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EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA ALTERNATIVA PARA A EMANCIPAÇÃO HUMANA? UMA ANÁLISE DO CENTRO DE ENSINO FUNDAMENTAL PIPIRIPAU II DF Sávia Bona Vasconcelos Soares Estudante de Licenciatura em Geografia Universidade de Brasília - UnB [email protected] RESUMO Para se manter no poder, a classe dominante necessita do domínio dos aparelhos repressivos (polícia, exército), mas também é fundamental o domínio sobre os aparelhos ideológicos do Estado (caracterizado pelas escolas, religião e cultura). O aparelho ideológico escolar caracteriza-se como o mais importante, nos dias atuais, para cumprir a função de reforçar as classes dominantes no poder. Isso se dá, pois a escola abarca crianças de diferentes classes sociais além de estar presente desde os anos iniciais, até a formação profissional. A partir da educação infantil se reproduz o discurso dominante, no qual a criança aprende a aceitar. (ALTHUSSER, 1972) Palavras chave: educação do campo; trabalho; emancipação. INTRODUÇÃO A escola possui um papel essencial para desvendar as contradições resultantes do modo de produção capitalista, materializado nas desigualdades sócio-espaciais. Entretanto a escola acaba muitas vezes reproduzindo a ideologia liberal, legitimando as desigualdades, o individualismo e a competição em vez de proporcionar uma educação crítica onde se revele as contradições estruturais do sistema capitalista. A educação capitalista reproduz a sociedade de classes, distinguindo duas formas de educação: para as crianças burguesas, destina-se uma educação intelectual, enquanto para as crianças filhas da classe trabalhadora é oferecido um ensino técnico, “Desde a infância haveria uma separação por classes, facilitando a ascensão dos alunos da elite e impedindo o desenvolvimento intelectual e, posteriormente profissional, dos estudantes pobres” (Pericás, 2006, p.194 apud Pimenta, 2010, p.5). A escola necessita ser um mecanismo para contribuir com a emancipação total da humanidade. apenas duas opções de construção da educação: a partir da ótica dominante, ou seja, da ótica burguesa,

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EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA ALTERNATIVA PARA A EMANCIPAÇÃO

HUMANA? – UMA ANÁLISE DO CENTRO DE ENSINO FUNDAMENTAL

PIPIRIPAU II – DF

Sávia Bona Vasconcelos Soares

Estudante de Licenciatura em Geografia

Universidade de Brasília - UnB

[email protected]

RESUMO

Para se manter no poder, a classe dominante necessita do domínio dos aparelhos

repressivos (polícia, exército), mas também é fundamental o domínio sobre os aparelhos

ideológicos do Estado (caracterizado pelas escolas, religião e cultura). O aparelho

ideológico escolar caracteriza-se como o mais importante, nos dias atuais, para cumprir

a função de reforçar as classes dominantes no poder. Isso se dá, pois a escola abarca

crianças de diferentes classes sociais além de estar presente desde os anos iniciais, até a

formação profissional. A partir da educação infantil se reproduz o discurso dominante,

no qual a criança aprende a aceitar. (ALTHUSSER, 1972) Palavras chave: educação do campo; trabalho; emancipação.

INTRODUÇÃO

A escola possui um papel essencial para desvendar as contradições resultantes

do modo de produção capitalista, materializado nas desigualdades sócio-espaciais.

Entretanto a escola acaba muitas vezes reproduzindo a ideologia liberal, legitimando as

desigualdades, o individualismo e a competição em vez de proporcionar uma educação

crítica onde se revele as contradições estruturais do sistema capitalista. A educação

capitalista reproduz a sociedade de classes, distinguindo duas formas de educação: para

as crianças burguesas, destina-se uma educação intelectual, enquanto para as crianças

filhas da classe trabalhadora é oferecido um ensino técnico, “Desde a infância haveria

uma separação por classes, facilitando a ascensão dos alunos da elite e impedindo o

desenvolvimento intelectual e, posteriormente profissional, dos estudantes pobres”

(Pericás, 2006, p.194 apud Pimenta, 2010, p.5). A escola necessita ser um mecanismo

para contribuir com a emancipação total da humanidade. Há apenas duas opções de

construção da educação: a partir da ótica dominante, ou seja, da ótica burguesa,

institucionalizada e reprodutora da ideologia ou a partir da perspectiva dos

trabalhadores, representados pelos movimentos sociais. (ARROYO, 2008)

A Educação do Campo nasce como uma tentativa de construção educacional a

partir dos trabalhadores do campo, dos movimentos sociais camponeses, teve sua

origem a partir das lutas no campo. A Educação do Campo tenta superar a visão do

campo como estático e eleva os povos do campo à posição de sujeitos na busca por

direitos. Na proposta da Educação do Campo há uma tentativa de superação da

dicotomia campo-cidade, propõe-se também a valorização da cultura, do modo de vida

dos trabalhadores do campo, e ainda conceber o trabalho como princípio educativo.

O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II surgiu a partir da luta da

população que habita a região do Pipiripau. Esta população sentiu a necessidade de ter

uma escola próxima à comunidade que atendesse aos filhos dos trabalhadores do local.

Inicialmente a escola funcionava em uma área cedida por um morador da região do

Pipiripau. Somente após muita luta da comunidade é que se foi construída a sede atual

da escola. A escolha pelo CEF Pipiripau II se deu por se localizar numa zona rural do

Distrito Federal com ligação próxima ao centro urbano de Planaltina e por se tratar de

uma escola composta, majoritariamente, por estudantes que vivem em um pré-

assentamento da região, Oziel I, II e III.

O objetivo do presente trabalho é discutir acerca dos pressupostos da Educação

do Campo e como eles contribuem para a emancipação da humanidade. Através do

estudo do Centro de Ensino Pipiripau II, localizado em Planaltina-DF, buscou-se

verificar de que forma ocorre a discussão da Educação do Campo no Distrito Federal.

Com o intuito de materialização da pesquisa, foram realizadas saídas de campo

na escola a ser estudada. Foram entrevistados sete professores, dezesseis alunos e o

diretor da escola.

2 PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Para o aprofundamento da discussão da educação do campo é necessário o

entendimento do papel o qual o campo foi relegado ao longo da história. A partir do

crescimento da industrialização no Brasil, principalmente durante a Era Vargas, o

campo (assim como os povos do campo: trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas

etc.) virou sinônimo de atraso, de arcaico. Ao campo e ao camponês foi relegada uma

posição de submissão. Na lógica citadina o camponês é considerado algo a parte da

sociedade, pois seu modo de vida, seus costumes, estariam em vias de extinção.

(MOLINA, 2003)

Para pensar a vida no campo, é preciso pensar na relação campo-

cidade no contexto do modelo capitalista de desenvolvimento em

curso no país. O rápido avanço do capitalismo no campo esteve

baseado, no Brasil, em três elementos fundamentais: um

desenvolvimento desigual, nos diferentes produtos agrícolas e nas

diferentes regiões; um processo excludente, que expulsou e continua

expulsando camponeses para as cidades e para regiões diferentes de

sua origem; e um modelo de agricultura que convive e reproduz,

simultaneamente, relações sociais de produção atrasadas e modernas,

desde que subordinadas à lógica do capital. No campo, esse processo

tem gerado uma maior concentração da propriedade e da renda.

(KOLLING, NÈRY, MOLINA, 1999, p.30).

O desenvolvimento foi relacionado com a urbanização, e o campo assim como

os povos do campo foram considerados inferiores, sinônimos de subdesenvolvimento.

Ao relacionar o campo ao subdesenvolvimento legitimou-se o abandono ao campo.

Pois, não faria sentido a criação de políticas públicas voltadas para um lugar sinônimo

de atraso, e que sua população já estaria em vias de extinção. (MOLINA, 2003)

Contudo, é necessário reconhecer a relação de interdependência entre o campo e

a cidade. Cidade e campo não vivem a parte, não são independentes. Como

exemplificam Kolling, Néry e Molina (1999) “a combinação do trabalho agrícola e do

industrial é a expressão mais que concreta que nega a concepção de que a cidade e o

campo são mundos a parte”. Ou seja, no campo se produz matérias-primas que nas

indústrias se transformam em outras mercadorias, sem a produção do campo não

haveria as ‘iguarias’ industrializadas. Para contribuir com o avanço do campo e com a

superação da visão de campo e cidade de forma separada, não relacionada, é necessária

uma educação que também se desenvolva contrapondo-se a essa idéia dicotomizada.

Neste sentido, a Educação do Campo para se tornar efetiva na sua proposta de

valorização do campo como opção de vida, precisa conceber a educação de uma forma

mais ampla. É necessária também a valorização da cultura dos camponeses. Além disso,

é fundamental um rompimento com a visão que associa o campo ao passado, e a sua

população como não pertencente à modernidade. Para isso, primeiramente é necessária

a superação da visão bucólica do campo e conceber o campo como ativo, reconhecendo

as relações sociais que se dão no campo, e assim vinculando uma educação condizente

com a realidade do camponês. Um entendimento do campo como local de atraso vincula

ao campo uma educação igualmente atrasada. O campo possui especificidades que vão

além de um calendário atrelado aos tempos de colheita e conteúdos relacionados com o

cultivo. O campo é ativo, e as lutas do campo fazem parte da realidade dos povos do

campo. Uma escola condizente com a realidade do campo não pode ignorar essas lutas

que fazem parte do cotidiano do camponês. (ARROYO, 2008)

Além da superação da dicotomia campo/cidade a Educação do Campo se propõe

a conceber o trabalho como princípio educativo.

A educação para contribuir com a emancipação humana tem que estar vinculada

ao mundo do trabalho. Entretanto essa vinculação do trabalho com a educação não deve

se dá através do entendimento burguês de trabalho, que o iguala a emprego. “A

concepção burguesa nega o princípio fundamental do trabalho na transformação do

homem como sujeito ativo na construção de uma sociedade na perspectiva

emancipatória” (SILVA, 2007). Ao conceber o trabalho desta maneira, a burguesia

transfere para a escola um papel de preparadora para o trabalho, o que justifica as

escolas técnicas, o ensino tecnicista.

Para se contrapor a essa proposta burguesa de educação é necessário a

concepção de trabalho como categoria ontológica (Lucáks, 1979 apud Silva, 2007) ou

como afirmou Engels (1975) apud Silva (2007) trabalho “como a condição básica e

fundamental de toda a vida humana”. Através do trabalho há o domínio do homem

sobre a natureza, há a transformação desta pelos seres humanos e, além disso, o trabalho

é que difere o ser humano dos outros animais.

O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo

em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu

metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria

natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças

naturais pertencentes às corporalidades, braços e perna, cabeça e mão,

a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua

própria vida (MARX, 1988, p.149 apud SILVA, 2007, p.20).

Na sociedade capitalista o trabalho é alienado. Essa alienação decorre da divisão

social do trabalho que, além de outras separações (como a divisão do trabalho

masculino e feminino) divide trabalho intelectual do trabalho manual, ou seja, há uma

fragmentação do saber. O saber técnico e o teórico não andam juntos, a consequência

disso é a apropriação da teoria pela classe burguesa que a utiliza em benefício próprio,

com o intuito de se manter no poder, como já foi discutido anteriormente nos tópicos

“Educação e Ideologia” e “Educação e Emancipação Humana”. (SILVA, 2007)

A questão da divisão social do trabalho acaba tendo como consequência, na

educação, da divisão social do saber (MACHADO, 1890 apud SILVA, 2007). A divisão

do saber está materializada nas políticas educacionais atuais, quando estas se propõem a

oferecer uma educação tecnicista para a classe trabalhadora (SAVIANI, 1988), uma

educação com intuito de obter mão-de-obra, enquanto isso a prática pedagógica

destinada à elite proporciona o domínio da teoria. Ou seja, oferecer educação intelectual

para os filhos da burguesia e ensino técnico, profissionalizante para os filhos dos

trabalhadores. (SILVA, 2007).

Constitui-se, dessa forma, o estabelecimento de dois marcos teóricos

no âmbito pedagógico. De um lado é posta em prática uma pedagogia

que objetiva a formação de quadros, cuja função será a de

planejamento, controle e domínio dos fundamentos científicos. E de

outro lado, uma pedagogia que terá o papel de manutenção da

diferenciação social, que prepara os quadros profissionais munidos de

um conhecimento parcelar do trabalho em sua complexidade e alheio

a uma visão global do processo produtivo. (SILVA, 2007, p. 22)

Dessa forma, é fundamental romper com essa visão fragmentada. Para isso, é

necessário relacionar educação e trabalho, na tentativa de buscar uma formação

integrada. A escola necessita unificar com conteúdos teóricos gerais com a

aprendizagem profissional.

O trabalho no sentido mais abrangente de poiésis, (Dussel, 1978), no

sentido da produção do próprio existir humano – físico e psíquico,

material e imaterial, individual e social, objetivo e subjetivo -, do

desdobramento e da produção do mundo, e a educação como processo

permanente de capacitação do ser humano para esse existir, para esse

descobrir, para esse produzir e produzir-se (...) (ARRUDA, 1989,

p.71)

Para avançar no processo de conscientização dos camponeses, a Educação do

Campo necessita superar a dicotomia campo/cidade, entender o trabalho como princípio

educativo, para assim conseguir conceber a educação de forma geral, ou seja, diferir

educação de escola.

A Educação do Campo, por ter nascido dos movimentos sociais camponeses

possui um diferencial básico da educação de forma geral, pois somente quando os

movimentos camponeses tomam a frente da educação esta pode possuir um caráter

emancipador (FERNANDES, 2008) . Isto ocorre porque os movimentos sociais estão

constantemente avançando no que se refere à luta por direitos, na pauta da educação

isso se reflete em uma escola rural mais dinamizada e construída de baixo para cima,

isto é, a partir dos movimentos sociais rurais e não como uma escola que, ao ser imposta

pelo Estado reproduz a ideologia e se acha capaz de por si só dinamizar a sociedade

rural. (ARROYO, 2008)

A Educação do Campo necessita ser um contraponto a atual escola estatal

burguesa, que historicamente defendeu a ideologia dominante.

O Estado ou o que é estatal não é público ou do interesse público, mas

tende ao favorecimento do interesse privado ou aos interesses do

próprio Estado, com a sua autonomia relativa. (SANFELICE, 2005

apud SOUZA).

3 A DISCUSSÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO DISTRITO FEDERAL – O

CASO DO CENTRO DE ENSINO FUNDAMENTAL PIPIRIPAU II

Caracterização da região do Pipiripau II – Planaltina-DF

A área rural do Pipiripau faz parte da Região Administrativa de Planaltina (RA

VI). Seu povoamento se deu juntamente com o da RA VI. Segundo Bertran (2000) apud

Portilho (2006) inicialmente as terras foram ocupadas por indígenas do tronco Jê. O

nome Pipiripau dado ao rio teria uma origem tupi que significaria rio raso e cheio de

pedras no meio (BERTRAN, 2000, p.22 apud PORTILHO, 2006).

A população da região do Pipiripau é majoritariamente composta por

trabalhadores de baixa renda, vaqueiros, meeiros, arrendatários, trabalhadores rurais

assalariados. No início da ocupação da região predominavam migrantes vindos do Sul

do Brasil, entretanto agora predomina população de origem nordestina. A ocupação da

área se deu inicialmente pelo empréstimo de terra, ou seja, o GDF cedia terra para as

famílias produzirem. A agricultura é a atividade primordial da população dessa região,

em especial a horticultura. Entretanto observa-se um avanço do agronegócio,

materializado pela produção de soja e pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Segundo

Portilho (2006) ocorrem frequentemente pulverizações aéreas em grandes propriedades

da região, prática ilegal que não é denunciada devido ao monopólio da lei por parte dos

grandes proprietários. Em geral, a população possui um baixo grau de instrução.

Registra-se, também, na região casos de subnutrição infantil. (CAESB, 2001, p.74 apud

PORTILHO, 2006).

A maioria das propriedades da região do Pipiripau são de pequenas extensões e

estão situadas relativamente longe da bacia do Pipiripau, enquanto as grandes

propriedades, apesar de corresponderem a um número menor situam-se,

majoritariamente nos limites da bacia. Com isso podemos inferir que há um maior

acesso à água, recurso natural indispensável para a agricultura, por parte dos grandes

proprietários. O acesso limitado a este recurso natural pode ocasionar dificuldades no

plantio para os pequenos produtores e conflitos na região.

As grandes extensões de terra nessa região não eram prioritariamente permitidas,

pois como foi citado anteriormente, as terras eram emprestadas pelo Governo do

Distrito Federal. Esse empréstimo se dava por meio de pequenas propriedades logo um

ponto que poderia ser investigado num trabalho posterior poderia ser o questionamento

acerca da origem dessas grandes propriedades.

O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II

O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II foi fundado no dia 2 de abril de

1969, a partir de uma luta da comunidade do Pipiripau pela independência do Núcleo

Rural de Taquara que ocorreu conjuntamente com a luta por uma escola na comunidade.

Inicialmente a escola começou a funcionar em uma chácara cedida por um morador da

comunidade. Nesse mesmo ano já foram registradas 37 matrículas. Em 2006 a escola

possuía 304 alunos matriculados no ensino fundamental e em 2011 possuía 392 alunos e

21 professores. É possível observar um aumento significativo do número de alunos, em

um período relativamente curto, que pode estar relacionado com a instalação do pré-

assentamento Oziel I, II e I. Logo, pode-se inferir que no campo há uma demanda

crescente interessada na educação fundamental. Entretanto, alunos interessados em

cursar o ensino médio necessitam se deslocar para outras escolas, como a escola do

núcleo rural do Taquara.

A escola atende alunos do pré-assentamento Oziel I, II e III (MST), filhos de

trabalhadores rurais assalariados, vaqueiros, meeiros, entre outras profissões vinculadas

ao campo, além de receber estudantes de outras áreas rurais próximas, como alunos do

Capão das Negras (GO). De acordo com relato de professores mais antigos, quando a

escola recebeu alunos provenientes dos assentamentos da redondeza houve inicialmente

um estranhamento por parte dos alunos e mesmo dos próprios professores. Os alunos

reproduziam discursos preconceituosos em relação aos alunos dos assentamentos,

relacionavam a queda do rendimento da escola com a chegada dos assentados. A partir

da chegada dos novos alunos assentados os professores começaram a adotar novos

métodos na sala de aula com o intuito de conscientização dos alunos para aceitarem a

nova ‘clientela’.

O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II funciona em horário integral. Na

parte da manhã ocorrem aulas normais e na parte da tarde há atividades

extracurriculares. Vários projetos foram implementados, inclusive com participação de

alunos da Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, não há um convênio com a

universidade, mas ainda existem alguns projetos de iniciativa dos professores da escola.

Um deles é o ABCerrado que ensina alunos a ler e a escrever relacionando os conteúdos

com a vegetação local, o cerrado.

Alguns alunos da escola são de “origem humilde”, segundo o diretor da escola, e

há alunos que vivem abaixo da linha da pobreza. Muitos alunos vão à escola para

poderem ter o que comer, há muitas crianças que só comem na escola. Há casos de

subnutrição. Mais da metade dos alunos da escola são de pré-assentamentos (Oziel I, II

e III), muitos não possuem energia elétrica nem água encanada em casa, ainda morando

em barracos de lona. Os pais das crianças são em sua maioria analfabetos. Há uma

dificuldade de condução da escola por conta da verba insuficiente que é repassada,

sendo muitas vezes inferior as das escolas urbanas, segundo informou o diretor. Além

disso, há uma alta rotatividade de alunos na escola, muitos saem ou por falta de

condições de se manterem na escola, ou então quando pais são demitidos da fazenda

que trabalham e com isso os alunos abandonam a escola. No caso dos alunos do pré-

assentamento há uma desistência ocasionada pelas condições precárias que se

encontram. Os pais não conseguem melhorar de vida e acabam retornando as suas

regiões de origem.

A Educação do Campo na perspectiva de alunos e professores do CEF Pipiripau II

A idade do corpo docente entrevistado varia de trinta e seis a cinquenta anos. Os

entrevistados moram em casas localizadas em Formosa (GO) ou em Planaltina (DF).

Todos os professores já trabalharam em outras escolas, porém o Centro de Ensino

Fundamental Pipiripau II foi a primeira experiência de escola rural dos docentes. A

professora entrevistada com mais tempo de trabalho na escola já faz parte do corpo

docente há dezessete anos, e a que tem menos tempo no CEF Pipiripau II está na escola

há dois anos. Todos os professores entrevistados têm filhos e os filhos dos professores

estudam ou estudaram em escolas na cidade. Não há professores na escola que não

tenham curso superior, a maioria dos educadores possuem pós-graduação, o que pode

caracterizar um corpo técnico qualificado. Foram entrevistados professores graduados

em: Biologia (1), Ciências Sociais (1), Geografia (1), História (1), Letras Inglês e

Português (2), Matemática (1) e Pedagogia (2), totalizando oito docentes.

De acordo com as respostas da pergunta: “Você acha que há

necessidade/possibilidade de vincular todos os conteúdos ensinados na disciplina que

você ministra com a realidade do aluno do campo?”, os professores acreditam que há a

possibilidade de vincular todos os conteúdos com a realidade do aluno do campo.

Muitos afirmaram fazê-lo em sua disciplina e deram exemplos de como isso é possível.

A professora de inglês coloca “os alunos tem mais facilidade para aprender o inglês

relacionando com as verduras que eles cultivam”. A professora que trabalha na

biblioteca afirma separar uma estante de livros sobre a cultura dos povos do campo,

pois, para ela, “tem que valorizar o meio rural” para que os alunos gostem de morar no

campo. Entretanto a professora argumenta que os alunos não têm interesse em visitar a

estante, “não é do interesse dos alunos”, esse desinteresse por parte dos alunos pode

estar relacionado com a posição que o campo foi relegado. Como o campo e a cultura

campesina foram historicamente atrelados a uma concepção de atraso, isso pode refletir

em um desinteresse por parte dos próprios moradores do campo em conhecer mais sobre

sua própria cultura, pois acabam entendendo o campo, sua cultura, suas relações sociais,

como inferiores a cidade, logo, acabam se afeiçoando mais aos valores citadinos.

Segundo outra professora que trabalha com a escola integral, não há um preparo do

professor para que este possa estabelecer essa relação. “Existe a possibilidade, mas

existe um despreparo”. Esse despreparo pode estar relacionado tanto com a deficiência

de políticas específicas que se proponham a formar professores para o campo como

pode ser relacionado com o fato de que quase todos os professores entrevistados

(87,5%), não apresentam vínculo aparente com o campo, moram na cidade, e vão ao

campo apenas a trabalho. Conforme Arroyo, “As normalistas, pedagogas ou professoras

formadas para as escolas das cidades poderiam ir e voltar cada dia da cidade para a

escolinha rural e pôr em prática seus saberes da docência com algumas adaptações”

(ARROYO, 2007, p.159).

Os movimentos sociais têm clareza de que a conformação do sistema

de educação com uma rede de escolas do campo no campo e com um

corpo profissional com formação específica exige educadoras e

educadores do campo no campo. Sabemos que um dos determinantes

da precariedade da educação do campo é a ausência de um corpo de

profissionais que vivam junto às comunidades rurais, que seja

oriundos dessas comunidades, que tenham como herança a cultura e

os saberes da diversidade de formas de vida no campo. A maioria das

educadoras e educadores vai, cada dia, da cidade à escola rural e de lá

volta a seu lugar, a cidade, a sua cultura urbana. Conseqüentemente,

nem tem suas raízes na cultura do campo, nem cria raízes. (ARROYO,

2007, p. 169)

A pergunta, “Você acha que o Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II é ou

deve ser neutro frente aos conflitos agrários? Por quê?”, objetivou saber a opinião do

corpo docente sobre a função da escola enquanto formadora de consciência de classe,

enquanto formadora de consciência política. E ainda, se a escola deve ou não se

posicionar contra a lógica dominante, tendo em vista que o discurso da neutralidade é

um discurso que buscar manter o status quo. A resposta da primeira professora

entrevistada reconhece a impossibilidade de haver neutralidade: “Não existe

neutralidade, mas a opção política é de cada um”. Outros professores apontam da

necessidade da escola abordar temas referentes à questão agrária, argumentando que a

maioria dos alunos são do pré-assentamento do MST, “Tem que estar em pauta, porque

a maioria dos alunos são de assentamentos, vivem na dificuldade, vivem a margem da

sociedade.”, outra professora seguindo essa linha coloca, “a escola tem que, no mínimo

esclarecer, questionar, colocar o assunto em voga. Tem aluno que não tem água ou luz.

A escola não pode fechar os olhos”. O diretor da escola argumenta que a escola tem o

papel de conscientizar, esclarecer, mas não pode se envolver diretamente com os

conflitos agrários. Essa afirmação tira da escola seu papel revolucionário, e acaba

levando a uma função apenas esclarecedora. Conforme verificado na discussão teórica

sobre a educação no campo, a escola, materializada pelos professores e alunos que a

compõem, tem sim que se envolver diretamente nas questões que dizem respeito à

sociedade a qual ela faz parte, somente com o envolvimento direto nas lutas é que a

escola pode ter um caráter emancipador. Entretanto, como argumenta Meszaros (2005),

a educação formal nunca vai ser verdadeiramente contra-ideológica, pois existem

limitações legais, que impedem os próprios professores e o diretor de parte diretamente

das lutas em favor da maioria marginalizada e assim romperem com o modo capitalista

de produção.

Em contraposição as respostas anteriores, uma professora apontou a inexistência

de conflitos agrários na região: “Não temos conflitos agrários na região. Existe

assentamento, mas muito distante.”, ela argumenta que não apóia o assentamento pois

as condições são muito precárias, onde as pessoas moram em casa de papelão e

argumenta, “tem que dar infra-estrutura”. De acordo com essa professora, há uma

diferença entre politicagem e educação, ou seja, aparentemente a educadora tem uma

concepção que vincula educação com neutralidade. A neutralidade, nada mais é que

uma defesa de um discurso acrítico, ou seja, um discurso que contribui com a

manutenção da classe dominante no poder. (IANNI, 1976)

Na última pergunta, “Você acha que os conteúdos ministrados em sala de aula

contribuem para a compreensão da realidade e transformação da sociedade? De que

maneira?”, a maioria dos professores (75%) acredita que sim, a escola contribui para a

compreensão da realidade e transformação da sociedade. Porém, grande parte dos

exemplos mencionados não apontam em um sentido de transformação social,

relacionada à emancipação humana, um rompimento com o modo de produção

capitalista e sim a uma transformação individual, para os alunos virarem ‘cidadãos’. “...

não vai transformar tudo, a gente planta uma sementinha para o aluno se tornar um

cidadão...” e, continua, “... transformar a pessoa sabendo seus direitos e deveres, saber

calar na hora que é preciso e falar na hora necessária”. Seguindo uma linha distinta,

outra professora argumentou que, ao estimular a crítica na escola estaria contribuindo

com a transformação da sociedade, “quando se trabalha com a criticidade em sala de

aula”. O estímulo à criticidade é de extrema relevância no processo de transformação

social, pois auxilia o aluno na construção de um pensamento contestador, ao invés de

ensiná-lo a “... saber calar na hora que é preciso...”, ou seja, ensiná-lo a não contestar.

Nas entrevistas realizadas com os alunos foram ouvidos dezesseis estudantes do

sétimo e oitavo ano. Dos dezesseis alunos entrevistados dois moram no pré-

assentamento Oziel II, três moram no pré-assentamento Oziel III, oito alunos moram em

chácaras na região do Pipiripau, um estudante mora em chácara própria na região do

Capão das Negras (GO) e os demais, dois estudantes, em fazendas localizadas na região

do Pipiripau.

A idade dos entrevistados varia de onze até dezessete anos. Apenas dois alunos

(12,5%) afirmaram trabalhar fora de casa, recebendo salário para exercer suas

atividades. Um deles tem um emprego fixo em uma fazenda próxima de onde mora e a

outra trabalha como diarista e babá em dias esporádicos. Os dois alunos que trabalham

possuem dezesseis e dezessete anos e cursam o sétimo ano do ensino fundamental, os

dois estudantes são, juntamente com uma outra aluna de dezesseis anos os mais velhos

da turma (7º ano B). Os estudantes que trabalham apontaram a dificuldade de

permanecerem na escola no período vespertino para as atividades da escola integral.

Isso mostra como pessoas oriundas das camadas mais pobres da classe trabalhadora têm

menos tempo de dedicação ao processo de aprendizagem, que constantemente resulta

em uma educação de qualidade inferior e, ao precisarem realizar um trabalho manual

repetitivo acabam prejudicando o seu próprio desenvolvimento intelectual. Esses

adolescentes poderiam estar se dedicando a um processo integrado de teoria e prática,

pois é nas atividades da escola integral que os professores buscam fazer essa relação, ao

invés disso, eles têm que assumir empregos, muitas vezes, alienantes. Os demais

entrevistados não trabalham formalmente apenas ajudam os pais em afazeres

domésticos.

A primeira pergunta direcionada aos estudantes foi, “Na escola você aprende

coisas que você utiliza no seu dia-a-dia? Exemplifique”, esta tinha a intenção de saber

se há uma relação entre os conteúdos ministrados em sala de aula com as peculiaridades

do campo. As respostas demonstraram que a maioria dos alunos (81,25%) acredita que

há uma relação entre os conteúdos ensinados com o dia-a-dia deles. Desses 81,25% que

responderam sim a pergunta quatro, aproximadamente 40% deram exemplos que

demonstraram que, apesar do currículo e os livros adotados serem iguais aos das escolas

urbana, há uma tentativa por parte dos professores de relacionar os conteúdos ensinados

a realidade desses alunos. Os exemplos que demonstram isso foram: aprender a

identificar plantas, ensinar a aproveitar alimentos, a questão do artesanato, discussões

sobre agrotóxico, desmatamento, queimadas. “Aprendo contas, matemáticas, identificar

uma planta...”. Outro aluno afirma: “Tudo, na escola a gente conversa sobre

agrotóxico...”, e uma estudante responder: “Sim, é... ensina como aproveitar alimentos,

artesanato”.

Já nas perguntas dois, três e quatro, a intenção foi descobrir um pouco acerca da

consciência de classe dos alunos. Sobre a pergunta dois: “Você já participou de alguma

manifestação, ou outra forma de luta por direitos? Se sim, em que situação”, apenas

cinco alunos (31,25%) responderam que sim, dos que deram resposta positiva, três

(60%) são do pré-assentamento, todos os três afirmaram que participaram de lutas

relacionadas ao próprio assentamento, não somente de manifestações como de

audiências públicas. Um dos outros dois, que mora em uma fazenda, afirmou ter

participado de um vídeo da escola em que reivindicavam a construção de uma quadra e

de um posto de saúde para a região, sendo este o único que relatou experiências de luta

ligada a escola. Apesar da relativa baixa participação em lutas, todos os entrevistados

responderam sim a questão de número três, “Você considera importante a organização

coletiva na luta por direitos?” as justificativas iam no sentido de que a organização

coletiva ajuda a dar visibilidade, como relata uma aluna entrevistada que mora em uma

chácara da região: “eu acho importante sim porque se você está tendo algum problema,

as vezes um abaixo-assinado, uma manifestação ajuda a abrir os olhos”. A aluna

moradora do Oziel III, que declarou participar de reuniões das decisões do

assentamento, demonstra uma consciência coletiva, quando responde a pergunta sobre a

importância da organização coletiva na luta por direitos: “Eu acho bom, porque além de

ajudar quem necessita o povo não fica por si mesmo. Se você tá precisando de alguma

coisa, de alguma ajuda, tipo assim, você saber que é entre o grupo, entre as pessoas,

não é uma coisa individual. Eu faço isso por que isso serve aos outros. Algumas coisas

a gente discorda, mas assim, é muita reunião, a gente decide junto”. A importância da

organização coletiva, reconhecida pelos estudantes entrevistados se contrapõe a visão

dominante que é disseminada de que o individualismo é uma característica intrínseca do

que romper com essa visão de que o homem do campo não se organiza coletivamente.

A pergunta quatro “Você sabe por que existem assentamentos e ocupações de

terra?” foi a mais problemática, pois demonstrou um desconhecimento da causa de

existência de assentamentos pelos próprios assentados. Os alunos assentados que

afirmaram participar de reuniões, manifestações do assentamento responderam a essa

pergunta, “tem gente que não tem terra e invade pra ter onde morar”, outra aluna

complementa “falta emprego na cidade aí a gente vem pra cá”. Mas os que afirmaram

não participar das reuniões, não sabiam o porquê da existência de assentamentos e

ocupações de terra, “não sei não”. Esse desconhecimento justo dos alunos que não

participam das reuniões pode significar que, apesar de os professores reconhecerem a

importância de se esclarecer, de colocar a questão dos conflitos agrários da região, há

uma deficiência da escola em explicar a realidade do aluno assentado, de fazer com que

esse aluno entenda as razões dele morar onde mora, e relacionar isso com a questão

agrária brasileira. É fundamental abordar esse tema em sala de aula, mesmo que não

seja feito de forma aprofundada, respeitando faixa-etária dos alunos, pois assim ajuda na

formação da consciência de classe, incentivando-os a lutar e a não reproduzirem

discursos preconceituosos em relação a eles mesmos. Outro ponto essencial para

problematização é sobre a atuação do MST na escola. Mais da metade dos alunos

moram no pré-assentamento do MST e, segundo relato do diretor, o movimento não tem

atuação direta dentro da escola, entretanto há propostas de trabalho junto com ao MST

por parte de algumas professoras. Os motivos para o Movimento dos Sem Terra não

atuar diretamente na escola são desconhecidos, entretanto a atuação direta do MST

dentro da escola é fundamental na construção da consciência de classe dos alunos. A

Educação do Campo nasce dos movimentos sociais e estes necessitam construir e

administrar a escola, pois quando a realidade da escola difere disso, volta-se a um

estágio onde os “aparelhos ideológicos do Estado”, ou seja, o próprio Estado, se propõe

a romper com ele mesmo. Exceto por meio do poder dos movimentos sociais, sua

atuação contra-ideológica, e através da independência da escola frente ao Estado, é que

a escola pode contribuir com a emancipação humana, caso contrário, por mais

‘libertadora’ que ela se proponha a ser, continuará cumprindo uma função ideológica a

favor da burguesia, classe social dominante, e contra os trabalhadores. Pois, como foi

discutido anteriormente, sempre haverá barreiras ditas legais que impedem os

professores e diretores de atuar buscando um rompimento com a lógica do capital.

Sendo a luta de classes o objetivo dessa educação dos trabalhadores

ainda dentro do capitalismo, ela deveria cumprir certos critérios para

compreender-se enquanto alternativa e ruptura com a educação

hegemônica.

Um deles, já explicitado é a vinculação educação-trabalho produtivo,

superando a dicotomia da escola capitalista de teoria-prática. A outra,

já implícita, é a independência dessa educação diante as instituição

burguesas. Essa característica de suma importância foi tratada por

Marx (2006, p.127): “É preciso rejeitar peremptoriamente uma

‘educação popular a cargo do Estado’ [...] É preciso antes banir toda a

influência sobre a escola, tanto de parte do governo quanto da Igreja.

(Pimenta, 2010, p.13)

Na pergunta de número cinco, foi questionado aos alunos se o que eles

aprendiam na escola podia ajudá-los a transformar a sociedade e como isso se daria.

Essa pergunta teve o intuito de perceber qual a relação que os alunos entendem entre

escola e emancipação humana. Apenas dois (12,5%) responderam que o que aprendiam

na escola não podia ajudá-los a transformar a sociedade. “Não aprendo nada que me

faça pensar em mudanças”, o outro respondeu “Às vezes, quer dizer, acho que não”.

Já os outros alunos responderam a essa indagação com exemplos que se referiam a

mudanças individuais, a crescimento econômico individual, e não a mudanças sociais.

Nas respostas não foi encontrada nenhuma menção à tentativa de diminuição das

desigualdades sociais, muito menos alguma referência à emancipação. “Pode. Pra

ajudar uma pessoa que quer colocar dinheiro na bolsa de valores, ajudar fazer algum

empreendimento. Meu pai se quiser comprar uma plantadeira, ..., mexer num GPS”,

outros responderam que com o que aprendem podem ajudar os pais com alguma coisa

que eles não saibam “o que eu aprendo aqui posso até passar pros meus amigos que

pararam de estudar. O que eu aprendo aqui posso ir repassando pros meu amigos... O

professor de Geografia ensina muito a gente sobre a bolsa de valores, então se eu for

fazer um investimento eu já sei né porque o professor já passou pra gente”. Essas

respostas elaboradas pelos alunos vão ao encontro à lógica individualista do sistema

capitalista, onde por mais que se tenha uma consciência de que existem ricos e pobres,

não há uma menção à diminuição das desigualdades e sim a um crescimento individual

proporcionados pelos conhecimentos da escola. Dois alunos colocam como importante e

como mudança ‘social’, fazer investimentos na bolsa de valores, lógica estritamente

capitalista que em nada busca uma diminuição de desigualdades muito menos um

rompimento com o sistema vigente em busca da emancipação humana. A fala dos

alunos revela um problema onde, dos conteúdos ensinados o que eles conseguem captar

como ‘mudança’ nada mais é do que uma adaptação a lógica vigente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho objetivou levantar discussões acerca do movimento da

Educação do Campo e, através da análise do Centro de Ensino Fundamental Pipiripau

II, discutir sobre os limites e possibilidades para a emancipação humana desse

movimento. Até que ponto a Educação do Campo pode, por si só, contribuir com um

rompimento com o modo de produção capitalista em busca da emancipação total da

humanidade, quais os limites da escola formal, institucionalizada e qual a função do

movimento social na construção da educação foram os questionamentos centrais

A educação formal é limitada, pois somente consegue fazer discussões que não

contestam diretamente o poder vigente. Por melhor intenção que tenham os professores

e diretores, há uma obrigatoriedade de abrandar o discurso. Esse abrandar o discurso

ocorre, muitas vezes, quando os professores desvinculam a escola da luta, como no caso

dos professores da escola estudada, que entendem a importância da escola esclarecer

sobre a razão da existência de assentamentos, mas desconsideram o envolvimento direto

da escola com a luta dos assentados da região. Isso pode estar relacionado com o fato de

a educação formal pertencer ao Estado e este não permitiria grandes contestações, muito

menos um envolvimento direto da escola com lutas populares, que são opostas aos

interesses das classes dominantes que o Estado sempre defendeu. E quando ocorrem

questionamentos, na escola formal, que ponham em risco a hegemonia do Estado e a

classe econômica que este defende, o Estado utiliza de aparatos ‘legais’ para barrar o

desenvolvimento de uma escola de luta e busca criminalizá-la. A título de exemplo

podemos nos remeter ao processo de fechamento de escolas itinerantes no Rio Grande

do Sul. Mesmo depois da conquista do movimento em reconhecer as suas escolas como

legais perante o Estado burguês, aos poucos essas escolas vão sendo fechadas com

argumentos como do promotor Gilberto Thums (19/02/2009) sobre o fechamento de

uma escola itinerante no Rio Grande do Sul “Pode vir qualquer padreco falar o que

quiser, mas não podemos permitir que se use dinheiro público para pagar professor que

é indicado e finge dar aula. Querem dar um ensino à Fidel Castro, e isso não é

possível”(www.mst.org.br; acesso em 20/06/2011). A fala do promotor demonstra o que

o Estado burguês espera da educação e como utilizará de aparatos para barrar o

desenvolvimento de uma educação verdadeiramente libertadora. Desmerece os

conhecimentos dos professores do movimento, pois argumenta que estes não são

concursados. Como se o conhecimento de quem tem vínculo com a luta não fosse

suficiente e, o melhor conhecimento fosse aquele que reproduz o discurso dominante.

Os movimentos sociais por serem expressões da classe trabalhadora necessitam estar no

poder da escola, administrando, conduzindo, somente dessa forma a educação popular

será realmente em benefício da classe trabalhadora.

A referida possibilidade de emancipação humana da Educação do Campo está

quando esta se propõe a conceber o trabalho como princípio educativo, rompendo com a

separação, tipicamente burguesa, entre teoria e prática; quando esta busca romper com a

dicotomia campo-cidade, quando critica o desenvolvimento desigual do capitalismo,

que acabou expulsando milhares de camponeses para as cidades objetivando o

desenvolvimento do agronegócio; quando contesta a idéia de um individualismo ‘inato’

do camponês; quando propõe que a escola tem que estar sob o poder dos trabalhadores;

quando se concebe a educação de forma mais ampla, diferindo escola de educação, e

vincula a educação à luta dos trabalhadores; quando contesta o capitalismo e propõe um

rompimento com o modo de produção atual.

A classe trabalhadora não pode abaixar a bandeira e aceitar concessões.

Parafraseando Arroyo (2008), é preciso lutar por uma educação do campo, no campo,

feita pelos povos campo. A escola necessita ser conduzida, administrada pelo povo,

somente assim poderemos falar de educação verdadeiramente popular.

O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II é um exemplo de que mesmo com

os esforços e boa vontade de alguns professores, que procuram estabelecer uma nova

lógica para a educação no campo, quando não há um vinculo dos educadores com o

campo, e com o movimento social, esta se torna fraca na construção de consciência de

classe e com a perspectiva de mudança social efetiva, em busca da superação do modo

capitalista de produção.

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