o seu concurso, s muito lentamente se daria. Mas o que demonstra claramente, apesar das aparncias, que aqui, como alhures, a educao satisfaz, antes de tudo, a necessidades sociais, queexistemsociedades em que esses predicados no so cultivados; e mais, que eles tm sido muito diversamente compreendidos, segundo cada grupo social considerado. preciso saber, por exemplo, que as vantagens duma slida cultura intelectual nem sempre foram reconhecidas por todos os povos. A cincia, o espritocrtico,que hoje to alto colocamos, durante muito tempo foram tidos como perigosos. No conhecemos o dito que proclama bem-aventurados os pobres de esprito? Nodevemosacreditar que essa indiferena para o saber tenha sido artificialmente imposta aos homens, com violaro de sua prpria natureza. Eles no possuem por simesmos oapetite instintivo da cincia, como tantas vezes e to arbitrariamente, se tem afirmado. Os homens no desejam a cincia seno na medida43em que a ex erincia lhes tenha demonstrado que no podem passar sem ela Ora, no que concerne vida individual, ela no necessria. Como Rousseau jdizia, parasatisfazer as necessidades da vida, a sensao, a experincia e o instinto podem bastar, como bastam aos animais. Se o homem no conhecesse outras necessidadessenoessas muito simples, com razes em sua prpria constituio individual, no se teria posto no encalo da cincia, tanto mais que ela no pode ser adquiridasenoaps duros e penosos esforos. O homem no veio a conhecer a sede do saber seno quando a sociedade lha despertou; e a sociedade no lha despertou senoquando sentiuque seria necessrio faz-lo. Esse momento veio quando a vida social, sob todas as formas, se tornou demasiado complexa para poder funcionar de outro modoque nofosse pelo pensamento refletido, isto , pelo pensamento esclarecido pela cincia. Ento, a cultura cientfica tornou-se indispensvel; e essa a razopor quea sociedade a reclama de seus membros e a impe a todos como um dever. Originariamente, porm, enquanto a organizao social era muito simples, muito poucovariada,sempre igual a si mesma, a tradio cega bastava, como basta o instinto para o animal. Nesse estado, o pensamento e o "livre-exame" eram inteis, se noprejudiciais,porque ameaavam a tradio. Eis por que eram proscritos. D-se o mesmo com as qualidades fsicas. Se o estado do meio social inclina .a conscincia pblica para o ascetismo, a educao fsica ser relegadaa planosecundrio. o que se produziu, em parte, nas escolas da Idade Mdia; e esse ascetismo era necessrio, porque a nica maneira de adaptao s concepesda pocaera t-lo em apreo. Tal seja a corrente da opinio, a educao fsica ser de uma ou de out espcie. Em Esparta, tinha por objeto especialmente enrijaros membrospara resistir fadiga; em Atenas, era um meio de tornar os corpos belos vista; nos tempos da cavalaria, pediam-se-lhe guerreiros geis e flexveis; emnossostempos, no tem seno um fim higinico, preocupando-se, especialmente, em corrigir os efeitos danosos da cultura intelectual muito intensa. Desse modo,mesmo quandoas qualidades paream primeira vista espontaneamente desejadas pelos indivduos, refletem j as exigncias do meio social que as prescreve como necessrias. Estamos agora em condies de esclarecer uma dvida que todo o trecho anterior sugere. Se os indivduos, como mostramos, s44agem segundo as necessidades sociais, parece que a sociedade impe aos homens insuportvel tirania. Na realidade, porm, eles mesmos so interessados nessasubmisso;porque o ser novo que a ao coletiva, por intermdio da educao, assim edifica, em cada um de ns, representa o que h de melhor no homem, o que h emns de propriamentehumano. Na verdade, o homem no humano seno porque vive em sociedade. difcil, numa s lio, demonstrar com rigor esta proposio to geral e toimportante,resumo dos trabalhos da sociologia contempornea. Mas posso afirmar que essa proposio cada vez menos contestada. E, ademais, no ser difcil relembrar,emborasumariamente, os fatos essenciais que a justificam. Antes de tudo, se h hoje verdade histrica estabelecida a de que a moral est estritamente relacionada com a natureza das sociedades, pois que,como mostramosnas pginas anteriores, ela muda quando as sociedades mudam. que ela resulta da vida em comum. a sociedade que nos lana fora de ns mesmos, que nosobriga aconsiderar outros interesses que no os nossos, que nos ensina a dominar as paixes, os instintos, e dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifcio, a privao,a subordinarodos nossos fins individuais a outros mais elevados. Todo o sistema de representao que mantm em ns a idia e o sentimento da lei, da disciplina internaou externa, institudo pela sociedade. Foi assim que adquirimos esse poder de resistirmos a ns mesmos, esse domnio sobre as nossas tendncias, que dos traos distintivos da feiohumana,pois ela to desenvolvida em ns quanto mais plenamente representemos as qualidades do homem ele nosso tempo. Do ponto cie vista intelectual, no devemos menos sociedade. a cincia que elabora as noes cardeais, que dominam o pensamento: a noo decausa, delei, de espao, de nmero; noes ele corpo, de vida, de conscincia, de sociedade, etc. Todas essas idias fundamentais se encontram perpetuamente em evoluo: que elas so o resumo, a resultante de todo trabalho cientfico, justamente ao contrrio de serem o seu ponto de partida, como Pestalozzi acreditava.No concebemoshoje o homem, a natureza, as coisas, o espao mesmo - como os homens da Idade Mdia os concebiam; que os nossos conhecimentos e os nossos processos cientficosj no so os mesmos. Ora, a cincia obra coletiva,4546porquanto supe vasta cooperao de todos os sbios, no somente de dada poca, mas de todas as pocas. Aprendendo uma lngua, aprendemos todo um sistema de idias, organizadas, classificadas, e, com isso, nos tornamos herdeiros de todo o trabalhode longossculos, necessrio a essa organizao. H mais, no entanto. Sem a linguagem, no teramos is gerais, porquanto a palavra que as fixa, que d aosconceitossuficiente consistncia, permitindo ao esprito a sua aplicao. Foi a linguagem que nos permitiu ascender acima da sensao; e no ser necessrio demonstrarque,de todos os aspectos da vida social, a linguagem um dos mais preeminentes. Por esses exemplos se v a que se reduziria o homem, se se retirasse dele tudo quanto a sociedade lhe empresta: retornaria condio de animal.Se ele pdeultrapassar o estdio em que os animais permanecem, porque primeiramente no se conformou com o resultado nico de seus esforos pessoais, mas cooperousemprecom seus semelhantes, e isso veio reforar o rendimento da atividade de cada um. Depois, e sobretudo, porque os resultados do trabalho de uma gerao noficaramperdidos para a gerao que se lhe seguiu. Os frutos da experincia humana so quase que integralmente conservados, graas tradio oral, graas aos livros,aosmonumentos figurados, aos utenslios e instrumentos de toda espcie, que se transmitem de gerao em gerao. O solo da natureza humana se recobre, assim,de fecundacamada de aluvio, que cresce sem cessar. Ao invs de se dissipar, todas as vezes que uma gerao se extingue e substituda por outra, a sabedoria humanavai sendoacumulada e revista, dia a dia, e essa acumulao indefinida que eleva o homem acima do animal e de si mesmo. Como a cooperao, no entanto, tal aproveitamento da experincia no se torna possvel seno na sociedade e por ela. Para que o legado de cada geraopossaser conservado e acrescido, ser preciso que exista uma entidade moral duradoura, que ligue uma gerao outra: a sociedade. Por isso mesmo, o supostoantagonismo,muitas vezes admitido entre indivduo e sociedade, no corresponde a coisa alguma no terreno dos fatos. Bem longe de estarem em oposio, ou de poderemdesenvolver-seem sentido inverso, um do outro - sociedade e indivduo so idias dependentes uma da outra. Desejando melhorar a sociedade, o indivduo deseja melhorar-sea siprprio. Por sua vez, a aoexercida pela sociedade, especialmente atravs da educao, no tem por objeto, ou por efeito, comprimir o indivduo, amesquinh-lo, desnatur-lo, mas aocontrrioengrandec-lo e torn-lo criatura verdadeiramente humana. Sem dvida, o indivduo no pode engrandecer-se seno pelo prprio esforo. O poder do esforoconstitui,precisamente, uma das caractersticas essenciais do homem (2). 4 - A funo do Estado emmatria de educao A definio anteriormente estudada permite resolver, com clareza, a controvertida questo dos deveres e direitos do Estado, em matria de educao. Opem-se ao Estado, quase sempre, os direitos da famlia. Diz-seque .a criana , antes de tudo, de seus pais; a estes, pois, e a mais ningum, incumbe a direo de seu desenvolvimento intelectual e moral. A educao, assim,concebida como uma coisa essencialmente privada e domstica, tendendo-se desse ponto de vista, naturalmente, a reduzir ao mnimo a interveno do Estado.De fato,dizem alguns, s quando falte a famlia que o Estado deve intervir, como auxiliar e substituto. Quando a famlia no est em estado de cumprir os seusdeveres, natural que o Estadoaparea. natural tambm que ele torne to fcil quanto possvel a tarefa educativa, pondo disposio das famlias escolasa que elas possam mandar seus filhos, se assim o entenderem. Mas a ao do Estado deve conter-se nisso e nada mais. O Estado deve negar-se a qualquer .aopositivatendente a imprimir determinada orientao ao esprito da juventude. , Todavia, se examinarmos mais de perto a questo, verificaremos que a ao do Estado no poder ser assim restrita, ou de feio negativa. Se a educao,como vimos, primacialmente se apresenta como funo coletiva, se tem por fim adaptar a criana ao meio social para o qual se destina - impossvel quea sociedadese desinteresse desse trabalho. Como poderia alhear-se, se a sociedade tem de ser o ponto de referncia em vista do qual a educao deve dirigir seus esforos?a ela prpria que incumbe estar (2) Para desenvolvimento de vrias das idias aqui expostas, cf. Fernando de Azevedo, Sociologia Educacional, e Loureno Filho, Introduo ao Estudoda EscolaNova.Edies Melhoramentos. (Nota do Trad.).47lembrando ao mestre quais so as idias e os sentimentos a imprimir ao esprito da criana a fim de que o futuro cidado possa viver em harmonia com o meio.Se asociedade no estiver sempre presente e vigilante, para obrigar a ao pedaggica a exercer-se em sentido social, essa se por ao servio de interessesparticularese a grande alma da ptria se dividir, esfacelando-se numa multido incoerente de pequenas almas fragmentrias, em conflito umas com as outras. Nada podeser maiscontrrio ao objetivo fundamental de toda educaro! foroso escolher. Se se d alguma importncia existncia da sociedade - e ns acamos de ver o que ela representa para o indivduo - precisoser quea educao assegure, entre os cidados, suficiente comunidade de idias e de sentimentos sem o que nenhuma sociedade subsiste; e, para que a educao possaproduziresse resultado, claro est que no pode ser inteiramente abandonada ao arbtrio dos particulares. Admitido que a educaro seja funo essencialmente social, no pode o Estado desinteressar-se dela. Ao contrrio, tudo 0 que seja educaro, deveestar atcerto ponto submetido sua influncia. Isto no quer dizer que o Estado deva, necessariamente, monopolizar o ensino. A questo muito complexa para quese tratedela assim de passagem. Pode-se .acreditar que o progresso escolar seja mais fcil e mais rpido onde certa margem se, deixe iniciativa privada. O indivduosempre mais renovador que o Estado. Mas, do fato de dever o Estado, no interesse pblico, deixar abrir outras escolas que no as suas, no se segue quedeva tornar-seestranho ao que nelas se venha a passar. Pelo contrrio, a educao que a se der deve estar submetida sua fiscalizao. No mesmo admissvel que afuno deeducador possa ser preenchida por algum que, no apresente as garantias de que o Estado, e s ele, pode ser juiz. Os limites dentro ds quais deve permaneceressainterveno no podem ser determinados uma vez por todas; mas o princpio de interveno noe contesta. No se compreende que uma escola possa reclamaro direitode dar uma educao anti-social, por exemplo. Ser necessrio reconhecer, entretanto, que a situao de luta em que atualmente esto os espritos, quanto funo do Estado; torna seus deveresparticularmentedelicados, ao mesmo tempo que mais relevantes em matria de educao. No incumbe ao Estado, com efeito, impor uma comunho de idias e sentimentos48sem a qual a sociedade no se organiza; essa comunho espontaneamente criada, e ao Estado outra coisa no cabe seno consagr-la, mant-la, torn-la maisconscienteaos indiv